Comércio Formal e Perfil de Consumidores de Plantas Medicinais e Fitoterápicos

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 8

121

Comércio formal e perfil de consumidores de plantas medicinais e fitoterápicos no


município de Itaqui - RS

ETHUR, L.Z.*; JOBIM, J.C.; RITTER, J.G.; OLIVEIRA, G.; TRINDADE, B.S.
Curso de Agronomia,Campus de Itaqui, UNIPAMPA, Rua Luiz Joaquim de Sá Britto, s/n, CEP: 97650-000, Itaqui-
Brasil *[email protected]

RESUMO: O presente trabalho visou realizar um diagnóstico sobre os consumidores de plantas


medicinais e fitoterápicos, abordando também alguns aspectos relacionados à comercialização,
no município de Itaqui-RS. A coleta de dados foi efetuada em duas etapas complementares,
centrada nos consumidores e estabelecimentos de comercialização, mais especificamente
farmácias. Primeiramente diagnosticou-se o perfil dos usuários de plantas medicinais, através de
questionário semi-estruturado que foi aplicado a 183 pessoas abordadas em áreas de circulação
de moradores de todos os bairros do município; na segunda etapa, avaliou-se a comercialização
e visão do comércio formal nas oito farmácias do município. De acordo com os resultados das
entrevistas para a construção do perfil dos usuários de plantas medicinais observou-se que 71%
dos entrevistados ficaram na faixa etária de 21 a 60 anos e que a grande maioria apresenta renda
mensal de até três salários mínimos; quanto ao uso de plantas na medicina popular, cerca de
82% afirmaram terem obtido eficiência e que em caso de problemas de saúde 47% procuram
pelas plantas; quanto ao cultivo, 55% dos entrevistados às cultivam em suas residências. Na
segunda etapa realizada em farmácias, observou-se que a compra de fitoterápicos e plantas
medicinais era realizada praticamente por mulheres, das quais 75% adultas e 25% idosas. Os
chás mais vendidos foram principalmente os emagrecedores e digestivos e o valor gasto com
esse tipo de produto ficou na faixa de R$ 1,00 a R$ 3,00. Conclui-se que existe mercado para
plantas medicinais e fitoterápicos e necessidade de maiores informações referentes à forma de
cultivo, correta identificação botânica, informações ao consumidor, qualidade e eficácia dos
produtos e seu uso.

Palavras-chave: etnobotânica, farmácias, plantas na terapêutica

ABSTRACT: Formal trade and profile of consumers of medicinal plants and phytomedicine
in Itaqui Municipality, Rio Grande do Sul State, Brazil. This study aimed to make a diagnosis
of consumers of medicinal plants and phytomedicine, also addressing some aspects related to
trade in Itaqui Municipality, Rio Grande do Sul State, Brazil. Data collection was performed in two
complementary stages focusing on consumers and stores, especially drugstores. First, the profile
of medicinal plant users was diagnosed through a semi-structured questionnaire which was applied
to 183 people approached in areas frequently visited by inhabitants from different villages of the
municipality; in the second stage, the trade and the view of formal trade was evaluated in the eight
drugstores of the municipality. The results of interviews to build the profile of medicinal plant users
showed that 71% interviewees were between 21 and 60 years old and most of them had monthly
income of up to three minimum wages; as to the use of plants in folk medicine, around 82%
stated to have had efficiency and, in cases of health problems, 47% searched for these plants; as
regards cultivation, 55% interviewees cultivated medicinal plants in their houses. The second
stage, carried out in drugstores, also indicated that phytomedicines and medicinal plants were
purchased mostly by women, 75% adults and 25% elderly. The most sold teas were slimming
and digestive teas, and the value paid for this type of product was between R$ 1.00 and R$ 3.00.
In conclusion, there is market for medicinal plants and phytomedicine and there is also the need
for further information related to their cultivation form and proper botanical identification, as well as
information to users, quality and efficacy of products, and their use.

Key words: ethnobotany, drugstores, plants in therapeutics

Recebido para publicação em 07/05/2008


Aceito para publicação em 23/12/2010

Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.13, n.2, p.121-128, 2011.


122

INTRODUÇÃO em praticamente todas as cidades brasileiras


As plantas medicinais foram negligenciadas (Marodin & Baptista, 2002; Pinto & Maduro, 2003;
pelo mercado e consumidores, porém na década de 80 Alves et al., 2007; Maioli-Azevedo & Fonseca-Kruel,
essa realidade começou a mudar e, atualmente, ocorrem 2007; Rodrigues & Carvalho, 2007). O comércio
constantes descobertas sobre o uso de plantas na formal, atualmente, agrega grande variedade de
terapêutica e principalmente de novos produtos, devido estabelecimentos, tais como, mercados, drogarias,
à pressão sofrida pelo mercado. A complexidade do farmácias e feiras, apresentando diversidade de
mundo das plantas medicinais inicia-se na própria plantas e fitoterápicos (Bello et al., 2002; Maioli-
definição, pois tradicionalmente se assume que plantas Azevedo & Fonseca-Kruel, 2007; Melo et al., 2007).
medicinais são vegetais empregados com fins Os segmentos de agronegócios (conjunto de
terapêuticos, em função de que ao menos uma das operações da cadeia produtiva que vai desde a
partes possui propriedades medicamentosas (curativas produção até a comercialização) devem observar
ou preventivas) (Fonte, 2004). profundamente as tendências de mercado, para
Segundo a Organização Mundial da Saúde identificar quais os atributos dos bens que têm maior
80% da população mundial faz uso de medicamentos valor sob a ótica do consumidor final, para aproveitar
derivados de plantas medicinais. No Brasil pesquisas as reais oportunidades (Vilela & Macedo, 2000). De
demonstram que 91,9% da população fizeram uso acordo com o exposto, o objetivo do trabalho foi
de alguma planta medicinal, sendo que 46% da realizar o diagnóstico do perfil dos usuários de plantas
mesma mantêm cultivo caseiro dessas plantas medicinais do município de Itaqui-RS, bem como, a
(ABIFISA, 2007). De acordo com Melo et al. (2007), comercialização de plantas medicinais e fitoterápicos
existe no Brasil uma farmacopéia popular muito em farmácias e a visão do comércio formal com
diversa baseada em plantas medicinais, resultado da relação aos consumidores nesse município.
miscigenação cultural envolvendo africanos, europeus
e indígenas. Portanto, a construção do perfil local e
regional de usuários de plantas medicinais é de MATERIAL E MÉTODO
extrema importância principalmente com relação à
comercialização e a abertura de novos nichos de Área de estudo
mercado e de emprego. A presente pesquisa foi desenvolvida no
Nas últimas duas décadas ocorreu aumento município de Itaqui, localizado na fronteira oeste do
no interesse, pela humanidade, por plantas medicinais Estado do Rio Grande do Sul, que de acordo com a
e respectivos produtos, acarretando a abertura de Fundação de Economia e Estatística (2007) apresenta
mercados nacionais e mundiais na área de a seguinte caracterização, latitude de 29º07’31" sul
fitoterápicos e plantas bioativas. De acordo com e longitude 56º33’11" oeste, estando a uma altitude
Rodrigues & Carvalho (2007), os raizeiros de Alto Rio de 57 metros; com área (2006) de 3.404 Km 2;
Grande-MG reconhecem que ocorreu declínio na aproximadamente 36 mil habitantes (2007), densidade
procura de plantas medicinais nas décadas de 70 e demográfica (2006) com 10,9 hab km -2, taxa de
80, retomando por volta de 1985 e intensificando-se analfabetismo (2000) de 8,61%, coeficiente de
cada vez mais até os dias de hoje. O intenso mortalidade infantil (2006) de 5,55 por mil nascidos
crescimento do mercado de plantas medicinais no vivos. Economia baseada praticamente no cultivo do
Brasil é motivado por diversos fatores, dentre os quais, arroz e na pecuária, PIB per capita (2005) R$
o consumismo de produtos naturais, acessibilidade 11.494,00 e PIB pm (2005) mil 487.062 (FEE-RS,
para os segmentos de baixa renda e eficácia no 2007), sendo que a maioria da população recebe até
tratamento de enfermidades (Santos, 2004; Alves et três salários mínimos.
al., 2007). Não existem dados oficiais a respeito do
mercado de plantas medicinais e fitoterápicos no Coleta de dados
Brasil, principalmente com relação a volume e preço A coleta de dados foi efetuada nos meses de
(Alves et al., 2007), porém estima-se um movimento maio a julho de 2007, em duas etapas complementares,
no mercado brasileiro em torno de 1 bilhão de reais/ centrada nos consumidores e nos estabelecimentos
ano e previsão de que, em 2010, o mercado de de comercialização, mais especificamente farmácias.
fitoterápicos chegará a 15%, do total do mercado Foram aplicados questionários semiestruturados e
farmacêutico (ABIFISA, 2007). procurou-se estabelecer um esquema padrão de
O início do comércio informal de plantas abordagem aos entrevistados.
medicinais deve ter ocorrido no momento em que se Na primeira etapa, o questionário (Arnous et
iniciaram as permutas de mercadorias. O comércio al., 2005) foi aplicado no centro do município de Itaqui,
informal, ou seja, aquele que não apresenta qualquer em frente ao posto de saúde, prefeitura, praça central,
tipo de certificação e/ou licenciamento de prefeituras lojas e mercados, onde foram entrevistados 183
é realizado por raizeiros, ervateiros e extrativistas, transeuntes. Nos locais referidos, podem ser

Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.13, n.2, p.121-128, 2011.


123

encontradas pessoas de todos os bairros do município 2003), constituídos por folhas, caules, raízes, flores
e de diferentes classes sociais. As entrevistas ocorreram e/ou inflorescências secas (plantas beneficiadas).
durante dois meses e procurou-se proporção Eles são comercializados em embalagens plásticas
semelhante entre o número de homens (90) e de transparentes de tamanhos variados de acordo com
mulheres (93) por existir a premissa de que as mulheres a quantidade do produto e em sachês.
são as principais usuárias ou aquisitoras de plantas Outros produtos avaliados foram os extratos,
para a terapêutica (Marchese et al., 2004; Arnous et al., que são preparações de consistências líquida, sólida
2005), além do predomínio no uso de medicamentos ou intermediária, obtidas a partir do material vegetal.
convencionais (Bertoldi et al., 2004). Para o questionário Os extratos são preparados por percolação, maceração
foram elaboradas questões que pudessem fornecer ou outro método adequado e validado, utilizando como
dados para o diagnóstico do perfil dos consumidores solvente etanol, água ou outro solvente adequado
de plantas medicinais do município de Itaqui, tais como, (BRASIL, 2005). Esses produtos são encontrados em
sexo, faixa etária, renda, obtenção das plantas, se cultiva embalagens plásticas e vidro (encontrados em
e com quem aprendeu a utilizar plantas na terapêutica. farmácias de manipulação).
A segunda etapa foi realizada no comércio Por fim, os medicamentos que são produtos
formal (Bello, 2002; Maioli-Azevedo & Fonseca-Kruel, farmacêuticos, tecnicamente obtidos ou elaborados,
2007; Melo et al., 2007), os dados foram coletados com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para
nas oito farmácias do município (100% dos fins de diagnóstico (BRASIL, 1973). Comercializados
estabelecimentos farmacêuticos), sendo que três como pomadas, cápsulas e variadas embalagens
delas integram a rede de farmácias local, uma plásticas e de vidro.
pertence a rede estadual e duas são de manipulação.
Desses estabelecimentos comerciais seis estão
localizados no centro e dois em bairros. As entrevistas RESULTADO E DISCUSSÃO
foram realizadas com os farmacêuticos e atendentes Na primeira etapa do estudo realizado com
das farmácias, com questionamentos (Marchese et a população do município de Itaqui, observou-se que
al., 2004) referentes a sexo e idade do consumidor; dos 183 entrevistados, 71% (131 pessoas) afirmaram
rotatividade dos produtos; preferência dos fazer uso de plantas medicinais enquanto 29% não
consumidores por preço, fabricante ou embalagem; as utilizam. Dos usuários, com relação à faixa etária, o
finalidade e produtos mais comercializados dentre predomínio foi de 21 a 60 anos (67%) (Figura 1A); sendo
fitoterápicos, chás, extratos e medicamentos. Em essa faixa predominante em estudo referente aos
municípios do porte de Itaqui, os farmacêuticos e consumidores de plantas medicinais e condimentares
atendentes de farmácias conhecem os fregueses que no município de Pato Branco-PR, que segundo
frequentam os estabelecimentos comerciais; vivência Marchese et al. (2004) é a faixa de idade considerada
completamente diferente dos estabelecimentos economicamente ativa. O predomínio de usuários de
comerciais de cidades mais populosas. plantas na terapêutica, na faixa etária entre 20 e 69
A rotatividade dos produtos é dado importante anos, também foi observado por Arnous et al. (2005),
principalmente para o comércio formal de plantas em pesquisa realizada no município de Datas-MG.
medicinais e produtos. A rotatividade de produtos A partir das entrevistas, observou-se que 85%
consiste no número de dias que decorre entre o dos entrevistados que utilizam plantas na terapêutica
recebimento e o registro da mercadoria (estoque) e a encontram-se na faixa de 0 a 3 salários mínimos
data da saída (Femenick, 2008), quanto menor o tempo (85%) (Figura 1B), evidenciando economia de baixa
(em dias) que o produto fica armazenado, maior é a renda entre a maior parte dos entrevistados. Resultado
rotatividade. semelhante foi encontrado por Arnous et al. (2005),
Nos questionários foram abordados alguns que entre 0 a 3 salários mínimos encontraram o
termos que necessitam ser definidos, tais como, equivalente a 93% dos entrevistados no município de
fitoterápicos, chás, extratos e medicamentos. Os Datas-MG.
fitoterápicos são medicamentos obtidos a partir de Dos entrevistados que utilizam plantas
plantas medicinais (BRASIL, 2003) e nos quais são medicinais, observou-se que 54% eram mulheres e
empregados exclusivamente derivados de vegetais 46% homens, evidenciando equiparação entre os
(extrato, tintura, óleo, cera, exsudato, suco e outros) sexos. Entretanto, em farmácias de Belo Horizonte-
e não é objeto de registro como medicamento MG, comprovou-se maior aceitabilidade do uso de
fitoterápico, planta medicinal ou suas partes. Os fitoterápicos pelas mulheres (75%) (Ribeiro et al.,
produtos tidos como fitoterápicos nas farmácias foram 2005). Além de fitoterápicos e plantas medicinais foi
xaropes, sachês de mel (mais plantas medicinais relatado por Bertoldi et al. (2004), que em Pelotas-
variadas), balas, cápsulas e sprays bucais. RS as mulheres apresentaram prevalência na
Para os chás utilizam-se plantas destinadas utilização de medicamentos, superior em 20% aos
à preparação de infusões e decocções (BRASIL, homens (eliminando o uso de contraceptivos).

Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.13, n.2, p.121-128, 2011.


124

100 100
A B
80 80

60 60
%

%
%

40 40

20 20

0 0
até 20 21 a 40 41 a 60 61 a 80 até 1 1a3 3a5 + de 5
Renda dos usuário (salário mínimo)
100
C 100
80
80 D
60 60
%

%%
40 40
20 20
0
0
Vizinho/ Profisional Ascendentes Outros

de

s
es
Plantas Assistência Benzedeiras Vizinhos

ro
g
amigo saúde

nt
mi

ut
sa

e
medicinais médica

/a

O
nd
al
ho

ce
ion
zin

As
iss
Recursos utilizados em100
Vi
problemas de saúde
E
of
Pr
80

60
%

40

20

0
Cultivo Vizinhos Mercado formal
residência e informal
Onde obtém
FIGURA 1. Perfil de usuários de plantas medicinais, emplantas
Itaqui - medicinais
RS. A. Faixa etária (em anos) dos usuários de
plantas medicinais; B. Renda (salário mínimo nacional) dos usuários de plantas medicinais; C. Recursos utilizados
em caso de problemas de saúde; D. Aprendizado sobre plantas na terapêutica; E. Obtenção de plantas medicinais.

Quanto aos recursos utilizados em caso de terapêutica é passado de geração a geração, também,
problemas de saúde, 47% dos entrevistados procuram no município de Dom Pedro de Alcântara-RS (Marodin
por plantas medicinais (Figura 1C) em detrimento de & Baptista, 2002). Além dos usuários, pode-se
outros recursos e 82% afirmaram terem obtido ressaltar que os próprios comerciantes (raizeiros) de
resultados positivos com o uso das mesmas. Boa Vista-RR confirmam que a maior parte dos
Resultados semelhantes foram encontrados para o conhecimentos foi repassada, principalmente, por pais
município de Datas-MG, onde 66% dos entrevistados e avós (Pinto & Maduro, 2003), o mesmo ocorrendo
procuram por plantas medicinais em caso de doença entre os raizeiros da microrregião do Alto Rio Grande-
e 83% afirmaram terem obtido resultados satisfatórios MG, todos descendentes de avós indígenas, africanos
com o uso (Arnous et al., 2005). ou ambos (Rodrigues & Carvalho, 2007). De acordo
Cerca de 90% dos entrevistados aprenderam com a pesquisa sobre como o conhecimento é
a utilizar plantas medicinais com seus ascendentes gerado, transformado e apropriado por diferentes
(Figura 1D), sendo que para o município de Datas- profissionais ligados às plantas medicinais e
MG, o percentual de entrevistados que confirmaram fitoterápicos, Rezende & Ribeiro (2005) relataram que
esse aprendizado foi de 84,5% (Arnous et al., 2005). existe a busca da ancestralidade pelo saber
Verificou-se que o aprendizado sobre plantas na tradicional com relação ao uso de plantas medicinais.

Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.13, n.2, p.121-128, 2011.


125

Esse saber, atualmente, é transformado na maior parte manipulação (Figura 2A) ficou comprovado que além
das vezes em produtos, porque os setores industriais dos medicamentos, as plantas medicinais e produtos
e os grandes atacadistas buscam por novidades são adquiridos pela população. Os chás mais
constantemente, embasados na maior aceitação e procurados, de acordo com as farmácias, são aqueles
consumo pela sociedade. utilizados principalmente como emagrecedores e
Das pessoas entrevistadas, 55% cultivam as digestivos (Figura 2B). A utilização como digestivo foi
plantas medicinais em suas residências e somente indicada em outras pesquisas, como um dos
25% compram no mercado formal e informal (Figura principais motivos para o uso de plantas medicinais,
1E). Dados referentes à percentagem de pessoas que dentre as quais, Jacoby et al. (2002), no município
cultivam ou compram plantas medicinais no mercado de Irati-PR; Marodin & Baptista (2002), no município
formal e informal divergem de acordo com as diferentes de Dom Pedro de Alcântara-RS e Pilla et al. (2006),
realidades e características de cada município. Para em Mogi-Mirim-SP.
o município de Mogi-Mirim-SP, 54% dos entrevistados Para os chás emagrecedores, pode-se
cultivam plantas medicinais e 11,5% compram no ressaltar que na última década o peso corporal “ideal”
mercado formal (Pilla et al., 2006). Entretanto, para o passou a ser um objetivo, principalmente para as
município de Datas-MG, 78,5% das pessoas mulheres. Em matéria, na mídia impressa, Poyastro
entrevistadas possuem o hábito de cultivar as plantas (2007) relata que os chás emagrecedores são os mais
em seus quintais e apenas 3% compram no mercado vendidos no Mercado Público em Porto Alegre-RS.
formal e informal. Entretanto, deve-se ter cuidado com a utilização dos
Quando indagados a respeito do interesse chás emagrecedores, assim como de quaisquer
no cultivo, 74% das pessoas mostraram-se outros, para vários fins, porque, segundo Ernst &
interessadas em cultivar plantas bioativas nas Pittler (1998), ocorreram mortes de mulheres que
residências, sendo que dessas, 55% já as cultivam realizaram tratamentos para emagrecer devido à
(Figura 1E). Portanto, a produção de mudas, substratos presença de um ácido da Aristolochia fangchi (Y.C.
e utensílios para o cultivo de plantas medicinais é um Wu ex L.D. Chow & S.M. Hwang). Em avaliações de
setor de mercado que pode vir a ser explorado, inclusive, bulas de fitoterápicos em farmácias de Porto Alegre-
pela agricultura peri-urbana, no município de Itaqui. RS, constatou-se que um dos problemas detectados
Na segunda etapa do estudo, realizada em era a grande quantidade de bulas com indicações
farmácias de Itaqui observou-se que a compra de para regimes de emagrecimento e para redução de
fitoterápicos e plantas medicinais é realizada 100% por celulite, principalmente nos produtos contendo sene
mulheres. Resultados semelhantes foram encontrados (Cassia angustifolia Vahl.) e alcachofra (Cynara
para a cidade de Pato Branco-PR, com 78% das scolymus L.), ocorrendo muitas vezes informações
compras de plantas medicinais e condimentares em não fidedignas (Bello et al., 2002).
mercados sendo realizadas por mulheres (Marchese et Não foram encontradas indicações para uso
al., 2004) e em Belo Horizonte-MG, no contingente de terapêutico dos chás nas embalagens, de acordo com
75% dos consumidores entrevistados em farmácias o recomendando pela ANVISA (BRASIL, 1998),
(Ribeiro et al., 2005). As mulheres são as que mais entretanto as mesmas eram disponibilizadas em
compram, entretanto, isso não quer dizer que os homens folhetos, disponíveis nos balcões das farmácias,
não utilizem fitoterápicos e/ou plantas na terapêutica. sendo que o consumidor poderia não ter
Com relação a faixa etária das pessoas que conhecimento da existência. De acordo com
adquirem plantas medicinais e fitoterápicos, a pesquisas realizadas em mercados e farmácias da
pesquisa ressaltou que as compras são realizadas cidade de Recife-PE, de todos os produtos
por 75% de adultos (entre 18 e 61 anos) e 25% de comercializados a base de boldo (Peumus boldus
idosos (acima de 61 anos). Segundo Ribeiro et al. Molina), pata-de-vaca (Bauhinia spp.) e ginco (Ginkgo
(2005) 61% dos consumidores entrevistados em biloba L.), apenas 4% portavam bula e informações
farmácias de Belo Horizonte-MG estão na faixa etária obrigatórias (Melo et al., 2004) e de produtos a base
de 30 a 59 anos e apenas 10% acima de 60 anos. de castanha-da-índia (Aesculus hippocastanum L.),
Para os raizeiros de Boa Vista-RR, no comércio capim-limão (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf) e
informal, o usuário se caracteriza por ser sempre centela (Centella asiatica (L.) Urban), apenas 18%
adulto com idade superior a 18 anos (Pinto & Maduro, possuíam as informações em bula e 7% portavam
2003). Entretanto, pode-se fazer a ressalvar de que informações técnico-científicas exigidas pela
os idosos, na maior parte das vezes, não fazem legislação de maneira irrepreensível (Melo et al.,
compras, sendo essas realizadas por pessoas mais 2007). O uso indiscriminado de produtos à base de
jovens, fato que não pode desvinculá-los do uso dos plantas medicinais, sem orientações médicas, com
produtos mencionados. indicações duvidosas, pode se perigoso para a
Com relação aos produtos mais população, sendo muitas vezes, agravado pela falta
comercializados nas farmácias e nas farmácias de de informações fidedignas (Bello et al., 2002).

Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.13, n.2, p.121-128, 2011.


126

A
80 A
70
Farmácias Farmácias de manipulação
60
50

%
40
30
20
10
0
Fitoterápicos Chás Extratos Medicamentos
Produtos comercializados
8
BB
7
6
NO farmácias

5
4
3
O
N

2
1
0
Gripes e Diuréticos Emagrecedores Digestivos
resfriados
Finalidade
FIGURA 2. Dados referentes às entrevistas sobre plantas medicinais e fitoterápicos, realizadas nas farmácias, em
Itaqui - RS. A. Produtos comercializados nas farmácias; B. Finalidade dos chás mais comercializados nas farmácias.

Observou-se que o valor gasto com produtos sugere a existência de mercado na cadeia produtiva
de plantas medicinais nas farmácias está, em cerca de plantas medicinais e fitoterápicos e que pode vir a
de 90% dos casos, na faixa de R$ 1,00 a R$ 3,00 e ser explorado.
apenas em 10% dos mesmos, na faixa de mais de As razões para a compra dos fitoterápicos e
R$ 3,00 (em média de vendas). No mercado informal, plantas medicinais relacionam-se a acessibilidade
em Boa Vista-RR o valor médio gasto com plantas dos preços e o fabricante, não estando relacionadas
medicinais foi de R$ 1,00 a R$ 5,00, de acordo com à apresentação, pois não existe procura pelo tipo de
raizeiros locais (Pinto e Maduro, 2003); na região de embalagem. Menor preço também foi citado por
Alto Paraíso de Goiás-GO, os preços variam de Marchese et al. (2004) como sendo fator prioritário para
acordo com o produto apresentado pelos raizeiros, a compra de plantas medicinais e condimentares em
os chás na faixa de R$ 5,00 a R$ 10,00, pomadas no mercados, na cidade de Pato Branco-PR. Segundo
valor de R$ 5,00, sabonetes R$ 3,00, dentre outros Santos (2004), o crescimento do mercado de plantas
(Souza & Felfili, 2006). Entretanto, o preço dos medicinais ocorre devido a diversos aspectos, dentre
produtos contendo plantas medicinais é bem inferior os quais, a acessibilidade, principalmente para os
aos medicamentos industrializados (Alves et al., 2007) segmentos sociais de baixa renda.
e acredita-se que devido a esses valores serem A preocupação, por parte do consumidor,
acessíveis à população, 75% dos produtos com relação ao fabricante ou empresa responsável
apresentam rotatividade média (os produtos pelo produto (e não somente com relação ao preço)
permanecem por curto período de tempo em estoque) é fator importante, pois demonstra que a qualidade
e 12,5% rotatividade alta (os produtos praticamente do produto comercializado deve ser rigorosamente
não permanecem em estoque) nas farmácias de controlada. Pesquisas realizadas em mercados e
Itaqui. A rotatividade dos produtos a base de plantas farmácias na cidade de Recife-PE, demonstraram que
medicinais, ou seja, a compra e venda constante de todos os fitoterápicos a base de boldo e pata-de-vaca
determinados produtos e de novos produtos, pelos podem oferecer riscos ao usuário, uma vez que não
estabelecimentos comerciais no município de Itaqui, estão adequados às exigências sanitárias (Melo et

Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.13, n.2, p.121-128, 2011.


127

al., 2004); e produtos a base de centela e alguns a Vigilância Sanitária. Lei no 5.991, de 17 de dezembro de
base de castanha-da-índia e capim-limão podem 1973. Conceitos técnicos. Disponível em: <http://www.
oferecer riscos ao consumidor e/ou ausência de anvisa.gov.br>. Acesso em: 20 mai. 2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de
eficácia devido ao elevado teor de impurezas
Vigilância Sanitária. Portaria 519, de 16 de setembro
encontradas (Melo et al., 2007). de 1998. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br>.
Contudo, os dados levantados neste estudo Acesso 20 mai. 2007.
permitem uma melhor compreensão de alguns elos da BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de
cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos Vigilância Sanitária. Informe Técnico no 7, de 9 de maio
evidenciando que existe mercado e necessidade de de 2003. Disponível em: <http://www.anvisa. gov.br>.
maiores informações a respeito do uso desses produtos Acesso em: 20 mai. 2007.
pela comunidade do município de Itaqui. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de
Vigilância Sanitária. Consulta Pública no 98, de 26 de
Existe mercado tanto para a comercialização
dezembro de 2005 (Anexo II). Disponível em: <http://
de produtos como chás e partes de plantas medicinais www.anvisa.gov.br>. Acesso em: 20 mai. 2007.
in natura ou desidratadas, quanto para produção de ERNST, E.; PITTLER, M.H. Risks associated with herbal
mudas, substratos e utensílios visando o cultivo medicinal products. Wiener Medizinische Wochenschrift,
dessas plantas pela população. v.152, n.7-8, p.183-9, 1998.
Os produtos de plantas medicinais e FEMENICK, T.R. Considerações sobre a rubrica
fitoterápicos indicados como emagrecedores e estoques. Disponível em: <http://www.tomislav.com.br/
digestivos são o principal foco do comércio formal, sala_de_aula/auditoria.php>. Acesso em: 20 jul. 2007.
devido a procura por mulheres situadas na faixa etária FONTE, N.N. A complexidade das plantas medicinais:
enfoque farmacêutico. In: CORREA JUNIOR, C.; GRAÇA,
considerada economicamente ativa na sociedade.
L.R.; SCHEFFER, M.C. Complexo agroindustrial das
Porém, existe necessidade de maiores informações plantas medicinais, aromáticas e condimentares do
sobre o uso desses produtos para os fins citados. Estado do Paraná: diagnóstico e perspectivas. Colombo:
Constatou-se que o uso por parte da EMBRAPA Florestas, 2004. p.24-46.
comunidade local de plantas medicinais ocorre devido FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA - FEE.
ao conhecimento acumulado ao longo de gerações, Secretaria do Planejamento e Gestão. Governo do Rio
porém há necessidade de estudos em diferentes áreas Grande do Sul. Disponível em: <htpp://www.fee.tche.br/
relacionadas às plantas utilizadas na terapêutica sitefee/pt/content/resumo/pg_municipios_detalhe.
devido ao amplo uso pela população e pelas php?municipio=Itaqui>. Acesso em: 25 ago. 2007.
JACOBY, C. et al. Plantas medicinais utilizadas pela
indagações realizadas pelos entrevistados, referentes
comunidade rural de Guamirim, Município de Irati, PR.
à forma de cultivo, correta identificação botânica, Revista Ciências Exatas e Naturais, v.4, n.1, p.79-89,
informações ao consumidor, qualidade e eficácia dos 2002.
produtos e uso. MAIOLI-AZEVEDO, V.; FONSECA-KRUEL, V.S. Plantas
medicinais e ritualísticas vendidas em feiras livres no
município do Rio de Janeiro, RS, Brasil: estudo de caso
REFERÊNCIA nas zonas Norte e Sul. Acta Botanica Brasilica, v.21,
n.2, p.263-75, 2007.
ALVES, R.R.N. et al. Utilização e comércio de plantas MARCHESE, J.A. et al. Perfil dos consumidores de
medicinais em Campina Grande, PB, Brasil. Revista plantas medicinais e condimentos do município de Pato
Eletrônica de Farmácia, v.4, n.2, p.175-98, 2007. Branco (PR). Horticultura Brasileira, v.22, n.2, p.332-5,
Disponível em: <http:www.farmacia.ufg.br/revista/geral/ 2004.
home.htm>. Acesso em: 10 fev. 2007. MARODIN, S.M.; BAPTISTA, L.R.M. Plantas medicinais
ARNOUS, A.H.; SANTOS, A.S.; BEINNER, R.P.C. Plantas do município de Dom Pedro de Alcântara, Estado do Rio
medicinais de uso caseiro - conhecimento popular e Grande do Sul, Brasil: espécies, famílias e usos em
interesse por cultivo comunitário. Revista Espaço para três grupos da população humana. Revista Brasileira
a Saúde, v.6, n.2, p.1-6, 2005. de Plantas Medicinais, v.5, n.1, p.1-9, 2002.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DO SETOR MELO, J.G. et al. Avaliação da qualidade de amostras
DE FITOTERÁPICOS, SUPLEMENTO ALIMENTAR E DE comerciais de boldo (Peumus boldus Molina), pata-de-
PROMOÇÃO DA SAÚDE - ABIFISA. Introdução. 2007. vaca (Bauhinia spp.) e ginco (Ginkgo biloba L.). Revista
Disponível em: <http://www.abifisa.org.br>. Acesso em: Brasileira de Farmacognosia, v.14, n.2, p.111-20, 2004.
20 mai. 2007. MELO, J.G. et al. Qualidade de produtos a base de plantas
BELLO, C.M.; MONTANHA, J.A.; SCHENKEL, E.P. Análise medicinais comercializados no Brasil: castanha-da-índia
das bulas de medicamentos fitoterápicos comercializados (Aesculus hippocastanum L.), capim-limão (Cymbopogon
em Porto Alegre, RS, Brasil. Revista Brasileira de citratus (DC.) Stapf) e centela (Centella asiatica (L.)
Farmacognosia, v.12, n.2, p.75-83, 2002. Urban). Acta Botanica Brasilica, v.21, n.1, p.27-36, 2007.
BERTOLDI, A.D. et al. Utilização de medicamentos em PILLA, M.A.C.; AMOROZO, M.C.M.; FURLAN, A. Obtenção
adultos: prevalência e determinantes individuais. e uso das plantas medicinais no distrito de Martim
Revista de Saúde Pública, v.38, n.2, p.228-38, 2004. Francisco, Município de Mogi-Mirim, SP, Brasil, Acta
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Botanica Brasilica, v.20, n.4, p.789-802, 2006.

Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.13, n.2, p.121-128, 2011.


128

PINTO, A.A.C.; MADURO, C.B. Produtos e subprodutos 70, 2005.


da medicina popular comercializados na cidade de Boa RODRIGUES, V.E.G.; CARVALHO, D.A. Levantamento
Vista, Roraima. Acta Amazonica, v.33, n.2, p.281-90, etnobotânico de plantas medicinais no domínio dos
2003. cerrados na região do Alto Rio Grande - Minas Gerais.
POYASTRO, M. Plantas medicinais podem prejudicar Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v.9, n.2, p.17-
saúde. Correio do Povo, 25 nov. 2007. Cad. Geral, p.15. 35, 2007.
REZENDE, E.A.; RIBEIRO, M.T.F. Conhecimento SANTOS, K.S. O mercado de plantas medicinais.
tradicional, plantas medicinais e propriedade intelectual: Cesubra Scientia, v.1, n.1, p.9-14, 2004.
biopirataria e bioprospecção? Revista Brasileira de SOUZA, C.D.; FELFILI, J.M. Uso de plantas medicinais
Plantas Medicinais, v.7, n.3, p.37-44, 2005. na região de Alto Paraíso de Goiás, GO, Brasil. Acta
RIBEIRO, A.Q.; LEITE, J.P.V.; DANTAS-BARROS, A.M. Perfil Botanica Brasilica, v.20, n.1, p.135-42, 2006.
de utilização de fitoterápicos em farmácias comunitárias VILELA, N.J.; MACEDO, M.M.C. Fluxo de poder no
de Belo Horizonte sob a influência da legislação nacional. agronegócio: o caso das hortaliças. Horticultura Brasileira,
Revista Brasileira de Farmacognosia, v.15, n.1, p.65- v.18, n.2, p.88-94, 2000.

Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.13, n.2, p.121-128, 2011.

Você também pode gostar