A SEmântica e o Corte Sausseriano - Língua, Linguagem e Discurso

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28/08/2021 LINGUASAGEM - Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da Linguagem

POLÍTICA EDITORIAL - NORMAS PARA PUBLICAÇÃO


- CONSELHO EDITORIAL -
EDITORIAL -
QUEM SOMOS - 
CONTATO
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS LINGÜÍSTICOS  -
DIALETO CAIPIRA

      
 
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Blog  Por Claudine Haroche, Michel Pêcheux e Paul Henry··
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Dossiê Seja pelo viés de uma hipótese
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simbólicos que englobam tanto a linguagem
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Entrevistas
quanto outros
sistemas como
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– ou então,
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empirismo triunfante[1], pela evocação de uma “metodologia
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geral das humanidades[2]” e até mesmo de uma “ciência
das ciências”, a
 .: Livros
referência
à lingüística tornou-se, em
diversas disciplinas, um lugar comum.
 .:
Monografias
 .: Notícias Uma confusão entre “língua” e “linguagem” – pois
é assim que
se deve
 .:
Projetos considerar – desempenha
um papel crucial na questão. Se não perdermos de
 .:
(Re)Ler os Clássicos Hoje vista
que a referência
a Saussure é também um
lugar comum, existe aí um
 .:
Reportagens
duplo paradoxo
que não
deveria deixar de nos
surpreender. Primeiramente,
não
 .:
Resenhas
se pode deixar
de ser atingido pelo cuidado que
Saussure empenhou em
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 .:
Tradução de Textos separar
teoricamente língua
e linguagem. Por
outro lado,
como foi
 .:
Textos Literários recentemente
lembrado por Claudine Normand[3], é resistindo aos apelos
das
 .:
Vídeos Didáticos
evidências empíricas que Saussure pôde formular
os conceitos que
fundam a
 .:
Edições Anteriores
  lingüística como
ciência[4]. As diversas explorações
ideológicas das atuais
Veja também teorias lingüísticas
(e não, para
sermos mais precisos, dos conhecimentos
 
lingüísticos) se caracterizam por um
deslizamento contínuo
entre língua
e

linguagem, conjugado
a um retorno
forçado a um
empirismo renovado[5] pelo
formalismo. Para resumir, em nome da própria
ruptura saussuriana, defende-se,
em certa medida, o oposto.
Ceditec
  Para compreender o que
está em questão
aqui, é necessário
levar em
conta o que se passou no interior da própria
lingüística. Assim
sendo, tentamos
primeiramente transpor a teoria lingüística fora de seu próprio campo na medida
em que
a lingüística aparece como
uma ciência. Com
isso a alçamos à posição
Domínio Público de uma ciência piloto,
um modelo, da
mesma maneira
que se quis fazer
da
 
psicologia um
modelo teórico
de todas as ciências, ou sua base de redução. Em
segundo lugar, essa exploração ideológica da lingüística, sua reinscrição
fora de

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seu
próprio campo,
não teriam sido possíveis
sem a existência
de dificuldades
interiores à própria
lingüística, e produzidas pelas mesmas causas.
Continua a ser um lugar comum dizer que a semântica
foi abandonada
GEScom
pelos lingüistas por um longo período, o que talvez não seja
sem razão[6]. Já
 
antecipando o que nos
propomos a dizer na seqüência, cremos poder defender
que, se a ruptura saussuriana foi suficiente
para permitir a constituição da
fonologia, da morfologia e da sintaxe,
ela não
conseguiu impedir o retorno
ao
empirismo em
semântica.
Ao contrário, parece que
o desenvolvimento da
GETerm
  fonologia tornou possível
esse retorno, ao fazer dela um
modelo que
permitiu
reinterpretar, em um quadro formalista,
concepções muito
tradicionais da
semântica. O paradoxo é apenas
aparente: a história
das ciências nos
fornece

numerosos exemplos
desse tipo de processo.[7]
Institut Ferdinand de Saussure Isso que
acabamos de afirmar implica que
aquilo que
designamos hoje
 
sob
o nome de semântica
depende apenas parcialmente
de uma abordagem
lingüística.
Evidentemente, não
se trata de cair
no legalismo, decretando aquilo
que de direito
depende ou não
da lingüística. Quando
falamos em abordagem
  lingüística, nós
nos referimos, na verdade, a um conjunto
de conceitos que
Portal de Periódicos Capes
  foram produzidos por lingüistas e a uma prática específica do lingüista sobre a
linguagem,
estreitamente ligada
a esses conceitos. Afirmamos portanto que
nem os conhecimentos
que permitem produzir
esses conceitos,
nem essa
prática
em si
podem recobrir completamente
o atual campo
da semântica,
 
Portal de Revistas Científicas Persee exceto
no quadro de uma vaga
analogia,
que não
passa de uma invasão
 
ideológica na teoria lingüística. Nessas condições, a semântica
(enquanto teoria
das regiões deixadas de lado do campo
de aplicação dos conceitos
e da prática
dos lingüistas) supõe uma mudança de terreno ou de perspectiva.
Nossos objetivos
neste estudo serão,
em primeiro lugar, apoiar e
Revue Texto!
desenvolver as teses críticas que
acabamos de apresentar e, em
segundo,
 
indicar
como é possível
conceber, atualmente, a mudança de terreno
ou de
perspectiva
que nos
parece indispensável.
 
§          
§
Texto livre
  §
 
 
Para os gramáticos e neo-gramáticos, a semântica estava reduzida ao
TRIANGLE estudo da mudança
de sentido das palavras. Se nos reportarmos ao Curso de
 
Lingüística Geral[8],
é preciso inicialmente
observar que
a palavra semântica[9]
não figura
nele. Contudo, quando
agrupamos o que pode ser
relacionado à
questão, convém fazer
uma distinção entre,
por um
lado, aquilo
que concerne à
oposição
valor-significação, assim como às relações
associativas e, por outro, as
UEHPOSOL
  questões consagradas à analogia e à aglutinação. Na verdade, essa distinção
está recoberta pela oposição entre a lingüística
sincrônica e a lingüística
diacrônica.
Mas, a propósito
das mudanças analógicas, Saussure esboça
uma
análise das relações
entre essas duas ordens, o que demanda
alguns
comentários.
Universia

  Nos capítulos
consagrados à analogia, encontramos um certo número de
idéias
que Saussure toma
emprestado de seus predecessores.
Em particular,
ele
 
assume a responsabilidade
sobre o modelo
das proporções[10]:

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reação : reacionário
: repressão : x, em
que x = repressionário
 
Desse modo pode ser
explicada a aparição histórica de novas
formas. Mas
o
Curso de Lingüística Geral inova quando
propõe (p.191-5) sucessivamente que
“tudo é gramatical na analogia” (p.192), visto que
a analogia “é inteiramente
gramatical e sincrônica”(p.193), pois “as formas se mantêm porque são
refeitas
analogicamente sem cessar”(p.200). Retornamos à idéia
de que as unidades
existem somente pela
coesão do sistema
das oposições e das relações. É
preciso destacar
que não
somente a analogia
explica a aparição histórica
de
formas novas,
mas ainda
que ela estrutura permanentemente
o sistema das
unidades
significantes que
só podem se manter
por elas. Uma ponte é assim
estabelecida entre sincronia
e diacronia, mas, ao mesmo tempo, é esboçada
uma dialética – em particular a
respeito do par
liberdade/sistema
– sobre a qual
teremos de voltar. Essa dialética
introduz-se na própria noção de gramática,
que, no Curso de Lingüística Geral
não se encontra
sem relação
com a
concepção
encontrada em Port-Royal a seu respeito.
            Com
efeito, lemos (p.191-2) que “... a analogia
é de ordem gramatical;
ela supõe a consciência
e a compreensão de uma relação que une as formas
entre
si”. E que
“enquanto a idéia
nada representa no fenômeno
fonético, sua
intervenção se faz necessária
em matéria
de analogia”.
                      Mais
à frente, logo
depois de Saussure ter
reafirmado que “tudo
é
gramatical na analogia”, é acrescentado que “a criação, que lhe constitui o fim,
só pode pertencer, de começo, à fala;
ela é a obra
ocasional de uma pessoa
isolada” (p.192). Certamente, essa asserção é imediatamente
corrigida,
colocando que a “criação” analógica
só é possível
se as condições lingüísticas
de
sua produção
estiverem reunidas sob a forma
de uma proporção incompleta
na
língua.
Não é menos
verdade que, com isso, Saussure deixe aberta uma porta
pela qual vão se lançar o formalismo e o subjetivismo. Quando procuramos
compreender a raiz
dessa dificuldade, a encontramos no fato de que, para
Saussure, a idéia
não saberia ser
de outra forma
senão totalmente
subjetiva,
individual.
Portanto, visto
que atrás
de toda analogia
há necessariamente uma
idéia, é preciso obrigatoriamente passar
pela fala
e pelo sujeito individual.
                      Essa relação entre idéia e analogia
nos leva
à oposição valor-
significação. Trata-se de uma oposição capital,
pois é em seu nome que
Saussure declara guerra
contra a concepção
da língua como
nomenclatura (p.
97 e 158). A atitude fundamental
de Saussure a esse respeito
consiste na idéia
de que, do ponto de vista lingüístico, o valor domina a significação: “Em todos
esses casos, pois, surpreendemos, em
lugar de idéias dadas de antemão,
valores que
emanam do sistema. Quando
se diz que os valores
correspondem a
conceitos, subentende-se que são puramente diferenciais, definidos
não
positivamente
por seu
conteúdo, mas
negativamente por
suas relações
com os
outros
termos do sistema.
Sua característica
mais exata
é ser o que
os outros
não
são”. (p. 136). Mais
à frente, a propósito
do conceito “julgar”está
especificado que ele
“simboliza a significação” mas que “esse conceito nada
tem
de inicial, não
é senão um
valor determinado
por suas
relações com
outros
valores
semelhantes, e sem
eles a significação não
existiria” (ibid.). Em resumo,
“quando afirmo simplesmente
que uma palavra
significa alguma coisa, quando
me atenho à associação
da imagem acústica
com o conceito, faço uma operação

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que
pode, em certa
medida, ser exata e dar uma idéia da realidade; mas em
nenhum caso
exprime o fato lingüístico
na sua essência
e na sua amplitude”
(ibid.).
                     
O princípio da subordinação da significação ao valor
pode ser

considerado como
o centro da ruptura
saussuriana[11].
É esse princípio,
estreitamente
ligado à idéia de língua
como sistema,
que abre a possibilidade de
uma teoria geral da
língua, permitindo a interpretação de particularidades
fonológicas, sintáticas e morfológicas de qualquer
língua. Mas
e a semântica?
Devido ao papel
que nela se atribui à fala e ao sujeito, tudo aquilo que diz
respeito
à analogia encontra-se em segundo plano em relação a essa ruptura.
Isso porque a subordinação da significação ao valor
quanto a tudo
que se refira
ao “fato
lingüístico em
sua essência
e em sua
amplitude” tem precisamente
por
efeito
interromper bruscamente
todo retorno
ao sujeito, quando
se trata da
língua: a significação é de ordem da fala e do sujeito, só o valor diz respeito a
língua.
                      Acabamos de constatar, portanto, que o Curso de Lingüística Geral
partilha do ponto de vista
de que a analogia
não caminha
em direção ao
centro
da ruptura
que, por
outro lado,
ali se manifesta. Cremos que é preciso
ir mais
longe e deixar claro que, se essa ruptura abre passagem
para a fonologia,
para
a sintaxe e para a morfologia, deixa entretanto
de fora de seu
campo uma boa
parte
daquilo que atribuímos à semântica.
                      Vamos mostrar
o porquê, voltando-nos sobre outras passagens
do
Curso de Lingüística Geral concernentes
a essa questão e recorrendo a uma
parte do que
foi feito nesse domínio.
                      Fomos diretamente ao princípio
de subordinação da significação ao
valor, passando por
cima de argumentos
para o justificar. Um desses
argumentos
é: “Se as palavras estivessem encarregadas de representar os
conceitos dados
de antemão, cada
uma delas teria, de uma língua para outra,
correspondentes exatos
para o sentido;
mas não
ocorre assim”, conclui

Saussure (p.135). O exemplo de louer em francês[12], ao qual


correspondem
dois termos
em alemão, mieten e vermieten, é dado a título de ilustração.
Não
há, pois,
entre estes
dois termos, correspondência exata
de valores. O
argumento
coloca, portanto o problema
da tradução, mas
não se deve perder
de
vista o que
ele visa
mostrar, a saber: do ponto de vista da língua, só
conta o
valor
e não a significação.
Em particular
não é preciso
ver aqui o início de uma
tese
geral sobre
a possibilidade ou a impossibilidade de traduzir. Entretanto
sabemos, por outro
lado, que
essa possibilidade é freqüentemente invocada
com base em teses sobre a universalidade do mundo de significações
manifestadas pela linguagem
e, inversamente, que as dificuldades da tradução,
inclusive a impossibilidade de uma tradução “total”,
são utilizadas tomando por

base teses culturalistas[13].


                      Ora, do ponto de vista
saussuriano a respeito da língua e do valor
frente àquele
a respeito das significações e da linguagem, há uma mudança
radical de perspectiva.
Apesar dessa mudança
de perspectiva – e ainda
que a
referência
à tradução tenha, neste caso, sempre um alcance teórico e não
prático –, continuamos a colocar
de imediato o problema
por meio
daquele
sobre a correspondência
entre duas ou
mais línguas
como se no interior
de uma
mesma língua
não ocorressem problemas
de tradução. Ora, se considerarmos,

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por exemplo, o domínio


da política e da produção
científica, constataremos que
as palavras podem mudar de sentido segundo
as posições determinadas por
aqueles que as empregam.
                     
Consequentemente, quanto
a discursos considerados a partir de
posições diferentes se colocam verdadeiramente problemas de tradução, de
equivalência e de não-equivalência que, ao nosso ver, não podem ser regrados

quando
ligados a diversos subsistemas
da língua[14].
            Com
efeito, é um
indício que
mostra que
as coisas não
são assim
tão
simples
quanto faria supor
a idéia de uma diferenciação
em
subsistemas. Tudo
se passa como
se a correspondência entre teoria geral e estudo particular de
uma dada
língua desaparecesse no nível
semântico. Certamente, “semânticas
gerais” foram propostas, mas
elas não
fornecem quase nada
de princípios que
permitam depreender as particularidades
das línguas, ou
dos estados de língua,
etc, como é o caso
da fonologia, da morfologia
ou da sintaxe. Existem, por
outro
lado, descrições
semânticas de diversas línguas, mas são descrições que
permanecem sem
ligação com
as teorias. Se elas
permanecem em grande
parte
desligadas de descrições
concretas das línguas, as semânticas gerais
nem por
isso se libertam de todos
“dados concretos”.
Elas vão
simplesmente buscá-los
em outros lugares, entre eles “na filosofia, na lógica, na psicologia
e, talvez

ainda,
em outras disciplinas
como a antropologia
e a sociologia[15]”.
                      Essas disciplinas fornecem, portanto
o “concreto”, mas
recortado de
outra forma
que não
fosse o concreto lingüístico
de uma dada língua
nacional.
Sem
dúvida, ressaltamos que
esses componentes
“sociais” e literários
não estão
ausentes
dos domínios fonológico
(r “fricativo uvular” urbano na França / r
“vibrante apical”, ainda presente na zona rural francesa), morfológico (variações
históricas dos
prefixos e sufixos,
criação de palavras
novas ligadas
à aparição
das ferrovias...
ou do socialismo),
sintático (a gramaticalidade não
varia, ao
menos em
suas zonas
de fronteira, em
função de dados
sócio-históricos?).
Entretanto, aqui só se trata (salvo talvez pelo último
ponto) de propriedades
secundárias do ponto de vista
lingüístico, que
a teoria geral
não se encontra
na
obrigação de explicar.
            O caso
é totalmente diferente
para a semântica.
Com efeito,
o laço
que
une as “significações” de um texto às suas condições
sócio-históricas não é
meramente secundário,
mas constitutivo das próprias significações.
Como
havíamos acertadamente observado, falar é diferente de produzir um exemplo
de gramática. Podemos esperar “estender” nesse momento
a teoria lingüística
para uma semântica
geral (ciência
geral das significações) que libertaria a
lingüística
do “pelourinho formal” da gramática? As diversas “ciências
sociais”
que
se encarregaram das questões sobre o sentido
e sobre a expressão
das
significações insistem junto à lingüística para que essas questões
sejam
resolvidas com os meios teóricos que esta última
dispõe. Destaquemos
entretanto, que tais questões não
têm lugar na problemática
saussuriana, na
medida em que elas dizem respeito
ao que é rejeitado na fala, fora do todo
homogêneo que constitui o sistema
da língua. Mas
o próprio fato
de que essa
concepção
da língua tenha desempenhado um papel crucial na formação
da
fonologia, da sintaxe
e da morfologia pôde exercer
uma pressão que
tende a
fazer adotar o mesmo modelo sobre o campo
da semântica.

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                      Assim
sendo, a oposição língua/fala, historicamente necessária
à
constituição da lingüística,
caminha lado
a lado de certa
ingenuidade de
Saussure em relação à sociologia, o que é plenamente
explicável pelo
fato de os
próprios
sociólogos contemporâneos de Saussure compartilharem-na na maior
parte dos casos. Essa ingenuidade repousa sobre uma ideologia individualista
e

subjetiva da “criação”[16], cujos


afloramentos reconhecemos em correntes neo-
kantianas e neo-humboltdianas do século XIX alemão, insistentemente repetida
até
nossos dias. Dizemos isso porque
o próprio Noam Chomsky recorre
explicitamente a ela na sua polêmica contra
o behaviorismo e o empirismo, e
nas suas críticas
no tocante à linguagem
concebida como instrumento
de
comunicação. Não
encontramos ainda essa mesma ideologia
na idéia de
Jakobson, segundo a qual, do nível do fonema
ao nível do encadeamento
das
frases, passaríamos da determinação lingüística a esta liberdade pela
qual o
sujeito
falante diz “o que
jamais ouviremos duas vezes”? O par
liberdade/determinação
ou, se preferirmos, criatividade/sistema possui as
propriedades
circulares de um
par ideológico, na medida
em que
cada um
dos
dois termos
em oposição
pressupõe o outro: a criatividade supõe com
efeito a
existência
de um sistema
que lhe
permita fazer irromper, e todo sistema
nada
mais
é do que o efeito
resultante de uma criatividade
anterior. A noção
de
sistema – seja por
caracterizar uma classificação realista das propriedades
objetivas
da realidade, seja por
designar um princípio de visão,
um recorte da
realidade
por um
sujeito (psicológico, antropológico, histórico, estético, etc.) –
aparece portanto
como o complemento
indispensável da criatividade
no interior
do campo
da “linguagem”. Em
outros termos, a oposição língua-fala introduzida
por Saussure se encontra
repetida analogicamente no interior da fala sob a
forma da oposição sistema/criatividade
(resultante da transposição de oposições
tais como paradigma/sintagma, sincronia/diacronia, etc.).
                      Baseado
nisso, a distinção clássica
entre um
universo imanente
da
significação e seu universo manifestado pôde ser
reformulado, tendo a
descoberta dos sistemas fonológicos
das línguas naturais
desempenhado um
papel
decisivo nessa reformulação. Lembremos esquematicamente como essa
operação, cujo modelo de proporções
foi o ponto de partida, pôde ser
conduzida. Da mesma
maneira que
todo fonema
é realizado por uma série
de
traços distintivos, supõe-se que a significação global de uma unidade
significativa seja decomponível em muitos
semas, elementos de significação ou
componentes semânticos. Do mesmo
modo que
o jogo das oposições
entre
fonemas
determina o conjunto dos traços fonéticos
que têm um
valor distintivo
fonológico, é o jogo
das oposições entre
unidades significativas que fixa o
conjunto dos elementos
de significação que podem ser
realizados. Uma vez que
nenhum sistema
fonológico esgota
a combinatória dos traços distintivos pelos
quais são
produzidas as oposições fonológicas (há “casas vazias” no sistema
de
ordens e de séries), afirmamos que o conjunto
das unidades significativas,
enquanto agrupamentos
de elementos de significação, não esgota a
combinatória desses elementos. A partir daí, todo discurso comportaria uma
parcela
de “ruído semântico”
já que, sendo dadas as disponibilidades lexicais,
cada unidade, na qualidade
de agrupamento, é suscetível
de introduzir
elementos
de significação desnecessários ou redundantes em relação à
manifestação
global da significação dos discursos em questão.
Pela mesma ação
podemos também explicar a existência de vários
“planos de leitura”

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correspondentes a vários
encadeamentos possíveis
de elementos de significação
tomados em cada agrupamento. A existência
desse “ruído semântico” e da
pluralidade dos “planos de leitura” representaria o descompasso existente entre
o universo
imanente da significação (aquele dos elementos
de significação) e
seu universo manifestado (aquele
de agrupamentos de elementos
manifestados
pelas unidades significantes).
            Resta-nos examinar sobre o quê se funda o paralelismo entre
estrutura
fonológica
e estrutura semântica. Observaremos, em primeiro
lugar, que
existe
uma estreita relação
entre essa concepção
da semântica e o modo
como a
questão
do valor é tratada
no Curso de Lingüística Geral, mas,
precisamente,
não
se trata mais
dos valores,
mas das significações. Para bem
compreender
porque
essa anulação da distinção
valor-significação está carregada de
conseqüências, é preciso que
nos voltemos sobre
o papel do conceito
de valor
na constituição
da fonologia e da sintaxe.
Conforme já
dissemos, o conceito de
valor está diretamente
ligado à idéia da língua
como sistema
e àquilo que
concordamos denominar o princípio de unidade da língua,
princípio que,
para
nós, funda a prática do lingüista sobre a linguagem a partir de Saussure. Um
aspecto
da ruptura saussuriana que
parece não ter
despertado muita atenção
é
o fato de que
à ruptura sobre
o plano teórico
corresponde uma transformação
profunda
da prática do lingüista sobre a linguagem. A gramática histórica
estava
baseada sobre
comparações entre elementos
isolados pertencentes a línguas
diferentes, supostamente
ligadas por
filiação histórica: a lingüística pós-
saussuriana atribui prioridade às operações
de comutação, de comparações
regradas, etc. no interior
de uma mesma língua,
isto é, ao funcionamento
das
línguas em
relação a si
próprias no quadro de uma lingüística
geral que
é a
teoria desse funcionamento.
Em
tal perspectiva, o princípio de unidade
da língua
é essencial,
pois é esse princípio que funda as operações
em questão: assim
como na gramática histórica e na filologia era
a suposta filiação
histórica que
justificava as comparações, na lingüística
pós-saussuriana é o pertencimento a
uma mesma
língua, a um
mesmo sistema.
Só se pode falar
de línguas
diferentes, de dialetos, de patoás, de pidgins, ou de crioulos em referência
ao
princípio da unidade
da língua. Como
já sabemos, a colocação
em prática
desse
princípio na constituição
da teoria particular
da fonologia ou
da sintaxe dessa ou
daquela língua faz intervir
critérios semânticos.
Em outros
termos, o princípio
da
unidade da língua,
que funda
a prática do lingüista sobre a linguagem,
só pode
funcionar
se certos elementos
semânticos forem supostamente
conhecidos. De
quais
elementos semânticos
se trata? Quem
quer que
tenha colaborado um
pouco
para demonstrar estruturas fonológicas de uma língua
e para o estudo
de
sua sintaxe
sabe que os critérios
semânticos aos quais
é necessário recorrer são
amplamente
sobredeterminados: a demonstração de um fonema nunca repousa
sobre
um único
par mínimo, assim como não reconhecemos a existência
de uma
relação de transformação entre somente duas frases, mas entre séries de
frases
sintaticamente equivalentes. Em resumo, não é a significação propriamente dita
que está em
causa (em
muitos casos
concretos, podemos discutir
a equivalência
entre
uma frase ativa
em francês
e sua passiva
correspondente) mas aquilo que
Saussure designava por valor. A distinção
valor-significação e sua anulação na
construção de uma semântica concebida sobre o modelo da fonologia colocam
um
árduo problema
teórico.

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                      Essa conjuntura
se encontra complicada pelo
fato de que, uma vez
anulada a distinção
significação-valor, o princípio de unidade da língua
pode ser
perfeitamente
reinscrito em qualquer
ideologia que
coloque a universalidade do
espírito humano e a intercambialidade dos sujeitos
falantes. Essas ideologias
parecem até poder
fundamentá-lo ao dar ao conceito
de língua uma aparente
substância. Nada
de extraordinário, portanto,
que psicologias
e sociologias, que
hoje em
dia atribuem a essas ideologias aparências
de ciências, tenham sido
convocadas em auxílio pelos próprios lingüistas. É preciso
reconhecer nisso
também
que a posição
de Saussure pode parecer contraditória
na medida em
que ele
afirma que “a língua
é uma instituição social” e que “a língua
é uma
forma e não
uma substância” (CLG, p. 141).
                      Além
dessa questão, a própria
noção de universo
imanente da
significação coloca a questão dos universais
semânticos, isto
é, de um sistema
metalingüístico capaz de descrever
“a realidade”, aplicando-se sobre
ela como
uma rede. Essa imagem
da rede parece-nos subentender
a existência de uma

correspondência
real[17]
entre os universais
lingüísticos da significação e dos
universais extra-lingüísticos (psicológicos, biológicos, antropológicos, etc.).
Entendemos que
essa correspondência – que é em geral assegurada por
uma
cadeia interdisciplinar do gênero: lingüística, psicolingüística, psicologia,
sociologia, antropologia,
filosofia, lógica
–, repousa na realidade, ao nosso
ver,
sobre um postulado realista que dissimula um certo número de dificuldades
concernentes à própria
natureza dos “universais”. Se cessarmos por um

instante
de os considerar como
uma cópia-matriz da realidade e se nos
interrogarmos sobre
sua efetiva
origem histórica,
logo constataremos tratar-se
de uma justaposição de classificações muito
diversas, das quais algumas
provêm diretamente
de distinções conceituais produzidas por disciplinas
científicas existentes num dado momento de sua história, ao passo
que as
outras refletem relações sociais
inscritas em práticas
(econômicas, políticas ou
ideológicas) igualmente
situadas historicamente (sistemas documentários,
catálogo
telefônico, seguro
social, descrição
do ambiente, etc.).
            O efeito
do postulado realista a respeito dos “universais” é portanto o
de anular
a distinção entre
aquilo que
depende de uma prática científica
por um
lado e, por
outro, daquilo que
é o efeito de uma ideologia, explicitamente
organizada sob a forma de uma prática administrativa entre
outras (criação de
sistemas
semânticos “artificiais”),
ou implicitamente estruturado como sistema
de
representações.
            A conseqüência
dessa anulação conduz a uma posição epistemológica
laxista, que por sua vez leva a considerar as ciências
como os mais
bem
fundamentados universais
culturais e tecnológicos, o que corresponde,
finalmente,
ao modo
mais eficaz de apreender a realidade.
Como podemos não
ver que essa formulação trai a secreta
proximidade do realismo
com o idealismo
(por intermédio
do pragmatismo), manifestando ao mesmo tempo a sua
diferença comum em relação às posições
do materialismo? Lênin atribuía a seus
adversários fideístas o seguinte
discurso a propósito
da ciência: “Portanto
seja
lógico e convenha conosco que a ciência tem apenas
um valor
prático, em
um
domínio
da atividade humana
e que a religião
tem, em outro
domínio, um
valor

não menos real[18]”. Algumas concepções


atualmente muito
divulgadas nas
“ciências humanas” podem apenas reforçar a idéia segundo a
qual Lênin não

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tinha se enganado a respeito


dos adversários do materialismo
e do
“pragmatismo” pelo qual postulavam ser a ciência uma “vestimenta
de idéias”

sobreposta ao every day life[19]. Ao confundir “núcleo de realidade” e objeto


científico, ao substituir o ato
filosófico de decomposição desse núcleo em
“propriedades analíticas e sintéticas” por trabalho (discursivo e experimental)
das ciências, reencontramos inelutavelmente o mito de uma ciência além
das
ciências, de uma ciência que
seria ao mesmo tempo
a generalização
e a
condição de possibilidade das “outras ciências”. Em
suma: o mito
de uma
ciência universal
realizando sob novas
formas a eterna
pretensão da filosofia
idealista no tocante
às ciências (existentes).
 
§             
§
 
§
 
                      O exame crítico
que acabou de ser
apresentado poderia ocasionar
alguns mal-entendidos.
Contudo vamos desde
já dissipá-los, mostrando as
conseqüências teóricas e práticas
que resultam desse exame
para o próprio
trabalho de pesquisa:
aqui o mal-entendido
consistiria em pensar
que basta
fazer a crítica de uma ideologia
teórica (neste caso,
escrever textos salientando
as contradições da noção
de “semântica” tal
como ela
é hoje correntemente
aceita, para destruí-la, ela
e seus efeitos
práticos (neste caso: as práticas de
“análise
do conteúdo”, quotidianamente aplicadas aos questionários,
entrevistas,
documentos, arquivos, etc., nas diferentes “ciências sociais”).
            A conseqüência
desse mal entendido
seria contribuir para reforçar uma
espécie
de integrismo lingüístico,
cuja palavra
de ordem seria mais
ou menos
“além da sintaxe,
não há salvação!”, e que se livraria
do problema negando-o ou
remetendo-o às calendas
gregas. Convém ao contrário
sublinhar que, na luta
teórica
como em
qualquer outro
campo, destruímos realmente apenas aquilo
que somos capazes
de substituir
realmente: é necessário dizer que essa
substituição
é também um
deslocamento, isto
é, uma “mudança de terreno”?
                      Tudo
isso que
precede tinha por
objetivo apenas
mostrar essa
possibilidade e necessidade
atuais. O que
segue tentará esclarecer os primeiros
resultados, teóricos
e práticos – que, ao nosso ver, pensamos ter alcançado – a
fim
de que sejam submetidos à discussão
(tanto a partir
da posição materialista
que nós próprios tentamos adotar, quanto a partir do ponto de vista de todos
aqueles que atualmente
estão conscientes do problema e tentam, de uma
maneira
ou de outra, apontar-lhe uma solução).
            No que
nos diz respeito, a “mudança de terreno” parece determinada
por
duas necessidades: lutar
contra o empirismo
(se desembaraçar da
problemática
subjetivista centrada sobre o indivíduo) e contra
o formalismo
(não
confundir a língua
como objeto
da lingüística com
o campo da
“linguagem”).
Isso implica, a título
de contrapartida positiva, a introdução de
novos
objetos posicionados em relação ao novo “terreno” teórico que
determina
as formas e os conteúdos da mudança.
Em grande
medida os objetos
e os
termos que
os designam são, naturalmente, “novos” somente
aos olhos do
provincialismo teórico que
caracteriza cada uma das “ciências humanas” frente

a suas vizinhas, sobretudo


sendo dado o recalcamento-disfarçamento[20] que
ali se exerce frente
aos conceitos do materialismo histórico.

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            Não
é portanto inútil
lembrar, muito
brevemente, que, sendo dada uma
formação
social a um
momento determinado
de sua história,
ela se caracteriza,
por
meio do modo de produção que
a domina, por um
estado determinado
pela
relação entre
classes que
a compõem. Essas relações se expressam por
intermédio
da hierarquia das práticas que
esse modo
de produção necessita,
sendo dado
aparelhos por
meio dos quais
se realizam essas práticas; à essas
relações correspondem posições políticas e ideológicas, que
não constituem
indivíduos,
mas que
se organizam em formações que
mantêm entre si
uma
relação de antagonismo, de aliança ou
de dominação.
                      Falaremos de formação ideológica para
caracterizar um
elemento
suscetível
de intervir – como
uma força confrontada a outras forças – na
conjuntura
ideológica característica de uma formação social
em um
momento
dado.
Cada formação
ideológica constitui desse modo um conjunto complexo de
atitudes
e de representações que
não são
nem “individuais” e nem “universais”,
mas que
se relacionam mais ou
menos diretamente
a posições de classes
em
conflito
umas em relação
às outras.
                      Avançaremos, apoiando-nos sobre grande
número de observações
contidas naquilo que denominamos “os clássicos do marxismo”,
que as
formações
ideológicas assim definidas comportam necessariamente, como um
de seus componentes, uma ou
várias formações discursivas interligadas, que
determinam o
que pode e deve ser
dito (articulado sob a forma de uma arenga,
de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a
partir de uma posição
dada numa conjuntura
dada: o ponto
essencial aqui
é que
não se trata apenas
da natureza das palavras
empregadas, mas
também (e
sobretudo) de construções nas quais
essas palavras se combinam, na medida
em que elas
determinam a significação que tomam essas palavras: como
apontávamos no começo, as palavras mudam de sentido
segundo as posições

ocupadas por aqueles


que as empregam[21]. Podemos agora
deixar claro: as
palavras “mudam de sentido” ao passar de uma formação discursiva a outra.
                      Isso
corresponde a dizer que
a semântica, suscetível
de descrever
cientificamente uma formação discursiva, assim
como as condições
de
passagem de uma formação
a outra, não
saberia se restringir a uma semântica
lexical (ou
gramatical), mas
deve procurar fundamentalmente
dar conta dos
processos, administrando a organização dos termos em uma seqüência
discursiva, e isso
em função
das condições
nas quais
essa seqüência discursiva

é produzida[22]. Chamaremos de “semântica


discursiva” a análise científica dos
processos
característicos de uma formação discursiva, essa análise
que leva
em
consideração
o elo que
liga esses
processos às condições
nas quais o discurso
é
produzido (às posições às quais deve ser referido).
            Dito
isso, convém dissipar
imediatamente um
outro equívoco
possível,
que
consistiria em deduzir
daquilo que foi anteriormente
exposto que
a língua,
desaparece como realidade autônoma, que a
lingüística deve ceder o lugar ao
materialismo
histórico e que
a própria gramática
é “na verdade” apenas
um

assunto
de luta de
classe[23]!
 
§             
§
§
 

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                      Aos princípios teóricos produzidos dessa forma


correspondem certo
número
de disposições práticas
que começamos a desenvolver.
Sem expor aqui
as várias considerações
metodológicas que nos
têm orientado, nem o
detalhamento dos procedimentos que
levaram ao atual programa
de tratamento

automático
AAD[24], tentaremos indicar
brevemente suas
principais
características, referindo-nos ao trabalho de Zellig Harris da forma como está
resumido no artigo
Análise do discurso publicado no número
13 desta mesma

revista[25]. Nesse trabalho, Harris alia as preocupações


concernentes às
relações
entre a “cultura” e a “língua” a uma tentativa
de estender a análise
lingüística “além
dos limites de uma única
frase”. Por
outro lado,
ele se recusa
explicitamente em atribuir a priori uma importância mais
ou menos
grande a
esta ou
àquela ocorrência, “toda
análise que
tenderia a descobrir a presença
ou
ausência,
em um
texto, de certas
palavras particulares
escolhidas pelo lingüista,
seria uma busca sobre
o conteúdo do texto,
que repousaria finalmente
sobre o

sentido
das palavras escolhidas”[26].
            Alguns pontos, no entanto, parecem-nos trazer
dificuldades.
Primeiramente, o exemplo da análise
proposta apóia-se sobre
um único

texto[27]: trata-se, portanto, de referir o texto a si mesmo, pressupondo ser


ele suficientemente
repetitivo e estacionário
para que se possam extrair

equivalências
por essa superposição[28]. Por outro lado, a definição
de

equivalência[29] entre dois elementos e sobretudo a significação dessa

equivalência levanta alguns problemas[30]. Retornaremos a isso num instante.


                      A
aplicação do método
de análise AAD, que
apela a uma análise
lingüística prévia
em enunciados
elementares (bastante
próximos dos
esquemas-núcleos harrisianos), levam em consideração
pontos tratados
acima,
efetuando uma comparação regrada entre vários textos que
constituem um
corpus discursivo tido como
representativo de um certo estado de
condições de
produção
características de uma formação discursiva dada. Ressaltemos que
uma decisão
teórica extra-lingüística se encontra ligada
a essa etapa da

constituição
do corpus[31]. No que tange à ilustração
que apresentamos
esquematicamente abaixo, essa decisão
consistiu em reunir
num corpus
quarenta e três folhetos
de propaganda política, distribuídos pela organização
estudantil FER ao longo
do mês de maio
de 1968, o que supõe a priori que as
condições
de produção dominantes
do discurso dessa organização
permaneceram estáveis ao longo desse período.
            Por outro lado, o fato de
que cada
unidade discursiva seja
sistematicamente comparada ao conjunto das outras unidades do corpus
torna a
considerar
que o corpus
desempenha o papel
de um dicionário,
já que
é a partir
dessas comparações que
são definidas as equivalências
entre diferentes
sub-
seqüências.
            Da
mesma forma não se trata mais de uma cadeia
de equivalências (B
= C, M = N, etc.), mas de uma superposição
de sub-sequências
contextualmente
equivalentes.
            Vejamos
três exemplos
dos resultados obtidos:
                                  
1)         
Os trabalhadores estão/entram em luta contra o desemprego/as
suspensões/as demissões/os regulamentos/de Gaulle.

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2)     
É preciso se organizar/organizar a luta/aderir/reforçar a UNEF.
 
 
3)         
A luta pela
defesa das liberdades/da UNEF/do marxismo/realização
da
junção(operários-estudantes)/vitória do proletariado/uma
internacional da
juventude.
 
O exame dessas equivalências (contidas entre
os traços verticais
nos
esquemas
acima) coloca em
evidência um
problema que
se colocava também a

propósito
dos exemplos de equivalências
dados por
Harris. Seja, com efeito[32],
as duas equivalências
seguintes:
 
E1 = na metade
do outono       e      E2 = as primeiras friagens
chegam          
          no fim do mês
de outubro                começamos a nos aquecer
 
            Pensamos que a significação da equivalência
não é a mesma
nos dois
casos. Em E1 podemos explicitar a equivalência
por “no meio
do outono, isto é,
no fim
do mês de outubro”.
Em E2, ao contrário, parece-nos que a equivalência
repousa sobre uma outra
relação semântica
que não
a identidade: poderíamos
explicitar
por “as primeiras friagens
chegam, portanto começamos a nos
aquecer”, ou ainda
“começamos a nos aquecer,
porque as primeiras friagens
chegam”. Isso
leva a estabelecer
uma distinção entre
as substituições simétricas
do tipo E1 e substituições
não-simétricas do tipo E2.
                      Quanto
a isso, observemos que
essa propriedade de simetria/não-
simetria
não se liga
naturalmente aos pares
de termos em
substituição, mas
depende da formação discursiva em que essa substituição se efetua. Além
disso,
parece que, diferentemente
das substituições simétricas, as substituições não-
simétricas subentendem a possibilidade de uma sintagmatização (cf. acima “a

portanto b ou
b por que
a)[33]. O estado
atual do método
de análise utilizado
não permite perceber as rupturas de simetria
ligadas a uma sintagmatização.
Contudo nada
impede de pensar que
no futuro não
seja possível estabelecê-las,
seja a partir do corpus
estudado, seja a partir de um
corpus eventualmente
dependente
de uma outra formação
discursiva que explicitaria por
sintagmatização algumas equivalências
do primeiro.
            Essa direção
de pesquisa nos
parece suscetível de desembocar
numa
análise dos efeitos
de sentido implícitos
ligados à relação entre
diversas
formações discursivas.
                      Por
outro lado, a questão da existência
de substituições não-
sintagmatizáveis nos parece ser teoricamente
muito importante.
Isso na medida
em que
ela desemboca numa nova
interpretação dos mecanismos
da sinonímia
em
relação com
o da metonímia, ligada
– contrariamente à metáfora – à
possibilidade de uma sintagmatização.
            Para
concluir, indicaremos muito
brevemente duas questões
que, no
nosso
entendimento, comandam diretamente o desenvolvimento
dessa direção
de pesquisa.
            O primeiro
ponto diz respeito
à urgente necessidade
de se definir de
qual
semântica o lingüista
pode legitimamente fazer uso
em sua
prática

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lingüística (análise fonológica, morfológica e sintática). A questão da identidade


de sentido (cf. acima) – particularmente em
sua relação
ao estudo lingüístico
das transformações – é decisiva quanto a isso, e supõe que o uso
espontâneo
da noção
de aceitabilidade (semântica e gramatical) seja determinado
pelos
lingüistas
no campo específico
de sua prática.
                      O segundo
ponto consiste em
destacar a importância
dos estudos
lingüísticos
sobre a relação
enunciado/enunciação,
pela qual
“o sujeito falante”
toma posição
em relação
às representações de que ele é o suporte, desde que
essas representações se encontrem realizadas por um
“pré-construído”
lingüisticamente analisável. É sem
dúvida por
essa questão, ligada
à da
sintagmatização das substituições características de uma formação
discursiva,
que a contribuição
da teoria do discurso
ao estudo das formações
ideológicas (e
à teoria das ideologias) pode atualmente
se desenvolver mais
proveitosamente.

· Texto
publicado inicialmente no Jornal Comunista
L’Humanité, depois na 

Revista
Langages, número
24, em 197, posteriormente
publicado em
MALDIDIER, D. L’Inquietude
du Discours: textes de Michel Pêcheux. Éditions du
Cendres, 1990, p.133-53 e, em português In BARONAS, R. L. Análise do
Discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de formação
discursiva. São carlos, SP: Pedro & João Editores, 2007, p. 13 - 32.
Agradecemos vivamente
a Claudine Haroche pela autorização para
tradução e republicação deste texto. Tradução
Roberto Leiser Baronas e
Fábio César Montanheiro.
··  Claudine Haroche atualmente
é Diretora de Pesquisa no CNRS, Paris, França.

Michel Pêcheux desapareceu tragicamente em


dezembro de 1983.
[1] “Os lingüistas
foram os primeiros a compreender
por onde
se deveria

começar caso
se quisesse empreender um
estudo objetivo do homem. Os
primeiros
pararam de colocar a carroça
na frente dos bois, e reconheceram que,
antes
de fazer história
de um objeto determinado,
antes de se colocar
questões
de origem, de evolução, de difusão,
antes também
de explicar o caráter
de um
objeto pelas influências externas (o caráter
de uma língua pela
estrutura da
sociedade,
ou o de uma ideologia
pelas relações de produção, etc.), conviria
primeiramente circunscrever, definir e descrever esse objeto”. In: Ruwet, N.
Lingüítica e Ciências do Homem. Esprit, n.11, 1963. p.566. (Grifos dos autores
deste artigo).
[2] Hjelmslev, L. e Ulldall, H.J. An Outline of Glossematics. Copenhague:

Munsgaard, 1957.
[3] Normand, C. « Propositions et notes en vue d’une lectura de F. de

Saussure ». La Pensée,
n.154, 1970. p.34-51.
[4] Para evitar qualquer ambigüidade, coloquemos desde
já que, se o artigo de

Claudine Normand traz esclarecimentos importantes, pois deixa na sombra tudo


aquilo que diz respeito à prática específica do lingüista sobre a linguagem.
Retornaremos a esse ponto
mais adiante.
[5] Certamente
não se trata
do empirismo vulgar que conduzia alguns,
sob

pretexto
de ser possível
fazer experiências
de fonética com
aparelhos de

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medida, considerando que somente


esse ramo
da lingüística teria alguma
cientificidade.
[6] Cf. Lyons, J. Linguistique générale: introduction à la linguistique théorique.

Trad. francesa. F. Dubois-Charlier et D. Robinson. Paris: Larousse, 1970. p.307.


[7] Ver, entre outros, M. Pêcheux, “Ideologia e história das ciências: os efeitos

do corte
galileano em física
e em biologia”. In: Pêcheux, M. e Fichant, M. Sobre
a história das ciências.
Paris: Máspero, 1969.
[8] Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique générale, publicado por
F.

Bally e A. Sechehaye. Paris: Payot, 1965.


Tradução brasileira:
Curso de
Lingüística Geral. Tradução
de Antônio Chelini; José Paulo Paes e Izidoro
Blinkstein. São
Paulo: Editora Cultrix, 1969.
[9] Se acreditarmos em G. Mounin (Histoire de la linguistique. Paris: PUF,

1967): “Podemos pensar


que a influência
de Bréal sobre Saussure é certa”
(p.219). Ora, Bréal é o inventor da palavra “semântica”, de modo que
a
ausência do termo
em Saussure não
seria contingencial.
[10] CLG 187 – 201. Notemos de passagem
que esse
modelo é o fundamento

da análise componencial. NT. Substituímos a paginação das passagens do Curso


de Lingüística Geral
de Ferdinand de Saussure da edição
francesa utilizada pelos
autores pela paginação da edição
brasileira do Curso
de Lingüística Geral.
Tradução de Antoni Chelini, Jose Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo, SP:
Cultrix, 1969.
[11] Esse princípio parece ter preocupado Saussure durante
toda a sua
vida.

Notas
pessoais sobre
as personagens das mitologias
germânicas, bem
anteriores
ao Curso, atestam tal afirmação. Ver GODEL, R. “Les sources
manuscrites du “Cours de linguistique générale de Ferdinand de Saussure »
Genève, Droz e Paris: Minard, 1957.
[12] N.T. Assim
como seu
correspondente em
português, louer significa tanto

dar
quanto tomar
em aluguel.
[13] Ver por exemplo, Mounin, G. « Les problémes teoriques  de la traduction ».

Paris: Gallimard, 1963. p.59-69.


[14] Para evitar todo e qualquer equívoco
e ainda que
nos rendamos a ele,

coloquemos claramente desde já que não se trata de negar a existência de


diferenças
fonológicas, sintáticas e morfológicas entre
classes ou
camadas
sociais. O destaque atribuído a essas diferenças é objeto
da maior parte
dos
trabalhos em
sociolingüística. Exceto o fato de que certo número
desses
trabalhos parecem ter
tido por objetivo
real demonstrar
o caráter supostamente
primário da linguagem
das “classes inferiores” (ver entre outros: Schatzman, L.
e Strauss, A. Classes Sociais
e Modos de Comunicação.
American Journal of
Sociology, n.60, 1954, p.329-38) o simples fato de colocar o problema em
termos de diferenciação
da língua privilegia os aspectos fonológicos,
sintáticos
ou
morfológicos em detrimento
dos aspectos semânticos.
[15] J. Lyons, op cit., p.307.

[16]
CLG, p.138-139.

[17] Cf. uma expressão


ambígua de G. Mounin: “o mesmo campo semântico,

isto
é, aqui, a mesma
superfície de realidade””Les problémes teoriques  de la
traduction”,  p.88).

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[18] Lenine, « Materialisme et empiriocriticisme », (Ouvres complétes, t. XIV, p.

303, Éditions sociales, 1962.


[19] Falando das categorias
utilizadas pelo sistema
de análise de textos,

“General Inquirer”, os autores desse método


declaram: “Na nossa perspectiva,
podemos fazer referência
a tais categorias
denotativas como à das unidades
naturais
da linguagem, visto
que elas
correspondem às distinções habituais,
admitidas numa comunidade
lingüística... De tais
categorias naturais
da
linguagem provêm variáveis
para as ciências
sociais quando
elas são
integradas,
isoladamente ou em combinação, numa proposição referente
ao comportamento
humano”. In P. J. Stone, D. C. Dumphy, M. S. Smitd, D. M. Olgivie, Cambridge
Mass. MIT Press, 1966. p. 138.
[20] Pêcheux, M. “Les sciences humaines et le ‘moment actuel’”, La Pensée, n.

143, 1969, p. 62 – 79.


[21] Recordemo-nos da polêmica
de Lênin contra o idealismo
“velado por uma

terminologia
pretensamente marxista”, “o idealismo vestido
em termos
marxistas acomodado
em vocabulário
marxista” (op. cit., p.344)
[22] O termo
condições de produção
foi introduzido em “Problémes de l’analyse

de contenu”, Henry, P.e Moscovici, S. Langages, n.11, 1968,  p.37. Ver


igualmente
Pêcheux, M. “Analyse Automatique du discours”, Paris: Dunod,
1969.  p.16-29.
[23]
Cf. particularmente
a propósito das teorias
de Nicolas Marr, o artigo de

Vinogradov, “Triompher des consequences du culte de la personalité dans la


linguistique soviétique”.
Langages, n.15, 1969. p.67-84. Cf.
igualmente Cahiers
marxistes-léninistes n.12-13. “Art, langue: lutte de classe”.
Máspero, 1966. p.
26-42 e o comentário de Balibar, ibid., p.19-25.
[24] Ver sobre esse ponto M. Pêcheux, “Analyse Automatique du discours » e C.

Haroche e M. Pêcheux,  “Manuel pour l’utilisation de la méthode d’analyse


automatique du discours”, onde
resultados mais
completos são
apresentados,
com novas
perspectivas de desenvolvimento.
[25] Harris, Z. S. “Analyse du discours ». Langages,
n.13, 1969. p.8-15.

[26] Harris, Z. S., artigo


citado, p.13.

[27] “Millions Can’t Be Wrong”, art. cit., p.20.

[28] Harris dá como


exemplo textos
repetitivos: “as lendas
que produzem

eco..., os provérbios..., os slogans..., ou ... as relações


científicas ‘secas’ mas
precisas”. Art. cit., p.15.
[29] Lembremos que,
segundo Harris, se tivermos duas seqüências AB/AC,

deduziremos daí que


B = C,  e que
essa equivalência pode constituir
o ponto de
partida
de uma nova equivalência.
Por exemplo, MB/NC implicará então em M =
N, etc.
[30] Sobre esse ponto Harris permanece
bastante vago: “Os resultados formais

obtidos por esse


gênero de análise
fazem mais do que
definir a distribuição
das
classes, a estrutura
dos segmentos ou
mesmo a distribuição
de tipos de
segmentos.
Eles podem também
revelar as particularidades
no interior da
estrutura,
em relação
ao restante da estrutura. Podem mostrar em que algumas
estruturas
se assemelham a outras ou em que elas se diferenciam. Podem ainda
conduzir a numerosas conclusões
sobre o texto”.
Ibid., p.43-4. 

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28/08/2021 LINGUASAGEM - Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da Linguagem

[31] É antes
de tudo pela
necessidade teórica
dessa decisão que
o método

apresentado se separa do empirismo característico dos métodos de análise


factorial aplicados ao estudo dos textos.
[32] Harris, art. cit. p. 15.

[33] Do mesmo
modo, nos
três exemplos
citados, percebemos substituições

simétricas (suspensões/demissões) e substituições não-simétricas (ligadas


a
sintagmatizações do tipo “de Gaulle criou os regulamentos”; ou “é preciso aderir
à UNEF para reforçá-la”, etc.).
 
    
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