Desconto em Folha de Pagamento de Contribuição Partidária

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Desconto em folha de pagamento de contribuição

partidária
RESOLUÇÃO No 22.025

Consulta no 1.135

Brasília – DF

Relator: Ministro Marco Aurélio.

Consulente: Eduardo da Costa Paes, deputado federal.

Cargo ou função de confiança. Contribuição a partido político. Desconto sobre a


remuneração. Abuso de autoridade e de poder econômico. Dignidade do servidor.
Considerações. Discrepa do arcabouço normativo em vigor o desconto, na
remuneração do servidor que detenha cargo de confiança ou exerça função dessa
espécie, da contribuição para o partido político.

Vistos, etc.

Resolvem os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, conhecer da


consulta e, por maioria, vencido o Ministro Luiz Carlos Madeira, respondê-la nos
termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante desta decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Superior Eleitoral.

Brasília, 14 de junho de 2005.

Ministro CARLOS VELLOSO, presidente – Ministro MARCO AURÉLIO, relator.

__________

Publicada no DJ de 25.7.2005.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Senhor Presidente, o Deputado Federal


Eduardo da Costa Paes formaliza consulta acerca da harmonia de cobrança de
contribuição prevista em estatuto de partido – a incidir sobre o que percebido por
ocupantes de cargos e funções exoneráveis a qualquer momento – com o arcabouço
normativo legal e constitucional.

Articula com a politização de certos cargos, a contrariar o regime democrático e o


pluripartidarismo, presente o grau de poder econômico que alcançam os partidos com
integrantes no governo.

Ter-se-ia verdadeiro dízimo, atingindo até dez por cento, considerada, como base de
incidência, a remuneração relativa ao cargo ou função comissionada ou a diferença
entre aquela do cargo efetivo e a que auferida com a designação ocorrida. Com a
prática, em vez de os recursos públicos visarem, em si, à prestação dos serviços, dar-se-
ia o financiamento de partidos.

Evoca o consulente o pronunciamento desta Corte na Res. no 19.817, de 6 de março de


1997, quando a óptica do relator foi no sentido de advertir o partido político – no caso, o
Partido do Movimento Democrático Brasileiro – sobre o conflito da contribuição com o
texto do art. 31 da Lei no 9.096/95. As contas teriam sido aprovadas com a ressalva de
que a vedação do inciso II desse artigo atinge os filiados do partido que exercem cargos
exoneráveis a qualquer momento. Também ao apreciar as contas do Partido Verde, a
Corte afastara a propriedade da Res. no 19.817/97, porque analisadas as contas
concernentes ao exercício de 1996 – Res. no 20.706/2000, da relatoria do Ministro
Maurício Corrêa. De igual forma este Tribunal procedera quanto às contas do Partido
dos Trabalhadores, mediante a Res. no 20.844, de 14 de agosto de 2001, relatada pelo
Ministro Nelson Jobim. Mais uma vez, não restara observado o teor da Res. no
19.817/97, em vista do fator cronológico, ou seja, porque examinadas contas do
exercício financeiro anterior – de 1996.

Assevera o deputado que, mesmo diante do teor da Res. no 19.817/97, os partidos


políticos continuaram com a cobrança. Aponta que o Tribunal, julgando o Recurso
Especial no 16.236, em 13 de abril de 2000, proclamou irregulares as contas do
Diretório Regional do Partido da Social Democracia Brasileira, referentes ao exercício,
já então, de 1997. Sustenta que a Constituição Federal prevê o direito dos partidos
políticos a recursos do Fundo Partidário e ao acesso gratuito ao rádio e à televisão, na
forma da lei. Assim, já contariam com recursos financeiros necessários ao
financiamento das próprias atividades. Ressalta a vantagem do partido que esteja no
poder, salientando que, no âmbito federal, os cargos em comissão de livre exoneração
são cerca de dezesseis mil. Tratar-se-ia de acréscimo de poder econômico discrepante
do princípio do pluripartidarismo, com influência indireta no resultado das campanhas
eleitorais. Compara o consulente os percentuais cobrados dos detentores dos cargos e
funções de confiança – podendo chegar a dez por cento – com aqueles exigidos dos
titulares de cargos efetivos, não passando de um por cento. Remete à problemática da
espontaneidade, dizendo da existência de moeda de troca, sob pena de o candidato ao
cargo ou função não ser escolhido, pelo que acabaria se configurando a obrigatoriedade.

Aludindo aos princípios da impessoalidade e da igualdade, argumenta ainda o


consulente que, nesses moldes, a escolha do prestador dos serviços termina por colocar
em plano inferior os critérios técnicos e de qualificação, privilegiando-se os filiados ao
mesmo partido a que ligado o chefe do Executivo. Então, conclui que a prática: a)
consubstancia financiamento ilegítimo – com recursos públicos – do partido político
que está no governo, conferindo-lhe desmedido poder econômico; b) significa risco para
o regime democrático e para o pluripartidarismo; c) fere frontalmente o art. 31, inciso II,
da Lei no 9.096/95 e a Res. no 19.817, de 6 de março de 1997, deste Tribunal,
afigurando-se imoral e anti-republicana, incompatível com os princípios da
administração pública. Postula o deputado pronunciamento a respeito, considerado o
disposto no inciso XII do art. 23 do Código Eleitoral.

A consulta é de 16 de dezembro de 2004 e foi distribuída inicialmente ao Ministro


Caputo Bastos. Todavia, ante idêntica medida já então distribuída ao Ministro Carlos
Velloso, deu-se a redistribuição a Sua Excelência, consoante a manifestação do relator
de folha 16 e decisão do presidente de fl. 18.

O Subprocurador-Geral da República Dr. Mário José Gisi, com a aprovação do vice-


procurador-geral eleitoral, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, pronunciou-se pelo
conhecimento da consulta e declaração da ausência de ilicitude da contribuição
partidária. A peça baseia-se na óptica de que o preceito do art. 31, inciso II, da Lei no
9.096/95 não alcança os servidores públicos demissíveis a qualquer momento, por não
se confundirem com autoridade ou órgãos públicos. Tratar-se-ia, no caso, de
remuneração da qual pode dispor o servidor, não cabendo discutir política relativa à
escolha para o preenchimento dos cargos e funções nos níveis federal, estadual e
municipal – fls. 21 a 23.

Recebi o processo por redistribuição, em face da circunstância de o relator, a quem


sucedi, Ministro Carlos Velloso, haver ascendido à presidência da Corte – fl. 25.

À fl. 26, despachei:

Consulta. Pronuncimento da Secretaria de Recursos Humanos/Seção de Informações de


Processos Administrativos.

1. Conforme consignado à fl. 14, a Secretaria de Recursos Humanos, instada a


pronunciar-se sobre a consulta de fls. 2 a 12, remeteu ao que consignado em relação à
Consulta no 1.131, a versar sobre idêntica matéria e da qual também consta como
consulente o Deputado Federal Eduardo da Costa Paes, preconizando o julgamento
conjunto.

Ocorre que à Consulta no 1.131, por tratar de situação concreta, foi negado seguimento.

2. Volte o processo à Secretaria de Recursos Humanos para a apreciação cabível.

3. Publique-se.

Brasília, 31 de março de 2005.

Daí a manifestação de fls. 28 a 36, em que, após referência à Lei no 8.112/90, remete-se
ao Decreto no 4.961, de 20 de janeiro de 2004, que a regulamentou, mais precisamente
aos preceitos atinentes às consignações. Então, conclui-se: a) os ocupantes de cargos em
comissão são servidores públicos; b) as consignações em folha de pagamento podem ser
compulsórias e facultativas, surgindo os arts. 3o e 4o do Decreto no 4.961/2004 com
natureza exaustiva; c) as consignações versadas na consulta não estão previstas no
citado decreto.

Alude-se às resoluções nos 21.627, de 17 de fevereiro de 2004; 20.844, de 14 de agosto


de 2001; 20.706, de 24 de agosto de 2000; ao Ac. no 16.236, de 13 de abril de 2000; à
Res. no 20.584, de 28 de março de 2000; à Res. no 19.944, de 26 de agosto de 1997, e,
por último, à Res. no 19.817, de 6 de março de 1997.

Do processo constam ainda as manifestações favoráveis ao parecer da Coordenadoria


Técnica da Secretaria de Recursos Humanos.
É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Senhor Presidente, a consulta


está em termos ensejadores do pronunciamento desta Corte, por sinal extremamente
importante na quadra vivida. É formulada em abstrato por deputado federal e envolve
tema que está situado no grande todo que é o Direito Eleitoral, abrangendo partidos
políticos diversos e atuantes nas esferas federal, estadual e municipal. Dela conheço, tal
como ocorrido anteriormente com a Consulta no 989, que desaguou, presente a relatoria
do Ministro Luiz Carlos Madeira, na Res. no 21.627, que se encontra às fls. 37 à 40 do
processo. Tudo recomenda a atuação deste Tribunal, de modo a explicitar-se o alcance,
a título de precedentes, de resoluções sobre prestações de contas de diversos partidos, a
saber: Petição no 310 – Partido dos Trabalhadores (PT), Res. no 20.844, fls. 41 a 54;
Petição no 376 – Partido Verde (PV), Res. no 20.706, fls. 55 a 57; Petição no 376 –
Partido Verde (PV), Res. no 20.584, fls. 64 a 67; Petição no 121 – Partido Popular
Socialista (PPS), Res. no 19.944, fls. 68 a 71, e Petição no 119 – Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), Res. no 19.817, fls. 72 a 75. Impõe-se o exame da
matéria à luz da legislação eleitoral como um grande todo e, acima de tudo, da
Constituição Federal.

Regem a administração pública, conforme pedagogicamente previsto no art. 37 da Lei


Fundamental, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência. Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que
preencham os requisitos legais, assim como aos estrangeiros, na forma da lei. A
investidura em cargo ou emprego público faz-se mediante aprovação prévia em
concurso público de provas ou de provas e títulos, atentando-se para a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, conforme disposto em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

A cláusula final do inciso II do art. 37 da Carta da República não encerra livre discrição
do administrador público. Submete-se à referência à natureza e complexidade do cargo
em comissão, devendo a escolha recair em quem tenha condições de satisfazer a
eficiência, sempre objetivo precípuo no campo da prestação dos serviços à
administração pública. As atribuições de direção, chefia e assessoramento devem caber
a quem esteja, do ponto de vista técnico, à altura delas próprias. Daí assentar-se, sob o
prisma constitucional, a impossibilidade de se agasalhar critério que, de alguma
maneira, leve em conta, potencializando-a, a condição de integrante de certo partido.
Logo, sob o ângulo estritamente constitucional e diante dos interesses maiores da
administração pública, surge com extravagância ímpar previsão, no estatuto do partido
político, que acabe por direcionar a escolha do ocupante do cargo ou do detentor da
função de acordo com a filiação partidária, para, em passo seguinte, fixar-se
contribuição que somente no plano formal pode ser vista como espontânea.

Sim, a liberdade política é princípio básico em um Estado Democrático de Direito. Não


obstante, em mercado desequilibrado, em que se verifica oferta excessiva de mão-de-
obra e escassez de empregos, se a pessoa está procurando a fonte do próprio sustento e
da respectiva família, tenderá a filiar-se a certo partido, detentor indireto do poder, para,
em passo seguinte, sucumbindo ante a força da necessidade de optar, vir a emprestar
aquiescência – que digo compulsória – a desconto de determinado valor em benefício
do partido a que se faz vinculado até mesmo sem o respaldo do próprio convencimento.

Mais do que isso, afigura-se latente o abuso do poder de autoridade. A razão é muito
simples. Ou bem o pretendente ao cargo de confiança ou à função comissionada
concorda em se filiar e contribuir, ou acaba não logrando a ocupação do cargo ou o
desenvolvimento da função, a fonte da subsistência referida. Em última análise, em
razão da mesclagem dos interesses em jogo – do partido e daquele que, mediante a
respectiva bandeira, foi eleito para o cargo de chefia maior do Executivo, e aí passam a
confundir-se –, haverá o conseqüente abuso do poder de autoridade, a menos que nos
imaginemos em outro contexto que não o nacional. Perpetrado o abuso de autoridade,
desviando-se, sob o ângulo da finalidade, dinheiro público, segue-se a existência de
parâmetros a evidenciar outra forma de abuso, que é a do poder econômico, situando-se
partidos políticos em patamares diferentes. Aqueles que estejam no poder, nas diversas
gradações – federal, estadual e municipal –, contarão, considerado o verdadeiro abuso
no número de cargo de confiança, com insuperável fonte de recursos e aí, em passo
seguinte, dar-se-á o desequilíbrio, sob o aspecto econômico e financeiro, da disputa que
se almeja de início igualitária. De fato, é alarmante o número de cargos de confiança –
artigo de Cláudio Weber Abramo, publicado na Folha de S.Paulo de 7 de junho de
2005, revela vinte e dois mil no nível federal e três mil no Município de São Paulo,
sendo que o presidente dos Estados Unidos conta apenas com cerca de nove mil e, em
países da Europa, o número é muito menor.

Deixemos de lado um pouco o raciocínio a partir de princípios que dizem respeito à


própria ordem natural das coisas, embora encontrem base maior na Constituição
Federal, em fundamentos da República, a saber – a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
Considere-se – tal como aconteceu quando do exame da Petição no 119, relatada pelo
Ministro Costa Porto em 6 de março de 1997, e do julgamento do Recurso Especial no
16.236 e, portanto, no campo jurisdicional – o que acabou por prevalecer. O Ministro
Costa Porto, ao relatar a Petição no 119, procedeu à veiculação de voto, alfim
predominante, no sentido da aprovação das contas do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), com observações no tocante à ilegalidade da cobrança
de contribuição dos ocupantes de cargos e funções comissionadas. Consignou Sua
Excelência:

Mas creio seja conveniente advertir a agremiação quanto à redação de um dos


parágrafos do art. 100, de seus estatutos, que os autos transcrevem:

§ 1o Os filiados que exercerem cargos exoneráveis ad nutum contribuirão, mensalmente,


com quantia equivalente a 3% (três por cento) de seus vencimentos.

Disse, então, Sua Excelência – e foi acompanhado inclusive por mim próprio na
presidência e pelos Ministros Néri da Silveira, Costa Leite, Nilson Naves, Eduardo
Alckmin, sendo procurador-geral eleitoral, presente na assentada, o Dr. Geraldo
Brindeiro:

Entendo que essas contribuições afrontam a disposição do art. 31 da Lei no 9.096/95 e


não podem, assim, ser admitidas.
A ementa da resolução, que está à fl. 72, ganhou o seguinte teor:

Fundo Partidário. Prestação de contas. Partido do Movimento Democrático Brasileiro


(PMDB). Contribuição de filiados – parlamentares vinculados ao partido.

A vedação do art. 31, II, da Lei no 9.096/95, atinge, porém, os filiados a partido que
exerçam cargos exoneráveis ad nutum.

Aprovada.

No campo jurisdicional, como referido, em sessão realizada em 13 de abril de 2000, sob


a presidência do Ministro Néri da Silveira, o Colegiado não conheceu do Recurso
Especial no 16.236, relator Ministro Eduardo Alckmin, e, já houvesse o procedimento
atual, dele teria conhecido e desprovido. É que o Tribunal Regional Eleitoral de Mato
Grosso glosara contas do Diretório Regional do Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), e aí o Colegiado, a uma só voz, visando à prevalência do que já assentara na
consulta referida, afastou a violência ao inciso II do art. 31 da Lei no 9.096/95, ficando
expresso no acórdão:

De fato, há que se fazer distinção entre contribuição estatutária efetuada por filiados a
partidos políticos que são parlamentares e contribuição de filiados que exerçam cargos
exoneráveis ad nutum.

Endossando o acórdão da Corte de origem, adotou este Tribunal o entendimento de que


o art. 31, inciso II, da Lei no 9.096/95 obstaculiza a contribuição – para mim, sob todos
os títulos, compulsória – do servidor ao partido político, contribuição esta cuja base de
incidência é o que percebido da administração pública, restando consignada em folha de
pagamento – fls. 58 a 63. Participaram ainda desse julgamento o Ministro Néri da
Silveira, presidente, e os Ministros Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Edson Vidigal,
Garcia Vieira, Costa Porto, sendo o vice-procurador-geral eleitoral, presente à sessão, o
Dr. Paulo da Rocha Campos. A Corte perquiriu o alcance do inciso II do art. 31 da Lei
no 9.096/95, no que veda ao partido receber direta ou indiretamente, sob qualquer forma
ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive
mediante publicidade de qualquer espécie, procedente de autoridade ou órgão público.
O Tribunal percebeu, de um lado, verdadeiro repasse de dinheiro de órgão público ao
partido político, ante o vício na manifestação de vontade do servidor; de outro, tomou a
expressão “autoridade pública” no sentido genérico, a apanhar servidores e agentes
públicos. Fê-lo a partir das balizas que regem a vida gregária. Fê-lo a partir da Lei no
9.096/95. Fê-lo a partir dos ditames constitucionais, no que afastam enfoque que
conduza à arregimentação para cargo público em virtude da opção política formalizada.

Ante as premissas lançadas acima, concluo que não prevalece a óptica de plena
disponibilidade da remuneração por parte do servidor, conforme assentado por esta
Corte no julgamento da Petição no 310, na sessão de 14 de agosto de 2001, relator
Ministro Nelson Jobim – Res. no 20.844.

Respondo, então, à consulta nos seguintes termos: incide a vedação do inciso II do art.
31 da Lei no 9.096/95, relativamente à contribuição de detentor de cargo ou função de
confiança, calculada em percentagem sobre a remuneração percebida e recolhida ao
partido mediante consignação em folha de pagamento.
PEDIDO DE VISTA

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Senhor Presidente, peço vista


dos autos.

EXTRATO DA ATA

Cta no 1.135 – DF. Relator: Ministro Marco Aurélio – Consulente: Eduardo da Costa
Paes, deputado federal.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da consulta. No mérito, após o voto do


ministro relator respondendo à consulta no sentido de incidir a vedação do inciso II do
art. 31 da Lei no 9.096/95, relativamente à contribuição de detentor de cargo ou função
de confiança, calculada em percentagem sobre a remuneração percebida e recolhida ao
partido mediante consignação em folha de pagamento, no que foi acompanhado pelos
Ministros Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Gerardo Grossi e Gilmar
Mendes, pediu vista o Ministro Luiz Carlos Madeira. Aguarda o ministro presidente.

Presidência do Exmo. Sr. Ministro Carlos Velloso. Presentes os Srs. Ministros Gilmar
Mendes, Marco Aurélio, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Luiz Carlos
Madeira, Gerardo Grossi e o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, vice-procurador-
geral eleitoral.

VOTO (VISTA)

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Senhor Presidente, adoto o


relatório do relator, e. Ministro Marco Aurélio.

A conclusão do e. relator foi esta:

Ante as premissas lançadas acima, concluo que não prevalece a óptica de plena
disponibilidade da remuneração por parte do servidor, conforme assentado por esta
Corte no julgamento da Petição no 310, na sessão de 14 de agosto de 2001, relator
ministro Nelson Jobim – Res. no 20.844.

Respondo, então, à consulta nos seguintes termos: incide a vedação do inciso II do art.
31 da Lei no 9.096/95, relativamente à contribuição de detentor de cargo ou função de
confiança, calculada em percentagem sobre a remuneração percebida e recolhida ao
partido mediante consignação em folha de pagamento.

Em 6 de março de 1997, apreciando a Petição no 119/DF, DJ de 27.3.97, de que foi


relator o e. Ministro Costa Porto, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu “aprovar as
contas com as observações contidas nos termos do voto do relator”.

A ementa dessa decisão tem este teor:

Fundo Partidário. Prestação de contas. Partido do Movimento Democrático Brasileiro


(PMDB). Contribuição de filiados – parlamentares vinculados ao partido.
A vedação do art. 31, II, da Lei no 9.096/95, atinge, porém, os filiados a partido que
exerçam cargos exoneráveis ad nutum.

Aprovada.

No voto se lê:

O SENHOR MINISTRO COSTA PORTO (relator): Senhor Presidente, no processo


anterior, relativo à prestação de contas do Partido Liberal, entendemos que, ao empregar
o termo “autoridades”, o que a lei procurou impedir foi a interferência de organismos
estatais na vida partidária. Mas não obstar, o que seria excessivo, contribuições
financeiras de quem, representantes de partidos, no parlamento, nas câmaras municipais,
pretendessem, com seu aporte financeiro, vitalizar as legendas, superar a crise em que, o
mais das vezes, vivem as instituições.

[...]

Mas creio seja conveniente advertir a agremiação quanto à redação de um dos


parágrafos do art. 100, de seus estatutos, que os autos transcrevem:

“§ 1o Os filiados que exercerem cargos exoneráveis ad nutum contribuirão,


mensalmente, com quantia equivalente a 3% (três por cento) de seus vencimentos.”

Entendo que essas contribuições afrontam a disposição do art. 31 da Lei no 9.096/95 e


não podem, assim, ser admitidas.

O processo aludido no voto, sendo interessado o Partido Liberal, é a Petição no 134/DF,


julgada em 25 de fevereiro de 1997 (DJ de 14.3.97), de que foi relator o e. Ministro
Costa Porto.

Em seu voto, depois de transcrever, parcialmente, o art. 31 da Lei no 9.096/95, assim


considerou o ilustre relator:

Não creio se deva interpretar o texto com o rigor com que o fez nossa Secretaria de
Controle Interno.

Tivesse sido utilizada, ali, a expressão “agentes políticos” e seriam alcançados, como
entende a melhor doutrina, “os componentes do governo em seus primeiros escalões,
investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição,
designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais” (Hely Lopes
Meirelles). Ou os que tem a função “de formadores da vontade superior do Estado”
(Celso Antônio Bandeira de Mello).

Empregando, no entanto, o termo “autoridades”, o que a lei procurou impedir foi a


interferência dos organismos estatais na vida partidária, a desmedida influência do
poder político no âmbito das agremiações. Mas não obstar, o que seria excessivo,
contribuições financeiras de quem, representante de partidos, no parlamento, nas
câmaras [...].
O art. 31 da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995, no que interessa, tem esta
redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou
pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através
de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Por brevidade, deixa-se de arrolar os diversos sentidos da palavra autoridade e,


especialmente, da expressão autoridade pública, que poderiam ser encontrados nos
dicionários, na legislação civil, penal e administrativa.

Adota-se a definição da Lei no 4.898, de 9.12.65, que regula o Direito de Representação


e o Processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de
autoridade.

Lá está dito:

Art. 5o Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego
ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem
remuneração.

Vale dizer que todo aquele que exerce cargo, emprego ou função pública, detendo uma
parcela do poder político, é autoridade pública.

Assim, em sentido amplo, “funcionário público é todo aquele que, mesmo em caráter
transitório, exerce cargo, emprego ou função pública”.

Para Hely Lopes Meirelles:

A classificação dos servidores públicos em sentido amplo é campo propício para


divergências doutrinárias. De acordo com a Constituição Federal, numa redação
resultante da EC no 19, chamada de ‘emenda da Reforma Administrativa’, bem como da
EC no 20, classificam-se em quatro espécies: agentes políticos, servidores públicos em
sentido estrito ou estatutários, empregados públicos e os contratados por tempo -
determinado.1

Em sentido estrito, “funcionário público é toda pessoa física titularizada que, em caráter
permanente, exerce cargo público, criado por lei.” (Cretella Júnior, José, in Curso de
Direito Administrativo, ed. 10, Forense, Rio de Janeiro, 1989, p. 421.)

Dentro desse conceito, enquadram-se como funcionários públicos os investidos em


cargos em comissão, como os detentores de cargos de chefia (ver Hely Lopes Meirelles,
Direito Administrativo brasileiro, Revista dos tribunais, ed. 2, SP, 1966, p. 357).

Assim sendo, “os filiados que exercerem cargos exoneráveis ad nutum” são
funcionários públicos.
Na conformidade com a Lei no 8.112, de 11.12.90, que dispõe sobre o Regime Jurídico
dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas
Federais:

Art. 5o São requisitos básicos para investidura em cargo público:

I – a nacionalidade brasileira;

II – o gozo dos direitos políticos;

III – a quitação com as obrigações militares e eleitorais;

IV – o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo;

V – a idade mínima de dezoito anos;

VI – aptidão física e mental.

Se assim é, forçoso considerar que os funcionários públicos têm direito à filiação


partidária, pois somente por meio dela poderão ser votados, conforme o art. 18 da Lei no
9.096/95:

Art. 18. Para concorrer a cargo eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo
partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou
proporcionais.

A outro passo “os filiados de um partido político têm iguais direitos e deveres”,
conforme o art. 4o da Lei no 9.096/95:

Art. 4o Os filiados de um partido político têm iguais direitos e deveres.

Anoto a primeira perplexidade:

– ou o partido não poderá receber como filiados funcionários públicos demissíveis ad


nutum, ou os funcionários públicos que se filiarem ao mesmo partido terão deveres
diversos dos demais filiados, visto que estarão liberados de fazer doação ou de
contribuir para o partido.

Nos termos do voto do relator na Petição no 134/DF, julgada em 25 de fevereiro de 1997


(DJ de 14.3.97), o e. Ministro Costa Porto, no processo em que foi interessado o Partido
Liberal, não se incluem na restrição em causa os “agentes políticos”:

[...] os componentes do governo em seus primeiros escalões, investidos em cargos,


funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para
o exercício de atribuições constitucionais (Hely Lopes Meirelles). Ou os que tem a
função “de formadores da vontade superior do Estado” (Celso Antônio Bandeira de
Mello).

Essa é a orientação assentada na Corte.


Ora, não se pode deixar de considerar que os parlamentares sejam autoridades públicas,
nem mesmo os ministros de Estado – demissíveis ad nutum, conforme o art. 84, I, da
Constituição Federal – assim como os secretários de estado e os secretários municipais.

Nessa exata medida, na linha desse entendimento, a perplexidade passa a ser um


paradoxo, uma vez que os ministros de Estado e os secretários dos estados e dos
municípios poderiam contribuir para o partido, mas os que lhes forem subordinados,
como chefes de gabinete, oficiais de gabinete, secretárias ou motoristas, de menor
hierarquia e, por conseqüência, com menor autoridade, não poderiam, em nome da não-
interferência dos organismos estatais no âmbito dos partidos políticos.

Na mesma trilha, diga-se dos parlamentares que se enquadram na condição de


autoridade pública.

Considere-se, ainda uma vez, o texto do art. 31 da Lei no 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou
pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através
de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I – entidade ou governo estrangeiros;

II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

III – autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades


de economia mista e fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos
concorram órgãos ou entidades governamentais;

IV – entidade de classe ou sindical. (Grifei.)

Observe-se que as vedações elencadas se referem – todas – a recebimento de recursos


de pessoas jurídicas.

Na Petição no 119, o e. relator Ministro Costa Porto afirma:

[...] entendemos que, ao empregar o termo “autoridades”, o que a lei procurou impedir
foi a interferência de organismos estatais na vida partidária. (Grifei.)

Se se trata de “organismos estatais” não se poderá ter por conflituosa com a lei a
cláusula estatutária que trata de funcionários públicos demissíveis ad nutum.

A palavra autoridade, certamente, não significa a pessoa física do funcionário público.

Escreve J. Cretella Jr.:

Como pessoa jurídica que é, não pode o Estado operar a não ser por meio de pessoas
físicas. Tais pessoas constituem os órgãos da administração, não se confundindo,
porém, de modo algum, os órgãos com os respectivos titulares: [...] (OB. cit. P. 60-61.)
Quando o inciso do art. 31, em referência, usa a expressão “autoridade ou órgãos
públicos”, não emprega conjunção alternativa nem disjuntiva, mas, certamente, o ou
nada mais é do que uma conjunção explicativa.

Do contrário, o texto não se harmoniza com ele mesmo, bem como com outros
dispositivos da própria Lei no 9.096/95 (arts. 4o e 18).

Mas, se for ao contrário, quer dizer, se se trata de funcionário servidor ou agente


público, deve compreender a todos, independentemente da forma de investidura,
compreendendo também os parlamentares, uma vez que, se a lei não distingue, não é
lícito ao intérprete distinguir. Reporto-me a Carlos Maximiliano:

299. Quando o texto menciona o gênero, presume-se incluídas as espécies respectivas;


se faz referência ao masculino, abrange o feminino; quando regular o todo, compreende-
se também as partes (1). Aplica-se a regra geral aos casos especiais, se a lei não
determina evidentemente o contrário (2).

Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus: “Onde a lei não distingue, não pode
o intérprete distinguir.”

Mais. Posteriormente, a Lei no 9.504/97, em seu art. 24, estabeleceu:

Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em


dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer
espécie, procedente de:

I – entidade ou governo estrangeiro;

II – órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos


provenientes do poder público;

III – concessionário ou permissionário de serviço público;

IV – entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição


compulsória em virtude de disposição legal;

V – entidade de utilidade pública;

VI – entidade de classe ou sindical;

VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior.

Mantida a posição de vedação de contribuições dos servidores demissíveis ad nutum


para os partidos políticos, a contar do art. 31, II, da Lei no 9.096/95, por se tratarem de
“autoridade pública”, teríamos a incongruência ao admitir essa mesma contribuição a
partidos e candidatos, no período eleitoral, já que a Lei no 9.504/97 excluiu ou não
contemplou essa expressão – “autoridade pública”.

É nesse contexto que se afirma a jurisprudência atual do TSE:


“Prestação de contas. Partido dos Trabalhadores (PT). Exercício financeiro de 1996.

Contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum. Inexistência de


violação ao art. 31, II da Lei no 9.096/95”. (Pet no 310/DF, Res.-TSE no 20.844,
14.8.2001, DJ de 9.11.2001, rel. Min. Nelson Jobim.)

Essa resolução contou com o prestígio dos Ministros Sepúlveda Pertence, Garcia Vieira,
Sálvio de Figueiredo Teixeira, Costa Porto e Fernando Neves, o que faz deduzir que o e.
Ministro Costa Porto tenha revisado seu entendimento anterior.

Agora, em fevereiro de 2004, respondendo à Consulta no 989/DF, o TSE expediu a


Res.-TSE no 21.627, assim ementada:

Consulta. Presidente do PFL. Contribuição de filiados demissíveis ad nutum. Art. 31 da


Lei no 9.096/95.

Orientação consagrada pela Res.-TSE no 20.844, de 14.8.2001, relator Ministro Nelson


Jobim (Diário da Justiça de 9.11.2001).

É lícito o recebimento, pelos partidos políticos, de recursos oriundos de filiados


detentores de cargo em comissão.

Na condição de relator, tive a companhia dos eminentes Ministros Ellen Gracie, Carlos
Mário Velloso, Celso de Mello, Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins e Caputo
Bastos.

A esses fundamentos, rogando todas as vênias ao e. Ministro Marco Aurélio e àqueles


que o acompanharam, para deles divergir, considero legal a contribuição partidária dos
detentores de cargos demissíveis ad nutum.

É o voto.

EXTRATO DA ATA

Cta no 1.135 – DF. Relator: Ministro Marco Aurélio – Consulente: Eduardo da Costa
Paes, deputado federal.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da consulta. No mérito, por decisão


majoritária, vencido o Ministro Luiz Carlos Madeira, o Tribunal respondeu à consulta
no sentido de incidir a vedação do inciso II do art. 31 da Lei no 9.096/95, relativamente
à contribuição de detentor de cargo ou função de confiança, calculada a percentagem
sobre a remuneração percebida e recolhida ao partido mediante consignação em folha de
pagamento, nos termos do voto do relator. Votou o presidente.

Presidência do Exmo. Sr. Ministro Carlos Velloso. Presentes os Srs. Ministros Gilmar
Mendes, Marco Aurélio, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Luiz Carlos
Madeira, Gerardo Grossi e o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, vice-procurador-
geral eleitoral.
Tribunal Superior Eleitoral declara ilegal o dízimo
partidário
A cobrança do dízimo partidário — contribuição descontada sobre o salário de
filiado dos partidos políticos que ocupa cargo ou função de confiança na
administração pública — é ilegal. A decisão é do Tribunal Superior Eleitoral e foi
tomada por seis votos a um, vencido o ministro Luiz Carlos Madeira.
Prevaleceu o entendimento do ministro Marco Aurélio Mello, relator da Consulta
1.135, formulada pelo deputado Federal Eduardo da Costa Paes (PSDB/RJ).
Segundo o ministro, fere o princípio da moralidade pública a regra que “acabe por
direcionar a escolha do ocupante do cargo ou do detentor da função de acordo com
a filiação partidária para, em passo seguinte, fixar-se contribuição que somente no
plano formal pode ser vista como espontânea”.
Para Marco Aurélio, a prática também contraria a visão de plena disponibilidade da
remuneração por parte do servidor, conforme assentado na Resolução 20.844 do
TSE.
De acordo com a Lei 9.096/95 (lei dos partidos políticos), “é vedado ao partido
receber direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou
auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive mediante publicidade de
qualquer espécie, procedente de autoridade ou órgão público”.

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