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Abel Azcona
(cu)nhantã has it, (cu)rumim too: subjectivation polices in images of Abel Azcona
Djalma Thürleri
Universidade Federal da Bahia
Duda Woydaii
Universidade Federal da Bahia
Olinson Valoisiii
Universidade Federal da Bahia
Resumo
Este ensaio interdisciplinar procura entender o universo de significados das obras “Amém”
(2015) e “Make America Great Again” (2017), do artista espanhol Abel Azcona, sob o ponto
de vista da performance, de peças do “mundo real” que buscam romper a fronteira entre
arte e vida, enfatizando aspectos das práticas artísticas contemporâneas em movimentos
que não ignoram as condições políticas atuais. Os trabalhos analisados demonstram
estrutura complexa entre o privado e o público das performances e dos happenings e
destacam Abel Azcona como um dos artistas mais provocadores da atualidade.
Abstract
This interdisciplinary essay seeks to understand the universe of meanings in the works
"Amém" (2015) and "Make America Great Again" (2017), by Spanish artist Abel Azcona
from the perspective of performance, of pieces from the "real world" that seek to break
the border between art and life, emphasizing aspects of contemporary artistic practices in
movements that do not ignore current political conditions. The analyzed works
demonstrate a complex structure between the private and the public of performances and
happenings, and highlight Abel Azcona as one of the most provocative artists nowadays.
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corporações que os sustentam, sem entrar no jogo em que saímos vencidos, de antemão,
já impregnados pela lógica do adversário e suas paixões tristes (PELBART, 2017). Durante
sua produção, procuramos fugir dos marcos teóricos tradicionais, englobando cenários
interdisciplinares e chegamos ao desfecho somente três anos depois. Mas não teríamos
conseguido sem o estímulo da leitura de Uma filosofia da diferença bicha, de Jésio Zamboni
e Rodrigo Rocha Balduci (2013) e em um monte de notas de rodapé para afirmar que é
por relação promíscua e escandalosa que o discurso do saber se experimenta e sai de si,
uma custódia por nos amigarmos do ponto de passagem dos restos produtivos, eixo
extremo de contato e circulação que é o ânus da bicha. Vai-se analisar por aí o mundo
tomando-o em um monte de buracos onde se pode cair, de cruzamentos para aquilo que
nos compõe, de gozos com os cortes e fluxos (ZAMBONI; BALDUCI, 2013, p. 285-286),
porque
bacurau bacuritiba
bacurubu baiacu
brecambucu caacupê
caculé cuia cuité
cupim cupuaçu
curió curumari
curupira cutia
cutiaia erepecu
gaibicuara itapicuru
jacuba jacu jacuí
macuco maracujá
micuim murura pacu
pirarucu sucuri
tucunaré tucupi
ucuuba urucu
cunhatã tem
curumim também
e tu?
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(cu)nhantã tem, (cu)rumim também: políticas de subjetivação em imagens de Abel Azcona
costurando as características comuns da experiência gay com seus cus. Javier Sáez e Sejo
Carrascosa dão conta de como o cu é, particularmente, um lugar de injúria, nos fazem
ver por que o sexo anal provoca tanto desprezo, tanto medo, tanta
fascinação, tanta hipocrisia, tanto desejo, tanto ódio. E, sobretudo,
revelar que essa vigilância de nossos traseiros não é uniforme:
depende se o cu penetrado é branco ou negro, se é de uma mulher
ou de um homem ou de um/a trans, se nesse ato se é ativo ou
passivo, se é um cu penetrado por um vibrador, um pênis ou um
punho, se o sujeito penetrado se sente orgulhoso ou envergonhado,
se é penetrado com camisinha ou não, se é um cu rico ou pobre, se
é católico ou muçulmano. É nessas variáveis onde veremos
desdobrar-se a polícia do cu, e também é aí onde se articula a
política do cu; é nessa rede onde o poder se exerce, e onde se
constroem o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo (SÁEZ;
CARRASCOSA, 2016, p. 13)
O segundo aspecto diz respeito ao seu subtítulo. Quando Thürler diz que “um pau
duro não acredita em Deus”, que[e]r fazer coro com “Deus está morto”, do Nietzsche e,
assim como o filósofo alemão, afirmar que a influência da religião e, por conseguinte, de
todos os dispositivos de controle, em nossas vidas, é cada vez menor. A igreja, os mitos,
as ideias, os ritos, a moral, tudo isso está enfraquecendo e desaparecendo. Não só a
religião, mas a crença em seus valores metafísicos, a crença em verdades últimas, a crença
no Bem, Belo e Verdadeiro. O que é verdade? O que é correto? E bom, no mundo
contemporâneo? Não temos mais medo de Deus, ele está morto como uma verdade eterna,
1
O texto é escrito desse modo, desobedecendo a formalidade padrão da Língua Portuguesa.
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como um ser que controla e conduz o mundo, como um pai bondoso que justifica os
acontecimentos, como sentido último da existência. Deus está morto como um grande
ditador divino que exige obediência de seus servos:
Deus, então, já não é uma questão importante para se tratar, ele já não é uma
pergunta para a qual procuramos respostas e, com isso, estávamos querendo, a partir de
uma perspectiva queer, propor desafiar as instituições e as formas de entender o mundo,
“desnaturalizar a hetero-realidade, na qual sua prática sexual normativa se transforma em
um regime de poder que atua em todas as relações sociais: a economia, a lógica jurídica,
os discursos públicos, as formas cotidianas, etc.” (PERRA, 2014-2015, p.7), provocar uma
rasura num movimento cultural ocidental, machista, sexista, cristão e homofóbico, mas,
também, nos discursos políticos e no saber médico legal que, durante séculos, mapearam
nossos corpos e decretaram partes que poderiam ou deveriam ser reconhecidas como
espaços de prazer, porque
Não à toa, a heterossexualidade masculina, diante do pânico anal, viu seu cu ser
banido, castrado como espaço de prazer, reduzido apenas a um órgão excretor, afinal “os
órgãos que conhecemos como naturalmente sexuais já são o produto de uma tecnologia
sofisticada que prescreve o contexto em que os órgãos adquirem uma significação
(relações sexuais) e de que se utilizam com propriedade, de acordo com sua ‘natureza’
(relações heterossexuais)” (PRECIADO, 2017, p. 31).
Paul Preciado (2009), em momento anterior, considera que o medo de que toda
pele seja um órgão sexual sem gênero produziu um novo olhar sobre o corpo, com áreas
de privilégio e abjeção nitidamente marcadas. O cu foi assim considerado como uma parte
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de repulsa, um corpo castrado. Para os homens do século XIX, o cu era uma cicatriz
deixada no corpo pela castração e o seu fechamento é o preço pago ao regime
heterossexual pelo privilégio de sua masculinidade. Se o cu do heterossexual é castrado,
as práticas anais terminam associadas à homossexualidade. Neste sentido, o regime
heteronormativo higieniza os traços referentes ao desejo anal. Portanto, a vagina e o pênis
passam a ser a referência da normalidade e o cu deixa de ser visto como órgão do prazer
heterossexual e passa a se referir à homossexualidade: o cu do heterossexual estaria fora
do campo social, confinado ao segredo, às práticas invisíveis e impronunciáveis.
De acordo com Gilmaro Nogueira (2013), o ensaio “Terror anal”, de Preciado (2009)
amplia os motivos para acreditar em uma política anal:
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A despeito do mundo social tão diverso e inventivo que interessava à filósofa, esta
compreende que os gêneros inteligíveis se pautam por essa coerência. Um ser que nasce
com uma anatomia masculina, deve ser masculino, desejar mulheres e manter relações
penetrativas e ativas com elas. Nossos corpos dóceis, obedientes, portanto, deverão seguir
esse roteiro previsível, caso contrário, irão compor o reino da abjeção, aquele povoado
pelos seres que não respeitam tal inteligibilidade, os seres marginais, abjetos, malditos,
estranhos. Portanto, é importante perceber a utilização do cu enquanto ato político, no
qual se utiliza da abjeção, renegação para se potencializar, uma vez que
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Abel Azcona, artista espanhol, tem revelado seu corpo como uma arma, como
ferramenta de extrema densidade política, próximo ao que Barbara Krueger pensou nos
anos 1989, com seu pôster-manifesto “Untitled (Your body is a battleground), conferindo
representação visual ao caráter político do corpo feminino em meio ao sistema
(SIMAKAWA, 2015).
2
estÉtica é como Djalma Thürler se refere às produções artísticas contemporâneas que contribuem na produção
de novas políticas de subjetivação e na politização da identidade; ações artísticas decoloniais que subvertem
modos de vida tido como naturais e noções consagradas da colonialidade.
3
Abel Azcona (1988) nasceu em Pamplona, Espanha. É um artista multidisciplinar, autor de obras com forte
conteúdo político e social, capaz de induzir uma reação emocional animada, principalmente em performances e
instalações frequentemente escandalosas. Não hesita em abordar os tabus da sociedade cisnormativa, patriarcal
e dominada por dogmas neoliberais. Suas obras denunciam os abusos, injustiças e abandonos cometidos pelas
instâncias de poder político, econômico, religioso, cultural sobre mulheres, crianças, pobres, imigrantes, minorias
raciais ou LGBTQI+.
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Para Cristina Híjar (2020), diferentes termos foram elencados para tentar capturar
esse movimento nas Artes: arte política, militante, urgente, participativa, relacional,
artivismo etc., mas considera que cada uma dessas denominações pode ser útil e
justificada, aplicada a situações e análises específicas, dependendo da ênfase que se busca.
Para a autora, o que importa
Neste sentido, tentamos entender por que, de onde, como, com e para quem Abel
Azcona produz suas obras, em especial, o universo de significados em “Amém” e “Make
America Great Again”4, esta última, uma performance em que, em uma severa crítica a
Donald Trump, tatua, em um círculo em torno de seu cu as palavras do slogan da
campanha do presidente. Ao tatuar essa mensagem, Azcona quis protestar contra o novo
presidente dos EUA, a quem chama de xenofóbico e misógino e, claro, contra suas políticas
de morte e da morte como política, que é quando o Estado escolhe quem deve viver e
quem deve morrer. Essa ideia de necropolítica (MBEMBE, 2018), é bom que se diga, não
é só discutida pela Sociologia ou pela Filosofia. O dramaturgo Marcos Barbosa, em sua
peça teatral “Necropolítica5” cria um diálogo que ajuda seu entendimento:
4
A performance pode ser vista aqui: https://vimeo.com/389074413.
5
A peça, numa montagem da Mundana Companhia, estreou em 2018 no Centro Cultural São Paulo (CCSP) e
discorre sobre a morte e a incapacidade de um indivíduo de superar a perda. Dividida em seis quadros
independentes, o espetáculo narra histórias como a de um casal de cientistas que confronta valores éticos
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enquanto espera o nascimento do filho e a guerra entre quem reivindica e quem repudia o direito de demonstrar
afeto nas salas de cinema.
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Ainda sobre essa aproximação a partir das contribuições de Kaprow para a teoria
da arte contemporânea, Azcona parece dançar em um improviso de jazz, sem “nenhum
plano, nenhuma ‘filosofia’ óbvia” (KAPROW, 1966 apud SNEED, 2011, p. 172), utilizando
elementos de surpresa e escândalo, exatamente como aconteceu em “Amém”, obra de
2015, que foi denunciada por blasfêmia por grupos conservadores católicos da Espanha.
Nesse trabalho, a palavra pederastia foi escrita com 242 hóstias retiradas em um número
igual de missas nas cidades de Pamplona e Madrid. Azcona simulava sua participação da
oblação, recebia e coletava as hóstias para executar essa performance.
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de casa e colocado na rua por sua família. Devido a isso, teve que viver por um período
implorando por comida e se prostituindo. Mais tarde, internado em um hospital
psiquiátrico, foi diagnosticado com transtorno de personalidade quando foi pego nu na rua
por interromper o trânsito. Pela primeira vez ouvia falar de “performance”, o que o guiou
para a Escola de Belas Artes de Madri, onde estudou e se formou como artista profissional.
Desde então, o artista utiliza seu próprio corpo e vida pessoal como vetores de suas
performances e happenings, desenvolvendo uma função catártica pessoal: “Cada una de
mis obras es una regresión al pasado. De esta forma se vuelve tangible. Al tener la
capacidad de exponerlo y revisitarlo, nos possibilita una actualización, reconstrucción y
mirada crítica” (AZCONA, 2019. p. 277). O passado que deixou feridas, a busca histórica
pela rejeição, as violências, mas, também, coletiva que põe em jogo sua intimidade e,
particularmente, sua sexualidade como denúncia das formas de opressão realizadas pelo
sistema gerando, assim, um circuito de ativismo político dos mais instigantes das Artes na
Espanha, estratégia mesmo para sublimar o luto, o terror, as proibições e dizer o
impronunciável, bem distante de uma arte terapêutica, apesar das fortes questões
autobiográficas em seu trabalho:
Ainda sobre os happenings, escreve Kaprow (1966) que, ao contrário das peças de
teatro de estética realista, esses não deveriam ser ensaiados ou encenados por
profissionais. Deve-se eliminar a ideia de audiência para que “todos os elementos –
pessoas, espaço, os materiais particulares e características do ambiente, o tempo – possam
ser integrados, fazendo com que o último vestígio da convenção teatral [desapareça]”
(KAPROW, 1966 apud SNEED, 2011, p. 172).
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É assim que vemos a performance “Make America Great Again”, que ocorreu em 7
de março de 2017, na Defibrillator Performance Art Gallery6, em Chicago. O local escolhido
não é acidental, posto que é uma galeria transgressora, na qual são realizadas inúmeras
performances. Na performance de Azcona – é assim que o autor pede que seu trabalho
seja lido –, memória, corpo e violência, entrelaçam-se em uma estrutura complexa entre
o privado e o público: desde o íntimo, seu cu exposto para fazer a tatuagem, até o público
e a participação ativa do espectador que, localizado no espaço superior da sala, poderia
ver ao vivo a experiência, interrompendo o olhar passivo de contemplação e causando
participação ou perturbação.
6
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Abel Azcona, em “Make America Great Again”, utiliza o corpo como suporte de uma
performance queer, em um ato de crítica e provocação ao que Felipe Rivas denominou
“homosexualidad de Estado”7 (RIVAS, 2011, p. 64), gerando uma espécie de ‘arquivo’
disruptivo de memória pessoal que, a partir do presente, configura, narra, encena,
desmonta e desarticula seu passado confuso e complexo. Em sua pele está cada ferida,
cada abandono, cada lágrima:
7
Sobre este assunto, sugerimos a leitura de “De la homosexualidad de Estado a la Disidencia Sexual: Políticas
sexuales y postdictadura en Chile”, de Felipe Rivas.
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O autor literalmente abre sua dor para si mesmo e nos convida a participar dela de
algum modo, quer que o espectador se envolva com a obra, chore, vomite, sue ou trema.
Acredita na arte como um elemento de ruptura com a colonialidade, com as amarras e
com as normas e, por isso, vê-se na obrigação de, como um artista de merda, provocar o
espectador, ou seja, nunca o deixar impassível:
8
“For more than 12 years I have been performing political and social performances and exhibitions that have led
me to jail, detention or death threats. I believe in the empowerment of the body and of the pain. The anus is a
pleasure zone for many people, and an area of sin for others. I think demystifying what the anus is, and writing
a fascist political motto like that in my anus, is a clearly critical and subversive action” (NICHOLS, James Michael,
2017, sp).
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discursos tidos como verdadeiros em seu tempo” (idem, p. 119) e que, portanto, lê-los é
descobrir como a lei se grava na pele, já que
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Não à toa, em matéria intitulada “El artista debe desaparecer”, Sergi Doladé
compara Azcona ao Deus Dionisio9, afirmando que
Nessa reta final, alguns de vocês podem estar se perguntando ‘’o que o cu tem a
ver com as calças?’’ – mais uma vez para desqualificar o cu –. Para esses, nós diríamos
que para alcançarmos uma sociedade menos desigual, é fundamental que instituições
como a Família, a Escola, a Igreja, o Estado revejam seus modos de conferir significados
aos sujeitos da sexualidade e de gênero, em especial, aqueles que apresentam expressão
identitária não hegemônica. E quando falamos em não-hegemônica, não falamos só dos
9
Para la cultura griega el dios Dionisio era un catalizador del exceso y el éxtasis constitutivos de la vida. Las
celebraciones dedicadas a él incluían ingestas de vino, grandes manjares, cantos y una desinhibición compartida.
Se suelen considerar estas fiestas paganas como el origen de las tragedias griegas. ¿No eran estas, acaso, una
forma de acercar al público las grandes cuestiones que los dioses planteaban? Ritualizar esas experiencias
constituyó la esencia de nuestra civilización conforme a una representación cuyo sentido hoy se nos escapa pero
sigue fascinándonos. Las máscaras, los cantos, la danza, las tragedias, las comedias, las procesiones, la
veneración e incluso el sacrificio más despiadado, y sobre todo la catarsis, son algunos de los elementos más
característicos del rito dionisíaco (DOLADÉ, 2020, sp).
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Especialista em gestão e políticas culturais pela Universidade de Girona (ES), Investigador
Pleno do do CULT - Centro de Pesquisa Multidisciplinar em Cultura, da UFBA, Investigador
Associado do CLAEC - Centro Latino-Americano de Estudos em Cultura e Investigador
Colaborador do ILCML - Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, da Universidade
do Porto (Portugal). É diretor artístico e dramaturgo da Ateliê voador Companhia de Teatro
(http://www.atelievoadorteatro.com.br/). Possui estágio de Pós-Doutoramento em
Literatura e Crítica Literária pela PUC São Paulo. É Professor permanente do Programa
Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade e Professor Associado II do
Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) da Universidade Federal da Bahia. É
Doutor em Letras com estudos nas áreas de Literatura Brasileira e Teatro (UFF), Mestre
em Ciência da Arte (UFF) e Bacharel em Artes Cênicas e em Pedagogia, pela Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO). É Vice-Coordenador do NuCuS - Núcleo de
Pesquisa e Extensão em Cultura e Sexualidade (UFBA) e atual Coordenador Adjunto
Acadêmico da Câmara II - Sociais e Humanidades, da Área Interdisciplinar da CAPES
ii
É ator, dançarino, performer e produtor, com experiências nos estados do Paraná e Rio de
Janeiro. Integrou o Núcleo de Atores Dançarinos (RJ), e integra, em Salvador, é
pesquisador da Ateliê voador Teatro. Pesquisa questões relacionadas ao corpo e a sua
relação entre dramaturgia corporal, gênero e teatralidade. Formado pela Escola de Dança
da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Mestre em Cultura e Sociedade (UFBA).
Doutorando em Cultura e Sociedade (UFBA).
iii
Possui graduação em Letras - Português e Inglês pela Universidade do Estado da Bahia
(2005) e mestrado em Crítica Cultural pela Universidade do Estado da Bahia (2014).
Atualmente é professor efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Baiano e faz doutorado em Cultura e Sociedade pela UFBA. Tem experiência na área de
Letras, com ênfase em Letras, atuando principalmente no seguinte tema: teoria queer,
critica literária, cultura, critica cultural.
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Revista Digital do LAV – Santa Maria – vol. 13, n. 2, p. 76 - 99 – mai./ago. 2020 ISSN 1983 – 7348
http://dx.doi.org/10.5902/1983734843257
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Djalma Thürler - Duda Woyda - Olinson Valois
THÜRLER, Djalma; WOYDA, Duda; VALOIS, Olinson. (cu)nhantã tem, (cu)rumim também:
políticas de subjetivação em imagens de Abel Azcona. Revista Digital do LAV, Santa
Maria: UFSM, v. 13, n. 2, p. 76-99, mai./ago. 2020.
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Revista Digital do LAV – Santa Maria – vol. 13, n. 2, p. 76 - 99 – mai./ago. 2020 ISSN 1983 – 7348
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