Metodologia Do Ensino de Geografia

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Metodologia e

Conteúdos Básicos de
História e Geografia

Prof. Carlos Odilon da Costa


Profª. Edith Weiduschat

2018
Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:
Prof. Carlos Odilon da Costa
Profª. Edith Weiduschat

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

C837m

Costa, Carlos Odilon da

Metodologia e conteúdos básicos de história e geografia. / Carlos


Odilon da Costa; Edith Weiduschat – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

122 p.; il.

ISBN 978-85-515-0194-8

1.História – Estudo e ensino – Brasil. 2.Geografia – Estudo e ensino –


Brasil. I. Weiduschat, Edith. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 907

Impresso por:
Apresentação
Caro(a) acadêmico(a), queremos nos apresentar como interlocutores
diante da nova disciplina que você passa a estudar, a partir desse momento,
e desejar-lhe uma boa compreensão e interação no decorrer desta.

Estudar e trabalhar com Metodologia e Conteúdos Básicos de


História e Geografia significa conhecer e desvendar os conceitos de espaço
e tempo na perspectiva do docente da Educação Infantil e das Séries Iniciais
do Ensino Fundamental, na responsabilidade da tradução concreta e abstrata
destes conceitos junto de nossos pequenos estudantes.

Neste Livro de Estudos, pretendemos refletir, discutir propostas


e experiências pedagógicas, no sentido de apontar caminhos, sugestões e
subsídios para projetos e planejamentos pedagógicos voltados à compreensão
da realidade social, através da contextualização histórica e a ocupação dos
diferentes espaços geográficos.

Em resumo, esta disciplina estuda a sociedade (des)organizada


em momentos datados e em lugares determinados, através de um modelo
econômico, produtivo, consumidor e, por conseguinte, seletivo e excludente
pelas classes sociais.

Desejamos, a todos, possibilidades de reflexões e análises das


temáticas destinadas à disciplina que hoje iniciamos.

Um abraço,

Prof. Carlos Odilon da Costa


Prof.ª Edith Weiduschat

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA................................................................................... 1

TÓPICO 1 – A CIÊNCIA GEOGRÁFICA E O ENSINO DE GEOGRAFIA.................................. 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 O ENSINO DE GEOGRAFIA PARA O SÉCULO XXI.................................................................... 4
3 PARA QUE SERVE A GEOGRAFIA? ............................................................................................... 6
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 7
LEITURA COMPLEMENTAR 2............................................................................................................. 9
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 11
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 12

TÓPICO 2 – A CARTOGRAFIA............................................................................................................ 13
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 13
2 A ESCRITA DA TERRA..................................................................................................................... 14
3 O TESOURO DOS MAPAS................................................................................................................. 16
4 REPRESENTAÇÃO DO PERCURSO CASA-ESCOLA.................................................................. 20
5 AS REDUÇÕES UTILIZADAS NAS ESCALAS............................................................................ 25
5.1 ATIVIDADE PRÁTICA I.................................................................................................................. 26
5.2 SÍMBOLOS, LEGENDAS OU CONVENÇÕES............................................................................ 27
5.3 ATIVIDADE PRÁTICA II................................................................................................................ 27
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 28
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 30
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 31

TÓPICO 3 – NOÇÕES DE ORIENTAÇÃO E LOCALIZAÇÃO...................................................... 33


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 33
2 A PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA E A ESPACIALIDADE ....................................... 33
3 OS PONTOS CARDEAIS.................................................................................................................... 34
4 NOVOS USOS PARA VELHOS MATERIAIS................................................................................. 36
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 38
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 39

UNIDADE 2 – A NOVA HISTORIOGRAFIA..................................................................................... 41

TÓPICO 1 – HISTÓRIA, UMA DISCIPLINA ESCOLAR................................................................ 43


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 43
2 ESSA TAL DA HISTÓRIA................................................................................................................... 43
3 A TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA.................................................................................................... 45
4 PARA QUE SERVE A DISCIPLINA DE HISTÓRIA?................................................................... 46
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 49
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 51
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 52

VII
TÓPICO 2 – CAMINHOS DA HISTÓRIA.......................................................................................... 53
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 53
2 PERÍODO MITOLÓGICO E O MUNDO GREGO......................................................................... 53
3 A HISTÓRIA NA IDADE MÉDIA..................................................................................................... 55
4 HISTÓRIA NO PERÍODO MODERNO........................................................................................... 56
5 A HISTÓRIA NO PERÍODO CONTEMPORÂNEO...................................................................... 59
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 61
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 63

TÓPICO 3 – MÉTODOS EM HISTÓRIA............................................................................................ 65


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 65
2 MÉTODO TRADICIONAL EM HISTÓRIA.................................................................................... 65
3 A CONCEPÇÃO BANCÁRIA DA EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DA
OPRESSÃO, SEUS PRESSUPOSTOS, SUA CRÍTICA.................................................................. 67
4 MÉTODO DIALÉTICO........................................................................................................................ 68
5 MÉTODO DA COMPLEXIDADE...................................................................................................... 70
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 73
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 75
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 76

UNIDADE 3 – ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA...................... 79

TÓPICO 1 – CURRÍCULO EM HISTÓRIA......................................................................................... 81


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 81
2 TEORIAS TRADICIONAIS................................................................................................................ 81
3 TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS.......................................................................................... 83
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 88
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 90

TÓPICO 2 – HISTÓRIA ORAL, HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL................................. 91


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 91
2 HISTÓRIA ORAL.................................................................................................................................. 91
3 HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL.......................................................................................... 95
3.1 HISTÓRIA DO COTIDIANO......................................................................................................... 95
3.2 DICAS PARA O PROFESSOR......................................................................................................... 96
4 HISTÓRIA LOCAL............................................................................................................................... 97
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 102
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 103

TÓPICO 3 – A HISTÓRIA NO SÉCULO XXI................................................................................... 105


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 105
2 A HISTÓRIA, OS ESTUDOS CULTURAIS, O MULTICULTURALISMO E A
INTERCULTURALIDADE................................................................................................................ 105
3 HISTÓRIA E AFRICANIDADE........................................................................................................ 109
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 115
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 117
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 119
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 120

VIII
UNIDADE 1

GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta Unidade, o(a) acadêmico(a) estará apto(a) a:

• compreender as diferentes tendências filosóficas que influenciaram o ensi-


no de Geografia;

• perceber a importância do ensino e do estudo de Geografia;

• analisar as atuais perspectivas do conhecimento geográfico.

PLANO DE ESTUDOS
Esta Unidade está dividida em três tópicos, sendo que no final de cada um
deles você encontrará atividades que o(a) ajudarão a refletir e a fixar os
conhecimentos abordados.

TÓPICO 1 – A CIÊNCIA GEOGRÁFICA E O ENSINO DE GEOGRAFIA

TÓPICO 2 – A CARTOGRAFIA

TÓPICO 3 – NOÇÕES DE ORIENTAÇÃO E LOCALIZAÇÃO

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

A CIÊNCIA GEOGRÁFICA E O ENSINO DE GEOGRAFIA

1 INTRODUÇÃO
As constantes transformações vividas e percebidas no mundo e na
organização da sociedade têm reflexos em todas as áreas científicas, mas
principalmente nas ciências humanas. A revolução técnico-científica, expressão
utilizada por muitos geógrafos, tem acelerado as mudanças vertiginosas que se
apresentam diante de nossos olhos. Encontramo-nos diante de uma sociedade
contemporânea, pautada em novas relações, produções e organização social.

A Geografia tem sentido algumas implicações diante dessas


transformações. A chamada Geografia crítica, baseada em ideais marxistas, sofre
sérios impactos, já que se passou a questionar o funcionamento do socialismo
real. Ela perdurará, como perdurou a Geografia tradicional, porém com novas
análises e interpretações da realidade. Diferentes interpretações exigem novas
reformulações de conceitos e categorias que levem a outras reflexões e análises
da organização espacial.

Neste sentido, Cavalcanti (1998, p.16) sinaliza que:

A Geografia defronta-se, assim, com a tarefa de entender o espaço


geográfico num contexto bastante complexo. O avanço das técnicas, a
maior e menor circulação de mercadorias, homens e ideias distanciam os
homens do tempo e da natureza e provocam um certo “encolhimento”
do espaço de relação entre eles. Na sociedade moderna, baseada em
princípios de circulação e racionalidade, há um domínio do tempo
e do espaço, mecanizados e padronizados, que se tornaram a fonte
de poder material e social numa sociedade que se constitui à base do
industrialismo e do capitalismo. O controle do tempo e do espaço liga-
se estreitamente ao processo produtivo e à vida social. [...] O espaço
foi perdendo, assim, sua significação absoluta no lugar para ganhá-la
na lógica do poder, da expansão capitalista. Da mesma forma, o tempo
tomado como linear e progressivo foi sendo substituído por um tempo
cíclico e instável, em função de que seu sentido passou a ser ligado ao
próprio processo produtivo. Instalou-se, assim, uma compreensão e
uma vivência de espaço e de tempo relativos.

3
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

O ensino de Geografia, neste contexto, desestabiliza-se e procura novos rumos.


Isso porque a Geografia, como disciplina escolar, foi ensinada a partir do século XIX,
no Brasil, voltada quase que exclusivamente para formar o cidadão patriótico. Os
livros didáticos enalteciam as belezas e potencialidades naturais do país que, por
sua vez, deveriam ser defendidas com muito brio pelos “estudantes patriotas”. Era
a Geografia tradicional adotada em todos os países e que vai sendo substituída pela
Geografia nova, mais crítica e mais realista. Influenciada especialmente pelo francês
Yves Lacoste, visto que teve muitas de suas obras publicadas e difundidas no Brasil,
a Geografia passa a basear-se no “[...] caráter estratégico do saber sobre o espaço”
(CAVALCANTI, 1998), antes omitido e escamoteado.

Neste sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997); as


Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (2013); e a Base Nacional
Comum Curricular (2017) têm também contribuído para uma reflexão sobre as
antigas práticas escolares desta disciplina, bem como discutido sobre ações e
práticas pedagógicas mais comprometedoras e emancipadoras.

NOTA

Caro(a) acadêmico(a), você poderá aprofundar este assunto na leitura


complementar, no final deste tópico.

2 O ENSINO DE GEOGRAFIA PARA O SÉCULO XXI


No movimento de renovação do estudo e ensino de Geografia, alguns
geógrafos brasileiros vêm se manifestando sobre a urgência de se valer de novas
reflexões para uma prática de ensino mais comprometida com referenciais teórico-
metodológicos que ampliem as funções e o papel da atual Geografia. Vesentini
comenta e discute esta questão aqui transcrita em um vídeo:

Mas que tipo de Geografia é apropriada para o século XXI? É


lógico que não é aquela tradicional baseada no modelo “A Terra e o
Homem”, onde se memorizavam informações sobrepostas [...]. E
também nos parece lógico que não é aquele outro modelo que procura
“conscientizar” ou doutrinar os alunos, na perspectiva de que haveria
um esquema já pronto de sociedade futura [...]. Pelo contrário, uma
das razões do renovado interesse pelo ensino de Geografia é que, na
época da globalização, a questão da natureza e os problemas ecológicos
tornaram-se mundiais ou globais, adquiriram um novo significado
[...]. O ensino de Geografia no século XXI, portanto, deve ensinar,
ou melhor, deixar o aluno descobrir o mundo em que vivemos, com
especial atenção para a globalização e as escalas local e nacional, deve
enfocar criticamente a questão ambiental e as relações sociedade/
natureza [...], deve realizar constantemente estudos do meio [...] e
deve levar os educandos a interpretar textos, fotos, mapas, paisagens
(VESENTINI, 1995).
4
TÓPICO 1 | A CIÊNCIA GEOGRÁFICA E O ENSINO DE GEOGRAFIA

Nesta perspectiva, o que se deseja, dentro de uma nova abordagem


geográfica, é levar o estudante a desenvolver “[...] um modo de pensar dialético,
que é um pensar em movimento e por contradição”, segundo Cavalcanti (1998,
p.23). Os pequenos estudantes devem ser levados a dominar o conceito e o
conhecimento sobre os espaços organizados e desorganizados pelo homem a
partir de vários determinantes, fatores e variáveis, para que possam, assim,
desenvolver a consciência das questões locais e globais. Não é memorizando e
citando diferentes locais e espaços que compreenderão a lógica espacial do mundo
atual. Estudar Geografia, assim, significa apropriar-se de um conhecimento real
e palpável através da analogia e da dialética, para que o estudante também possa
entender o porquê do estudo desta ciência.

Parafraseando Vesentini (2000), em seu livro Sociedade e Espaço, estuda-


se Geografia, porque:

 É uma forma de compreender o mundo em que se vive.

 Possibilita o conhecimento do local em que se mora até os demais países da


superfície terrestre.

 O campo de preocupações da Geografia é o espaço da sociedade humana, no


qual os homens vivem e (re)constroem tudo permanentemente.

 As indústrias, cidades, agricultura, rios, solos, climas, populações são todos


elementos que constituem o espaço geográfico.

 Tudo nesse espaço depende do homem e da natureza.

 A natureza é a fonte primeira de todo o mundo real: a água, a madeira, o


petróleo, o ferro, o cimento etc.

 O homem reelabora esses elementos naturais ao fabricar os plásticos a partir do


petróleo, ao represar rios e construir usinas hidrelétricas, ao aterrar pântanos e
edificar cidades, ao inventar velozes aviões para encurtar as distâncias.

 As modificações que a sociedade humana produz em seu espaço são hoje mais
intensas do que no passado.

 Com a interligação entre todas as partes do globo, com o desenvolvimento


dos transportes e das comunicações, passa a existir um mundo cada vez mais
unitário.

 Há assim uma única sociedade humana, embora seja uma sociedade plena de
desigualdades e diversidades.

 Muito do que acontece em áreas distantes acaba nos afetando de uma forma
ou de outra, mesmo que não tenhamos consciência disso, por isso o estudo de
Geografia.
5
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

3 PARA QUE SERVE A GEOGRAFIA?


Quando Yves Lacoste publica seu livro intitulado “A Geografia – Isso
Serve, em Primeiro Lugar, para Fazer a Guerra”, no ano de 1976, foi muito criticado
por aqueles que entenderam que sua obra se resumiria apenas no título e não
se deram conta de que o autor afirmava que a Geografia, entre outras coisas,
também serve para fazer a guerra.

O francês Yves Lacoste é quem traz à tona a questão: “A quem serve a


Geografia?” Isso porque, ao visitar o Vietnã, publica artigos sobre a geomorfologia
das planícies aluviais de Hanói e denuncia a estratégia que os americanos utilizam
para bombardear os diques vietnamitas. Vesentini assim sintetiza as ideias de
Lacoste na apresentação que faz na 10ª edição do livro do escritor francês:

A principal resposta que Lacoste fornece ao seu questionamento


constitui o próprio título do livro: isto – a Geografia – serve em
primeiro lugar (embora não apenas) para fazer a guerra, ou seja,
para fins político-militares sobre (e com) o espaço geográfico, para
produzir/reproduzir esse espaço com vistas (e a partir) das lutas de
classes, especialmente como exercício de poder. Ser ou não ser de fato
uma ciência pouco importa, em última análise, argumenta o autor. O
fundamental, a seu ver, é que, malgrado as aparências mistificadoras,
os conhecimentos geográficos sempre foram, e continuam sendo,
um saber estratégico, um instrumento de poder intimamente ligado
a práticas estatais e militares. A geopolítica, dessa forma, não é uma
caricatura e nem uma pseudogeografia: ela seria na realidade o âmago
da Geografia, a sua verdade mais profunda e recôndita (VESENTINI
apud LACOSTE, 2005, p.7).

NOTA

Caro(a) acadêmico(a), para melhor entender a polêmica criada pelo título da


obra citada, procure ler o livro “A Geografia – Isso Serve, em Primeiro Lugar, para Fazer a
Guerra,” de Yves Lacoste.

6
TÓPICO 1 | A CIÊNCIA GEOGRÁFICA E O ENSINO DE GEOGRAFIA

LEITURA COMPLEMENTAR

A ETAPA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL


ANOS INICIAIS: CIÊNCIAS HUMANAS

A Base Nacional Curricular Comum/BNCC (2017) orienta as ações dos


professores em sala de aula sobre o ensino de Geografia (na Educação Infantil e
anos iniciais a história e a geografia são localizadas na área de Ciências Humanas),
que vem ao encontro das discussões sobre as razões e os porquês do seu estudo.
Nesse sentido, leia atentamente o texto que segue, extraído da BNCC.

A ETAPA DA EDUCAÇÃO INFANTIL

3.1 Os campos de experiências

A definição e a denominação dos campos de experiências também se


baseiam no que dispõem as DCNEI em relação aos saberes e conhecimentos
fundamentais a serem propiciados às crianças e associados as suas experiências.
[...]

O eu, o outro e o nós – É na interação com os pares e com adultos que


as crianças vão constituindo um modo próprio de agir, sentir e pensar e vão
descobrindo que existem outros modos de vida, pessoas diferentes, com outros
pontos de vista. Conforme vivem suas primeiras experiências sociais (na família,
na instituição escolar, na coletividade), constroem percepções e questionamentos
sobre si e sobre os outros, diferenciando-se e, simultaneamente, identificando-se
como seres individuais e sociais. Ao mesmo tempo que participam de relações
sociais e de cuidados pessoais, as crianças constroem sua autonomia e senso
de autocuidado, de reciprocidade e de interdependência com o meio. Por sua
vez, na Educação Infantil, é preciso criar oportunidades para que as crianças
entrem em contato com outros grupos sociais e culturais, outros modos de vida,
diferentes atitudes, técnicas e rituais de cuidados pessoais e do grupo, costumes,
celebrações e narrativas. Nessas experiências, elas podem ampliar o modo de
perceber a si mesmas e ao outro, valorizar sua identidade, respeitar os outros e
reconhecer as diferenças que nos constituem como seres humanos. [...] Espaços,
tempos, quantidades, relações e transformações – As crianças vivem inseridas
em espaços e tempos de diferentes dimensões, em um mundo constituído de
fenômenos naturais e socioculturais. Desde muito pequenas, elas procuram
se situar em diversos espaços (rua, bairro, cidade etc.) e tempos (dia e noite;
hoje, ontem e amanhã etc.). Demonstram também curiosidade sobre o mundo
físico (seu próprio corpo, os fenômenos atmosféricos, os animais, as plantas, as
transformações da natureza, os diferentes tipos de materiais e as possibilidades
de sua manipulação etc.) e o mundo sociocultural (as relações de parentesco
e sociais entre as pessoas que conhece; como vivem e em que trabalham essas
pessoas; quais suas tradições e seus costumes; a diversidade entre elas etc.). Além

7
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

disso, nessas experiências e em muitas outras, as crianças também se deparam,


frequentemente, com conhecimentos matemáticos (contagem, ordenação, relações
entre quantidades, dimensões, medidas, comparação de pesos e de comprimentos,
avaliação de distâncias, reconhecimento de formas geométricas, conhecimento e
reconhecimento de numerais cardinais e ordinais etc.) que igualmente aguçam
a curiosidade. Portanto, a Educação Infantil precisa promover experiências nas
quais as crianças possam fazer observações, manipular objetos, investigar e
explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar fontes de informação para
buscar respostas às curiosidades e indagações. Assim, a instituição escolar está
criando oportunidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos do
mundo físico e sociocultural e possam utilizá-los em seu cotidiano.

A ETAPA DO ENSINO FUNDAMENTAL

4.4 A área de Ciências Humana

A área de Ciências Humanas contribui para que os alunos desenvolvam a


cognição in situ, ou seja, sem prescindir da contextualização marcada pelas noções
de  tempo  e  espaço, conceitos fundamentais da área.  Cognição  e  contexto  são,
assim, categorias elaboradas conjuntamente, em meio a circunstâncias históricas
específicas, nas quais a diversidade humana deve ganhar especial destaque, com
vistas ao acolhimento da diferença. [...] Desde a Educação Infantil, os alunos
expressam percepções simples, mas bem definidas, de sua vida familiar, seus
grupos e seus espaços de convivência. No cotidiano, por exemplo, desenham
familiares, identificam relações de parentesco, reconhecem a si mesmos em fotos
(classificando-as como antigas ou recentes), guardam datas e fatos, sabem a hora
de dormir e de ir para a escola, negociam horários, fazem relatos orais e revisitam
o passado por meio de jogos, cantigas e brincadeiras ensinadas pelos mais velhos.
Com essas experiências, começam a levantar hipóteses e a se posicionar sobre
determinadas situações. No decorrer do Ensino Fundamental, os procedimentos
de investigação  em Ciências Humanas devem contribuir para que os alunos
desenvolvam a capacidade de observação de diferentes indivíduos, situações e
objetos que trazem à tona dinâmicas sociais em razão de sua própria natureza
(tecnológica, morfológica, funcional). A Geografia e a História, ao longo dessa
etapa, trabalham o reconhecimento do Eu e o sentimento de pertencimento dos
alunos à vida da família e da comunidade. No Ensino Fundamental – Anos Iniciais,
é importante valorizar e problematizar as vivências e experiências individuais e
familiares trazidas pelos alunos, por meio do lúdico, de trocas, da escuta e de falas
sensíveis, nos diversos ambientes educativos (bibliotecas, pátio, praças, parques,
museus, arquivos, entre outros). Essa abordagem privilegia o trabalho de campo,
as entrevistas, a observação, o desenvolvimento de análises e de argumentações,
de modo a potencializar descobertas e estimular o pensamento criativo e crítico. É
nessa fase que os alunos começam a desenvolver procedimentos de investigação
em Ciências Humanas, como a pesquisa sobre diferentes fontes documentais,
a observação e o registro – de paisagens, fatos, acontecimentos e depoimentos
– e o estabelecimento de comparações. Esses procedimentos são fundamentais

8
TÓPICO 1 | A CIÊNCIA GEOGRÁFICA E O ENSINO DE GEOGRAFIA

para que compreendam a si mesmos e àqueles que estão em seu entorno, suas
histórias de vida e as diferenças dos grupos sociais com os quais se relacionam. O
processo de aprendizagem deve levar em conta, de forma progressiva, a escola, a
comunidade e o Estado. É importante também que os alunos percebam as relações
com o ambiente e a ação dos seres humanos com o mundo que os cerca, refletindo
sobre os significados dessas relações.

Nesse período, o desenvolvimento da capacidade de observação e de


compreensão dos componentes da paisagem contribui para a articulação do
espaço vivido com o tempo vivido. O vivido é aqui considerado como  espaço
biográfico, que se relaciona com as experiências dos alunos em seus lugares
de vivência. No Ensino Fundamental – Anos Iniciais, o desenvolvimento da
percepção está voltado para o reconhecimento do Eu, do Outro e do Nós,

FONTE: Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base/>. Acesso em:


4 maio 2018.

LEITURA COMPLEMENTAR 2

A GEOGRAFIA SERVE PARA FAZER A GUERRA?

Julga-se que a Geografia não é mais do que uma disciplina escolar e


universitária, cuja função seria fornecer elementos de uma descrição do mundo,
dentro de uma concepção desinteressada da cultura dita geral. Pois qual poderia
ser a utilidade daquelas estranhas frases soltas em alguns livros de Geografia, que
é necessário aprender nas escolas? Os maciços dos Alpes do Norte, a altitude do
Pico Everest, a densidade demográfica da Holanda, a capital do Nepal etc. E os
nossos pais e avós a lembrarem que em seu tempo era necessário saber as capitais
de todos os países de certo continente. Para que serve tudo isso? Uma disciplina
“estupidificante”, mas, apesar de tudo, simples, pois, como toda a gente sabe,
“em Geografia não há nada que perceber, é preciso é ter memória, é só decorar”.

Antigamente, talvez esta Geografia tenha servido para qualquer coisa,


mas, hoje, a televisão, as revistas, os jornais não mostram melhor todos os países
através de notícias, e o cinema mostra melhor as paisagens? Mas, que diabo, dirão
todos os que não são geógrafos: a Geografia não serve para nada!

A toda a ciência ou saber deve ser feito o seguinte questionamento: o


processo científico está ligado a uma história e deve ser analisado, por um lado, na
sua relação com as ideologias; por outro lado, como prática ou como poder. Dizer
antecipadamente que a Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra,
não implica que sirva apenas para executar operações militares; ela serve também
para organizar os territórios, não só como previsão de batalhas que se deverão
travar contra tal ou tal inimigo, mas também para melhor controlar os homens

9
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

sobre os quais os aparelhos de Estado exercem a sua autoridade. A Geografia é,


acima de tudo, um saber estratégico intimamente ligado a um conjunto de práticas
políticas e militares e são essas práticas que exigem a acumulação articulada de
informações extremamente variadas, à primeira vista desconexas, de que não é
possível compreender a razão de ser, a importância, se nos mantivermos dentro
dos limites do saber pelo saber. São as práticas estratégicas que fazem com que
a Geografia seja necessária, em primeiro lugar, aos que comandam os aparelhos
de Estado.

Hoje, mais do que nunca, a Geografia serve, sobretudo, para fazer a guerra.
Pôr em prática novos métodos de guerra implica uma análise extremamente precisa
das combinações geográficas, das relações entre os homens e das “condições
naturais” que é necessário destruir ou modificar para tornar determinada região
inabitável ou para levar a cabo um genocídio. A Guerra do Vietnã fornece
numerosas provas de que a Geografia serve para fazer a guerra de maneira mais
global. Um dos mais célebres e mais dramáticos exemplos foi posto em prática
em 1965, 1966,1967 e sobretudo, em 1972, em um plano de destruição sistemática
da rede de diques que protegem as planícies extremamente populosas do Vietnã
do Norte. A escolha dos locais a bombardear resultou de um estudo geográfico
em vários níveis de análise espacial.

FONTE: Adaptado de: LACOSTE, Y. A Geografia - Isso Serve, em Primeiro Lugar, para Fazer a Guerra.
São Paulo: Papirus Editora, 2005. p. 21-30.

10
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você viu que:

A
 revolução técnico-científica e a globalização têm acelerado mudanças
significativas na sociedade contemporânea, que se refletem nas formas de
produção, consumo e relações sociais.

A
 Geografia, percebendo estas mudanças, estuda e procura se adaptar no
sentido de fornecer novas análises e interpretações da realidade.

A
 Geografia Tradicional vai sendo substituída pela Geografia Crítica,
influenciada pelo francês Yves Lacoste, que escreve e discute sobre o saber
estratégico utilizado na ocupação e no domínio dos espaços geográficos.

Muitos
 geógrafos propõem uma nova abordagem geográfica, que leva o
estudante a dominar dialeticamente conceitos e conhecimentos organizados e
desorganizados pelo homem e, assim, melhor compreender as questões locais e
globais.

Yves
 Lacoste é quem expõe a questão – “a quem serve a Geografia”, ao publicar
livros e artigos que analisam a ocupação de determinados locais e espaços para
fins político-militares. Em outras palavras, Lacoste considera os conhecimentos
geográficos instrumentos de poder.

Novas
 abordagens da ciência geográfica têm buscado práticas pedagógicas que
permitam apresentar aos alunos os diferentes aspectos de um mesmo fenômeno
em diferentes momentos da escolaridade, de modo que os alunos possam
construir compreensões novas e mais complexas a seu respeito.

Segundo
 os PCN, as produções musicais, a fotografia e até mesmo o cinema
são fontes que podem ser utilizadas por professores e alunos para obter
informações, comparar, perguntar e inspirar-se para interpretar as paisagens e
construir conhecimentos sobre o espaço geográfico.

11
AUTOATIVIDADE

Assinale as alternativas que correspondam corretamente ao enunciado:

1. A Geografia Tradicional, ensinada a partir do século XIX, no Brasil,


preocupava-se em:

a) ( ) Desvalorizar as belezas e potencialidades naturais do país.


b) ( ) Formar o cidadão patriótico e enaltecer as belezas naturais do país.
c) ( ) Analisar a realidade social e econômica do país.
d) ( ) Desenvolver uma visão crítica de seus estudantes.

2. A Geografia Nova, mais crítica e mais realista, vem substituir a Geografia


Tradicional, a partir dos escritos e ideias do francês:

a) ( ) José William Vesentini.


b) ( ) Marcos Amorim Coelho.
c) ( ) Alexander von Humboldt.
d) ( ) Yves Lacoste.

3. O ensino da Geografia, para o século XXI, NÃO deve:

a) ( ) Enfocar criticamente a questão ambiental.


b) ( ) Realizar constantes estudos do meio em que se vive.
c) ( ) Enfatizar a separação e a ausência das relações sociedade/natureza.
d) ( ) Levar os educandos a interpretar textos, fotos, mapas, paisagens.

4. Segundo os PCN, o professor, ao criar e planejar situações para uma


aprendizagem mais eficiente dos conteúdos de Geografia, deve se valer de
procedimentos, tais como:

a) ( ) Observação e descrição.
b) ( ) Experimentação e analogia.
c) ( ) Memorização e decoreba.
d) ( ) Analogia e síntese.

12
UNIDADE 1
TÓPICO 2

A CARTOGRAFIA

1 INTRODUÇÃO
A cartografia é um ramo da ciência geográfica responsável pela confecção
de mapas e representações espaciais. Nas séries iniciais, trabalha-se a noção de
espaço representativo através de desenhos simples, como a disposição da sala de
aula, da escola, do trajeto percorrido pelo estudante de sua casa à escola ou de
um passeio qualquer, até que se avance para a representação da Terra.

É importante que o professor compreenda a representação espacial


da esfera terrestre como imagem incompleta. Um mapa, ao representar em
uma superfície plana, como uma folha de papel, a superfície terrestre, sempre
apresentará distorções de imagem, porque não é possível representar a curvatura
da Terra num plano. Neste sentido, o globo terrestre representa mais fielmente a
Terra, porque mantém a forma esférica, mas não possibilita uma visão única de
todos os continentes e oceanos.

Neste sentido, várias análises têm sido feitas sobre a dificuldade de se


representar a forma e as dimensões exatas da Terra, como se pode ler a seguir:

Uma mapa dá uma imagem incompleta do terreno. Ele nunca é uma
representação tão fiel quanto pode sê-lo, por exemplo, uma fotografia
aérea. Mesmo o mais detalhado dos mapas é uma simplificação da
realidade. Ele é uma construção seletiva e representativa, que implica
o uso de símbolos e de sinais apropriados (JOLY, 1990, p.7-8).

Assim, na escola, o professor precisa deixar claro que a representação dos


espaços ocupados pelo homem sobre a Terra é uma tentativa de se compreender
isso concretamente. Como é impossível de se trazer áreas muito extensas para
o papel, utilizamos a redução de medidas. Neste ponto, a abstração inicial dos
nossos estudantes começa a ser exigida, isso porque estaremos mostrando e
trabalhando só a representação dos espaços e não a realidade.

Entretanto, compreensões e conceitos anteriores ao mapa e outras


representações precisam ser vivenciados e exercitados na escola, para que as
ampliações possam ser garantidas em estágios futuros. Neste sentido, leia o texto
a seguir de Kozel e Filizola (1996, p.24-25).

13
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

2 A ESCRITA DA TERRA

Quando uma criança desenha uma casa ou observa o movimento


aparente do Sol, ou então desenha a planta da sala de aula, ela está fazendo
muito mais do que cumprir o programa curricular. Mesmo uma conversa
aparentemente casual na classe, em que as crianças falam sobre sua família,
ou descrevem o caminho que fazem entre a casa e a escola, tem um grande
significado: em cada atividade, a todo momento, estão sendo trabalhados
conceitos fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem.

Diálogo professor-aluno

Veja a ideia do conceito de espaço que tem uma criança de 5 anos:


Professor: Por que o sol fica lá em cima, no céu, e não cai?
Aluno: Porque ele fica no espaço.
Professor: Quando o sol desaparece, para onde ele vai?
Aluno: Debaixo da Terra.
Professor: Para que Terra?
Aluno: A Terra fica rodando lá embaixo.

O trabalho conjunto de alunos e professores, na verdade, consiste


em compreender e discutir esses conceitos básicos. Primeiro de uma forma
mais concreta, a partir das experiências do aluno e de sua realidade próxima;
depois série a série, de modo cada vez mais elaborado e abrangente,
ampliando, retomando e inter-relacionando esses conceitos. Assim, os temas,
os instrumentos – como mapas, bússolas ou cata-ventos – e as atividades são
apenas os veículos desse conhecimento principal.

O professor que domina os conceitos fundamentais de Geografia estará


livre para transitar de um conteúdo a outro, imprimindo um roteiro próprio à
aula, de acordo com os interesses e a maturidade da classe. Pode, perfeitamente,
trabalhar os conteúdos bairro e mundo ao mesmo tempo, por exemplo, pois
não estará preso à sequência da matéria: ele está trabalhando um conceito (no
caso pode ser o de espaço) presente na parte e no todo. Assim, poderá avaliar
melhor o desenvolvimento dos alunos, responder aos questionamentos da
classe e realizar um trabalho mais criativo, acrescentando textos e atividades
que considerar enriquecedores.

Entre os conceitos básicos para o ensino de Geografia, destacam-se os


de espaço, tempo, produção de necessidades e transformação, que se inter-
relacionam, por sua vez, estão ligados aos conceitos de sociedade, trabalho,
natureza e cultura.

14
TÓPICO 2 | A CARTOGRAFIA

O espaço geográfico

Compreender o conceito de espaço é entender como o homem


transforma a natureza por meio do trabalho, produzindo o chamado “espaço
geográfico”. Nesse sentido, só se pode falar do espaço como algo dinâmico,
indo além de seu conteúdo natural ou físico, para questionar como surgiu e por
que é o que é, ou seja, ir além das aparências.

O espaço físico certamente era bem diferente na etapa nômade dos


grupos humanos, no estágio da coleta de alimentos. O homem e os demais seres
vivos constituíam ecossistemas espaciais, tamanha era a integração entre eles.

Esse homem nômade e coletor de alimentos já se diferenciava de


outras espécies, por criar instrumentos que reduziam os esforços na luta pela
sobrevivência. Produzia cultura, ou seja, tinha um modo próprio de pensar,
crer e viver. Sua atitude diante da natureza já era de invenção, inovação. As
possibilidades de intervenção sobre o meio se tornavam cada vez maiores, à
medida que se acumulavam os conhecimentos sobre a natureza.

O trabalho com o conceito de espaço só é alcançado na sala de aula


gradativamente. Primeiro a criança toma contato com o espaço de ação, que é
o espaço vivido, experimentado. A partir desse espaço próximo e concreto, vai
construindo a noção de espaço percebido e concebido, mais abstratos, que não
são vivenciados diretamente. Pode, então, perceber as distâncias – se curtas ou
longas –, sem que precise percorrer o espaço. Ao observar uma foto, mesmo
sem conhecer o lugar, a criança pode identificar coisas próximas ou distantes
entre si.

Nas séries iniciais, o trabalho com espaço envolve a noção de orientação


e localização: em cima/embaixo, perto/longe, na frente/atrás, ao lado/entre,
esquerda/direita, direções cardeais etc. Implica também sua representação
(uso de mapas, globo, maquetes) e o estudo dos elementos do espaço, sejam
eles naturais (clima, vegetação, relevo) ou culturais (cidade, bairro, meio rural,
migrações, fábricas), além de sua distribuição no espaço, isto é, a localização
desses elementos.

Na Educação Infantil tudo começa! Não podemos esquecer que as


primeiras construções de noções de espaço devem ser iniciadas com os pequenos
estudantes. Também eles observam e gradativamente vão percebendo o meio que
ocupam. Assim, o espaço vivido deve ser trabalhado, para se tornar um espaço
“percebido”. A orientação e a localização exigem práticas pedagógicas planejadas
e dirigidas, para que as diferentes faixas etárias possam ampliar as compreensões
de frente e atrás, direita e esquerda, em cima e embaixo, dentro e fora, bem como
as formas geométricas, esféricas e planas, por exemplo. Para melhor discutir e
ilustrar esta questão, leia a contribuição do artigo da Revista Nova Escola (on-
line) O tesouro dos mapas, 05/2003.

15
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

3 O TESOURO DOS MAPAS

O tesouro dos mapas


A cartografia nos permite ler e interpretar a realidade e pode entrar no
currículo desde a Educação Infantil, com jogos e brincadeiras

Paola Gentile

Chegar a um lugar desconhecido utilizando um mapa ou abrir o guia


de ruas para traçar um bom caminho é uma tortura para muita gente. Embora
essas ações pareçam banais, realizá-las com desenvoltura envolve uma série de
conhecimentos que só são adquiridos num processo de alfabetização diferente.
Ele não envolve letras, palavras e pontuação, mas linhas, cores e formas. É a
aprendizagem da linguagem cartográfica. 

Considerada essencial para o ensino da Geografia, a cartografia tornou-


se importante na educação contemporânea não somente para o aluno poder
atender às necessidades que aparecerão no seu cotidiano, como nos exemplos
dados acima, mas para estudar o ambiente em que vive. Aprendendo sobre
suas características físicas, econômicas, sociais e humanas, ele pode entender
as transformações causadas pela ação do homem e dos fenômenos naturais ao
longo do tempo. 

"Saber ler mapas faz com que a pessoa consiga pensar sobre territórios
e regiões que não conhece", afirma Rosângela Doin de Almeida, professora da
Universidade Estadual Paulista, membro do Grupo de Pesquisa em Cartografia
Escolar e representante brasileira da International Cartography Association
(ICA). Ela afirma ainda que a tecnologia tem produzido representações
cartográficas cada vez mais sofisticadas. Sua linguagem é usada no ensino não
só da Geografia, mas também da História e das Ciências em geral. "Conhecê-
la significa adquirir boa parte do suporte necessário para a construção do
conhecimento", enfatiza. 

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de História


e Geografia, todo aluno precisa terminar o Ensino Fundamental sabendo
interpretar cartas geográficas e capaz de produzir representações próprias do
espaço. São habilidades que se formam de maneira gradual e, por isso, quanto
antes começarem a ser desenvolvidas, maiores as chances de atingir essas
competências básicas.

Geografia 

Tema: cartografia nos primeiros anos de escolaridade. 

16
TÓPICO 2 | A CARTOGRAFIA

Objetivo: ler, interpretar e representar espaços físicos conhecidos, como


a casa, a escola e o bairro. Criar e ler símbolos e legendas. Adquirir noções de
direção, sentido, projeção, proporção, paisagem, escalas gráficas e numéricas.
Como chegar lá: use brincadeiras e jogos infantis, proponha a construção
de maquetes e desenhos de mapas de trajetos familiares às crianças, mas não
deixe de ensinar, a cada etapa, os conceitos cartográficos envolvidos.
Dica: o aprendizado da cartografia pode começar na Educação Infantil,
mas vai estender-se até o final do Ensino Médio. Portanto, introduza os
conceitos com atividades adequadas ao nível de desenvolvimento da turma.

Linguagem visual

O vocabulário cartográfico é formado pelos mais diversos símbolos, que


se relacionam entre si. Eles são usados para representar no papel um espaço
reduzido, com apenas duas dimensões informações sobre o relevo, o clima, a
vegetação, a população e muitos outros dados sobre as mais variadas regiões. 

Para compreender essa linguagem, o estudante necessita aprender,


por exemplo, conceitos de lateralidade e direção, habilidades que devem ser
trabalhadas desde a Educação Infantil. São estratégias importantes para, mais
tarde, entender o posicionamento do espaço ilustrado pelo mapa. Um outro
passo é entender os sinais gráficos utilizados e os significados que eles podem
ter. Mais do que interpretar esses símbolos, a criança pode e deve criar sinais.
O próximo passo será imaginar legendas, para que outras pessoas possam
"traduzir" essa representação. 

Ao produzir maquetes e mapas com a turma, o professor tem a


oportunidade de ensinar conceitos de proporção, projeção, escalas gráficas e
numéricas, mostrando todas as estratégias que podem ser utilizadas quando se
quer recriar uma paisagem. 

Para um ensino eficiente, a maioria dessas habilidades precisa ser


desenvolvida em maior ou menor grau de dificuldade nas diversas séries.
"A constância e a continuidade do aprendizado é importante na apreensão
do conhecimento cartográfico", afirma Diamantino Pereira, professor do
Departamento de Geografia e Coordenador do curso de especialização
em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O Colégio
Monteiro Lobato, também na capital paulista, introduz o ensino da cartografia
nas turminhas de 4 anos e segue até o Ensino Médio. Adiante, você vai conhecer
atividades bem-sucedidas na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino
Fundamental.

17
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

Uma vez por semana, os alunos  de Martha mudam os brinquedos


do parquinho de lugar e refazem a maquete do pátio: observação detalhada da
paisagem e capacidade de perceber que a ação humana modifica o ambiente.

Educação Infantil

  Na Educação Infantil, o esboço dos primeiros ensaios cartográficos


pode estar ligado ao desenvolvimento de outras habilidades, como a atenção,
a coordenação motora e a percepção auditiva. É o caso da atividade batizada
de O Som que Passeia. 

A professora Martha Guimarães Rainho arruma a classe em quatro


blocos de carteiras, cada um coberto com tecido ou papel de cores diferentes,
esquema que é reproduzido pelas crianças em folhas individuais. Todos devem
ficar de olhos fechados enquanto um colega passa por entre os grupos tocando
um instrumento musical. Martha pede para a turma mentalizar o percurso
feito pelo som e depois fazer o traçado no papel. "O importante é trabalhar
a noção de lateralidade e direção de cada um", afirma. Com isso, as crianças
aprendem que direita, esquerda, atrás e à frente são relativos, o que introduz
a necessidade de definir pontos de referência. Ao final, a professora discute
os registros e executa novamente a atividade, para os estudantes checarem e
corrigirem os mapas. 

Regras de proporção 

Para aguçar a percepção visual das crianças, Martha promove a


construção e a atualização da maquete do parquinho da escola. Com sucata,
os alunos confeccionam miniaturas dos brinquedos e as distribuem sobre uma
placa de cartão, madeira ou isopor, identificando cada peça com uma legenda.

18
TÓPICO 2 | A CARTOGRAFIA

Pelo menos uma vez por semana os próprios estudantes mudam os brinquedos
de lugar, o que os obriga a refazer, no pátio, a maquete. É uma introdução para
o aprendizado de escala: as crianças começam a perceber que a representação
é diferente do real, mas obedece a regras de proporção e localização. Martha
aproveita para ensinar também o significado de paisagem, que é tudo aquilo
que o olhar pode apreender. 

"Desenvolver esse tipo de observação vai permitir, mais tarde, que


o aluno identifique elementos naturais e sociais como parte da realidade, e
perceba que ela pode ser alterada por fenômenos naturais ou pela intervenção
humana", explica Diamantino Pereira. 

Ensino Fundamental 

No início do Ensino Fundamental, os alunos tornam-se produtores


de mapas. Eles são estimulados a observar e a representar espaços mais
detalhados, como a escola e a própria casa. Podem até iniciar o mapeamento do
bairro, como fez a turma de 1ª série de Valéria Tomaz. Com o traçado das ruas
nas mãos, as crianças assinalam a da escola e a da casa com cores diferentes.
Elas têm de observar o percurso feito para ir à aula e anotar as referências do
caminho (casas comerciais, praças, áreas de lazer). Os trabalhos são avaliados
em grupo, comparando o que há em comum entre os trajetos. 

Michelle Uliana, professora da 3ª série, sofistica o ensino de legendas


iniciado na Educação Infantil usando a brincadeira da Caça ao Tesouro.
Ela apresenta à turma rótulos, logotipos e sinais familiares para que eles os
interpretem. Dessa forma, todos percebem que uma imagem pode ser a
representação de um local ou de uma palavra ou sentença. 

Criação de legenda 

As equipes escondem um "tesouro" e criam símbolos para os espaços da


escola. A cantina vira hambúrguer ou garrafa; o pátio, escorregador ou balanço.
Na criação do roteiro de orientação para a equipe adversária, os alunos tomam
contato com medidas e escalas. Valem mãos, braços abertos, corpos e pulos para
sair do ponto de partida e atingir o objetivo. Os alunos notam que essas medidas
incertas causam confusão. É aí que Michelle introduz o sistema métrico oficial,
mostrando a necessidade de padronização das medidas. Durante a disputa, ela
segue as equipes, observando os conceitos a reforçar em classe. 

O primeiro contato com mapas reais é feito com o da cidade de São Paulo.
Um cartaz com o perímetro é colocado na parede da classe. Ele é abastecido
de símbolos e legendas pelas próprias crianças, estimuladas a representar os
lugares da cidade que conhecem (parques, praças, shopping centers etc.). Na
4ª série, a turma vai poder elaborar um mapa mais completo do bairro e do
município. 

19
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

Com a ampliação do universo de estudo geográfico, surge uma dúvida:


por que a planificação tem distorções? A professora Cristiane Zandoná, da
4ª série, usa uma laranja para ilustrar. Ela desenha na casca o traçado dos
continentes, faz dois cortes em forma de cruz na parte de cima e de baixo da
fruta e começa a descascá-la com paciência, para que não se rasgue. "Com a casca
esticada, todos compreendem que os desenhos sofreram ligeira modificação ao
ser planificados e que essa distorção está presente em todos os mapas com que
eles tomarão contato", afirma Cristiane.

FONTE: Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/2302/o-tesouro-dos-mapas>.


Acesso em: 11 maio 2018.

4 REPRESENTAÇÃO DO PERCURSO CASA-ESCOLA


Nos anos iniciais, desenvolve-se a percepção das crianças com os espaços
naturais e construídos pelo homem a partir dos lugares mais próximos e familiares
de suas vivências, como sua casa e escola.

Por isso, uma das recomendações é refazer, com os estudantes das séries
iniciais, o trajeto percorrido por eles de suas casas até a escola. Eles devem ser
orientados para uma observação mais criteriosa dos espaços, ruas, bairros,
construções, vegetação, terrenos desocupados, trânsito, meios de transportes
que se encontram ao longo do seu trajeto. Em seguida, eles devem descrever
oralmente essas observações, para depois representar por meio de desenhos
esses lugares. Posteriormente, ainda, pode-se propor a confecção de maquetes.

Aqui também não se pode esquecer de conduzir a criança para que observe
e distinga os espaços naturais dos espaços sociais ou humanizados.

E
IMPORTANT

Fala-se em “espaços humanizados”, no sentido de serem ocupados, reelaborados


e construídos pelo homem. Nem sempre foram racionalmente planejados, provocando, por
vezes, sérios impactos e danos ambientais, invalidando, por vezes, a expressão “espaços
humanizados”.

Assim, depois de várias atividades ligadas às noções de espacialidade,


partindo do esquema corporal e evoluindo para brincadeiras e jogos, as crianças
desenvolvem a capacidade de transferir suas percepções para dimensões maiores
e mais distantes. Passarão a compreender noções de orientação (como é o caso
dos pontos cardeais) e os movimentos da Terra.

20
TÓPICO 2 | A CARTOGRAFIA

Salienta-se, entretanto, que vários são os passos que conduzirão para


uma compreensão e ampliação mais efetivas de muitos conceitos. Somente
um trabalho constante e diário poderá garantir uma alfabetização espacial na
Educação Infantil e Séries Iniciais. Segundo muitos educadores, a simples adoção
da rotina para o desenvolvimento das atividades propostas na Educação Infantil
tem contribuído para a percepção e compreensão do tempo e do espaço pelas
crianças. Para Ostetto (2000, p. 124), “[...] o estabelecimento de uma sequência
básica de atividades diárias, “a rotina”, é útil para orientar a criança a perceber a
relação espaço-tempo, podendo, aos poucos, prever o funcionamento dos horários
da creche”. Com certeza, ainda chegará a compreender por que diferentes espaços
são ocupados em horários diferentes, como refeitório na hora de lanchar, pátios
para brincar, salas para estudar etc.

A ampliação destas compreensões se dá pela representação através


dos “desenhos” dos espaços. Nesta perspectiva, a maquete é outro recurso
interessante que vem possibilitar uma compreensão melhor das distâncias,
medidas e proporções.

Neste sentido, Kosel e Filizola (1996, p.39) refletem e escrevem sobre a


confecção de maquetes com as crianças:

O mapa e a planta são representações planas (bidimensionais) da
realidade (tridimensional). Para compreendê-las, a criança necessita
de amadurecimento e certo domínio de informações sobre o meio
representado. Uma das grandes dificuldades das crianças (e de muitos
adultos) na compreensão de um mapa diz respeito à transferência
de um conjunto de elementos tridimensionais para uma superfície
plana, com apenas duas dimensões (largura e comprimento). Como
auxiliá-los? Na passagem do tridimensional para a representação
bidimensional, o professor poderá trabalhar, inicialmente, com a
construção de uma maquete da sala de aula, empregando sucata e
uma caixa de papelão (cerca de 50 x 30 cm). Nessa atividade, ele irá
trabalhar com a escala intuitiva, ou seja, a percepção do que é maior
ou menor, de modo que as carteiras não fiquem menores que o cesto
do lixo.

CONSTRUÇÃO DA MAQUETE DO ESPAÇO ESCOLAR

Autor: Léia Martins Silveira 


Coautor: Nilton Goulart de Sousa

MODALIDADE/ NÍVEL COMPONENTE


TEMA
DE ENSINO CURRICULAR

Ensino Fundamental Inicial Geografia

Dados da Aula

21
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

O que o aluno poderá aprender com esta aula

Através desta aula será possível, para o aluno, conhecer a dinâmica


intrínseca do seu ambiente escolar, e assim interagir melhor com ele. Sendo,
futuramente, capaz de transpô-lo para o desenho e maquete, mostrando suas
perspectivas. A construção da maquete permite trabalhar de forma visível
e acessível os pontos de vista, perspectiva e projeção. De maneira simples,
é possível que o aluno materialize seu espaço em um tamanho reduzido,
aplicando então vários conceitos da temática geográfica.

Duração das atividades: 2 aulas de 50 minutos cada.


Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno: noções
de espaço, localização e ponto de referência.

Estratégias e recursos da aula

Cada imagem e ideia sobre o mundo são compostas, portanto, de


experiência pessoal, aprendizado, imaginação e memória. Os lugares em
que vivemos, aqueles que visitamos e percorremos, os mundos sobre os
quais lemos e vemos em trabalhos de arte, e os domínios da imaginação e
da fantasia contribuem para as nossas imagens da natureza, de tudo o que o
homem constrói e dele próprio. Todos os tipos de experiências, desde os mais
estreitamente ligados com o nosso mundo diário até aqueles que parecem
remotamente distanciados, vêm juntos compor o nosso quadro individual da
realidade (MACHADO, 1999, p. 97).
 
1ª Aula: Conhecendo a Escola
  
O espaço físico que a criança participa é de suma importância para a
formação de suas concepções de vida, de desenvolvimento-aprendizagem e
de todo o seu processo educativo como um todo, pois é neste local que ela
desenvolve suas rotinas e, é a partir dele que ela conhece o mundo e pode
atuar, como futuro cidadão, aqui, enfatizando-se o espaço escolar, mas não
somente ele.

A Escola é um dos espaços cotidianos que a criança mais participa,


partindo desse pressuposto, é muito relevante o processo de autoconhecimento
da sua própria escola, de como é organizada, desenvolvida, suas funções e
atividades recorrentes. Assim, neste trabalho inicial, ela será o ponto de partida
para possibilitar que o aluno conheça e reflita, posteriormente, sobre o mundo
global, e sobre toda a universalidade que o rodeia, além das fronteiras escolares.

Assim, Travassos (2001) diz que a partir da percepção que os alunos


têm do meio em que vivem é possível que o currículo da Geografia possa
ser trabalhado de uma forma dialogada e interativa, caracterizada por uma

22
TÓPICO 2 | A CARTOGRAFIA

constante troca de experiências, permitindo que os limites da escola possam


ser extrapolados e que nossos alunos se tornem atores biopsicossociais capazes
de adquirirem uma postura crítica em relação aos fatores naturais, científicos e
sociais. Mas antes de ultrapassar qualquer fronteira, primeiramente é preciso
conhecê-la.

Em um primeiro momento, o objetivo da aula é proporcionar ao aluno


o conhecimento do seu espaço escolar, para que seja possível entender toda a
dinâmica que existe por detrás da organização física.

Antes de construir a maquete é necessário que ele desfrute seu


ambiente e o vivencie de todas as formas possíveis, descobrindo outros trajetos
diferentes, possíveis, ou até não valorizados. Assim, o passeio pela própria
escola proporcionará tudo isso e será um recurso inicial e adicional para a
construção da sua maquete.
 
Atividade Proposta:
 
O professor, com a turma em questão, irá conhecer o espaço cotidiano
escolar, através da observação. Percebendo, então:

• Quais são os pontos de referência da escola.


• As áreas mais movimentadas ou consideradas mais importantes, tanto para
o aluno quanto para o funcionamento da escola.
• Avaliar e perceber os diferentes caminhos físicos na escola, para se chegar ao
mesmo destino. Ex.: Refeitório.
• Observar as diferentes sequências possíveis do espaço. Ex.: A ordem das
salas.
• Perceber os vários pontos de vista existentes.
 
Logo após o passeio pela escola, a ideia é propor o desenho do espaço,
mas não todo ele. A sugestão é que o professor oriente seu aluno a escolher um
determinado local da escola, pois futuramente, esse local é o que será trabalho
na maquete. O desenho tem o intuito, também, de perpassar todo o modo como
o aluno compreende sua escola, o que valoriza, qual a sua perspectiva sobre tal,
qual o referencial adotado, e ainda, de tornar visível o ambiente que mais se
sobressaiu para ele.

Após o desenho, é importante que o professor discuta e dialogue com a


turma, sobre as diferentes propostas analisadas, sobre a importância do espaço
escolar, suas funções e questionar quais locais lhe chamaram mais atenção e
o porquê dessa escolha, pois ela será importante para toda a preparação do
trabalho posterior.

23
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

  2ª Aula: Construção da Maquete


 
Segundo Almeida e Passini (2002), “a maquete serve de base para explorar
a projeção do espaço vivido para o espaço representado”. Ela é a forma material
de se trabalhar alguns conceitos da temática da geografia,  proporcionando
a ação do indivíduo sobre o objeto e, consequentemente, interferindo na sua
formação e compreensão dos conteúdos e do mundo. Dá então a visibilidade e
a conexão entre a ação do homem e o espaço físico.

Com a liberdade de construir sua própria maquete, o aluno analisará


a questão espacial do ambiente, a ordem lógica da organização e realizará
um planejamento próprio, podendo de forma prática e concreta analisar
o porquê de certas ordens e aplicar conceitos, que por vezes são subjetivos.
 
O objetivo dessa aula é que, de preferência, o horário seja
integralmente  utilizado  para o desenvolvimento e a construção da maquete.
Devido à faixa etária, a proposta é que a atividade seja individualmente
desenvolvida, pois o aluno terá a liberdade de escolher o espaço da escola;
irá trabalhar com o melhor planejamento para a efetivação da atividade e irá
experienciar de forma singular o que ela significa para ele.

É importante, também, que o professor dê significação ao desenho


trabalhado, orientando o aluno a  usá-lo como base e exemplo na maquete,
auxiliando-o também nas dificuldades manuais recorrentes.
 
Atividade proposta:
 
• Escolher o espaço local analisado, que será usado na maquete.
• Orientar o aluno a observar, com seu trabalho e com o dos colegas, os espaços
físicos da escola.
• Debater sobre a importância de cada espaço construído e sua significação
para o aluno.
• Observar e comparar as dimensões bidimensionais e tridimensionais.
• Questionar o aluno sobre a atividade desenvolvida.
 
Perguntas para reflexão:

• Por que escolheu esse espaço?


• Qual a sua funcionalidade/importância e significação para a escola e para o
aluno?
• O que poderia ser modificado? Por quê?
• Esse espaço poderia ocupar outra área dentro do ambiente escolar?

24
TÓPICO 2 | A CARTOGRAFIA

 Materiais sugeridos:

Alguns materiais que podem ser utilizados na maquete, ressaltando


que fica a critério do professor escolher aqueles que são mais acessíveis a sua
realidade.

1. Caixa de sapato
2. Papelão
3. Caixa de pasta de dente
4. Palito de picolé
5. Palito de Churrasco e muitos outros
 
Assim, a reflexão que fica é que:
A Geografia é a ciência que estuda, analisa e tenta explicar (conhecer)
o espaço produzido pelo homem e, enquanto matéria de ensino, ela
permite que o aluno se perceba como participante do espaço que situa,
onde os fenômenos que ali ocorrem são resultados da vida e do trabalho
dos homens e estão inseridos num processo de desenvolvimento
(CALLAI, 1998, p. 56 apud CAVALCANTI, 2002, p. 13).
 
FONTE: Disponível em: <https:// portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.
html?aula=1229>. Acesso em: 26 abr. 2018.

5 AS REDUÇÕES UTILIZADAS NAS ESCALAS


Todo mapa é uma forma reduzida de se representar a Terra ou parte
dela. Para se fazer isto, precisamos pensar a Terra em proporções menores. Esta
redução de proporção será efetuada através de uma escala. Conforme a escala
a ser usada, os detalhes ou informações do que estiver sendo representado será
maior ou menor. Assim, para que haja compreensão do espaço reduzido, é preciso
compreender que, por exemplo, a distância de 1,5 centímetros entre um ponto A
e um ponto B – Bahia e Rio de Janeiro – é pequena ou grande, se estes pontos
estão muito distantes entre si, ou se, pelo contrário, há proximidade entre eles.

Assimilar a noção de escala exige um trabalho contínuo e gradativo. No


caso das crianças, devem-se usar as nomenclaturas: escala e não tamanho. Isto é,
o professor deve usar os termos que o aluno encontrará nos livros ou ouvir em
reportagens sobre o assunto.

25
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

5.1 ATIVIDADE PRÁTICA I


Noção de escala I

Para não ficarmos apenas na teoria, sugerimos, aqui, uma atividade


prática que você, acadêmico(a), pode desenvolver; primeiro você mesmo, depois
com seus alunos.

 Pegue algumas fotos e analise as diferenças de tamanho entre elas.

 Depois, analise as diferenças de tamanho entre as fotos e as pessoas reais.

 Você chegará, com isso, à noção intuitiva de escala.

Noção de escala II

 Pegue um barbante.

 Estique-o na extensão de uma parede.

 Dobre-o tantas vezes quanto necessárias, para caber numa folha.

 O número de dobras que forem necessárias será equivalente ao número de


redução que você deverá estabelecer para a parede e para cada objeto da sala.

 Suponha que você dobrou o barbante doze vezes; você também deve reduzir
doze vezes o tamanho, por exemplo, de uma mesa que está na sala.

 Este processo pode ser representado, substituindo o barbante por passos,


palmos, palitos.

 A partir disto, você pode partir para mapas e explorar as diferentes escalas.
Exemplo: uma escala de 1:200.000 (“um para duzentos mil”) indica que o
espaço nele representado foi reduzido em 200 mil vezes do tamanho natural.

E
IMPORTANT

Todo mapa deve apresentar a escala que foi utilizada na sua confecção (você
a encontrará em algum ponto do mapa). No caso do mapa-múndi que apresentar a escala
1:30.000.000, (lê-se: 1 centímetro deste mapa equivale a 30.000.000 [milhões] de centímetros
no espaço real). Para sabermos as distâncias aproximadas entre duas cidades deste mapa,
medimos inicialmente com uma régua quantos centímetros há entre elas e, em seguida,
multiplicamos pela escala, cortando cinco casas de zero (isto porque estas casas se referem
a centímetro, decímetro, metro, decâmetro e hectômetro), para se chegar a quilômetro,
medida mais comumente utilizada. Exemplo: se a medida com a régua entre as duas cidades
escolhidas é de 4 cm, calcula-se: 300 x 4 = 1.200 km.

26
TÓPICO 2 | A CARTOGRAFIA

5.2 SÍMBOLOS, LEGENDAS OU CONVENÇÕES


Para se ler um mapa, além das noções de escala, é necessário que se
conheçam os símbolos e/ou convenções cartográficas que usualmente se utilizam.
Como o mapa não é uma fotografia e, por isso, não apresenta de modo objetivo
tudo o que se quer representar, lança-se mão de formas de figuras (símbolos),
que informam a existência de dados objetivos na área mapeada. Por exemplo,
o desenho de um aviãozinho representa a existência de um aeroporto; traços
azuis representam rios. Estes símbolos, que são convencionados, devem vir
devidamente legendados no rodapé do mapa. Convém lembrar, também, que
tais símbolos não são criados ou modificados por qualquer um, eles passam por
uma convenção (acordo) internacional, para que o mapa possa ser utilizado por
todos, independentemente do país onde estiver sendo lido.

5.3 ATIVIDADE PRÁTICA II


Sugerimos, aqui, como ação de sala de aula, que desenvolva, com seus
alunos, a criação de símbolos e legendas. Vamos ver como podem ser tais
atividades:

 Convidar os alunos a criarem símbolos para situações como: banheiro


(masculino e feminino); restaurante à beira da estrada; escola; danceteria.

 Exporsímbolos ou convenções cartográficas e pedir que os alunos digam para


que servem.

 Promovera criação de símbolos cartográficos e pedir que os alunos fixem os


mesmos em um mapa em branco (o mapa também pode ser feito pelos alunos;
este mapa pode ser do estado, da região ou do município). Esta atividade
desenvolverá neles o conhecimento sobre a área representada no mapa.

 Outra atividade que também pode ser efetuada é a criação de símbolos para a
escola ou para a própria sala de aula. Aqui deve se usar uma planta do colégio
ou da sala. Com isto eles notarão que as plantas arquitetônicas são espécies de
representação de um espaço, tais quais os mapas.

Como você viu, as atividades de cartografia podem ser interessantes de


se desenvolver. Basta um pouco de imaginação. Nas séries seguintes, podem-se
buscar conhecimentos mais complexos que, por sua vez, prepararão os estudantes
para a leitura e interpretação dos mapas geográficos. No Brasil, além dos baixos
indicadores de desempenho na leitura, escrita e cálculo, há uma dificuldade
imensa de localização e conhecimento de mapas. A Leitura Complementar, a
seguir, discute esta questão abordada recentemente por uma revista de circulação
nacional.

27
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

LEITURA COMPLEMENTAR

EDUCAÇÃO E A GENTE AINDA GOZA DOS AMERICANOS...

Em matéria de conhecimentos geográficos, os brasileiros são de uma


ignorância que não está no mapa

O Brasil tem quatro mecanismos federais de avaliação do ensino: o SAEB,


o ENADE, o ENEM e a Prova Brasil, todos de padrão internacional. A cada vez
que se divulga um de seus resultados, uma torrente de más notícias sobre a
educação é despejada pelos jornais. Mas nenhum desses testes jamais captou um
dado tão alarmante quanto o que surge da pesquisa Pulso Brasil, do instituto
Ipsos, que acaba de sair do forno. Os pesquisadores abriram um mapa-múndi na
frente dos entrevistados (1000 pessoas, em setenta municípios das nove regiões
metropolitanas) e lhes pediram que indicassem onde ficava o Brasil. Somente
metade acertou. É isso mesmo: o levantamento mostra que 50% dos brasileiros
não sabem localizar o país no mapa. Houve os que chutaram as respostas. Vieram
desse grupo disparates de corar de vergonha. Para 2%, o Brasil fica na Argentina.
Um porcentual pouco maior acha que o país se localiza na África – a dúvida é
se no Chade ou na República Democrática do Congo. Outros 29% nem tentaram
responder.

A pesquisa do Ipsos tem a força de um soco na boca do estômago nacional.


Quase 10% dos entrevistados que passaram por uma faculdade (tendo completado
ou não o curso) não sabem que o Brasil se localiza na América do Sul. Esse porcentual
sobe para 30% entre os que fizeram o Ensino Médio (estágio em que um aluno
deveria ter estudado Geografia durante pelo menos seis anos) e aumenta para 50%
entre os que iniciaram o Ensino Fundamental. Ignorar uma informação tão simples
é o equivalente, em matemática, a não saber adicionar 2 mais 2.

Previsivelmente, o desconhecimento em relação aos outros países é ainda


maior. Só 18% dos brasileiros conseguem identificar os Estados Unidos e apenas
3% localizam corretamente a França. Quanto à Argentina, tão citada em piadas
futebolísticas, 84% nem sequer desconfiam de que faz fronteira com o Brasil. Esse
tipo de informação está longe de ser uma “cultura inútil”. A ignorância do mapa-
múndi impede que se entendam as relações de poder entre os países e compromete
o aprendizado de história, entre outras disciplinas. “O estudante que não decifra
o mapa-múndi não reconhece o mundo concreto que o cerca. É simples assim”,
resume a secretária de Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães de
Castro. O dado irônico é que os brasileiros atribuem aos americanos uma grande
ignorância em matéria de Geografia. Gostam de dizer, em tom gaiato, que os
gringos não têm a mínima ideia de como se divide o planeta. Não é bem assim. A
mais recente pesquisa sobre o assunto mostrou que 86% dos americanos sabem
exatamente onde fica seu país, 81% reconhecem o México, 54% a França e 47% a
Argentina. Eles dão um banho, convenhamos.

28
TÓPICO 2 | A CARTOGRAFIA

A péssima qualidade dos professores está na base dessa vergonha,


agravada pela falta de mapas nas escolas. Acrescente-se a falta de instrução
familiar e pronto: está formado o ambiente propício para criar gerações de
brasileiros que exibem uma ignorância que não está no mapa. Nunca antes neste
país: e não se trata do Chade ou da República Democrática do Congo.

FONTE: VEJA. Educação e a gente ainda goza dos americanos. São Paulo: Abril, n. 44, 07 nov.
2007. p. 108-109.

29
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você viu que:

 A cartografia é o ramo da ciência responsável pela confecção de mapas e


representações espaciais.

 Na Educação Infantil e Séries Iniciais, trabalha-se a noção de espaço através


de observações, relatos e desenhos simples dos espaços conhecidos e vividos
pelos pequenos estudantes.

 Representar a Terra não é fácil. Por isso, o professor também deve compreender
a representação espacial da Terra como uma imagem incompleta.

 Um mapa sempre apresentará distorções de imagem, porque é impossível


representar a curvatura da Terra num plano.

 O professor que domina os conceitos fundamentais da Geografia estará livre


para transitar de um conteúdo para outro, imprimindo um roteiro próprio à aula,
de acordo com os interesses e a maturidade da turma. Pode, tranquilamente,
trabalhar os conteúdos bairro e mundo ao mesmo tempo, por exemplo, pois
não estará preso à sequência da matéria. Assim, poderá trabalhar um conceito
de espaço presente na parte e no todo.

 Nas Séries Iniciais, o trabalho com espaço envolve, ainda, a noção de orientação
e localização: em cima/embaixo, ao lado/entre, esquerda/direita, direções
cardeais etc. Implica também a sua representação (uso de mapas, globo,
maquetes) e estudo dos elementos do espaço, sejam eles naturais (clima,
vegetação, relevo) ou culturais (cidade, bairro, meio rural, migrações, indústria)
além de sua distribuição no espaço, isto é, a localização desses elementos.

 Na Educação Infantil, iniciam-se as construções das primeiras noções de espaço.


Assim, os pequenos estudantes devem ser preparados e trabalhados para que o
espaço “vivido” se torne um espaço “percebido”.

 Assim, recomenda-se refazer, com as crianças, os percursos e trajetos percorridos


de suas casas até a escola, com descrição oral, desenhos e maquetes.

30
AUTOATIVIDADE

1 Defina a cartografia.
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

2 Por que a representação espacial da esfera terrestre é sempre uma imagem


incompleta?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

3 Qual é a vantagem e a desvantagem de se representar a Terra pelo globo


terrestre?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

4. Coloque (V) para as afirmações verdadeiras e (F) para as falsas:

a) ( ) Para se compreender a noção de espaço, também se deve entender


como o homem transforma a natureza por meio do trabalho, produzindo o
chamado “espaço geográfico”.

b) ( ) Espaços humanizados são espaços reelaborados sempre racionalmente


com a ocupação humana.

c) ( ) O trabalho com mapas e a linguagem cartográfica podem ser iniciados


a partir da construção de maquetes de espaços próximos e conhecidos das
crianças.

d) ( ) Todo mapa é uma forma reduzida de se representar a Terra ou parte


ela. Esta redução de proporção se efetuará através da legenda.

e) ( ) A escala de um mapa indica a proporção entre o objeto real (o mundo


ou uma parte dele) e sua representação cartográfica, ou seja, quantas vezes
o tamanho real teve de ser reduzido para poder ser representado.

31
32
UNIDADE 1
TÓPICO 3

NOÇÕES DE ORIENTAÇÃO E LOCALIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Ler e interpretar mapas, representações pequenas e abstratas dos espaços
constitui-se num trabalho que vai prescindir de noções de localização e orientação.
Portanto, a noção primeira de espacialidade exige um reconhecimento ou uma
percepção mais detalhada e criteriosa de cada espaço ocupado e vivido pelas
crianças na Educação Infantil e Séries Iniciais. Muitos geógrafos e professores têm
discutido esta questão, como podemos ler no texto que segue:

2 A PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA E A ESPACIALIDADE

Um ponto de partida relevante para se refletir sobre a construção de


conhecimentos geográficos, na escola, parece ser o papel e a importância da
Geografia para a vida dos alunos. Há um certo consenso entre os estudiosos
da prática de ensino de que esse papel é o de prover bases e meios de
desenvolvimento e ampliação da capacidade dos alunos de apreensão da
realidade sob o ponto de vista da espacialidade, ou seja, de compreensão do
papel do espaço nas práticas sociais e destas na configuração do espaço. O
que se acredita é que, ao longo da História, os seres humanos organizam-se
em sociedade e vão produzindo sua subsistência, produzindo com isso seu
espaço, que vai se configurando conforme os modos culturais e materiais de
organização dessa sociedade. Há, dessa forma, um caráter de espacialidade em
toda prática social, assim como há um caráter social da espacialidade. Além
disso, o pensar geográfico contribui para a contextualização do próprio aluno
como cidadão do mundo, ao contextualizar espacialmente os fenômenos,
ao conhecer o mundo em que vive, desde a escala local à regional, nacional
e mundial. O conhecimento geográfico é, pois, indispensável à formação de
indivíduos participantes da vida social, à medida que propicia o entendimento
do espaço geográfico e do papel desse espaço nas práticas sociais.

A espacialidade em que os alunos vivem na sociedade atual, como


cidadãos, é bastante complexa. Seu espaço, diante do processo de mundialização
da sociedade, extrapola o lugar de convívio imediato, sendo traçado por uma
figura espacial fluida, sem limites definidos. Em razão dessa complexidade que
é crescente, o cidadão não consegue, sozinho e espontaneamente, compreender
seu espaço de modo mais articulado e mais crítico; sua prática diária permite-

33
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

lhe apenas um conhecimento parcial e frequentemente impreciso do espaço. O


conhecimento mais integrado da espacialidade requer uma instrumentalização
conceitual que torne possível aos alunos a apreensão articulada desse espaço
(LACOSTE, 1988, MOREIRA, 1992).

A construção e reconstrução do conhecimento geográfico pelo aluno


ocorre na escola, mas também fora dela [...]. Entretanto, a ampliação desses
conhecimentos, a ultrapassagem dos limites do senso comum, o confronto
de diferentes tipos de conhecimentos, o desenvolvimento das capacidades
operativas do pensamento abstrato são processos que podem ser potencializados
com práticas intencionais de intervenção pedagógica

FONTE: Cavalcanti (1998, p. 11-12)

3 OS PONTOS CARDEAIS
Para se orientar no espaço, as pessoas procuram estabelecer pontos de
referência. Na área rural, elas se guiam por uma árvore mais alta, uma estrada,
uma construção de destaque etc., enquanto na cidade utilizam-se, como ponto de
referência, as praças, as igrejas, os edifícios e shopping centers mais importantes.
Entretanto, no meio do oceano, de uma floresta ou de um deserto, como se
orientar? Para isso, foram criados e convencionados internacionalmente os
pontos universais de referência, os chamados pontos cardeais. São eles: NORTE
(N), SUL (S), LESTE (L), OESTE (O ou W). Também temos os pontos colaterais,
que são intermediários – entre dois cardeais surge um colateral. Exemplo: Entre
o Sul e o Leste tem-se o SUDESTE; entre o Leste e o Norte tem-se o NORDESTE;
entre o Norte e o Oeste tem-se o NOROESTE; e entre o Oeste e o Sul, tem-se o
SUDOESTE. Temos ainda os pontos subcolaterais, que se encontram entre os
cardeais e colaterais, que podemos visualizar na rosa dos ventos.

FIGURA 1 - ROSA DOS VENTOS COM PONTOS CARDEAIS,


COLATERAIS E SUBCOLATERAIS
N

NO NE

NNO NNE

ONO ENE

O E

OSO ESE

SSO SSE

SO SE

FONTE: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Rosa_dos_


ventos#/media/File:Brosen_windrose_It.svg>. Acesso em: 11 maio
2018.

34
TÓPICO 3 | NOÇÕES DE ORIENTAÇÃO E LOCALIZAÇÃO

Para encontrarmos os pontos cardeais de cada lugar, faz-se o seguinte


exercício com os estudantes: primeiro descobre-se onde é a nascente e o poente
do Sol do lugar em questão e aponta-se o braço direito para a nascente (ali é
o Leste) e o braço esquerdo para o poente (ali é o Oeste). Na frente da pessoa
encontra-se o Norte e, às costas, o Sul.

NOTA

Na verdade, o Sol não nasce nem se põe; então não há nascente, nem poente.
Entretanto, estas expressões já fazem parte do uso cotidiano das pessoas, por isso não são
menosprezadas. Neste momento explica--se ao aluno que o movimento da Terra se dá ao
redor do Sol e não ao contrário. O nascente aparente é, na verdade, o lado da Terra que se
expõe primeiramente ao Sol, enquanto esta faz o giro sobre si mesma, completando-o até o
anoitecer, onde é o poente aparente. Não se deve esquecer que a Terra leva 24 horas (até a
meia-noite) para completar todo o seu giro. Neste momento é muito importante trabalhar o
movimento de rotação da Terra (sobre si mesma) e o movimento de translação (que a Terra
faz ao redor do Sol).

Neste contexto também se pode introduzir o conceito de hemisfério que


será largamente utilizado nos estudos subsequentes de Geografia. A partir da
linha do Equador, que atravessa a Terra no sentido horizontal, temos o hemisfério
(meia esfera) Norte e Sul. O Meridiano de Greenwich corta a Terra no sentido
vertical, formando o hemisfério Leste e Oeste.

Como se costuma utilizar as expressões ocidente e oriente nos conteúdos


de Geografia e História, é muito importante lembrar as nomenclaturas
correspondentes dos mesmos:

 hemisfério Sul é conhecido como meridional ou austral;


 hemisfério Norte é conhecido como setentrional ou boreal;
 hemisfério Oeste é conhecido como Ocidente ou ocidental;
 hemisfério Leste é conhecido como Oriente ou oriental.

DICAS

DICAS DE SITES EDUCATIVOS E RECREATIVOS:


<http://www.jogos-geograficos.com/>;
<http://sogeografia.com.br/Jogos/>;
<https://online.seterra.com/pt>;
<http://www.geoensino.net/2011/06/teste.html>;
<http://www.escolagames.com.br/jogos/mapaMundi/?deviceType=computer>;

35
UNIDADE 1 | GEOGRAFIA: UMA CIÊNCIA

<http://www.jogosdaescola.com.br/play/index.php/geografia>;
<http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.html>;
<https://novaescola.org.br/guias/1427/jogos>.

4 NOVOS USOS PARA VELHOS MATERIAIS


“Como ensinar os pontos cardeais e colaterais de forma criativa?”

A pergunta acima foi feita pela professora Lindaura Alves R. Duarte, da


cidade de Itapecerica, estado de Minas Gerais, para o professor de Geografia
Celso Antunes, que a responde no texto a seguir:

Antes de mais nada, Lindaura, não peça aos alunos para decorarem os
pontos cardeais e colaterais. Em segundo lugar, tire a rosa dos ventos do mapa
e coloque-a no espaço real das crianças. Não, não estou pedindo para você
estragar seu mapa! Só para pegar o giz e desenhar a rosa no chão da sala ou do
pátio (ainda sem a localização dos pontos).

Em seguida, coloque uma bússola sobre o centro da figura desenhada.


Peça aos alunos para observarem o instrumento. Para que lado a agulha aponta?
As respostas vão variar conforme a disposição das construções e objetos de sua
escola: “Para o lado da cantina”, “Para o lado de sua mesa, professora!” e por
aí afora.

É o momento de falar para a turma que o “lado” para o qual a agulha


da bússola aponta é o Norte geográfico da Terra. Escreva um “N” na ponta da
rosa dos ventos que aponta para o recém-descoberto Norte.

Agora, abra no chão um mapa-


múndi (ou do Brasil, ou do Estado — o
que houver à mão), com o Norte que está
marcado nele coincidindo com o Norte
da rosa dos ventos desenhada no chão.
Marque também os outros pontos e os
colaterais, que serão deduções lógicas do
raciocínio inicial.

Os alunos perceberão que os “lados” se identificam com as referências


cardeais e que os mapas constituem sempre uma “fotografia” reduzida do
espaço terrestre.

A essa experiência é interessante associar-se outra, desta vez construindo


o conceito de escala. Desenhe o contorno de sua mão num papel. A seguir, faça
cópias xerox cada vez mais reduzidas do desenho original. Isso fará a classe

36
TÓPICO 3 | NOÇÕES DE ORIENTAÇÃO E LOCALIZAÇÃO

compreender que objetos grandes podem ser representados em tamanhos


muito menores do que o real. Chame a atenção para as próprias fotografias,
que não passam de reproduções em escala da pessoa fotografada. Exatamente
como os mapas são reproduções em escala de uma certa região terrestre.

Outra boa atividade, Lindaura, é pedir aos alunos para se deitarem


no gramado (ou sobre um cobertor, um colchonete ou outra superfície), como
se seu corpo fosse o ponteiro da bússola. Isso dará a eles uma visão mais
ampla do espaço ao redor deles do que na clássica posição de pé, com o braço
direito apontando para o nascente e o Norte na direção do olhar. Criado no
hemisfério Norte, esse método era reproduzido nos primeiros livros brasileiros
de Geografia, que eram traduzidos de manuais europeus. Vamos dar voz ao
nosso hemisfério!

Com as crianças deitadas, peça primeiro para estenderem o braço


direito na direção onde o Sol nasce (Leste). Nesta posição, para onde apontarão
os pés? O braço esquerdo? A cabeça? Depois, diga-lhes para inverter a posição
do corpo, de modo que, desta vez, o braço esquerdo aponte para o nascente.
Que pontos indicarão agora o braço direito, os pés e a cabeça?

Dessa maneira, a turma descobre que não há posição fixa para


determinar os pontos cardeais. Tudo depende, literalmente, do ponto de vista
do observador, de sua posição sobre a linda bola que é o planeta Terra.

FONTE: Disponível em: <http://www.ensino.net/novaescola/125_set99/html/comcerteza_


geografia.htm>. Acesso em: 20 nov. 2007.

37
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você viu que:

 A leitura e a interpretação de mapas exigem noções de localização e orientação.

 A primeira noção de espacialidade exige um “reconhecimento” mais detalhado


do espaço ocupado e vivido pelas crianças.

 Há sempre um caráter de espacialidade em toda a prática social, assim como


há um caráter social na espacialidade.

 Os seres humanos, ao se organizarem em sociedade, produzem seu espaço de


acordo com os modos culturais e materiais dessa sociedade.

 Por isso, o pensar geográfico contribui para a contextualização do próprio


aluno como cidadão do mundo.

 A construção e a reconstrução do conhecimento geográfico pelo aluno ocorrem


na escola, mas também fora dela. Entretanto, a escola pode e deve utilizar
intervenções pedagógicas que desenvolvam o pensamento abstrato.

 Referências importantes de localização são os pontos cardeais (Norte, Sul, Leste

e Oeste), e os colaterais (Sudeste, Nordeste, Sudoeste e Noroeste).

 O hemisfério Leste também é conhecido como Oriente e o hemisfério Oeste


como Ocidente, expressões largamente utilizadas pela Geografia e pela
História.

38
AUTOATIVIDADE

Depois de ter estudado este tópico, responda as questões a seguir:

1 Explique o que você entende com a afirmação: “Há um caráter de


espacialidade em toda a prática social, assim como há um caráter social da
espacialidade”.
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__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

2 Os pontos cardeais são pontos convencionados internacionalmente. Qual é


o exercício recomendado para se localizar os pontos cardeais em qualquer
ponto da Terra?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

3 Por que se conclui que não há o nascente e o poente do Sol?


__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

4 Como são mais conhecidos os hemisférios Leste e Oeste?


__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

39
40
UNIDADE 2

A NOVA HISTORIOGRAFIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta Unidade, o(a) acadêmico(a) estará apto(a) a:

• compreender as diferentes tendências filosóficas que influenciaram o ensi-


no de História;

• perceber a importância do ensino e do estudo de História;

• analisar as atuais perspectivas do conhecimento histórico.

PLANO DE ESTUDOS
Esta Unidade está dividida em três tópicos, sendo que no final de cada um
deles você encontrará atividades que o(a) ajudarão a refletir e a fixar os co-
nhecimentos abordados.

TÓPICO 1 – HISTÓRIA, UMA DISCIPLINA ESCOLAR

TÓPICO 2 – CAMINHOS DA HISTÓRIA

TÓPICO 3 – MÉTODOS EM HISTÓRIA

41
42
UNIDADE 2
TÓPICO 1

HISTÓRIA, UMA DISCIPLINA ESCOLAR

1 INTRODUÇÃO
Para compreender o nosso estudo de Metodologia do Ensino de História,
situando esta disciplina e ciência em um quadro mais geral das Ciências
Humanas, verificaremos, a seguir, como estas ciências, em especial a História,
têm-se configurado no Ensino Fundamental (nos Anos Iniciais) e na Educação
Infantil, e qual a contribuição que podem dar na formação dos sujeitos envolvidos
no processo escolar.

As Ciências Humanas compreendem uma área do conhecimento humano


alimentada pelo saber produzido por várias ciências, como por exemplo:
Sociologia, Antropologia, Economia, Política, História e Geografia, entre outras.
Todas têm como objeto de estudo o homem em suas relações: entre si, com o meio
natural, com os recursos já criados por outros homens através dos tempos. Cada
uma delas, por sua vez, especializa-se em determinados aspectos desse seu objeto
de conhecimento, que é muito amplo. No nosso estudo abordamos a Geografia
na Unidade 1 e, agora, passaremos a estudar a História.

2 ESSA TAL DA HISTÓRIA


Você provavelmente já estudou, pesquisou ou ouviu falar um pouco da
História, dessa ciência em algum momento de sua vida. Entretanto, você sabe
o que é História? Qual sua importância? Tente escrever algo a respeito dessas
reflexões. Sua experiência é importantíssima, responda, tentando se lembrar das
coisas que você sabe, viveu e aprendeu. Antes que você dê sua resposta, apresento
a ideia de uma autora conhecida na formação de professores de História. De
acordo com Penteado (1995, p.18):

A História procura estudar o homem através dos tempos, nos


diferentes lugares em que tem vivido. Investiga permanências e
mudanças ou transformações de seu modo de vida, no empenho de
compreendê-las. Nesse trabalho conta com o conhecimento produzido
por outras Ciências Humanas, como a Sociologia, a Antropologia, a
Economia, a Política etc.

43
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

Nesse sentido, a História seria a ciência que nos permite conhecer o


nosso passado, entender bem o nosso presente, para transformá-lo em um futuro
melhor. A história se interessa por todas as atividades do ser humano, por tudo
aquilo que a humanidade em grupo faz durante sua vida. Porém, a História não
é apenas isso, a História é o estudo do ser humano em processo de constante
transformação, por isso, todos os seres humanos têm valor para a História. E a
sua história? Você a conhece? E a dos seus alunos? Todos os seres humanos fazem
história, você faz história.

Agora que você percebeu a importância da História para nossas histórias


de vida e também para os seus alunos, é importante destacar que a concepção de
História, na história humana, não é homogênea, ou seja, igual para todo mundo,
existem maneiras diferentes de interpretar e vivenciar a História, bem como
de compreender e aplicar a ciência denominada História, o que acarreta para
nós, educadores, formas diversas de se conceber a História enquanto disciplina.
Porém, de onde provêm essas diferenças de interpretações? Para o professor e
sociólogo Guareschi (1990), seria que a sociedade humana (o autor se refere à
sociedade construída a partir da concepção de mundo europeia ocidental, não
podemos esquecer que o mundo oriental ainda é muito pouco conhecido!)
é dividida em duas visões de mundo ou cosmovisões, para ser mais exato. A
mais comum, segundo ele, é conhecida como positivista-funcionalista, que é
caracterizada como a visão de mundo dentro de um enorme sistema, no qual
tudo são peças de uma imensa engrenagem que é a sociedade humana; tudo já
está pronto, basta cumprir bem seu papel nessa história, ser uma peça que não
estraga e que se mova junto com as outras dessa imensa engrenagem. Essa visão
de mundo também é conhecida como visão de sistema, um sistema perfeito, tudo
pronto, tudo acabado, basta você nascer e assumir seu posto.

Essa concepção de mundo acaba acarretando, para a educação, uma


visão tradicional e opressora tanto para o aluno quanto para o professor. O
conhecimento está pronto e acabado, é necessário que o aluno decore, memorize,
assimile o que foi escolhido para ser estudado e o professor deve ensinar o que
deve ser ensinado. Na ciência denominada História essa concepção foi aceita e
difundida pelos grupos interessados em deixar a sociedade sempre voltada para
privilegiar os mais poderosos economicamente, militarmente e aqueles que se
mantêm no poder de forma autoritária.

Por outro lado, existe a concepção de mundo conhecida como histórico-


crítica, ou dialética, ou utópica. Essa visão de sociedade concebe a história
humana como um palco de muitos conflitos, que são a fonte de transformações
sociais. A partir da dialética de conflitos, a humanidade pode transformar seu
cotidiano; somente pelos conflitos e a sua superação poderá haver um outro
mundo possível. Segundo essa concepção, tudo à sua volta é construído pela
ação humana do trabalho. O trabalho humano é que molda as diversas feições
da humanidade em sociedade. Nesta abordagem, tudo é incompleto, inacabado,
nada nasce pronto, tudo é construído e aprendido na história humana.

44
TÓPICO 1 | HISTÓRIA, UMA DISCIPLINA ESCOLAR

O próprio conhecimento é um produto inacabado, incompleto, que deve ser


buscado constantemente. O conhecimento, neste sentido, é sempre provisório, não
existe possibilidade para dogmatismo nas pesquisas e no ensino-aprendizagem
escolar. O professor e o aluno, nesta concepção, não são objetos e sim sujeitos de
sua própria história, o conhecimento serve para a busca de libertação e autonomia
dos seres envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Como você percebeu, existe uma teoria na história, conhecida como


tradicional ou positivista e uma teoria histórico-crítica ou dialética. Há pessoas
que defendem a história como algo completo e acabado, basta promover a
reprodução dessa sociedade; outros, por sua vez, defendem a história como sendo
de lutas, transformações, em que tudo é inacabado e incompleto. Defendem então
as transformações sociais e a luta por melhores condições de vida, sobretudo para
aqueles que vivem à margem dessa sociedade globalizante e excludente.

3 A TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA
Mas existe alguma outra maneira de ver as coisas? Existiria outra teoria,
que implicasse uma outra cosmovisão, uma outra maneira de se ver, entender e
explicar o mundo? Pensamos que sim, apesar de ser pouco divulgada, pois ela
é muito perigosa, principalmente em nossa sociedade.

Que nomes a gente poderia dar a essa outra teoria? Um dos melhores
nomes é o da teoria histórica e vamos ver por quê. Quando se fala em história,
ou histórico, a primeira coisa que vem à mente da gente é algo que passa, de
algo transitório. História é o que tem a ver com antes, durante ou depois. Mas
qual é o pressuposto dessa teoria? O pressuposto é que tudo que é criado é
histórico. O que é criado não é eterno, apareceu e vai desaparecer, por isso
mesmo é precário, transitório, isto é, histórico. [...] Um outro nome muito bom
para essa teoria é o de teoria crítica. Crítica vem do grego kritein, que significa
julgar. Pois bem, possui uma visão crítica aquela pessoa que, de antemão,
antes mesmo de ver, ouvir ou ler qualquer coisa, tem essa convicção íntima e
profunda de que tudo o que é histórico possui ao menos dois lados; que nada é
absoluto, total; que é preciso ver os dois lados da coisa. Essa teoria tem também
mais alguns nomes. Um deles é teoria utópica, utópico ou acrônico, é algo que
não existiu ainda no tempo, mas poderia existir. A realidade, portanto, não se
restringe ao aqui e o agora, mas também a tudo o que existirá. [...] As pessoas
de mentalidade histórico-crítica são pessoas que incorporam na definição
de realidade o futuro e a esperança. A mudança faz parte da própria teoria.
Para essa teoria, a mudança é sempre possível, na medida em que a coisa se
completa. Sendo que as coisas não estão nunca prontas ou acabadas, elas vão
mudando na medida em que vão se aperfeiçoando, em que vão superando
a contradição interna que existe em todas as coisas, pelo fato mesmo de não
serem totais e acabadas. Agora você mesmo pode responder a uma pergunta
bem simples: a quem interessa uma teoria histórico-crítica? É evidente que

45
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

interessa à toda pessoa que deseja ver a coisa global, à toda pessoa que não está
contente com que está aí apenas, à toda pessoa que deseja algo diferente, de
melhor. Nós, que lutamos por algo melhor, só poderíamos nos guiar com uma
teoria que incorpore a mudança e a esperança de algo diferente. Quem deseja
um mundo novo, encontra nesta cosmovisão elementos necessários para um
trabalho e uma luta de renovação e transformação. Dentro do presente, já estão
em gestação as sementes de uma nova sociedade.

FONTE: Guareschi (1990, p. 23-25)

4 PARA QUE SERVE A DISCIPLINA DE HISTÓRIA?


A representação é uma prova de que o mundo existe fora de nós, mas
não independentemente no que é de nós. Por isto, conhecer o processo de
representações e aprender a utilizar este conhecimento em benefício do ser
humano é o que dá sentido à História que se ensina. E, assim, a escola, enquanto
espaço de experienciação do mundo em que se vive, possibilita o indivíduo a ser
sujeito da história, adquirir consciência do mundo como o “ser estar-do-homem-
no-mundo” e saber praticar esta consciência em prol da construção de um mundo
cada vez mais humano, de modo que, por meio de seus atos, o ser humano o
construa como um mundo cada vez mais para si mesmo; isto será possível,
sobretudo, quando se começa desde pequeno.

Como se chega a um mundo melhor com apoio da História? É necessário


alcançar alguns objetivos. Estes objetivos você encontra nos Parâmetros
Curriculares Nacionais para a disciplina de História. Como a Educação Infantil
foi pensada de forma mais global e não fragmentada, ela não está dividida
em disciplinas, mas, mesmo assim, a disciplina de História é contemplada
principalmente nas questões envolvendo diversidade e a socialização da criança.
Nesse sentido, encontramos no Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil v.2 (BRASIL, 1998, p.11):

O desenvolvimento da identidade e da autonomia estão intimamente


relacionados com os processos de socialização. Nas interações sociais
se dá a ampliação dos laços afetivos que as crianças podem estabelecer
com as outras crianças e com os adultos, contribuindo para que o
reconhecimento do outro e a constatação das diferenças entre as
pessoas sejam valorizadas e aproveitadas para o enriquecimento de
si próprias. Isso pode ocorrer nas instituições de Educação Infantil
que se constituem, por excelência, em espaços de socialização, pois
propiciam o contato e o confronto com adultos e crianças de várias
origens socioculturais, de diferentes religiões, etnias, costumes,
hábitos e valores, fazendo dessa diversidade um campo privilegiado
da experiência educativa.

Considerando-se as especificidades sociais das crianças de zero a cinco


anos, a qualidade das experiências oferecidas, que podem contribuir para o

46
TÓPICO 1 | HISTÓRIA, UMA DISCIPLINA ESCOLAR

processo de aprendizagem, devem ser embasadas nos seguintes princípios de


acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, volume
1 (BRASIL, 1998, p.13):

O respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas


nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais,
étnicas, religiosas etc.; o direito das crianças a brincar, como forma
particular de expressão, pensamento, interação e comunicação
infantil; o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis,
ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão,
à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética;
a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção
nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de
espécie alguma; o atendimento aos cuidados essenciais associados à
sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade.

Quanto às Séries Iniciais do Ensino Fundamental, encontramos os


objetivos para a disciplina de História nos Parâmetros Curriculares Nacionais de
História e Geografia (BRASIL, 1997, p. 41):

Espera-se que, ao longo do Ensino Fundamental, os alunos


gradativamente possam ler e compreender sua realidade, posicionar-se, fazer
escolhas e agir criteriosamente. Nesse sentido, os alunos deverão ser capazes
de: identificar o próprio grupo de convívio e as relações que estabelecem com
outros tempos e espaços; organizar alguns repertórios histórico-culturais
que lhes permitam localizar acontecimentos numa multiplicidade de tempo,
de modo a formular explicações para algumas questões de presente e do
passado; conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais,
em diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas,
políticas e sociais, reconhecendo semelhanças e diferenças entre eles;
reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas, presentes na
sua realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no tempo e
no espaço; questionar sua realidade, identificando alguns de seus problemas
e refletindo sobre algumas de suas possíveis soluções, reconhecendo formas
de atuação política, institucionais e organizações coletivas da sociedade civil;
utilizar métodos de pesquisa e de produção de textos de conteúdo histórico,
aprendendo a ler diferentes registros escritos, iconográficos, sonoros; valorizar
o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade, reconhecendo-a como
um direito dos povos e indivíduos e como elemento de fortalecimento da
democracia.

Para que estes objetivos sejam alcançados, são imprescindíveis ações por
parte do professor de individualizar as situações de aprendizagem oferecidas às
crianças, considerando suas capacidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas
assim como os conhecimentos que possuem dos mais diferentes assuntos e suas
origens socioculturais diversas. Isso significa que o professor deve planejar uma
gama variada de experiências que responda, simultaneamente, às demandas do
grupo e às individualidades de cada criança.

47
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

Considerar que as crianças são diferentes entre si implica propiciar


uma educação baseada em condições de aprendizagem, que respeitem suas
necessidades e ritmos próprios. Individualizar a Educação Infantil, ao contrário
do que se poderia pensar, não é marcar e estigmatizar as crianças pelo que
diferem, mas levar em conta suas singularidades, respeitando--as e valorizando-
as como fator de enriquecimento pessoal e cultural. A disciplina de História, neste
sentido, apresenta-se como um componente pedagógico de grande importância
para o pleno desenvolvimento humano das crianças.

48
TÓPICO 1 | HISTÓRIA, UMA DISCIPLINA ESCOLAR

LEITURA COMPLEMENTAR

O QUE É DISCIPLINA ESCOLAR?

Circe Maria Fernandes Bittencourt

O estudo da História, a partir do século XIX, tem permanecido nos currículos


escolares dos diferentes níveis do ensino básico e também como matéria dos cursos
preparatórios ou de exames vestibulares brasileiros. A história escolar integra o
conjunto de disciplinas que foram sendo constituídas como saberes fundamentais
no processo da escolarização brasileira e passou por mudanças significativas
quanto a métodos, conteúdos e finalidades até chegar à atual configuração nas
propostas curriculares. Quando se analisa a trajetória da disciplina, constata-se
que esta faz parte dos “planos de estudos” de 1837, da primeira escola pública
brasileira, considerada de nível secundário. Acompanhando o percurso da história
nos cursos de nível superior, no entanto, verifica-se que os estudos históricos e
a formação de seus profissionais foram criados apenas a partir da década de 30,
do século XX. Tal situação provoca, sem dúvida, algumas indagações. O que é,
afinal, uma disciplina escolar e quais são suas especificidades? [...] A História e as
demais disciplinas escolares fazem parte de um sistema educacional que, embora
se redefina constantemente, mantém especificidades no processo de constituição
de saberes ou de determinado conhecimento.

Para entender as disciplinas escolares, é preciso situá-las em um processo


dinâmico de produção. Segundo André Chervel, as disciplinas escolares
constituíram-se efetivamente e passaram a ter essa denominação a partir de 1910.
A constituição das disciplinas foi resultado de um processo de disputas entre os
conhecimentos que deveriam fazer parte do currículo escolar. Desde o fim do
século XIX, discutia-se sobre a necessidade de manter um currículo humanístico
organizado pelo estudo das línguas, latim, grego, língua e literatura nacional e
internacional e da oratória. Esses saberes eram entendidos como fundamentais
para a formação das elites, ao disciplinarem a mente por intermédio de obras
literárias e pelo domínio oral e escrito da cultura clássica. Predominava uma
formação elitista, a qual era perfeitamente adequado o currículo humanista
clássico.

Com o desenvolvimento da industrialização, intensificado na segunda


metade do século XIX, os conhecimentos das áreas denominadas exatas, como
Biologia, Química, Botânica e Física, além da Matemática, passaram a ser
considerados importantes e disputavam espaço com as áreas das humanidades
clássicas na formação escolar. Essa disputa, sobre o papel formativo das
disciplinas humanísticas ou das disciplinas cientificas, possibilitou a organização
mais sistematizada dos conhecimentos já tradicionalmente pertencentes ao
currículo antigo e dos novos, que estavam sendo introduzidos nas escolas. Foi

49
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

importante, então, nesse momento, estabelecer as finalidades de cada uma das


disciplinas, explicitar os conteúdos selecionados para serem ensináveis e definir
os métodos que garantissem tanto a apreensão de tais conteúdos como a avaliação
da aprendizagem. As finalidades de uma disciplina escolar, cujo estabelecimento
é essencial para garantir sua permanência no currículo, caracterizam-se pela
articulação entre os objetivos instrucionais mais específicos e os objetivos
educacionais mais gerais.

FONTE: Bittencourt (2004)

50
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você viu que:

As
 Ciências Humanas compreendem uma área do conhecimento humano
alimentada pelo saber produzido por várias ciências, como, por exemplo:
Sociologia, Antropologia, Economia, Política, História e Geografia, entre outras.
Todas têm como objeto de estudo o homem em suas relações: entre si, com o
meio natural, com os recursos já criados por outros homens através dos tempos.

A História é a ciência que nos permite conhecer o nosso passado, entender bem o

nosso presente, para transformá-lo em um futuro melhor. A História se interessa
por todas as atividades do ser humano, por tudo aquilo que a humanidade em
grupo faz durante a vida. Entretanto, a História não é apenas isso, a História é
o estudo do ser humano em processo de constante transformação.

A
 concepção de história na história humana não é homogênea, ou seja, igual
para todo mundo, existem maneiras diferentes de interpretar e vivenciar a
história, bem como de compreender e aplicar a ciência denominada História,
o que acarreta para nós, educadores, formas diversas de se conceber a História
enquanto disciplina.

A
 visão positivista-funcionalista é caracterizada como a visão de mundo
dentro de um enorme sistema, no qual tudo o mais são peças de uma imensa
engrenagem que é a sociedade humana; tudo já está pronto, basta cumprir bem
seu papel nessa história, ser uma peça que não estraga e que se move junto com
as outras nessa engrenagem.

A
 visão histórico-crítica, ou dialética, ou utópica, concebe a história humana
como um palco de muitos conflitos que são a fonte das transformações
sociais. A partir da dialética de conflitos, a humanidade pode transformar seu
cotidiano; somente pelos conflitos e a sua superação, poderá haver um outro
mundo possível. Segundo essa concepção, tudo à sua volta é construído pela
ação humana do trabalho. O trabalho humano é que molda as diversas feições
da humanidade em sociedade. Nesta abordagem tudo é incompleto, inacabado,
nada nasce pronto, tudo é construído e aprendido na história humana.

A
 Educação Infantil foi pensada de forma mais global e não fragmentada, ela
não está dividida em disciplinas, mas, mesmo assim, a disciplina de História
é contemplada principalmente nas questões envolvendo a diversidade e a
socialização da criança.

Individualizar
 a Educação Infantil, ao contrário do que se poderia pensar, não
é marcar e estigmatizar as crianças pelo que diferem, mas levar em conta suas
singularidades, respeitando-as e valorizando-as como fator de enriquecimento
pessoal e cultural. A disciplina de História, nesse sentido, apresenta-se como um
componente pedagógico de grande importância para o pleno desenvolvimento
das crianças.
51
AUTOATIVIDADE

1 As Ciências Humanas compreendem uma área do conhecimento humano


alimentada pelo saber produzido por várias ciências como, por exemplo:

a) ( ) Sociologia, História, Geografia, Filosofia.


b) ( ) História, Sociologia, Filosofia, Matemática.
c) ( ) Geografia, Matemática, História, Química.
d) ( ) Filosofia, História, Sociologia, Física.

2 A História seria a ciência que nos permite conhecer o nosso passado,


entender bem o nosso presente, para transformá-lo em um futuro melhor. A
História se interessa por todas as atividades do ser humano, por tudo aquilo
que a humanidade em grupo faz durante sua vida. Entretanto, a História
não é apenas isso, é também:

a) ( ) A ciência para entender o espaço geográfico.


b) ( ) A ciência que analisa a sociedade humana.
c) ( ) A ciência que valoriza a moral e os bons costumes.
d) ( ) O estudo do ser humano em processo de constante transformação.

3 A quem interessa uma teoria histórico-crítica?

a) ( ) A pessoas comprometidas com a transformação social.


b) ( ) A pessoas ligadas ao poder tradicional.
c) ( ) A pessoas que usam o senso comum, na maioria de suas atividades.
d) ( ) A historiadores que usam o método positivista.

4 Considerando-se as especificidades sociais das crianças de zero a cinco


anos, a qualidade das experiências oferecidas, que podem contribuir para o
processo de aprendizagem, deve ser embasada nos seguintes princípios, de
acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil:

a) ( ) O respeito, a valorização da diversidade, o diálogo, a intolerância.


b) ( ) O respeito à dignidade, o respeito aos direitos das crianças, o acesso
aos bens socioculturais, o atendimento aos cuidados essenciais.
c) ( ) A socialização das crianças, o desenvolvimento de sua identidade, a
intolerância, o valor da vida.
d) ( ) O desrespeito à sua interação, a valorização de sua comunicação, o
respeito à dignidade, a construção de novas amizades.

52
UNIDADE 2 TÓPICO 2

CAMINHOS DA HISTÓRIA

1 INTRODUÇÃO
A história, como as outras formas de conhecimento da realidade, está
sempre se constituindo: o conhecimento que ela produz nunca é perfeito ou
acabado. Se o conhecimento é inacabado, não está pronto. Por sua vez, o próprio
ser humano, que depende dele para sua construção enquanto ser, também é
inacabado, incompleto, precisamos buscar o conhecimento para a construção
humana, para Freire (1999, p.58-59) seria o mesmo que dizer:

Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que minha passagem
pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu
destino não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja
responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a
história em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é
um tempo de possibilidades e não de determinismo.

Para compreender a vida de um ser humano, é necessário, primeiramente,


conhecer sua história de vida, sua trajetória, seus sucessos e fracassos, assim
como também qualquer ciência que se visa estudar. Para se compreender
satisfatoriamente a história ocidental como hoje ela se configura, é preciso
recapitular sua origem e evolução.

2 PERÍODO MITOLÓGICO E O MUNDO GREGO


Cada um de nós, ao nascer, encontra-se no centro de um mundo já
dado, que subsiste mesmo sem a sua contribuição. Em grande parte, ele é o
produto de forças naturais, operando no universo desde tempos imemoriais; em
pequena parte, do homo sapiens, aparecido na Terra há cerca de 170 mil anos.
Convencionalmente, entretanto, só a partir de uma dezena de milhares de anos
a nossa espécie é vista como capaz de transformar em profundidade a si mesma
e ao ambiente, quer dizer, de fazer história. História é uma palavra de origem
grega, que significa investigação, informação. Ela surge no século VI antes da era
cristã. Para nós, seres humanos ocidentais, a História, como hoje entendemos,
iniciou-se na região mediterrânea. De acordo com Bodei (2001, p. 15):

53
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

O vocábulo história (estórias, istorie, da raiz indoeuropeia, wid, +


weid, vedere, ver), designa uma indagação, em forma de narração, sob
fatos que se presumem ocorridos e que vêm confiados à memória
ou a documentos. Diversamente do que se poderia acreditar, estes
acontecimentos não pertencem necessariamente ao passado remoto.
Pelo contrário, para os pais fundadores da historiografia ocidental,
Heródoto e Tucídides, os acontecimentos históricos são justamente
aqueles de que somos testemunhas oculares ou que são relatados por
quem os viu pessoalmente.

Vemos que os seres humanos, desde sempre, sentem necessidades de


explicar para si próprios sua origem e sua vida. A primeira forma de explicação
da realidade aparente, que surge nas primeiras sociedades, é o mito, sempre
transmitido em forma de tradição oral. Conhecemos a existência, entre o quarto
e o segundo milênios antes da era cristã, de sociedades mais complexas, nas
quais existe a escrita e um governo centralizado, que dirige uma sociedade
organizada em uma hierarquia social; nestas sociedades, as fontes históricas
mais remotas são as inscrições, assim como os anais religiosos. Entre essas
civilizações, destacam-se a egípcia e a mesopotâmica, duas das mais importantes
na chamada Antiguidade Oriental.

Na Grécia, por volta do primeiro milênio antes da era cristã, o mito começa a
ter uma conotação diferente: vamos encontrá-lo na poesia, por exemplo, na Ilíada,
poema épico atribuído a Homero. A explicação mítica não vai, evidentemente,
desaparecer, continuando até hoje em quase todas as manifestações culturais, não
como uma única forma de explicação da realidade, mas paralela às outras, como
a história. Ao recontar essas explicações em certo momento, os seres humanos
passam a refletir sobre elas. É especialmente um estudioso dos mitos, Hecateu
de Mileto, que analisa os mitos e lendas do mundo grego e resolve escrever
aquilo que ele considera verdadeiro nessas narrações. A História, como forma
de explicações, nasce unida à Filosofia e desde o início elas são bastante ligadas.
Heródoto, de acordo com Hecateu, se propõe a fazer investigações, a procurar
a verdade. Assim, Heródoto é considerado o pai da História. De acordo com
Beseelaar (1962, p. 23):

Heródoto foi grande artista, grande estilista, ótimo narrador, viajante


infatigável e etnólogo notável para a sua época: cada um desses
aspectos poderia fornecer material abundante para uma série de
conferências. Nesta palestra, porém, parece-me conveniente focalizar
Heródoto como o pai da história, título esse que lhe foi dado por
Cícero, tornando-se o predicado inseparável do nosso autor.

Heródoto é o primeiro a empregar a palavra no sentido de investigação,


pesquisa. Ele e os primeiros historiadores gregos vão fazer indagações entre seus
contemporâneos aproveitando para escrever a história, bem como, as tradições
orais e os registros escritos. Os cidadãos gregos querem conhecer a organização
de suas cidades-estado, as transformações que elas sofrem. Percebe-se que, em
geral, os historiadores buscam explicações para os momentos e situações que

54
TÓPICO 2 | CAMINHOS DA HISTÓRIA

atravessam as sociedades nas quais vivem. Heródoto, por exemplo, estuda


sobretudo a guerra entre os gregos e os persas (490-479 a.C). Tucídides, outro
historiador grego, estuda as guerras do Poloponeso, entre Esparta e Atenas. Neste
sentido, portanto, os historiadores estão ligados à sua realidade mais imediata,
espelhando preocupação com questões do momento, não vemos mais uma
preocupação com questões com uma origem distante, remota como existia nos
mitos. A explicação não é mais atribuída aos deuses, começam a examinar os
fatores humanos, a ação do clima, para cada fenômeno. Há uma preocupação
com a busca da verdade aparente.

3 A HISTÓRIA NA IDADE MÉDIA


A Idade Média é um período em que se vê, associada à predominância da
fé católica, uma enorme credulidade geral. Acreditava-se em lendas fantásticas, no
paraíso terrestre, na pedra filosofal, no elixir da vida eterna, em cidades todas de
ouro etc. Existiam lendas sobre os mares estarem infestados de monstros, sobre
a Terra terminar de forma súbita por ser plana. Devido à forte influência cristã
católica, a história da humanidade se desenrolava de acordo com um plano divino
para os seres humanos, o que acarretou uma história de visão linear do tempo.

Neste período histórico, temos a formação da civilização europeia


ocidental, com sua afirmação de identidade e pertencimento a grupos distintos,
nações diversas em sua origem geopolítica e cultural. É este um período muito
importante para nós, pois somos, em grande parte e através de muitas vias
identitárias, herdeiros dessa civilização.

O início da Idade Média é marcado fortemente pela regressão cultural e


demográfica, a população vive em sua maior parte no campo e quase ninguém
sabe ler, somente membros da igreja católica sabem ler e escrever. Grande parte
dos escritos da época foi feita pelo clero. São fontes de vidas de santos, anais e
crônicas. A história escrita não apresentava o mesmo rigor crítico de investigação
que apresentava a dos gregos, nem a procura de compreensão e explicação da
realidade, pois o livro primordial, que ensinava todas as coisas, era a bíblia e
fora dela não existia explicação para qualquer fato ou acontecimento. A bíblia
era a referência máxima para qualquer investigação que se considerava histórica,
científica. Toda essa mentalidade reinante refletiu-se na forma de escrever a
história, na qual há uma grande presença do milagre, do maravilhoso e do
impossível.

55
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

4 HISTÓRIA NO PERÍODO MODERNO


Durante o Renascimento, a cultura europeia ocidental, desprezando
os dez séculos medievais, procura retomar à antiguidade greco-romana, seus
valores, sua arte, sua investigação filosófica e histórica. A história neste período
terá um valor imenso, sobretudo, com a preocupação primordial com os textos
antigos e, por sua exatidão, com a pesquisa e a formação de coleções de moedas,
objetos de arte, de inscrições antigas.

Os estudiosos humanistas, em uma linha que surge desde a segunda


metade da Idade Média, revivem a tradição de crítica dos filósofos e historiadores
da antiguidade. Do avanço dessas técnicas eruditas é que nascem ou se afirmam
a cronologia (estudo das datas), a epigrafia (inscrições), a numismática (moedas),
sigilografia (selos), heráldica (brasões), genealogia (linhagens familiares),
diplomática (diplomas), onomástica (nomes próprios), arqueologia (vestígio de
materiais antigos), filologia (escritos antigos). Há um esforço contínuo por meio
dessas técnicas, para se aprender a escolher os documentos significativos, situá-
los no tempo e no espaço.

No século XVIII, em uma sociedade em plena transformação, com a


desestruturação final do sistema feudal e o avanço da ordem burguesa, surge
o iluminismo, corrente filosófica que procura mostrar a história como sendo o
desenvolvimento linear progressivo e ininterrupto da razão humana. Para os
iluministas, a Idade Média foi o período das trevas, mas, com o iluminismo, o
conhecimento se aproxima da verdade. A burguesia, que depois das guerras
napoleônicas fica cada vez mais presente na Europa, vai procurar reorganizar
suas formas de pensamento, buscando explicar a nova realidade. Não são mais
os teólogos que estão no comando dessa explicação, mas sim os filósofos. O
liberalismo é a explicação, a justificação racional dessa nova sociedade; essa
corrente filosófica reclama o progresso através da liberdade, contra a forte
autoridade da Igreja e da Monarquia. Alguns historiadores desse período,
chamados de liberais, são, muitas vezes, estadistas, homens envolvidos na ação
política: com esse intuito, produzem suas obras.

No século XIX, temos a afirmação dos nacionalistas europeus e conflitos


daí decorrentes. Nesse sentido, os Estados Nacionais (principalmente Inglaterra,
Alemanha, Itália e França) ainda em formação e unificação vão estimular
o interesse pelo estudo de sua história nacional. Cada país vai levantar a
documentação referente ao seu passado. A Alemanha, em sua clara preocupação
nacionalista, vai pesquisar, sobretudo, o período medieval e procurar valorizar
sua origem bárbara, ou seja, germânica. É compilada, neste período histórico,
uma série documental a Monumental Germanie Historica, que é a mais importante
coleção de textos medievais existente até hoje. Dentro dessa visão nacionalista,
encaixam-se alguns historiadores que são classificados como românticos, pois,
dotados de uma certa contemplação sentimental da história, procuram uma
volta ao passado, cheia de nostalgia. É na Alemanha que surge a preocupação de
transformar a História em uma ciência, de acordo com Martins (2010, s.p.)

56
TÓPICO 2 | CAMINHOS DA HISTÓRIA

No século XIX, as concepções de História e de historiografia passaram


por uma mudança notável e decisiva. Esse século tornou-se conhecido como
"o século da História". Sem dúvida foi ainda mais decisivo – embora essa
perspectiva nem sempre tenha estado presente – o salto dado no segundo terço
do século XX e seus prolongamentos até os anos 1970. Não obstante, a análise
dos progressos da historiografia em nosso tempo deve ser feita mediante o
contraste com o século XIX, sem o qual não se pode perceber o alcance das
mudanças ocorridas no século XX. A importância marcante do século XIX
para os fundamentos da disciplina da historiografia em seu estado atual
deve-se a um fenômeno único, de desdobramentos complexos: o abandono
das concepções relativas à investigação e à escrita da história que formaram a
tradição europeia praticamente desde o Renascimento e talvez mesmo desde a
Antiguidade clássica. As diversas escolas e correntes historiográficas do século
XIX coincidem pelo menos em um ponto: deixam de considerar a história como
uma crônica baseada nos testemunhos legados pelas gerações anteriores e
entendem-na como uma investigação, pelo que o termo "história" recupera seu
sentido originário em grego. A evolução decisiva para a historiografia deu-se
com o que se pode chamar de fundamentação metódico-documental, basilar
para a disciplina "acadêmica" contemporânea, produzida pelos tratadistas do
século XIX e da primeira década do século XX. Tem-se aqui a origem da grande
corrente historiográfica que se chamou – de forma algo exagerada, mas não
totalmente imprópria – de historiografia "positivista", intimamente entrelaçada
com a forte tradição do historicismo alemão. Foi no século XIX que apareceram
os primeiros grandes tratados do que se poderia chamar de normativismo
histórico, um tipo de reflexão novo sobre a história, essa reflexão definiu os
parâmetros metódicos estipulados como obrigatórios para que a história se
enquadrasse no que se tinha, então, por padrão de "ciência". Normatizar os
procedimentos, contudo, para obter algum grau de densidade confiável, era
percebido como uma missão, que levou à produção de textos metodológicos
famosos, sobretudo na França e na Alemanha, de Buchez e Lacombe, de Ranke,
de Droysen e de Bernheim, chegando a Langlois-Seignobos e a Lamprecht. Essa
mudança profunda e duradoura do horizonte dos estudos historiográficos,
cuja influência se estendeu até os anos 1930, é habitualmente creditada às
contribuições trazidas por uma corrente chamada, sem esforço maior de
precisão, de positivismo. De outro lado, o historicismo alemão é amiúde
considerado a maior contribuição do século XIX em matéria de concepções da
natureza do histórico e da identidade da historiografia.

A Europa vive uma preocupação de grande desenvolvimento das ciências


naturais, como a física e a química. Os historiadores alemães, em reação ao
idealismo, querem que a História se torne uma ciência o mais segura possível.
Pretendem um grau de exatidão científica semelhante: a elaboração de métodos
de trabalho análogos e efetivos, que estabelecessem leis e verdades de alcance
universal. O maior nome dessa tendência, chamada escola científica alemã, é
Leopoldo Ranke. Seu trabalho é exigente, seguro, mas essa linha de orientação
vai acabar dando força ao positivismo histórico, iniciado no século XIX, mas

57
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

com uma enorme influência até no presente momento. Segundo essa forma de
pensamento, cabe à história um levantamento científico dos fatos, sem procurar
interpretá-los, cabe à sociologia sua interpretação. Para realizar trabalhos que
consideram realmente científicos, esses historiadores acham que é preciso ver o
passado como algo morto, com o qual o presente em que se vive nada tem a ver,
e que é possível, se houver uma atitude neutra em relação ao objeto do passado
que se estuda.

Nessa nova sociedade que se impõe aparece uma corrente filosófica, o


idealismo alemão, que traz enormes consequências para a história. Seu maior
nome, Hegel, vai estabelecer uma nova atitude filosófica frente ao conhecimento.
Ele supera o racionalismo que endeusa a razão, como verdade absoluta, e mostra
que o conhecimento não é absoluto, mas se constitui como um movimento, o dos
contrários (lei da dialética: tese, antítese e síntese).

No século XIX, temos a efetivação da sociedade burguesa e a implantação


do capitalismo industrial. Desde meados desse século, o capitalismo é criticado
como forma de organização da sociedade. Na crítica destacam-se dois pensadores:
Karl Marx e Friedrich Engels. Ambos elaboraram a teoria do materialismo
dialético, uma nova concepção filosófica. Seu método aplicado à história humana
é o materialismo histórico. O materialismo histórico mostra que os seres humanos,
para sobreviverem, precisam transformar a natureza, o mundo em que vivem.
Fazem-no não isoladamente, mas em conjunto, agindo em sociedade; estabelecem,
para tal, relações que não dependem diretamente de sua vontade, mas do mundo
que precisam transformar e dos meios que vão utilizar para isso. Todas as outras
relações que os seres humanos estabelecem entre si dependem dessas relações
para a produção da vida, não sob uma forma de dependência mecânica, direta
e determinante, mas sob forma de condicionamentos. O ponto de partida do
conhecimento são as relações que os seres humanos mantêm com a natureza e
com os outros seres; não são as ideias que vão provocar as transformações, mas
as condições materiais e as relações entre os seres humanos.

Para Marx e Engels, a história é um processo dinâmico, dialético, no qual


cada realidade social traz dentro de si o princípio de suas próprias contradições,
o que gera a transformação constante na história. No processo histórico essas
contradições são geradas pela luta entre as diferentes classes sociais. Seu grande
legado à história, portanto, é a contribuição para a análise do capitalismo e a
introdução do novo método de análise da realidade.

Na Europa, o conhecimento histórico passa a ter presença no currículo


universitário a partir do século XIX. Nas universidades domina uma visão liberal
e o materialismo histórico não é aí adotado, por estar associado, desde seu
surgimento, à crítica e à transformação revolucionária da sociedade capitalista.
Aos poucos, porém, vão aparecendo influências dessa teoria da história; elas
são parciais e, nos meios universitários, ainda predomina, até o século XX, a
chamada história positivista; é uma história escrita sempre sob o viés nacional,
orientada por preocupações essencialmente políticas. É na França que ocorrem as

58
TÓPICO 2 | CAMINHOS DA HISTÓRIA

primeiras transformações dessa história. Na década de 1930, trabalhos com uma


nova concepção da história começam a ser publicados na revista Anaes de História
Econômica Social, cujo primeiro número é publicado em janeiro de 1929. Esse
grupo ficou conhecido como escola francesa ou escola de Annales, seus grandes
iniciadores foram Marc Bloch e Lucien Febrev. Aceitam uma história total, que
veja os grupos humanos sob todos os aspectos e, para tal, uma história que esteja
aberta às outras áreas do conhecimento humano.

5 A HISTÓRIA NO PERÍODO CONTEMPORÂNEO


A Segunda Guerra Mundial, ao projetar a importância dos EUA, da
Rússia e do Japão, mostra aos historiadores a necessidade de rever suas posições
eurocentristas. A Europa não poderia mais ser vista como o centro do mundo;
explicar a História em função da história da civilização ocidental não faz sentido.
É preciso, para se entender a presente situação, começar a olhar para outras partes
do globo. As maiores influências nos trabalhos de História, da metade do século
XX em diante, são, portanto, no mundo ocidental, a visão materialista histórica
e a visão da história das civilizações, ligadas à escola dos Annales. Os herdeiros
da chamada escola dos Annales, a partir de 1970, galgaram os mais importantes
postos acadêmicos e editoriais. Produzem o que é chamado de “Nova História”,
inspiram-se em uma tradição interdisciplinar e procuram trabalhar a partir de
objetos, abordagens, fontes e documentos utilizados por outras disciplinas.

Neste período de 1970, no ensino de História, a tendência marxista foi


marcante a partir do fim da década de 1970 e ainda permanece como base da
organização de conteúdos de várias propostas curriculares e de obras didáticas.
O denominado materialismo histórico serviu de base para elaboração de diversos
materiais didáticos, condição que consolidou a organização de conteúdos da
história das sociedades. Em decorrência dos debates entre os marxistas, houve
uma renovação importante sobre a concepção de poder. Este era entendido sempre
em suas relações com o Estado, e os novos estudos passaram a se preocupar com
outras esferas de lutas e dominação. A produção da história social incorporou as
lutas e os movimentos sociais provenientes de diferentes setores da sociedade.
Os movimentos sociais, tais como os feministas, os ambientalistas, os étnicos,
os religiosos, seus confrontos e lutas com as discriminações e preconceitos (será
assunto da próxima unidade), além da continuidade das lutas por direitos
trabalhistas, situaram a história social no centro das pesquisas históricas. Essa
produção científica ficou conhecida como a História dos Vencidos.

Paralelamente às duas correntes, a marxista e a nova história, no decorrer


dos anos de 1980, muitos historiadores se aproximaram dos sujeitos e objetos da
Antropologia (ciência que estuda a cultura humana). O encontro da História com
a Antropologia foi significativo para a própria noção de história, cuja existência
se iniciava, segundo a maioria das obras didáticas, apenas após a invenção da
escrita. Os povos ágrafos (sem escrita), esquecidos ou anulados pela história
das civilizações, como é o caso das populações indígenas e africanas, foram

59
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

incorporados à historiografia, o que obrigou os historiadores a recorrer a novos


métodos de investigação histórica, introduzindo novas fontes de importância
fundamental em suas pesquisas, como a memória oral, as lendas e mitos, os objetos
materiais, as construções. Atualmente, sedimentou-se uma história cultural que
procura vincular a micro-história com a macro-história e tem sido conhecida como
a nova história cultural. Essa nova história cultural juntou-se com outra corrente
que tem procurado renovar a história política. A investigação da história atual
procura renovar os temas políticos, introduzindo a história das culturas políticas,
dos regimes e sistemas de governo e das representações de poder.

Também vários historiadores têm-se dedicado a trabalhar com a história


serial, produzindo conclusões a partir de fontes e dados estatísticos organizados
em unidades de tempo e possíveis de comparações com outras disciplinas. Há
cada vez mais uma preocupação pelo que existia na cabeça das pessoas, do ser
humano, em todos os seus aspectos; assim alguns trabalham com a chamada
história das mentalidades. Há uma preocupação visível com o cotidiano dos
diversos grupos sociais.

Do ponto de vista das técnicas de pesquisa, a História está em


desenvolvimento constante, pois percebe-se cada vez mais a perspectiva de que
uma obra de História é uma construção do próprio historiador que se impõe, é ele
quem escolhe seu objeto, escolhe como vai trabalhá-lo, expô-lo, em um abandono
da crença positivista em uma possível neutralidade, pelo distanciamento entre o
historiador e seu objeto de estudo. Não se pensa mais a história dos seres humanos
como algo absoluto, objetivo, que está tudo pronto e basta buscar o assunto para
compor a história, a partir do que determinado objeto ficou representado; o
historiador, por sua vez, elabora sua própria representação, a história se faz com
documentos e fontes, imaginação e ideias.

DICAS

Após percorrermos o breve relato da história da Ciência Histórica, convidamos


você a visualizar uma proposta de aula baseada em uma linha de tempo: Criando uma Linha
do Tempo com o auxílio das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação), disponível
em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=15236>.

60
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você viu que:

 Para compreender a vida de um ser humano, é necessário, primeiramente,


conhecer sua história de vida, sua trajetória, seus sucessos e fracassos, assim
também como qualquer ciência, que se visa estudar. Para se compreender
satisfatoriamente a história ocidental como hoje ela se configura, é preciso
recapitular sua origem e evolução.

 Cada um de nós, ao nascer, encontra-se no centro de um mundo já dado, que


subsiste mesmo sem a sua contribuição. Em grande parte, ele é o produto
de forças naturais, operando no universo desde tempos imemoriais; em
pequena parte, do homo sapiens, aparecido na Terra há cerca de 170 mil anos.
Convencionalmente, entretanto, só a partir de uma dezena de milhares de
anos a nossa espécie é vista como capaz de transformar em profundidade a si
mesma e ao ambiente, quer dizer de fazer história.

 História é uma palavra de origem grega, que significa investigação, informação.


Ela surge no século VI antes da era cristã. Para nós, seres humanos ocidentais,
a história, como hoje entendemos, iniciou-se na região mediterrânea.

 Heródoto é o primeiro a empregar a palavra no sentido de investigação,


pesquisa. Ele e os primeiros historiadores gregos vão fazer indagações entre
seus contemporâneos, aproveitando para escrever a história, como também,
as tradições orais e os registros escritos. Os cidadãos gregos querem conhecer
a organização de suas cidades-estado, as transformações que elas sofrem.
Percebe-se que, em geral, os historiadores buscam explicações para os
momentos e situações que atravessam as sociedades nas quais vivem.

 Tucídides, outro historiador grego, estuda as guerras do Poloponeso, entre


Esparta e Atenas. Neste sentido, portanto, os historiadores estão ligados à sua
realidade mais imediata, espelhando preocupação com questões do momento,
não vemos mais uma preocupação com questões com uma origem distante,
remota, como existia nos mitos.

 A Idade Média é um período em que se vê associada à predominância da fé


católica, uma enorme credulidade geral. Acreditava-se em lendas fantásticas,
no paraíso terrestre, na pedra filosofal, no elixir da vida eterna, em cidades
todas de ouro.

 Na Idade Média houve a formação da civilização europeia ocidental, com sua


afirmação de identidade e pertencimento a grupos distintos, nações diversas
em sua origem geopolítica e cultural. É este um período muito importante
para nós, pois somos, em grande parte e através de muitas vias identitárias,
herdeiros dessa civilização.
61
 Durante o Renascimento, a cultura europeia ocidental, desprezando os dez
séculos medievais, procura retomar a antiguidade greco-romana, seus valores,
sua arte, sua investigação filosófica e histórica. A história neste período terá um
valor imenso, sobretudo com a preocupação primordial com os textos antigos
e por sua exatidão, com a pesquisa e a formação de coleções de moedas, objetos
de arte, de inscrições antigas.

 No século XVIII, em uma sociedade em plena transformação, com a


desestruturação final do sistema feudal e o avanço da ordem burguesa, surge
o iluminismo, corrente filosófica que procura mostrar a história como sendo o
desenvolvimento linear progressivo e ininterrupto da razão humana.

 É na França que ocorrem as primeiras transformações da história. Na década


de 1930, trabalhos com uma nova concepção da história começam a ser
publicados na revista Anaes de História Econômica Social, cujo primeiro número
é publicado em janeiro de 1929. Esse grupo ficou conhecido como escola
francesa ou escola de Annales, seus grandes iniciadores foram Marc Bloch e
Lucien Febrev. Aceitam uma história total, que veja os grupos humanos sob
todos os aspectos e, para tal, uma história que esteja aberta às outras áreas do
conhecimento humano.

 A tendência marxista foi marcante a partir do fim da década de 1970 e ainda


permanece como base da organização de conteúdos de várias propostas
curriculares e de obras didáticas. O denominado materialismo histórico
serviu de base para elaboração de diversos materiais didáticos, condição
que consolidou a organização de conteúdos da história das sociedades. Em
decorrência dos debates entre os marxistas, houve uma renovação importante
sobre a concepção de poder. Este era entendido sempre em suas relações com
o Estado, e os novos estudos passaram a se preocupar com outras esferas de
lutas e dominação.

 Paralelamente às duas correntes, a marxista e a nova história, no decorrer dos


anos de 1980 muitos historiadores se aproximaram dos sujeitos e objetos da
Antropologia (ciência que estuda a cultura humana). O encontro da História
com a Antropologia foi significativo para a própria noção de história, cuja
existência se iniciava, segundo a maioria das obras didáticas, apenas após a
invenção da escrita. Os povos ágrafos (sem escrita), esquecidos ou anulados
pela história das civilizações, como é o caso das populações indígenas e
africanas, foram incorporados à historiografia, o que obrigou os historiadores
a recorrer a novos métodos de investigação histórica, introduzindo novas
fontes de importância fundamental em suas pesquisas.

 Não se pensa mais a história dos seres humanos como algo absoluto, objetivo,
que está tudo pronto e basta buscar o assunto para compor a história. A partir
do que determinado objeto ficou representado, o historiador, por sua vez,
elabora sua própria representação, a história se faz com documentos e fontes,
imaginação e ideias.

62
AUTOATIVIDADE

1 A história, como as outras formas de conhecimento da realidade, está sempre


se constituindo: quais as características principais do conhecimento que ela
constrói?

a) ( ) Perfeito e acabado.
b) ( ) Perfeito e inacabado.
c) ( ) Imperfeito e acabado.
d) ( ) Imperfeito e nunca acabado.

2 De acordo com o historiador Bodei, o que designa o vocábulo história?

a) ( ) Uma exclamação em forma de narração, sob fatos que se presumem


ocorridos e que vêm confiados à memória ou a documentos.
b) ( ) Uma sentença em forma de solicitação, sob fatos que se presumem
ocorridos e que vêm confiados à memória ou a documentos.
c) ( ) Uma afirmativa em forma de narração, sob fatos que se presumem
ocorridos e que vêm confiados à memória ou a documentos.
d) ( ) Uma indagação em forma de narração, sob fatos que se presumem
ocorridos e que vêm confiados à memória ou a documentos.

3 O que pesquisou Tucídides, outro historiador grego, que tem seu foco
principal de investigação histórica?

a) ( ) Distribuição de riquezas do Povo Grego.


b) ( ) No cotidiano das famílias gregas.
c) ( ) Na pesquisa e investigação do modo de viver e ser helenístico.
d) ( ) Estudo das guerras do Poloponeso, entre Esparta e Atenas.

4 Escola histórica que apresenta as seguintes características: vê os grupos


humanos sob todos os aspectos e, para tal, uma história que esteja aberta às
outras áreas do conhecimento humano. De que escola estamos falando?

a) ( ) Marxista.
b) ( ) Positivista.
c) ( ) Antropológica.
d) ( ) Francesa ou de Annales.

63
64
UNIDADE 2 TÓPICO 3

MÉTODOS EM HISTÓRIA

1 INTRODUÇÃO
Após estudarmos, nos tópicos 1 e 2, um pouco da História como
ciência e disciplina, no terceiro tópico escreveremos acerca dos procedimentos
metodológicos na disciplina de História, ou seja, abordaremos de forma breve,
mas consistente, os principais métodos de investigação e aprendizagem dentro da
disciplina escolar denominada História: o método tradicional, o método dialético
e o método da complexidade.

Entende-se por método o caminho pelo qual se atinge um fim. Alguns


pensadores, como Descartes, Spinoza, Hegel, entre outros, estudaram atentamente
os problemas do método, porque estavam empenhados em descobrir o meio mais
racional (uso da razão, da lógica) para atingir a verdade.

Um dos vilões do ensino de História parece ser o método conhecido


como tradicional, embora seja pouco explicitado e definido concretamente. Pode-
se entender o método tradicional, que tem sido criticado desde o fim do século
XIX (quando a História passa a ser reconhecida enquanto ciência), como aquele
que conduz o aluno a simplesmente aprender de cor os conteúdos. Entretanto, o
método tradicional em História é somente isso? Veremos adiante suas possíveis
interpretações.

2 MÉTODO TRADICIONAL EM HISTÓRIA


Como já estudamos anteriormente, o mundo ocidental, colonizado pelos
europeus, sofreu uma forte influência no seu modo de ver e viver o mundo. De
um lado, a visão positivista ou tradicional, que visualiza o mundo como uma
imensa máquina com diversas peças, em que tudo é movimentado perfeitamente,
basta você se encaixar nesta imensa máquina.

Por outro lado, o mundo é construído na história humana a partir das


lutas de classes ou de diferentes visões, que lutam entre si em permanente
movimento, possibilitando um mundo dinâmico e incompleto, conhecido como
visão dialética da história.

65
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

E, por último, uma terceira via que não é proveniente do mundo europeu,
que diz: tudo está em todos e todos estão no tudo, a visão da complexidade, da
abordagem holística, proveniente do mundo oriental.

O início dessa discussão de mundo foi com os pensadores positivistas


preocupados em dar um caráter mais científico para as ciências humanas.
Esse modelo de ensino e ciência ficou conhecido como método tradicional. De
acordo com Bins (1990), o método positivista ou tradicional se caracteriza pela
negação de que o fenômeno humano tenha qualquer coisa de especial. Homem
e sociedade pertencem à natureza e, como tais, devem ser estudados: há um só
método científico que se ajusta, conforme o caso, às peculiaridades do objeto
estudado. Esse ponto de vista implica que os valores do investigador não devem
interferir na definição do que é a verdadeiro. A verdade é a correspondência com
os fatos e não aquilo que o investigador julga que deva ser. O naturalismo do
método positivista ou tradicional estimulou as comparações entre sociedades e as
entidades vivas. Assim surgiu o organicismo, que via na sociedade um fenômeno
semelhante aos corpos biológicos. Existiriam órgãos especializados: circulatórios
(estradas, ferrovias), de comunicação (telégrafos), respectivamente, relacionados
aos sistemas vascular e nervoso.

Ao descrever o método tradicional, tanto professores como alunos,


geralmente o associam ao uso de determinado material pedagógico ou aulas
expositivas. Existe uma ligação entre o método tradicional e o uso de quadro,
giz e livro didático. Em decorrência da utilização desse material, o aluno recebe
de maneira passiva uma carga de informações que, por sua vez, passam a ser
repetidas mecanicamente de forma oral ou por escrito, com base naquilo que
foi copiado no caderno ou respondido nos exercícios propostos pelos livros
didáticos. De certa maneira esse método apresenta a História como sendo aquela
disciplina escolar que exige do aluno apenas saber de cor nomes e datas de fatos
e personagens ilustres.

O método tradicional é, de acordo com Cordeiro (2000), fundado em uma


relação autoritária entre professor e aluno, que, por sua vez, está inserida em uma
hierarquia de saber mais ampla, que vai desde a universidade, passando pelo livro
didático e pelos professores de Educação Infantil até o Ensino Médio, até chegar
ao aluno, mero receptor de um conhecimento que aparece para ele já pronto e
acabado (ver a leitura complementar). Nesse sentido, Freire (2002, p. 58) cita que
uma educação tradicional, muitas vezes, funciona como um banco, ou seja:

Uma das características desta educação dissertadora é a sonoridade


da palavra e não sua força de transformação [...] a narração, de que o
educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica
do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em
vasilhas, em recipientes a serem enchidos pelo educador. Quanto
mais vai enchendo os recipientes com seus depósitos, tanto melhor
o educador será. [...] Na visão bancária da educação, o saber é uma
doação dos que se julgam sábios aos que nada sabem. [...] A rigidez
destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de
busca.

66
TÓPICO 3 | MÉTODOS EM HISTÓRIA

A história, que tem como base o método tradicional, muitas vezes inculca
nas cabeças dos alunos que a solução para os problemas ou a busca da verdade
passa por um líder, muitas vezes conhecido como herói ou santo, místico. Um
método histórico assim está a favor de quem? Para que ele foi e é usado esse
método? Se você perceber, caro(a) acadêmico(a), o método que usar em suas
aulas de História, será um dos elementos mais importantes para que o ensino e
aprendizagem possam acontecer. A pergunta que se faz neste momento é: Qualquer
método? Ou perguntando de outra forma: Usar qualquer método em qualquer
realidade? Ou não seria usar métodos que possibilitem, naquela realidade que
estou vivenciando, uma melhor qualidade de ensino-aprendizagem?

3 A CONCEPÇÃO BANCÁRIA DA EDUCAÇÃO COMO


INSTRUMENTO DA OPRESSÃO, SEUS PRESSUPOSTOS, SUA
CRÍTICA

A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à


memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os
transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador.
Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus depósitos, tanto melhor
educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores
educandos serão. Desta maneira a educação se torna um ato de depositar, em
que os educandos são os depositários e o educador o depositante. Em lugar de
se comunicar, o educador faz comunicado e depósitos que os educandos, meras
incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis a concepção
“bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos
educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. [...] Na
visão bancária da educação, o saber é uma doação dos que se julgam sábios
aos que julgam nada saber. Doação que se funda em uma das manifestações
instrumentais da ideologia da opressão, a absolutização da ignorância, que
constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se
encontra sempre no outro. O educador, que aliena a ignorância, se mantém em
posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos
serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o
conhecimento como processos de busca. [...] refletindo a sociedade opressora,
sendo dimensão da cultura do silêncio, a educação bancária mantém e estimula
a contradição, daí, então, que nela: a) o educador é o que sabe; os educandos,
os que são educados; b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não
sabem; c) o educador é o que pensa que sabe; os educandos, os pensados; d) o
educador é o que diz a palavra; os educandos, os que escutam docilmente; e)
o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; f) o educador é
o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam,
na atuação do educador; h) o educador escolhe o conteúdo programático, os
educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; i) o educador

67
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que se opõe


antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem se adaptar às
determinações daquele; j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os
educandos, meros objetos. [...] Na verdade o que pretendem os opressores é
transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime, e
isto para que, melhor, adaptando-os a esta situação, melhor os dominem. Para
isto se servem da concepção e da prática bancária da educação, a que juntam
toda uma ação social de caráter paternalista, em que os oprimidos recebem o
nome simpático de “assistidos”. São casos individuais, meros marginalizados,
que discrepam da fisionomia geral da sociedade. [...] Na verdade, porém, os
chamados marginalizados, que são os oprimidos, jamais estiveram fora de.
Sempre estiveram dentro de. Dentro da estrutura que os transforma em “seres
para outro”. Sua solução, pois, não está em “integrar-se”, em “incorporar-se” a
esta estrutura que os oprime, mas em transformá-la para que possam fazer-se
“seres para si” (FREIRE, 2002, p. 57-61).

4 MÉTODO DIALÉTICO
As críticas sobre o método tradicional levaram os educadores, no fim da
década de 60 do século XX, a dar maior ênfase a esse aspecto e a renovação do ensino
recaiu assim nas questões metodológicas. No decorrer dos anos 70, as inovações
nas técnicas educacionais foram tidas como sinônimos de métodos de ensino
inovadores. Assistiu-se ao crescimento do uso de audiovisuais para as áreas de
ciências humanas. Não há dúvida de que tais recursos precisavam ser introduzidos
na escola, mas não podiam ser utilizados sem que fosse repensada a concepção
de método de ensino e verificar se o computador, o filme e outros instrumentos
pedagógicos não reproduziam o tão criticado método tradicional de ensino.

O modo de entender a História, a partir do método dialético, resultou de


uma crise da concepção que a dominava no século XIX e até ao final da década
de 70 do século XX. Crise centrada apenas em nível conceitual, mas que também
incluía a revisão dos critérios fundamentais da metodologia de investigação. O
método dialético caracteriza-se pelo objetivo de elaborar uma história total que
supere o velho conceito tradicional do predomínio de um único fator. Por outro
lado, já ninguém nega que a obtenção de uma autêntica compreensão do processo
histórico torna indispensável a investigação das relações econômico-sociais, isto
é, já não se discute a necessidade de tomar em consideração a base material que
dá base às atividades humanas.

Uma das críticas mais pertinentes sobre os métodos tradicionais focaliza


a insuficiência deles na formação intelectual ou no desenvolvimento do espírito
crítico dos alunos. O ensino de História tem-se caracterizado pelo uso do método
dedutivo/indutivo, em um movimento que parte do geral para o particular ou vice-
versa, apresentando, de forma questionável, os conteúdos históricos ordenados
do mais próximo ao mais distante, quanto ao espaço, e do mais distante ao mais
próximo, quanto ao tempo.
68
TÓPICO 3 | MÉTODOS EM HISTÓRIA

Uma questão que tem sido debatida é a possibilidade de introdução do


método dialético no ensino de História e das demais disciplinas escolares. O
método dialético corresponde a um esforço para o progresso do conhecimento
que surge no confronto de teses opostas. O confronto de teses opostas possibilita
a elaboração da crítica.

O método dialético atribui primazia às contradições por estas serem


inerentes ao pensamento humano e manifestarem-se em toda parte e a cada
instante. O pensamento humano não pode apreender, ao mesmo tempo, todos
os aspectos de uma coisa, mas tem de romper o conjunto para compreendê-lo.
A análise, ou seja, a decomposição dos elementos, faz-se pelo pró e contra, o sim
e o não, e as contradições fornecem a possibilidade de perceber não apenas os
múltiplos aspectos, mas também os aspectos mutáveis e antagônicos. Muitos
estudiosos, especialmente os filósofos, destacando-se o alemão Karl Marx (1818-
1883), dedicaram-se às explicações do método dialético. Para Marx e Engels (1992),
a História não é fruto do Espírito Absoluto, mas é fruto do trabalho humano
(ação humana de transformar sua realidade). São os homens, interagindo para
satisfazer suas necessidades, que desencadeiam o processo histórico. Para eles o
estudo da sociedade deve começar sempre pela sua economia, vida material do
homem, que é o elemento que condiciona todo o desenvolvimento da vida social,
política e intelectual. Para eles a dimensão econômica da sociedade denomina-
se infraestrutura, e afirmam que a infraestrutura é a base da sociedade. Sobre
essa base, é que está construída a estrutura política e a estrutura ideológica da
sociedade, que são chamadas de superestrutura.

Para Marx, a infraestrutura e a superestrutura constituem o que ele chama


de modo de produção. Com esta teoria, Marx e Engels (1992) criaram um novo jeito
de interpretar a história. Para os autores, as sociedades se transformam quando os
homens alteram o modo de produzir. É por essa razão que a teoria de sociedade
marxista é chamada de materialismo histórico. Analisando a infraestrutura da
sociedade ao longo da história, Marx e Engels (1992) elaboraram um esquema
de evolução da sociedade ocidental, mostrando como as modificações das forças
produtivas alteravam as relações de produção (classes sociais) e também produziam
novas classes dominantes e novas formas de enxergar a realidade (ideologias).

NOTA

Para entender melhor, caro(a) acadêmico(a), ainda segundo Marx e Engels (1992):
a sociedade humana é fruto de três elementos importantes, a saber: ideologias, condições
materiais e relações de poder. Esse conjunto de três elementos fundamenta a base social
humana, por meio das normas, leis, preceitos, textos sagrados, fábulas, mitos, construídos
para sustentar as verdades dos grupos que dominam as relações existentes. Por meio das
instituições, como por exemplo, a Religião, a Educação, a Política, a Cultura e a Economia,
essas verdades são proclamadas, mas qual é a base que impulsiona essas instituições? Para
Marx e Engels (1992) é a economia, pois a partir da economia, ou seja, o modo de produção,
é que vai ser configurada a sociedade que temos.

69
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

Nesse sentido, percebe-se que esse método caracteriza a prática social e a


história como princípios para se chegar ao conhecimento. Pois bem, empreender
um processo educativo, implementando a concepção dialética, significa colocar
em prática uma determinada teoria do conhecimento. Toda ação educativa é um
processo de descobrimento, criação e recriação de conhecimentos. Baseando-se
nessa concepção metodológica, podemos citar que:

 a prática social é a fonte dos conhecimentos;


 a teoria está em função do conhecimento científico da prática e serve de guia
para a ação transformadora social;
 a prática social é o critério de verdade e o fim último de todo o processo de
conhecimento.

Um ponto inicial, ao se propor a introdução do método dialético no


ensino de História, é identificar o objeto de estudo para os alunos e situá-los como
um problema (com prós e contras) a ser desvendado com a utilização da análise
(a decomposição dos elementos), para posteriormente esse objeto voltar a ser
entendido como um todo. A formulação do problema sobre o objeto de estudo
inicia o processo que faz com que surjam novas perguntas ou novos obstáculos
e se busquem as variáveis para obter as respostas (ou possíveis respostas); é pela
dialética entre acerto e erro que se forma o pensamento científico e se possibilita
a constituição de uma forma crítica sobre o objeto estudado ou o fenômeno que
se está estudando.

Educadores como Paulo Freire também destacaram a constituição de


um método dialético baseado no diálogo. A base do método dialético dialógico
reside na aquisição social do conhecimento, conhecer nesse sentido é um evento
social, ainda que com dimensões individuais. No caso de uma situação de aula,
o princípio básico é o de que o conhecimento não pode ser posse do professor. O
professor, no método dialético, conhece mais sobre o objeto de estudo quando o
curso começa, mas reaprende o conteúdo mediante o processo de estudá-lo com
os alunos.

5 MÉTODO DA COMPLEXIDADE
A era planetária vem provocando um caos geral nas relações sociais de
difícil superação. Joga a irreversibilidade da vida nos porões de um progresso
comandado pelas tecnologias de informação e da comunicação, convertidas
em paradigmas determinantes. O despertar de uma sociedade mundo,
verdadeiramente digna desse nome, exige o repensar de uma nova sociedade,
em que o ideal desejável seja aquele no qual o ser humano busque uma cidadania
planetária, ou seja, em que todos nós somos filhos de um mesmo e único cosmo. É
mais do que óbvio que a educação tem papel crucial nessa mudança de paradigma.

70
TÓPICO 3 | MÉTODOS EM HISTÓRIA

A escola, fundamental ou superior, profissionalizante ou humanista,


sempre responsável pela criação e transmissão de conhecimentos, aparece
como um recurso cívico vital para superar a generalização do mal-estar de
uma arrogante hipermodernidade que nega as pulsações de vida. Acontece que
a educação padece dos males desse processo mais amplo. Acometidos pelos
dualismos impostos pelo grande paradigma do ocidente, cartesiano, os saberes
se fragmentam a tal ponto que, qualquer tentativa de reforma do pensamento,
empenhada em religá-los, passa a ser entendida como uma ameaça ao poder
intelectual, à especialização local, às regras do método. Se a proposta de um
método aberto encontra eco necessariamente na força cognitiva dos operadores
dialógicos e holísticos, a consciência do inacabamento e a emergência de
reorganizações devem perseguir o sujeito pensante, uno e múltiplo.

Com isso, o ensino, a pesquisa e a aprendizagem convertem-se em


estratégias ou método, caminhos para uma nova modalidade de entendimento
da realidade, que não nega a parte e nem absolutiza o todo, mas os coloca em
um circuito retroalimentado pela inseparabilidade da onda e do corpúsculo, da
criatividade e da repetição, da arte e da ciência, da prosa e da poesia, da vida e
da morte.

O crescente interesse dos educadores pelo método da complexidade,


sobretudo, do pensamento do filósofo Edgar Morin (um dos grandes divulgadores
do método e do pensamento complexo), deve-se em grande parte à profundidade
da dimensão da crise educacional que estamos vivendo. Não é uma crise que se
explique somente em termos financeiros, há uma crise de sentido, que se amplia
em função da crescente complexidade e incerteza que dominam a própria vida.

O avanço da ciência e da tecnologia não foi e nem está sendo seguido


de avanços no plano existencial ético. As guerras e a violência se alastram e se
instauram em ambientes que, há alguns anos, não poderíamos imaginar. Tal caso
é a violência escolar, ao tradicional quadro de repetências e evasões, acrescentam-
se as violências físicas e simbólicas, as drogas, a AIDS. Ao meio dessas incertezas, a
escola, ao que parece, sente-se cada vez mais impotente. Em um plano mais amplo,
assiste-se hoje um verdadeiro culto ao mercado financeiro e de mercadorias, em
que a capacidade de competir sobressai como virtude e competência, ocultando
e deixando à margem necessidades humanas básicas, universais e essenciais à
construção da dignidade humana.

Nessa mesma perspectiva, para o brasileiro Boff (2004), a crise seria um


processo generalizado que afeta a humanidade e se revela pelo descuido com
que se tratam realidades importantes da vida: a natureza, os milhões e milhões
de crianças condenadas a trabalhar como adultos, os aposentados, os idosos, a
alimentação básica, a saúde pública e a educação mínima.

71
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

NOTA

Prezado(a) acadêmico(a): é nesse quadro desolador e de perplexidades que o


pensamento complexo ou o método da complexidade (para alguns pesquisadores, denomina-
se método holístico), que se adquire forças e se insere com lucidez por entre veredas e
caminhos tortuosos, lançando, por uma nova ótica, rotas de alternativas restauradoras de
sentido para a educação e para a própria vida em sociedade.

Resumindo, o método da complexidade proporciona à educação a


possibilidade de trabalhar novos enredos, cujos atores, professores, alunos, pais,
mães, responsáveis, líderes comunitários possam visualizar o projeto escolar e
o projeto educativo de forma mais ampla possível, interações e convergências,
sentidos e a necessidade de uma construção coletiva e participativa, sem a qual
dificilmente se poderá perceber e entender a dimensão holística do processo.

Passamos a ver, a partir da obra de Morin (2003), o que seria de fato esse
método. O método da complexidade é obra de seres inteligentes, que ensaiam
estratégias para responder incertezas, portanto, aquilo que serve para aprender
e, ao mesmo tempo, é aprendizagem, é aquilo que nos permite conhecer o
conhecimento. Por essas razões, é possível afirmar que todo discurso do método
é um discurso de circunstâncias, não existe um método fora das condições em que
se encontra o sujeito. O método da complexidade não parte de crenças seguras
de si mesmas, aprendidas e encarnadas, como adversários que se alimentam de
nossa sede de certezas e da ambição de conhecimentos absolutos e inalteráveis.
O método é o que ensina a aprender. É uma viagem que não se inicia com um
método, inicia-se com a busca do método.

O pensamento complexo propõe um caminho (método) no qual se põem


à prova certas estratégias que se revelarão frutíferas ou não no próprio caminhar
dialógico. O método complexo é um estilo de pensamento e de aproximação da
realidade. Nesse sentido, ele gera sua própria estratégia inseparável da participação
inventiva daqueles que o desenvolveram. Não é apenas uma estratégia do sujeito,
é também uma ferramenta geradora de suas próprias estratégias. O método da
complexidade ajuda-nos a conhecer e é também conhecimento.

A educação deve compreender que existe uma relação inviolável entre a


cultura humana e a produção do conhecimento, relação que ilumina as dinâmicas
do conhecer e do poder. Poderia assim compreender que a complexidade humana
mostra um ser biocultural: sapiens/demens e não somente homo sapiens/sapiens.
A concepção teórica do ser humano cultural que nega a realidade biológica
do homem, bem como a visão biológica que acredita que a cultura humana é
determinada pela biologia, são descendentes de um pensamento redutor,
simplificador e logicamente excludente. Como também é o pensamento daqueles

72
TÓPICO 3 | MÉTODOS EM HISTÓRIA

que crêem que tudo é determinista ou que tudo é aleatório. Uma educação que
tem como objetivo uma concepção complexa da realidade e que efetivamente
conduzisse a ela, estaria colaborando com os esforços que visam atenuar a
crueldade do mundo.

LEITURA COMPLEMENTAR

A CONTRIBUIÇÃO DAS CIÊNCIAS HUMANAS

Edgar Morin

Paradoxalmente, são as ciências humanas que, no momento atual,


oferecem a mais fraca contribuição ao estudo da condição humana, precisamente
porque estão desligadas, fragmentadas e compartimentadas. Essa situação
esconde inteiramente a relação indivíduo/espécie/sociedade, e esconde o próprio
ser humano. Tal como a fragmentação das ciências biológicas anula a noção de
vida, a fragmentação das ciências humanas anula a noção do homem. Assim,
Lévi-Strauss acreditava que o fim das ciências humanas não é revelar o homem,
mas dissolvê-lo em estruturas.

Seria preciso conceber uma ciência antropossocial religada, que concebesse


a humanidade em sua unidade antropológica e em suas diversidades individuais
e culturais. A espera dessa religação, desejada pelas ciências, mas ainda fora de
seu alcance, seria importante que o ensino de cada uma delas fosse orientado para
a condição humana. [...] Quanto à contribuição da História para o conhecimento
da condição humana, ela deve incluir o destino, a um só tempo, determinado e
aleatório da humanidade. Todas as consequências sairiam da conscientização de
que a História não obedece a processos deterministas, não sujeita a uma inevitável
lógica técnico-econômica, ou orientada para um progresso imprescindível. A
História está sujeita a acidentes, perturbações e, às vezes, terríveis destruições
de populações ou civilizações em massa. Não existem leis da História, mas um
diálogo caótico, aleatório e incerto, entre determinações e forças de desordem,
e um movimento, às vezes rotativo, entre o econômico, o sociológico, o técnico,
o mitológico, o imaginário. Não há um progresso prometido; em contrapartida,
podem advir progressos, mas devem ser incessantemente reconstruídos, nenhum
progresso é conquistado para todo o sempre.

A História ainda que esvaziada por algum tempo de noção de


acontecimento, de acaso e de grandes homens, enriqueceu-se em profundidade.
Assim, a tendência ilustrada, cujo exemplo, na França, é a École dês Annales, teve a
virtude, não de se livrar do acontecimento e do eventual, como pensava, mas de
se tornar multidimensional, integrando o substrato econômico e técnico, a vida
quotidiana, as crenças e ritos, os comportamentos diante da vida e da morte. Mal
começa a reconhecer o acontecimento e o eventual, que foram reencontrados há
trinta anos, paradoxalmente, na Cosmologia, na Física e na Biologia.

73
UNIDADE 2 | A NOVA HISTORIOGRAFIA

Assim, todas as disciplinas, tanto das ciências naturais como das ciências
humanas, podem ser mobilizadas, hoje, de modo a convergir para a condição
humana.

FONTE: Morin, (2002, p.41-43)

As metodologias da disciplina de história levaram à construção de


alguns mitos. São eles: 

• História é decoreba: a concepção de Educação que está por trás disso é a de


que a aprendizagem se dá pela repetição da fala do professor ou do conteúdo
do material didático. Grande equívoco. 
• Não é preciso memorizar: em reação contrária à ideia anterior, alguns
educadores defenderam que não era preciso decorar nada. Porém, saber
datas e nomes ajuda a relacionar os fatos. Memorizar significativamente é
diferente de decoreba. 
• Uma lição de moral: a História nasce como disciplina escolar no Brasil em
um contexto de criação da identidade nacional. Daí a ideia de que ela serviria
para incutir princípios e valores nacionalistas. 
• Um fato depois do outro: não se sustenta a ideia de que para entender um
período é preciso estudar o que veio antes dele. O aluno aprende com base
em questões do presente, relacionando ao passado o que lhe é mais próximo. 
• Existe apenas uma verdade: de inspiração positivista, esse mito parte da ideia
de que os documentos oficiais e os fatos políticos são os fiéis guardadores
da realidade. A ideia foi sendo derrubada ao longo do século 20, quando
os historiadores, recorrendo a outras fontes documentais, descobriram
diferentes interpretações sobre períodos e fatos.

FONTE: Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/1791/o-que-ensinar-em-historia>.
Acesso em: 22 abr. 2018.

74
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você viu que:

 Método é o caminho pelo qual se atinge um fim. Alguns pensadores, como


Descartes, Spinoza, Hegel, entre outros, estudaram atentamente os problemas
do método, porque estavam empenhados em descobrir o meio mais racional
(uso da razão, da lógica) para atingir a verdade.

 O método positivista ou tradicional se caracteriza pela negação de que o


fenômeno humano tenha qualquer coisa de especial. Homem e sociedade
pertencem à natureza e, como tais, devem ser estudados: há um só método
científico que se ajusta, conforme o caso, às peculiaridades do objeto estudado.
Esse ponto de vista implica que os valores do investigador não devem interferir
na definição do que é verdadeiro. A verdade é a correspondência com os fatos
e não aquilo que o investigador julga que deva ser.

 O método dialético atribui primazia às contradições por estas serem inerentes


ao pensamento humano e manifestarem-se em toda parte e a cada instante. O
pensamento humano não pode apreender, ao mesmo tempo, todos os aspectos
de uma coisa, mas tem de romper o conjunto para compreendê-lo. A análise,
ou seja, a decomposição dos elementos faz-se pelo pró e contra, o sim e o não, e
as contradições fornecem a possibilidade de perceber não apenas os múltiplos
aspectos, mas também os aspectos mutáveis e antagônicos. Muitos estudiosos,
especialmente os filósofos, destacando-se o alemão Karl Marx (1818-1883),
dedicaram-se às explicações do método dialético.

 O pensamento complexo propõe um caminho (método) no qual se põem à


prova certas estratégias que se revelarão frutíferas ou não no próprio caminhar
dialógico. O método complexo é um estilo de pensamento e de aproximação
da realidade. Nesse sentido, ele gera sua própria estratégia inseparável da
participação inventiva daqueles que o desenvolveram. Não é apenas uma
estratégia do sujeito, é também uma ferramenta geradora de suas próprias
estratégias. O método da complexidade ajuda-nos a conhecer e é também
conhecimento.

 Paradoxalmente, são as ciências humanas que, no momento atual, oferecem a


mais fraca contribuição ao estudo da condição humana, precisamente porque
estão desligadas, fragmentadas e compartimentadas. Essa situação esconde
inteiramente a relação indivíduo/espécie/sociedade, e esconde o próprio ser
humano. Tal como a fragmentação das ciências biológicas anula a noção de
vida, a fragmentação das ciências humanas anula a noção do homem. Assim.
Lévi-Strauss acreditava que o fim das ciências humanas não é revelar o homem,
mas dissolvê-lo em estruturas.

75
AUTOATIVIDADE

1 Método é o caminho pelo qual se atinge um fim. Alguns pensadores, como


Descartes, Spinoza, Hegel, entre outros, estudaram o método. Qual o motivo
principal que levaram os pensadores a estudar atentamente os problemas
do método?

a) ( ) Estavam empenhados em descobrir uma nova ciência.


b) ( ) Queriam ter seus nomes divulgados, enquanto principais cientistas
dessa pesquisa.
c) ( ) Precisavam de apoio dos filósofos e cientistas para continuarem suas
pesquisas.
d) ( ) Estavam empenhados em descobrir o meio mais racional (uso da razão,
da lógica) para atingir a verdade.

2 Método que se caracteriza pela negação de que o fenômeno humano tenha


qualquer coisa de especial. Homem e sociedade pertencem à natureza e,
como tais, devem ser estudados: há um só método científico que se ajusta,
conforme o caso, às peculiaridades do objeto estudado.

a ( ) Método dialético.
b) ( ) Método marxista.
c) ( ) Método complexo.
d) ( ) Método tradicional.

3 O método dialético surge no cenário histórico mundial em virtude de uma


forte crise instalada pelo método tradicional. Essa crise se caracterizou por:

a) ( ) O método tradicional focalizava a insuficiência na formação intelectual


ou no desenvolvimento do espírito crítico dos alunos.
b) ( ) O método tradicional atribuiu primazia às contradições por estas
serem inerentes ao pensamento humano e manifestarem-se em toda parte
e a cada instante. O pensamento humano não pode apreender, ao mesmo
tempo, todos os aspectos de uma coisa, mas tem de romper o conjunto para
compreendê-lo.
c) ( ) A proposta de um caminho (método) no qual se põem à prova certas
estratégias que se revelarão frutíferas ou não no próprio caminhar dialógico.
d) ( ) Crise da concepção que dominava o século XIX e até o final da década
de 70 do século XX. Crise centrada apenas em nível conceitual, mas que
também incluía a revisão dos critérios fundamentais da metodologia de
investigação.

76
4 A partir do pensamento que são as ciências humanas que, no momento
atual, oferecem a mais fraca contribuição ao estudo da condição humana,
Lévi-Strauss acreditava que:

a) ( ) A História, ainda que esvaziada por algum tempo de noção de


acontecimento, de acaso e de grandes homens, enriqueceu-se em
profundidade.
b) ( ) O fim das ciências humanas não é revelar o homem, mas dissolvê-lo em
estruturas.
c) ( ) A educação deve compreender que existe uma relação inviolável entre
a cultura humana e a produção do conhecimento.
d) ( ) Todas as disciplinas, tanto das ciências naturais como das ciências
humanas, podem ser mobilizadas, hoje, de modo a convergir para a condição
humana.

77
78
UNIDADE 3

ABORDAGENS CURRICULARES NO
ENSINO DE HISTÓRIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta Unidade, o(a) acadêmico(a) estará apto(a) a:

• perceber as diferentes concepções de currículo em História;

• identificar os diversos métodos usados em História;

• conhecer as novas abordagens em História a partir do século XXI.

PLANO DE ESTUDOS
Esta Unidade está dividida em três tópicos, sendo que no final de cada um
deles você encontrará atividades que o(a) ajudarão a refletir e a fixar os co-
nhecimentos abordados.

TÓPICO 1 – CURRÍCULO EM HISTÓRIA

TÓPICO 2 – HISTÓRIA ORAL, HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL

TÓPICO 3 – A HISTÓRIA NO SÉCULO XXI

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80
UNIDADE 3
TÓPICO 1

CURRÍCULO EM HISTÓRIA

1 INTRODUÇÃO
A questão central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do
currículo é a de saber qual o conhecimento que deve ser ensinado. Nas discussões
que envolvem currículo, a pergunta “o que” nunca está separada de uma pergunta
importante, “o que eles ou elas devem ser”, ou melhor, “o que eles ou elas devem
se tornar”.

Na verdade, de alguma forma essa pergunta precede a pergunta “o que”,


na medida em que as teorias do currículo deduzem o tipo de conhecimento
considerado importante, justamente a partir de descrições sobre o tipo de
pessoa que elas consideram “ideal”. Qual o tipo de ser humano desejável para
determinado tipo de sociedade? Será a pessoa racional e ilustrada do ideal
humanista da educação? Será a pessoa otimizadora e competitiva dos atuais
modelos neoliberais da educação? Serão as pessoas ajustadas aos ideais de
cidadania do modelo estado-nação? Será a pessoa desconfiada e crítica dos
arranjos sociais existentes, preconizadas pelas teorias críticas?

A cada um desses “modelos” de ser humano corresponderá um tipo de


conhecimento, um tipo de currículo. No fundo das teorias do currículo está, pois,
uma questão de identidade ou de subjetividade. Se recorrermos à etimologia da
palavra currículo, que vem do latim, curriculum, “pista de corrida”, podemos
dizer que, no curso dessa corrida, é o currículo que nos transforma no que somos.
Precisamos, portanto, conhecer a origem e as teorias curriculares existentes.

2 TEORIAS TRADICIONAIS
O currículo aparece pela primeira vez como um objeto de estudo e
pesquisa, nos Estados Unidos, pelo ano de 1920, em conexão com o processo de
industrialização e os movimentos imigratórios, que intensificaram a massificação
da escolarização. Houve uma iniciativa, por parte de administradores
educacionais, para racionalizar o processo de construção, desenvolvimento
e testagem de currículos, que resultou em um processo de racionalização de
resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados e medidos.
Essas ideias são originárias, sobretudo, do livro The curriculum (1918), de Bobbitt.
O modelo institucional dessa concepção é a fábrica.

81
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

De acordo com Silva (2002), o livro de Bobbitt é escrito em um momento


crucial da história da educação norte-americana, em um momento em que
diversas forças econômicas, políticas e culturais procuravam moldar os objetivos
e as formas da educação de massas, de acordo com suas diferentes e particulares
visões. Um importante momento que se busca responder questões cruciais sobre
as finalidades e contornos da educação de massa. As respostas de Bobbitt eram
extremamente conservadoras, embora sua intervenção buscasse transformar
radicalmente o sistema educacional. Ele propunha que a escola funcionasse da
mesma forma que qualquer outra empresa comercial ou industrial. O sistema
educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são os seus
objetivos. Esses objetivos, por sua vez, deveriam se basear em um exame daquelas
habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da
vida adulta. O modelo desenvolvido por Bobbitt estava claramente ligado com
a eficiência da economia, o sistema educacional deveria ser tão eficiente quanto
qualquer empresa privada.

Na perspectiva de Bobbitt, a questão curricular se transforma em uma


questão de organização. O currículo é simplesmente uma mecânica. A atividade
supostamente científica do especialista em currículo não passa de uma atividade
burocrática, o currículo se resume a uma questão de desenvolvimento, a uma
questão técnica. O modelo de currículo de Bobbitt iria encontrar sua consolidação
definitiva em um livro de Ralph Tyler, publicado em 1949. O paradigma
formulado por Tyler centra-se em questões de organização e desenvolvimento do
currículo, que deve buscar responder quatro questões básicas. a) Que objetivos
educacionais a escola deve procurar atingir? b) Que experiências educacionais
podem ser oferecidas que tenham probabilidades de alcançar esses propósitos?
c) Como organizar eficientemente essas experiências educacionais? d) Como
podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados?

De acordo com Silva (2002), em termos estritos, apenas a primeira


questão diz respeito a currículo, é precisamente a essa questão que Tyler dedica
a maior parte de seu livro, que identifica três fontes nas quais se devem buscar
os objetivos da educação: a) Estudos sobre os próprios aprendizes. b) Estudos
sobre a vida contemporânea fora da educação. c) Sugestões dos especialistas das
diferentes disciplinas. É apenas através de formulações precisas, detalhadas e
comportamentais dos objetivos que se pode responder às outras perguntas que
constituem o paradigma de Tyler. A decisão sobre quais experiências devem
ser propiciadas e sobre como organizá-las depende dessa especificação precisa
dos objetos estudados. Da mesma forma, é impossível avaliar, sem que se
estabelecessem com precisão quais são os padrões de referência. Os modelos mais
tradicionais de currículo, por sua vez, só iriam ser definitivamente contestados,
a partir de 1970, com o chamado movimento de reconceptualização do currículo.

82
TÓPICO 1 | CURRÍCULO EM HISTÓRIA

3 TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS


Sabemos que o currículo é o recorte do conhecimento humano
acumulado e trabalhado na ação educativa. O conhecimento humano envolve
várias dimensões geralmente referidas como conhecimento científico, cotidiano
e estético. O conhecimento produzido pela espécie humana inclui tecnologia,
a cultura, as práticas culturais e as práticas de trabalho, os vários sistemas
de linguagem, entre outros. Elaborar um currículo até por volta de 1980,
significava, principalmente, descrever conteúdos a serem transmitidos das
áreas do conhecimento, tradicionalmente divididas em linguagem, matemática,
ciências, história, geografia. Essa visão tornou-se problemática com o desafio
de pensar o conhecimento formal e a escolarização em outro prisma, devido ao
desenvolvimento científico, cultural, religioso e político, que a própria sociedade
humana atravessou e atravessa.

Nesse sentido, as teorias críticas e pós-críticas do currículo efetuam


uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais. Como vimos
anteriormente, os modelos tradicionais de currículo não estavam absolutamente
preocupados em fazer qualquer tipo de questionamentos mais radicais aos
arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de conhecimento
ou à forma social vigente. Segundo Silva (2002), ao tomar o status quo como
referência desejável, as teorias tradicionais se concentravam, pois, nas formas de
organização e elaboração do currículo. As teorias críticas desconfiam do status
quo, responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais. As teorias
tradicionais eram teorias de aceitação, ajuste e adaptação. As teorias críticas são
teorias de desconfiança, questionamento e transformação radical. Para as teorias
críticas, o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas
desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz.

Ainda de acordo com Silva (2002), é preciso fazer uma distinção entre
as teorizações críticas mais gerais como, por exemplo, o ensaio de Althusser
sobre a ideologia, ou o livro de Bourdieu e Passeron, “A Reprodução” e, de outro
lado, aquelas teorizações centradas de forma mais localizada em questões de
currículo, como, por exemplo, a nova sociologia da educação. O famoso ensaio
de Althusser, “A Ideologia e os Aparelhos Ideológicos de Estado”, iria fornecer as
bases para as críticas marxistas da educação que se seguiriam. Nesse ensaio, iria
fazer a importante conexão entre educação e ideologia, que seria um importante
elemento para as críticas da educação e do currículo, baseadas na análise marxista
da sociedade.

Para Althusser, além da continuidade das condições de sua produção


material, a sociedade capitalista não se sustentaria se não houvesse mecanismos
e instituições que garantissem que o status quo não fosse contestado. Isso pode
ser conseguido por meio da força ou da ideologia. A produção e disseminação da
ideologia é feita, de acordo com Althusser, pelos aparelhos ideológicos do Estado
e justamente a escola se constitui em um aparelho ideológico central, porque
atinge praticamente toda a população por um período prolongado. A escola

83
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

atua através de seu currículo, seja de forma mais direta, através das matérias
mais suscetíveis ao transporte das crenças explícitas sobre a desejabilidade das
estruturas sociais existentes como História, Geografia, por exemplo, seja de uma
forma mais indireta, através de disciplinas mais técnicas. Além disso, a ideologia
atua de forma discriminatória, ela inclina as pessoas das classes subordinadas à
submissão e à obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem
a comandar e a controlar, ou seja, a escola contribui para a reprodução da
sociedade capitalista ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que
nos fazem ver os arranjos sociais existentes, como bons e desejáveis.

A crítica da escola capitalista, nesse estágio inicial, não ficaria limitada


somente à análise marxista. Os sociólogos franceses Bourdieu e Passeron iriam
desenvolver uma crítica da educação que estava centrada no conceito reprodução.
A dinâmica da reprodução social está centrada no processo de reprodução cultural
e, por meio da cultura dominante, é que a reprodução mais ampla da sociedade
fica garantida. A cultura que tem prestígio social e valor é a cultura dominante
das classes mais elevadas. A escola não atua pela inculcação da cultura dominante
às crianças e jovens das classes dominadas, mas, ao contrário, por um mecanismo
que acaba por funcionar como um mecanismo de exclusão. O currículo da escola
está baseado na cultura dominante, ele se expressa na linguagem dominante, ele
é transmitido através do código cultural dominante.

As crianças das classes dominantes podem facilmente compreender esse


código, pois, durante suas vidas, elas estiveram imersas o tempo todo, nesse
código. Ao passo que, para as crianças das classes dominadas, esse código é
simplesmente indecifrável, como uma linguagem estrangeira e incompreensível.
As crianças e jovens das classes dominadas só podem encarar o fracasso, ficando
pelo caminho, têm sua cultura nativa desvalorizada e, em contrapartida, seu
capital cultural, que já é extremamente baixo, não sofre qualquer aumento ou
valorização. É exatamente por meio dessa reprodução cultural que as classes
dominantes se mantêm tal como existem, garantindo o processo de reprodução
social. Em seu conjunto, esses textos formam a base da teoria educacional crítica
que iria se desenvolver nos anos seguintes, entre 1970 até 1980.

A teorização crítica sobre o currículo esteve inicialmente concentrada,


como sabemos, na análise da dinâmica de classe. Tornou-se logo evidente, que
as relações de desigualdade e de poder na educação e no currículo não podiam
ficar restritas à classe social. A teoria crítica do currículo tinha que levar em conta
também as desigualdades educacionais centradas nas relações de gênero, raça
e etnia. Mais importante ainda é tentar explicar as complexas relações e inter-
relações de diferentes dinâmicas de hierarquização social. Tal como ocorrerá com
a classe e com o gênero, as teorias críticas focalizadas na dinâmica da raça e da
etnia também se concentraram, inicialmente em questões de acesso à educação
e ao currículo. As questões consistiam em analisar os fatores que levavam ao
consistente fracasso escolar das crianças e jovens pertencentes a grupos étnicos e
raciais considerados minoritários.

84
TÓPICO 1 | CURRÍCULO EM HISTÓRIA

Para essas perspectivas não havia nada de errado com o currículo, que
deixava de ser problematizado. Foi apenas a partir de uma segunda fase, que
o próprio currículo começou a ser problematizado como sendo racialmente
enviesado. É através do vínculo entre conhecimento, identidade e poder que os
temas de raça e de etnia ganham seu lugar na teoria curricular, o texto curricular,
entendido aqui de forma ampla, o livro didático e paradidático, as lições orais,
as orientações curriculares oficiais, os rituais escolares, as datas festivas e
comemorativas.

A aparente disjunção entre uma teoria crítica e uma teoria pós-crítica do


currículo tem sido descrita como uma disjunção entre uma análise da economia
política do poder e uma teorização que se baseia em formas discursivas e textuais
de análise, ou melhor dizendo, uma análise marxista e uma análise textualista.
É também verdade que a teorização pós-crítica tornou problemáticas certas
premissas e análises das teorias críticas que a precederam. As teorias pós-críticas
também estenderam a compreensão dos processos de dominação a partir da
dinâmica de poder, envolvendo as relações de gênero, etnia, raça e sexualidade,
que fornece um mapa muito mais amplo, completo e complexo das relações
sociais de dominação do que aquele que as teorias críticas, com sua ênfase quase
exclusiva na classe social, tinham anteriormente oferecido.

Contudo, não se pode dizer que os processos de dominação de classe,


baseados na exploração econômica, tenham desaparecido. Na verdade, eles
continuam mais evidentes e dolorosos do que nunca. As teorias críticas após
Foucault podem nos ter ensinado que o poder está em toda parte e que é
multiforme. As teorias críticas não nos deixam esquecer, entretanto, que algumas
formas de poder são visivelmente mais perigosas e ameaçadoras do que outras.
Na teoria do currículo, assim como ocorre na teoria social mais geral, a teoria
pós-crítica deve se combinar com a teoria crítica, para nos ajudar a compreender
os processos pelos quais, através de relações de poder e controle, nos tornamos
aquilo que somos.

Depois das teorias críticas e pós-críticas do currículo, torna-se impossível


pensar o currículo simplesmente por meio de conceitos técnicos ou ainda de
imagens estáticas como as das grades curriculares e listas de conteúdos. Foi
também com a teoria crítica que aprendemos que o currículo é uma construção
social como qualquer invenção social: o Estado, a religião, o futebol, ele é o
resultado de um processo histórico. As teorias pós-críticas ampliam e, ao mesmo
tempo, modificam aquilo que as teorias críticas nos ensinaram. Continuam
a enfatizar que o currículo não pode ser compreendido sem uma análise das
relações de poder nas quais ele está envolvido. Depois das teorias críticas e pós-
críticas, não podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência de
antes. O currículo tem significados que vão muito além daqueles que as teorias
tradicionais nos ensinaram. O currículo é relação de poder, de trajetória, de
percurso, de vida.

85
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

NOTA

Caro(a) acadêmico(a): basicamente a pergunta principal para as teorias


tradicionais seria, o que ensinar? E para as teorias crítica e pós-crítica, por que ensinar?
Por que esse conhecimento e não outro? Outro item importante neste tópico é tentar
perceber dentro do contexto educacional as características de cada teoria, que orienta e
organiza o currículo, ou seja, aquelas palavras ou conceitos de maior uso e importância.
Teoria tradicional: ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização,
planejamento, eficiência, objetivos. Teoria crítica: ideologia, reprodução cultural e social,
poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação
e libertação, currículo oculto, resistência. Teoria pós-crítica: identidade, alteridade, diferença,
subjetividade, significação e discurso, saber e poder, representação, cultura, gênero, etnia,
raça, sexualidade, multiculturalismo.

SUBSÍDIOS PARA A ELABORAÇÃO DO CURRÍCULO NA


EDUCAÇÃO INFANTIL

O trabalho pedagógico organizado em creche ou pré-escola, em que


cuidar e educar são aspectos integrados, faz-se pela criação de um ambiente
em que a criança se sinta segura, satisfeita em suas necessidades, acolhida em
sua maneira de ser, onde ela possa trabalhar de forma adequada suas emoções
e lidar com seus medos, sua raiva, seus ciúmes, sua apatia ou hiperatividade,
e possa construir hipóteses sobre o mundo e elaborar sua identidade. A
meta do trabalho pedagógico nas instituições de Educação Infantil é apoiar
as crianças, desde cedo e ao longo de todas as suas experiências cotidianas,
no estabelecimento de uma relação positiva com a instituição educacional, no
fortalecimento de sua autoestima, interesse e curiosidade pelo conhecimento do
mundo, na familiaridade com diferentes linguagens, e na aceitação e acolhimento
das diferenças entre as pessoas. Para garantir às crianças seu direito de viver
a infância e se desenvolver, creches e pré-escolas devem organizar situações
agradáveis, estimulantes, que ampliem as possibilidades infantis de cuidar de
si e de outrem, de se expressar, comunicar e criar, de organizar pensamentos
e ideias, de conviver, brincar e trabalhar em grupo, de ter iniciativa e buscar
soluções para os problemas e conflitos que se apresentam às mais diferentes
idades, desde muito cedo. O ambiente deve ser rico de experiências para
exploração ativa e compartilhada por crianças e professores, que constroem
significações nos diálogos que estabelecem. Desses pontos decorrem algumas
condições para a organização curricular das instituições de Educação Infantil.

86
TÓPICO 1 | CURRÍCULO EM HISTÓRIA

Elas devem, segundo as Diretrizes, assegurar a educação de modo integral,


entendendo o cuidado como algo indissociável do processo educativo; o
combater o racismo e as discriminações de gênero, socioeconômicas, étnico-
raciais e religiosas; o conhecer as culturas plurais que constituem o espaço da
creche e da pré-escola, a riqueza das contribuições familiares e da comunidade,
suas crenças e manifestações, e fortalecer formas de atendimento articuladas
aos saberes.

FONTE: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7153-


2-1-curriculo-educacao-infantil-zilma-moraes/file>. Acesso em: 13 abr. 2018.

DICAS

A nova base deverá conviver com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e


Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN).

Acesse o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13448-
diretrizes-curiculares-nacionais-2013-pdf&Itemid=30192>. E o texto da Base Nacional
Comum Curricular, disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>.

87
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você viu que:

A questão central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do currículo

é a de saber qual o conhecimento que deve ser ensinado. Nas discussões que
envolvem currículo, a pergunta “o que” nunca está separada de uma pergunta
importante, “o que eles ou elas devem ser”, ou melhor, “o que eles ou elas
devem se tornar”.

No
 fundo das teorias do currículo está, pois, uma questão de identidade ou
de subjetividade. Se recorrermos à etimologia da palavra currículo, que vem
do latim, curriculum, “pista de corrida”, podemos dizer que, no curso dessa
corrida, é o currículo que nos transforma no que somos. Precisamos, portanto,
conhecer a origem e as teorias curriculares existentes.

Na
 perspectiva de Bobbitt, a questão curricular se transforma em uma questão
de organização. O currículo é simplesmente uma mecânica. A atividade
supostamente científica do especialista em currículo não passa de uma atividade
burocrática, o currículo se resume a uma questão de desenvolvimento, a
uma questão técnica. O modelo de currículo de Bobbitt iria encontrar sua
consolidação definitiva em um livro de Ralph Tyler, publicado em 1949.

Tyler centra-se em questões de organização e desenvolvimento do currículo que



deve buscar responder quatro questões básicas: a) Que objetivos educacionais
a escola deve procurar atingir? b) Que experiências educacionais podem ser
oferecidas e que tenham probabilidades de alcançar esses propósitos? c) Como
organizar eficientemente essas experiências educacionais? d) Como podemos
ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados? Ele identifica três
fontes nas quais se devem buscar os objetivos da educação: a) Estudos sobre os
próprios aprendizes. b) Estudos sobre a vida contemporânea fora da educação.
c) Sugestões dos especialistas das diferentes disciplinas. É apenas através de
formulações precisas, detalhadas e comportamentais dos objetivos que se pode
responder às outras perguntas que constituem o paradigma de Tyler.

As
 teorias críticas desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas
desigualdades e injustiças sociais. As teorias tradicionais eram teorias de
aceitação, ajuste e adaptação. As teorias críticas são teorias de desconfiança,
questionamento e transformação radical. Para as teorias críticas, o importante
não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver
conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz.

88
As
 teorias pós-críticas também estenderam a compreensão dos processos de
dominação a partir da dinâmica de poder envolvendo as relações de gênero,
etnia, raça e sexualidade, que fornece um mapa muito mais amplo, completo
e complexo das relações sociais de dominação do que aquele que as teorias
críticas, com sua ênfase quase exclusiva na classe social, tinham anteriormente
oferecido.

89
AUTOATIVIDADE

1 Caro(a) acadêmico(a), a partir do tópico estudado, faça um resumo das três


principais concepções encontradas nas teorias curriculares.

a) Teoria tradicional:
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b) Teoria crítica:
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c) Teoria pós-crítica:
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90
UNIDADE 3
TÓPICO 2

HISTÓRIA ORAL, HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL

1 INTRODUÇÃO
Como podemos notar após o estudo do tópico anterior, a teorização crítica
e pós-crítica sobre currículo são processos contínuos de análise e reformulação.
A teoria crítica e a pós-crítica do currículo são movimentos de constantes
problematizações e questionamentos da sociedade; nesses processos, novas
questões e temas vêm se incorporar àqueles que, desde o início, estiveram no
centro de sua preocupação. É isso que constitui sua vitalidade e seu potencial.
Essa é uma história que evidentemente não terminou, na verdade, talvez esteja
apenas começando. Abordaremos, a partir de agora, dentro de uma concepção
mais crítica, aquilo que é denominado como uma história de resistência. Em outras
palavras, começaremos a estudar três temáticas importantes dessa concepção
crítica em história, que é a abordagem da história oral, local e do cotidiano.

2 HISTÓRIA ORAL
Há uma forte tendência, que perdurou durante muito tempo, de excluir
os povos não europeus das narrativas do campo da história. Tal exclusão foi
justificada por uma ideia da inexistência de fatos notáveis nas sociedades não
européias, antes do contato com os brancos. Percebe-se que, mesmo no início do
século XIX, a problemática do europocentrismo (pensar que a cultura europeia é
a melhor e superior às outras), permanece atual e muito presente. A maneira de
proliferar tal concepção provavelmente surge do fato em que a história escrita (a
história adotada como oficial para os europeus e que foi imposta para os povos
e nações colonizadas na história humana), durante muito tempo, era dita como
a única de fato a ser respeitada. Ao passo que a história oral, aquela em que as
gerações mais novas recebiam seus ensinamentos dos mais velhos e experientes
das comunidades e sociedades em que viviam, não era aceita como fato ou
fenômeno histórico.

História oral ou método biográfico é o registro da história de vida


de indivíduos que, ao focalizar suas memórias pessoais, constroem também
uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas
da trajetória do grupo social ao qual pertencem. Muitas dessas memórias são
chamadas de subterrâneas, porque ficam à margem da história oficial. Ela é um
instrumento fundamental para a compreensão do passado. O cientista social, com
o desenvolvimento do método da história oral, não mais depende, unicamente,
91
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

dos textos escritos para estudar o passado. Também possibilita que indivíduos
pertencentes a categorias sociais geralmente excluídas da história oficial possam
ser ouvidos, deixando registradas, para análises futuras, sua própria visão de
mundo e aquela do grupo social ao qual pertencem. Esse método apresenta um
caráter novo e envolvente, porque pressupõe uma parceria entre informante e
pesquisador, construída ao longo do processo de pesquisa e através de relações
baseadas na confiança mútua, tendo em vista objetivos comuns. Constrói-se,
assim, uma imagem do passado muito mais abrangente e dinâmica. Uma história
cujo objetivo é resgatar e valorizar a história dos vencidos, sobretudo preocupada
com as diversas minorias, é uma história dos excluídos.

Seu surgimento foi com a primeira geração de historiadores que se


dedicaram à história oral na década de 50, nos Estados Unidos. As pesquisas
restringiam-se à área da ciência política e ao estudo dos “notáveis”. A partir
da década de 60, desenvolveu-se uma nova concepção de história oral. Era
considerada fonte de uma história multidisciplinar, embasada, principalmente,
pela teoria e métodos provenientes das Ciências Sociais (no caso, da Antropologia
e da Sociologia). Na Europa, a história oral surgiu em pleno cenário que envolvia
os movimentos de 1968, pregando o não conformismo sistemático, inclusive em
relação às estruturas tradicionais dos partidos de esquerda.

A partir da década de 70, a história oral desenvolveu-se no resto do


mundo. Na década de 80, caracterizou-se pelo aprofundamento das reflexões
dos limites e métodos, o que resultou em maior profissionalização no que diz
respeito aos projetos de pesquisa oral e sua utilização. No Brasil, surgiu nos anos
70, mas somente nos anos 90 a história oral expandiu-se no país. Em 1994 foi
criada a Associação Brasileira de História Oral. Diversos temas são pesquisados
na história oral; estes variam do mundo do trabalho e dos fenômenos migratórios
à análise da evolução das representações e discursos. A história oral, enquanto
estudo da memória coletiva, é reveladora de mentalidades. Porém, nem todos
concordam com determinada concepção de fonte histórica. Existem algumas
críticas. Conforme os historiadores tradicionais, a memória não é digna de crédito
como fonte histórica, isso porque é distorcida pela deterioração física na velhice,
pela nostalgia, pela pretensão do entrevistado e do entrevistador e pela influência
de versões coletivas.

Por sua vez, os historiadores orais argumentam que as fontes documentais


escritas não são menos seletivas ou menos tendenciosas. O relato oral serve
também para suprir lacunas da documentação escrita ou para confrontar fontes
orais com fontes escritas. Os relatos orais podem ser utilizados para se contrapor
às fontes quantitativas. Como parte de uma evidência da História Nova, as fontes
orais não devem ser utilizadas isoladamente, mas devem ser complementadas
por outras fontes. A narrativa oral, uma vez transmitida, se transforma num
documento semelhante  a qualquer outro documento escrito. Nesse sentido
podemos perceber que os novos historiadores estão preocupados com a história
cultural dos povos e minorias excluídos do cenário mundial, também, existe a
preocupação com as opiniões das pessoas comuns e sua experiência da mudança
social.

92
TÓPICO 2 | HISTÓRIA ORAL, HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL

NOTA

Como fazer uma boa pesquisa oral? Seguem alguns passos importantes para o
futuro pesquisador. Obs.: Ao fazer uma entrevista (gravada, escrita, fotos) para ser publicada,
devemos ter por escrito uma autorização assinada pelo entrevistado para evitar problemas
futuros.

A Entrevista 
 O local e horário são definidos pelo entrevistado.

 O pesquisador define o tema.

 O pesquisador dirige a entrevista através de um roteiro previamente


estabelecido.

 Evitar locais públicos.

 O entrevistado reconstitui mentalmente o período vivido.

 Se possível, obter o auxílio de documentação como fotos e cartas antigas.

 Não exceder duas horas de entrevista.

 Não prosseguir se o entrevistado estiver cansado.


Passos 
 Ligue o gravador.

 Peça ao entrevistado que responda as seguintes questões:


 Nome?

 Idade?

 Endereço?

 Profissão?

Não esqueça:

 uma pergunta de cada vez;

 evitar questionamentos duplos;

 não ler as questões para o entrevistado;

 verificar volume do gravador;

93
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

 evitar interrupções;

 não discordar do narrador; não induzir as respostas, nem complementá-las.

Muito importante

A transcrição da fita deve conter os seguintes dados:


 nome completo do entrevistado;

 idade;

 profissão;

 grau de instrução;

 residência;

 data e local;

 fita nº, lado A/B.

Após a coleta de dados e análise das informações obtidas, o professor


contará com farto material para trabalhar com seus alunos, muitas e importantes
histórias.

DICAS

Acesse o link <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?


aula=18984>. No link consta a atividade Rodas de conversa - explorando a afetividade.

O que o aluno poderá aprender com essa atividade?


· Promover e privilegiar o diálogo entre professor/criança, criança/criança.
· Desenvolver a comunicação oral e ampliar o universo discursivo das crianças.
· Estimular as crianças a desenvolverem a oralidade como também a escuta – ativa.
· Construir capacidades de compreender e fazer-se compreender por todos os mediadores
que a cercam.

94
TÓPICO 2 | HISTÓRIA ORAL, HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL

3 HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL


Tem sido comum, em propostas curriculares e em algumas produções
didáticas, introduzir a história do cotidiano e a história local, opção esta que não
é recente. A associação entre cotidiano e história de vida dos alunos possibilita
contextualizar essa vivência em uma vida em sociedade e articular a história
individual a uma história coletiva. A opção pela história do cotidiano e pela
história local merece uma reflexão a respeito de seus pressupostos, para uma
seleção de conteúdos coerentes com os objetivos centrais da disciplina.

3.1 HISTÓRIA DO COTIDIANO


História do cotidiano, corrente nascida na França, na década de 1960, na
atualidade é cada vez mais valorizada. A proposta é simples: enxergar a realidade
sob a perspectiva das pessoas comuns e das práticas, hábitos e rituais que
caracterizam o dia a dia delas, tirando o foco dos grandes nomes e acontecimentos
políticos e econômicos e voltando-o para a riqueza que está próxima de todos,
impregnada pela aparente banalidade do cotidiano. Investigar, por exemplo,
como os cidadãos viviam, namoravam, noivavam e casavam, moravam, se
divertiam, eram educados, nasciam e morriam.

A grande vantagem dessa abordagem é que ela envolve muito mais


os alunos, principalmente os menores, funcionando como um facilitador para
questões menos palpáveis, como a política e a economia. É a melhor forma de
mostrar que a História é feita por todas as pessoas, em todos os momentos da
vida — não apenas quando uns poucos participam de feitos extraordinários. Esse
viés consolida o estudo dos grupos anônimos (operários, crianças, quilombolas...),
iluminando aspectos da vida deles que até então não eram vistos. De acordo com
Bittencourt (2004, p.165-166):

A história do cotidiano tem se convertido em uma das correntes


assumidas por gerações de historiadores preocupados com uma
história social capaz de redimensionar a visão política. Historiadores
inspirados nos pressupostos marxistas, como Agnes Heller e
E.Thompson, em suas reflexões reconheceram a necessidade dos
estudos do cotidiano a fim de fazer emergir as tensões sociais do dia a
dia, as formas improvisadas de lutas, de resistência e de organizações
diferentes das estabelecidas pelo poder institucional.

A história do cotidiano deve ser pensada como uma dimensão temporal


da realidade, o tempo de realização de toda e qualquer ação humana, seja
esta em qualquer espaço definido. O cotidiano – por ser o momento da ação
histórica – é por isso a instância de realização das estruturas históricas. As
interações individuais são realizadas nos espaços de constantes disputas e
conflitos cotidianos, que estão dialeticamente relacionadas com a determinação
das superestruturas ideológicas e relações de poder associadas a uma sociedade
e sua consequente hierarquização. A realização desigual do poder alimenta os

95
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

conflitos, os movimentos, os enfrentamentos, ou seja, as disputas que são travadas


todos os dias, marcadas pelo lento ritmo dos eventos diários, alterando assim
gradualmente – mas o tempo todo – as estruturas do cotidiano. O único tempo de
mudança e ação histórica é o cotidiano, assim como todas as estruturas históricas
são realizações da ação cotidiana.

Dessa forma, ao pensarmos o espaço, ou seja, os lugares, as construções, as


cidades, as casas, ao longo da história, não podemos dissociar esses elementos da
realização do cotidiano, pois a espacialidade não está apenas ligada à natureza ou
à ideia de palco no qual a sociedade se concretiza, mas é também produto da ação
cotidiana nas estruturas, hierarquizada por tensões históricas, como proposto por
Michel Foucault (2003), em que estudar a História do Espaço é ao mesmo tempo
estudar a História dos Poderes. Essa corrente de pesquisas abandona o âmbito
dos grandes acontecimentos para buscar, no passado, os elementos para uma
reconstrução – na medida do possível – da vida comum, rotineira, das pessoas em
diferentes épocas e regiões.

Nesse sentido, de acordo com o site Educação Pública, em que se cita


Ferreira Gullar afirmando que é importante perceber que a História é construída
não só pelos grandes nomes e acontecimentos, mas principalmente por pessoas
comuns e pelos hábitos e rituais do dia a dia. A história humana não se desenrola
apenas nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola
também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas
de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas.

3.2 DICAS PARA O PROFESSOR


Procure identificar, no cotidiano, elementos que ajudem a compreender a
dinâmica, as crenças e o legado dos diferentes grupos humanos. Você tem acesso a
esses elementos em livros, quadros, fotografias — e também à sua volta, em casas
antigas, roupas de outras épocas, receitas de comida etc. Extraia dessas fontes
o maior número de informações possível, para depois emendá-las, relacioná-las
e generalizá-las. Não encare o cotidiano como curiosidade. O ideal é ampliá-lo,
conectando os vários fragmentos para obter uma visão estruturada da realidade.
Veja-o como ponto de partida, não de chegada.

Uma estratégia é transformar em recurso pedagógico as lembranças que


as famílias trazem das viagens de férias, esses materiais são muito ricos, se forem
bem aproveitados. Isso sem falar na infinidade de fontes que estão à sua volta,
como um simples prato de comida. As técnicas de preparo, a combinação dos
ingredientes e os utensílios usados revelam muito sobre a cultura e a mentalidade
de um povo. Relatos de pessoas mais velhas, casas antigas da cidade, objetos de
decoração, padrões de comportamento e fotografias — materiais considerados
irrelevantes até bem pouco tempo atrás.

96
TÓPICO 2 | HISTÓRIA ORAL, HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL

A melhor forma de analisar o passado é partir de questões atuais. Por


que vivemos hoje em cidades? Por que usamos garfo e faca para comer? São
perguntas como essas que podem desencadear uma gostosa e enriquecedora
viagem no tempo. Como você pode ver, tudo acaba virando documento nesse tipo
de proposta. O outro lado da moeda é que você corre o risco de ficar atordoado
diante de tantas possibilidades. Não perca de vista seus objetivos; são eles que
vão indicar o caminho a tomar.

4 HISTÓRIA LOCAL
A valorização da história local na produção historiográfica levou à
supervalorização, dessa perspectiva, nas novas propostas curriculares. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, na área de
História, foram construídos a partir de uma ótica na qual a história local e do
cotidiano são eixos teóricos que devem ser tomados como referência para
trabalhar a experiência do aluno e os contextos mais amplos. A história local tem
sido indicada como necessária para o ensino por possibilitar a compreensão do
entorno do aluno, identificando o passado sempre presente nos vários espaços de
convivência, escola, casa, comunidade, trabalho e lazer, e igualmente por situar
os problemas significativos da história presente. Para Bittencourt (2004, p.168-
169), a história local, quanto à sua elaboração, pode se apresentar de diversas
maneiras:

A história local tem sido elaborada por historiadores de diferentes


tipos. Políticos ou intelectuais de diversas proveniências têm-se
dedicado a escrever histórias locais com objetivos distintos [...]. O
papel do ensino de história na configuração identitária dos alunos é
um dos aspectos relevantes para considerar ao proporem-se estudos
da história local, que pode simplesmente reproduzir a história do
poder local e das classes dominantes, caso se limite a fazer os alunos
conhecerem de personagens políticos de outras épocas, destacando
a vida e obra de antigos prefeitos e demais autoridades, para evitar
tais riscos, é preciso identificar o enfoque e a abordagem de uma
história local que crie vínculos com a memória familiar, do trabalho,
da migração, das festas.

Um outro cuidado que se deve ter com o estudo da história local é a


identificação do conceito de espaço. É comum falar em história local como
história do entorno, do mais próximo, do bairro ou cidade. Ainda de acordo com
Bittencourt (2004), a reflexão sobre o espaço é imprescindível para os estudos
da história da região ou da história local. O geógrafo Milton Santos apresentou,
em várias de suas obras, importantes reflexões sobre o espaço geográfico, com
uma contribuição preciosa sobre o conceito de lugar. Cada lugar tem suas
especificidades e precisa ser entendido por meio da série de elementos que o
compõem e de suas funções.

97
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

Milton Santos sustenta, segundo Bittencourt (2004), no entanto, que o


lugar só pode ser compreendido dialeticamente levando-se em conta as relações
de produção nele estabelecidas e sendo concebido como uma produção histórica.
A história do local como objeto de estudo ganha, necessariamente, contornos
espaciais e temporais, não se trata, portanto, ao se proporem conteúdos escolares
da história local, de entendê-los apenas na história do presente ou do passado,
mas de procurar identificar a dinâmica do lugar, as transformações do espaço, e
articular esse processo às relações externas, a outros lugares.

Em âmbito nacional, a história local já é proposta nos currículos do


Ensino Fundamental há pelo menos duas décadas, assumindo diferentes formas
de abordagem. Segundo Horn (2006), nas décadas de 1970 e 1980, as propostas
curriculares eram organizadas nos chamados “Círculos Concêntricos”, em que
o conteúdo de Estudos Sociais deveria ser trabalhado a partir da realidade mais
próxima do aluno.

Entre as décadas de 1980 e 1990, o conhecimento histórico e o ensino da


História foram objetos de discussões de professores universitários, do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio; as discussões sobre a organização dos conteúdos
caminham para uma história temática, tendo a história local como estratégia
pedagógica principal.

A História local no ensino não deve ser tratada apenas como um conteúdo
a ser ensinado, mas se constituir em uma estratégia pedagógica, que trate
metodologicamente os conteúdos a partir da realidade local. Enquanto estratégia
de aprendizagem, pode garantir o domínio do conhecimento histórico, ademais,
o trabalho com a História local no ensino possibilita a construção de uma História
mais plural, que não silencia as multiplicidades das realidades.

CONHECENDO A MINHA CIDADE

Autor: Brian Rovere Santos 


Coautor: Pedro Ferreira de Andrade

Dados da Aula

O que o aluno poderá aprender com esta aula?


1. Conhecer o contexto histórico da sua cidade.
2. Ampliar a percepção sobre sua realidade geográfica.
3. Perceber-se inserido na dinâmica social.

Duração das atividades


3 aulas de 50 minutos cada, aproximadamente.
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno.
Utilização básica do aplicativo Writer do BrOffice.

98
TÓPICO 2 | HISTÓRIA ORAL, HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL

Estratégias e recursos da aula

Será dada ênfase para a colaboração entre os colegas. O professor


será mediador entre os pontos levantados pelos alunos e o que ocorre de fato
nas cidades. Haverá também momentos expositivos para enriquecimento da
percepção do aluno sobre o contexto histórico de sua cidade.
 
Atividade 1

No laboratório de informática, os alunos deverão se organizar em trios


para o início da atividade. O professor irá fazer uma demonstração inicial da
utilização da ferramenta do Google Maps. Posteriormente, cada trio irá procurar
a cidade onde está situada sua escola e terá algum tempo para navegar pela
região. O professor poderá orientar os alunos a clicarem nas fotos indicadas
pelo site (geralmente pontos principais) e, com isso, estimulá-los a perceberem
tais localizações. Depois de navegar pela cidade, irão procurar o bairro de cada
aluno do trio, um de cada vez.

Após a livre exploração dos alunos, os mesmos deverão reutilizar


a ferramenta, dessa vez anotando o que encontram próximo à cidade e seus
bairros, preferencialmente o que eles conhecem ou já ouviram falar (o professor
deverá verificar se o “zoom” está adequado para as anotações)

Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/maps/@-26.8735219,-


49.264556,15z >. Acesso em: 10 jul. 2018

Atividade 2

A próxima atividade consiste em uma aula expositiva. O professor


apontará os principais pontos da cidade onde a escola se situa (utilizando fotos),
e, será comentado o contexto histórico de pelo menos cinco desses pontos. O
professor também abordará os contrastes socioeconômicos, de preferência
utilizando fotos.

99
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

Atividade 3

Utilizando os recursos de vídeo e de internet, será apresentado


pelo professor o seguinte vídeo para seus alunos: O Estatuto da Cidade,
disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=OasQLHGsLUM>.
 
Após assistir ao vídeo, os alunos se organizarão em grupos de quatro
alunos e discutirão entre si as seguintes perguntas:

• Por que alguns moram em lugares tão bons e outros em lugares tão ruins?
• O que gostaria que melhorasse na minha cidade?
• E no meu bairro?
• O que gosto na minha cidade?
• E no meu bairro?
• Se eu não fizer nada para ajudar minha cidade e/ou bairro o que poderá
acontecer?
 
O professor passará de grupo em grupo mediando as discussões,
trazendo considerações, valorizando as perspectivas dos alunos, e, sempre que
possível, deixando eles pensarem por si mesmos, estimulando seu pensamento
crítico. Não é preciso dar uma resposta definitiva aos problemas e desigualdades
encontrados, cabendo ao professor expor diversas possibilidades.
 
Atividade 4

Para encerramento das atividades, os alunos, no laboratório de


informática, utilizarão o aplicativo Writer do BrOffice. Neste aplicativo farão
uma redação, constando uma síntese de tudo que aprenderam. O texto, de
modo geral, será feito livremente, mas deverá atender a alguns itens básicos:

100
TÓPICO 2 | HISTÓRIA ORAL, HISTÓRIA DO COTIDIANO E LOCAL

• O que está próximo de sua cidade/bairro? (levando em consideração a


atividade no Google Maps).
• Que pontos de sua cidade achou interessante e por quê?
• O que pensa a respeito da diferença entre pessoas privilegiadas e
desprivilegiadas nas cidades?
• Por que as pessoas deveriam se preocupar com suas cidades e bairros?

Recursos Complementares

• Livro didático
• Jornais
• Revistas
• Site sobre evolução urbana

Avaliação

Será avaliado da seguinte forma:


• Envolvimento com as atividades (se participou efetivamente das atividades).
• Capacidade de interação com os demais colegas (não somente nas atividades
em grupo).
• Pertinência da síntese elaborada na Atividade 4 em relação ao conteúdo
abordado.
FONTE: Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=
37407>. Acesso em: 15 jun. 2018.

101
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você viu que:

 História oral ou método biográfico é o registro da história de vida de indivíduos


que, ao focalizar suas memórias pessoais, constroem também uma visão mais
concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da trajetória do
grupo social ao qual pertencem. Muitas dessas memórias são chamadas de
subterrâneas, porque ficam à margem da história oficial. Ela é um instrumento
fundamental para a compreensão do passado.

 O cientista social, com o desenvolvimento do método da história oral, não mais


depende, unicamente, dos textos escritos para estudar o passado. Também
possibilita que indivíduos pertencentes a categorias sociais geralmente
excluídas da história oficial possam ser ouvidos, deixando registradas para
análises futuras sua própria visão de mundo e aquela do grupo social ao qual
pertencem.

 Históriado cotidiano, corrente nascida na França na década de 1960, é cada vez


mais valorizada. A proposta é simples: enxergar a realidade sob a perspectiva
das pessoas comuns e das práticas, hábitos e rituais que caracterizam o dia
a dia delas, tirando o foco dos grandes nomes e acontecimentos políticos e
econômicos e voltando-o para a riqueza que está próxima de todos, impregnada
pela aparente banalidade do cotidiano.

 A história do cotidiano deve ser pensada como uma dimensão temporal da


realidade, o tempo de realização de toda e qualquer ação humana, seja esta em
qualquer espaço definido. O cotidiano – por ser o momento da ação histórica
– é por isso a instância de realização das estruturas históricas. As interações
individuais são realizadas nos espaços de constantes disputas e conflitos
cotidianos, que estão dialeticamente relacionadas com a determinação das
superestruturas ideológicas e relações de poder associadas a uma sociedade e
sua consequente hierarquização.

 A valorização da história local na produção historiográfica levou à


supervalorização, desta perspectiva, nas novas propostas curriculares. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, na área de
História, foram construídos a partir de uma ótica na qual a história local e
do cotidiano são eixos teóricos que devem ser tomados como referência para
trabalhar a experiência do aluno e os contextos mais amplos.

 A História local no ensino não deve ser tratada apenas como um conteúdo
a ser ensinado, mas se constituir em uma estratégia pedagógica, que trate
metodologicamente os conteúdos a partir da realidade local, enquanto estratégia
de aprendizagem pode garantir o domínio do conhecimento histórico.

102
AUTOATIVIDADE

1 Podemos conceituar História Oral como:

a) ( ) Corrente nascida na França na década de 1960 e que é cada vez mais


valorizada. A proposta é simples: enxergar a realidade sob a perspectiva
das pessoas comuns e das práticas, hábitos e rituais que caracterizam o dia
a dia delas, tirando o foco dos grandes nomes e acontecimentos políticos
e econômicos e voltando-o para a riqueza que está próxima de todos,
impregnada pela aparente banalidade do cotidiano.

b) ( ) Constituir-se em uma estratégia pedagógica, que trate


metodologicamente os conteúdos a partir da realidade local, enquanto que
a estratégia de aprendizagem pode garantir o domínio do conhecimento
histórico.

c) ( ) As interações individuais são realizadas nos espaços de constantes


disputas e conflitos cotidianos, que estão dialeticamente relacionadas
com a determinação das superestruturas ideológicas e relações de poder
associadas a uma sociedade e sua consequente hierarquização.

d) ( ) É o registro da história de vida de indivíduos que, ao focalizar suas


memórias pessoais, constroem também uma visão mais concreta da dinâmica
de funcionamento e das várias etapas da trajetória do grupo social ao qual
pertencem. Muitas dessas memórias são chamadas de subterrâneas, porque
ficam à margem da história oficial. Ela é um instrumento fundamental para
a compreensão do passado.

2 Segundo Ferreira Gullar, a história humana não se desenrola apenas nos


campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também
nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de
jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas.
Estamos falando de:

a) ( ) História Local.
b) ( ) História Tradicional.
c) ( ) História do Cotidiano.
d) ( ) História Oral.

103
104
UNIDADE 3
TÓPICO 3

A HISTÓRIA NO SÉCULO XXI

1 INTRODUÇÃO
Os novos métodos e concepções em história, que se configuram a partir
de discussões, sobretudo abordando as temáticas de etnias, culturas e questões
ambientais, tiveram origem nos movimentos sociais (feministas, homossexuais,
negros, jovens e pobres) da década de 1950 em diante, dentro do cenário político,
cultural, econômico das nações denominadas ricas do hemisfério norte.

Grandes agitações e transformações marcaram essa época histórica com


movimentos de independência das antigas colônias europeias; os protestos
estudantis na França e em vários outros países; a luta pelos direitos humanos e
civis; os protestos contra a guerra do Vietnã; os movimentos da contracultura; os
movimentos feministas; a liberação sexual; no Brasil as lutas contra a ditadura
militar; entre outros. Tais movimentos organizaram-se contra uma tendência
mundial caracterizada pela exploração e exclusão social. Grupos minoritários
eram constantemente alvo de manifestos e agressões por parte de um sistema
(tendo como regentes, as potências econômicas e militares como, por exemplo,
Estados Unidos e Inglaterra) opressor e violento que comandava as relações e
políticas da época. Não por coincidência foi também por volta de 1960 que surgiram
livros, ensaios, pesquisas, teorizações que colocavam em xeque o pensamento e a
estrutura social e educacional dita tradicional. Do campo sociológico, essa crítica
contra uma sociedade que explora e exclui pessoas e grupos se estendeu para o
campo da educação.

2 A HISTÓRIA, OS ESTUDOS CULTURAIS,


O MULTICULTURALISMO E A INTERCULTURALIDADE
O campo de teorização e investigação conhecido como Estudos
Culturais tem sua origem na fundação, em 1964, no centro de Estudos Culturais
Contemporâneos, na Universidade de Birmingham, Inglaterra.

Segundo o professor e pesquisador Silva (2002), o impulso inicial do


centro partia de um questionamento da compreensão de cultura dominante na
crítica literária britânica. Nessa tradição, exemplificada pela obra de F.R.Leavis,
a cultura era identificada, exclusiva e estreitamente, com as chamadas grandes

105
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

obras da literatura e das artes em geral. Nessa visão burguesa e elitista, a cultura
era intrinsecamente privilégio de um grupo restrito de pessoas: havia uma
incompatibilidade fundamental entre cultura e democracia. A reação do Centro
a essa concepção de cultura se baseava, sobretudo, em duas obras que viriam se
tornar centrais no campo dos estudos culturais: Culture and society, de Raimond
Williams, de 1958, e Uses of literacy, de Richard Hoggart, publicada em 1957 (apud
SILVA, 2002).

Para Raimond Williams a cultura deveria ser entendida como modo de


vida global de uma sociedade, como experiências humanas. Nessa abordagem,
não há diferenças qualitativas entre as grandes obras e como as variadas formas
pelas quais qualquer grupo humano resolve suas necessidades básicas de
sobrevivência. Ele aponta e se opõe a um certo etnocentrismo dominante, que
descarta todas as expressões e realizações humanas não submetidas à expressão
escrita e à tradição letrada. Podemos observar, desde o início, que o combate das
posições elitistas significou que a cultura nos estudos culturais está ligada ao
domínio político.

NOTA

Etnocentrismo significa achar que minha cultura é superior e melhor que as


outras.

Os Estudos Culturais se caracterizam por constituir um campo instável,


amplo e diversificado de análises culturais. Continuam sendo transformados e
os debates mais recentes de inspiração pós-moderna estariam substituindo as
abordagens iniciais centradas nas questões de ideologias e hegemonia. Novas
perspectivas, novos debates e variadas metodologias de investigações surgem
a cada momento, e as preocupações iniciais da matriz britânica vão assumindo
configurações locais, ao viajarem pelo mundo, rompendo fronteiras geográficas,
culturais e disciplinares.

Podemos dizer que, a partir da década de 1990, os Estudos Culturais


formaram um campo de pesquisa, uma prática metodológica e/ou um caminho
epistemológico cuja vasta área de atuação é a cultura. Na sua agenda temática
estão gênero e sexualidade, identidade nacional, pós-colonialismo, etnia, cultura
popular e seus públicos, ecologia, políticas de identidade, práticas de identidade,
práticas de política estética, discurso e textualidade, pós-modernidade,
multiculturalismo, globalização, entre outros. Aqueles pontos que singularizaram
o mundo contemporâneo e que tornaram necessários novos referenciais teórico-
metodológicos para a pesquisa sobre cultura.

106
TÓPICO 3 | A HISTÓRIA NO SÉCULO XXI

Os Estudos Culturais se caracterizam ainda por sua interdisciplinaridade


e diversidade metodológica, que permite ao pesquisador lançar mão de
dispositivos de análise exógenos à sua própria disciplina, mas pertinentes ao
objeto de estudo. Outro traço marcante é o de interagir diretamente com as
práticas políticas, históricas, culturais, sociais que são objetos de sua abordagem.
Estão reconhecidos como ferramenta de análise nas áreas de literatura, história,
ciências sociais, comunicação entre outras. Foram sendo mais recentemente
implantados em universidades de vários países da América Latina, influenciando
o pensamento e a prática nacionais de políticas culturais de identidade e de
globalização.

Uma temática bastante debatida e pesquisada dentro dos Estudos


Culturais é o MULTICULTURALISMO, que é um movimento teórico e político
que busca respostas para os desafios da pluralidade cultural nos campos do
saber, incluindo não somente a educação, como também outras áreas que podem
contribuir para o sucesso organizacional.

A questão do múltiplo, do plural, do diverso, bem como das discriminações


e preconceitos a ela associados, passam a exigir respostas, no caso da educação,
que preparem as gerações atuais e futuras para lidar com sociedades cada vez
mais plurais. Surge também, em meio a críticas de uma verdade única, a pretensa
neutralidade da ciência, procura pensar caminhos que possam construir uma
ciência mais aberta a vozes de grupos culturais e étnicos plurais, principalmente
aqueles historicamente explorados. Busca respostas plurais para incorporar
a diversidade cultural e o desafio a preconceitos, nos diversos campos da vida
social. Teve sua origem nos países dominantes do norte.

Tipos de Multiculturalismo

Peter McLaren (2000) enumera quatro tendências relacionadas ao


multiculturalismo: (1) multiculturalismo conservador ou empresarial; (2)
multiculturalismo liberal humanista; (3) multiculturalismo liberal de esquerda e
(4) multiculturalismo crítico.

O multiculturalismo conservador procura homogeneizar. É apresentado


o projeto de universalização da cultura branca, respaldado nas teorias
evolucionistas do século XIX. O multiculturalismo conservador reconhece a
possibilidade de que haja outras culturas, porém não realiza um esforço para
que as mesmas sejam culturalmente valorizadas e tenham a oportunidade de
emancipar-se; o processo educacional torna-se um mecanismo silenciador,
principalmente das culturas populares. 

O multiculturalismo liberal apresenta uma ideia de igualdade entre as


várias culturas. O problema é que tal ideia esconde o fato de que apesar de existir
a igualdade a ponto das várias culturas competirem, a verdade é que a situação
sempre será favorável à cultura dominante, ou seja, descreve como sua principal
característica certa apropriação humanística, respaldada na crença do princípio
de igualdade independentemente de questões de etnia, gênero ou sexualidade.
107
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

O multiculturalismo liberal de esquerda  enfatiza a diferença cultural


acusando a ênfase na igualdade universal de “esconder” as diferenças entre raça,
gênero, classe e sexualidade. Entretanto, critica a tendência que esta terceira
corrente teria de “essencializar” a diferença como se fosse algo suspenso do
processo histórico. E no mais, o fato do multiculturalismo de esquerda privilegia
a fala de uma pessoa que possui a marca de uma identidade local.

O multiculturalismo crítico compreende a representação da raça, classe


e gênero como resultado de lutas sociais sobre signos e significações e enfatiza
não apenas o jogo textual, mas a tarefa de transformar as relações sociais. O
multiculturalismo crítico: a) privilegia a transformação das relações sociais,
culturais e institucionais nas quais os significados são gerados; b) opõe-se à ideia
que vê a cultura como não conflitiva e; c) sustenta que a diversidade deve ser
assegurada dentro de uma política crítica e compromisso com a justiça social.

Uma crítica à abordagem multicultural surge nos países europeus


ocidentais, denominada INTERCULTURALIDADE. Para a pesquisadora Paola
Falteri, o MULTICULTURALISMO caracteriza-se como sendo um movimento
que serve para evocar a coexistência de grupos impermeáveis entre si, a ser usado
para hipóteses de separatismo e racismos diferencialistas, exatamente porque são
diferentes, é melhor que cada grupo viva por conta própria, cultive suas tradições,
a sua religião, a sua língua.

A palavra “interculturalismo”, ao contrário, teve rápida difusão, porque


propõe uma dimensão dinâmica ao contato, interação, troca, na qual a diversidade
conta com locutor ativo. O termo “intercultura” é usado pelo Conselho Europeu
desde 1980 e, por isso, adotado na linguagem dos documentos ministeriais
quando se decidiu enfrentar a questão dos estrangeiros nas escolas.

A educação intercultural se refere às grandes questões emergentes no


processo de globalização da economia e da comunicação no mundo contemporâneo.
Na Europa ocidental consiste na tematização elaborada em estreita relação com
a presença de imigrantes que, em quantidade cada vez mais maciça, buscam se
inserir no mercado de trabalho e na vida social de vários países, inclusive aqueles
que, não tendo um passado de poderio colonial, não tinham até recentemente
conhecido a imigração proveniente do terceiro mundo. Pela própria natureza de sua
origem, a educação intercultural tem como finalidade promover a integração entre
culturas, a superação de velhos e novos racismos, o acolhimento dos estrangeiros e,
particularmente, dos filhos dos imigrantes na escola.

Na realidade brasileira – em particular na região Sul, onde durante o


último século e meio ocorreu afluxo maciço de diferentes correntes migratórias
provenientes da Europa, Ásia e Médio Oriente, que têm desenvolvido itinerários
diversos de integração e conflito entre elas e com populações locais descendentes
de indígenas, portugueses e africanos – a dimensão intercultural se reveste de
significados específicos. Mesmo sem desconsiderar a existência, também no Brasil,
de graves fenômenos de racismos, de discriminação étnica e social, de fechamento

108
TÓPICO 3 | A HISTÓRIA NO SÉCULO XXI

ao diferente, coloca-se em primeiro plano a importância de conhecer – com a


finalidade de orientar a prática pedagógica – os complexos itinerários de formação
e produção cultural que percorrem contextos já fortemente miscigenados, de
modo particular os que se caracterizam por graves problemas sociais. Os agentes
– institucionais ou não – podem encontrar na dimensão intercultural instrumentos
indispensáveis para promover a formação da autoconsciência e, portanto de
“presença” e ação – em sujeitos que vivem em ambientes marginalizados (rurais
e urbanos).

A intercultura aponta para um projeto que, no plano educacional, pretende


intervir nas mudanças induzidas pelo contato com as diversidades, de modo a
promover atitudes abertas ao confronto e conduzir os processos aculturadores a
uma integração entre culturas que não colonializem as minoritárias.

3 HISTÓRIA E AFRICANIDADE
Para viver na perspectiva da alteridade em uma sociedade plural, é
preciso reconhecer e valorizar a diversidade étnica e cultural que a constitui.
No contexto da constituição do povo brasileiro contemporâneo, esse aspecto é
de capital importância pelo fato dele ser formado com a agregação de múltiplas
matrizes culturais e étnicas.

NOTA

Alteridade, conforme o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007, p. 35), o


termo significa: “Ser outro, pôr-se ou constituir-se como outro”.
FONTE: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

O reconhecimento dessa pluralidade é fundamental para viabilizar


estudos que se destaquem do contexto geral e hegemônico de população
planetária. Assim, resgatar, valorizar e reconhecer a cultura do outro, torna-se,
no mundo globalizado e conflituoso, uma forma de estabelecer pontos de contato
para analisar as tensões que podem se constituir em crises. É importante, nesse
sentido, perceber a cultura como forma de proporcionar, nos ambientes, relações
de acolhimento e amorosidade para com o outro e a outra.

O conhecimento das raízes étnicas e culturais do povo brasileiro é


fundamental para a afirmação da identidade brasileira que se apresenta como
multiétnica e pluricultural. A consciência de que todos os fenômenos sociais
sejam políticos e históricos faz com que as forças e poderes sejam identificados
e, portanto, sejam enfrentados, para viabilizar as mediações necessárias para

109
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

a devida superação. A omissão dessa prática de consciência e debate nos


currículos escolares pode ser considerada como objeto de estudo para verificar
sua importância nesse fenômeno. Nesse sentido muitos trabalhos e pesquisas no
âmbito da história, no final do século XX e início do século XXI, se voltaram,
sobretudo, para as questões envolvendo os relacionamentos e as diversas culturas
existentes em nosso planeta.

Será estudada, neste tópico, uma temática importante para a configuração e


entendimento da formação do povo brasileiro. A temática envolve a africanidade.

A escola, em nossa sociedade, é a segunda instituição responsável pelas


relações de sociabilidade de crianças e adolescentes, depois, é claro, da família.
Na escola o aprendizado sobre as regras e valores sociais é experimentado sob a
ótica do grupo. Não se trata de cada um com seus pais, mas sim com seus pares,
mediatizados pela figura do professor. Entrando na escola cada vez mais cedo, a
criança aprende logo a dividir a atenção e os cuidados do adulto com os outros
do grupo. Esta é uma grande experiência fundante na sociabilidade escolar e na
construção de identidades. As experiências iniciais com a escola precisam ser
levadas a sério, pois podem definir a base de uma trajetória escolar mais tranquila
ou mais atribulada. Sentir-se acolhido, incluído e integrado facilita a construção
de uma autoestima positiva, elemento fundamental para o sucesso escolar.

Nas modernas sociedades, fica reservada à escola grande parcela do


ensino reconhecido socialmente como tal. E sabemos que há ensino quando há
intenção de aprendizagem, e que a aprendizagem, ou a condição dela, é que
aparece como conteúdo de inscrição genética no instinto humano. Segundo Lopes
(2006), a própria história mostra, no seu percurso, a importância de transmitir os
conhecimentos de uma geração à outra, como garantia de nossa sobrevivência.
Nesse sentido é que o currículo, como forma de organização do conhecimento
escolar, surge como importante reflexão sobre o papel social da escola. Observe
que o currículo, por sua vez, não é neutro e desinteressado na transmissão de
conteúdos de conhecimento. Por isso, ao transmitir visões de mundo particulares,
reproduz valores que irão participar da formação de identidades individuais e
sociais, portanto, sujeitos sociais.

E no caso brasileiro da matriz dos diversos povos negros que foram


trazidos enquanto escravos? A escolha dos conteúdos curriculares, tanto dos
conteúdos conceituais e temáticos como os conteúdos de valores morais, passa
por relações de poder. Fica então para nós que estamos refletindo acerca do
currículo escolar e a omissão das informações sobre a participação dos negros
na história brasileira, a ponto de não conseguirmos separar, no plano cultural, a
indagação do que é ser negro, do que é ser brasileiro.

É preciso olhar mais de perto as experiências escolares que crianças,


adolescentes e negros vivenciam. A escola precisa aprender, para assim propor
situações de aprendizagem que considerem a presença fundamental dos negros
em nossa sociedade e, com isso, proporcionar, no currículo cotidiano, outros
encontros identitários.
110
TÓPICO 3 | A HISTÓRIA NO SÉCULO XXI

Nessa medida uma discussão acerca das relações raciais, do preconceito


racial e suas manifestações na sociedade brasileira e, em particular, na escola,
precisam ser feitas. Ela é necessária porque é preciso ampliar a compreensão do
problema, para então se poder refletir sobre o que e por que deve ser escolhido
como conteúdo para compor um currículo escolar, que privilegie um deslocamento
do olhar sobre os negros na nossa história e cultura.

A complexidade das relações raciais na sociedade brasileira foi construída


com base no processo de escravidão de africanos. Isto foi o que criou, ao longo dos
séculos de história, tanto no escravizado quanto no escravocrata, representações
sociais e experiências de subalternidade que são, do ponto de vista individual,
de uma fundura simbólica imensa e que produzem, do ponto de vista social, um
engessamento de lugares e de hegemonia. Não foi uma observação espontânea
de um certo gradiente de cor de pele que deu origem às denominações
“branco” e “negro” no nosso país, mas experiências de classificação vinculada à
subalternidade da escravidão.

Os nagô, mina, gêge, entre outros povos que foram escravizados e trazidos
em grandes contingentes para o Brasil, aqui se tornaram “africanos”, ganhando,
junto com o termo “africano” para sua identificação, outros dois: o de “negro”,
identificador de sua condição racial, e o de “escravo”, descrevendo sua condição
social. Entender, no processo de constituição do país, o engendramento e a
dinâmica das relações sociais que resultam da mestiçagem, como um fenômeno
particularmente integrante no nosso percurso histórico, é uma tarefa complexa.

De acordo com Lopes (2006), um grande e fundamental passo para


entender esse processo, foi dado por Oracy Nogueira quando, dentro das relações
raciais, ele escolheu estudar o estado atual das relações entre os componentes
brancos e de cor da população brasileira, o que lhe permitiu colocar o preconceito
racial como foco central do estudo das relações raciais no Brasil.

A distinção apresentada por Nogueira entre preconceito racial de marcas


e de origem é essencial. No caso brasileiro, é o preconceito racial de marca, isto
é, aquele vinculado à aparência física, manifestações gestuais, que permite,
em função do grau de mestiçagem, de indivíduo para indivíduo, decidir sua
inclusão ou exclusão na categoria de negro. Isso é o que se torna impossível
frente ao preconceito racial de origem vivido nos Estados Unidos, segundo o
qual a definição étnica está dada pela hereditariedade, independente do fato de o
indivíduo trazer ou não traços do fenótipo negro.

O preconceito racial no caso brasileiro opera fundamentalmente em


três dimensões. A moral, a intelectual e a estética. As atribuições, as piadas e as
brincadeiras que reforçam o preconceito racial quase sempre revelam conteúdos
racistas relacionados a essas três dimensões.

111
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

Um outro momento no qual o preconceito racial se manifesta abertamente


é o da situação de conflitos, por meio de xingamentos. O preconceito é um evento
privado, ligado à dimensão psicológica da pessoa. Quando assume isso, fala-
se de algo enorme: a subjetividade, aquilo que está na interioridade humana.
É aí que ele, o preconceito, reside: no âmbito da subjetividade, ele é aprendido
junto com outras pessoas, no convívio social; acumula-se em todos os contatos
sociais. É fundamental, para um desenvolvimento tranquilo, que a criança se
sinta valorizada pelo seu corpo, seu intelecto e sua moral e é essa experiência de
valorização da sua imagem que o preconceito racial tenta impedir na criança e no
adolescente negro.

A Lei n° 11.645, de 8 de março de 2008, estabelece que nos estabelecimentos


de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, públicos e privados, torna-se
obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. A lei deixa
nítida a obrigatoriedade do ensino de conteúdos sobre a matriz negra africana e a
matriz indígena na constituição de nossa sociedade no âmbito de todo o currículo
escolar e sugere as áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras
como áreas especiais para o tratamento desse conteúdo.

Entretanto, como já foi enfatizado, é preciso que estejamos convencidos


da urgência e importância de recuperar esses conteúdos na história brasileira e
nos currículos escolares. É a partir de uma perspectiva de tratamento cuidadoso
e amplo dos conteúdos, tendo como base o princípio da igualdade, que não
podemos deixar de estar atentos. Não é fundamentalmente na escolha dos temas
que se pode escorregar pela via do preconceito, mas, sobretudo, na abordagem, na
escolha de materiais, no cuidado com a construção dos julgamentos e argumentos,
no grau de conhecimento sobre o assunto ensinado.

Trabalhar o mais coletivamente possível, buscar pares na escola que


queiram enfrentar o desafio de revisitar e reaprender a história, a cultura, a
literatura brasileira, sob a perspectiva da população negra como sujeito, pode
ser uma maneira competente e facilitadora na construção de conteúdos e
metodologias mais adequados às diferentes faixas de idades e níveis de ensino.
Deslocar o modo de ver eurocêntrico, que está na base dos programas escolares,
e mudar a forma de ensiná-los, só tornará mais rico e profundo o conhecimento,
que será observado de diferentes pontos de vista. Sem dúvida, esse é um longo
caminho que precisamos percorrer, pois não é nada fácil incluir novas concepções
de conhecimento às aulas.

112
TÓPICO 3 | A HISTÓRIA NO SÉCULO XXI

NOTA

LEI Nº 11.645, DE 10 MARÇO DE 2008

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de


janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena”.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono


a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a
seguinte redação:
Art. 26-A.  Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e
privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o  O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da
história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses
dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos
negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o
índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas
brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
educação artística e de literatura e história brasileiras. (NR)
Art. 2o Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 10 de  março  de 2008;


187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Fernando Haddad
Este texto não substitui o publicado no DOU de 11.3.2008.

FONTE: Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/


l11645.htm>. Acesso em: 18 abr. 2018.

113
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

DICAS

Relacionamos alguns materiais e sites que valem a pena serem conferidos, são
eles:
Livro História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil. Disponível em: <http://
unesdoc.unesco.org/images/0022/002270/227009por.pdf>.
Museu Afro Brasil. Disponível em: <http://www.museuafrobrasil.org.br/>.
Fundação Palmares. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/>.
Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiro. Disponível em: <http://ipeafro.org.br/>.
Jogos Africanos e Afro-Brasileiro. Disponível em: <http://www.laabufpa.com/jogos-africanos.
html>.
Ludicidade Africana. Disponível em: <http://www.laabufpa.com/>.
Livro Modos de Brincar. Disponível em:
<http://www.acordacultura.org.br/sites/default/files/kit/MODOSBRINCAR-WEB-CORRIGIDA.
pdf>.
Museu do índio. Disponível em: <http://www.museudoindio.gov.br/>.
Índio Educa. Disponível em: <http://www.indioeduca.org/>.
Livro O que você precisa saber sobre os indígenas no Brasil. Disponível em: <http://unesdoc.
unesco.org/images/0015/001545/154565por.pdf>.
Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos,
conceitual. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=11283-educa-infantis-conceituais&category_slug=agosto-
2012-pdf&Itemid=30192>.

114
TÓPICO 3 | A HISTÓRIA NO SÉCULO XXI

LEITURA COMPLEMENTAR

TECENDO FAZERES E SABERES AFRO-BRASILEIROS NA


EDUCAÇÃO INFANTIL

“Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e


sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que
comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz
comunhão de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas graças, de
um pássaro e sua árvore.” Manoel de Barros. In: Memórias Inventadas.
A Infância.

Vamos agora, pinçar alguns aspectos afro-brasileiros que consideramos


caros à Educação Infantil. Alguns, pois há uma infinidade deles:

Princípio do Axé – ENERGIA VITAL – tudo que é vivo e que existe tem
axé, tem energia vital: planta, água, pedra, gente, bicho, ar, tempo, tudo é sagrado
e está em interação. Imaginem se nosso olhar sobre nossas crianças de Educação
Infantil forem carregados da certeza de que elas são sagradas, divinas, cheias de
vida. Podemos trabalhar a potencialização deste princípio nas nossas crianças,
se nosso olhar, nosso coração, nosso corpo senti-las verdadeiramente assim.
Elogios, um afago, brincadeiras de faz de conta, nas quais elas se sintam a mais
bela estrela do mundo, a mais bela flor, alguém que cuida, alguém que é cuidado.
Um espelho para que elas se admirem, para que brinquem com o espelho, e se
habituem a se olhar e a serem olhadas com carinho e respeito.

ORALIDADE – muitas vezes preferimos ouvir uma história que lê-la,


preferimos falar que escrever... Nossa expressão oral, nossa fala é carregada de
sentido, de marcas de nossa existência. Faça de cada um dos seus alunos e alunas
contadores de histórias, compartilhadores de saberes, memórias, desejos, fazeres
pela fala. Falar e ouvir podem ser libertadores. Promova momentos em que a
história, a música, a lenda, as parlendas, o conto, os fatos do cotidiano possam ser
ditos e reditos. Potencialize a expressão “fale menino, fale menina”.

CIRCULARIDADE – a roda tem um significado muito grande, é um valor


civilizatório afro-brasileiro, pois aponta para o movimento, a circularidade, a
renovação, o processo, a coletividade: roda de samba, de capoeira, as histórias ao
redor da fogueira. Já fazemos as tradicionais rodinhas na Educação Infantil, nas
reuniões pedagógicas e nas reuniões dos responsáveis. Que tal potencializarmos
mais a roda, com cirandas, brincadeiras de roda e outras brincadeiras circulares?

CORPOREIDADE – o corpo é muito importante, na medida em que com


ele vivemos, existimos, somos no mundo. Um povo que foi arrancado da África e
trazido para o Brasil só com seu corpo, aprendeu a valorizá-lo como um patrimônio
muito importante. Nesse sentido, como educadores e educadoras de Educação
Infantil, precisamos valorizar nossos corpos e os corpos dos nossos alunos, não
como algo narcísico, mas como possibilidade de trocas, encontros. Valorizar

115
UNIDADE 3 | ABORDAGENS CURRICULARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

os nossos corpos e os de nossas crianças como possibilidades de construções,


produções de saberes e conhecimentos coletivizados, compartilhados. Cuidar
do corpo, aprender a massageá-lo, tocá-lo, senti-lo, respeitá-lo é um dos nossos
desafios no trabalho pedagógico com a Educação Infantil. Dançar, brincar,
rolar, pular, tocar, observar, cheirar, comer, beber, escutar com consciência.
Aparentemente nada de novo, se não fosse o desmonte de corpos idealizados e a
aceitação dos corpos concretos.

MUSICALIDADE – a música é um dos aspectos afro-brasileiros mais


emblemáticos. Um povo que não vive sem dançar, sem cantar, sem sorrir e que
constitui a brasilidade com a marca do gosto pelo som, pelo batuque, pela música,
pela dança. Portanto, mãos à obra, som na caixa e muita música, muito som, mas
não os “enlatados”, as músicas estereotipadas, o mesmismo que vemos na TV e
em quase todos os momentos da escola, nos quais a música se faz presente. Vamos
ouvir músicas que falem da nossa cultura, que desenvolvam nossos sentidos,
nosso gosto para a música e, com isso, não produzirmos alienados musicais desde
a tenra idade. Nosso país é riquíssimo em ritmos musicais e em danças, que tal
investirmos neste caminho? Conhecer para promover.

LUDICIDADE – a ludicidade, a alegria, o gosto pelo riso, pela diversão,


a celebração da vida. Se não fôssemos um povo que afirma cotidianamente a
vida, um povo que quer e deseja viver, estaríamos mortos, mortos em vida, sem
cultura, sem manifestações culturais genuínas, sem axé. Portanto, brinquemos
na Educação Infantil, muita brincadeira, muito brilho no olho, muito riso, muita
celebração da vida.

COOPERATIVIDADE – a cultura negra, a cultura afro-brasileira, é cultura


do plural, do coletivo, da cooperação. Não sobreviveríamos se não tivéssemos a
capacidade da cooperação, do compartilhar, de se ocupar com o outro. Como
dissemos, esse texto é um compartilhar de ideias e contamos com seu retorno
com opiniões, sugestões, críticas, complementações, ponderações, em nome de
um verdadeiro e profundo amor pelas nossas crianças brasileiras, que merecem
ter acesso a um patrimônio cultural que as constitui como brasileiras, que é o
patrimônio cultural afro-brasileiro. Muito axé!

FONTE: Tecendo Fazeres e Saberes Afro-Brasileiros na Educação Infantil. Disponível em: <http://
www.tvebrasil.com.br/SALTO/boletins2005/vab/tetxt2.htm>. Acesso em: 20 maio 2008.

116
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você viu que:

 Os Estudos Culturais se caracterizam por constituir um campo instável, amplo


e diversificado de análises culturais. Continuam sendo transformados e os
debates mais recentes de inspiração pós-moderna estariam substituindo as
abordagens iniciais centradas nas questões de ideologias e hegemonia. Novas
perspectivas, novos debates e variadas metodologias de investigações surgem
a cada momento, e as preocupações iniciais da matriz britânica vão assumindo
configurações locais, ao viajarem pelo mundo, rompendo fronteiras geográficas,
culturais e disciplinares.

 Podemos dizer que, a partir da década de 1990, os Estudos Culturais


formaram um campo de pesquisa, uma prática metodológica e/ou um caminho
epistemológico cuja vasta área de atuação é a cultura. Na sua agenda temática
estão gênero e sexualidade, identidade nacional, pós-colonialismo, etnia,
cultura popular e seus públicos, ecologia, políticas de identidade, práticas
de identidade, práticas de política estética, discurso e textualidade, pós-
modernidade, multiculturalismo, globalização, entre outros. Aqueles pontos
que singularizaram o mundo contemporâneo e que tornaram necessários
novos referenciais teórico-metodológicos para a pesquisa sobre cultura.

 Multiculturalismo é um movimento teórico e político que busca respostas para


os desafios da pluralidade cultural nos campos do saber, incluindo não somente
a educação, como também outras áreas que podem contribuir para o sucesso
organizacional. A questão do múltiplo, do plural, do diverso, bem como das
discriminações e preconceitos a ela associados, passam a exigir respostas, no
caso da educação, que preparem as gerações atuais e futuras para lidar com
sociedades cada vez mais plurais. Teve sua origem nos países dominantes do
norte.

 A educação intercultural se refere às grandes questões emergentes no processo


de globalização da economia e da comunicação no mundo contemporâneo.
Na Europa Ocidental consiste na tematização elaborada em estreita relação
com a presença de imigrantes que, em quantidade cada vez mais maciça,
buscam se inserir no mercado de trabalho e na vida social de vários países,
inclusive aqueles que, não tendo um passado de poderio colonial, não tinham
até recentemente conhecido a imigração proveniente do Terceiro Mundo. Pela
própria natureza de sua origem, a educação intercultural tem como finalidade
promover a integração entre culturas, a superação de velhos e novos racismos,
o acolhimento dos estrangeiros e, particularmente, dos filhos dos imigrantes
na escola.

117
 O interculturalismo propõe uma dimensão dinâmica ao contato, interação,
troca, na qual a diversidade conta com locutor ativo. O termo intercultura é
usado pelo Conselho Europeu desde 1980 e, por isso, adotado na linguagem
dos documentos ministeriais quando se decidiu enfrentar a questão dos
estrangeiros nas escolas.

 Oconhecimento das raízes étnicas e culturais do povo brasileiro é fundamental


para a afirmação da identidade brasileira que se apresenta como multiétnica e
pluricultural. A consciência de que todos os fenômenos sociais sejam políticos
e históricos faz com que as forças e poderes sejam identificados e, portanto,
sejam enfrentados para viabilizar as mediações necessárias para a devida
superação.

 A distinção apresentada por Nogueira entre preconceito racial de marcas e de


origem é essencial. No caso brasileiro, é o preconceito racial de marca, isto
é, aquele vinculado à aparência física, manifestações gestuais, que permite,
em função do grau de mestiçagem, de indivíduo para indivíduo, decidir sua
inclusão ou exclusão na categoria de negro. Isto é o que se torna impossível
frente ao preconceito racial de origem vivido nos Estados Unidos, segundo o
qual a definição étnica está dada pela hereditariedade, independente do fato
de o indivíduo trazer ou não traços do fenótipo negro.

 A Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, estabelece que se inclua no currículo


oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”. A Lei deixa nítida a obrigatoriedade do ensino de conteúdos
sobre a matriz negra africana na constituição de nossa sociedade no currículo
escolar e sugere as áreas de História, Literatura e Educação Artística como
áreas especiais para o tratamento desse conteúdo. Entretanto, é preciso que
estejamos convencidos da urgência e importância de recuperar esses conteúdos
na história brasileira e nos currículos escolares.

118
AUTOATIVIDADE

1 Após o estudo do tópico, escreva a respeito dos seguintes itens:

a) Estudos Culturais
__________________________________________________________________
_________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

b) Multiculturalismo
__________________________________________________________________
_________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
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__________________________________________________________________

c) Interculturalidade
__________________________________________________________________
_________________________________________________________________
__________________________________________________________________
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__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

d) Africanidade
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

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