Nelly Novaes Coelho - Literatura Infantil

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& NELLY NOVAES COELHO 2000

COORDENAÇÃO EDITORIAL: Maristela Petrili de Almeida Leite


ASSISTÊNCIA EDITORIAL: Marcelo Gomes
EDIÇÃO E PREPARAÇÃO DE TEXTO: Adalberto Luís de Oliveira
DIGITAÇÃO: Rosa Chadu Dalhbem
COORDENAÇÃO DA REVISÃO: Estevam Vieira Ledo Jr.
REVISÃO: José Gabriel Arroio
GERÊNCIA DE PRODUÇÃO GRÁFICA: Wilson Teodoro Garcia
EDIÇÃO DE ARTE E PROJETO GRÁFICO: Mocma Cavalcanti
CAPA: Moema Cavalcanti
ILUSTRAÇÕES: Eva Furnan, Claudia Scatamacchia, Avelino Guedes,
Odilon Mones, Leninha Lacerda, Fernando Pisani,
Rogerio Borges e Lucia Brandão
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: Solange de Souza
SAÍDA DE FILMES: Helio P. de Souza Filho. Luiz A. da Silva
COORDENAÇÃO DO PCP: Fernando Dalto Degan
IMPRESSÃO E ACABAMENTO PSP Digital
LOTE: 289215

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Coelho, Nelly Novaes


Literatura infantil teoria, análise,
:

didática Nelly Novaes Coelho, 1. ed.


— —

São Paulo Moderna, 2000.


:

Bibliografia

L. Literatura infantojuvenil História e


—

crítica 2. Literatura infantojuvenil brasileira —

História e crítica 3. Livros e leitura para


crianças |. Título.

ISBN 85-16-02631-0
CDD-B09.809282

Índices para catálogo sistemática:


L Literarura infantil: História € critica B00.89282

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Todos us direitos reservados

EDITORA MODERNA LTDA.


Rua Padre Adelino, 758 Belenzinho
-

São Paulo SP Brasil CEP 03303-904


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Vendas « Atendimento: Tel. 2790-1300(1)


www modermaliteratura.com.br
2020

Impresso no Brasil
LITERATURA INFANTIL

A NATUREZA DA LITERATURA INFANTIL

A literatura infantil
é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fe-
nômeno de criatividade que representa C mundo, o homem, aÀ vida,
o

através da palavra. Funde os sonhos ad vida prática, o imaginário e o


e

real, os ideais e sua possível/impossível realização...


Literatura é uma linguagem específica que, como toda linguagem,
expressa uma determinada experiência humana, dificilmente pode-
e

rá ser definida com exatidão. Cada época compreendeu e produziu


literatura a seu modo. Conhecer esse "modo" é, sem dúvida, conhecer
a singularidade de cada momento da longa marcha da humanidade
em sua constante evolução. Conhecer À literatura que cada época
a

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Ney Novaes CoELHO

destinou às suas crianças é conhecer os ideais e valores ou desvalores


sobre os quais cada sociedade se fundamentou (e se fundamenta...).
Em linhas gerais, as interrogações dos estudiosos quanto à natureza
e ao objetivo da literatura incidiram sobre certos pontos que de época

para época são reavaliados. Os principais seriam:


1. Literatura, como arte da palavra, é um jogo descompromissado, que visa

apenas o prazer estético, ou visa transmitir conhecimentos ao homem?


2. Literatura é fruto da imaginação criadora, livre? Ou condicionada por
é

fórmulas, conceitos ou valores que a sociedade impõe ao escritor? Ou


ainda, literatura é criação individual ou social?
3. A literatura é necessidade vital para C homem, ou é mera gratuidade,
o

entretenimento que nada acrescenta de essencial à vida humana?


4. Há uma essência eterna e substancial da literatura, ou ela é uma forma
estética da práxis social? É ela um epifenômeno dependente do progresso
ou da alteração das condições de produção e consumo da obra, vigentes em
cada época ou em cada sociedade?
Às interrogações poderiam multiplicar-se. Mas cada resposta a essas
preocupações de natureza literária dependerá sempre de uma opção
ideológica, extraliterária (seja esta consciente ou inconsciente...). Como
essas opções são múltiplas € mudam continuamente, fácil é compre-
e

endermos a quase impossibilidade de se chegar a uma definição clara


e unívoca do que seja literatura. Jamais se conseguiu definir a vida de
modo cabal e definitivo.
Fenômeno visceralmente humano, a criação literária será sempre tão
complexa, fascinante, misteriosa e essencial, quanto a própria condição
humana. Em nossa época de transformações estruturais, a noção de
literatura que vem predominando entre os estudiosos das várias áreas
de conhecimento é a de identificá-la como um dinâmico processo de
produção/recepção que, conscientemente ou não, se converte em favor
de intervenção sociológica, ética ou política. Nessa "intervenção" está
implícita a transformação das noções já consagradas de tempo, espaço,
personagens, ação, linguagem, estruturas poéticas, valores éticos ou
metafísicos, etc., etc.

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LITERATURA INFANTIL

À pressão do processo social/cultural/político, hoje em plena expan-


são (principalmente em nosso continente sul-americano), atua sobre a
criação, quanto ao aspecto ideológico, e não só altera a matéria literária
(em estrutura/forma/linguagem/gênero...), como transforma a possível
função do produto literário. Para além do prazer/emoção estéticos, a
literatura contemporânea visa alertar ou transformar a consciência crítica
de seu leitor/receptor.
Na verdade, desde as origens, À literatura aparece ligada a essa
a

função essencial: atuar sobre as mentes, nas quais se decidem as vontades


ou as ações; e sobre os espíritos, nos quais se expandem as emoções,
paixões, desejos, sentimentos de toda ordem... No encontro com a
literatura (ou com E] arte em geral), os homens têm a oportunidade de
a

ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida, em um


grau de intensidade não igualada por nenhuma outra atividade.
E quanto à Literatura Infantil?
Em essência, sua natureza é a mesma da que se destina aos adultos.
As diferenças que a singularizam são determinadas pela natureza do seu
leitor/receptor: a criança.
Vulgarmente, a expressão "literatura infantil" sugere de imediato
a ideia de belos livros coloridos destinados à distração e ao prazer das
crianças em lê-los, folheá-los ou ouvir suas histórias contadas por al-
guém. Devido aL essa função básica, até bem pouco tempo, A literatura
a

infantil foi minimizada como criação literária e tratada pela cultura oficial
como um gênero menor.
Ligada desde a origem à diversão ou ao aprendizado das crian-
ças, obviamente sua matéria deveria ser adequada à compreensão
e ao interesse desse peculiar destinatário. EE como À criança era vista
a

como um "adulto em miniatura", os primeiros textos infantis re-


sultaram da adaptação (ou da minimização) de textos escritos para
adultos. Expurgadas as dificuldades de linguagem, as digressões ou
reflexões que estariam acima da compreensão infantil; retiradas as
situações ou os conflitos não-exemplares e realçando principalmente
as ações ou peripécias de caráter aventuresco ou exemplar... as obras
literárias eram reduzidas em seu valor intrínseco, mas atingiam o novo

29
NeLiy Novaes CoELHO

objetivo: atrair o pequeno leitor/ouvinte e levá-lo a participar das di-


ferentes experiências que a vida pode proporcionar, no campo do real
ou do maravilhoso.
Compreende-se, pois, que até bem pouco, em nosso século, 7 lite- a

ratura infantil fosse encarada pela crítica como um gênero secundário,


e fosse vista pelo adulto como algo pueril (nivelada ao brinquedo) ou
útil (nivelada à aprendizagem ou meio para manter a criança entretida
e quieta).
O caminho para a redescoberta da literatura infantil, no sécu-
lo XX, foi aberto pela psicologia experimental, que, revelando a
inteligência como o elemento estruturador do universo que cada indiví-
duo constrói dentro de si, chama a atenção para os diferentes estágios
de seu desenvolvimento (da infância à adolescência) e sua importância
fundamental para a evolução e formação da personalidade do futuro
adulto. Revelou, ainda, que cada estágio corresponde a uma certa fase
de idade. A sucessão das fases evolutivas da inteligência (ou estruturas

mentais) é constante e igual para todos. As idades correspondentes a


cada uma delas podem mudar, dependendo da criança ou do meio
em que ela vive. A partir desse conhecimento do ser humano, a noção
de "criança" muda e nesse sentido torna-se decisivo para À literatura
a

infantil/juvenil adequar-se ou conseguir falar, com autenticidade, aos


seus possíveis destinatários.
Portanto, a valorização da literatura infantil, como fenômeno signi-
ficativo e de amplo alcance na formação das mentes infantis e juvenis,
bem como dentro da vida cultural das sociedades, é conquista recente.
Dentro das muitas definições e controvérsias quanto à verdadeira ou
possível natureza dessa literatura e sua provável função em nossa época,
adotamos a posição de Marc Soriano, na linha semiológica de Roman
Jakobson, quando define a linguagem:

A literatura infantil é uma comunicação histórica (localizada


no tempo e no espaço) entre um locutor ou um escritor-adulto
(emissor) e um destinatário-criança (receptor) que, por definição,

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LiTERATURA INFANTIL

ao longo do período considerado, não dispõe senão de modo


parcial da experiência do real e das estruturas linguísticas, intelec-
tuais, afetivas e outras que caracterizam A idade adulta. (Soriano,
a

1975.)

Embora não abranja a totalidade do fenômeno em causa, essa de-


finição toca em seus elementos essenciais: o livro infantil é entendido
como uma "mensagem" (comunicação) entre um autor-adulto (o que
possui a experiência do real) e um leitor-criança (o que deve adquirir
tal experiência). Nessa situação, o ato de ler (ou de ouvir), pelo qual se
completa o fenômeno literário, se transforma em um ato de aprendizagem.
É isso que responde por uma das peculiaridades da literatura infantil.
E Soriano conclui:

Ela pode não querer ensinar, mas se dirige, apesar de tudo, a


uma idade que é a da aprendizagem e mais especialmente da
aprendizagem linguística. O livro em questão, por mais simpli-
ficado e gratuito que seja, aparece sempre ao jovem leitor como
uma mensagem codificada que ele deve decodificar se quiser atingir
o prazer (afetivo, estético ou outro) que se deixa entrever as- e

similar ao mesmo tempo as informações concernentes ao real


que estão contidas na obra. [...) Se a infância é um período de
aprendizagem, |...) toda mensagem que se destina a ela, ao longo
desse período, tem necessariamente uma vocação pedagógica. A
literatura infantil é também ela necessariamente pedagógica, no
sentido amplo do termo, e assim permanece, mesmo no caso em
que ela se define como literatura de puro entretenimento, pois a
mensagem que ela transmite então é a de que não há mensagem,
e que é mais importante o divertir-se do que preencher falhas (de
conhecimento). (Soriano, 1975.)

Parece-nos particularmente importante essa posição do sociólo-


go francês, porque é muito forte em nossa época a reação contra a
"vocação pedagógica" da literatura infantil e a defesa intransigente
de sua qualidade pura de "entretenimento". Tendência que pende

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NeLiy Novaes CoEeLHO

para uma radicalização que só pode ser negativa. Por um lado, porque
se a literatura resultar de um ato criador, forçosamente essa dicotomia
não se coloca, pois as duas intenções estarão ali fundidas. É, por outro
lado, porque, dentro do sistema de vida contemporânea (pressionado
pela imagem, pela velocidade, pela superficialidade dos contatos huma-
nos e da comunicação cada vez mais rápida e aparente...), acreditamos
que a literatura (para crianças ou para adultos) precisa urgentemente ser
descoberta, muito menos como mero entretenimento (pois deste se encarre-
gam com mais facilidade os meios de comunicação de massa), e muito
mais como uma aventura espiritual que engaje o eu em uma experiência
rica de vida, inteligência e emoções.

A LITERATURA E OS ESTÁGIOS PSICOLÓGICOS DA CRIANÇA

Para que o convívio do leitor com literatura resulte efetivo, nessa


a

aventura espiritual que é a leitura, muitos são os fatores em jogo. Entre


os mais importantes está a necessária adequação dos textos às diversas
etapas do desenvolvimento infantil/juvenil.
Embora a evolução biopsíquica das crianças, pré-adolescentes
e adolescentes divirja de uns para outros (dependendo dos muitos
fatores que se conjugam no processo de desenvolvimento individu-
al), a natureza e a sequência de cada estágio são iguais para todos,
conforme o prova a psicologia experimental. Assim, a inclusão do
leitor em determinada "categoria" depende não apenas de sua faixa
etáriá, mas principalmente da inter-relação entre sua idade cronoló-
gica, nível de amadurecimento biopsíquico-afetivo-intelectual e grau
ou nível de conhecimento/domínio do mecanismo da leitura. Daí
que as indicações de livros para determinadas "faixas etárias" sejam
sempre aproximativas.
Sugerimos, a seguir, alguns princípios orientadores que podem ser
úteis para a escolha de livros adequados a cada categoria de leitor. Ao
estabelecê-los, levamos em consideração as inter-relações acima men-
cionadas, dentro de uma evolução considerada normal.

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LITERATURA INFANTIL

O pré-leitor

Categoria inicial que abrange duas fases:

Primeira infância (dos 15/17 meses aos 3 anos) À criança inicia oreconhe-
cimento da realidade que a rodeia, principalmente pelos contatos
afetivos e pelo tato. É a chamada fase da "invenção da mão", pois seu
impulso básico é pegar em tudo que se acha ao seu alcance. É também
o momento em que a criança começa À conquista da própria linguagem e
a

passa a nomear as realidades à sua volta.


Para estimular tal impulso natural, as gravuras de animais ou de
objetos familiares à criança devem ser incluídos entre os seus brinquedos (bi-
chos de pelúcia ou qualquer material macio, fofo; chocalhos musicais,
etc.). Tais gravuras, desenhos ou ilustrações podem ser em folhas soltas
ou em álbuns, feitos de material resistente e agradável ao tato (pano,
plástico, papel grosso...). O importante, nessa fase, é essencialmente a
atuação do adulto, manipulando e nomeando os brinquedos ou desenhos;
inventando situações bem simples que os relacionem afetivamente com
a criança, etc. É nessa fase que o mundo natural e C mundo cultural (o
o

da linguagem nomeadora) começam d se relacionar na percepção que


a

a criança começa aÀ ter do espaço global em que vive.

Segunda infância (a partir dos 2/3 anos) Fase em que começam a predo-
minar os valores vitais (saúde) e sensoriais (prazer ou carências físicas e
afetivas), e quando se dá a passagem da indiferenciação psíquica para
a percepção do próprio ser. Início da fase egocêntrica e dos interesses
ludopráticos. Impulso crescente de adaptação ao meio físico e crescente
interesse pela comunicação verbal.
Em casa ou na "escolinha", a presença do adulto é fundamental
quanto àL sua orientação para a brincadeira com ) livro. Aprofunda-se a
o

descoberta do mundo concreto e do mundo da linguagem através das


atividades lúdicas. Tudo o que acontece ao redor da criança é, para ela,
muito importante significativo. Os livros adequados a essa fase devem
e

propor vivências radicadas no cotidiano familiar à criança e apresentar


determinadas características estilísticas:

33
NeLLy Novaes CoeLHO

*
Predomínio absoluto da imagem (gravuras, ilustrações, desenhos,
etc.), sem texto escrito ou com textos brevíssimos, que podem ser lidos
ou dramatizados pelo adulto, a fim de que a criança comece a perceber
a inter-relação entre o mundo real que a cerca e o mundo da palavra que
nomeia esse real. É a nomeação das coisas que leva a criança a um
convívio inteligente, afetivo e profundo com realidade circundante.
a

*
As imagens devem sugerir uma situação (um acontecimento, um fato,
etc.) que seja significativa para a criança ou que lhe seja de alguma
forma atraente.
*
Desenhos ou pinturas, coloridas ou em preto-e-branco, em traços ou
linhas nítidas, ou em massas de cor que sejam simples e de fácil comu-
nicação visual. A técnica da colagem tem-se mostrado muito atraente
para o olhar O interesse infantil.
e

graça, o humor, um certo clima de expectativa ou mistério... são


* À

fatores essenciais nos livros para o pré-leitor.


A técnica da
repetição ou reiteração de elementos é das mais favoráveis para
*

manter a atenção e o interesse desse difícil leitor a ser conquistado.

Coleção "Peixe Vivo", de Eva Furnari (Ática); Co-


Livros para o pré-leitor
leção "Escadinha", Série "Um Degrau", de Lúcia Pimentel Góes/Naomy
Kuroda (Ed. do Brasil); Coleção "Crie & Conte", de Cristina Porto/
Tenê de Casa Branca (FTD); Coleção "Só Imagem", de Eva Furnari
(Global); Coleção "Hora da Fantasia" (Moderna); Série "Amendoim",
de Eva Furnari (Paulinas); Série "Livros de Imagem" (Moderna); Co-
leção "Conte Outra Vez..." (Formato); Coleção "As Meninas", de Eva
Furnari (Formato); Coleção "Canta e Dança" (Brinque-Book); "Livros
de Pano", de Paula Valéria (APEL); Coleção "Livros de madeira", de
Alice e Lúcia Góes (Ed. Saxônia).

Fase da aprendizagem da leitura,


O leitor iniciante (a partir dos 6/7 anos)
na qual a] criança já reconhece, com facilidade, os signos do alfabeto
e reconhece a formação das sílabas simples e complexas. Início do

processo de socialização e de racionalização da realidade.

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LITERATURA INFANTIL

Nessa fase, a presença do adulto, como "agente estimulador", faz-


-se ainda necessária, não só para levar a criança a se encontrar com o
mundo contido no livro, como também para estimulá-la a decodificar
os sinais gráficos que lhe abrirão as portas do mundo da escrita. Nesse
sentido, um dos melhores incentivos a lhe ser dado é o aplauso ou o
estímulo carinhoso a cada uma de suas pequenas "vitórias". Os livros
adequados a essa fase apresentam as seguintes características:

*
/À imagem ainda deve predominar sobre o texto.
*
A narrativa deve desenvolver uma situação (acontecimento, fato,
conflito, etc.) simples, linear e que tenha princípio, meio e fim. O pen-
samento lógico da criança exige unidade, coerência e organicidade
entre os elementos da narrativa, independentemente de ser fantástica,
imaginária ou realista.
*
Como sempre, o humor, a graça, a comicidade... são fatores muito
positivos.
*
As personagens podem ser reais (humanas) ou simbólicas (bichos, plantas,
objetos), mas sempre com traços de caráter ou comportamento bem
nítidos. Isto é, com limites precisos entre bons e maus, fortes e fracos,
belos feios, etc.... Embora o maniqueísmo seja atualmente recusado
e

como visão do mundo, a verdade é que para as crianças (cujo conheci-


mento de mundo está ainda em formação) essa delimitação é necessária.
Mais tarde, a ambiguidade das realidades será descoberta... mas, nesse
momento, já terão assimilado parâmetros para julgamento.
*
O texto deve ser estruturado com palavras de sílabas simples (vogal/
consoante/vogal), organizadas em frases curtas nominais ou absolutas (pe-
ríodos em coordenadas...), enunciadas em ordem direta e jogando com
elementos repetitivos, para facilitar a compreensão dos enunciados.
* Os
argumentos devem estimular a imaginação, a inteligência, a afeti-
vidade, as emoções, o pensar, o querer, o sentir... Indiferentemente,
podem se desenvolver no mundo do maravilhoso (do "Era uma vez")
ou no mundo cotidiano, no dia a dia do pequeno leitor, com suas ale-
grias, desejos, travessuras, obstáculos, frustrações, sonhos, etc. Ou
ainda resultarem da fusão dos dois mundos: o da fantasia e o do real.

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Novaes CoELHO

Nessa fase, a criança é atraída particularmente pelas histórias bem-


-humoradas em que a astúcia do fraco vence a prepotência do forte; ou
em que À inteligência vence o mal... Contemporaneamente, a literatura
a

para crianças enfatiza especialmente o fenômeno do pensar, do sentir


e do querer, em sua necessária complementariedade.

Livros para o
Coleção "Gato e Rato", de Mary e Eliardo
leitor iniciante
França (Ática); Coleção "Girassol" (Moderna); Série "Um Dois Feijão
com Arroz", de Tenê (Ática); Série "Lagarta Pintada", (Ática); Coleção
"Escadinha", de Lúcia Góes/Naomy Kuroda (Ed. do Brasil); Coleção
"Primeiras Histórias" (FTD); Série "Pega-Pega", "Coleção Didática/Série
Descobrindo" e Coleção "Cavalo-Marinho" (Paulinas); Coleção "Hora
dos Sonhos", de Ruth Rocha (Quinteto Editorial); Coleção "Mico Mane-
co 2", de Ana Maria Machado (Salamandra); Série "Jogos Linguísticos"
(Moderna); Série "Onda Livre" (Global); Coleção "Mindinhoe seu Vizi-
nho" (Atual); Coleção "Marc Brown/Mundo de Arthur" (Salamandra);
Coleção "Derek Matthews" (Brinque-Book); Coleção "Beto e Bia" (José
Olympio); "Histórias ao pé da letra", de Hebe Coimbra (Formato); Série
"Mané Coelho", de Mary/Eliardo França (Ediouro).

Fase em que a criança já domina


O leitor-em-processo (a partir dos 8/9 anos)
com facilidade o mecanismo da leitura. Agudiza-se o interesse pelo co-
nhecimento das coisas. Seu pensamento lógico organiza-se em formas
concretas que permitem as operações mentais. Atração pelos desafios
e pelos questionamentos de toda natureza.
A presença do adulto ainda é importante como motivação ou
estímulo à leitura; como aplainador de possíveis dificuldades e, evi-
dentemente, como provocador de atividades pós-leitura. Como pecu-
liaridades formais, apontamos:

Presença das imagens em diálogo com ) texto.


*
o

*
Textos escritos em frases simples, em ordem direta e de comunicação
imediata e objetiva. Predominância dos períodos simples e introdução
gradativa dos períodos compostos por coordenação.
36
LITERATURA INFANTIL

* A
Í narrativa deve girar em torno de uma situação central, um problema,
um conflito, um fato bem definido À ser resolvido até ) final.
a o

*
A efabulação (concatenação dos momentos narrativos) deve obedecer
ao esquema linear: princípio, meio fim.
e

*
Ainda o humor, a graça e as situações inesperadas ou satíricas exercem
grande atração nos leitores dessa fase. O realismo e o imaginário ou a
fantasia também despertam grande interesse.

"Clássicos Infantis" (Moderna); Sé-


Livros para o leitor-em-processo
rie "Vento Azul" (Melhoramentos); Coleção "Mico Maneco 3-4",
de Ana Maria Machado (Salamandra); Coleção "Texto Imagem"
(Ed. do Brasil); Série "Ana Maria Machado" (Moderna); "Série
dos Reizinhos", de Ruth Rocha (Salamandra); Coleção "Estórias
para Brincar" (Vale Livros); Série "Azul" e Coleção "Primeiras
Histórias" (FTD); Coleção "Hora dos Sonhos", de Ruth Rocha
(Quinteto Editorial); Coleção "Desafios" (Moderna); Série "Poemas
Narrativos" (Moderna); Coleções "Viagem do olhar", de Claudio
Martins, "Quatro olhos", de Marta Neves e Fernando Cardoso, e
"Quem diria!", de Maurício Veneza (Formato); Coleção "Família
Problema", de Babete Cole (Companhia das Letrinhas); "Contos
Clássicos" (Martins Fontes); "Coleção Fábulas Brasileiras" (Ediou-
ro).

O leitor fluente (a partir dos 10/11 anos) Fase de consolidação do domínio


do mecanismo da leitura e da compreensão do mundo expresso no
livro. Aleitura segue apoiada pela reflexão; a capacidade de concentração
aumenta, permitindo o engajamento do leitor na experiência narrada e,
consequentemente, alargando ou aprofundando seu conhecimento ou
percepção de mundo. À partir dessa fase, desenvolve-se o pensamento
hipotético dedutivo e a consequente capacidade de abstração. O ser é atra-
ido pelo confronto de ideias e ideais e seus possíveis valores ou desvalores.
As potencialidades afetivas se mesclam com uma nova sensação de
poder interior: a da inteligência, do pensamento formal, reflexivo. É a
fase da pré-adolescência.

37
Ney Novaes CoeLHO

Apresença do adulto já não se faz necessária. Há inclusive uma


certa tendência do pré-adolescente a rejeitar o apoio do adulto, pois
sente-se alimentado por uma grande força interior, uma quase onipo-
tência. Dá-se uma espécie de "revivescência do egocentrismo" infantil;
mentalmente, predominam os interesses ludo-afetivos; e ao mesmo
tempo pode-se dar um certo desequilíbrio em sua sintonização com o
meio em que vive. Fase de atração pelos valores "políticos", no sentido
de ser impelido para a participação em grupos, equipes... nos quais
as individualidades têm ocasião de se confrontarem. A ação do adulto
nesta fase deve ser a de um desafiador generoso, uma espécie de líder
entusiasmado que confia na capacidade de seus liderados... A variedade
da matéria literária, atraente nessa fase, aumenta consideravelmente.
Peculiaridades:

imagens já não são indispensáveis; o texto começa a valer por si.


As
*

Entretanto, uma ou outra ilustração adequada ainda é elemento de


atração.
* As personagens mais atraentes são da linhagem dos "heróis" ou das
"heroínas" essencialmente humanos, que se entregam à luta por um
ideal humanitário justo. Ou, sendo pessoas comuns, devem ser perso-
e

nagens questionadoras. Idealismo, emotividade, desafios à inteligência


são fatores básicos.
linguagem tende a ser mais elaborada; seja no nível coloquial ou no
* ÍA

nível culto (evidentemente, sem 0, lastro retórico, comum 5] linguagem


o à

literária tradicional). A imaginação a inteligência devem se conjugar


e

no verbal.
*
Os gêneros narrativos que mais interessam são os contos, as crônicas ou
novelas, de cunho aventuresco ou sentimental, que envolvam grandes
desafios do indivíduo em relação ao meio em que se encontra. Atra-
ção pelos mitos e lendas que expliquem a gênese de mundos, deuses
e heróis; pelas novelas de ficção científica (que antecipam ) futuro) ou
o

policiais (que desafiam a argúcia da inteligência); ou pelos argumentos


realistas que enfoquem os deserdados da sorte ou os problemas que,
no cotidiano, se opõem à plena realização de cada um; etc.

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LITERATURA INFANTIL

* Ainda o maravilhoso, o mágico... existentes em universos diferentes


do nosso mundo conhecido, continuam sendo grandes atrações. E
principalmente a presença desse maravilhoso, mágico, fantástico ou
absurdo como participante natural da vida cotidiana e real. Abre-se
espaço para o amor.

Livros para o leitor fluente Séries "Vivência", "Suspense" e "Ficção


Científica" (Melhoramentos); "Coleção Girassol" e "Coleção Veredas"
(Moderna); "Série Vagalume" (Ática); "Coleção Nossa Gente" (FTD);
"Coleção Passe Livre" (Ed. Nacional); "Coleção Segundas Histórias"
(FTD); "Coleção Tirando de Letra" (Atual); "Dias Bordados/Memórias
do Brasil" (Salamandra); "Coleção Jovens do Mundo Todo" (Brasi-
liense); "Coleção Jabuti" (Saraiva); "Transas e Tramas" (Atual); Série
"História e mais histórias Girassol" (Moderna): Bartolomeu Campos
—

Queirós, Faca afiada; Vivina de Assis Viana, Será que ele vem?, Giselda
Laporta Nicolelis, Um Dono para Buscapé, Wagner Costa, Aí, Né... e E
Depois? Ângela Lago, Ano novo danado de bom!; "Contos da Mitologia"
(FTD); Entre a espada a rosa, de Marina Colasanti (Salamandra); O Sofá
e
/4

Estampado, de Lygia Bojunga (José Olympio); "A Turma do Gordo", de


João Carlos Marinho (Global); "Contos e Lendas do) Japão", de Lúcia
Hiratsuka (Estação Liberdade).

Fase de total domínio da leitura, da


O leitor crítico (a partir dos 12/13 anos)

linguagem escrita, capacidade de reflexão em maior profundidade, po-


dendo ir mais fundo no texto atingir a visão de mundo ali presente...
e

Fase de desenvolvimento do pensamento reflexivo e crítico, empenha-


dos na leitura do mundo, e despertar da consciência crítica em relação
às realidades consagradas... agilização da escrita criativa. À ânsia de viver
funde-se com À
a ânsia de saber, visto como o elemento fundamental que
leva ao fazer e ao poder almejados para a autorrealização.
Nesta fase, o adolescente deve se abrir plenamente para o mundo
e entrar em relação essencial com o outro. Mas, nesta época de trans-

formações em que vivemos, os caminhos gratificantes para cada indi-

39
NeLiy Novaes CoeLHO

víduo não são fáceis de serem encontrados. Os estímulos são muitos,


na maior parte contraditórios, pois o caos dos valores ainda perdura
como marca de nosso mundo. Entretanto, novos valores já estão em
gestação e a nova literatura aponta para eles.
O convívio do leitor crítico com o texto literário deve extrapolar
a mera fruição de prazer ou emoção e deve provocá-lo para penetrar
no mecanismo da leitura.
O conhecimento de rudimentos básicos de teoria literária faz-se
necessário; pois literatura é a arte da linguagem e como qualquer arte
a

exige uma iniciação. |É como um jogo: não pode ser jogado por quem
não lhe conheça as regras ou não as combine com os parceiros. Em-
bora, como arte que é, literatura não comporte regras fixas e imutáveis,
a

há certos conhecimentos de sua matéria que não podem ser ignorados


pelo leitor crítico.

"Coleção Jovens do Mundo Todo" (Brasi-


Livros para o leitor crítico
liense); "Série Literatura Juvenil", "Coleção Travessias" e "Série 7
L

Faces" (Moderna); "Série Morena", "Série Entre Linhas e Letras"


e "Série Tirando de Letra" (Atual); "Série Trans-Ação" (Melhora-

mentos); "Série Vaga-lume" (Ática); "Coleção Polêmica" (Moder-


na); "Coleção) Jabuti" (Saraiva); "Coleção Reconstruir" (Formato);
q

"Coleção Vertentes" (Quinteto Editorial); "Coleção Por Dentro


das Artes" (Companhia das Letrinhas); "Coleção Assim é se lhe
parece" (Ediouro).

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LITERATURA INFANTIL

LITERATURA INFANTIL IDEAL: REALISTA OU FANTASISTA?

Questão que, de tempos em tempos, volta a provocar discussões e


dividir opiniões é a da validade, maior ou menor, de cada uma das
formas básicas da literatura infantil: o ideal para os pequenos leitores
seria À literatura realista? ou a fantasista?
a

A verdade é que esse problema se coloca também para A litera-


a

tura em geral e, conforme a época, uma ou outra dessas duas formas


(realismo ou imaginário) acabam por predominar no ato criador ou no
gosto do público. Tal predomínio, evidentemente, não se dá por acaso,
mas resulta de uma série de causas interdependentes e complexas que,
aqui, não cabe analisar. Entretanto, é importante notar que a atração
de um autor pelo registro realista do mundo à sua volta ou pelo registro
fentasista resulta de sua intencionalidade criadora: ora testemunhar a
realidade (o mundo, a vida real...) representando-a diretamente pelo
processo mimético (pela imitação fiel), ora descobrir "o outro lado" dessa

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Novaes COELHO

mesma realidade —
o não imediatamente visível ou conhecido —,
transfigurando-a pelo processo metafórico (representação figurada). Nesse
caso, a matéria literária identifica-se não com ] realidade concreta, mas
a

com a realidade imaginada, com o sonho, a fantasia, o imaginário, o


desconhecido.
Nenhuma dessas formas é melhor ou pior, literariamente. São apenas
diferentese dependem das relações de conhecimento que se estabelecem
entre os homens e o mundo em que eles vivem.

pensamento mágico

Em seus primórdios, ] literatura foi essencialmente fantástica: na infân-


a

cia da humanidade, quando os fenômenos da vida natural e as causas


e os princípios das coisas eram inexplicáveis pela lógica, o pensamento
mágico ou mítico dominava. Ele está presente na imaginação que criou
a primeira literatura: a dos mitos, lendas, sagas, cantos rituais, contos
maravilhosos, etc. AA essa fase mágica, e já revelando preocupação crítica
com À realidade das relações humanas, correspondem as fábulas. Nestas,
a

a imaginação representa, em figuras de animais, os vícios as virtudes


e

que eram característicos dos homens. Compreende-se, pois, por que


essa literatura arcaica acabou se transformando em literatura infantil:
a natureza mágica de sua matéria atrai espontaneamente as crianças.

pensamento lógico

À medida que o homem avança no conhecimento científico do mundo, e


começa a explicar os fenômenos pela razão ou pelo pensamento lógico,
também vai exigir da literatura uma atitude cientifica que possa repre-
sentar a verdade do real.
Mas, como nenhuma conquista do conhecimento é definitiva, as
épocas de crença na verdade cientifica se alternam com épocas de gran-
de descrença nas verdades exatas e, consequentemente, de redescoberta
da fantasia, da imaginação ou da magia. A literatura fantasista foi a

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LITERATURA INFANTIL

forma privilegiada da literatura infantil desde seus primórdios (séc.


XVII) até a entrada do Romantismo, quando o maravilhoso dos contos
populares é definitivamente incorporado ao seu acervo. Entretanto, a
necessidade de mostrar a nova verdade conquistada pela sociedade
romântico-burguesa gera uma nova literatura para crianças, centrada
no realismo cotidiano: narrativas que se constroem com fatos reais (facil-
mente identificados na vida cotidiana ou na história), e de que a obra
da Condessa de Ségur é modelo.
Portanto, à medida que o cientificismo se impõe como única pos-
sibilidade de conhecimento (baseado em fatos e em suas leis), o Realis-
mo passa a dominar À literatura como forma privilegiada de revelar o
a

mundo. Desde finais do século XIX até meados dos anos 50, diferen-
tes correntes de pensamento cientificista se têm sucedido na cultura
moderna (positivismo ou materialismo; pragmatismo ou utilitarismo;
personalismo, behaviorismo, socialismo, etc.). Embora cada corrente
tenha seus fundamentos e suas características próprias, todas se igualam
na tendência realista e experimentalista: recusam taxativamente qual-
quer possibilidade de conhecimento que pretenda ir além da experiência
concreta ou sensível, seja a dos fatos positivos e da matéria, seja a do jogo
das relações sociais (indivíduo o sociedade), etc.
Nos anos 60, o próprio avanço da ciência, descobrindo fenômenos
inexplicáveis pela lógica científica, acaba por desacreditar o enfoque
realista que vai ser superado pelo enfoque fantasista. A era dos computa-
dores começa; € homem domina o espaço planetário, lança satélites,
o

chega à Lua e continua avançando na descoberta do desconhecido; o


poder da mente começa ser investigado, através de diferentes pro-
a

cessos (em que se alternam religião, parapsicologia, experiências com


alucinógenos, ocultismo, etc.); enfim, uma nova mentalidade e uma
nova era são vislumbradas num horizonte possível de ser atingido em
pouco tempo (pelo menos é o que se crê...)
Em face desse acelerado processo de transformação tecnológica e
científica é de se compreender que o conhecimento científico, objeti-
vo realista fosse novamente superado por suas próprias conquistas.
e

As forças da fantasia, do sonho, da magia, da imaginação, do misté-

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NeLiy Novaes COELHO

rio, da intuição, etc. são desencadeadas como novas possíveis formas


de representação da experiência humana. O maravilhoso volta a en-
trar triunfalmente na literatura. Hoje, as duas tendências coexistem
igualmente poderosas vivas (ora separadas, ora fundidas no realis-
e

mo mágico ou na ficção científica), tanto na literatura adulta como na


infantil.

MARAVILHOSO E A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO INFANTIL

O maravilhoso sempre foi e continua sendo um dos elementos mais


importantes na literatura destinada às crianças. Essa tem sido a con-
clusão da psicanálise, ao provar que os significados simbólicos dos contos
maravilhosos estão ligados aos eternos dilemas que o homem enfrenta
ao longo de seu amadurecimento emocional. O que se processa desde
a fase narcisista ou egocêntrica inicial, em que domina o) eu inconsciente, pri-
mitivo e instintivo (id), durante a qual, segundo) Jung, a energia psíquica
primária (que regula toda a vida humana) é dirigida exclusivamente
para o próprio eu, até a fase final (a que poucos chegam) de transcen-
dência da própria humanidade, por um eu ideal (superego). Entre essas
duas fases polares, dá-se a evolução mais significativa do ser humano:
a passagem do egocentrismo para o sociocentrismo: a do eu para o nós, a
fase do eu consciente (ego), real, afetivo, inteligente, que reconhece e
valoriza o outro como elemento-chave para sua própria autorrealização.
Nessa fase se inicia, para a criança, a luta pela defesa de sua vontade
e de seu desejo de independência em relação ao poder dos pais ou à
rivalidade com os irmãos ou amigos. É quando, inconscientemente, a
criança tenta construir sua própria imagem ou identidade e se depara
com os muitos estímulos ou interdições aos seus impulsos, etc., etc.
É, pois, nesse período de amadurecimento interior que literatura
a

infantil e, principalmente, os contos de fada podem ser decisivos para


a formação da criança em relação a si mesma e ao mundo À sua vol- à

ta. O maniqueísmo que divide as personagens em boas e más, belas


ou feias, poderosas ou fracas, etc. facilita à criança a compreensão

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LITERATURA INFANTIL

de certos valores básicos da conduta humana ou do convívio social.


Tal dicotomia, se transmitida através de uma linguagem simbólica,
e durante a infância, a nosso ver, não será prejudicial à formação de sua
consciência ética (como temem, muitos, ao lembrarem a falsidade das
divisões estanques, Bem/Mal, Certo/ Errado, etc., que caracteriza os
contos maravilhosos). E não o será, porque através deles a criança
incorporará os valores que desde sempre regeram a vida humana.
Cabendo sempre a cada sociedade decidir o que, para ela, é "bom" ou
"mau". O que a criança encontra nos contos de fada são, na verdade,
categorias de valor que são perenes. Impossível prescindirmos de juízos
valorativos: a vida humana, desde as origens, tem-se pautado por eles.
O que muda é apenas o conteúdo rotulado de "bom" ou "mau", "certo"
ou "errado"...
Lembra a psicanálise que a) criança é levada aÀ se identificar com o
herói bom belo, não devido à sua bondade ou beleza, mas por sentir
e

nele a própria personificação de seus problemas infantis: seu incons-


ciente desejo de bondade e de beleza e, principalmente, sua necessidade
de segurança e proteção. Identificada com os heróis e as heroínas do
mundo do maravilhoso, a criança é levada, inconscientemente, a resol-
ver sua própria situação superando o medo que inibe e ajudando-a
—
a

a enfrentar os perigos e as ameaças que sente à sua volta e assim, gra-


dativamente, poder alcançar o equilíbrio adulto.
Entre os tópicos dignos de reflexão propostos pelo psicólogo B.
Bettelheim, está a defesa da presença do malnas histórias para crianças.
Diz ele:

Ão contrário do que acontece em muitas estórias infantis modernas,


nos contos de fadas o mal é tão onipresente quanto aL virtude.
Em praticamente todo conto de fadas, o bem e o mal recebem
corpo na forma de algumas figuras e de suas ações, já que bem e
mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão
presentes em todo homem. É esta dualidade que coloca o pro-
blema moral e requisita a luta para resolvê-lo.
O mal não éisento de atrações simbolizado pelo poderoso gi-
—

gante ou dragão, o poder da bruxa, a astuta rainha na "Branca

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Neuiy Novaes COELHO

de Neve" —
ecom frequência se encontra temporariamente
vitorioso. |...) A cultura dominante deseja fingir, particular-
mente no que se refere às crianças, que o lado escuro do homem
não existe, e professa a crença num aprimoramento otimista.
[...] As figuras nos contos de fadas não são ambivalentes —

não são boas e más ao mesmo tempo, como o somos todos


na realidade. Mas dado que a polarização domina a mente
da criança, também domina os contos de fadas. Uma pessoa
é ou boa ou má, sem meio-termo. Um irmão é tolo, o outro

esperto. [...] A apresentação das polarizações de caráter permite à


criança compreenderfacilmente a diferença entre as duas, o que ela não
poderia fazer tão prontamente se as figuras fossem retratadas
com mais semelhança àL vida, com todas as complexidades que
caracterizam as pessoas reais. As ambiguidades devem esperar até
que esteja estabelecida uma personalidade relativamente firme na
base das identificações positivas. Então, a criança terá uma base
para compreender que há grandes diferenças entre as pessoas e
que, por conseguinte, uma pessoa tem que fazer opções sobre quem
quer ser. Esta decisão básica, sobre a qual todo o desenvolvimento
ulterior da personalidade se construirá, é facilitada pelas polarizações
do conto de fadas. (Bettelheim, 1978.) (grifos nossos)

Esse é um problema vital que está sendo enfrentado hoje pela


literatura que se quer atualizada: como tratar o "lado escuro do ho-
mem", ao nível da mente infantil? Prosseguir com a] polarização? Ou,
como querem alguns, mostrar desde logo a relatividade das coisas e
a ambiguidade dos seres? De nossa parte, concordamos com Bette-
lheim, "as ambiguidades devem esperar até que esteja estabelecida
uma personalidade relativamente firme na base das identificações
positivas".
Concluindo a análise desse problema, Bettelheim demonstra que,
dando acolhida ao mal com força quase igual ao bem, embora per-
—

dendo no fim os contos de fadas ensinam às crianças que, na vida


real, é imperioso que estejamos sempre preparados para enfrentar
grandes dificuldades. E, nesse sentido, dá também sugestões de coragem

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LITERATURA INFANTIL

e otimismo que serão necessários à criança para atravessar e vencer as


imevitáveis crises de crescimento.
Intuitivamente, a criança compreenderá que tais histórias, embora
irreais ou inventadas, não são falsas, pois ocorrem de maneira seme-
lhante no plano de suas próprias experiências pessoais.
Sua análise ressalta ainda que finalidade dessas histórias é con-
a

firmar a necessidade de se suportar a dor ou correr riscos para se con-


quistar a própria identidade. O final feliz acena com a esperança no
fim das provações ou ansiedades.
Principalmente os escritores de literatura para crianças, meninos,
meninas ou jovens, encontrarão, neste instigante estudo, farto material
de reflexão para sua criação literária. Nele, descobrirão também que
"hoje, como no passado, a tarefa mais importante e também mais difícil
na criação de uma criança é ajudá-la a encontrar significado na vide". E aí
está L literatura para servir de mediadora para essa tarefa...
a

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