A Ilha Perdida

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 8

5- Abandonados

Ficaram silenciosos durante uns instantes,


depois Henrique teve uma ideia:
— E se fizéssemos uma jangada? Temos a fa-
ca e o canivete, amanhã trataremos disso.
— Mas como é que se faz uma jangada? Não
tenho nenhuma ideia.
— Ora, você não viu a figura de uma jangada no livro? Cor-
tam-se paus grandes para firmar a jangada; depois cortam-se paus
mais finos para colocar por cima e amarra-se bem firme...
— Amarrar com o quê, Henrique? Com os pedaços de corda
que sobraram?
Henrique olhou à volta, pensativo:
— Aí na mata deve haver muito cipó; amarra-se com cipós.
Eduardo concordou:
— Vamos tentar; o pior é não termos nada para comer. Como
é que a gente pode trabalhar com fome?
— Procuraremos frutas. Amanhã bem cedo, assim que o sol
sair, vou procurar. É impossível que esta ilha não tenha frutas;
qualquer fruta serve para matar a fome.
Eduardo respondeu:
— E precisamos economizar os fósforos. Não sabemos
quantos dias ainda ficaremos aqui; precisamos ter sempre
fósforos para acender a fogueira. Ao mesmo tempo tenho um
pressentimento de que amanhã vamos ser salvos.
— Eu não tenho esperança alguma — disse Henrique.
Pararam de falar porque ouviram um ruído forte que a
princí-
pio não compreenderam o que poderia ser. Henrique perguntou,
admirado:
— Está ouvindo? O que será? Parece barulho de motor?

43
— Estou — disse Eduardo. — É mesmo barulho de motor;
eles vêm nos buscar numa lancha a motor. Eu não disse que
estava com pressentimento? Vai dar certo, você vai ver.
Vamos depressa fazer uma fogueira para mostrar que estamos
aqui.
Levantaram-se e apressaram-se em fazer fogo; deram gritos
fortíssimos:
— Estamos aqui. Na ilha!! Socorro!
Perderam vários paus de fósforo antes que a madeira seca
pe- gasse fogo. Afinal uma chamazinha azul começou a se elevar;
Eduardo deu gritos de entusiasmo:
— Agora eles vão nos encontrar! Ponha mais pau seco,
Henrique! O motor está cada vez mais perto!
Nesse momento o ruído do motor, que parecia tão próximo,
passou sobre as suas cabeças. Era um avião. Eduardo olhou para
cima dizendo desanimado:
— Não é lancha, é avião. Ele não pode nos ver. E vai indo
embora tão depressa...
Chorou sem parar de falar:
— E perdemos tantos fósforos... Se eu soubesse, não tinha
fei- to fogueira...
— Não faz mal — disse Henrique. — Vamos deixar a fogueiri-
nha acesa; se alguém vê fogo na ilha, vai contar ao Padrinho e ele
vem ver o que é. Não chore. Amanhã começaremos a jangada,
você vai ver.
Sentaram-se de novo, muito tristes. Logo depois Henrique
deitou-se na cama de folhas, pôs o braço sob a cabeça como se
fosse um travesseiro e dormiu. Eduardo ficou acordado durante
muito tempo, tristonho e pensativo; estava também impressiona-
do com a situação. Se ninguém viesse procurá-los ali poderiam
morrer, ou de fome, ou picados por alguma cobra venenosa.
Devia haver muitas na ilha; lembrando-se disso, pôs outro pau na

44
fogueira para que nenhum animal se aproximasse; cansado, afi-
nal, deitou-se também e dormiu.
Acordaram de madrugada, um pouco assustados com a alga-
zarra que muitas aves faziam nas árvores ali por perto; algumas
eram desconhecidas. Da fogueira que haviam feito na véspera,
nem sinal, apenas cinzas ainda mornas. Eduardo disse logo:
— Vamos tratar de procurar alguma coisa para comer; não
podemos ficar aqui parados.
— Estou com o corpo todo dolorido — queixou-se Henrique.
— Nunca estive assim, parece que tenho febre.
— É porque dormimos no chão e não estamos acostumados
— explicou Eduardo. — Vamos andar um pouco que isso passa.

45
Tenho ainda um pedacinho de pão e uma “faisquinha” de laran-
jada que esqueci no pacote. Vamos comer.
Henrique ficou zangado:
— Você me enganou, disse ontem que não tinha mais
nada... Eduardo explicou:
— Nem eu sabia, Henrique. Fiquei tão atrapalhado que
não reparei; e depois precisamos poupar munição...
Tomou um pedacinho de pão que já estava bem duro,
partiu em dois, colocou sobre eles uns fiapos de laranjada e
comeram; comeram bem devagarinho. Quando terminaram,
Eduardo falou:
— Agora acabou de verdade; não temos mais nada, temos
que procurar.
Sacudiu o guardanapo onde viera o almoço e esvaziou os
bol- sos para o irmão ver.
Henrique lembrou:
— Tenho uma ideia. Vou tirar a camisa e colocá-la num pau
bem alto para chamar a atenção de quem passar na margem. Que
acha?
— Boa ideia. Mas em que pau será? Deve ser o mais alto
possível.
Olharam à volta, à procura de uma árvore bem alta; avista-
ram um coqueiro bem na beira do rio, mas era tão alto que pare-
cia muito difícil e arriscado subir nele; viram outra árvore
também na margem, Eduardo falou:
— Aquela está ótima.
Henrique tirou a camisa, enrolou-a
no pescoço e experimentou subir na
árvore, mas não conseguiu. Depois
de várias tentativas, voltou-se pa-
ra o irmão:
— Não posso, meu
cor- po dói tanto, veja se
você consegue.
46
Eduardo tomou a camisa de Henrique e começou a subir
na árvore; mais de uma vez quase desistiu; parou para
descansar e tomar fôlego. Era muito mais difícil do que
imaginava; lembran- do-se, porém, de que disso talvez
dependesse a salvação dos dois, fez um esforço supremo e
conseguiu chegar até a copa, junto aos últimos galhos. Sentou-
se então lá em cima e descansou; depois cortou alguns galhos
com a faca para que aquela parte ficasse bem à vista da
margem, amarrou as mangas da camisa à volta de um galho e
deixou a fralda solta para que o vento a agitasse; de- pois
desceu rapidamente. Quando pôs os pés em terra, voltou-se
para Henrique, a fisionomia alegre: encontrara lá em cima um
ninho com cinco ovos. Tirou-os do bolso da calça e colocou-os
no chão; eram menores que os ovos de galinha e bem pintadi-
nhos. Eduardo falou, satisfeito:
— Hoje não passaremos fome; temos ovos para comer.
Henrique admirou-se:
— Ovos de quê?
— Não sei; só sei que são ovos e alimentam. Não gosto de
desmanchar ninhos, acho isso um ato horrível, mas como é
para matar nossa fome, não hesitei. Serão ovos de sabiá?
Henrique examinou-os:
— Pode ser que sejam de sabiá; são bem bonitinhos. Mas tam-
bém podem estar estragados. Xi! Eduardo, vai ver que é ovo
choco.
— Será? Daqui a pouco vamos ver, quero fazer uma fritada.
— Fritada onde? Em que frigideira? Para fritar ovos é preciso
uma frigideira...
Só então Eduardo lembrou-se de que não havia jeito de fritar
os ovos. Ficou olhando para Henrique, de repente sugeriu:
— E se a gente arranjasse um pedaço de madeira tão dura co-
mo ferro e que resistisse ao fogo?
— Onde encontrar essa madeira? Impossível.
Eduardo coçou a cabeça tristemente:
— Ora, se soubesse, não teria desmanchado o ninho. Que pena.
— Vamos procurar alguma fruta, isso sim.
Antes de penetrar na mata, olharam para cima; a camisa de
Henrique estava desfraldada e o vento a agitava como se fosse
uma bandeira. Colocaram os ovos no chão e entraram na mata,
resolvidos a procurar algum alimento.
O dia estava muito bonito e o sol prometia esquentar mais
tarde; a passarada fazia alvoroço nas árvores mais altas. Para não
se perderem como no primei-
ro dia, foram cortando paus e
fincando-os pelo caminho
para saberem voltar quando
quisessem. Andaram durante
muito tempo sem encontrar
nada. Henrique de vez em
quando queixava-se de can-
seira e de fome. Eduardo exa-
minava todas as árvores pro-
curando alguma fruta, mas nada encontrava.
Assim andando, chegaram ao outro lado da ilha; nesse lugar
havia uma espécie de praia e a areia estava cheia de objetos trazi-
dos pela enchente durante a noite. Viram um sapato de criança,
pedaços de madeira, uma garrafa. Henrique lembrou:
— Quem sabe há até uma frigideira para fritar os ovos?
Procure bem, Eduardo.
Eduardo, que se afastara um pouco, chamou Henrique com
um grito:
— Venha! Depressa!
Mancando um pouco Henrique correu para perto de Eduardo;
ali ao lado do irmão erguia-se uma bananeira. Henrique olhou
esperançoso, mas que desilusão — não havia cachos de ba- nanas,
a árvore era muito nova.
— Deve haver outras — disse Eduardo. — Vamos procurar.
Andaram cerca de meia hora pela prainha e encontraram
mais adiante um cacho de bananas ainda verdes. Eduardo riu
com satisfação:
— De fome não morreremos. Ao menos comeremos bananas.
Henrique tirou o canivete do bolso e auxiliado por Eduardo
derrubou o cacho; eram grandes e pareciam gostosas, mas esta-
vam ainda verdes.
— Eu como assim mesmo — disse Eduardo. — Tenho muita
fome...
Comeram algumas no mesmo instante e as acharam delicio-
sas; resolveram levar as bananas com todo cuidado para o abrigo
improvisado no outro lado da ilha. Descansaram um pouco sobre
a areia e batizaram aquela parte da ilha com o nome de prainha.
De repente Eduardo foi ficando pálido e pôs a mão no estômago;
fez uma careta:
— Ih! Henrique, acho que estou doente. Estou sentindo
umas dores no estômago...
Henrique queixou-se:
— Eu também não estou muito bem, acho que foram as ba-
nanas. Quem sabe, bebendo-se água, passa.
Tomaram uns goles de água e ficaram deitados na areia uma
porção de tempo. Quando se sentiram melhor, Eduardo propôs
ficarem morando na prainha enquanto não viesse socorro; assim
como haviam encontrado a bananeira, talvez houvesse outras
frutas. Ali mesmo poderiam fazer a jangada que projetavam.
Henrique concordou, mas nesse dia ainda dormiriam no outro la-
do, porque lá haviam ficado os ovos e o pedaço de corda que so-
brara da canoa.
Para não perder tempo começaram a trabalhar na jangada;
ambos haviam lido num livro de que forma se faz uma janga-
da. Cortariam primeiro uns paus mais grossos para fazer a arma-
ção; os paus menores seriam postos em cima e amarrados com
cipós. Passaram o dia todo e não conseguiram cortar nem um
pau, embora manejassem um o canivete, outro a faca. Quando
perceberam, o dia estava declinando. Eduardo propôs atravessar
a ilha sozinho e ir buscar os ovos e a corda que haviam ficado
no outro lado. Henrique perguntou:
— E se você se perder? Será muito pior.
— Não há perigo. Deixei todo o caminho marcado; fica nesta
direção, olhe. Você está mancando e com dor no corpo, eu vou
num instante.
— Mas você teve dor de estômago — falou Henrique.
— Agora já estou bom.
Eduardo sentiu vontade de comer mais bananas, mas
receou que fizessem mal; bebeu uns goles de água e entrou
sozinho na mata, prometendo voltar logo. Henrique continuou
a procurar paus para a jangada.

Você também pode gostar