Texto e Textualidade Julia Almeida

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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Linguagens em diálogo no 42, p.

65-75, 2011 65

TEXTo E TEXTuALiDADE Em DiáLoGoS


iNTErSEmiÓTiCoS

Júlia Almeida

RESUMO:

Os estudos do texto e do discurso têm se voltado cada


vez mais aos fenômenos intersemióticos que enlaçam o
verbal. Neste trabalho pretendemos retomar definições
e desdobramentos das noções de texto, textualidade,
iconotexto e imagem-texto, de modo a propor uma
compreensão da relação dialógica presente nas práticas
de textualização, superando dicotomias que distancia-
ram as pesquisas do verbal e do visual.

PALAVRAS-CHAVE: texto; imagem; intersemioses.

A
noção de texto foi um objeto relativamente recente da Linguística, já
que apenas a partir dos anos sessenta o termo tornou-se uma noção
própria dos estudos linguísticos, passando a receber conteúdo concei-
tual diferente daquilo que se observa nos usos correntes. Essa guinada textual
da linguística começou a ser registrada nos dicionários lexicográficos da área a
partir dos anos setenta, cuja origem é unanimemente atribuída a Hjelmslev1. No
verbete texto do Dicionário de Lingüística encontra-se assim definida a noção:

1. Chama-se texto o conjunto dos enunciados lingüísticos sub-


metidos à análise: o texto é então uma amostra de comporta-
mento lingüístico que pode ser escrito ou falado.

1
Cf.: TODOROV, T; DUCROT, O. Dicionário enciclopédico das ciências da linguagem. São
Paulo: Perspectiva, 1977 (publicação original em 1972); e DUBOIS, J. et al. Dicionário de
Lingüística. São Paulo: Cultrix, 1986 (publicação original em 1973).

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2. Hjelmeslev toma a palavra texto no sentido mais amplo e


com ela designa um enunciado qualquer, falado ou escrito, lon-
go ou curto, velho ou novo. “Stop” é um texto tanto quanto O
Romance da Rosa2.

Pouco se comenta, nessas genealogias iniciais do termo, o desenvolvi-


mento de M. Bakhtin em “O problema do texto”, estudo encontrado em
arquivos de 1959-1961, publicado posteriormente em Estética da Criação Ver-
bal, em que o autor considera o texto sob diferentes prismas e problemas, um
dos quais constitui uma primeira noção ampliada do conceito3:

O texto (oral ou escrito) como dado primário [...] de qualquer


pensamento filosófico-humanista [...]. O texto representa uma
realidade imediata (do pensamento e da emoção), a única capaz
de gerar essas disciplinas e esse pensamento. Onde não há tex-
tos, também não há objeto de estudo e de pensamento.
O texto “implícito”. Se tomarmos o texto no sentido amplo de
conjunto coerente de signos, então também as ciências da arte
[...] se relacionam com textos (produtos da arte).

[...] cada texto (em sua qualidade de enunciado) é individual,


único e irreproduzível, sendo nisso que reside seu sentido.

Ao longo da segunda metade do século XX, a noção de texto ganhou


destaque na área e fundou uma subárea, a Linguística textual, que passou a
ter o texto como objeto privilegiado, consolidando seu sentido em torno da
ideia bem ampla de realização (coerente e contextualmente interpretável) da
linguagem como detalha a citação a seguir:

Texto será entendido como uma unidade lingüística concreta


(perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários

2
Ibid., p. 586.
3
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 329 e 331,
respectivamente.

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da língua (falante, escritor/ ouvinte, leitor), em uma situação


de interação comunicativa específica, como uma unidade de
sentido e como preenchendo uma função comunicativa reco-
nhecível e reconhecida, independentemente de sua extensão4.

Com essa definição, que conhece nuances e variações ao longo de seu


desenvolvimento na Linguística, estão marcados vários dos pressupostos que
a sustentam: uma abordagem que tende a ver a linguagem em uso, a partir
da influência da pragmática e que converge para conceitos como realização,
enunciação, interação, situação de comunicação etc.; uma acepção não exclu-
sivamente escrita do texto, que pretende marcar o interesse pela modalidade
oral da língua e pelos textos orais; a desvinculação com o critério de uma
extensão para o texto; e o destaque para a interpretabilidade por uma comu-
nidade, que reforça o papel dos interlocutores e do contexto na produção do
sentido.
Como desdobramento da noção de texto, a Linguística textual vem, des-
de os anos setenta, adotando o termo textualidade ou textura para abarcar
um conjunto de recursos que seriam os pilares para a edificação de um texto.
Mecanismos de coesão (como pronomes referenciais e demonstrativos) foram
pesquisados na medida em que podiam dar pistas de padrões de conexão sig-
nificativa entre sequências transfrásticas. Mas foi o estudo da coerência textual
e de seus fatores (como conhecimento compartilhado, conhecimento de mun-
do etc.), apontando para uma rede conceitual e cognitiva contextualmente
ativada, que deu à textualidade seu estatuto no rol dos objetos linguísticos.
Paralelamente a essa proposição linguística de texto, a noção teve e tem
ampla conceituação e uso na literatura, apesar de alguns autores verem na rápida
assimilação do termo pelos estudos literários um empobrecimento dos valores
estéticos que fundamentavam a ideia de obra literária5. Independentemente
4
KOCH, I.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1998. p. 10.
5
STANITZEK, Georg. “Texts and paratexts in media”. Critical Inquiry, n. 32, out. 2006.
http://galenet.galegroup.com, 28/01/2007. Esse desenvolvimento literário do termo ocor-
re, não coincidentemente segundo Stanitzek, no mesmo momento em que “o conceito de
literatura foi sendo expandido para incluir literatura trivial, ensaios e não-ficção, em geral,
e quando houve um interesse crescente pelo fenômeno da cultura popular” (p. 1), que faz,
segundo o autor, com que uma das ambiguidades do uso de texto nos estudos literários seja
sua coincidência e não-coincidência com a noção de trabalho literário.

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dessa resistência, a acepção literária de texto veio a conhecer um grande sucesso


via semiologia francesa, espraiada rapidamente para outros campos e estabili-
zando-se em torno da noção latina de textile: tecido, rede, textura, estilo. Ro-
land Barthes foi um dos autores determinantes para a concepção e difusão de
uma noção literária de texto, e a força de sua proposta ecoa nas discussões pós-
estruturalistas do final do século XX. Enquanto a noção linguística de texto se
voltava contra a visão abstrata de linguagem e língua que a linguística saussu-
riana imprimiu nos estudos linguísticos da primeira metade do século XX, a
noção barthesiana de texto se volta contra a crítica clássica e uma certa ideia de
textus que lhe é cara, que se erige sobre a autoridade de um autor:

Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de pa-


lavras a produzir um sentido único, de certa maneira teológico
(que seria a “mensagem” do Autor-Deus), mas um espaço de
dimensões múltiplas onde se casam e se contestam escrituras
variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de
citações, saídas dos mil focos da cultura6.

Essa noção literária de texto, com valor epistemológico importante para


as ciências humanas, recebe reforços das filosofias e críticas pós-estruturalistas.
Como mostra William F. Hanks, em seu artigo “Texto e textualidade”7, contra
a possibilidade de se postular uma teoria do texto baseada na coerência, na
inteligibilidade e na unidade textual, a teoria desconstrucionista explicitaria
a falta de unidade no texto e a presença de contradições não resolvidas que
comprometeriam seus próprios sentidos. Como consequência de um desloca-
mento radical da ideia de produto ou artefato linguístico para um processo de
interação entre leitor, texto e autor, as concepções pós-estruturalistas de texto
passaram a valorizar cada vez mais o engajamento do leitor na constituição
do próprio texto e resultam em novas abordagens da recepção e do processo
indeterminado de leitura.

6
BARTHES, R. O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 68-69.
7
HANKS, F. Língua como prática social: das relações entre língua, cultura e sociedade a
partir de Bourdieu e Bakhtin, São Paulo: Cortez, 2008. p. 124. O capítulo “Text and
textuality” foi publicado anteriormente como artigo na Anuual Review of Anthropology,
n.18, 1989, p. 95-127.

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Mais recentemente, essa noção pós-estruturalista de texto é revista sob


impulso de uma crítica aos modelos literários exclusivamente interpretativos
que pensariam os textos sempre em relação a um ato de leitura, como J. Mc-
Gann aponta em seu The textual condition: “essa visão ‘interpretativa’ do texto
tem sido totalmente elaborada pela tradição hermenêutica moderna na qual
texto não é algo que criamos, mas algo que interpretamos”8. No modelo de
textualidade desse autor, o estudo dos textos também começaria pela sua lei-
tura, mas considerando que essas leituras “são estruturadas filosoficamente – e
atuadas historicamente – como escritas”9. Assim, contra a visão negativa que
algumas abordagens teriam das condições de escrita (tais como papel, tinta,
layout, página etc.), vistas como uma sujeição limitante ao ato transfenomêni-
co e etéreo que caracterizaria o texto, para McGann, a incorporação física do
texto é o que o condicionaria mais intrinsecamente: as variáveis textuais no
nível mais material, para além mesmo das características formais e linguísticas.
McGann encontra nos códigos bibliográficos o terreno para uma semiótica do
texto que funcionaria como conjunto de condições concretas dos textos em
vários tempos, lugares e usos.
Esse manifesto material de textos e textualidades que McGann de cer-
ta forma redige no início dos anos noventa foi, visto em retrospectiva, uma
percepção importante de uma perspectiva que seria a motivação para muitos
dos estudos do texto a partir dos anos noventa: uma pesquisa de sua condição
material e tecnológica. William Hanks, em seu artigo anteriormente citado,
publicado originalmente em 1989, dois anos antes de McGann, já previa que

um tratamento mais abrangente [do texto] deveria lidar deta-


lhadamente com problemas de forma e do canal [...] As con-
seqüências cognitivas, estéticas, sociais e culturais dessas dife-
rentes mídias alteram de maneira igualmente ampla, barrando,
pelo menos para os antropólogos, a suposição simplificadora
de que todas as mídias são meras realizações alternativas de um
único texto10.

8
McGANN, J. The textual condition. Princeton: Princeton University Press, 1991. p. 4.
9
Ibid., p. 8
10
Ibid., p. 127.

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Essa discussão sobre os meios tecnológicos da palavra e do texto ganhou


novo fôlego a partir dos anos noventa com as inovações tecnológicas aplicadas
aos meios de comunicação e o surgimento dos textos digitais, do hipertexto
e da hipermídia. Encontramos uma leva de autores de várias áreas voltando-
se à recuperação de mudanças ocorridas nas formas materiais da escrita e nas
práticas de leitura “numa busca de determinações passadas que possam ajudar
a compreender os vetores do presente”11.
Um dos autores mais dedicados a levantar as propriedades desses no-
vos regimes textuais é o historiador Roger Chartier, que tem documentado
e demarcado descontinuidades na ordem do discurso – envolvendo técnicas
e objetos textuais, relações com os textos, formas de leitura e de organiza-
ção textual – assim como nas ordens da razão e da propriedade. Chartier, no
texto referido anteriomente, ressalta a importância do livro Bibliography and
Sociology of texts, de D. F. Makenzie, publicado em 1986, que ele considera
um texto inaugural para a significância da apresentação material e técnica dos
textos: o autor mostra como todos os elementos de veiculação dos textos – a
voz, o objeto escrito, impresso, os formatos, as divisões, as convenções tipo-
gráficas etc. – estão investidos de uma função expressiva, da qual dependem
(conscientemente ou não) os processos pelos quais os leitores produzem sen-
tidos. Para além de uma visão exclusivamente linguística do texto e para além
da desvalorização da participação do autor e dos processos coletivos de produ-
ção de sua materialidade (editores, gráfica, designers etc.), enfim, superando a
desconsideração das modalidades históricas de transmissão, recepção e inter-
pretação dos textos, Chartier propõe uma combinada “análise morfológica da
materialidade dos textos e uma análise social e cultural de leitores e leitura”12.

Texto e imagem

Se a noção de materialidades do texto afeta de algum modo a percepção


e o debate contemporâneos acerca do texto/textualidade, também o fazem
as demandas da cultura visual e a percepção recentemente aguçada de que o

11
CHARTIER, Roger. “Languages, books, and reading from the printed word to the digital
text”. Critical Inquiry, n. 31, out. 2004. p. 16, http://galenet.galegroup.com, 28/01/2007.
12
Ibid., p. 11.

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mundo simbólico não é apenas um texto, mas ao menos um texto, uma ima-
gem e uma faixa sonora. Somos confrontados a cada dia com complexidades
sígnicas que nos deixam desconfortáveis em nossos já habituais modelos e
disciplinas de análise textual, que se fundamentam em dicotomias naturali-
zadas como palavra/imagem, verbal/visual, e distribuem o conhecimento e as
práticas acadêmicas por campos separados, em que ora predomina o interesse
pelo verbal ora pelo visual.
Eloquent Images – word and image in the age of new media13 é uma coletâ-
nea inserida nos debates em torno da palavra e da imagem na era digital, que
se propõe a escapar dos modelos dicotômicos – caracterizados pelos organiza-
dores M. E. Hocks e M. R. Kendrick como profundamente modernos – de
se pensar os híbridos textuais a partir de “duas zonas ontológicas distintas” e
que tenderia a partir de pares naturalizados tais como palavra/imagem, line-
ar/hipermidiático, construído/natural, mostrando-se incapaz de investigar as
formas simbólicas como formas híbridas complexas. Assim, para se ir além
do moderno nessa matéria, seria preciso perceber o “dinâmico interjogo” que
sempre existiu entre texto e imagem: “as relações entre palavra e imagem,
textos verbais e textos visuais, ‘cultura visual’ e ‘cultura impressa’ são interpe-
netrantes, relações dialógicas”14.
Assim, poderíamos encontrar ascendentes longínquos de nossas repre-
sentações multissemióticas nos primeiros sistemas de escrita. Aprofundando a
ideia de Mario Perniola de que o Egito teria criado um vasto sistema combi-
natório de intercambiáveis elementos midiáticos, Carol S. Lipson, nessa mes-
ma coletânea, detalha o tratamento egípcio entre texto e imagem, mostrando
como os monumentos públicos apresentavam elaborados e artísticos hierógli-
fos, em que a forte presença da matriz visual marca a preparação para a escri-
ta. Através de desenhos que, explorando a capacidade referencial da imagem
(referir-se diretamente a animais, pessoas, lugares) em uma ampla sintaxe visual
(proximidade, hierarquização, combinação), essas verdadeiras escritas figuradas
são capazes de nomear e contar histórias: “no antigo Egito a linguagem visual
provia a capacidade de apresentar sentidos complexos e coexistentes dentro

13
HOCKS, M. E.; KENDRICK, M. R. (Org.) Eloquent Images – word and image in the age
of new media. Cambridge/London: The MIT Press, 2003.
14
Ibid., p. 2

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de textos-imagens compactos e acessíveis”15. Essa é uma evidência de que as


formas híbridas de palavra e imagem sempre existiram, assim como sempre
existiram complexas relações entre texto e imagem. Reconhecendo que os hí-
bridos são parte da complexa história das formas semióticas, os autores dessa
coletânea propõem que se vejam os ambientes hipermidiáticos e os textos di-
gitais não como uma radical ruptura, mas uma oportunidade de reconhecer e
analisar as relações complexas que sempre existiram entre texto e imagem. O
que não significa desconsiderar que o momento cultural e tecnológico esteja
redefinindo as bases para a leitura, escrita, comunicação, educação etc.
Outros autores engajados em uma reflexão sobre as relações entre texto
e imagem fora de uma perspectiva dicotômica são W. J. T. Mitchell e Peter
Wagner, ambos interessados em buscar novos e integradores conceitos para
análise dos processos semióticos. Se no contexto de ideias do seu livro Iconolo-
gy – Image, Text, Ideology, de 1986, Mitchell16 discute teorias e ideologias (de
Wittgeinstein, Gombrich, Goodman, Marx e outros) que de alguma maneira
reacenderam a partilha entre texto e imagem, por meio de diversas novas figu-
ras de diferenciação (convencional/natural, tempo/espaço, simbólico/icônico,
ouvido/olho), a partir de Picture Theory, publicado em 2000, o autor vem tra-
balhando sobre o conceito de imagetext (imagem-texto), que recoloca o pro-
blema da representação visual e verbal de maneira mais colaborativa. Como
ferramenta crítica ao modelo dicotômico, imagetext sutura o campo verbal e
visual em um mesmo campo heterogêneo de práticas representacionais, pen-
sando a estrutura interna do signo ou da representação como um meio misto
e o sentido como intrinsecamente relacional. O conceito chamaria atenção
para o fato de as formas semióticas não serem puramente visuais, verbais ou
sonoras, mas serem o tempo todo meios mistos17.
Esse conceito encontra eco nas pesquisas de Peter Wagner sobre os ico-
notextos. Na coletânea que organiza em torno da noção de ecfrase publicada

15
LIPSON, Carol S. Recovering the multimedia history of writing in the public texts of An-
cient Egype. In: HOCKS, M. E..; KENDRICK, M. R. Eloquent Images – word and image
in the age of new media. Cambridge/London: The MIT Press, 2003. p. 12.
16
Iconology – Image, Text, Ideology. Chicago: The University of Chicago Press, 1986.
17
As ideias sobre imagetext foram retomadas a partir de MITCHELL, W. J. T. “Essays into
Imagetext: an interview with W. J. T. Mitchell”. Mosaic, v. 33, jun 2000, http://galenet.
galegroup.com, 29/01/2007.

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em 1996, definida como “uma representação verbal de uma representação


visual” (seja na literatura ou nos ensaios críticos), estaríamos num campo
de problematização “em que textos e imagens formam um todo (ou união)
que não pode ser dissolvida”18. Mas a ideia de iconotexto vai além da noção
técnica de ecfrase: “iconotexto refere-se a um artefato no qual signos verbais
e visuais concorrem para produzir retórica que depende da co-presença de
palavras e imagens”19 e pode ser aplicado tanto a imagens que mostram pa-
lavras ou escritos quanto a textos que trabalham com imagens, desde que
façam o leitor considerar ambas as representações (verbal ou verbal) na pro-
dução dos sentidos.
Se alinharmos as três iniciativas resenhadas, de Hocks & Kendrick,
Mitchell e Wagner veremos um apelo veemente a que os pesquisadores se
voltem às formas híbridas e/ou considerem a função intersemiótica em to-
dos os produtos e processos, superando as dicotomias e essencialismos que
distanciaram as pesquisas do verbal, do visual e do sonoro. Pouco a pouco
surge um corpo de teóricos que, em trabalho colaborativo e valendo-se de
pesquisas e conceitos da teoria literária, linguística, história da arte, filosofia
e outras áreas, vem povoando a discussão entre texto e imagem com inda-
gações, relações, proposições etc. Seria nessa direção que entenderíamos o
estudo do texto, da imagem e do sonoro hoje: não a busca de uma lógica ou
de um princípio último de rivalidade dos termos, mas uma cartografia de
modos de ver, enunciar e ouvir, afeitos às relações sociais e às formas de sen-
tir, pensar, interagir, dominar, resistir... Como Mitchell sugere-nos, devería-
mos entender a relação texto-imagem como social e histórica, caracterizada
por todas as complexidades que envolvem as relações de indivíduos, grupos,
nações, classes, gêneros e culturas.

Considerações finais

Dos modos de conceber o texto que se consolidaram nas últimas déca-


das do século XX herdamos singularidades importantes para se investir nesse

18
WAGNER, P. (Org.) Icon – Texts – Iconotexts. Essays on Ekphrasis and Intermediality. Ber-
lin/New York: Walter de Gruyter, 1996. p.15.
19
Ibid., p. 16.

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terreno contemporaneamente: texto é linguagem em uso, confecciona-se


numa rede de nós e malhas de linguagem e cultura e se desdobra numa cena
de leitura que não cessa de o reinventar. Mas a noção de texto não parou de ser
reescrita mais recentemente: sejam os estudos das novas tecnologias e das ma-
terialidades da comunicação, sejam os interesses pelas práticas e meios visuais
afetando nossa relação e compreensão dos textos, sejam as vertentes de análise
textual fortemente imantadas de questões sociais e culturais, o interessante é
que esses estudos foram forçados a dinamizar potencialidades do conceito de
texto diante do embate com os novos problemas da atualidade prática e crí-
tica. Apesar de constantes levantes contemporâneos sobre a possível vocação
modernista da noção de texto, mais presa à racionalidade e à lógica, podem-se
constatar o vigor e a plasticidade contemporânea desse conceito em discursos
multivocais e multidisciplinares, conhecendo novos modos de particulariza-
ção e generalização, novas ambiguidades e desafetos.
Desse modo, as concepções de texto/textualidade em Linguística têm
sido levadas a superar a visão atomizada de um objeto que pode ser abarcado
por uma compreensão verbal, em direção a um tratamento mais integrador. O
capítulo “The multiple media of texts: How onscreen and paper texts incor-
porate words, images, and other media”, de Anne Frances Wysocki, inserido
na coletânea What writing does and how it does it, organizada por Charles Ba-
zerman e Paul Prior20, é um indício do renovado interesse da Linguística pelos
processos híbridos e intersemióticos que concorrem para a produção textual,
ampliando a observação dos elementos gráficos e visuais nos processos de tex-
tualização. Esse esforço não só ganha relevo quando pensamos nas possibilida-
des amplas de novos processos de textualização que surgem dos meios digitais,
e que se colocam como objetos para a análise textual, como nos permite que
nos reaproximemos (assim como o fizemos em relação às práticas orais) dos
sistemas semióticos visuais, que histórica e ideologicamente foram despresti-
giados em função de uma valorização social do texto e da escrita.

20
BAZERMAN, C.; PRIOR, Paul. What writing does and how it does it: an introduction
to analyzing texts and textual practices. Mahwah/London: Lawrence Erlbaum Associates,
2004.

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ABSTRACT:

The studies of text and discourse focus more and


more on the intersemiotics phenomena that relates to
the verbal. In this work we intend to revisit defini-
tions of text, textuality, iconotext and imagetext in
way to propose an understanding of the dialogic rela-
tions present in practices of textualization, surpassing
dichotomies that distanced the research of the verbal
and the iconic forms.

KEY-WORDS: text; image; intersemiosis.

Recebido em: 23/03/2011


Aprovado em: 20/07/2011

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