Análise Da Letra Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores

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A música de Geraldo Vandré – Pra não dizer que não falei das flores, como

símbolo de resistência.

Mikael Marcos Silva


Universidade Federal de Uberlândia (UFU) – [email protected]

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar o momento histórico da ditadura militar
no Brasil a partir das músicas de resistência do canto popular. Traz reflexões sobre o momento de
repressão que levou os artistas, principalmente os músicos da MPB, a se voltarem contra o
governo opressor. O objeto de análise é a música Pra não dizer que falei das flores de Geraldo
Vandré, que mobiliza as palavras e suas construções de sentidos ao tratar sobre o período da
ditadura, e como se deu, viabilizando interpretações anti-fascistas.

Palavras-chave: Ditadura militar. Geraldo Vandré. Resistência. Repressão. Tropicália.

1. Introdução
No Brasil, as décadas de 60 a 80 foram marcadas por um período de violência,
opressão e censura partindo de um governo militar elitista e autoritário que tinha como alvo
os artistas e as classes marginalizadas. Os governantes temiam que algumas músicas
pudessem provocar indignação nos civis, por isso censuravam e oprimiam não somente
música, como também qualquer manifestação artística. A produção de música era vista como
algo subversivo que propagava valores comunistas.

Artistas como Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Oscar
Niemeyer, Raul Seixas, entre outros, foram exilados tendo que buscar refúgio em outros
países, na ditadura militar qualquer manifestação artística que incitasse o governo de forma
direta ou indireta era considerada uma ameaça para ordem social. Desta maneira, os militares
garantiram que se circulassem somente mídias que fossem favoráveis ao governo. Após a
introdução do AI-5, a censura de letras de músicas aumentou, além de ocasionar demissões
em massa, censura de peças de teatros, superlotação dos presídios, repreensão e tortura dos
contrários ao golpe.

Logo, o trabalho busca articular e refletir sobre o período da ditadura e como as


manifestações artísticas, como a música que é objeto de estudo do trabalho, trazem
mensagens de conscientização ao povo e combate às ideias opressivas do militarismo
instaurado na época.

2. Desenvolvimento

Na década de 70, a MPB chegou a um alto nível de prestígio na sociedade. Esse


período foi marcado por transformações de pensamento, modos de produção que culminaram
em um novo jeito de viver e ver as coisas: um novo passo na era capitalista. As manifestações
artísticas culminaram numa verdadeira revolução cultural, musical e artística, em que as
transformações no modo de se viver impactaram os artistas e civis, bem como trouxeram à
tona sentimentos de rebeldia paralelos a sentimento de tristeza e nostalgia. A tropicália se
consolidou como instituição, foi quando esse gênero musical trouxe, em suas letras, as
marcas do regime autoritário que o Brasil viveu na segunda metade do século XX.

Ainda sobre o tropicalismo, NAPOLITANO (2002) refletiu os embates estéticos e


ideológicos de 1968, que apontavam para uma cisão definitiva da música popular moderna no
Brasil, entre as correntes nacionalistas e contraculturas, que agora pareciam distantes.
Guerrilha e maconha, comunismo e androginia, Revolução Cubana e Paris 68 ocupavam o
mesmo lugar no imaginário confuso do conservadorismo de direita, que se contrapunha ao
setor mais valorizado e respeitado da música brasileira.

O mercado musical sofria, na virada da década de 60 para a de 70, uma grande


reestruturação, ainda que paralela a uma crise momentânea, em certa medida provocada pela
própria perseguição aos artistas mais criativos e valorizados pela audiência formadora de
opinião e gosto, que ameaçava os propósitos do governo.

A música que é objeto de análise deste trabalho, é só mais um exemplo de como a arte
foi (e permanece sendo) um forte instrumento de luta contra o regime da época. Nessa
análise, refletimos sobre o emprego das palavras e seus movimentos e configurações em
relação ao seu contexto de produção, as significações que o chamado da música pode
assumir, as referências externas e o forte sentimento de luta e combate à opressão.

O jeito singular de manipular as palavras se deve à repressão por parte do estado, já


que isso era necessário para driblar a censura instaurada na época através dos atos
institucionais. Era preciso cautela ao lançar uma música, e, mesmo assim, muitas eram
barradas na censura por conterem referências implícitas que desfavoreciam as ideias da
ditadura.

2.1 A música de Geraldo Vandré

Pra não dizer que não falei das flores - foi lançada em 1971 de forma oficial, já que
antes foi censurada pelos militares por fazer um convite urgente para uma revolução, uma
tomada de iniciativa que era urgente na época. Em 1968, o compositor e intérprete paraibano
interpretou ele mesmo sua música no Festival Internacional da Canção de 1968, um concurso
de músicas nacionais e estrangeiras realizado anualmente no ginásio do Maracanãzinho (RJ),
e era transmitido pela TV Rio e pela TV Globo. A música traz um forte sentimento
revolucionário, como observamos no trecho:

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas, campos, construções


Caminhando e cantando e seguindo a canção

O trecho apresentado incita a questão que não importa a classe social, a religião
tampouco a etnia, somos todos iguais e o chamado é para a união das pessoas em combate a
repressão imposta à sociedade pelos militares. O chamado incentivava os brasileiros a se
mobilizarem contra a ditadura, por isso, ela acabou tornando-se um hino de resistência do
movimento civil e estudantil no país. Sua letra foi censurada e a música ficou proibida de
1968 até 1979, período que Vandré foi exilado e torturado pelos militares da ditadura.

Geraldo Vandré cantou Pra não dizer que não falei das flores, na frente de uma
comissão militarista que presenciou o evento em 1968. A música ganhou a premiação de
segundo lugar, perdendo somente para Tom Jobim e seu parceiro Chico Buarque com a
música, Sabia. Um dos jurados confessou numa entrevista que "Pra não dizer que não falei
das flores" teria sido o tema vencedor. Vandré ficou em segundo lugar devido às pressões
políticas que a organização do evento e a TV Globo, rede que emitia o programa, sofreram.

2.2 - Análise da letra:

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Caminhando e cantando e seguindo a canção

No trecho, como já refletido, para nutrir um sentimento de união do povo brasileiro e


como convite à luta pelas liberdades individuais foi preciso que Vandré ressalta se em sua
letra que “Somos todos iguais braços dados ou não” fazendo alusão também a passeatas e
protestos públicos quando diz: “Caminhando e cantando”.

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer


O refrão, que se repete várias vezes ao longo da música, é um apelo à ação e à união.
Vandré fala diretamente com quem escuta a música, chamando para a luta: "Vem". Com o
uso da primeira pessoa do plural (em "vamos embora"), imprime um aspecto coletivo à ação,
lembrando que seguirão juntos no combate.

Pelos campos há fome em grandes plantações

Pelas ruas marchando indecisos cordões

Ainda fazem da flor seu mais forte refrão

E acreditam nas flores vencendo o canhão

Nesta parte a precária realidade das famílias brasileiras, principalmente os


agricultores e camponeses, que viviam sob forte exploração e sofrem das consequências de
uma crise política e diplomática no Brasil.

Há soldados armados, amados ou não

Quase todos perdidos de armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição

De morrer pela pátria e viver sem razão

Vítimas de lavagem cerebral tendo como lema “De morrer pela pátria e viver sem
razão “os jovens da época eram induzidos a entrar nas forças militares “Quase todos perdidos
de armas na mão” os militares usaram da violência e do moralismo deturpado para conduzir
os soldados a abusar de seus poderes perante os cidadãos, tornando normal práticas de tortura
física, psicológica, sequestros e assassinatos.

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Somos todos soldados, armados ou não

Caminhando e cantando e seguindo a canção


Somos todos iguais braços dados ou não

Os amores na mente, as flores no chão

A certeza na frente, a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Aprendendo e ensinando uma nova lição

A mensagem de igualdade entre todos os cidadãos na última estrofe remete a urgência


de união para acontecer a luta contra os militares, pois só através de um movimento
organizado poderia acontecer a revolução, pois deixando “as flores no chão” no caso
abandonando movimentos, abordagens e atitudes pacíficas poderia haver mudança.

3. Considerações finais

Em síntese, temos que a proposta do trabalho foi fazer uma breve apresentação do
momento histórico da ditadura militar, época na qual a música era um dos elementos de
resistência, bem como refletir sobre a relação de significações entre a música de Vandré e a
história da ditadura.

Geraldo Vandré foi uma das vítimas desse sistema opressor que foi a ditadura militar,
logo, tudo indica que a construção de suas músicas, precisamente a música analisada, seguiu
o caminho percorrido nesta análise, a de atingir, de certa forma, o governo, além de
simbolizar resistência e luta.

Assim, concluo este artigo reforçando a importância da arte e da música como forte
instrumento de força e resistência, capaz de mobilizar toda uma nação, uma vez que essas
artes refletem a realidade política e social e funcionam como alerta, denúncia e
conscientização para a sociedade, que a partir do contato com essas manifestações artísticas,
pode buscar novas maneiras de conscientização, união e mudança tendo em vista o papel de
cada um enquanto cidadão, dotado de direitos e deveres.
4. Referências

NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos
serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24,
n. 47, 2004. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbh/v24n47/a05v2447.pdf>.

Cultura Genial. Música pra não dizer que não falei das flores de Geraldo Vandré Disponível
em: https://www.culturagenial.com/musica-pra-nao-dizer-que-nao-falei-das-flores-de-
geraldo-vandre/ Acesso em: 13 de junho de 2021.

MELLO, Manuela Garanhani Lopes de ; RAMÍREZ, Hernán . Na selva das cidades: o teatro
do Grupo Oficina da Ditadura civil militar brasileira (1964-1979). In: VII Seminário de
Pesquisa em Ciências Humanas, 2008. Anais VII Seminário de Pesquisa em Ciências
Humanas. Londrina : Universidade Estadual de Londrina.

Rede Brasil Atual, 2013. Uma noite em 1968. Disponível em:


https://www.redebrasilatual.com.br/revistas/2013/10/uma-noite-em-1968-808/ Acesso em:
13 de junho de 2021.

NAPOLITANO, Marcos. História e música: história cultural da música popular. Belo


Horizonte: Autêntica, 2002. O quarto período histórico: a MPB como o centro da história
musical brasileira — tradição, mainstream e pop (1972-1979).

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