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Agricultura familiar em duas comunidades rurais do Rio Grande do Norte. Silva et al.
SEGURANÇA
alimentar e nutricional
Rônisson Thomas de Oliveira Silva1, Celena Dantas de Medeiros2, Daniely Cordeiro da Cruz3,
Ana Beatriz Macêdo Venâncio dos Santos4, Ismael Romão dos Santos5 e Vanille Valério
Barbosa Pessoa Cardoso6
O estudo visa descrever as condições socioeconômicas e de produção de alimentos, inclusive acesso às políticas públicas
de fortalecimento da agricultura familiar, de agricultores familiares residentes na zona rural do estado do Rio Grande do
Norte (RN). Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo e desenho transversal realizada em duas comunidades
agrícolas do município de Jaçanã – RN. Realizou-se 15 entrevistas semiestruturadas com agricultores selecionados pelo
método Bola de Neve. A análise foi através de estatística descritiva e análise de conteúdo, para as informações
qualitativas. Observou-se dificuldades quanto as condições de moradia, na renda e no saneamento básico. Acerca da
produção agrícola, assumem práticas convencionais (uso de agrotóxicos e sementes transgênicas) e presença de
atravessadores na maioria das comercializações. Verificou-se reduzido acesso e desconhecimento sobre as políticas de
fortalecimento da agricultura familiar, enquanto um acesso importante ao Programa Bolsa Família (PBF). O trabalho
revela o contexto de vulnerabilidade dos agricultores e importante necessidade de fortalecimento das políticas públicas
voltadas à população rural e condições de vida, produção e comercialização agrícola. Também reforça a importância de
investigações locais que gerem diagnósticos e problematizam os territórios.
1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte(FACISA/UFRN). Endereço para Correspondência: Rua Manoel Fernandes
da Silva, 402, casa, centro, Jaçanã/RN, 59225-000. Tel.: (84) 8739-4275. E-mail:[email protected]. ID ORCID: 0000-0002-9779-5043
2 Graduanda em Nutrição pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG/CES). ID ORCID: 0000-0002-3190-5596
3 Nutricionista pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG/CES). ID ORCID: 0000-0002-7398-5168
4 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. ID ORCID: 0000-0002-1061-6496
5 Ex-Secretário Municipal de Agricultura de Jaçanã/RN. ID ORCID: 0000-0002-7251-3206
6 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Nutrição da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). ID ORCID: 0000-0002-8933-3551
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Apesar do acesso viável às localidades, existe O tratamento dos dados objetivos aconteceu
uma baixa habitação de agricultores (comparado às através do uso do software SPSS for Windows versão 13.0.0
outras comunidades do município) e e os dados subjetivos sofreram análise de conteúdo.
consequentemente, uma dificuldade na logística para Essa análise tem por objetivo conduzir descrições
encontrar as residências dos mesmos. Com isso, optou- sistemáticas, ajudar a reinterpretar as mensagens e a
se por utilizar a amostragem a partir do método de Bola atingir uma compreensão de seus significados em um
de Neve, que não se baseia em cálculos estatísticos, mas nível que ultrapassa uma leitura simples[12]. Para esta
em uma rede de amizades dos membros existentes da etapa foram criadas categorias de análise que
amostra, onde o primeiro indicado pode sugerir um ou permitiram agrupar as respostas a partir dos objetivos
mais participantes[11]. expressos no trabalho.
Foram incluídos no estudo sujeitos de ambos A pesquisa foi submetida e aprovada pelo
os sexos que residiam e que tinham posse de terra nas comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal de
localidades definidas e excluíram-se aqueles agricultores Campina Grande sob o CAAE 79378517.0.0000.5575,
familiares aposentados e/ou que trabalhavam na zona cumprindo as diretrizes e normas da Resolução n°
rural e residiam na zona urbana. 466/2012 onde os sujeitos assinaram previamente um
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os
Para coleta de dados foi utilizado um agricultores tiveram seus nomes resguardados e foram
questionário semiestruturado dividido em duas partes. enumerados de 1 a 15.
A primeira se constituía de questões com caráter
objetivo organizada em três módulos (identificação dos RESULTADOS
entrevistados; caracterização sociodemográfica;
produção de alimentos). A segunda teve caráter Para melhor compreensão dos resultados,
dissertativo e era composta por um roteiro com estes serão apresentados na seguinte sequência:
perguntas norteadoras para apreender os aspectos caracterização sociodemográfica, aspectos da produção
subjetivos do entrevistado e onde, neste momento, as de alimentos e acesso às políticas públicas.
respostas dos mesmos foram registradas através de
aparelho gravador de voz e permitiram compreender
Na análise da caracterização sociodemográfica
sobre o acesso às políticas públicas de apoio à
observou-se que a maioria dos entrevistados era do
agricultura familiar e de transferência direta de renda
sexo masculino (53,33%), brancos (as) (60%), casados
(Programa Bolsa Família); produção e comercialização
(as) (53,33%) e possuíam ensino fundamental
de alimentos para programas públicos.
incompleto (80%). Com relação à moradia, residiam em
casas de alvenaria acabada (100%), tinham a fossa
A primeira entrevista foi indicada pelo negra/rudimentar como principal forma de
secretário municipal de agricultura e as demais esgotamento (73,3%) e queimava ou enterrava o lixo
entrevistas seguiram a ordem do método onde o último produzido (53,3%).
entrevistado indicou o próximo. Com isso, foi possível
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Quadro 1. Opiniões dos entrevistados sobre o acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e ao
Programa de Aquisição de Alimentos.
Relato Identificação
“...Nesse tempo eu criava galinha, aí eu vendia os frangos né... Aí por conta da seca ficou caro demais Entrevistado 7, sobre o PNAE
a ração, ai deixei de criar”
“Ficou sem chover, eu colocava era coentro na época, era galinha nesse programa, tinha umas Entrevistado 3, sobre o PNAE.
criaçãozinha de ovelha, aí o tempo seco demais e a gente não criou mais... é, eu coloquei”
“O único programa que eu vendo é para o compra direta, é escolar também né?!.” Entrevistado 4, sobre o PAA
“Assim, é porque eu não tenho mais menino que estuda, vejo só falar do programa.” Entrevistado 10, sobre o PNAE
Quadro 2. Opiniões dos entrevistados sobre o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)
Relato Identificação
“Pronto, eu tenho esse PRONAF. Tu agora falou num momento bom mesmo, eu tenho esse PRONAF e Entrevistado 3
de dois em dois anos eu renovo o meu PRONAF aí é sempre como a gente vai se “rebolando”, por isso que
eu... importante, a agricultura é em primeiro lugar aqui pra a gente, porque se não fosse esse PRONAF
também, “armaria”, era difícil, porque a gente vai trabalhando, o banco fornece aí dá o desconto né. Aí é
importante para o agricultor”
“Tenho, é o que ajuda a gente, foi através do PRONAF que eu comprei essa terra” Entrevistado 9
“É uma ajuda boa, porque na hora que o cara tá precisando fazer um serviço, arruma um dinheiro né e vai Entrevistado 1
trabalhar”
Apesar de não se tratar de um programa especialmente para residentes no contexto rural. Neste
específico voltada à agricultura familiar, o acesso ao sentido, observou-se que 7 das 15 famílias de
Programa Bolsa Família (PBF) foi investigado agricultores do estudo tinha acesso ao PBF.
entendendo a contribuição do mesmo para as
condições de vida das famílias e a garantia da SAN,
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Silva, Aquino, Costa e Nunes[15] destacaram A problemática da água, associada aos outros
que essa alta média dos responsáveis que são determinantes socioeconômicos e demográficos
produtores é marcante no semiárido brasileiro, porém, observados nas famílias dos entrevistados se reflete na
os autores também destacam a concentração masculina produção dos alimentos, onde observou-se uma
na gestão dos estabelecimentos e a precariedade do produção, predominantemente, temporária e
quadro educacional observado nas famílias, o que concentrada em feijão/fava e milho, alimentos cuja
também corrobora com o presente estudo. produção na região ocorre, principalmente, em épocas
de chuvas.
Foi observado que 80% dos entrevistados
possuíam ensino fundamental incompleto, valor que se De acordo com Lima[20], as principais culturas
mostra superior aos 70,1% observados no estudo de da região são banana, caju, manga, maracujá, mandioca,
fava e feijão, mas a autora observou que a
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comercialização desses produtos destinava-se aos Gazolla[24] esse fato é responsável pela geração da
outros municípios diferentemente dos produzidos e autonomia reprodutiva do agricultor familiar, diante do
que não eram destinados para programas contexto social e econômico, principalmente, pelo
governamentais como o Programa Nacional de princípio da alternatividade produtiva e que o
Alimentação Escolar (PNAE). autoconsumo contempla os elementos do cotidiano das
famílias, que inclui a terra, a própria família, a
Dentre os aspectos da produção de alimentos alimentação e, principalmente, o saber-fazer dos
observados no presente trabalho ainda se destaca a agricultores.
função do atravessador, considerado o principal
“destino” do que é produzido nos estabelecimentos É preciso salientar que, dentre esses aspectos
familiares. da produção de alimentos, dois fatores colaboram para
problematizar o caminho da agricultura familiar e da
Segundo Souza[21] o produtor nordestino está segurança alimentar e nutricional. O primeiro trata-se
na dependência econômica imposta pelo atravessador, da utilização de sementes transgênicas e o outro da
sendo condicionado, à exploração. O produtor é quem utilização de agrotóxicos, ambas as práticas observadas
paga pelos custos da produção, e devido essa situação, no estudo.
que ficou tão banalizada, infelizmente, muitos
produtores abrem falência em função do baixo preço O uso dos agrotóxicos por produtores
pago pelas mercadorias. familiares é comum, como pode se observar no estudo
de Luz, Siqueira, La-Rotta, Miliquin e Filho[16] que
A presença dos atravessadores se tornou tão também observaram um alto índice de utilização,
forte que até mesmo quando os produtores familiares expondo que 95,3% dos sujeitos estudados
acessam espaços de escoamento e se inserem em confirmaram o uso, somando 55 tipos comerciais
sistemas curtos de comercialização, ainda é possível diferentes. Além disso, os autores ressaltaram que a
encontrar esse “intermediador”. Isso pode ser notado maioria dos entrevistados não recebia orientação
através do estudo de Medeiros[22], em que foi observado adequada, comprava sem receituário e que, apesar de
que dentre os agricultores de uma feira agroecológica, reconhecerem os riscos, não se protegiam e parte deles
28,6% afirmaram que também comercializam para ainda descartavam inadequadamente as embalagens.
atravessadores, demonstrando que a redução da
distância do circuito de abastecimento não garante uma Além da possibilidade de uma forte relação
plena autonomia dos agricultores em outros espaços de entre sementes transgênicas e utilização de agrotóxicos,
venda dos produtos. que impactam a SAN, a soberania alimentar e o DHAA,
esses produtos ainda podem causar impactos diretos à
Porém, apesar de parecer improvável descartar saúde dos produtores familiares e fortalecerem o
a participação do atravessador na comercialização dos quadro de pobreza e desigualdade social. Segundo
alimentos do produtor familiar, Modenese e Sant’ana[23] Abreu e Alonzo[25] o agrotóxico é um produto inerente
observaram que o acesso às políticas públicas de ao agronegócio e o controle dos riscos de intoxicação
compra de produtos pode minimizar essa presença. Os no contexto geral da agricultura familiar não pode ser
autores observaram que 72% dos agricultores familiares feito através do paradigma do “uso seguro”. Desta
assentados em Mirandópolis (SP) indicaram a forma, o incentivo e o suporte às áreas livres de
comercialização com intermediário ou atravessador no agrotóxicos e a tecnologias de produção mais justas,
período anterior à execução dos projetos do Programa independentes, eficientes e rentáveis, como forma de
de Aquisição de Alimentos (PAA) e, após a participação valorizar as características e a tradição da agricultura
no programa reduziu-se em 38% a participação em familiar, devem ser prioridades do Estado e da
outros mercados onde a presença desses atravessadores sociedade civil.
era essencial, garantindo com isso um direcionamento
definido da oferta, uma renda mais justa e maior Os dados sobre acesso às políticas públicas se
autonomia para os produtores. somam ao cenário socioeconômico problemático e aos
determinantes existentes na produção de alimentos. O
Percebeu-se também que existe um que se percebeu foi o reflexo de uma agenda de
autoconsumo de alimentos importante e que segundo desmonte das políticas públicas, onde diversos
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agricultores tiveram interrupção do fornecimento dos de poder entre os atores que disputavam a construção
produtos aos PNAE e PAA, especialmente. das políticas para a agricultura familiar e de
desenvolvimento rural no Brasil, cedendo espaço para
Destaca-se que, através dos relatados, foi a emergência de novos mediadores.
possível perceber que muitos entrevistados remeteram
as dificuldades da produção às características climáticas, Nesse contexto de vulnerabilidade social e de
trazendo a palavra “seca” em alguns momentos. Esse dificuldades de produção de alimentos e acesso às
fato refletiu o retrocesso na implementação das políticas públicas de fortalecimento da agricultura
próprias políticas de democratização do acesso à água e familiar, o que se observou foi o importante papel do
de incentivo à produção. Porém, aparentemente os PBF como política capaz de contribuir para a qualidade
entrevistados não relataram essa perspectiva e de vida dos sujeitos.
abordaram o acesso precário ao PNAE e PAA como
algo decorrente da falta de chuva, que impossibilitou a O Bolsa se configura como uma importante
produção dos alimentos. política de transferência de renda e de fortalecimento
do direito humano à alimentação adequada, podendo
Grisa e Schneider[26] em um importante contribuir para além do próprio acesso aos alimentos,
trabalho sobre as políticas de desenvolvimento rural no como demonstra Palmeira, Salles-Costa e Pérez-
Brasil concluem que a emergência de políticas Escamilla[28] que evidenciaram que se o PBF não
focalizadas na agricultura familiar contribui através da estivessem em vigor, na época do estudo, cerca de 10%
visibilidade para a categoria de produtores das famílias que passaram da insegurança alimentar para
anteriormente marginalizados por políticas agrícolas segurança alimentar entre 2011 a 2013 teriam
generalistas ou unidimensionais, que promoviam permanecido em IA. Além disso, observaram que essa
principalmente as grandes empresas e propriedades. Ao superação da insegurança alimentar foi influenciada
mesmo tempo, reforça que a tendência de evolução mais pelo programa de transferência de renda do que
regional mostra uma combinação diversa de pelo aumento da renda familiar ao longo do tempo,
instrumentos e ações produtivas, sociais focalizadas, construindo a hipótese que isso ocorre porque o PBF
setoriais ou transversais, explicitando a relevância das não apenas aumenta o orçamento da família, mas
iniciativas locais que são fundamentais e podem oferece acesso a outros benefícios como uma rede de
potencializar o desenvolvimento regional. apoio e proteção social.
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