A Roupa Feminina Através Da Pintura ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


CENTRO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES

Moda e Arte:
A roupa feminina através da pintura da segunda metade do século
XIX

Camila dos Santos Cardoso

Pelotas, 2015
Camila dos Santos Cardoso

Moda e Arte:
A roupa feminina através da pintura da segunda metade do século
XIX

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-


Graduação em Artes Visuais - Terminalidade
em Ensino e Percursos Poéticos da
Universidade Federal de Pelotas, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Especialista em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Ávila Santos

Pelotas, 2015
Dedico este trabalho primeiramente à
minha família, que sempre me apoiou e
nunca poupa esforços para me ajudar. À
minha avó Eva Célia, que contribuiu para
minha formação e que apesar de seu
estado atual, com doença de Alzheimer,
continua me ensinando muito sobre a
vida. Dedico, também, à minha tia Ana
Maria Cardoso (in memorian) que sempre
esteve presente em minha vida e
acompanhou de perto esta trajetória.
Resumo

CARDOSO, Camila dos Santos. Moda e Arte: a roupa feminina através da pintura
da segunda metade do século XIX. 2015. Monografia (Especialização) - Programa
de Pós-Graduação em Artes, na Terminalidade de Ensino e Percursos Poéticos,
Centro de Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2015.

Esta pesquisa, vinculada ao Curso de Especialização do Programa de Pós-


Graduação em Artes, na Terminalidade de Ensino e Percursos Poéticos, da
Universidade Federal de Pelotas, tem como objetivo investigar a moda feminina
francesa da segunda metade do século XIX, pela perspectiva da pintura dos
movimentos denominados como: Realismo, Impressionismo, Pontilhismo e Art
Nouveau. Para isso, contextualizamos brevemente os movimentos artísticos que
compreendem o período estudado. Destacamos os pintores cujas obras são
relevantes para a análise proposta. Realizamos levantamento histórico da moda
oitocentista, seus significados e simbolismos. O trabalho também se fundamenta nas
publicações do acervo do Instituto da Indumentária de Kioto (2012k).

Palavras-chave: História da Arte; História da Moda; Século XIX.


Lista de Figuras

Figura 1
Figura 1.1 As respigadeiras, Jean-François Millet, 1857.....................................12
Figura 1.2 O quebra-pedras, Gustave Courbet, 1849..........................................12

Figura 2
Figura 2.1 Catedral de Rouen, Claude Monet, 1894............................................14
Figura 2.2 Monte de feno no inverno, Cloude Monet, 1891.................................14

Figura 3
Figura 3.1 Saint-Tropez, Paul Signac, 1895........................................................16
Figura 3.2 O Circo, Georges Seurat,1888............................................................16

Figura 4
Figura 4.1 Marie Sèthe, Henry Van de Velde,1898. ............................................17
Figura 4.2 Broche Libélula, René Lalique, c. 1898. ............................................17

Figura 5
Figura 5.1 Cartaz publicitário do Moulin Rouge, Paris..........................................18
Figura 5.2 Cartaz publicitário de Theco Alphonse Mucha, Paris...........................18

Figura 6
Figura 6.1 Vestidos para o dia, 1853....................................................................26
Figura 6.2 Fragmento de pintura anônima de uma jovem comprando flores,
s/d...............................................................................................................................26

Figura 7
Figura 7.1 Em um camarote na ópera, in Le Follet, 1857.....................................27
Figura 7.2 No teatro, Auguste Renoir, 1874..........................................................27

Figura 8
Figura 8.1 Costureiras deixando o ateliê de moda Paquin, pintura de Jean Béraud,
1900...........................................................................................................................28

Figura 9
Figura 9.1 A moda em primeiro lugar, c. anos 1860.............................................31
Figura 9.2 Revista Punch, 1851............................................................................31

Figura 10
Figura 10.1 Moças à margem do Sena: Verão, Gustave Courbet, 1857................33
Figura 10.2 Vestido de noite, c. 1855.....................................................................33
Figura 10.3 Anágua, 1850-1860.............................................................................33

Figura 11
Figura 11.1 Senhorita com um leque, Édouard Manet, 1862................................34
Figura 11.2 Colocando uma crinolina, 1857..........................................................34

Figura 12
Figura 12.1 Mulheres no Jardim, Claude Monet, 1866-67....................................36
Figura 12.2 Vestido de dia, final da década de 1860............................................36
Figura 12.3 Crinolina, 1865 - 1869........................................................................36

Figura 13
Figura 13.1 Retrato da Senhora Georges Harmann, Auguste Renoir, 1874........37
Figura 13.2 Vestido de festa, Charles Frederick Worth, hacia 1874.....................37
Figura 13.3 Polisón, corsé, camisola y calzones largos, década de 1870 y
1880...........................................................................................................................37

Figura 14
Figura 14.1 Vestido de dia, Emile Pingat, c. 1883.................................................38
Figura 14.2 Anquinhas, década de 1880...............................................................38
Fonte 14.3 Anquinha científica, 1884...................................................................38

Figura 15 Um domingo de verão na Grande Jatte, Georges Seurat, 1884-


6.................................................................................................................................39
Figura 16
Figura 16.1 Corset, década de 1880.....................................................................40
Figura 16.2 Coquetê de passage, Henri de Toulouse-Lautrec, 1896................... 40
Figura 16.3 Vestido de dia, Jacques Doucet, c. 1897...........................................40

Figura 17 No Moulin Rouge, Henri de Toulouse - Lautrec, 1892.......................41

Figura 18
Figura 18.1 Vestido, Vitor Prouvé e Fernand Couteix, 1900................................42
Figura 18.2 O espartilho da saúde, 1890.............................................................42
Sumário

Introdução .................................................................................................................. 4

1. A pintura na França na segunda metade do século XIX ................................... 7


1.1 Os movimentos artísticos franceses da segunda metade do século XIX ........... 7
1.2 Os Mestres pintores franceses: sobre os artistas e principais obras ............... 15

2.2. Estudo da moda feminina da segunda metade do século XIX pela


perspectiva da pintura ............................................................................................ 29

3. Considerações Finais ......................................................................................... 41


Referências .............................................................................................................. 44
4

Introdução

Para além de cobrir o corpo, uma peça de roupa pode reunir vários
significados. Podemos classificar como algumas razões para o vestir: a proteção em
relação às intempéries, o pudor, a atração dos olhares, o status social. Flügel (1966)
afirma que a comunicação é um dos motivos pelo qual cobrimos o corpo, e que as
roupas são como uma espécie de mensagem enviada pelo emissor (o observado),
que passam informações para um receptor (quem observa). Sendo assim, a moda é
o reflexo das mentalidades e dos anseios dos indivíduos e das sociedades. De modo
que podemos considerá-la um fenômeno cultural e histórico, capaz de uma
identificação no tempo e no espaço (CIDREIRA, 2005).

Desde 2011 nosso objeto de estudo é pautado na estreita relação existente


entre a moda e a arte, em produções acadêmicas durante o curso de Tecnologia em
Design de Moda, da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), baseados em
movimentos denominados como: Pós-Impressionismo, Bauhaus e Pop Art. O tema
foi retomado no Programa de Pós-graduação, no Curso de Especialização em Artes
do Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Relacionando o estudo da indumentária com a História da Arte, buscamos


nesse trabalho analisar a moda para além da questão estética, discutindo o papel
social das roupas no contexto da segunda metade do século XIX, apontando
questões de gênero e identidade e os significado simbólico do vestuário feminino.
Assim, o texto resultante da proposta intitulada “Moda e Arte: estudo da roupa
feminina através da pintura da segunda metade do século XIX” apresenta
problemática a partir do questionamento: Qual a importância da abordagem da
História da Arte como referência visual para a pesquisa em História da Moda?
Numa perspectiva interdisciplinar investigaremos as silhuetas e o vestuário feminino
francês do período compreendido entre 1850 à 1900 através da pintura, que servirá
como uma ferramenta mediadora das relações entre moda e sociedade, permitindo-
nos a compreensão da moda dentro variados contextos da época.
5

Muitas são as referências (LAVER 1989; STEVENSON, 2012; XIMENES,


2011) que utilizam a pintura além de outras ilustrações para exemplificar os
conteúdos de história da moda, o que não faz desta ideia inovadora. No entanto,
estas obras não exploram o conteúdo de moda das pinturas, que apresenta-se rico
e trás uma abordagem a partir de uma outra perspectiva, a do próprio pintor. A
relevância deste trabalho sustenta-se pelo fato de que acreditamos na necessidade
de ampliar estudos e pesquisas com maior fôlego na área.

Buscando pesquisas que enfocaram a temática, foi encontrado um blog cujo


objetivo é semelhante1. Porém, como não é possível ter acesso ao trabalho original,
pois o mesmo está protegido por copyright, até onde se sabe o estudo não levanta
questões sociais, de gênero e identidade, os quais são tratados no presente
trabalho, assim como não possuem a mesma finalidade.

O presente estudo busca investigar os estilos em voga na França de cada


decênio, iniciando no anos 1850 até o final do século XIX por meio das obras de
Gustave Courbet, Édouard Manet, Cloude Monet, Georges Seurat e Henri de
Toulouse-Lautrec. Sendo assim, a pintura será utilizada como fonte primária da
análise. E com o objetivo de enriquecer esta investigação, fundamentamo-nos
também nas fotografias do acervo do Instituto da Indumentária de Kioto, intitulado
Moda: Una historia desde el siglo XVIII al siglo XX, Tomo I: Siglo XVIII y siglo XIX,
publicado em Barcelona em 2012. Desse modo a metodologia consiste em, por um
lado, investigar as tendências das roupas femininas através das pinturas dos
movimentos estéticos da época: o Realismo, o Impressionismo, o Pontilhismo e o Art
Nouveau. Por outro, por meio da análise de fotografias dos modelos registrados em
publicação do Instituto da Indumentária de Kioto (2012), identificar os artifícios ou
acessórios visíveis e não visíveis dos trajes, que conformaram a silhueta da mulher
no período estudado. Também são referências para este estudo os livros
especializados nas duas áreas, da História da Arte e da História da Moda, nos
últimos destacamos os estudos de: Diana Crane (2006), que investigou o papel da

1
Lilian Machado, autora do blog e Graduada em História pela Universidade Veiga Almeida, UVA/RJ.
Especialista em Arte e Cultura pela Universidade Cândido Mendes, UCAM. Aborda a História da
Moda por meio de telas de pinturas do Gótico ao Impressionismo.
6

moda na sociedade do século XIX e XX; e de Gilda de Mello e Souza (1987), que
abordou a moda do século XIX e seu contexto histórico.

A monografia está subdividida em dois capítulos. O primeiro, intitulado "A


pintura na França da segunda metade do século XIX", trata dos movimentos
estéticos da arte francesa no período já citados: o Realismo, o Impressionismo, o
Pontilhismo e o Art Nouveau. Salienta os estilos, as obras e os artistas inseridos na
pesquisa, elencados pelas temáticas retratadas nas criações e pelas possibilidades
que as pinturas permitem para o estudo proposto. O segundo, denominado como "A
moda feminina na pintura da segunda metade do século XIX" analisa a moda a partir
da pintura, contextualiza os estilos e artifícios da moda francesa da década de 1850
à 1890, discute a relação da moda com o papel das mulheres na sociedade da
época, como questões de gênero e identidade, e apresenta alguns dos significados
simbólicos das roupas.
7

1. A pintura na França na segunda metade do século XIX

1.1 Os movimentos artísticos franceses da segunda metade do século XIX

Durante o século XIX, o desenvolvimento industrial e a fabricação mecânica


de artefatos produzidos em série e em diferentes setores, resultaram não apenas no
declínio dos objetos manufaturados realizados até então. Também contribuíram para
a transformação do modo de pensar dos europeus, especialmente na segunda
metade do século. No que diz respeito ao campo das Artes Visuais, sucessivas
rupturas nos estilos artísticos marcaram o período. Deixando no passado o
Romantismo (1830-1850), cujos temas abordavam a história nacional dos países
europeus, a literatura da época, o medievalismo e também o amor à natureza,
marcado pela ascensão da paisagem como um gênero pictórico, como as naturezas
mortas (CAVALCANTI, 1967). Possibilitando o desenvolvimento do Realismo que,
com seus ideais inovadores, tinha como objetivo representar somente as coisas
reais e concretas da natureza, visíveis aos olhos do homem. Gustave Courbet
(1810-1877), o primeiro expoente desse movimento estético, afirmou que não
poderia representar anjos em suas obras, pois nunca tinha visto tais indivíduos
(BELL, 2008). Afirmou que a pintura era um instrumento de propaganda política, e o
artista um servidor do povo.

De acordo com Gombrich (2013), o movimento manifestou-se a partir das


ideias do pintor inglês John Constable (1776-1837), cuja concepção era pintar com
veracidade a realidade. Com o objetivo de executar o projeto de John Constable, um
grupo de artistas reuniu-se em 1848 na localidade de Barbizon, na França
(GOMBRICH, 2013). Entre os integrantes estava o pintor romântico Jean-François
Millet (1814-1875), responsável por revolucionar os temas pitorescos introduzindo
camponeses nas pinturas de paisagens (MENEZES, 1997). A obra de Jean-François
Millet denominada como As respigadeiras (1857) (Figura 1.1), preconiza a tendência
dos realistas e românticos para a representação de temas rurais, nas quais estavam
dispostos trabalhadores, mendigos e todos aqueles que não eram dignos de serem
explorados nas obras artísticas, segundo a Academia de Belas Artes de Paris.
8

Figura 1 - Na imagem à esquerda, 1: As respigadeiras, Jean-François Millet, 1857. Fonte:


GOMBRICH, 2013, p. 331. Na imagem à direita, 2: O quebra-pedras, Gustave Courbet, 1849. Fonte:
ARGAN, 1992, p. 92.

A temática realista ignorava as figuras religiosas, mitológicas e heroicas, pois


os pintores da vertente não tinham a intenção de retratar conteúdos abstratos ou
aqueles que dependiam do imaginário. Dedicavam-se a pintar somente as coisas
que viam e/ou vivenciavam, limitando-se aos temas do cotidiano. Decididos a fixar
nas telas exclusivamente cenas de seu tempo, os pintores da nova escola
exploravam nas suas pinturas as injustiças sociais. O período vivenciado era
favorável às novas temáticas. Após a instalação massiva das fábricas nas zonas
periféricas das cidades, muitos camponeses migraram para as áreas urbanas para
trabalhar nas indústrias. Consequentemente, surgiram os bairros operários nas
periferias das metrópoles industrializadas, não projetados e insalubres, cujos
habitantes formaram a classe mais baixa dentro da sociedade da época, o
proletariado.

Buscando identificar-se com as questões contemporâneas, os pintores


realistas representavam suas ideias políticas, o trabalho árduo de homens e
mulheres do povo, revelando as desigualdades sociais e expondo as diferenças
entre a classe operária e a burguesa (HAUSSER, 1982). Os realistas fizeram da arte
uma forma de protestar contra tudo aquilo que não concordavam. Pois mais do que
registrar a realidade, o pintor realista buscava identificar-se com ela (ARGAN, 1992),
como ilustra o quadro denominado como O quebra-pedras (1848) de Gustave
Courbet (Figura 1.2).
9

A forma como os pintores realistas manifestavam plasticamente estas


questões políticas e sociais de seu tempo, caracterizou o movimento, assim como a
sua devoção em pintar as coisas do mundo real, renegando os temas religiosos e
alegóricos. Os pintores realistas não se dedicaram ao desenvolvimento de uma
técnica de pintura. Alguns se destacaram pelos seus desenhos, pelo uso das cores
e até pelo posicionamento das figuras, buscando essencialmente representar "os
elementos plásticos nas relações de formas, cores, sombras e luzes como a
realidade os oferecia, acentuando-lhes apenas os aspectos que julgavam mais
característicos'' (CAVALCANTI, 1967, p. 339). Segundo o autor, a partir do
movimento realista nasceu a pintura moderna no final do século XIX, através do
movimento de arte denominado como impressionismo.

A pintura impressionistas surgiu em Paris no ano de 1874, na primeira


exposição coletiva do grupo realizada no ateliê do fotógrafo Felix Tournachon Nadar
(CAVALCANTI, 1978). Para eles, a arte tradicional representava a natureza de
maneira artificial (GOMBRICH, 2013). Os pintores do academicismo trabalhavam
sempre dentro de ateliês e utilizavam a luz artificial para realizar os efeitos
luminosos, com técnicas pré-determinadas. A falta de liberdade artística
atormentava os jovens pintores como Édouard Manet (1832-1883), precursor do
movimento impressionista e que dizia lutar contra as academias (GOMPERTZ,
2013). Janson (1996) acredita que o principal motivo para a criação da escola tenha
sido o surgimento da fotografia, e citamos outras referências que concordam com a
premissa (ARGAN, 1992; REYNOLDS, 1986).

O impressionismo foi marcado por um forte espírito científico no campo da


óptica. Afirmavam os artistas que as cores dos objetos do mundo variavam
constantemente, de acordo com a intensidade da luz do sol. Por essa razão
pintavam ao ar livre, na busca de captar essas variações da luz e da cor (UPJOHN,
WINGERT, MAHLER, 1966). Praticaram a técnica do instantâneo, em pinceladas
separadas e sobrepostas em direções diversas, para registrar as cores e os tons dos
objetos do mundo num instante preciso. Essa intenção determinou a técnica
utilizada e o tamanho de suas obras, que não tinham grandes dimensões e
desconsideravam os detalhes daquilo que pintavam, posto que precisavam ser
10

rápidos, antes que a luz se modificasse alterando as cores do mundo (REYNOLDS,


1986). "As novas teorias não compreendiam apenas o tratamento das cores ao ar
livre (do francês, plein air), mas também o das formas em movimento" (GOMBRICH,
2013, p. 396).

Figura 2 - Na imagem à esquerda, 1: Catedral de Rouen, Claude Monet, 1894. Fonte: BECKTT, 1997,
p. 295. Na imagem à direita, 2: Monte de feno no inverno, Claude Monet, 1891. Fonte: MULLER,
1983, p. 56.

Em sua maioria, as obras impressionistas eram representações de cenas ao


ar livre, de paisagens e marinhas pitorescas, ignorando os temas bíblicos,
mitológicos e alegóricos, ou todos aqueles que não fossem reais ou concretos, como
já haviam feito seus precursores realistas. O objetivo da pintura impressionista não
era representar ideias, opiniões ou sentimentos, e sim transpor para as suas telas a
sensação de luz e de cor, como um rápido vislumbre que o artista registrara
(STRICKLAND, 2002). A série de pinturas da fachada da Catedral de Rouen (Figura
2.1) e dos montes de feno (Figura 2.2) realizadas por Claude Monet (1851-1926)
ilustram essas variações, em pinceladas marcadas e espessas, utilizando as tintas
em estado puro (MENEZES, 1997).

Os pintores impressionistas não utilizavam um desenho de base, como era


comum nas obras acadêmicas, pois fundamentavam-se no princípio de que os
11

objetos não possuem contorno linear, e que as formas são obtidas e determinadas
através das superfícies coloridas, sendo a linha uma abstração criada pelo homem
para representar as coisas do mundo. Afirmavam também que as sombras não eram
negras ou escuras, pois, segundo a teoria: "as sombras, como a cor local, são
compostas, não de um, mas de vários matizes, e que o colorido das sombras inclui
as cores complementares do objeto que as projetou" (REYNOLDS, 1986, p. 88).

Além disso o grupo impressionista realizou oito mostras em Paris, sendo a


primeira promovida em 1874 e a ultima até 1886, quando o grupo finalmente se
dispersou (CAVALCANTI, 1978). Também foram os responsáveis pelo
reconhecimento das cores análogas, (ou complementares), ou seja, aquelas que se
encontram naturalmente opostas no círculo tonal oferecendo maior contraste ou
intensidade quando colocadas próximas ou justapostas (REYNOLDS, 1986). Estas
análises do divisionismo das cores, e tons ou da mistura óptica fizeram parte dos
estudos impressionistas, mas receberam maior atenção no movimento denominado
como pontilhismo, que sucedeu ao impressionismo. E teve como principais
representantes os pintores franceses Georges Seurat (1859-1891) e Paul Signac
(1863-1891), que participaram da última coletiva organizada pelo grupo.
Fundamentando-se nas descobertas na área da física e da química das cores, os
pontilhistas ampliaram as pesquisas dos impressionistas, aplicaram métodos e
processos técnicos com rigor científico.

O neo-impressionismo, divisionismo ou pontilhismo fora desenvolvido a partir


do método impressionista: sem deixar de lado a inspiração nas cenas ao livre
herdadas de seus antecessores, Georges Seurat desenvolveu a pintura por meio de
pequenos pontos de tinta. Mas, diferentemente dos impressionistas, os pontilhistas
elaboravam as cenas através de um desenho prévio, depois coloriam as formas
criadas a partir de pontos de tintas com cores puras, sem serem misturadas,
colocadas lado a lado, de forma que, a certa distância, as cores se mesclassem na
visão do observador (BELL, 2008). Com isso, a execução da pintura era demorada,
oposta à pintura instantânea praticada pelos impressionistas:

O todo supostamente se fundia, como um mosaico, de uma distância, mas


na verdade os pontos individuais nunca se mesclam completamente, dando
12

um efeito granulado, cintilante à superfície da tela (STRICKLAND, 2002, p.


114).

O processo técnico resultava em representações rígidas e sólidas, nas quais


as figuras obtinham formas quase geométricas (Figura 3.1 e 3.2). Posto que os
artistas se interessavam, principalmente, pelos contornos e, não exprimiam
nenhuma sensação de movimento (UPJHON, WINGERT, MAHLER, 1966). A
fotografia, que já havia influenciado os impressionistas, também contribuiu de forma
considerável para que a técnica do pontilhismo se desenvolvesse de forma
rigorosamente precisa (ARGAN, 1992). O método dos pontilhistas e o uso das cores
puras preconizaram a nossa era digital das televisões, dos monitores de computador
e dos aparelhos de celular, nas quais as imagens também são formadas por
pequenos pontos de cores puras/primárias, que denominamos como pixels
(GOMPERTZ, 2013).

Figura 3 - Na imagem à esquerda, 1: Saint-Tropez, Paul Signac, 1895. Na imagem à direita, 2: O


Circo, Georges Seurat, 1888. Fonte: MULLER, 1983, p. 56 e 92.

Em meados de 1890, surgiu na Bélgica um movimento estético que associou


o funcional e o ornamental, adotou os materiais e técnicas da produção industrial e
13

manufaturada, e que atingiu todas as manifestações artísticas: a arquitetura, a


escultura, a pintura, os objetos decorativos de interiores, os cartazes e rótulos
impressos em série e a moda feminina. Como todas as estéticas decorrentes da
segunda metade do século XIX, o novo movimento buscava criar um estilo próprio,
com o objetivo de romper com a arte do passado e, principalmente, com as regras
ditadas pelas academias. O teórico Henry van de Velde, que iniciou na pintura como
neo-impressionista, estreou como arquiteto e designer em 1895, quando edificou
para si mesmo uma residência próxima à Bruxelas, na qual buscou sintetizar todas
as artes (FRAMPTON, 1997). Além de complementar o projeto arquitetônico com
móveis e acessórios, através de formas fluidas criou vestidos para sua esposa
(Figura 4.1).

Figura 4 - Na imagem à esquerda, 1: Marie Sèthe, Henry Van de Velde, 1898. Fonte: FRAMPTON,
1997, p. 111. Na imagem à direita, 2: Broche Libélula (diamantes, crisópraso, ortoclásio, esmalte e
ouro), René Lalique, 1898. Fonte: MALLALIEU, 1999, p. 384.

Vinculado ao movimento inglês denominado Art and Grafts, o art nouveau ou


modern style, como também foi denominado na França, combinava as formas e
estruturas da natureza com um design peculiar ao próspero desenvolvimento
industrial da época, buscando atingir o público burguês (MORAES, 1999). De
maneira geral, a nova arte se caracterizou por linhas sinuosas, chicoteadas ou
14

curvilíneas aplicadas às composições pictóricas, inspiradas na flora e na fauna: em


arranjos florais e nas representações de animais e insetos. O art nouveau também
destacou o corpo feminino, que muitas vezes aparece fundido em modelos híbridos,
como podemos observar no Broche Libélula (Figura 4.2) criado pelo joalheiro
francês René Lalique. Giulio Carlo Argan (1992) chama atenção para outras
características do estilo: a preferência por cores frias e tons pastéis, os motivos
orientais, a despreocupação com as proporções e a harmonia assimétrica das obras.

Figura 5 - Na imagem à esquerda, 1: Cartaz publicitário do Moulin Rouge, Paris. Fonte: CHADYCH,
2012. p. 102. Na imagem à direita, 2: Cartaz publicitário do Theco Alphonse Mucha, Paris. Fonte:
Cartão postal.

Atendendo à categoria das artes aplicadas e dos costumes, a nova estética


se introduziu, desde a construção civil aos adornos pessoais, mesclando os mais
diversos materiais, naturais ou artificiais, em suas composições. Pois a "verdadeira
intenção do art nouveau era unir a originalidade à utilidade, em uma relação mútua e
produtiva" (WITTLICH, 1990 apud MORAES, 1999). Diferente dos outros
movimentos modernos, na França, a nova arte não se destacou pela pintura, que de
maneira geral buscou inspiração na sensualidade feminina. Foi mais representativa
15

nas criações publicitárias dos pintores Henri de Toulouse-Lautrec (Figura 5.1) e


Theco Alphonse Mucha (Figura 5.2), cuja produção de cartazes foi permitida pela
invenção da litografia colorida (HURLBURT, 2002), e que atuaram em Paris nas
décadas finais do século XIX.

1.2 Os Mestres pintores franceses: sobre os artistas e principais obras

Socialista, democrata e republicano, o francês Gustave Courbet não liderou o


movimento realista apenas por seus dotes artísticos. Mas, principalmente, por suas
qualidades e princípios pessoais (HAUSER, 1982). Nascido em junho de 1819, na
pequena cidade de Ornans, Gustave Courbet era filho de cultivadores de vinhas e
cresceu ouvindo as histórias da Revolução Francesa, contadas por seu avô
(MESTRES DA PINTURA, 1978). O que, possivelmente, influenciou seu gosto pela
política e a sua postura revolucionária, características evidentes de suas pinturas.
Sua temática abordou as diferenças sociais, discutiu o abandono do povo e
escancarou o descaso da sociedade pelo homem comum, miserável e dedicado ao
trabalho árduo diário. Segundo Strickland (2002, p. 84): Gustave Courbet "Defendia
em altos brados a classe trabalhadora". E lembra: "suas figuras monótonas
ocupadas em tarefas cotidianas expressam o que Baudelaire denominou "heroísmo
da vida moderna"" (STRICKLAND, 2002, p. 84).

Sua trajetória artística iniciou quando renegou o desejo de seu pai de tornar-
se engenheiro, descobrindo aptidão para as artes. Ainda aprendiz, mostrou ter
talento, e se destacou por suas pinturas com massas de cores. Desenvolveu a
técnica na qual utilizava uma camada generosa de tinta de maneira pastosa sobre a
tela, passando a trabalhar apenas com a espátula de aço (MESTRES DA PINTURA,
1978). Em 1855, pintou o quadro que viria a ser sua obra-prima, denominada como
O Ateliê do Artista. Enviou a obra junto com outros trabalhos ao Salão de Outono de
Paris, mostra oficial anual da capital francesa, e todos foram recusados. Decidido a
expor suas pinturas, com a ajuda de amigos Courbet montou sua própria exposição,
e colocou na entrada da mostra uma placa com a frase: "Le réalism, Gustave
16

Courbet", dando origem ao movimento estético e ao Salão dos Pintores


Independentes (CAVALCANTI, 1967).

Gustave Courbet faleceu aos cinquenta e oito anos de hidropisia 2, na Suíça


(CUMMING, 2010). O artista é citado pela figurinista Marie Louise Nery (2004), como
um dos pintores cujas obras são relevantes para o estudo da história da moda,
devido a maneira considerável com que retratou o período de 1820 a 1870. Além do
movimento realista integrado por Gustave Courbet, destacamos também as pinturas
do movimento impressionista do pintor Édouard Manet, considerando suas
contribuições para o estudo do vestuário francês do século XIX.

Édouard Manet nasceu em Paris em janeiro de 1832. O mais velho dos


impressionistas faleceu em abril de 1883 (REYNOLDS, 1986). Édouard Manet foi o
primogênito de três filhos de uma ilustre família burguesa. Iniciou sua carreira
profissional na marinha. Mas, sempre desejou ser pintor, contrariando seu pai, que
almejava um futuro promissor para o filho como advogado (HARRIS, 1982). Com
cerca de dezoito anos, ingressou em um ateliê de um famoso pintor, e foi durante os
anos que frequentou o estúdio que o jovem pintor demonstrou suas primeiras
inquietações em relação à arte (MESTRES DA PINTURA, 1978). Demonstrava
insatisfação com a artificialidade com que as pinturas acadêmicas eram produzidas.
Criticava as pinturas de cavalete realizadas nos interiores dos ateliês, nos quais
dizia sentir-se dentro de uma tumba. Reclamava da falsa luz e sombras (HARRIS,
1982).

O quadro o Bebedor de Absinto (1858-1859) marcou o começo de sua


carreira artística. Na obra, as pinceladas do artista apresentam despreocupação com
os detalhes dos motivos representados e é evidente a preferência pelo uso de cores
contrastantes. Suas pinturas mais polêmicas foram O Almoço na Relva (1862) e
Olympia (1863). Exposta no Salão de Outono de Paris, a primeira obra,
escandalizou a sociedade por representar uma mulher nua entre dois homens
vestidos sobriamente, sentados sobre um gramado, como que num piquenique. O

2
Doença que causa a acumulação de líquido seroso de forma anormal nas cavidades do corpo ou no
tecido celular. Fonte: Dicionário Michaelis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br//moderno/
portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=hidropisia. Acessado em: 04/10/2015
17

tema chocou o pudor das classes abastadas e os bons costumes da época. Ao


mesmo tempo, marcou a transição do realismo para o impressionismo, nas
pinceladas nervosas, separadas e em direções diversas, aplicadas à vegetação e
aos panejamentos. Por essas verdadeiras agressões ao público, o trabalho foi
retirado da exposição.

Exposta no mesmo Salão um ano depois, Olympia causou novo alvoroço no


meio social. A jovem nua sobre o leito desfeito e os lençóis amarfanhados, a postura
sensual e os adereços (a gargantilha, os chinelinhos, a pulseira, a flor no cabelo e a
mão sobre o sexo) levaram o público a identificar a personagem retratada como uma
prostituta, ao acordar depois de uma noite de luxúria. O ramalhete de flores trazido
pela criada sugeria ao espectador o agradecimento masculino com relação aos
prazeres recebidos. Por outro lado, a luz intensa explorada no quadro, com sombras
diluídas, simulava a iluminação artificial das fotografias. O falatório e as críticas
acirradas sobre a criação do artista levaram à retirada do trabalho da mostra.
Segundo JANSON (1996, p. 330), O Almoço na Relva "é um manifesto de liberdade
artística, afirmando o privilégio do pintor de combinar quaisquer elementos que lhe
agrade, visando apenas o efeito estético".

Apesar de ser considerado como o precursor do impressionismo, Édouard


Manet não participou de todas as exposições do grupo. De fato, suas pinceladas
eram soltas e a despreocupação com os acabamentos contribuiu para o
desenvolvimento da estética que rompeu com o realismo, e que foi adotada por uma
nova geração de artistas. Édouard Manet e os impressionistas encarnaram o que o
poeta e crítico de arte Charles Baudelaire denominou como: o pintor da vida
moderna (TEXEIRA COELHO, 1996). Para o teórico francês, cabia aos pintores da
vida moderna representar as figuras humanas com trajes contemporâneos ao seu
tempo, toda vez que fossem representados em "temas de uma natureza geral que
podem se aplicar a todas as épocas" (TEXEIRA COELHO, 1996, p.25). O que
possivelmente explique o fato do impressionismo ser o movimento estético de maior
contribuição para os estudos da moda do século XIX, devido ao seus conteúdos
plásticos. Destacamos também os trabalhos de outros dois pintores impressionistas,
Claude Monet e Pierre Auguste Renoir, responsáveis pelo desenvolvimento do
18

característico traço impressionista, resultado das pinceladas rápidas e de cor pura


(HARRIS, 1982).

Claude Monet nasceu em Paris no mês de novembro de 1840 (GÊNIOS DA


PINTURA, 1984). Assim como Gustave Courbet e Èdouard Manet, não seguiu o
destino almejado por seu pai, que acreditava que o melhor futuro do filho seria dar
continuidade ao comércio da família (GÊNIOS DA PINTURA, 1984). Seu primeiro
contato com as artes e o reconhecimento como artista aconteceu precocemente, aos
vinte anos de idade, através das criações de caricaturas que produzia. Mas o que
mudaria o destino de Claude Monet seria o conselho de um pintor mais velho, que
sugerira que ele estudasse a natureza, as pessoas e os prédios, e exercitasse essas
temáticas sob a luz natural (CUMMING, 2010). Em 1862, Claude Monet ingressou
em um ateliê de Paris, onde conheceu muitos pintores, entre eles o amigo Auguste
Renoir. Um ano mais novo que Claude Monet, Auguste Renoir havia nascido em
fevereiro de 1841. De família humilde, seus pais eram alfaiates. E ainda adolescente
trabalhou em uma manufatura pintando artefatos realizados em porcelana. O
reconhecimento de suas qualidades técnicas o encorajou a sonhar com a carreira
artística, como pintor profissional.

Tanto Claude Monet como Auguste Renoir produziram paisagens


semelhantes. Porém, uma série de obras intitulada como La Grenouillère, realizada
em 1869 pelos dois pintores no mesmo local, mostra que o estilo dos amigos era
diferente. Claude Monet se preocupava principalmente com os efeitos de luz nas
nuvens, no céu e na água. E Auguste Renoir destacava, como aspecto fundamental,
as pessoas e os grupos constituídos nas pinturas, ressaltando os trajes das figuras
(GOMPERTZ, 2013).

As duas observações são claramente visíveis nas obras Le Moulin de la


Galette, pintada por Auguste Renoir em 1876 e Impression, Soleil Levant, executada
por Claude Monet em 1872. Sendo esta última pintura apresentada na primeira
exposição impressionista, dando origem à denominação do movimento, usada de
maneira pejorativa por um crítico de arte da época (ARGAN, 1992). De fato, pela
técnica explorada, que resultava em manchas ou borrões de cores, a pintura
19

impressionista chocou o público e os críticos de arte do período. Mas, Georges


Seurat, um jovem estudante da Escola de Belas Artes compreendeu, absorveu e
aprofundou os estudos sobre a cor, que desenvolveu numa nova estética
denominada como pontilhismo, e que sucedeu ao impressionismo (REYNOLDS,
1986).

Nascido em Paris no ano de 1859, Georges Seurat teve uma vida breve,
morreu com trinta e dois anos de idade (BECKETT, 1997). Era um jovem solitário,
que acreditava ser possível a aplicação das leis da química e da física na produção
em arte. Direcionou seus estudos científicos para a compreensão da combinação e
da composição química e óptica das cores, na técnica do divisionismo (GÊNIOS DA
PINTURA, 1968). Diferente da pintura impressionista de Claude Monet e Auguste
Renoir, por exemplo, ele não buscava captar o momento transitório que é mutável e
rapidamente se transforma em uma nova superfície luminosa. O que Georges
Seurat pretendia era aprender e extrair do impressionismo a inovação e o valor das
cores, como também, a representação dos temas ao livre inspirados no cotidiano
francês. Assim, acreditava que cabia a sua estética perpetuar a natureza e as
pessoas em uma composição geometrizada e científica, que caracteriza essa
atmosfera sólida e rígida do divisionismo, o qual desenvolveu e teorizou
(GOMPERTZ, 2013).

Georges Seurat realizou poucas produções artísticas, seu primeiro trabalho


notório foi Cena de Banho em Asnières (1883/84). Mas, segundo Cumming (2010), o
quadro Tarde de Domingo na Grande Jatte (1884/86) foi o marco da carreira artística
de Seurat e o que os críticos de arte da época diriam ser uma nova direção do
impressionismo. Comparado a outros pintores do século XIX, o reconhecimento
artístico de Georges Seurat aconteceu de forma rápida, mas curta, devido ao seu
falecimento prematuro, em março de 1891 (GÊNIOS DA PINTURA, 1968). Originário
de uma família de classe média francesa, um mistério intencional envolve a vida, a
relação com a família e amigos do notório pintor (GÊNIOS DA PINTURA, 1968). Seu
último trabalho foi O Circo (1890/91), que ficou inacabado, inspirado no célebre
Circo Fernando, que também fascinou muitos pintores, incluindo Henri de Toulouse
Lautrec.
20

O pequeno homenzinho espirituoso, Henri de Toulouse-Lautrec, foi o pintor do


universo noturno parisiense, inspirando-se em temas circense, teatrais e os famosos
cabarés parisienses. Nascido no berço de uma família da alta aristocracia francesa,
em novembro de 1884, já criança demonstrava interesse pelas artes com seus
primeiros desenhos (CAVALCANTI, 1967). A atividade de desenhar se intensificou
quando o menino foi privado da liberdade, e das brincadeiras corriqueiras dos
garotos da sua idade, o motivo: sua saúde. Acredita-se que o pequeno Henri de
Toulouse-Lautrec teria uma doença desconhecida na época, que causava uma
falência do tecido ósseo, hoje denominada como distrofia poli-hipofisária (GÊNIOS
DA PINTURA, 1977). Após a fratura do fêmur das duas pernas, os membros
inferiores se atrofiaram, ao passo que o corpo se desenvolveu normalmente.
Diferentemente da estrutura dos rapazes da época, Henri de Toulouse-Lautrec não
passaria de um metro e cinquenta e dois centímetros de altura (GÊNIOS DA
PINTURA 1972). É possível observar em muitas de suas fotos, que sua cabeça e
tronco eram de um homem normal, mas suas pernas e continuavam do tamanho das
de um garoto.

Henri de Toulouse-Lautrec era um homem pequeno, no entanto um grande


artista. Na adolescência já demonstrara um futuro promissor quando iniciou seus
estudos artísticos. Durante o tempo de aprendiz teve três mestres, mas buscou
seguir seu próprio caminho na arte, e logo encontrou inspiração na efervescente
noite parisiense (MESTRES DA PINTURA, 1977). Frequentador assíduo da vida
noturna, os cabarés, prostíbulos e bares se tornam o principal motivador para as
suas obras. Henri de Toulouse-Lautrec não se dedicou a nenhum movimento
estético, mas teve uma estreita relação com o art nouveau devido a sua produção de
cartazes, que muitas vezes aparecem associados ao movimento, que como já
citamos, fora essencialmente decorativo. De fato, seu objetivo artístico era,
sobretudo, "desvelar a autenticidade do ser humano, aquela verdade que cada um
abriga além das convenções, do gesto ou da atitude imposta pelas circunstâncias
sociais" (MESTRES DA PINTURA, 1977, p. 18/19).
21

Henri de Toulouse Lautrec contraiu sífilis e teve problemas de alcoolismo, foi


internado em uma clínica psiquiátrica após uma crise causada pelo álcool.
Despediu-se da sua vida frenética em 1901, aos trinta e seis anos de idade (IVES,
1996).

Além da relevância dos movimentos estéticos realismo e impressionismo para


a moda já citados aqui. Destacamos também a presença das obras do pontilhismo e
do art nouveau que aparecem em referências bibliográficas (FUKAI et al, 2006;
LAVER, 1989; XIMENES, 2011) para ilustrar ou exemplificar determinado conteúdo
de moda, o que de certo modo já demonstra sua significação para os estudos da
moda. Tais questões são abordadas na análise referente ao segundo e último
capítulo, onde evidenciamos a pertinência destes pintores e suas produções para os
estudos de história da moda.
22

2. A moda feminina na pintura da segunda metade do século XIX

2.1. Indumentária, acessórios e suas peculiaridades

O elaborado vestuário da segunda metade do século XIX decorreu da


aceleração da produção mecânica e das transformações sociais: a industrialização,
a ascensão da burguesia e as questões de gênero e identidade. As roupas do
século XIX carregavam muitos significados simbólicos, e o vestuário da moda
expressava a mulher ideal da classe média/alta. As mulheres desempenhavam
papéis diferentes dos homens na sociedade, tinham poucos direitos legais e
políticos, independentemente de seu estatuto social. O sexo feminino atuava e
mostrava-se de variadas maneiras nos diferentes ambientes nos quais circulava: no
lar, nas cerimônias políticas e religiosas, nas festas e bailes noturnos.

Segundo CRANE (2006, p. 199): "As roupas da moda, apoiadas por outras
instituições sociais, ilustravam a doutrina das esferas separadas e favoreciam os
papéis submissos e passivos que as mulheres deveriam desempenhar". Para a
construção desse perfil idealizado, uma série de elementos acompanhava os longos
e rodados vestidos usados pelas damas durante a década 1850.

Pertencia ao estilo vigente na década, denominado “dominante”3, as


populares mangas em estilo pagode ou pagoda, que começavam justas e iam
criando amplitude em direção aos pulsos, eliminando totalmente os punhos.
Recebiam abertura na parte traseira, como uma espécie de fenda, de modo que era
necessário o uso de outra manga interna (STEVENSON, 2012). De maneira geral,
as mangas não receberam muitas variações, aquelas mais juntas aos braços
também eram usadas, e se tornavam mais comuns no decorrer das décadas
seguintes. Somente no final do século XIX, quando finalmente as saias diminuíram
em volume, as mangas recebem maior atenção e adquiriram um formato notório,
conhecido como manga-balão, pelo seu formato avolumado na parte superior
(LAVER, 1989). Como as mãos deveriam ser cobertas, durante um longo período

3
O estilo dominante, assim denominado por Crane (2006), compreende aos estilos usados pela
maioria das mulheres de classe abastada.
23

ficou em voga o uso de luvas e golas postiças ou lenços ornados com camafeus,
que envolviam os pescoços das damas (Figura 6.1).

Figura 6 - Na imagem à esquerda, 1: Vestidos para o dia, 1853. Fonte: LAVER, 1989, p. 176. Na
imagem à direita, 2: Fragmento de pintura anônima de uma jovem comprando flores, s/d. Fonte:
CHADYCH, 2012. p. 3.

As saias dos vestidos, que em meados de 1850 possuíam um formato


semelhante a de uma cúpula, recebiam camadas sobrepostas com babados
horizontais receberam diferentes formas e estruturas em cada década do período
que compreende a segunda metade do século XIX. Após terem se desenvolvido em
grandes proporções, as saias nos anos 1860 adquirem uma estrutura semelhante a
um triângulo retângulo (se observadas de perfil) a parte frontal quase reta. Pouco
depois outro modelo já estava em voga, e as saias foram prolongando-se para a
parte de trás, onde todo o volume passou a ser concentrado (FISCHER, 2010). No
final do século, as saias adquiriram um formato mais simplificado, que começava
justo na cintura e se desenvolvia em uma espécie de evasê, a famosa saia sino.
Durante esses cinquenta anos de moda, as saias foram sem dúvida, o componente
que sofreu o maior número de variações, caracterizando e definindo a silhueta de
24

cada decênio analisado. Havia ainda, os acessórios, dos quais destacamos: os


xales, que eram jogados sobre as costas em formato triangular, os adornos de
cabeça, sombrinhas, lenços, relógios e joias: pulseiras, broches, colares e diademas
(Figura 6.1). Assim, durante o dia, os vestidos deixavam à mostra apenas o rosto
das mulheres, ainda que disfarçados ou protegidos por véus, como exemplifica o
fragmento de uma pintura anônima de uma jovem comprando flores (Figura 6.2). Os
trajes e os adereços compunham a figura recatada que as damas de boa moral
deveriam ostentar. Porém, à noite esta regra de decência caia por terra: "sempre
havia esperança de que, no teatro ou no baile, o vestido sublinhasse melhor a graça
do corpo e os decotes deixassem transbordar os braços e colos nus" (SOUZA, 1987,
p. 94), como é exemplo a pintura No teatro do impressionista Auguste Renoir (Figura
7.2), realizada no ano de 1874, e a ilustração de moda da Revista Le Follet 4 (Figura
7.1).

Figura 7 - Na imagem à esquerda, 1: No teatro, pintado por Renoir em 1874. Fonte: Mestres da
Pintura, 1977, p. 7. Na imagem à direita, 2: Em um camarote na ópera, in Le Follet, 1857. Fonte:
LAVER, 1989, p. 181.

4
De acordo com Souza (1987) as revistas Le Follet, Nouveau Paris e The Young English Woman, se
tornaram populares logo após a invenção dos figurinos de moda. Substituíram as pequenas bonecas
que eram vestidas com a finalidade de ilustrar as últimas tendências de Paris e, consequentemente,
eram exportadas para outras cidades europeias.
25

A roupa feminina era exagerada e luxuosa até mesmo durante o dia, frívola,
assim como deveriam ser as mulheres da época. Que de acordo com Souza (1987),
adquiriram esse perfil com a ascensão da burguesia. O gênero feminino era
descartado das atividades fabris, cabendo às mulheres a organização dos espaços
domésticos, "a mulher burguesa viu-se mais ou menos sem ter o que fazer, e seu
único objetivo [...] era casar" (SOUZA, 1987). As jovens eram instruídas a fazerem
um bom matrimônio. Para isso, se dedicavam a uma série de estudos, dentre eles a
música, as artes e as regras de etiqueta e o culto da boa aparência, explorado pelo
sistema da moda.

Na França, já havia as lojas de departamento, e a invenção e inserção da


máquina de costura Singer, em 1851, propiciava que costureiras trabalhassem em
casa em horários alternativos, aumentando o número de clientes e o consumo de
produtos de moda (Figura 8.1) (STEVENSON, 2012). Os novos meios de
comunicação, dos quais destacamos os correios, as revistas e os jornais, também
divulgavam a disponibilidade dos produtos, aguçando o desejo das mulheres por
adquirirem as roupas da moda (FRINGS, 2012).

Figura 8 - Na imagem à esquerda, 1: Costureiras deixando o ateliê de moda Paquin, pintura de Jean
Béraud, 1900.
26

A influência da Imperatriz Eugênia5 também foi essencial para a


disseminação do consumo na área da moda. A bela imperatriz se inspirou em Maria
Antonieta6, e influenciou os trajes diurnos e noturnos. A adoração por roupas
extravagantes fizeram-na um ícone da segunda metade do século XIX, que
proporcionou o surgimento da figura do estilista e, consequentemente, do sistema da
alta costura (STEVENSON, 2012). A figura de Eugênia fazia com que fossem
lançadas novas trajes e tendências, que por sua vez distorciam cada vez mais a
figura do corpo feminino e de sua forma natural. Estas deformações ficam evidentes
ao observarmos as alterações dos espartilhos, que no decorrer das décadas de
1850 e 1860, adotaram uma estrutura mais rígida sustentada por barbatanas,
aviamento feito a partir das barbatanas de baleias.
Espartilhadas e com o peso das saias de armação, era difícil para as
mulheres realizar qualquer tipo de movimento (FISCHER, 2010). A roupa feminina
era complicada, um único traje era composto por várias e distintas peças, e os
ornamentos eram bastante elaborados, diferentemente da roupa masculina, que era
simples e sombria. Segundo James Laver (1989), é comum ocorrer nos períodos
patriarcais as distinções entre os gêneros masculino e feminino. O autor compara a
diferença entre as roupas de ambos os sexos, como se homens e mulheres
pertencessem a espécies diferentes (LAVER, 1989).

No entanto, sabemos que biologicamente uma peça de roupa não é um fator


determinante para definir o sexo feminino ou masculino. Ainda assim, a história do
vestuário na sociedade da segunda metade do século XIX, mostra que os gêneros
eram diferenciados através de seu modo de vestir. Dessa forma, também pode-se
identificar claramente na iconografia da época, grupos de mulheres pertencentes à
mesma classe social, por meio da similaridade de suas roupas.

Por exemplo, quando comparamos as roupas do estilo dominante com o


vestuário "alternativo", assim denominado por Crane (2006). As mulheres que faziam

5
Segundo Danielle Chadych (2012) Eugênia de Montijo foi casada com Carlos Luís Napoleão
Bonaparte, eleito pelo voto universal em dezembro de 1848 com o título de Napoleão III, para um
mandato de quatro anos. O golpe de dezembro de 1851 estendeu seu mandato para dez anos.
6
Maria Antônia foi rainha da França no século XVIII. De acordo com Weber (2008), desde que a
jovem rainha chegou à corte francesa, o vestuário e a aparência se tornaram essenciais em
Versalhes.
27

uso das roupas alternativas não se encaixam no grupo estudado. Muitas eram
independentes e frequentavam às universidades públicas. Ao contrário da
indumentária das damas passivas e submissas, o vestuário dessas mulheres era
simples e sem exageros. O que exemplifica que existia uma diferença no modo de
vestir dentro da mesma classe social, que era influenciado pelos diferentes
comportamentos femininos da época. Os trajes dominantes simbolizavam "a
dependência econômica dos maridos ou parentes do sexo masculino" (CRANE,
2006, p. 200).

O vestuário alternativo era caracterizado pela apropriação de uma série de


itens do vestuário masculino, dentre eles o chapéu, que não possuía arranjos de
flores nem véus, gravatas também eram usadas. O paletó era feito do mesmo tecido
para acompanhar as saias, que por sua vez também não eram enfeitadas (CRANE,
2006). Ou seja, este tipo de roupa era sinônimo da emancipação feminina na
segunda metade do século XIX, e as mulheres que ousavam em usar o estilo, por
vezes eram taxadas como marginais ou aventureiras.

Não havendo muita aceitabilidade social, poucas mulheres com esses estes
trajes aparecem nas pinturas da época, "pois posar para um retrato em pintura era
muito mais formal que tirar uma fotografia" (CRANE, 2006, p. 206). O estilo
alternativo contrariava as regras do vestuário feminino tradicional, mas não foi
ousado o bastante para aderir ao uso de calças. Este ato emergiu entre outro grupo
em questão: o Movimento Bloomer. De acordo com Stevenson (2012), outras
mulheres já haviam vestido calças para atividades como a caça, antes da
consolidação do movimento. Porém, quem defendeu a causa foi a feminista
americana Amélia Jenks Bloomer. Com a tentativa de reformar o vestuário da
mulher, Amélia tinha o objetivo de libertar as damas dos desconfortáveis vestidos e
"procurou criar um traje mais razoável, que consistia em saia não tão ampla,
cobrindo apenas os joelhos e, sob ela, ceroulas fofas até os tornozelos" (NERY,
2004, p.178).

A inserção de calças no vestuário feminino foi uma atitude radical para um


período consideravelmente conservador, como a segunda metade do século XIX. A
28

tentativa de reforma foi um fracasso, "algumas mulheres emancipadas resistiram e


usaram as calças Bloomer, mas foram uma minoria, pois as classes altas não
ousaram aderir ao novo hábito" (XIMENES, 2011, p.64). Pela perspectiva do sexo
oposto, a mudança no vestuário feminino também não foi admitida. Os homens
temiam uma revolução sexual caso as mulheres também usassem calças, e as
críticas às seguidoras do movimento eram constantes (LAVER, 1989). Aqueles que
repudiavam e satirizavam em charges as amplas saias da década de 1850 (Figura
9.1), censuravam o uso de calças pelas mulheres (Figura 9.2).

Figura 9 - Na imagem à esquerda, 1: A moda em primeiro lugar, 1860. Na imagem à direita, 2:


Revista Punch, 1851. Fonte: STEVENSON, 2012, p. 49 e 37.

Na França, a possível mudança de vestuário chegou mais tarde, por volta do


final de 1880, quando ouve uma tentativa de abolir o espartilho, porém desde o início
do século já era proibido por lei o uso de calças para mulheres (CRANE, 2006). A
tentativa de reforma no vestuário de Amélia J. Bloomer, foi precoce, anos depois as
mulheres passaram a vestir calças para atividades esportivas, na medida em que se
tornava popular este tipo de prática entre elas.
29

2.2. Estudo da moda feminina da segunda metade do século XIX pela


perspectiva da pintura

A historiadora Sandra Pesavento (2002) afirmou que: "se a arte se apresenta


como fonte ao historiador - ou seja, como marca de historicidade que guarda uma
impressão de vida - ela é uma fonte que diz sobre o seu momento de feitura e não
sobre o tempo do narrado ou figurado". Assim, o pesquisador deve buscar se
instrumentalizar em várias fontes para realizar a contextualização da época
estudada. Além da pesquisa bibliográfica, para maior fundamentação sobre o tema,
tomamos como referência visual as fotografias do álbum do Instituto da Indumentária
de Kioto, lançado em Barcelona no ano de 2012, com o título Moda: una historia
desde el siglo XVIII al siglo XX - Tomo I: Siglo XVIII y siglo XIX. Além de arrolar fotos
de cópias atuais dos trajes e adereços utilizados no vestuário das mulheres da
segunda metade do século XIX, a publicação também identifica os acessórios não
visíveis e complexos, que estruturavam os figurinos criados. O que foi fundamental
para o estudo realizado.

As obras de Gustave Courbet são lembradas pela figurinista Marie Louise


Nery (2003) como sendo as que melhor retratam o período de 1820 a 1870. Dentre
as pinturas do mestre do movimento realista, destacamos o quadro intitulado Moças
à Beira do Sena (Figura 10.1). Na obra, duas jovens estão deitadas e descansam
sob uma árvore à margem do rio Sena, como indica o título. A moça sonolenta, no
primeiro plano, encontra-se debruçada sobre o que seria um manto ou uma capa,
que aparece com mais clareza jogado por cima de suas pernas. A sensualidade da
cena se funde com certa ternura e, resulta na captura daquilo que é real (MESTRES
DA PINTURA, 1978). Uma situação comum na pintura realista, um flagrante de um
momento de tranquilidade.

A técnica do pintor permite a análise dos vestidos com precisão. É visível que
as mulheres não pertencem ao meio rural. Elas são identificadas por Seraphin
(2008) como prostitutas (e/ou lésbicas), o que possivelmente explique a exposição
dos braços, dos colos e de parte das costas. Visto que, o uso desse tipo de
vestuário não era comum durante o dia, mesmo em estações quentes como o verão.
Pois mangas curtas e decotes eram usados em vestidos para noite, como menciona
30

Stevenson (2012). A indumentária da jovem sonolenta é semelhante aos modelos


noturnos da década de 1850 (Figura 10.2). Apresenta abertura nas costas, que
lembra o decote canoa, como o que aparece no vestido de noite do acervo do
Instituto da Indumentária de Kioto. A semelhança também é visível nas mangas, no
acabamento do corpete terminado em ponta, na saia com várias camadas interiores
de babados (uma delas sobrepõem o manto). Até mesmo o caimento do tecido é
similar ao traje ilustrado na publicação japonesa (Figura 10.2).

Figura 10 - Na imagem à esquerda, 1: Moças à margem do Sena: Verão, Gustave Courbet, 1857.
Fonte: ARGAN, 1992, p. 93. Na imagem no centro, 2: Vestido de noite, 1855. Fonte: FUKAI, Akiko et
al., 2012, p. 188. Na imagem à direita, 3: Anágua, 1850-1860. Fonte: Site, T he Metropol itan
7
Mus eum of Ar t .

A forma como a saia do vestido está disposta sobre as pernas da moça,


sugere que ela estaria usando anáguas (Figura 10.3), que eram saias de armação
usada sob os vestidos, com o objetivo de atingir um grande rodado. "Esses volumes
representavam todo o aspecto de prestígio e esplendor da sociedade capitalista"
(BRAGA, 2004, p.63). Por meio da moda as mulheres exibiam o status e o poder
aquisitivo de seus maridos. O que justifica o crescimento exagerado das saias,
tornando necessário o aumento do número das anáguas que, de acordo com
algumas referências (GARCIA, 2004; STEVENSON, 2012), chegaram a utilizar seis
ou sete saias de armação.

7
Disponível em: http://metmuseum.org/collection/the-collection-online/search/158172. Acessado em:
22/09/2015.
31

No romance de Claudio Perreira da Silva (2011, p.284), há um trecho que


exemplifica esta questão, quando a personagem Beathriz conversa com a escrava:

Benevolência tua - disse, Beathriz, relanceando os olhos novamente no


espelho. - Não achas que esta saia não está tão ampla como dita a moda?
Estou achando-a um tanto quanto desarmada - Beathriz passou a mão nas
saia e rodopiou para ver se a saia ficava mais ampla, como ditava a moda
na época.

A criada sugere à Bya que vista mais uma anágua. Durante a trama o autor
descreve uma cena em que a sinhá precisa ser despida por três escravas, pois toda
a sua roupa pesava cerca de vinte quilos, incluindo as peças não visíveis. O número
e o peso das anáguas e dos vestidos dificultavam a mobilidade das mulheres. O que
incentivou a criação de uma nova saia de armação denominada como crinolina8
(Figura 11.2), mais leve e capaz de sustentar as saias e, que ao mesmo tempo,
permitia os deslocamentos com maior facilidade. A invenção surgiu no final da
década de 1850, mas tornou-se característica do decênio seguinte.

Figura 11 - Na imagem à esquerda, 1: Senhorita com um leque, Édouard Manet, 1862. Fonte: Site do
9
Museum Of Fine Arts . Na imagem à direita, 2: Colocando uma crinolina, 1857. Fonte: Site do
10
National Museum Scotland .

8
De acordo com Anette Fischer (2010), a saia de armação crinolina era feita com um tecido de
mesma denominação, que poderia receber durante o processo de tecelagem crinas de cavalo, o que
dava estrutura ao tecido.
9
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Acessado em: 16/10/2015.
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Introduzida pela Imperatriz Eugênia, a crinolina de armação era uma peça


fundamental no vestuário e substituiu as antigas anáguas. Os aros de aço permitiam
que a anágua de crinolina ficasse sempre estruturada, sem necessitar várias
sobreposições de tecidos para criar o formato circular e volumoso das saias.
Também possibilitou variações do modelo no decorrer de 1860. As medidas da nova
saia de armação superaram as anteriores, como é visível na tela Senhorita com um
leque (Figura 11.1), na qual o vasto vestido da jovem ocupa grande parte da tela
pintada por Édouard Manet, que apresentava indícios do característico traço
impressionista, tanto na indumentária quanto na cortina que cai sobre o sofá.

É possível que o tamanho exagerado da crinolina de arcos esteja associado a


questões simbólicas. Baseado na afirmativa de Laver (1989), que primeiro atribui à
crinolina a fertilidade feminina e, depois, sugere que a mesma servia como um
instrumento de sedução. A estrutura exorbitante lembrava uma gaiola, e criou novo
obstáculo para as mulheres, que tinham dificuldades de passar pelos vãos das
portas. Em casos de ventania, a crinolina poderia virar, causando algum ferimento
físico ou moral, caso as pernas da dama ficassem à mostra (XIMENES, 2011).
Como solução, foi introduzida a pantalona inferior, espécie de ceroula que cobria as
pernas por inteiro. O que também motivou a moda das botas com cano médio, que
recebiam amarrações até o meio da canela, para que o tornozelo também ficasse
escondido.

Em meados de 1864 surgiu um novo modelo de saia de armação com aros


de aço (Figura 12.1), visível na pintura Mulheres no Jardim (Figura 12.2), de Claude
Monet, onde podemos identificar a transformação da silhueta feminina. A cena
sugere um dia primaveril onde três jovens se distraem no jardim colhendo flores,
uma quarta com roupa mais simples as acompanha. A precisão de Monet ao pintar a
indumentária feminina é notada no caimento dos vestidos que formam dobras e
plissados naturalmente. Com as saias são mais ou menos retas na frente os
volumes passaram a se concentrar na parte de trás dos vestido, como ilustras os
trajes das damas de listrado (à extrema esquerda) e na que aparece isolada em pé

10
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item/search.axd?command=getcontent&server=Detail&value=MO1059059&width=1024&height=1024.
Acessado em: 01/12/2015.
33

(à direita). A presença de acessórios da moda, como as sombrinhas e os adornos de


cabeça também podem ser notados. Além disso, o artista captou o efeito da luz
sobre o tecido (Figura 12.2), sugerindo a transparência fina da tarlatana11 nas
mangas dos vestidos (FUKAI et tal., 2012). Como na década anterior, os trajes
noturnos seguiam o mesmo estilo dos vestidos diurnos, e os braços e o colo
continuavam a ser exibidos nos trajes para a noite (Figura 12.3).

Figura 12 - Na imagem à esquerda, 1: Mulheres no Jardim, Claude Monet, 1866-67. Fonte: LAVER,
1989, p. 189. Na imagem central, 2: Vestido diurno, final da década de 1860. Na imagem à direita, 3:
Crinolina, 1865 - 1869. Fonte: FUKAI, Akiko et al, 2012, p. 204 e 245.

No final do decênio de 1860 a crinolina saiu de moda, e os vestidos passaram


a ter grandes volumes de tecidos na parte de trás (Figura 13. 2), como o modelo
usado pela corte francesa nos anos de 1780, denominado como "vestido a la
polonesa". O novo modelo de vestido era sustentado pela crinolette, também
denominada como bustle ou cul de Paris (Figura 13.3) (NERY, 2004). A recente
invenção era estruturada por aros de aço e era uma espécie de meia crinolina,
porém, com uma estrutura menor. Na obra Retrato da Senhora Georges Harmann
(Figura 13. 1), pintada por Auguste Renoir no de 1874 (Figura 13. 1), vê-se a nova
silhueta da mulher. Como na figura 13.2 onde o ambiente com piano ao fundo, indica
que possivelmente a figura central estaria em uma sala de visitas onde aconteciam
reuniões e saraus, o que era bastante comum no século XIX.

11
Tecido de fibra natural de espessura fina, popularmente usado no século XIX (FUKAI et tal., 2012).
34

Figura 13 - Na imagem à esquerda, 1: Retrato da Senhora Georges Harmann, Auguste Renoir, 1874.
Fonte: Site da exposição, Impressionismo: Paris e a Modernidade. Na imagem central: Vestido de
festa, Charles Frederick Worth, hacia 1874. Na imagem à direita, 3: Polisón, corsé, camisola y
calzones largos, década de 1870 y 1880. Fonte: FUKAI, Akiko et al, 2012, p. 212 e 249.

A indumentária pintada por Renoir é semelhante ao modelo de baile do


estilista Charles Frederick Worth (1825-1895)12 (Figura 13.2), não apenas na
silhueta, mas também no formato retangular do decote, que possui acabamento em
renda, como nas mangas. É possível notar detalhes como: os franzidos na barra da
saia e na sobre-saia, que é presa junto com o emaranhado de tecidos e termina
numa cauda, em drapeados ondulados. Com uma das mãos a figura central segura
um leque, acessório indispensável para as mulheres da época. Para Freyre (1977),
o objeto era usado também como instrumento de cortejo e, dependendo de como
era posicionado, transmitia diferentes mensagens.

No século XIX, grande parte das mulheres tinha como único objetivo o
casamento. Assim, eram usadas todas as formas de sedução, desde que não
infringissem as regras de etiqueta (SOUZA, 1987). Na França, o casamento era
realizado por meio de dote, diferente dos Estados Unidos e da Inglaterra, onde as

12
Charles Frederick Worth é considerado uma das primeiras figuras a serem reconhecidas como
estilista. Escolhido para vestir a imperatriz Eugênia, foi o criador da primeira casa de alta-costura, e
consequentemente o primeiro alfaiate a criar coleções sazonais de moda, e diferente dos demais
alfaiates e costureiras que estavam sempre à disposição das damas, Worth era visitado e só saia de
sua Maison para vestir a imperatriz Eugênia (STEVENSON, 2012).
35

mulheres já tinham maior liberdade e podiam escolher seus pretendentes (CRANE,


2006).

Figura 14 - Na imagem à esquerda, 1: Vestido diurno, Emile Pingat, 1883. Na imagem central,2::
Anquinhas, década de 1880. Fonte: FUKAI, Akiko et al, 2012, p. 246, e 249. Na imagem à direita, 3:
Anquinha científica, 1884. Fonte: STEVENSON, 2012, p.67.

No final da década de 1870 e início de 1880, um modelo de vestido bastante


complicado estava na “última moda” (Figura 14.1). A inovação do estilo princesa
estava no ajuste do vestido ao corpo até a altura do quadril, arrematado por meio de
drapeados horizontais, fitas e laçarotes, que se alinhavam à leve saia de armação.
Outra novidade não visível surgiu em meados da mesma época, a anquinha (Figura
14.2 e 14.3), modelo derivado da crinolette, que assim como a crinolina também
sofreu adaptações. A anca postiça era como uma prótese que tinha como função
prolongar horizontalmente a parte de trás do quadril. Foi popular no decênio de
1880. O efeito era semelhante ao da crinolette, mas a nova engenhoca era mais
tecnológica e permitia que as mulheres sentassem e levantassem sem problemas.
Com um mecanismo dobrável, os aros de metal se uniam e separavam com
facilidade (Figura 14.3) (BRAGA, 2004). A anquinha, durante os decênios de 1870 e
1880, se desenvolveu e teve vários modelos de estrutura, algumas com malha
metálica ou arame de aço.
Para exemplificar a nova moda francesa, analisamos a pintura de Georges
Seurat, Um domingo de verão na Grande Jatte (Figura 15), vinculada ao movimento
36

denominado como pontilhismo. Na obra selecionada, as figuras humanas desfrutam


de um momento de lazer num dia de sol na ilha do rio Sena. No primeiro plano, à
sombra de uma árvore situa-se a figura de uma mulher. Disposta de perfil, a figura
evidencia o efeito volumétrico que a anquinha causava na silhueta natural do corpo
feminino. Na frente, as saias exploravam um modelo reto, na parte de trás utilizavam
grandes volumes. Um modelo totalmente diferente dos usados durante as décadas
anteriores. Sentadas sobre o gramado, as figuras ilustram que a anquinha
tecnológica dava maior liberdade de movimentação. Outro aspecto da moda
evidenciado na pintura é o uso de dois tecidos diferentes para a composição da
vestimenta, desenvolvida desde 1870 (LAVER, 1989).

Figura 15 - Um domingo de verão na Grande Jatte, Georges Seurat, 1884-6. Fonte: JANSON, 1996,
p. 344.

A silhueta feminina durante o século XIX obteve variadas formas e


dimensões, porém todas as pinturas exemplificadas aqui possuem um ponto em
comum: uma solida e rígida estrutura que mantinha a postura feminina sempre
ereta. A postura alinhada era adquirida com o uso de uma peça essencial e não
visível no vestuário das mulheres, o espartilho, também denominado como corset
37

(Figura 16.1). De acordo com Fischer (2010), os primeiros espartilhos datam do


início do século XVII e eram feitos com o uso de elementos de ferro, e sempre
tiveram a mesma função de sustentar o busto e, estreitar a cintura das damas e
modelar o quadril. O corset do século XIX, além de ser produzido com várias
camadas de tecidos, recebia sustentação por meio de hastes com barbatanas de
baleias, que foram substituídas por hastes metálicas (FISCHER, 2010). A pintura de
Toulouse Lautrec, Prostituta, de 1896 (Figura 16.2), ilustra o acessório cujo
fechamento era feito nas costas através de amarrações. Mas, que também podia
receber colchetes na parte da frente, auxiliando na hora de vestir a peça. O
espartilho é um dos elementos não visíveis que está presente em todas as obras
estudadas. Mas, somente em 1890 é que o artifício ascendeu como elemento
principal para a silhueta almejada idealizada. De acordo com Braga (2004), as
cinturas jamais tinham sido tão pequenas:

O ideal de beleza da mulher era o de ter aproximadamente 40 cm de


circunferências na cintura; para atingir tais proporções, algumas delas e
submetiam às cirurgias para serrarem suas respectivas costelas flutuantes e
poderem se apertar demasiadamente em seus espartilhos (BRAGA, 2004).

Figura 16 - Na imagem à esquerda, 1: Corset, década de 1880. Na imagem central, 2: Prostituta,


13
Henri de Toulouse Lautrec, 1896. Fonte: Site do Musée des Augustins . Na imagem à direita, 3:
Vestido diurno, Jacques Doucet, 1897. Fonte: FUKAI, Akiko et al, 2012, p. 240 e 258.

13
Disponível em: http://www.augustins.org/les-collections/peintures/xixe-debut-xxe/panorama-des-
oeuvres/-/oeuvre/51165. Acessado em: 17/10/2015
38

Seguindo as tendências da época, então dominadas pelo art nouveau, não só


as estampas dos tecidos entrariam no ritmo dos novos trajes. A figura feminina foi
destaque nas diferentes obras criadas pelos artistas vinculados à estética. Mas, na
década de 1890 salientavam a figura longilínea do corpo da mulher, e as formas
curvilíneas e sensuais repetiam as linhas sinuosas e chicoteadas peculiares às
criações da última vertente artística do século XIX.

Figura 17 - No Moulin Rouge, Henri de Toulouse Lautrec, 1892. Fonte: JANSON, 1996, p. 351.

Henry de Toulouse Lautrec, foi um dos representante da estética art nouveau


na França, sobretudo, por seus cartazes criados para as casas noturnas de Paris.
Nas peças publicitárias, explorou a harmonia assimétrica, as formas curvas e as
linhas sinuosas ou chicoteadas, que caracterizaram a estética originada na Bélgica.
Na pintura O Moulin Rouge (Figura 17), realizada por Lautrec em 1892, a cena do
39

interior do cabaré ilustra os vestidos usados nas noites parisienses da época. Nas
duas mulheres representadas ao fundo, em frente aos espelhos, como na figura que
aparece no primeiro plano, podemos notar dois detalhes predominantes na época, a
gola alta e as mangas, que no início eram cheias nos ombros e ajustaram-se depois
(LAVER, 1989). Em meados da última década do século XIX, esses elementos
adquiriram proporções enormes.

Se nos decênios anteriores os vestidos eram complementados por saias


volumosas, agora o que estava em voga era o molde em forma de sino (Figura
18.3). Os modelos, mais ajustados aos corpos até a altura da cintura, a partir daí se
desenvolviam com um corte em evasê, com caimento fluído. Na sua maioria
recebiam uma cauda na parte de trás, tanto àqueles criados para o dia ou para a
noite, usados sobre uma leve anágua. O exemplar exposto no Museu da Escola de
Artes da cidade francesa de Nancy, que foi polo de estudos e de diferentes
produções artísticas do estilo art nouveau, evidencia o traje noturno peculiar à última
tendência da moda feminina da segunda metade do século XIX (Figura 18.1).

Figura 18 - Na imagem à esquerda, 1: Vestido, Vitor Prouvé e Fernand Couteix, 1900. Fonte: Cartão
postal do Museu da Escola de Artes de Nancy. Na imagem à direita, 2: O espartilho da saúde, 1890.
Fonte: STEVENSON, 2012, p.68.
40

Criado em 1900, pelo pintor Victor Prouvé e pelo especialista em bordado


Fernand Couteix, o vestido é um dos raros exemplos da elaboração têxtil da Escola
de Nancy. Foi realizado em seda dupla e tafetá bordado com fios metálicos e fios de
seda, em arranjos ornamentais aquáticos: ondulações verdejantes que lembram a
superfície de um lago soprada pelo vento, folhagens, ninféias e nenúfares. No
centro, sob o amplo e ousado decote, destaca-se a figura de uma borboleta. Todos
os motivos bordados repetem a iconografia da fauna e da flora, que peculiarizaram o
art nouveau. O vestido também ilustra as questões abordadas pelo movimento
denominado como “Racional”. Originado do grupo formado por artistas e escritores,
que criou modelos e acessórios que visavam a estética e o conforto, renegando o
excesso e a exuberância das roupas da época (STEVENSON, 2012). Uma das
criações foi um espartilho não prejudicial a saúde e preconiza o que hoje
conhecemos como roupa conceitual, que encontramos nas passarelas dos desfiles
nacionais e internacionais.

A indumentária feminina do final século XIX, permanecia frívola e refletia a


prosperidade das famílias ricas. Porém, as roupa encontravam-se mais acessíveis
às classes mais baixas e as mulheres passaram a buscar um perfil de mulher ativa,
livre e independe, que caracterizou a postura da mulher moderna. Na França, que se
mostrava mais rígida em relação aos Estados Unidos e a Inglaterra, no final do
século XIX ocorreram mudanças consideráveis, ampliando as oportunidades de
emprego e os direitos legais para o sexo feminino de classe média (CRANE, 2006).
41

3. Considerações Finais

Considerando a proposta principal deste trabalho, que corresponde ao


processo de investigação e análise da moda por meio da pintura dos movimentos de
arte denominados como realismo, impressionismo, pontilhismo e art nouveau, é
possível dizer que a produção pictórica dessas diferentes estéticas artísticas são
fontes pertinentes para a pesquisa sobre a temática da moda desenvolvida na
França da segunda metade do século XIX. Pois, por meio da pintura foi possível
identificar as variações da silhueta feminina durante os cinquenta anos estudados.
Como também dos acessórios e dos elementos visíveis e não visíveis que
compunham a indumentária feminina, que estruturavam os vestidos e,
consequentemente, ajudavam a moldar o perfil idealizado das mulheres da época.

Para atingir o objetivo proposto, no primeiro capítulo intitulado A pintura na


França na segunda metade do século XIX, no subtítulo nomeado como Os
movimentos artísticos franceses da segunda metade do século XIX, buscamos
contextualizar as estéticas pictóricas que se sucederam no período delimitado pelos
anos de 1850 a 1900. Em uma breve abordagem, apontamos as principais
características da pintura dos movimentos realista, impressionista, pontilhista e art
nouveau. Em novo subtítulo denominado Os mestres pintores e sua contribuição
para o estudo da indumentária, elencamos artistas que retrataram figuras femininas
e, por consequência, as tendências da moda em cada década. Resgatamos, de
forma sucinta, a biografia dos pintores e os períodos em que viveram. A escolha das
obras não ocorreu de maneira aleatória. O critério utilizado foi as pinturas que
apresentavam maior conteúdos de moda a ser explorado.

No segundo capítulo intitulado A moda feminina na segunda metade do


século XIX, no subtítulo Acessórios e suas particularidades, enumeramos os
acessórios que complementavam os trajes das damas, suas características e
significados e, de maneira sintética tentamos contextualizar o período estudado. No
subtítulo Estudo da moda feminina da segunda metade do século XIX através da
pintura, analisamos o vestuário de cada década por meio das pinturas dos
representantes das escolas vigentes no período.
42

A indumentária da mulher no período oitocentista, de certo modo, refletia os


papeis passivos e submissos que as mulheres deveriam desempenhar. E as roupas
eram símbolos não-verbais, que as damas utilizavam como forma de expressão,
visto que não tinham quase ou nenhum direito político ou legal. Foi possível
observar que as vestimentas contribuíram para identificar diferentes identidades ou
posturas das mulheres da época: àquelas que frequentavam as universidades,
buscavam independência financeira e se diferenciavam das demais pelos modelos
revolucionários e ousados. E àquelas quem se vestiam com luxo e seguiam os
padrões morais, tinham suas imagens associadas à moral, à etiqueta e à submissão
econômica masculina.

No processo de análise, utilizamos as fotografias do álbum da coleção do


Instituto da Indumentária de Kioto, que foram fundamentais para o estudo dos
modelos arrolados e, sobretudo, dos acessórios não visíveis que complementavam
os vestidos: as saias de armação, as crinolinas, as anquinhas, os espartilhos. Esses
elementos não visíveis transformaram e re/transformaram a silhueta feminina. Por
um lado, seguiram os modismos de cada década. Por outro, dificultaram a
mobilidade e causaram dificuldades às mulheres. Em todo o processo de
investigação, discutimos a relação entre o vestuário e os seus simbolismos, como
instrumento de sedução e, ao mesmo tempo, como exemplares dos bons costumes
definidos pelas sociedades da época. Como em outros períodos históricos, as
roupas ressaltavam as hierarquias das classes sociais, determinavam o poder e o
status das damas.

Estudar a indumentária por meio da pintura é, sobretudo, possibilitar uma


nova perspectiva sobre arte e moda. É estudar os movimentos estéticos sob outro
ponto de vista historiográfico, no qual temos como objeto principal a indumentária, e
não o conteúdo plástico. O mesmo podemos dizer sobre a moda, na qual não
tivemos a intenção de abordar somente os aspectos estéticos da indumentária, mas
evidenciar cada elemento que acompanhou os estilos em voga da segunda metade
do século XIX. Durante o período, a revolução industrial acelerou o consumo dos
mais variados produtos. Os tempos mudaram e as escolas artísticas se sucederam
em espaços de tempo mais curtos, como também ocorreu na história da moda.
43

Essas subversões sucessivas da arte e da moda sinalizaram a efemeridade da vida


moderna.
44

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