A SEmântica e o Corte Sausseriano - Língua, Linguagem e Discurso
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evidências empíricas que Saussure pôde formular
os conceitos que
fundam a
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lingüística como
ciência[4]. As diversas explorações
ideológicas das atuais
Veja também teorias lingüísticas
(e não, para
sermos mais precisos, dos conhecimentos
lingüísticos) se caracterizam por um
deslizamento contínuo
entre língua
e
linguagem, conjugado
a um retorno
forçado a um
empirismo renovado[5] pelo
formalismo. Para resumir, em nome da própria
ruptura saussuriana, defende-se,
em certa medida, o oposto.
Ceditec
Para compreender o que
está em questão
aqui, é necessário
levar em
conta o que se passou no interior da própria
lingüística. Assim
sendo, tentamos
primeiramente transpor a teoria lingüística fora de seu próprio campo na medida
em que
a lingüística aparece como
uma ciência. Com
isso a alçamos à posição
Domínio Público de uma ciência piloto,
um modelo, da
mesma maneira
que se quis fazer
da
psicologia um
modelo teórico
de todas as ciências, ou sua base de redução. Em
segundo lugar, essa exploração ideológica da lingüística, sua reinscrição
fora de
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seu
próprio campo,
não teriam sido possíveis
sem a existência
de dificuldades
interiores à própria
lingüística, e produzidas pelas mesmas causas.
Continua a ser um lugar comum dizer que a semântica
foi abandonada
GEScom
pelos lingüistas por um longo período, o que talvez não seja
sem razão[6]. Já
antecipando o que nos
propomos a dizer na seqüência, cremos poder defender
que, se a ruptura saussuriana foi suficiente
para permitir a constituição da
fonologia, da morfologia e da sintaxe,
ela não
conseguiu impedir o retorno
ao
empirismo em
semântica.
Ao contrário, parece que
o desenvolvimento da
GETerm
fonologia tornou possível
esse retorno, ao fazer dela um
modelo que
permitiu
reinterpretar, em um quadro formalista,
concepções muito
tradicionais da
semântica. O paradoxo é apenas
aparente: a história
das ciências nos
fornece
numerosos exemplos
desse tipo de processo.[7]
Institut Ferdinand de Saussure Isso que
acabamos de afirmar implica que
aquilo que
designamos hoje
sob
o nome de semântica
depende apenas parcialmente
de uma abordagem
lingüística.
Evidentemente, não
se trata de cair
no legalismo, decretando aquilo
que de direito
depende ou não
da lingüística. Quando
falamos em abordagem
lingüística, nós
nos referimos, na verdade, a um conjunto
de conceitos que
Portal de Periódicos Capes
foram produzidos por lingüistas e a uma prática específica do lingüista sobre a
linguagem,
estreitamente ligada
a esses conceitos. Afirmamos portanto que
nem os conhecimentos
que permitem produzir
esses conceitos,
nem essa
prática
em si
podem recobrir completamente
o atual campo
da semântica,
Portal de Revistas Científicas Persee exceto
no quadro de uma vaga
analogia,
que não
passa de uma invasão
ideológica na teoria lingüística. Nessas condições, a semântica
(enquanto teoria
das regiões deixadas de lado do campo
de aplicação dos conceitos
e da prática
dos lingüistas) supõe uma mudança de terreno ou de perspectiva.
Nossos objetivos
neste estudo serão,
em primeiro lugar, apoiar e
Revue Texto!
desenvolver as teses críticas que
acabamos de apresentar e, em
segundo,
indicar
como é possível
conceber, atualmente, a mudança de terreno
ou de
perspectiva
que nos
parece indispensável.
§
§
Texto livre
§
Para os gramáticos e neo-gramáticos, a semântica estava reduzida ao
TRIANGLE estudo da mudança
de sentido das palavras. Se nos reportarmos ao Curso de
Lingüística Geral[8],
é preciso inicialmente
observar que
a palavra semântica[9]
não figura
nele. Contudo, quando
agrupamos o que pode ser
relacionado à
questão, convém fazer
uma distinção entre,
por um
lado, aquilo
que concerne à
oposição
valor-significação, assim como às relações
associativas e, por outro, as
UEHPOSOL
questões consagradas à analogia e à aglutinação. Na verdade, essa distinção
está recoberta pela oposição entre a lingüística
sincrônica e a lingüística
diacrônica.
Mas, a propósito
das mudanças analógicas, Saussure esboça
uma
análise das relações
entre essas duas ordens, o que demanda
alguns
comentários.
Universia
Nos capítulos
consagrados à analogia, encontramos um certo número de
idéias
que Saussure toma
emprestado de seus predecessores.
Em particular,
ele
assume a responsabilidade
sobre o modelo
das proporções[10]:
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reação : reacionário
: repressão : x, em
que x = repressionário
Desse modo pode ser
explicada a aparição histórica de novas
formas. Mas
o
Curso de Lingüística Geral inova quando
propõe (p.191-5) sucessivamente que
“tudo é gramatical na analogia” (p.192), visto que
a analogia “é inteiramente
gramatical e sincrônica”(p.193), pois “as formas se mantêm porque são
refeitas
analogicamente sem cessar”(p.200). Retornamos à idéia
de que as unidades
existem somente pela
coesão do sistema
das oposições e das relações. É
preciso destacar
que não
somente a analogia
explica a aparição histórica
de
formas novas,
mas ainda
que ela estrutura permanentemente
o sistema das
unidades
significantes que
só podem se manter
por elas. Uma ponte é assim
estabelecida entre sincronia
e diacronia, mas, ao mesmo tempo, é esboçada
uma dialética – em particular a
respeito do par
liberdade/sistema
– sobre a qual
teremos de voltar. Essa dialética
introduz-se na própria noção de gramática,
que, no Curso de Lingüística Geral
não se encontra
sem relação
com a
concepção
encontrada em Port-Royal a seu respeito.
Com
efeito, lemos (p.191-2) que “... a analogia
é de ordem gramatical;
ela supõe a consciência
e a compreensão de uma relação que une as formas
entre
si”. E que
“enquanto a idéia
nada representa no fenômeno
fonético, sua
intervenção se faz necessária
em matéria
de analogia”.
Mais
à frente, logo
depois de Saussure ter
reafirmado que “tudo
é
gramatical na analogia”, é acrescentado que “a criação, que lhe constitui o fim,
só pode pertencer, de começo, à fala;
ela é a obra
ocasional de uma pessoa
isolada” (p.192). Certamente, essa asserção é imediatamente
corrigida,
colocando que a “criação” analógica
só é possível
se as condições lingüísticas
de
sua produção
estiverem reunidas sob a forma
de uma proporção incompleta
na
língua.
Não é menos
verdade que, com isso, Saussure deixe aberta uma porta
pela qual vão se lançar o formalismo e o subjetivismo. Quando procuramos
compreender a raiz
dessa dificuldade, a encontramos no fato de que, para
Saussure, a idéia
não saberia ser
de outra forma
senão totalmente
subjetiva,
individual.
Portanto, visto
que atrás
de toda analogia
há necessariamente uma
idéia, é preciso obrigatoriamente passar
pela fala
e pelo sujeito individual.
Essa relação entre idéia e analogia
nos leva
à oposição valor-
significação. Trata-se de uma oposição capital,
pois é em seu nome que
Saussure declara guerra
contra a concepção
da língua como
nomenclatura (p.
97 e 158). A atitude fundamental
de Saussure a esse respeito
consiste na idéia
de que, do ponto de vista lingüístico, o valor domina a significação: “Em todos
esses casos, pois, surpreendemos, em
lugar de idéias dadas de antemão,
valores que
emanam do sistema. Quando
se diz que os valores
correspondem a
conceitos, subentende-se que são puramente diferenciais, definidos
não
positivamente
por seu
conteúdo, mas
negativamente por
suas relações
com os
outros
termos do sistema.
Sua característica
mais exata
é ser o que
os outros
não
são”. (p. 136). Mais
à frente, a propósito
do conceito “julgar”está
especificado que ele
“simboliza a significação” mas que “esse conceito nada
tem
de inicial, não
é senão um
valor determinado
por suas
relações com
outros
valores
semelhantes, e sem
eles a significação não
existiria” (ibid.). Em resumo,
“quando afirmo simplesmente
que uma palavra
significa alguma coisa, quando
me atenho à associação
da imagem acústica
com o conceito, faço uma operação
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que
pode, em certa
medida, ser exata e dar uma idéia da realidade; mas em
nenhum caso
exprime o fato lingüístico
na sua essência
e na sua amplitude”
(ibid.).
O princípio da subordinação da significação ao valor
pode ser
considerado como
o centro da ruptura
saussuriana[11].
É esse princípio,
estreitamente
ligado à idéia de língua
como sistema,
que abre a possibilidade de
uma teoria geral da
língua, permitindo a interpretação de particularidades
fonológicas, sintáticas e morfológicas de qualquer
língua. Mas
e a semântica?
Devido ao papel
que nela se atribui à fala e ao sujeito, tudo aquilo que diz
respeito
à analogia encontra-se em segundo plano em relação a essa ruptura.
Isso porque a subordinação da significação ao valor
quanto a tudo
que se refira
ao “fato
lingüístico em
sua essência
e em sua
amplitude” tem precisamente
por
efeito
interromper bruscamente
todo retorno
ao sujeito, quando
se trata da
língua: a significação é de ordem da fala e do sujeito, só o valor diz respeito a
língua.
Acabamos de constatar, portanto, que o Curso de Lingüística Geral
partilha do ponto de vista
de que a analogia
não caminha
em direção ao
centro
da ruptura
que, por
outro lado,
ali se manifesta. Cremos que é preciso
ir mais
longe e deixar claro que, se essa ruptura abre passagem
para a fonologia,
para
a sintaxe e para a morfologia, deixa entretanto
de fora de seu
campo uma boa
parte
daquilo que atribuímos à semântica.
Vamos mostrar
o porquê, voltando-nos sobre outras passagens
do
Curso de Lingüística Geral concernentes
a essa questão e recorrendo a uma
parte do que
foi feito nesse domínio.
Fomos diretamente ao princípio
de subordinação da significação ao
valor, passando por
cima de argumentos
para o justificar. Um desses
argumentos
é: “Se as palavras estivessem encarregadas de representar os
conceitos dados
de antemão, cada
uma delas teria, de uma língua para outra,
correspondentes exatos
para o sentido;
mas não
ocorre assim”, conclui
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quando
ligados a diversos subsistemas
da língua[14].
Com
efeito, é um
indício que
mostra que
as coisas não
são assim
tão
simples
quanto faria supor
a idéia de uma diferenciação
em
subsistemas. Tudo
se passa como
se a correspondência entre teoria geral e estudo particular de
uma dada
língua desaparecesse no nível
semântico. Certamente, “semânticas
gerais” foram propostas, mas
elas não
fornecem quase nada
de princípios que
permitam depreender as particularidades
das línguas, ou
dos estados de língua,
etc, como é o caso
da fonologia, da morfologia
ou da sintaxe. Existem, por
outro
lado, descrições
semânticas de diversas línguas, mas são descrições que
permanecem sem
ligação com
as teorias. Se elas
permanecem em grande
parte
desligadas de descrições
concretas das línguas, as semânticas gerais
nem por
isso se libertam de todos
“dados concretos”.
Elas vão
simplesmente buscá-los
em outros lugares, entre eles “na filosofia, na lógica, na psicologia
e, talvez
ainda,
em outras disciplinas
como a antropologia
e a sociologia[15]”.
Essas disciplinas fornecem, portanto
o “concreto”, mas
recortado de
outra forma
que não
fosse o concreto lingüístico
de uma dada língua
nacional.
Sem
dúvida, ressaltamos que
esses componentes
“sociais” e literários
não estão
ausentes
dos domínios fonológico
(r “fricativo uvular” urbano na França / r
“vibrante apical”, ainda presente na zona rural francesa), morfológico (variações
históricas dos
prefixos e sufixos,
criação de palavras
novas ligadas
à aparição
das ferrovias...
ou do socialismo),
sintático (a gramaticalidade não
varia, ao
menos em
suas zonas
de fronteira, em
função de dados
sócio-históricos?).
Entretanto, aqui só se trata (salvo talvez pelo último
ponto) de propriedades
secundárias do ponto de vista
lingüístico, que
a teoria geral
não se encontra
na
obrigação de explicar.
O caso
é totalmente diferente
para a semântica.
Com efeito,
o laço
que
une as “significações” de um texto às suas condições
sócio-históricas não é
meramente secundário,
mas constitutivo das próprias significações.
Como
havíamos acertadamente observado, falar é diferente de produzir um exemplo
de gramática. Podemos esperar “estender” nesse momento
a teoria lingüística
para uma semântica
geral (ciência
geral das significações) que libertaria a
lingüística
do “pelourinho formal” da gramática? As diversas “ciências
sociais”
que
se encarregaram das questões sobre o sentido
e sobre a expressão
das
significações insistem junto à lingüística para que essas questões
sejam
resolvidas com os meios teóricos que esta última
dispõe. Destaquemos
entretanto, que tais questões não
têm lugar na problemática
saussuriana, na
medida em que elas dizem respeito
ao que é rejeitado na fala, fora do todo
homogêneo que constitui o sistema
da língua. Mas
o próprio fato
de que essa
concepção
da língua tenha desempenhado um papel crucial na formação
da
fonologia, da sintaxe
e da morfologia pôde exercer
uma pressão que
tende a
fazer adotar o mesmo modelo sobre o campo
da semântica.
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Assim
sendo, a oposição língua/fala, historicamente necessária
à
constituição da lingüística,
caminha lado
a lado de certa
ingenuidade de
Saussure em relação à sociologia, o que é plenamente
explicável pelo
fato de os
próprios
sociólogos contemporâneos de Saussure compartilharem-na na maior
parte dos casos. Essa ingenuidade repousa sobre uma ideologia individualista
e
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correspondentes a vários
encadeamentos possíveis
de elementos de significação
tomados em cada agrupamento. A existência
desse “ruído semântico” e da
pluralidade dos “planos de leitura” representaria o descompasso existente entre
o universo
imanente da significação (aquele dos elementos
de significação) e
seu universo manifestado (aquele
de agrupamentos de elementos
manifestados
pelas unidades significantes).
Resta-nos examinar sobre o quê se funda o paralelismo entre
estrutura
fonológica
e estrutura semântica. Observaremos, em primeiro
lugar, que
existe
uma estreita relação
entre essa concepção
da semântica e o modo
como a
questão
do valor é tratada
no Curso de Lingüística Geral, mas,
precisamente,
não
se trata mais
dos valores,
mas das significações. Para bem
compreender
porque
essa anulação da distinção
valor-significação está carregada de
conseqüências, é preciso que
nos voltemos sobre
o papel do conceito
de valor
na constituição
da fonologia e da sintaxe.
Conforme já
dissemos, o conceito de
valor está diretamente
ligado à idéia da língua
como sistema
e àquilo que
concordamos denominar o princípio de unidade da língua,
princípio que,
para
nós, funda a prática do lingüista sobre a linguagem a partir de Saussure. Um
aspecto
da ruptura saussuriana que
parece não ter
despertado muita atenção
é
o fato de que
à ruptura sobre
o plano teórico
corresponde uma transformação
profunda
da prática do lingüista sobre a linguagem. A gramática histórica
estava
baseada sobre
comparações entre elementos
isolados pertencentes a línguas
diferentes, supostamente
ligadas por
filiação histórica: a lingüística pós-
saussuriana atribui prioridade às operações
de comutação, de comparações
regradas, etc. no interior
de uma mesma língua,
isto é, ao funcionamento
das
línguas em
relação a si
próprias no quadro de uma lingüística
geral que
é a
teoria desse funcionamento.
Em
tal perspectiva, o princípio de unidade
da língua
é essencial,
pois é esse princípio que funda as operações
em questão: assim
como na gramática histórica e na filologia era
a suposta filiação
histórica que
justificava as comparações, na lingüística
pós-saussuriana é o pertencimento a
uma mesma
língua, a um
mesmo sistema.
Só se pode falar
de línguas
diferentes, de dialetos, de patoás, de pidgins, ou de crioulos em referência
ao
princípio da unidade
da língua. Como
já sabemos, a colocação
em prática
desse
princípio na constituição
da teoria particular
da fonologia ou
da sintaxe dessa ou
daquela língua faz intervir
critérios semânticos.
Em outros
termos, o princípio
da
unidade da língua,
que funda
a prática do lingüista sobre a linguagem,
só pode
funcionar
se certos elementos
semânticos forem supostamente
conhecidos. De
quais
elementos semânticos
se trata? Quem
quer que
tenha colaborado um
pouco
para demonstrar estruturas fonológicas de uma língua
e para o estudo
de
sua sintaxe
sabe que os critérios
semânticos aos quais
é necessário recorrer são
amplamente
sobredeterminados: a demonstração de um fonema nunca repousa
sobre
um único
par mínimo, assim como não reconhecemos a existência
de uma
relação de transformação entre somente duas frases, mas entre séries de
frases
sintaticamente equivalentes. Em resumo, não é a significação propriamente dita
que está em
causa (em
muitos casos
concretos, podemos discutir
a equivalência
entre
uma frase ativa
em francês
e sua passiva
correspondente) mas aquilo que
Saussure designava por valor. A distinção
valor-significação e sua anulação na
construção de uma semântica concebida sobre o modelo da fonologia colocam
um
árduo problema
teórico.
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Essa conjuntura
se encontra complicada pelo
fato de que, uma vez
anulada a distinção
significação-valor, o princípio de unidade da língua
pode ser
perfeitamente
reinscrito em qualquer
ideologia que
coloque a universalidade do
espírito humano e a intercambialidade dos sujeitos
falantes. Essas ideologias
parecem até poder
fundamentá-lo ao dar ao conceito
de língua uma aparente
substância. Nada
de extraordinário, portanto,
que psicologias
e sociologias, que
hoje em
dia atribuem a essas ideologias aparências
de ciências, tenham sido
convocadas em auxílio pelos próprios lingüistas. É preciso
reconhecer nisso
também
que a posição
de Saussure pode parecer contraditória
na medida em
que ele
afirma que “a língua
é uma instituição social” e que “a língua
é uma
forma e não
uma substância” (CLG, p. 141).
Além
dessa questão, a própria
noção de universo
imanente da
significação coloca a questão dos universais
semânticos, isto
é, de um sistema
metalingüístico capaz de descrever
“a realidade”, aplicando-se sobre
ela como
uma rede. Essa imagem
da rede parece-nos subentender
a existência de uma
correspondência
real[17]
entre os universais
lingüísticos da significação e dos
universais extra-lingüísticos (psicológicos, biológicos, antropológicos, etc.).
Entendemos que
essa correspondência – que é em geral assegurada por
uma
cadeia interdisciplinar do gênero: lingüística, psicolingüística, psicologia,
sociologia, antropologia,
filosofia, lógica
–, repousa na realidade, ao nosso
ver,
sobre um postulado realista que dissimula um certo número de dificuldades
concernentes à própria
natureza dos “universais”. Se cessarmos por um
só
instante
de os considerar como
uma cópia-matriz da realidade e se nos
interrogarmos sobre
sua efetiva
origem histórica,
logo constataremos tratar-se
de uma justaposição de classificações muito
diversas, das quais algumas
provêm diretamente
de distinções conceituais produzidas por disciplinas
científicas existentes num dado momento de sua história, ao passo
que as
outras refletem relações sociais
inscritas em práticas
(econômicas, políticas ou
ideológicas) igualmente
situadas historicamente (sistemas documentários,
catálogo
telefônico, seguro
social, descrição
do ambiente, etc.).
O efeito
do postulado realista a respeito dos “universais” é portanto o
de anular
a distinção entre
aquilo que
depende de uma prática científica
por um
lado e, por
outro, daquilo que
é o efeito de uma ideologia, explicitamente
organizada sob a forma de uma prática administrativa entre
outras (criação de
sistemas
semânticos “artificiais”),
ou implicitamente estruturado como sistema
de
representações.
A conseqüência
dessa anulação conduz a uma posição epistemológica
laxista, que por sua vez leva a considerar as ciências
como os mais
bem
fundamentados universais
culturais e tecnológicos, o que corresponde,
finalmente,
ao modo
mais eficaz de apreender a realidade.
Como podemos não
ver que essa formulação trai a secreta
proximidade do realismo
com o idealismo
(por intermédio
do pragmatismo), manifestando ao mesmo tempo a sua
diferença comum em relação às posições
do materialismo? Lênin atribuía a seus
adversários fideístas o seguinte
discurso a propósito
da ciência: “Portanto
seja
lógico e convenha conosco que a ciência tem apenas
um valor
prático, em
um
domínio
da atividade humana
e que a religião
tem, em outro
domínio, um
valor
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Não
é portanto inútil
lembrar, muito
brevemente, que, sendo dada uma
formação
social a um
momento determinado
de sua história,
ela se caracteriza,
por
meio do modo de produção que
a domina, por um
estado determinado
pela
relação entre
classes que
a compõem. Essas relações se expressam por
intermédio
da hierarquia das práticas que
esse modo
de produção necessita,
sendo dado
aparelhos por
meio dos quais
se realizam essas práticas; à essas
relações correspondem posições políticas e ideológicas, que
não constituem
indivíduos,
mas que
se organizam em formações que
mantêm entre si
uma
relação de antagonismo, de aliança ou
de dominação.
Falaremos de formação ideológica para
caracterizar um
elemento
suscetível
de intervir – como
uma força confrontada a outras forças – na
conjuntura
ideológica característica de uma formação social
em um
momento
dado.
Cada formação
ideológica constitui desse modo um conjunto complexo de
atitudes
e de representações que
não são
nem “individuais” e nem “universais”,
mas que
se relacionam mais ou
menos diretamente
a posições de classes
em
conflito
umas em relação
às outras.
Avançaremos, apoiando-nos sobre grande
número de observações
contidas naquilo que denominamos “os clássicos do marxismo”,
que as
formações
ideológicas assim definidas comportam necessariamente, como um
de seus componentes, uma ou
várias formações discursivas interligadas, que
determinam o
que pode e deve ser
dito (articulado sob a forma de uma arenga,
de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a
partir de uma posição
dada numa conjuntura
dada: o ponto
essencial aqui
é que
não se trata apenas
da natureza das palavras
empregadas, mas
também (e
sobretudo) de construções nas quais
essas palavras se combinam, na medida
em que elas
determinam a significação que tomam essas palavras: como
apontávamos no começo, as palavras mudam de sentido
segundo as posições
assunto
de luta de
classe[23]!
§
§
§
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automático
AAD[24], tentaremos indicar
brevemente suas
principais
características, referindo-nos ao trabalho de Zellig Harris da forma como está
resumido no artigo
Análise do discurso publicado no número
13 desta mesma
sentido
das palavras escolhidas”[26].
Alguns pontos, no entanto, parecem-nos trazer
dificuldades.
Primeiramente, o exemplo da análise
proposta apóia-se sobre
um único
equivalências
por essa superposição[28]. Por outro lado, a definição
de
constituição
do corpus[31]. No que tange à ilustração
que apresentamos
esquematicamente abaixo, essa decisão
consistiu em reunir
num corpus
quarenta e três folhetos
de propaganda política, distribuídos pela organização
estudantil FER ao longo
do mês de maio
de 1968, o que supõe a priori que as
condições
de produção dominantes
do discurso dessa organização
permaneceram estáveis ao longo desse período.
Por outro lado, o fato de
que cada
unidade discursiva seja
sistematicamente comparada ao conjunto das outras unidades do corpus
torna a
considerar
que o corpus
desempenha o papel
de um dicionário,
já que
é a partir
dessas comparações que
são definidas as equivalências
entre diferentes
sub-
seqüências.
Da
mesma forma não se trata mais de uma cadeia
de equivalências (B
= C, M = N, etc.), mas de uma superposição
de sub-sequências
contextualmente
equivalentes.
Vejamos
três exemplos
dos resultados obtidos:
1)
Os trabalhadores estão/entram em luta contra o desemprego/as
suspensões/as demissões/os regulamentos/de Gaulle.
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2)
É preciso se organizar/organizar a luta/aderir/reforçar a UNEF.
3)
A luta pela
defesa das liberdades/da UNEF/do marxismo/realização
da
junção(operários-estudantes)/vitória do proletariado/uma
internacional da
juventude.
O exame dessas equivalências (contidas entre
os traços verticais
nos
esquemas
acima) coloca em
evidência um
problema que
se colocava também a
propósito
dos exemplos de equivalências
dados por
Harris. Seja, com efeito[32],
as duas equivalências
seguintes:
E1 = na metade
do outono e E2 = as primeiras friagens
chegam
no fim do mês
de outubro começamos a nos aquecer
Pensamos que a significação da equivalência
não é a mesma
nos dois
casos. Em E1 podemos explicitar a equivalência
por “no meio
do outono, isto é,
no fim
do mês de outubro”.
Em E2, ao contrário, parece-nos que a equivalência
repousa sobre uma outra
relação semântica
que não
a identidade: poderíamos
explicitar
por “as primeiras friagens
chegam, portanto começamos a nos
aquecer”, ou ainda
“começamos a nos aquecer,
porque as primeiras friagens
chegam”. Isso
leva a estabelecer
uma distinção entre
as substituições simétricas
do tipo E1 e substituições
não-simétricas do tipo E2.
Quanto
a isso, observemos que
essa propriedade de simetria/não-
simetria
não se liga
naturalmente aos pares
de termos em
substituição, mas
depende da formação discursiva em que essa substituição se efetua. Além
disso,
parece que, diferentemente
das substituições simétricas, as substituições não-
simétricas subentendem a possibilidade de uma sintagmatização (cf. acima “a
portanto b ou
b por que
a)[33]. O estado
atual do método
de análise utilizado
não permite perceber as rupturas de simetria
ligadas a uma sintagmatização.
Contudo nada
impede de pensar que
no futuro não
seja possível estabelecê-las,
seja a partir do corpus
estudado, seja a partir de um
corpus eventualmente
dependente
de uma outra formação
discursiva que explicitaria por
sintagmatização algumas equivalências
do primeiro.
Essa direção
de pesquisa nos
parece suscetível de desembocar
numa
análise dos efeitos
de sentido implícitos
ligados à relação entre
diversas
formações discursivas.
Por
outro lado, a questão da existência
de substituições não-
sintagmatizáveis nos parece ser teoricamente
muito importante.
Isso na medida
em que
ela desemboca numa nova
interpretação dos mecanismos
da sinonímia
em
relação com
o da metonímia, ligada
– contrariamente à metáfora – à
possibilidade de uma sintagmatização.
Para
concluir, indicaremos muito
brevemente duas questões
que, no
nosso
entendimento, comandam diretamente o desenvolvimento
dessa direção
de pesquisa.
O primeiro
ponto diz respeito
à urgente necessidade
de se definir de
qual
semântica o lingüista
pode legitimamente fazer uso
em sua
prática
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· Texto
publicado inicialmente no Jornal Comunista
L’Humanité, depois na
Revista
Langages, número
24, em 197, posteriormente
publicado em
MALDIDIER, D. L’Inquietude
du Discours: textes de Michel Pêcheux. Éditions du
Cendres, 1990, p.133-53 e, em português In BARONAS, R. L. Análise do
Discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de formação
discursiva. São carlos, SP: Pedro & João Editores, 2007, p. 13 - 32.
Agradecemos vivamente
a Claudine Haroche pela autorização para
tradução e republicação deste texto. Tradução
Roberto Leiser Baronas e
Fábio César Montanheiro.
·· Claudine Haroche atualmente
é Diretora de Pesquisa no CNRS, Paris, França.
começar caso
se quisesse empreender um
estudo objetivo do homem. Os
primeiros
pararam de colocar a carroça
na frente dos bois, e reconheceram que,
antes
de fazer história
de um objeto determinado,
antes de se colocar
questões
de origem, de evolução, de difusão,
antes também
de explicar o caráter
de um
objeto pelas influências externas (o caráter
de uma língua pela
estrutura da
sociedade,
ou o de uma ideologia
pelas relações de produção, etc.), conviria
primeiramente circunscrever, definir e descrever esse objeto”. In: Ruwet, N.
Lingüítica e Ciências do Homem. Esprit, n.11, 1963. p.566. (Grifos dos autores
deste artigo).
[2] Hjelmslev, L. e Ulldall, H.J. An Outline of Glossematics. Copenhague:
Munsgaard, 1957.
[3] Normand, C. « Propositions et notes en vue d’une lectura de F. de
Saussure ». La Pensée,
n.154, 1970. p.34-51.
[4] Para evitar qualquer ambigüidade, coloquemos desde
já que, se o artigo de
pretexto
de ser possível
fazer experiências
de fonética com
aparelhos de
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do corte
galileano em física
e em biologia”. In: Pêcheux, M. e Fichant, M. Sobre
a história das ciências.
Paris: Máspero, 1969.
[8] Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique générale, publicado por
F.
Notas
pessoais sobre
as personagens das mitologias
germânicas, bem
anteriores
ao Curso, atestam tal afirmação. Ver GODEL, R. “Les sources
manuscrites du “Cours de linguistique générale de Ferdinand de Saussure »
Genève, Droz e Paris: Minard, 1957.
[12] N.T. Assim
como seu
correspondente em
português, louer significa tanto
dar
quanto tomar
em aluguel.
[13] Ver por exemplo, Mounin, G. « Les problémes teoriques de la traduction ».
[16]
CLG, p.138-139.
isto
é, aqui, a mesma
superfície de realidade””Les problémes teoriques de la
traduction”, p.88).
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terminologia
pretensamente marxista”, “o idealismo vestido
em termos
marxistas acomodado
em vocabulário
marxista” (op. cit., p.344)
[22] O termo
condições de produção
foi introduzido em “Problémes de l’analyse
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[31] É antes
de tudo pela
necessidade teórica
dessa decisão que
o método
[33] Do mesmo
modo, nos
três exemplos
citados, percebemos substituições
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