Daniel Martins Valentini - Uma Leitura Sobre A Censura Ao Teatro Oficina Nos Anos 1960
Daniel Martins Valentini - Uma Leitura Sobre A Censura Ao Teatro Oficina Nos Anos 1960
Daniel Martins Valentini - Uma Leitura Sobre A Censura Ao Teatro Oficina Nos Anos 1960
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Resumo:
Este texto pretende discutir como foi a atuação censória sobre o renomado
Teatro Oficina, que, nos anos 1960, deu decisivos passos para o
desenvolvimento de uma forma de atuação brasileira autêntica, ganhando
destaque dentro e fora do país. Neste mesmo período, sofreu com a censura
estadual ainda no regime democrático, combateu a modernização
conservadora implantada após o golpe militar e teve seu trabalho
estrangulado pelos censores federais e pela repressão que se abateu em fins
dos anos 1960 e inícios da década seguinte.
Palavras-chave:
Censura; Teatro Oficina; ditadura militar.
Abstract:
This text discusses how occurred the censorship action on the renowned
Teatro Oficina, which in the 1960s took decisive steps to develop a form of
authentic Brazilian performance, highlighted inside and outside the
country. In the same period, it suffered from the state censorship even in a
democratic regime, fought the conservative modernization implemented
after the military coup and had its work strangled by federal censors and by
the repression that came down in the late 1960s and early 1970s.
Keywords:
Censorship; Teatro Oficina; Military dictatorship.
2Os processos estaduais foram formulados pela Divisão de Diversões Públicas (DDP),
Serviço de Teatro e Diversões em Geral, órgão vinculado à Secretaria da Segurança Pública
do Estado de São Paulo, Setor de Órgãos Auxiliares Policiais. Estão arquivados no Arquivo
Miroel Silveira (ECA). Este processo é o DDP 5.063.
No corte de loja maçônica, como pode ser visto acima, foi definido
pelos censores que a palavra seria substituída por “secreta”.
Em outros estudos acerca da censura foi apontado que, apesar de a
censura ter uma legislação federal, usada por todos os estados, seu caráter
subjetivo era muito forte. As proibições variavam enormemente de censor
para censor. Este corte parece ser um exemplo de como as definições
O último corte do texto tem nada menos que 18 linhas. Foram 12 falas
sequenciais proibidas. Estas impediram não só a definição dos dois
personagens em questão, mas também dissolveram o final de exaltação do
jovem Ralph. Originalmente, Moe terminaria com grande vantagem, pois
conseguiu de volta a amada sem ter de abrir mão de qualquer outra coisa.
Mesmo assim, ele para em frente de Ralph e afirma que o jovem é a pessoa
valiosa da família.
O diálogo censurado entre Hennie e Moe é o seguinte:
da vida política do país”, reiterando que o convite também tinha sido feito
ao Dops.
Geraldino Russomano escreveu para seu diretor no dia 25,
confirmando que compareceu ao teatro no dia e hora estipulados (meia-
noite do dia 22), ficando no local até aproximadamente uma hora da manhã,
já que o Dops não atendeu à solicitação do Oficina. Russomano não exigiu
que a representação lhe fosse novamente mostrada, pois ele já havia
participado de uma apresentação assim antes, e liberou o texto e o
espetáculo sem mais problemas. Porém, não ousou se antecipar ao Dops:
“Supondo-se, ainda quanto aos termos do solicitante, que o desejo é reprisar
a referida peça, e já sendo do conhecimento e interesse do Dops manifestar-
se a respeito, seria de bom alvitre que voltasse querendo o interessado ou
aguardássemos qualquer comunicado do Dops a respeito.”
As coisas estavam bem diferentes para a censura e para os censores.
Se, antes, Russomano não admitia nem mesmo que a classificação etária
fosse mudada, agora ele esperava qualquer decisão do Dops quanto a cortes
ou até mesmo quanto à proibição da peça. Stephanou analisa uma notícia
do Jornal do Brasil ainda desse primeiro momento do regime, dia 22 de
janeiro de 1966, em que um militar esbraveja contra o inimigo e sua
produção cultural: “Todo livro cujo título se refira a socialismo, marxismo
ou comunismo ou tenha na capa nome de autor russo ou assemelhado, deve
ser recolhido à fogueira purificadora do Dops.” (Apud STEPHANOU, 2001,
p. 214)
Somente no dia 25 de junho, um mês após o contato de Russomano
com seu diretor, o Dops despachou uma declaração assinada por Andréas
Aranha Schmitd, delegado e diretor do Departamento, alegando que nada
foi encontrado para impedir a apresentação, o que permitiu ao Oficina
retomar a carreira da peça.
O ódio ao comunismo e aos autores russos seria suficiente para
retirar a peça de cartaz. O que então permitiu que o grupo encenasse a peça
somente com a troca da Internacional pela Marseillaise? Segundo
Fernando Peixoto: “Dia 3 de abril à noite a ‘direção artística’ do Oficina foi
fazer um veraneio forçado no litoral paulista. Voltou. Pagando (preço por
cabeça) às forças policiais. Dinheiro vivo. Esta é a verdade.” (PEIXOTO,
1982, p. 59) Ítala Nandi confirma a informação: “Após dois meses de batalha
na Justiça, afinal conseguimos liberar Pequenos burgueses, não sem antes
pagar uma bela quantia à Censura. Isto era rotina naquele período de
exceção.” (NANDI, 1998, p. 98) Etty Fraser foi outra que destacou as
colaborações ilegais: “O Zé teve que dar uma vez um casaco, o Renato
também. Tinha muito disso, também.” (Entrevista com o autor, São Paulo,
7 jul. 2010)
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Por uma alteração na legislação censória, as peças eram agora analisadas, desde seu
início, por uma comissão de censores. Apesar desta determinação, um dos censores ficava
responsável por fazer a comunicação interna e externa.
4A proibição inicial deu-se em 1968 e a liberação somente ocorreria no início dos anos
1980.
sem o menor pudor. Enquanto o teatro sofria uma campanha negativa por
parte do regime, grupos paramilitares invadiam ensaios, espancavam
atores, destruíam cenários e sequestravam artistas. Censores e torturadores
esmagavam as forças dos grupos de teatro engajado.
Referências bibliográficas
COSTA, Maria Cristina Castilho. Censura em cena. São Paulo: Edusp, 2006.
DIVISÃO DE DIVERSÕES PÚBLICAS – DDP. Arquivo Miroel Silveira
(ECA). Serviço de Teatro e Diversões em Geral do órgão vinculado à
Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, Setor de Órgãos
Auxiliares Policiais.
NANDI, Ítala. Teatro Oficina: onde a arte não dormia. Rio de Janeiro:
Faculdade da Cidade, 1998.
MICHALSKI, Yan. O palco amordaçado. Rio de Janeiro: Avenir, 1979.
______. O teatro sob pressão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
PEIXOTO, Fernando. Teatro em pedaços. São Paulo: Hucitec, 1980.
______. Teatro Oficina. Revista Dionysos, São Paulo, MEC, 1982.
SOARES, Glaucio Ary Dillon. Censura durante o regime autoritário. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, v. 4, n. 10, 1989.
STEPHANOU, Alexandre Ayub. Censura no regime militar e militarização
das artes. Porto Alegre: Edipucrs, 2001.