Psicologia Da Saúde

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Psicol. cienc. prof.

 v.24 n.3 Brasília set. 2004  
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ARTIGOS 

Psicologia da saúde x psicologia hospitalar: definições e


possibilidades de inserção profissional

 Elisa Kern de CastroI, *; Ellen BornholdtII, **

RESUMO

No presente trabalho, apresentamos a definição de Psicologia da Saúde e Psicologia


Hospitalar, esta última como especialidade exclusivamente brasileira. Refletimos, também,
sobre a formação acadêmica, o mercado de trabalho e a realidade da saúde no País.
Consideramos que existem incongruências entre a formação de base, a nossa realidade social
e a inserção de psicólogos no ramo da saúde. Discutimos a inclusão da Psicologia Hospitalar
na Psicologia da Saúde, área ampla que utiliza os conhecimentos das Ciências Biomédicas,
Psicologia Clínica e Psicologia Comunitária para intervir em distintos contextos no âmbito
sanitário.

Palavras-chave: Psicologia hospitalar, Psicologia da saúde, Formação profissional, Mercado


de trabalho, Realidade social brasileira.

O questionamento sobre Psicologia Hospitalar x Psicologia da Saúde começou com a


experiência do doutorado no exterior, onde descobrimos, surpreendidas, que a tão difundida
especialização na Psicologia, denominada no Brasil de Hospitalar, é inexistente em outros
países. A aproximação ao que seria no Brasil a Psicologia Hospitalar é denominada Psicologia
da Saúde em outros países. Entretanto, esses dois conceitos não são equivalentes, em
primeiro lugar, pelo próprio significado de tais termos – saúde e hospital. Enquanto saúde se
refere a um conceito complexo relativo às funções orgânicas, físicas e mentais (WHO, 2003),
hospital diz respeito a uma instituição concreta onde se tratam doentes, internados ou não.
Assim, o próprio significado da palavra saúde leva-nos a refletir sobre a prática profissional
centrada na intervenção primária, secundária e terciária 1 . Já quando nos referimos ao
hospital, automaticamente, pensamos em algum tipo de doença já instalada, só sendo
possível a intervenção secundária e terciária para prevenir seus efeitos adversos, sejam eles
físicos, emocionais ou sociais.

Essas diferenças fizeram-nos refletir sobre a nossa própria formação e prática profissional, o
que fez surgir algumas perguntas:

• O que é, afinal, Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar? Existem diferenças?

• Qual a origem desses dois conceitos?

• A formação básica universitária e a pós-graduação preparam o psicólogo para a atuação


nessas áreas?

• A nossa formação é condizente com a demanda e as necessidades do País na área da


saúde?

• O mercado de trabalho consegue absorver esses profissionais?


A partir dessas perguntas, no decorrer do trabalho, buscamos aporte teórico como base para
refletir sobre cada questionamento proposto . 

O que é Psicologia da Saúde

A Psicologia da Saúde tem como objetivo compreender como os fatores biológicos,


comportamentais e sociais influenciam na saúde e na doença (APA, 2003). Na pesquisa
contemporânea e no ambiente médico, os psicólogos da saúde trabalham com diferentes
profissionais sanitários, realizando pesquisas e promovendo a intervenção clínica.
Complementar a essa definição, o Colégio Oficial de Psicólogos da Espanha (COP, 2003)
conceitua a Psicologia da Saúde como a disciplina ou o campo de especialização da Psicologia
que aplica seus princípios, técnicas e conhecimentos científicos para avaliar, diagnosticar,
tratar, modificar e prevenir os problemas físicos, mentais ou qualquer outro relevante para os
processos de saúde e doença. Esse trabalho pode ser realizado em distintos e variados
contextos, como: hospitais, centros de saúde comunitários, organizações não-
governamentais e nas próprias casas dos indivíduos. A Psicologia da Saúde também poderia
ser compreendida como a aplicação da Psicologia Clínica no âmbito médico.

A Psicologia da Saúde já é uma área consolidada internacionalmente, e, no Brasil, está


conquistando cada vez mais seu espaço. Historicamente, a American Psychological
Association (APA, 2003) foi a primeira associação de psicólogos a criar um grupo de trabalho
na área da saúde em 1970. Em 1979, foi criada a divisão 38, chamada Health Psychology,
cujos objetivos básicos são avançar no estudo da Psicologia como disciplina que compreende
a saúde e a doença através da pesquisa e encorajar a integração da informação biomédica
com o conhecimento psicológico, fomentando e difundindo a área. A APA publica, desde
1982, a revista Health Psychology, a primeira oficial da área. Seguindo a tendência, em
1986, formou-se, na Europa, a European Health Psychology Society (EHPS, 2003), uma
organização profissional que visa a promover a pesquisa teórica e empírica e suas aplicações
para a Psicologia da Saúde européia. Cada país-membro possui, ainda, sua associação de
Psicologia da Saúde, que realiza atividades como congressos, simpósios, pesquisas etc.
Foram criadas várias revistas especializadas: British Journal of Health Psychology (Reino
Unido), Revista de Psicologia de la Salud (Espanha), Psicologia della Salutte (Itália),
<i>Gedrag & Gezondheid</I> (Bélgica), entre outras.

Na América Latina, a Psicologia da Saúde também está desenvolvendo-se em alguns países.


O primeiro encontro de profissionais da área da saúde ocorreu em 1984, em Cuba, reuniu
cerca de 1000 psicólogos interessados e foi um marco propulsor para o avanço e o
reconhecimento da área (Remor, 1999). A partir desses encontros, constitui-se a ALAPSA,
(2003), uma associação que reúne diversos países latino-americanos. Os congressos
promovidos pela ALAPSA são recentes, sendo que o primeiro deles ocorreu em 2001, no
México, e o segundo, em 2003, na Colômbia (Flórez-Alarcon, 2003). Vinculados à ALAPSA,
alguns países latino-americanos possuem também sua própria associação de Psicologia da
Saúde, como, por exemplo, Colômbia, Cuba, México, Venezuela e Brasil (ALAPSA, 2003). A
Psicologia da Saúde na América Latina teve um rápido crescimento em recursos humanos,
mas uma insuficiente incorporação dos psicólogos nos setores de saúde. Apesar disso, essa
área é a que mais absorveu psicólogos nos últimos 15 anos, no Brasil e em outros países
latino-americanos, principalmente na Argentina, mas a produção científica continua escassa.
Em nível mundial, as pesquisas em Psicologia da Saúde estão sendo incrementadas, e 90%
delas correspondem aos países europeus, Estados Unidos, Japão e Austrália. Já na América
Latina, percebe-se uma insuficiência de estudos que possibilitem intervenções rápidas para
os problemas de saúde de cada região, respeitando suas especificidades e contextos
socioeconômicos. Além disso, a formação profissional do psicólogo latino-americano é
limitada em nível de pós-graduação (Sebastiani, 2000). Várias situações existentes na
América Latina refletem também a posição brasileira da Psicologia da Saúde.

No Brasil, a própria denominação Psicologia da Saúde já é problemática, suscitando


discussões de como denominar uma área que aplica os princípios de Psicologia a problemas
de saúde e doença. É recorrente a confusão de terminologias, como Medicina Psicossomática,
com o tema em questão - Psicologia Hospitalar (Kerbauy, 2002) – e com Psicologia Clínica.
A confusão entre o que seria a área clínica, a área da saúde e também a Psicologia Hospitalar
não é somente de ordem semântica, mas também de ordem estrutural, ou seja, estão em
jogo os diferentes marcos teóricos ou concepções de base acerca do fazer psicológico e sua
inserção social. Justamente dessas diferenças, e/ou antagonismos teórico-ideológicos, surge
uma Psicologia da Saúde (Yanamoto & Cunha, 1998). Considerando essas possíveis
confusões, é importante esclarecer, também, o conceito de Psicologia Clínica.

O especialista em Psicologia Clínica (CRP, 2003) também atua na área da saúde em


diferentes contextos, além do consultório particular, inclusive em hospitais, unidades
psiquiátricas, programas de atenção primária, postos de saúde etc., prevenindo doenças no
âmbito primário, secundário e terciário. Como se pode observar, esse conceito, de fato, está
intimamente associado ao que é Psicologia da Saúde. Furtado (1997), nesse sentido,
argumenta que os limites da Psicologia Clínica também são tênues, e o próprio ensino
universitário é diversificado em seu planejamento. A autora chegou a essa conclusão a partir
de um estudo que analisou o plano das disciplinas em 10 universidades do Rio Grande do Sul.
Apesar das imprecisões entre essas duas áreas, é importante diferenciá-las. A Psicologia
Clínica centra sua atuação em diversos contextos e problemáticas em saúde mental,
enquanto a Psicologia da Saúde dá ênfase, principalmente, aos aspectos físicos da saúde e da
doença (Kerbauy, 2002).

Enfim, a Psicologia da Saúde, com base no modelo biopsicosossocial, utiliza os


conhecimentos das ciências biomédicas, da Psicologia Clínica e da Psicologia Social-
comunitária (Remor, 1999). Por isso, o trabalho com outros profissionais é imprescindível
dentro dessa abordagem. Essa área fundamenta seu trabalho principalmente na promoção e
na educação para a saúde, que objetiva intervir com a população em sua vida cotidiana antes
que haja riscos ou se instale algum problema de âmbito sanitário. O trabalho é multiplicador,
uma vez que capacita a própria comunidade para ser agente de transformação da realidade,
pois aprende a lidar, controlar e melhorar sua qualidade de vida. Dessa maneira, torna-se
evidente que a Psicologia da Saúde dá ênfase às intervenções no âmbito social e inclui
aspectos que vão além do trabalho no hospital, como é o caso da Psicologia Comunitária
(Besteiro & Barreto, 2003; Gonzalez-Rey, 1997). 

O que é Psicologia Hospitalar

De acordo com a definição do órgão que rege o exercício profissional do psicólogo no Brasil, o
CFP (2003a), o psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar tem sua função centrada nos
âmbitos secundário e terciário de atenção à saúde, atuando em instituições de saúde e
realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos
de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e unidade de terapia intensiva; pronto
atendimento; enfermarias em geral; psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação
diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria.

Para que possamos entender o surgimento e a consolidação do termo Psicologia Hospitalar


em nosso país, é importante ressaltar que as políticas de saúde no Brasil são centradas no
hospital desde a década de 40, em um modelo que prioriza as ações de saúde via atenção
secundária (modelo clínico/assistencialista), e deixa em segundo plano as ações ligadas à
saúde coletiva (modelo sanitarista). Nessa época, o hospital passa a ser o símbolo máximo
de atendimento em saúde, idéia que, de alguma maneira, persiste até hoje. Muito
provavelmente, essa é a razão pela qual, no Brasil, o trabalho da Psicologia no campo da
saúde é denominado Psicologia Hospitalar, e, não, Psicologia da Saúde (Sebastiani, 2003).

É importante ressaltar que nós nos deparamos com dificuldades para encontrar material
teórico e pesquisas na literatura científica internacional sobre a Psicologia Hospitalar como
campo específico. Uma das razões seria que essa denominação é inexistente em outros
países além do Brasil (Sebastiani, 2003; Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002). Yanamoto,
Trindade e Oliveira (2002) e Chiattone (2000), inclusive, explicam que o termo Psicologia
Hospitalar é inadequado porque pertence à lógica que toma como referência o local para
determinar as áreas de atuação, e não prioritariamente às atividades desenvolvidas. Se já
existe fragmentação das práticas e dispersão teórica da Psicologia, a adoção do termo
Psicologia Hospitalar caminha no sentido oposto à busca de uma identidade para o psicólogo
como profissional da saúde que atua em hospitais (Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002).

Diferente do Brasil, em alguns outros países, a identidade do psicólogo especialista está


associada à sua prática e não ao local em que atua. A APA (2003) e o COP (2003), por
exemplo, demarcam o trabalho do psicólogo em hospitais como um dos possíveis locais em
que atua o psicólogo da saúde. Especificamente na Espanha, Rodríguez-Marín (2003) e
Besteiro e Barreto (2003) definem que o marco conceitual da Psicologia da Saúde é o que
deve servir de base para a Psicologia Hospitalar. Entretanto, definição parecida a essa é a da
brasileira Chiattone (2000), que diz que a Psicologia Hospitalar é apenas uma estratégia de
atuação em Psicologia da Saúde, e que, portanto, deveria ser denominada “Psicologia no
contexto hospitalar”. Rodríguez-Marín (2003) esclarece que a Psicologia Hospitalar é, então,
o conjunto de contribuições científicas, educativas e profissionais que as diferentes disciplinas
psicológicas fornecem para dar melhor assistência aos pacientes no hospital. O psicólogo
hospitalar seria aquele que reúne esses conhecimentos e técnicas para aplicá-los de maneira
coordenada e sistemática, visando à melhora da assistência integral do paciente
hospitalizado, sem se limitar, por isso, ao tempo específico da hospitalização. Portanto, seu
trabalho é especializado no que se refere, fundamentalmente, ao restabelecimento do estado
de saúde do doente ou, ao menos, ao controle dos sintomas que prejudicam seu bem-estar.

Rodriguez-Marín (2003) sintetiza as seis tarefas básicas do psicólogo que trabalha em


hospital: 1) função de coordenação: relativa às atividades com os funcionários do hospital; 2)
função de ajuda à adaptação: em que o psicólogo intervém na qualidade do processo de
adaptação e recuperação do paciente internado; 3) função de interconsulta: atua como
consultor, ajudando outros profissionais a lidarem com o paciente; 4) função de enlace:
intervenção, através do delineamento e execução de programas junto com outros
profissionais, para modificar ou instalar comportamentos adequados dos pacientes; 5) função
assistencial direta: atua diretamente com o paciente, e 6) função de gestão de recursos
humanos: para aprimorar os serviços dos profissionais da organização.

Chiattone (2000) ressalta, contudo, que, muitas vezes, o próprio psicólogo não tem
consciência de quais sejam suas tarefas e papel dentro da instituição, ao mesmo tempo em
que o hospital também tem dúvidas quanto ao que esperar desse profissional. Se o psicólogo
simplesmente transpõe o modelo clínico tradicional para o hospital e verifica que este não
funciona como o esperado (situação bastante freqüente), isso pode gerar dúvidas quanto à
cientificidade e efetividade de seu papel. Desse modo, segundo a autora, o distanciamento da
realidade institucional e a inadequação da assistência mascarada por um falso saber pode
gerar experiências malsucedidas em Psicologia Hospitalar.

A partir das definições expostas de Psicologia da Saúde, que pode se confundir com a
Psicologia Clínica e com a Psicologia Hospitalar, encontramos semelhanças no que tange às
formas de atuação prática dos especialistas dessas distintas áreas. A psicoterapia individual
ou grupal, por exemplo, é uma tarefa que pode ser desenvolvida dentro dos três campos
citados. Contudo, percebemos também particularidades fundamentais. A Psicologia Clínica
propõe um trabalho amplo de saúde mental nos três níveis de atuação – primário, secundário
e terciário - e a Psicologia da Saúde também propõe um trabalho abrangente nesses mesmos
níveis, mas aplicada ao âmbito sanitário, enfatizando as implicações psicológicas, sociais e
físicas da saúde e da doença. No que diz respeito à Psicologia Hospitalar, sua atuação poderia
ser incluída nos preceitos da Psicologia da Saúde, limitando-se,entretanto, à instituição-
hospital e, em conseqüência, ao trabalho de prevenção secundária e terciária.  

Algumas Considerações Sobre a Formação Profissional, a Realidade


Brasileira e o Mercado de Trabalho

Para que o psicólogo esteja capacitado a trabalhar em saúde, é imprescindível refletir se sua
formação lhe dá as bases necessárias para essa prática. A aprendizagem não deve ser só
teórica e técnica, pois o psicólogo tem que ser comprometido socialmente, estar preparado
para lidar com os problemas de saúde de sua região e ter condições de atuar em equipe com
outros profissionais.
Segundo Sebastiani, Pelicioni e Chiattone (2002), a formação do psicólogo na América Latina
e no Brasil está vinculada basicamente ao tratamento individual baseado no modelo clínico,
que é a base de sua identidade profissional. Entretanto, devido à grande demanda de
trabalho existente no âmbito sanitário, muitas vezes profissionais mal- preparados seguem
trabalhando no antigo modelo clínico individual e atuam na área da saúde sem ter
conhecimento das ferramentas necessárias para uma atuação coletiva de prevenção e
intervenção.

No Brasil, a formação em Psicologia é deficitária no que se refere aos conhecimentos da


realidade sanitária do País, à participação em pesquisas e em políticas de saúde,
indispensáveis para a determinação da sua prática e para o aprimoramento da especialidade
(Dimenstein, 2000; Sebastiani, 2003). Essa formação elitista distancia o aluno e o
profissional das demandas sociais existentes, não os habilitando para lidar com o sofrimento
físico sobreposto ao sofrimento psíquico, a injustiça social, a fome, a violência e a miséria
(Chiattone, 2000). Em conseqüência, enquanto as classes privilegiadas têm acesso ao
tratamento psicológico, as classes menos favorecidas ficam desassistidas, pois o tratamento
clínico gratuito em instituições públicas e clínicas-escola não abarca as necessidades de
grande parte da população. Muitas vezes, são ensinadas teorias incompatíveis com a
demanda e a realidade social, promovendo uma concepção de sujeito desvinculada do seu
contexto sociopolítico e cultural. Obviamente, essas incongruências na formação de base
geram dúvidas quanto à cientificidade da tarefa do psicólogo em alguns casos onde a
realidade é a da extrema pobreza, já que a graduação em Psicologia dá ênfase ao modelo
psicodinâmico e suas implicações clínicas, voltadas para a população mais privilegiada. Em
síntese, a formação em Psicologia deixa praticamente de lado temáticas relacionadas às
questões macrossociais relativas à saúde, contribuindo para a manutenção das estruturas
sociais e das relações de poder sem utilizar todo o seu potencial questionador e
transformador (Almeida, 2000; Dimenstein, 2000).

A falta de pesquisas na área também não privilegia ações de prevenção de saúde e, sim,
ações emergenciais. Tal situação distorce o trabalho profissional, provoca o afastamento
entre acadêmicos e profissionais e não contribui para a ampliação da prática e para a
incorporação de psicólogos recém-formados que querem trabalhar na área. Com a
necessidade crescente de demonstração das evidências dos resultados das intervenções
psicológicas – o que se chama prática baseada em provas – o desenvolvimento da pesquisa
básica e aplicada é imprescindível (Ulla & Remor, 2003). As evidências dos bons resultados
das intervenções psicológicas, além de propiciarem avanços no atendimento direto às
pessoas, também abrem campo de trabalho ao psicólogo. Um exemplo seria o caso de alguns
governos de países europeus que decidiram custear o tratamento psicológico através da
saúde pública sempre que se cumpram critérios de eficácia, efetividade e eficiência.

Então, qual seria a formação indicada para os psicólogos que desejam trabalhar no âmbito da
saúde? Besteiro e Barreto (2003) afirmam que a formação do psicólogo da saúde deve
contemplar conhecimentos sobre: bases biológicas, sociais e psicológicas da saúde e da
doença; avaliação, assessoramento e intervenção em saúde, políticas e organização de saúde
e colaboração interdisciplinar; temas profissionais, éticos e legais e conhecimentos de
metodologia e pesquisa em saúde. Com relação ao psicólogo da saúde que atua
especificamente em hospitais, é indispensável um bom treinamento em três áreas básicas:
clínica, pesquisa e programação. Com relação à a área clínica, o psicólogo deve ser capaz de
realizar avaliações e intervenções psicológicas. Na área de pesquisa e comunicação, é
necessário saber conduzir pesquisas e comunicar informações de cunho psicológico a outros
profissionais. Por fim, quanto à área de programação, o profissional deve desenvolver
habilidades para organizar e administrar programas de saúde. Com essa formação integrada,
é possível melhorar a qualidade da atenção prestada, garantir que as intervenções
implantadas sejam as mais eficazes para cada caso, diminuir custos e aumentar os
conhecimentos sobre o comportamento humano e suas relações com a saúde e a doença
(Ulla & Remor, 2003).

Neste momento em que somos incitados a refletir sobre nossa profissão para aperfeiçoar
nossos modelos de atuação profissional, como ocorre com a Psicologia da Saúde, é
importante considerar sempre o aspecto social em que estamos inseridos, compreendendo a
realidade do nosso país. O Brasil é o país das contradições, ao mesmo tempo em que é a
décima primeira economia mundial, portanto, um país rico, ao passo que 1/3 de sua
população é pobre, melhor dito, miserável (WHO, 2003). Um terço de aproximadamente 170
milhões de pessoas significa que 55 milhões vivem abaixo da linha da pobreza. Para termos
uma dimensão ainda mais clara dessa dura realidade, podemos pensar que é como se toda a
população dos nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai fossem miseráveis, isto é, aqueles
que não possuem as condições mínimas de moradia, alimentação, educação e saúde. O Brasil
também é o país das contradições em si mesmo, ou seja, são também gigantescas as
diferenças econômicas e educacionais da Região Sul/Sudeste e da Norte/Nordeste/Centro-

Oeste. Enfim, é uma nação rica com muitos pobres, como ilustra a tabela:

Como podemos observar a partir desses dados, a situação do nosso país é alarmante devido
principalmente às desigualdades existentes. Isso exige de nós, como profissionais e cidadãos
brasileiros, em primeiro lugar, um conhecimento profundo dessa triste realidade. Conhecendo
a situação que se apresenta, a consolidação de um trabalho de promoção da saúde pode
tornar-se efetivo. Entretanto, nós, enquanto profissionais da saúde, estamos preparados para
essa realidade? Acreditamos que, em muitos aspectos, não. Parece-nos, às vezes, que os
profissionais da Psicologia são um “retrato” da desigualdade da sociedade brasileira, com
suas práticas elitistas que beneficiam uma pequena parcela da população. Um exemplo seria
a utilização indiscriminada da prática da psicoterapia individual, em contextos em que a
população ou tem outras necessidades mais básicas, ou até não chega à instituição por falta
de recursos. Confirma essa idéia a recente pesquisa realizada sobre o perfil do psicólogo
brasileiro (CFP, 2003b), mostrando que 54,9% dos psicólogos que exercem a profissão
trabalham na clínica em consultório particular, enquanto apenas 12,4% dos profissionais
atuam em Psicologia da Saúde e 0,6% são pesquisadores.

Queremos esclarecer que consideramos a prática psicoterápica individual fundamental, e,


sem dúvida, um dos pilares da Psicologia. Entretanto, é indispensável que sua indicação seja
correta. O que questionamos neste trabalho é o uso indiscriminado de tal modalidade de
intervenção em determinados setores ou contextos em que existem outros tipos de
intervenção mais condizentes com as necessidades dos indivíduos. Como exemplo, pensamos
em duas situações em que a indicação de psicoterapia individual é questionável: a primeira,
no contexto hospitalar, e a segunda, na comunidade. Situação 1: num determinado hospital,
digamos que exista grande demanda para o setor da Psicologia com pacientes internados e
se privilegie o trabalho individual. Tendo em vista a dificuldade de atender todos os
pacientes, o setor decidiria, de acordo com seus próprios critérios, atender apenas alguns
pacientes, enquanto outros ficariam excluídos desse tipo de ajuda. Situação 2: digamos que,
num posto de saúde, exista, na sala de espera do ginecologista, várias mulheres infectadas
pelo HIV. O setor da Psicologia decide, por sua vez, oferecer inscrição na lista de espera para
atendimento individual psicoterápico. No entanto, essas pessoas seriam chamadas para
atendimento, na melhor das hipóteses, dentro de um mês. A partir desses exemplos
hipotéticos, mas que podem ocorrer na realidade, é provável que seja mais produtivo realizar
trabalhos grupais (em suas distintas modalidades) enfocando a problemática comum nos dois
casos.

Nesse sentido, Moura (2003), refletindo sobre “a psicologia que temos e a psicologia que
queremos”, analisa essa prática tradicionalmente empreendida pelos psicólogos. Com a
diminuição da procura de clientes para os seus consultórios particulares devido ao
empobrecimento da população, os psicólogos foram obrigados a trabalhar com pessoas cada
vez mais carentes. Isso gerou o que a autora denominou uma “crise na Psicologia”, a partir
da discrepância entre as propostas terapêuticas e a realidade do Brasil. A prática profissional
passou a ser questionada no que tange à eficácia e adequação da Psicologia frente às
questões de ordem social. Dimenstein (2000) afirma, ainda, que muitos dos problemas dos
quais o psicólogo passou a deparar-se escapam do domínio da clínica, pois referem-se às
condições de vida da população. Tais dificuldades passaram a ser um entrave para as
atividades de assistência pública à saúde tendo em vista a falta de preparo nessa área.

Para mostrar tais discrepâncias, dois estudos empíricos relatam a prática de psicólogos no
contexto hospitalar. No primeiro estudo (Yanamoto & Cunha, 1998), foram entrevistadas
cinco psicólogas, no segundo (Yanamoto, Trindade &Oliveira, 2002), participaram 25, todos
atuando em hospitais no Rio Grande do Norte. Foram analisados os seguintes aspectos:
formação acadêmica, trajetória profissional, caracterização das atividades realizadas e
avaliação do trabalho realizado nos hospitais. Dentre os resultados principais, aparece uma
formação universitária deficitária e não condizente com a prática profissional, condições
adversas de trabalho e práticas que, muitas vezes, não se distinguem do fazer clínico
tradicional em consultório privado. Observa-se que todos os profissionais que trabalham
diretamente com os pacientes desenvolvem atividades psicoterápicas em suas diversas
modalidades: breve, de apoio, individual ou grupal .

Levando em conta a realidade de nosso país e de nossa profissão, perguntamo-nos: onde


poderia se inserir o psicólogo para abrir novas frentes de mercado de trabalho de acordo com
as necessidades da população?

Um dos primeiros passos seria a inserção do psicólogo em equipes de saúde


interdisciplinares. A interlocução entre os diversos saberes seria a maneira de oferecer um
cuidado mais completo, eficaz e de acordo com as necessidades da população (Almeida,
2000; Kerbauy, 2002). Além da utilização de suas práticas e técnicas usuais, o psicólogo
também poderia participar politicamente das decisões sanitárias. Relacionado a isso, algumas
mudanças já se percebem. Por exemplo, nos últimos anos, o Conselho Federal de Psicologia
vem trabalhando para transformar essa situação, tentando sensibilizar a categoria
profissional para o desenvolvimento de ações sociais em distintas áreas da Psicologia
(Conselho Federal de Psicologia, 1994). Assim, estudos sobre a prática profissional do
psicólogo, no Brasil, têm apontado para dois movimentos contrários: por um lado, a
supremacia de atividades classificadas como pertencentes ao âmbito da clínica; por outro, a
emergência de movimentos buscando novas formas de inserção profissional.

O relato de Miyazaki et al. (2002) esclarece como pode ocorrer um processo de mudança
permitindo maior inserção profissional de acordo com a realidade do País. Descrevendo o
desenvolvimento e estágio atual do serviço de Psicologia de um hospital em São José do Rio
Preto, os autores explicam a evolução de uma equipe de psicologia eminentemente clínica
individual para um trabalho dentro dos moldes do que seria a Psicologia da Saúde. A
intervenção individual não dava conta da demanda, e então foi instalado um programa
denominado Aprimoramento em Psicologia da Saúde. Este possuía duração de dois anos e
combinava a prática à pesquisa em Psicologia da Saúde. Segundo o relato, a atuação foi
realizada em equipes interdisciplinares, abrangendo os níveis primário, secundário e terciário
de atendimento. As intervenções se davam no ambulatório, no hospital, em centro de saúde-
escola e na comunidade, sempre combinadas com pesquisas que justificassem suas ações. O
hospital, na atualidade (2002), possuía 40 psicólogos (docentes, contratados e
aprimorandos).

A partir dessas idéias, evidencia-se o quanto urgem revisões e atualizações, tanto ao nível de
formação profissional quanto de estratégias de inserção dos psicólogos. É preciso romper
com a “prática do silêncio”, que compreende o indivíduo isolado da sociedade (Moura, 2003),
e elaborar um modelo profissional que considere a ação histórica dos homens. A Psicologia é
uma ciência jovem, e sua participação histórica nos programas de saúde tende a ser tímida.
Queremos destacar a importância de podermos discutir, compreender e assumir a função e o
papel que nos cabe para transformar a realidade sanitária no País. O próprio psicólogo
necessita dessas reflexões para que, efetivamente, torne seu trabalho vetor nos programas
de saúde e abra espaço para a atuação de novos profissionais nessas equipes.

Em última análise, acreditamos que, se o indivíduo não pode vir até o psicólogo, o psicólogo
pode ir até ele. Isso significa entrar em contato com a dura realidade do nosso país.
Conhecendo a população brasileira, os psicólogos podem utilizar seus conhecimentos para
chegar a todos, independentemente de seus recursos: os que têm condições e desejam um
tratamento particular, e também aqueles que nem sequer sabem o quanto poderiam ser
ajudados por profissionais dessa área. 
Considerações Finais

No presente trabalho, procuramos esclarecer e sintetizar o que é a Psicologia da Saúde e a


Psicologia Hospitalar. Aprofundando o estudo e os fundamentos dessas áreas, chegamos à
conclusão que a Psicologia Hospitalar brasileira, tal como é descrita, estaria incluída na área
mais abrangente da Psicologia da Saúde. Para justificar nosso posicionamento, construímos
uma tabela em que se resumem as principais semelhanças e diferenças entre Psicologia da

Saúde e Psicologia Hospitalar a partir do material já apresentado.

Como se verifica na tabela, a Psicologia da Saúde amplia a atuação do psicólogo hospitalar.


Contudo, é possível que, em muitos hospitais do Brasil, os psicólogos realizem seus trabalhos
em distintos setores de acordo com a definição da Psicologia da Saúde. No Brasil, entretanto,
oficialmente, essa definição não existe como especialização oficial definida pelo CRP, ao
contrário da Psicologia Hospitalar, que é uma especialidade.

Nós nos perguntamos: essa definição exclusivamente brasileira de “Psicologia Hospitalar” é


adequada? Pensamos que, como essa denominação já está consolidada na linguagem dos
psicólogos e de outros profissionais da saúde brasileiros, parece óbvio que permaneça. No
entanto, estamos de acordo com Chiattone (2000), Yanamoto e Cunha (1998) e Yanamoto,
Trindade e Oliveira (2002) quando declaram que seria mais adequado referir-nos à Psicologia
no contexto hospitalar como um trabalho que faz parte da Psicologia da Saúde. Além disso,
consideramos importante ressaltar que essa denominação pode ser inadequada se tratarmos
a Psicologia da Saúde como sinônimo de Psicologia Hospitalar, pois intervenções em saúde
que necessitariam ser realizadas fora do hospital poderiam não ser supridas, principalmente
aquelas relativas à prevenção primária. Todas essas questões estão diretamente associadas
às reais necessidades e demandas da população brasileira.

A polêmica sobre a existência de uma área única abrangente ou de duas áreas distintas,
Psicologia Clínica ou Psicologia da Saúde, é tema de debate internacional (Yanamoto,
Trindade & Oliveira, 2002), e claro, deve ser prioritariamente nacional. Nossa inquietude
frente às mencionadas contradições das áreas de especialização e ainda da existência de uma
Psicologia Hospitalar brasileira foi a mola propulsora para a presente reflexão. Estando fora
do Brasil, vimos “de longe”, e assim, de maneira distinta, nossa realidade, tanto de país
quanto de profissão. Justamente por acreditarmos no desenvolvimento do Brasil e da
Psicologia propomos este questionamento. Mais que respostas, temos perguntas. Mais que
certezas, temos inquietações. Mais que conformismo, temos a esperança neste país, dito em
desenvolvimento, em que existem realidades de primeiro e terceiro mundo que se chocam
constantemente.

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Formato ISO

CASTRO, Elisa Kern de e BORNHOLDT, Ellen. Psicologia da saúde x psicologia hospitalar:


definições e possibilidades de inserção profissional. Psicol. cienc. prof., set. 2004, vol.24,
no.3, p.48-57. ISSN 1414-9893.

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CASTRO, Elisa Kern de e BORNHOLDT, Ellen. Psicologia da saúde x psicologia hospitalar:


definições e possibilidades de inserção profissional. Psicol. cienc. prof. [online]. set. 2004,
vol.24, no.3 [citado 21 Outubro 2009], p.48-57. Disponível na World Wide Web:
<http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
98932004000300007&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1414-9893.

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