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NO NOROESTE DE ANGOLA
por
Rui de Sousa Martins*
Introdução
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sidera o Kimbundu e o Kikongo como dois grupos linguísticos distintos, embora relacio-
nados por um longo e dinâmico processo de trocas e contactos culturais.
Calogero Piazza tentou explicar o relacionamento entre o Kikongo e o Kimbundu em ter-
mos do "dualismo étnico" que caracterizaria o Reino do Mwene Kongo: Um grupo de invaso-
res de língua Kongo dominou os autóctones Mbundu que constituiam o substracto humano da
margem esquerda do baixo Zaire. Cada um dos grupos teria conservado, inicialmente, a res-
pectiva identidade linguística, funcionando o idioma dos invasores como langue de recouvre-
ment. Calogero Piazza - Appunti sulla lingua di Soyo, "Africa", Roma, 36 (2), 1981, p. 236, 243.
Deter-nos-emos mais adiante (p.54) sobre a questão do "dualismo étnico". Agora, impor-
ta-nos sublinhar que o problema do relacionamento entre as duas línguas não pode ser resol-
vido unicamente no âmbito das origens do Reino Kongo, ignorando todo o longo e comple-
xo processo histórico que envolveu populações Kongo e Mbundu. Há mesmo regiões, como
por exemplo Luanda, onde o Kimbundu se sobrepôs ao Kikongo a partir do século XVI.
A língua tem servido, igualmente, de critério fundamental para se determinar a classifi-
cação cultural e a distribuição das populações. O historiador congolês, Théophile Obenga,
baseando-se no citado trabalho de Karl Laman e no testemunho de Duarte Lopes, defendeu
a existência de um parentesco linguístico genético entre o Kimbundu e o Kikongo, língua que
fundamentaria a unidade cultural dos habitantes do Reino Kongo, em toda a sua extensão,
englobando igualmente as populações Mbundu. Théophile Obenga - Le Kikongo:
Fondement de l'unité culturelle, "Africa", Roma, 25 (2), 1970, p. 134-136, 153.
Além de ser controverso considerar o Kimbundu como um "dialecto" do Kikongo, o
critério linguístico só por si é insuficiente para uma correcta classificação das culturas.
Baumann, um dos mestres da escola histórico-cultural, baseando-se no conhecimento que
então se possuia da cultura material e das instituições africanas, inclui os povos de língua
Kimbundu no círculo Zambeze - Angola, enquanto os povos de língua Kikongo foram classi-
ficados no círculo Congolês do Sul que engloba igualmente os povos do Kwango. Baumann
e Westermann - Les peuples et les civilisations de l'Áfrique. Paris, 1970, p. 146-191.
Cremos ser desnecessário acrescentar as fortes críticas feitas à metodologia difusio-
nista e ao carácter arbitrário e excessivamente generalizado dos círculos culturais.
Muito diversa é a sistematização das Regiões Culturais da África Central proposta por
Jan Vansina. As etnias de Língua Kimbundu, com excepção dos Imbangala, foram incluí-
das na Região do Kongo. No entanto, os povos Yaka e Suku, considerados de língua
Kikongo, e os Imbangala (Mbundu) foram incluídos na Região Kwango. Vansina - Les
anciens royaumes de la savane. Léopoldville, 1965, p.30.
A classificação cultural de Murdock, que nos parece mais acabada e operativa, distin-
gue os grupos Kongo, Kimbundu, onde inclui os Imbangala, e Kwango que abarca, entre
outros, os Pende, Suku e Yaka.
Mas, o aperfeiçoamento da definição cultural das etnias Kongo e Mbundu esbarra
ainda com dificuldades de base, pois os inventários etnológicos de uma região tão impor-
tante como o Noroeste de Angola estão por fazer e os frutuosos trabalhos efectuados,
recentemente, nas vizinhas regiões da República do Zaire, mostram que muitos elementos
novos podem vir ainda a ser descobertos. Por outro lado, parece-nos que há uma acentua-
da tendência para o abandono das classificações culturais excessivamente generalizantes,
assim como das perspectivas homogeneizantes e estáticas. Os etnólogos e os historiadores
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O grupo Kongo2 habita uma vasta área a norte e a sul do rio Zaire, entre
a costa atlântica e Pool-Malebo (Stanley-Pool), ocupando a região administra-
tiva do Baixo Zaire (República do Zaire), grande parte do Noroeste de Angola,
o enclave de Cabinda e atingindo a parte ocidental da República do Congo.
A sul do rio Zaire, o grupo Kongo subdivide-se nas seguintes etni-
as: Solongo3, Mboma4, Ashikongo5, Zombo (Mbata)6, Nkanu7, Mpangu8,
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Diversamente do que foi cartografado por Ferreira Diniz (1918), Mesquitela Lima
(1970) e José Redinha (1971), o limite sul dos Solongo seria o rio Mbridje e não o Lifune,
a sul do Mbridje e até ao rio Lifune, a população seria de Ashikongo. Em apoio das infor-
mações registadas sobre os Solongo, pode consultar-se o mapa inserto na citada obra de
Gil Marshal (p.84) e a afirmação de Atkins, op. cit., p. 333.
Os Solongo ocuparam ainda uma parcela de território a norte do rio Zaire, e, no pas-
sado, foram súbditos do Mwene Nsonyo um dos principais chefes dependentes do Rei
Kongo. Dennett - At the back of the black man's mind. London, 1906, p. 16, 17. Joseph
Troesch - Itinerário ao Maiombe. "Mensário Administrativo", Luanda, 71-72, 1953, p. 44.
4 Os Mboma dividiram-se em vários ramos, um dos quais é o Mamboma Kongo ou
Kongo Ba Boma que ocupa a área entre Boma e Matadi a norte e a sul do rio Zaire. Os
Mboma tornaram-se famosos pelas suas esculturas em pedra sobejamente conhecidas. O
mais importante estudo etnológico realizado na região dos Mboma (Mbanza Manteke)
deve-se a Wyztt MacGaffey. Laman - The Kongo, vol. I, Stockholm, 1953, p. 37. Joseph
Cornet - Pierres sculptées du Bas - Zaire, Kinshasa, 1978. Wyatt MacGaffey - Custom and
government in the lower Congo. Berkeley, 1970, p. 10 a 13.
5 Adolf Bastian - Ein besuch in San Salvador. Brême, 1851. John Weeks - Among the
primitive Bakongo. London, 1974. Ferreira Diniz - Populações indígenas de Angola.
Coimbra, 1918, p. 65-89. Mário Milheiros - Registo etnográfico e social sobre a tribo dos
Congos. "Mensário Administrativo". Luanda, 79-80, pp. 3-67; 81-82, 1954, p. 3-30, 1954.
No antigo Estado Kongo, os Ashikongo estavam organizados em dois grandes chefa-
dos: Mpemba, onde, na opinião dos antigos cronistas se encontrava a mbanza Kongo (resi-
dência do "rei") e Mbamba.
6 Van Wing - Études Bakongo, sociologie, religion et magie. Bruxelles, 1959. Mertens
- Les chefs couronnés chez les Bakongo Orientaux. Bruxelles, 1942.
Mbata era um dos principais chefados dependentes do Mwene Kongo e o nome advém-
lhe do título do respectivo chefe. Mas como já tinha esclarecido Cavazzi (1687), "os naturais
desta província...são conhecidos pelo nome de Muzombo". João António Cavazzi - Descrição
histórica dos três reinos, Congo, Matamba e Angola (1687), vol. 1, Lisboa, 1965, p. 19.
7 Os Nkanu são culturalmente próximos dos Zombo, mas neles é mais pronunciada a
influência dos Yaka. São considerados os antigos habitantes do "Kongo di Amulaca". Van
Wing, op. cit., p. 74; Mertens, op. cit., p. 4.
8 Sobre os Mpangu e as populações vizinhas (Dikidiki, Lula, Mbeku, Ntandu, Nkanu), global-
mente conhecidas por Kongo Orientais, existem excelentes monografias, devidas a Missionários
belgas da Companhia de Jesus, congregação a que foi confiada a Missão do Kwango em 1892.
O trabalho clássico sobre os Mpangu é o de Van Wing, Études Bakongo, sociologie -
religion et magie. Bruxelles, 1959. Do maior interesse é a obra de Mertens, Les chefs cou-
ronnés chez les Bakongo Orientaux; études de régime successoral. Bruxelles, 1942. Os ele-
mentos recolhidos por Mertens estão datados e referenciados por aldeias, mas a inexistência
de um mapa torna difícil a utilização consequente dos dados. Enquanto Van Wing trabalhou
na Missão de Kisantu em pleno território Mpangu, Mertens pertenceu à Missão de Mpese,
implantada junto de populações Ntandu, Mbeku, Dikidiki e Lula, vizinhos dos Mpangu, mas
já de marcada influência Yaka. Mertens, op. cit., p. 4-12. Van Wing, op. cit., p. 73-74.
Os Mpangu foram um dos grandes chefados dependentes do Mwene Kongo.
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Nsundi, povo que se estende para norte do grande rio9, Tsotso10, Hungu11,
Yaka12 e Suku13. A norte do Zaire, habitam as etnias Woyo14, Kakongo15,
Vili16, Yombe17, Kunyi18, Manyanga19, e Bembe20.
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Yaka, essai d'histoire. Tervuren, 1971. Jacques Denis - Les Yaka du Kwango. Tervuren, 1964.
Lamal - Basuku et Bayaka des districts Kwango et Kwilu au Congo. Tervuren, 1965.
Não é possível referir os Yaka sem tocar no problema das relações desta etnia com as
hordas dos célebres Jagas que, em 1568, teriam invadido o "Reino" Kongo, obrigando D.
Álvaro I a fugir para uma ilha do rio Zaire.
No entender de Plancquaert (1932, 1971), os Jagas são os antepassados dos Yaka.
Num corajoso e controverso artigo, o historiador Joseph Miller negou a existência de qual-
quer invasão. Ter-se-ia dado antes uma "revolta interna" dos Nsundi e Mbata, apoiada por
grupos estrangeiros (Matamba e Tyo).
John Thornton e Anne Hilton tentaram a "ressureição" dos Jagas, reconsiderando a
invasão no contexto político-económico do Kongo quinhentista. A resposta de Miller ao
artigo de Thornton e o apoio recebido de François Bontinck animaram esta questão,
dando-lhe nova luz, mas não a resolvendo nem encerrando.
Joseph Miller - Requiem for the Jaga. "Cahiers d'Études Africaines", Paris, 13 (1),
1973, p. 121-149. John Thornton - A ressurrection for the Jaga. "Cahiers d'Études
Africaines", Paris, 18 (1-2), 1978, p. 223-227. Joseph Miller - Thanatopsis. "Cahiers d'É-
tudes Africaines", Paris, 18 (1-2), 1978, p. 229-231. François Bontinck - Un mausolée
pour les Jaga. "Cahiers d'Études Africaines", Paris, 20 (3), 1979, p. 387-389. Anne Hilton
- The Jaga reconsidered. "Journal of African History", Cambridge, 22, 1981, p. 191-202.
13 Ferreira Diniz - op. cit., p. 187-208. Lamal - Basuku et Bayala des districts et Kwilu
au Congo. Tervuren, 1965.
14 O chefe-rei dos Woyo usava o título de Ma Ngoyo, de que deriva o nome do Estado
(Ngoyo). Como se sabe, Ma é uma abreviatura de Mwene ou Mani, termos que significam
"Senhor" (chefe investido).
Os Missionários do Espírito Santo, Joaquim Martins e José Martins Vaz, são autores
de importantes trabalhos sobre os Woyo, designados genericamente por Cabindas, muito
embora no enclave angolano de Cabinda vivam igualmente povos Vili, Kakongo e Yombe.
Sobre o Estado Ngoyo, pode ler-se o estudo de Carlos Serrano, recentemente editado
no Brasil.
José Martins Vaz - No mundo dos Cabindas. Lisboa, 1970. Joaquim Martins - Cabindas,
história, crença, usos e costumes. Cabinda, 1972. Carlos Moreira Henriques Serrano - Os senho-
res da terra e os homens do mar: antropologia política de um reino africano. São Paulo, 1983.
15 O chefe dos Kakongo era o MaKongo. Joseph Troesch - Itinerário ao Maiombe
(breve resenha de geografia física e etnográfica). "Mensário Administrativo", Luanda, 71-
72, 1953, p. 42, 43. Joaquim Martins, op. cit., p. 70, 73, 74, 79, 87-99.
16 Os Vili foram governados por um chefe com o título de Ma Lwango e, por isso, são
conhecidos igualmente por Lwango. A história dos estados Ngoyo, Kakongo e Lwango está
intimamente ligada e a cultura dos respectivos povos é semelhante. Antes de se tornarem
independentes, provavelmente nos finais do século XV, estiveram sujeitos ao "Reino"
Kongo.
Hagenbucher-Sacripanti - Les fondements spirituels du pouvoir au royaume de
Loango. Paris, 1973, p. 20-24. Phyllis Martin - The external trade of the Loango coast,
1576-1870. Oxford, 1972, p. 32.
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17 Os Yombe são uma das etnias Kongo mais conhecidas, graças à excelente mono-
grafia de Albert Doutreloux. O nome da região teria derivado de Ma Yombe, um título de
chefia. Albert Doutreloux - L'ombre des fétiches, société et culture Yombe. Paris, 1967, p.
30, 31.
Mas o significado do termo Yombe e a sua aplicação a uma área geográfica e seus habi-
tantes estão ainda por esclarecer devidamente. Joaquim Martins, op. cit., p. 85.
18 Soret - Les Kongo Nord - Occidentaux. Paris, 1959.
19 Soret, op. cit. Doutreloux, op. cit., p. 37.
Os Manyanga são também conhecidos como habitantes do Território Lwozi. A forma
Nyanga que aparece nalguns mapas é incorrecta. MacGaffey - Custom and government in
the Lower Congo, Berkeley, 1970, p. 12, 13 e nota 13.
20 Os Bembe (ocidentais) habitam na República Popular do Congo e são de origem
Nsundi. Laman - The Kongo, vol. II, Uppsala, 1967, p. 130.
21 Uma síntese actualizada da evolução etno-linguística dos Mbundu encontra-se na
consagrada obra de Joseph Miller Kings and Kinsmen, early Mbundu states in Angola.
Oxford, 1976, p. 37-42.
22 O nome deriva dos estados fundados nos séculos XV e XVI pelo chefe Ngola a
Kiluanje, entre o baixo Lukala e o Kwanza. Joseph Miller, op. cit., p. 73 e segs. Ferreira
Diniz, op. cit., p. 3-29.
23 O termo Jinga deriva de Nzinga, rainha Mbundu que, cerca de 1630, fundou um
poderoso reino na região de Matamba. Joseph Miller, op. cit., p. 42. Joseph Miller - Nzinga
of Matamba in a new perspective. "Journal of African History", London, 16 (2), 1975, p.
201-216.
24 Os Jindembu (sing. ndembu) eram chefes titulados e subordinados ao Mwene
Kongo que se foram tornando independentes na região entre os rios Loje e Nzenza. Os
Lwango, que organizaram importantes dembados a sul do rio Ndanji, descendem de gru-
pos de comerciantes Vili, provenientes da "Costa do Loango". Phyllis Martin, op. cit., p.
130-132.
Atkins, referindo-se aos Lwango do dembado Pangu a Luken, afirmou: Lwangu as
spoken by the younger generation bears a faily close resemblance to Hungu, Guy Atkins
- A demographic survey [...], p. 336.
Porém, David Magno, autor de um valioso estudo etnográfico sobre os Dembos, tinha
uma opinião diferente: "Os luangos falam o quimbundo, como os de Loanda, com excep-
ção de uma palavra ou outra e da entoação própria da região". David Magno - Relatório
dos serviços militares do Lombije (Caculo Cahenda, 21-1-1910). "Boletim oficial de
Angola", Luanda, 1910, p. 129. Idem - Etnografia dos Dembos. "Trabalhos da Sociedade
Portuguesa de Antropologia e Etnologia", Porto, 1 (3), 1921, p. 123-165.
25 Joseph Miller - Kings and Kinsmen, early Mbundu states in Angola. Oxford, 1976.
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Versão 1:
História do Reino Congo (Ms. 8080 da Biblioteca Nacional de Lisboa)
(Séc. XVII)
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Ambundana, e cada huma das provincias em que está hoje repartido o dio
Reino: havia hum que chamavão Mani, que val tanto como senhor, na
cidade do Congo, onde no tempo presente está el rey, e assim he de quem
todo o Reino tomou o nome: residia o Summo Pontifice (fallando ao nosso
modo) daquella gentilidade chamado Mani-Cabunga, cujos successores
ha, e durão ainda em Congo o mesmo titulo de Cabunga, e he huma fami-
lia e geração entre os Muxicongos muito honrada; a este Mani-cabunga
acudião a pedir remedio em suas necessiddes, e agoa para suas semen-
teiras, e com sua licença e recolhiã quando era tempo..."47.
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Versão 2:
Descrição Histórica...(1971) de Cavazzi de Montecúccolo.
Segundo a tradição, o primeiro rei foi Luqueni, que com o valor das
suas armas submeteu diversas províncias e com o seu tacto político
ganhou o ânimo dos súbditos, tomando então o título de ntinu, ou "rei".
Eis como a tradição realata tudo isto:
48 Idem, p. 43-46.
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Versão 3:
História Geral das Guerras Angolanas (1680-1681)
de Oliveira de Cadornega.
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Versão 4:
Relato atribuído a Francesco da Pavia (1701).
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Versão 5:
Relação de Bernardo da Gallo (1710).
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do local de onde teria partido Nimi a Lukeni, mas tem a ver, sobretudo,
com a origem do modelo político Kongo. A organização política dos esta-
dos Luba ou Kuba teria tido alguma influência na estrutura do Estado
Kongo ou teria ela vindo antes dos estados Mongo e Tyo? Em resumo, o
fenómeno migratório ter-se-ia organizado no Leste ou no Norte (mapa 3)?
Sobre esta questão existem duas posições fundamentais. A primei-
ra, que já encontramos formulada na "História do Reino Congo" (Ms.
8080), afirma que o Ntinu Wene teria vindo do Estado Vungo (Bungo) que
ficava a Norte do rio Zaire. Num documento de 1624, o reino Vungo
(Bungo) era considerado tronco e origem [...] dos Reis do Congo55. Na
opinião de Cuvelier, defensor desta tese, ce pays de Vungu correspondait
à ce que nous appelons actuellement le Mayombe ou à une grande porti-
on de ce territoire56. Adoptando esta posição, Doutreloux não só precisa
a localização do chefado Vungu como afirma que o Estado Kongo foi fun-
dado no fim do século XV por uma migração do grupo Yombe57. E daí
extrai uma controversa ilação: La culture et la structure socio-politique du
Roayume de Congo dérivent directement de la culture et de l'organisati-
on socio-politique Yombe et doivent s'expliquer en référence à celles-ci58.
A formação de estado não se explica agora pela acção de um chefe
estrangeiro. Todo o sistema sócio-cultural Kongo deriva directamente dos
Yombe, etnia estudada por Doutreloux, e que seria a chave dos mistérios
estruturais do velho Reino africano, o qual, no seu período áureo, teria
exercido influência pelo menos de Stanley-Pool ao rio Kwanza. E, assim,
o chefe civilizador foi substituído pela etnia explicativa.
Todavia, pensamos que, à semelhança das velhas "arcas do tesou-
ro", o complexo Estado Kongo exige múltiplas "chaves" a quem quiser
tentar compreender os seus segredos.
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73 Randles - L'ancien royaume du Congo, des origines à la fin du XXe siècle. Paris,
1968, p. 18. António Gonçalves - Poder doméstico e poder político: duas vertentes com-
plementares do processo político numa sociedade tradicional. "Economia e Sociologia",
Évora, 36, 1983, p. 11.
74 Calogero Piazza - Alcuni tradizioni oralli [...], p. 243, 244. Podemos relacionar a
figura do barqueiro (V. 5) com Emini-a-Nzima (V. 2) que controlava uma zona de passa-
gem obrigatória no rio Zaire.
75 Referimo-nos especialmente à descrição das formas de ocupação da terra, tsi.
Doutreloux - L'Ombre des fétiches, société et culture Yombe. Paris, 1967, p. 42, 44, 45,
153, 154.
76 António C. Gonçalves - Poder doméstico e poder político: duas vertentes comple-
mentares do processo político numa sociedade tradicional. "Economia e Sociologia", 36,
1983, p. 11, 14, 18.
"É na qualidade de "filho" do chefe Vungu que Lukeni recebe uma parte do domínio
de seu "pai" e que o seu grupo se torna autónomo". Idem, p. 33.
Segundo Doutreloux, a circulação do poder cria uma hierarquia dos chefes e dos res-
pectivos grupos e este sistema de relações esboçou no passado estruturas do tipo estadual.
Doutreloux, op. cit., p. 154.
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85 Frazer - Le rameau d'or, vol. 1, Paris, 1981, p. 626. Laura Makarius - op. cit., p. 668
e segs. Os Kongo acreditavam que a alma residia no sangue. António Brásio - D. António
Barroso, Missionário, cientista e missiólogo. Lisboa, 1956, p. 130, 131, 132. Van Wing -
Études Bakongo, sociologie, religion et magie. Bruxelas, 1959, p. 135.
86 Frazer, op. cit., p. 628. Algumas normas Woyo publicadas por José Martins Vaz ilus-
tram o especial respeito devido às mulheres. José Martins Vaz - No mundo dos Cabindas,
vol. 1, Lisboa, 1970, p. 219 (i.U, 2.U, 1.V) e vol. 2, p. 40, 41.
87 Frazer, op. cit., p. 568 e seguintes. Entre os Woyo, "a mulher que está para ser mãe
será honrada com muitos presentes e com sinais de gratidão, não só pelo marido, pela
família, mas até por toda a aldeia". José Martins Vaz, op. cit., p. 273.
88 O parentesco aqui pode ser unicamente sociológico. O sacrifício de uma vítima
humana, de preferência um parente próximo, é necessário para o feiticeiro e o chefe obte-
rem o poder mágico. Luc de Heusch - Estructura y praxis, ensayos de antropologia teóri-
ca. Madrid, 1973, p. 212, 213. Estermann - O problema do homicídio ritual no sul da
África, in "Etnografia de Angola (Sudoeste e Centro)", vol. 2, Lisboa, 1983, pp. 35-46.
89 Frazer, op. cit., p. 627. O especial respeito devido às mulheres dos chefes é ilustra-
do por algumas normas Woyo. José Martins Vaz, op. cit., vol. 2, p. 40, 67, 68.
90 Supra, nota 49. Balandier - La vie quotidienne au royaume de Kongo, du XXIe au
XVIIIe siècle. Paris, 1965, pp. 22-25. Entre os Kongo (Woyo) "quem mata deve morrer".
José Martins Vaz, op. cit., vol. 2, p. 50.
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91 Piazza - Alcuni Tradizioni oralli [...], p. 245. Sobre o problema do homicídio ritual
no Estado Kongo, infra, cap. 5.
92 Infra, cap. 4.2 e cap. 5.
93 Piazza, op. cit., p. 245.
94 Sobre o conceito de rito liminar ou de margem, Arnold Van Gennep - Les rites de
passage. Paris, 1981, p. 24.
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95 Van Wing - Études Bakongo [...], p. 28. Paiva Manso - História do Congo, Lisboa,
1877, p. 310 (documento de 1691). Jadin - Le Congo et la secte des Antoniens [...], p. 474,
480 (relação de Bernardo da Gallo, 1710).
96 Cavazzi - Descrição Histórica [...], vol. 1, p. 164. "Os serralheiros, porém, têm a
supremacia sobre todos, por ser esta a arte dos primeiros reis do Congo". Idem, p. 127.
97 Wannyn - L'art ancien du métal au Bas-Congo. Champles par Wavre, 1961, p. 59.
98 Karl Laman - The Kongo, vol. 1, Uppsala, 1953, p. 16.
99 Cavazzi, op. cit., vol. 1, p. 253.
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os Kuba, foi Woot, o primeiro chefe, que criou as mais importantes ins-
tituições sociais e inventou a arte do ferro100.
Nas interpretações historicistas de Balandier e Calogero Piazza, a
fundação do Estado Kongo, por volta do século XIV, estaria relacionada
com a introdução de tecnologia dos metais que se tornou um privilégio
real e aristocrático101. Teria sido precisamente a superioridade tecnológi-
ca, ligada ao conhecimento da metalurgia e ao uso de armas de ferro, que
teria permitido aos guerreiros de Ntinu Wene submeter as populações pré-
existentes e instaurar a organização do novo Estado102.
Foi Plancquaert quem abalou os alicerces desta tese consagrada,
negando a existência de qualquer ligação entre os citados chefes-civiliza-
dores e o início do uso do ferro, pois a data atribuída à fundação dos esta-
dos da savana é muito recente e a Idade do Ferro teve início em épocas
mais recuadas. Levantou também as seguintes hipóteses: os primeiros
chefes teriam incorporado clãs de primitivos fundidores nos seus estados;
teriam adoptado os seus títulos ou divisas; ou poderiam descender
deles103.
Concordamos com Plancquaert ao dissociar a fundação do Estado
Kongo do início da Idade do Ferro no Noroeste de Angola e regiões vizinhas.
100 Luc de Heusch - Le roi ivre ou l'origine de l'Etat. Paris, 1972, p. 127.
No Ruanda, a invenção da arte de forjar é atribuída ao rei fundador Gihanga. Luc de
Heusch - Rois nés d'un coeur de Vache. Paris, 1982, p. 52-54, 190-194.
101 Balandier - La vie quotidienne du royaume de Kongo. Paris, 1965, p. 23, 97, 98.
Piazza - Alcuni tradizioni oralli [...], p. 248, 249.
102 Piazza - op. cit., p. 248, 249. R. Cornevin - Histoire de l'Afrique, vol. 2. Paris,
1967.
103 Plancquaert - Les Yaka, essai d'histoire. Tervuren, 1971, p. 12. Devemos distin-
guir os migrantes de língua Bantu, que inicialmente teriam culturas da Idade da Pedra e
utilizavam cerâmica, dos pioneiros da Idade do Ferro que são posteriores. Pensamos que
no Noroeste de Angola devem ter existido, sucessivamente, várias culturas da Idade do
Ferro e que os Kongo não se identificam com os pioneiros da metalurgia. Em Angola
(Luanda), a cultura cerâmica dos concheiros, considerada posterior ao paleolítico, foi data-
da, pelo C. 14, do século I (140 a.d.).
Santos Júnior e Carlos Ervedosa - A estação Arqueológica de Benfica (Luanda-
Angola). "Ciências Biológicas", 1 (1), Luanda, 1970. Pierre de Maret - Sanga: excavati-
ons, more data and some related problems. "Journal of African History", Cambridge, 18
(3), 1977, p. 331. Maret, Van Noten, Cahen - Radiocarbon dates from West Central Africa:
A Synthesis. "Journal of African History". Cambridge, 18 (4), 1977, p. 495.
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104 Ngangula significa ferreiro nas línguas Kikongo e Kimbundu. Wannyn - L'art
ancien du métal [...], p. 10.
105 António Brásio - O problema da eleição e coroação dos reis do Congo, in "História
e Missiologia", Luanda, 1973, p. 235.
Num mito Kuba é a posse do martelo do ferreiro que legitima o poder do chefe. Luc
de Heusch - Le roi ivre [...], p. 135, 136.
O martelo de forja era também uma das insígnias dos chefes do Rwanda. Luc de
Heusch - Rois nés [...], p. 187 a 190.
106 Plancquaert - Les Yaka, essai d'histoire. Tervuren, 1971, p. 12, 18, 37, 48, 49. Tari
dia Nsundu (Pietra d'Inzondo), ("chefado Bamba-Lubota") era o nome de um monte forti-
ficado onde em 1764 se refugiou o rei D. Pedro V (1763-64). Jadin - Aperçu de la situati-
on du Congo et rite d'election des rois en 1775, d'après le P. Cherubino da savana, missi-
onnaire au Congo de 1759 à 1774. "Bulletin de l'Institut Historique Belge de Rome",
Bruxelles, 35, 1963, p. 6, 31 e 35.
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à trois repriils répondent que le vent qui sort du soufflet chasse le mal du
corps et leur conserve longtemps la santé"119. Um ferreiro investido no
título de Mwene Masongo, chefe de uma localidade com o mesmo nome,
praticava determinados ritos de protecção no lugar onde iria ser construída
a casa do Mwene Nsoyo: "Le Mani Masongo qui est forgeron fait le tour de
l'emplacement de la maison manoeuvrant ses soufflets. Il y jette aussi de
l'eau, celle qui sert à réfrigérer le fer, afin qu'aucune chose nuisible n'ap-
proche de ce lieu et que le comte et la comtesse se couservent en bonne
santé". Em 1697, Fra Luca de Caltanisetta viu à saída da libata Damba
Bwenze (Nsundi) quatro grandes foles depositados num "altar de feiticei-
ros", o que mostra o carácter sagrado desses utensílios de ferreiro120.
Nos séculos XVII e XVIII o martelo-bigorna era utilizado pelos
forjadores Solongo num ordálio conhecido por "juramento de ferreiro"
(ndefo a nzundu)121. O acusado tinha de lamber o nzundu122 ou então era
obrigado a beber a água usada na lavagem cerimonial daquele utensílio de
forjador123 e, caso não tivesse dito a verdade, morreria.
Por todo o Noroeste angolano, os forjadores tinham o exclusivo
poder de tocar no ferro incandescente sem sofrerem quaisquer queimadu-
ras, sendo por isso chamados a aplicar a "prova do fogo", um ordálio que
consistia em pôr um ferro em brasa em contacto com a pele do acusado
que não se queimaria no caso de estar inocente. Cavazzi informa-nos que
entre os Kongo (Solongo?) este ordálio era aplicado por um feiticeiro cha-
mado mbau, sem dúvida um forjador titulado que agarrava o ferro em
brasa, colocava-o sobre a própria carne e desafiava o acusado a fazer o
mesmo. O ferro incandescente também podia tocar um fio esticado pelo
forjador e pela vítima e que ao romper-se denunciaria o culpado124.
119 Idem.
120 Idem, p. 149.
121 François Bontinck - Diaire congolais (1690-1701) de Fra Luca da Caltanisetta.
Louvain, 1970, p. 70.
122 Salvadorini - La relazione sul Congo di Bonaventura da Corella (1659). "Annali
della Faculta di Scienza Politiche del Universita de gli Studi di Pisa", Pisa, 3, 1973, p. 441.
123 Cuvelier - Relations sur le Congo [...], p. 140. Piazza - Giuseppe da Modena [...],
p. 460.
124 Salvadorini - La relazione sul Congo [...], p. 441. Cavazzi - Descrição histórica
[...], vol. 1, p. 103.
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130 David Magno - Etnografia dos Dembos [...], p. 165. No século XVIII este ordálio
já era usado na área da "Missão de Cahenda". Jadin - Aperçu de la situation du Congo [...],
p. 368.
131 Pechuel, Loesche - Volkskunde von Loango. Stuttgart, 1907, p. 170-174, 184.
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foi possível averiguar, dos espíritos dos antepassados, quer estes tivessem
sido chefes investidos por ferreiros (Ntandu) ou até mesmo mestres forja-
dores (Ndembu). As cerimónias de sagração exigiam um acto cultural san-
grento que, entre os Ntandu, consistia na imolação de um animal domés-
tico (cabrito)132. O poder sobrenatural do ferreiro e dos utensílios por ele
manipulados permitia-lhe intervir nos domínios da medicina mágica e da
magia protectora, actuando em ambos os casos contra os espíritos maus.
No âmbito da justiça, revelando magicamente a culpa ou a inocência do
acusado. Na esfera do político, sagrando chefes, fabricando-lhes as insíg-
nias ou velando-lhes pelo fogo sagrado. O poder mágico-religioso do fer-
reiro era, portanto, fundamentalmente fecundo, benéfico, protector e ofen-
sivo das influências nefastas. Devido às importantes funções económicas
e religiosas que desempenhavam, os ferreiros ocuparam posições de rele-
vo nas hierarquias políticas do Estado Kongo, integrando um dos grupos
preponderantes133.
É altura de regressarmos às tradições orais que atribuem a fundação
da realeza sagrada a chefes-ferreiros, inventores ou introdutores da meta-
lurgia. Essas tradições postulam uma complexa identidade primordial
entre o ferreiro e o chefe e não propriamente uma igualdade simbólica
como defendeu Vansina134. Os ferreiros Kongo eram dotados de poder
mágico-religioso da mesma natureza da dos chefes políticos, dos adivi-
nhos, dos curandeiros e dos feiticeiros. Os poderes do chefe político e do
ferreiro tinham inclusivamente a mesma intencionalidade lícita, benéfica,
fecundante e defensiva, mas eram poderes de grau e âmbito muito diver-
sos, já que o chefe, identificando-se com o antepassado primordial - o fer-
reiro civilizador - era a fonte última da ordem, da prosperidade e da fecun-
didade nos domínios da natureza e da cultura. Podemos dizer que o chefe
político transpôs para o domínio dos homens e da cultura o poder do fer-
132 Mertens - Les chefs couronnés [...], p. 47 a 67, 367 a 375; 431-445.
133 Para Laura Makarius, a força mágica do ferreiro, que se comunica aos utensílios,
provinha da violação deliberada do tabu de sangue. Os elementos que conhecemos sobre
os Kongo põem em causa esta tese.
O sacrifício sangrento parece estabelecer antes uma comunicação entre o iniciado e os
espíritos dos antepassados, donde provém o poder sobrenatural. A força mágica de um dos
utensílios da metalurgia, a alsafra de pedra, não é obtida do ferreiro, mas de uma consa-
gração específica anterior. Laura Makarius - Le sacré [...], p. 106 e seguintes.
134 Vansina - Anthropologists and the third dimension. "Africa", London, 39, 1969, p. 65.
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138John Thornton - The Kingdom of Kongo. Civil War and transition, 1641-1718.
Wisconsin, 1983, p. 84, 85, 117, 118.
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139 Nesta perspectiva leia-se a desenvolvida análise de Piazza - Alcuni tradizione orali
[...], p. 249 a 255.
140 António Brásio - Monumenta Missionária Africana, vol. 7, Lisboa, 1956, p. 292
(doc. de 1624).
141 Piazza, op. cit., p. 255.
142 Vansina - Notes sur l'origine du royaume de Kongo. "Journal of African History",
Cambridge, 4 (1), 1963, p. 37.
143 Balandier - La vie quotidienne au royaume de Kongo, du XVIe au XVIIIe siècle.
Paris, 1965, p. 22.
144 Randles - L'ancien royaume du Congo. [...], p. 18.
145 Cuvelier - L'ancien royaume du Congo. Paris, 1946, p. 253, nota 4.
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146 Joseph Miller - The imbangala and the cronology of early Central African history.
"Journal of African History", Cambridge, 13 (4), 1972, p. 573, 574. Joseph Miller - The
dynamics of oral tradition in Africa, in Berbardi, Poni, Triulzi eds. "Fonti oralli.
Antropologia e storia". Milano, 1978, p. 80.
147 Pierre de Maret - Sanga: New excavations, more data, and some related problems.
"Journal of African History", Cambridge, 18 (3), 1977, p. 335, 337. Luba roots: The first
complete Iron Age Sequence in Zaire, "Current Anthropology", 20 (1), 1979, p. 233, 234.
148 António Gonçalves - La symbolisation politique. "Le prophetisme" Kongo au
XVIIIème siècle. München, 1980, p. 44.
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149 Hélio Felgas - História do Congo português. Carmona, 1958, p. 40, nota 1. Hélio
Felgas - As populações nativas do Congo português. Luanda, 1960, p. 36, 37.
150 Vansina - Notes sur l'origine [...], p. 33.
151 Doutreloux - Les Kongo, in: Vansina ed. "Introdution à l'éthnographie du Congo".
Kinshasa, 1966, p. 118.
152 Randles - L'ancien royaume du Congo [...], p. 19. A "Relação da Costa da Guiné" (1607)
(Brásio-Monumenta..., 5, p. 386), citada por Randles, considera os Amburidos (Ambundos)
como subordinados ao Mwene Kongo e não como um substracto do célebre Estado.
153 Piazza - Appunti sulla lingua di Soyo. "Africa", Roma, 36 (2), 1981, 243, 244.
154 Miranda de Magalhães - Manual das Línguas indígenas de Angola. Luanda, 1922,
p. VIII e XXIII.
155 Cadornega - História Geral das guerras angolanas (1680), vol. III, Lisboa, 1972,
p. 253, 255, nota 62.
156 Cuvelier - L'ancien royaume [...], p. 338 a 340.
157 Cavazzi - Descrição histórica [...], vol. 1, p. 230.
158 Willy Bal - Description du royaume de Congo [...], p. 68. Cavazzi - Descrição his-
tórica [...], vol. 1, p. 19.
159 Willy Bal - Description du royaume de Congo [...], p. 69. António Brásio - História
do Reino do Congo. Lisboa, 1969, p. 47, 48.
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167 Joseph Miller - The dynamics of oral tradition in Africa [...], p. 75 e seguintes.
168 Referimo-nos aos trabalhos de Luc de Heusch publicados em 1972 e 1982.
169 Joseph Miller - The dynamics of oral tradition in Africa [...], p. 77, 78.
170 Idem, p. 80, 81.
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188 Thornton - The kingdom of Kongo. Civil War and transition (1641-1718). Madison,
1982, p. 16, 17.
189 "The existence of these two modes and their interrelation-ship conditioned the exis-
tence of the state and established its limits at the same time as it guaranteed the repro-
duction of the conditions in which it operated". Thornton - The Kingdom of Kongo, Ca.
1390-1678 [...], p. 328.
190 Idem, p. 330.
191 Thornton - The Kingdom of Kongo. Civil War and transition [...], p. 32, 57 e 117.
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192 Thornton - The Kingdom of Kongo, Ca. 1390-1678 [...], p. 331, 332.
193 Ekholm - Power and prestige [...], p. 87 e seguintes. Ainda no século XVI, o trá-
fico da escravatura tomou enormes proporções e os europeus começaram a contactar direc-
tamente os chefes subordinados ao Mwene Kongo. Tal facto conduziu à progressiva desin-
tegração da estrutura político-económica do Estado num grande número de chefados inde-
pendentes em conflito permanente. Idem, p. 136 e seguintes.
194 "...the entire social formation functioned as a single economic system directed
toward a surplus for its dwelling upper class..." Thornton - The Kingdom of Kongo, ca.
1390-1678 (...), p. 328.
"...it was internally generated surplus that created the possibility of a noble lifestyle
and the need for this foreign trade in luxuries". Idem, p. 328, nota 10.
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mas recebia tributos e redistribuia bens. Era ainda através dele que se
processava o comércio externo, o que lhe permitia controlar a circula-
ção de bens de prestígio, de ideias e de mitos195. Podemos concluir que
aqueles produtos eram usados e circulavam dentro dos estreitos limites
impostos pela organização social e política. A acumulação e a circula-
ção de tais bens escondem, porém, uma realidade subjacente: a obriga-
ção de tributo imposta pelos chefes aos seus subordinados e a conco-
mitante obrigação de generosidades a que aqueles tinham de se subme-
ter196. Portanto, é a sociedade e, em última análise, o sistema político
que explicam a acumulação e a circulação dos excedentes em bens de
prestígio.
As narrativas orais sobre as origens não se podem reduzir a uma
justificação ideológica da apropriação urbana dos excedentes rurais e do
trabalho dos escravos. Elas revelam sobretudo a génese da realeza sagra-
da Kongo, na qual e a partir da qual se tem de pensar a acumulação e a cir-
culação da riqueza.
O lado mais controverso dos estudos de Thronton está, porém,
nos pressupostos teóricos utilizados. No âmbito do estruturalismo mar-
xista não se estabeleceu ainda um consenso em torno das definições do
"modo de produção" e "formação social". No conceito de "modo de
produção" não foi ultrapassado o problema de "determinação em últi-
ma instância" da "estrutura económica", mantendo-se, portanto, o redu-
cionismo economicista. A "periodização" dos modos de produção, ape-
sar de ter conhecido significativos avanços, permanece extremamente
contraditória e imprecisa. A aplicação do conceito "modo de produção
195 Ekholm - Power and prestige [...], p. 98 e segs. Brugiotti da Vetralla descreve da
seguinte forma a redistribuição dos tributos: "Gli abitanti del Congo sono poverissimi, ne
vi è fra di loro chi attenda ad accumular ricchezze, si che anco li Titolati et il medesimo
Re non rirervano le cose di um anno per un altro, salvo che alcuni abilliamenti per le pro-
prie persone, ma tutto quello che da sudditi li vien contribuito da Vassalli, tutto in pochi
giorni ripartano e distribuiscono alle medesimi Vassalli che gli lo vadino a dimandare".
Violante Sugliani - P. Giacinto Brugiotti e la sua Missione al Congo (da una sua relazio-
ne inedite). "Bolletino della Società Geografia Italiana", Roma, 59 (9), 1922, p. 243.
196 Clastres - Recherces d'anthropologie politique. Paris, 1980, p. 136 e segs. Para
Bisson, o tributo não só evidencia a existência do poder coercivo que definiria as socieda-
des organizadas em Estado, como constitui a principal característica dos Estados da África
Central. Michael Bisson - Trade and tribute. Archaelogical evidence for the origin of sta-
tes in South Central Africa. "Cahiers d'Études Africaines", Paris, 22 (3-4), 1982, p. 358.
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