Artigo Liberdade e Responsabilidade Moral em Spinoza

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LIBERDADE E RESPONSABILIDADE MORAL EM SPINOZA

Jonathan Alves Ferreira de Sousa

RESUMO: Neste artigo trataremos de um problema que se apresenta na filosofia de Baruch de


Spinoza através da relação entre os conceitos de liberdade tal qual proposto pelo filósofo
holandês e a possibilidade, se é que há alguma, de haver responsabilidade moral no sistema
filosófico spinozano. Primeiro é traçado o caminho para compreensão do que é a liberdade para
Spinoza, delineando de maneira simplificada os conceitos de indivíduo, conatus e paralelismo,
para então, relacionar e responder como pode haver compatibilidade entre liberdade e
responsabilidade moral no sistema filosófico spinozano.

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade; Responsabilidade Moral; Livre-Arbítrio;


Autodeterminação; Spinoza

INTRODUÇÃO
O conceito de liberdade tradicionalmente interpretado até Spinoza situa o problema em
torno da vontade e das escolhas feitas pelo indivíduo, mostrando que o homem livre é aquele
que sabe/consegue escolher o que lhe faz bem. O filósofo holandês rompe tacitamente com a
tradição na sua formulação de liberdade levando a discussão a um outro ponto, a saber, o da
total negação do livre-arbítrio, ou seja, a total negação da existência de algum tipo de
possibilidade de escolha para efetuação da ação do indivíduo.
A liberdade proposta por Spinoza é deveras inovadora e faz parte de um sistema grande
e complexo, e, por isso, meu intuito neste trabalho é explicitar da forma mais simples e clara
possível este conceito, sem ser, no entanto, vago ou superficial em demasia. A obra usada como
base neste estudo será a Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras. Perguntas, tais como:
o que é a liberdade para Spinoza? Quais as possibilidades de liberdade para o indivíduo? Porque
e como o filósofo holandês rejeita o livre-arbítrio? O que pauta as ações humanas? Em que
implica a liberdade? E, a mais importante questão neste trabalho: pode o indivíduo na filosofia
de Spinoza ser responsabilizado moralmente por seus atos, uma vez que o livre-arbítrio não está
em cena, necessitam da retomada de alguns conceitos importantes e caros à filosofia spinozana,
a saber: os conceitos de indivíduo/conatus/paralelismo.

1
O HOMEM, QUEM É ELE?
Na filosofia spinozana é importante perceber que a existência do indivíduo não é
deveras necessária1. A necessidade está na substância infinita que é Deus e da qual o ser singular
participa como modo2. Como dirá RIZIK(2006): “Para conhecer a essência do homem, é
preciso mudar de campo e estudar certas modificações dos atributos de Deus.”3
Percebemos que o filósofo holandês entende o homem de uma maneira diferente, que o
coloca em um outro nível perante todas as coisas e que a compreensão deste, passa por todo um
longo caminho de reflexão sobre si e sobre os atributos de Deus. Vê-se então que o homem
nada sabe de si e que é necessária uma mudança de posicionamento acerca do que ele é e isso
deixará claro que, o que o homem sabe é que nada sabe acerca de si mesmo.
O indivíduo para Spinoza é constituído por uma modificação dos dois atributos divinos
conhecidos, a saber Pensamento e Extensão, o que significa que o indivíduo é um ser que pensa,
logo, como uma expressão do atributo divino de Pensamento e um corpo, logo, como expressão
do atributo divino de Extensão. Essa constituição do indivíduo supõe que ele seja uma ser onde
mente e corpo são uma e mesma coisa só que expressas de maneira diferentes4. Essa unidade,
no entanto, não significa dizer que mente e corpo se relacionam sob uma perspectiva hierárquica
onde um tem mais poder sobre o outro, mas que o que acontece em um acontece
simultaneamente no outro, afinal, esse paralelismo, do qual falaremos mais adiante, faz com
que a ordem das coisas da mente seja correspondente de forma necessária e perfeita à ordem
das coisas do corpo5, pois, em última análise são expressões da essência divina e única sob
diversos aspectos.
Como modificação dos atributos divinos, o indivíduo participa de algum modo da
eternidade divina6 e por participar do divino precisa buscar incessantemente unir-se com Deus

1
Não estou falando aqui da tese do necessitarismo spinozano, a qual diz que tudo o que existe, existe
necessariamente, mas apensa que os seres singulares são contingentes. Para mais detalhes sobre a tese do
necessitarismo spinozano ver: GLEIZER, M. A.“Considerações sobre o Necessitarismo de Espinosa” in: Revista
Analytica, vol. 7, nº2, 2003
2
Existe uma divisão clara em Spinoza entre Substância, Atributos e Modos. O indivíduo singular é um Modo, pois
é uma expressão dos atributos divino de Pensamento e Extensão, que são os dois atributos conhecíveis ao homem;
estes atributos por sua vez pertencem há uma substância única, absoluta e infinitamente infinita que é Deus. Cf.
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 1, def. 3 a 6.
3
RIZIK, 2006, p. 92.
4
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 2, prop. 7, esc.
5
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 2, prop. 7.
6
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 5, prop. 23. Nesta proposição Spinoza vai deixar claro que existe algo na mente
do indivíduo que é eterno. Apesar de interessante não abordarei nada aqui sobre este ponto. Para mais
esclarecimentos sobre a questão da eternidade divina em Spinoza, ver: GLEIZER, M. A.“Considerações sobre a
definição de eternidade na Ética de Espinosa” in: Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 19, n. 1, p. 37-60,
jan.-jun. 2009.

2
através de uma vida que o afaste das afecções7 que diminuem a sua potência e que o aproxime
das afecções que aumentam a sua potência, ou seja, que aumente a capacidade de perseverar no
seu ser.

O PARALELISMO
Ainda na contramão do que estava instituído tradicionalmente e também como uma
resposta direta a Descartes, Spinoza irá conceber mente e corpo como uma e única coisa.
Descartes apresenta mente e corpo como coisas separáveis e distintas8 e ainda que se
relacionavam sob um aspecto hierárquico9. O filósofo holandês não aceita esta tese e a refuta
com a concepção de que mente e corpo são modos dos atributos, que por sua vez têm como
causa a substância infinitamente infinita, Deus.
Spinoza entende que só pode haver uma substância e que dessa substância derivam
infinitos atributos10, os quais só podemos conhecer dois, Pensamento e Extensão. Que esses
atributos são causa de si e desses dois atributos derivam os modos. O filósofo introduz um
conceito de Deus que não é criador, nem dotado de livre-arbítrio ou vontade. Ele introduz um
conceito de Deus imanente em todas as coisas que existem11. Vejamos, contudo, as palavras do
próprio Spinoza: “Deus é causa imanente, e não transitiva, de todas as coisas”12; “Tudo que
existe, existe em Deus, e por meio de Deus deve ser concebido; portanto, Deus é causa das
coisas que nele existem”13
Sendo Deus causa de todas as coisas, então, segue-se que todas as coisas têm em alguma
medida sua essência. Assim, se os atributos exprimem a essência infinita de Deus na eternidade
e os modos são afecções dos atributos, e, portanto, não são causa de si, assim, os modos são em
ato a expressão da infinitude dos atributos divinos. Ter parte em Deus, não significa, no entanto,
que haja algum tipo de interferência causal nos atributos e consequentemente nos modos. Daí
que mesmo não podendo ser concebidos isoladamente, mente e corpo não determinam nem se
interferem entre si. Vejamos nas palavras de Spinoza na passagem da EIII PII:

7
Afecções para Spinoza se dividem em dois tipos, um positivo e outro negativo. Afeccões positivas são aquelas
que fortalecem e aumentam a potência do indivíduo de perseverar no ser e afecções negativas o oposto.
8
DESCARTES, 1973, p. 142 e ROCHA, p.128
9
DESCARTES, 1973, p. 106 e ROCHA, p.132
10
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 1, prop. 10, esc.
11
FERREIRA, 2009, p. 5
12
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 1, prop. 18
13
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 1, prop. 18, dem.

3
"Nem o corpo pode determinar a alma a pensar, nem a alma determinar
o corpo ao movimento ou ao repouso ou a qualquer outra coisa (se acaso
existe outra coisa)."
14
Pelo paralelismo pode-se perceber qual será o caminho necessário percorrer o homem
livre, qual seja, a compreensão e aceitação das afecções como parte da natureza humana e, a
partir desta compreensão, se esforçar para libertar-se das interferências externas que o tornam
passivo, como podemos atestar na EIII PI:
"A nossa alma, quanto a certas coisas, age (é ativa), mas, quanto a outras,
sofre (é passiva), isto é, enquanto tem ideias adequadas, é
necessariamente ativa em certas coisas; mas enquanto tem ideias
inadequadas, é necessariamente passiva em certas coisas."
Fica claro que Spinoza entende que agir, ou ser ativo, só será possível enquanto o
indivíduo tiver ideias adequadas. Ser livre então é poder agir segundo ideias adequadas que se
dão na mente e refletem no corpo, libertando-o das causas exteriores que o fazem sofrer. Assim,
a busca pela liberdade passa pela necessidade de o indivíduo esforçar-se por perseverar no seu
ser. Esse esforço será ficará conhecido como conatus.

O CONATUS
Conatus é o esforço que cada coisa faz para perseverar-se no seu ser e por isso mesmo,
é também sua essência atual, como atesta-se na EIII, PVIId:
"O esforço pelo qual toda coisa tende a perseverar no seu ser
não é senão a essência atual dessa coisa."
Pode-se classificar o conatus de duas maneiras15:
1) como esforço de preservação de determinado estado, ou seja, preservar a própria
existência
2) como princípio de expansão, de aprimoramento ou busca de uma maior "perfeição",
no sentido de que quando o indivíduo é afetado por uma afecção alegre passa a uma
maior perfeição, e quando afetado por uma afecção triste, ocorre o contrário16.
Conatus, então, é o esforço em tornar-se cada vez mais alegres, ou seja, buscar o que é
útil, que convém à sua natureza17. E disso resulta nossas ações, a busca por estímulos que
aumentem a nossa potência de agir segundo a nossa própria razão. Por ser esse esforço de

14
A tese do paralelismo é baseada na passagem da EII PVII, que diz: "A ordem e a conexão das ideias é o
mesmo que a ordem e a conexão das coisas"
15
PEREIRA, 2008, p.74.
16
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 3, prop. 11, esc
17
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 3, prop. 39, esc
4
autopreservação, o conatus apresenta-se também como uma força indestrutível, pois Spinoza
acredita que nenhum ser procura sua autodestruição.
O homem livre será aquele que conseguir elevar ao máximo seu conatus. CHAUI(2001)
aprofunda esse sentido dizendo que os homens não possuem conatus, eles são conatus18. E
acrescenta19:
"Sendo uma força interna para existir e conservar-se na existência, o
conatus é uma força interna positiva ou afirmativa[...]. O conatus possui,
assim, uma duração i1imitada até que causas exteriores mais fortes e mais
poderosas o destruam. Definindo corpo e alma pelo conatus, Espinosa faz
com que sejam essencialmente vida, de maneira que, na definição da
essência humana, não entra a morte. Esta é que vem do exterior, jamais
do interior."

Spinoza faz uma diferenciação entre o conatus em relação ao corpo e em relação à mente
na EIII PIXs, onde define que em relação ao corpo o conatus se chama apetite e em relação a
alma, ou à mente, o conatus se chama desejo e entre eles não há nenhuma diferença, a não ser
que o desejo é a consciência do seu apetite no corpo. CHAUI(2001)20 pondera que as afeções
do corpo se realizam na alma como ideias afetivas e que devido a essa relação afetiva, que se
define pelo conatus como causa eficiente adequada, isto é, quando agimos por nossa própria
natureza, ou seja, afirmamos o nosso conatus, nosso esforço para perseverar no ser, sendo
ativos, portanto, livres, ou causa eficiente inadequada, isto é, quando somos passivos, ou seja,
agimos por causa de influências externas.
Spinoza afasta a causa da liberdade humana como liberdade colocada a partir de causas
exteriores ou como liberdade da vontade como capacidade de escolha entre o que é bom ou
mau, ou seja, o livre-arbítrio. Vejamos a seguir a noção de liberdade em Spinoza.

LIBERDADE
Ética I, Definição 7 (EID7):
"Diz-se livre o que existe exclusivamente pela necessidade de sua
natureza e por si só é determinado a agir; e dir-se-á necessário, ou mais
propriamente coagido, o que é determinado por outra coisa a existir e a
operar de certa e determinada maneira."
Aqui é a primeira citação à liberdade que encontramos na Ética. Daqui já podemos tirar
ao menos 3 condições para a liberdade21:
1) Existir apenas pela necessidade de sua natureza;

18
CHAUI, 2001, p.63.
19
Ibid, p.63.
20
Ibid, p.64.
21
SCHIRMER, 2006, p.19.
5
2) agir ou ser causa;
3) Ser determinado a agir apenas por si mesmo.
A filosofia spinozana comporta uma ética da alegria, da afirmação, da liberdade
individual. Seu rompimento com a tradição é claro quando o filósofo holandês trata a liberdade
não da maneira tradicional, mas ao contrário, dá uma nova formulação que vai de encontro com
o conceito de liberdade como livre-arbítrio22, isto é, uma (suposta) capacidade ou poder de
escolha entre o bom e o mau. Spinoza entende que não existem atos volitivos, nem deliberação
ou qualquer tipo de escolha envolvida na ação humana. As ações do homem sempre seguem
uma ordem natural, ou seja, são determinadas pela sua natureza, logo, liberdade não é vontade,
mas autonomia. LIMA(2009) atesta:
"Em Spinoza liberdade ganha outro contorno muito diverso, pois longe de ser
uma afirmação da vontade é uma determinação da necessidade da natureza"23

Ser determinado conforme a necessidade de sua natureza vai direto ao encontro da tese
do livre-arbítrio, pois os indivíduos não agem por vontade, mas são determinados à existir e
agir por Deus24. Para alcançar a liberdade, o homem deve buscar "autodeterminar-se ou agir
sem ser constrangido por nada exterior à própria razão."25
Autodeterminar-se é agir segundo ideias adequadas ou a partir de suas próprias razões,
ou ser autônomo. Quanto mais ideias adequadas o indivíduo tem, mais autônomo é e
consequentemente mais livre ele se torna, pois passa a perceber as coisas não mais sob o ponto
de vista humano, finito, mas sob o ponto de vista de Deus, eterno.
Spinoza liga de forma extraordinária a ideia de liberdade com a ideia de conhecimento.
O conhecimento é o caminho estritamente seguro para o indivíduo aprender a direcionar suas
relações de modo a afirmar cada vez mais sua potência, sendo cada vez mais ativo,
consequentemente livre.
A liberdade na filosofia spinozana de forma esquematizada a grosso modo, seria assim:
1) Ser livre é ser ativo;
2) Ser ativo é agir segundo a necessidade de sua natureza ou autodeterminar-se segundo
a ordem da própria razão
3) Agir segundo a necessidade de sua natureza é agir guiado predominantemente por
ideias adequadas26

22
Algumas passagens em que Spinoza nega a noção de livre-arbítrio são: EIIP35s e EIIIP2s
23
LIMA, 2009, p.17.
24
FRAGOSO, 2007, p.28.
25
SCHIRMER, 2006, p.7
26
ESPINOSA, 1973, Ética, parte 4, prop. 62, dem.
6
Muitos questionamentos podem ser levantados a partir desse tipo de entendimento do
conceito de liberdade, porém, não é meu intuito fazer uma minuciosa investigação sobre a
liberdade neste trabalho.
Postos esses três conceitos, liberdade, paralelismo e conatus, já podemos dizer que na
filosofia spinozana:
1) liberdade não é livre-arbítrio; na verdade, este nem se quer existe (como capacidade
de escolha entre contrários);
2) o indivíduo não é um agregado de partes sem vínculo ou unidade;
3) ser livre é ser ativo, ou seja, agir de acordo com a plena razão das causas das relações
afetivas, isto através do conatus/esforço/desejo em perseverar no ser.

O PROBLEMA DA RESPONSABILIDADE MORAL


Um problema central na filosofia tal qual proposta por Spinoza aparece muito
latentemente, a saber: pode um indivíduo ser moralmente responsável por seus atos, uma vez
que, Spinoza rejeita completamente o conceito de liberdade como livre-arbítrio? Essa pergunta
traz em si a afirmação de que só há possiblidade de responsabilidade moral onde há o livre-
arbítrio, ou seja, só pode ser responsabilizado moralmente aquele que usou seu poder de escolha
e decidiu-se entre o bom e o mau e, logo, isso impossibilita a responsabilização moral no
sistema spinozano. Assim, examinarei se essa afirmação é verdadeira e caso se mostre falsa,
como ou de que maneira o sistema filosófico spinozano aceita ou contempla a responsabilidade
moral.
Seguindo o esquema proposto para liberdade, segundo Spinoza, liberdade é antes de
mais nada autodeterminação, ou seja, capacidade de o indivíduo agir segundo suas próprias
razões, isto em contraste com o livre-arbítrio que pode ser definido como o capacidade de poder
escolher entre os contrários, ou seja, o poder para fazer ou não algo sem determinação externa27.
Esquematizando28:

Autodeterminação Livre-arbítrio

1. Se a razão (R) se apresenta ao indivíduo (S) 1. Se a razão (R) se apresenta ao indivíduo (S)
na ocasião apropriada, então, (S) faz (A) na ocasião apropriada, então, (S) faz (A) ou
2. (R) se apresenta a (S) na ocasião apropriada não
3. (S) faz (A) 2. (R) se apresenta a (S) na ocasião apropriada
3. (S) faz (A) ou não

27
DESCARTES, 1973, p.126.
28
SCHIRMER, 2006, pp. 11-12.
7
Por esses dois esquemas percebemos que o conceito de autodeterminação é forte o
suficiente para imputar responsabilidade moral ao indivíduo e consequentemente a resposta à
pergunta inicial se torna evidente, que é possível sim um indivíduo ter responsabilidade moral
sem o livre-arbítrio, tal qual expresso no esquema, desde que ele possua autodeterminação.
Uma tentativa de salvar o livre-arbítrio seria imputando nele alguma racionalidade.
Melhorando o esquema:

Livre-arbítrio com autodeterminação

1. Se a razão (R2) se apresenta ao indivíduo (S)


inibindo a razão (R1) na ocasião apropriada,
então, (S) não faz (A)
2. (R2) se apresenta a (S) inibindo (R1) na ocasião
apropriada
3. (S) não faz (A)

Assim, parece que a autodeterminação é condição necessária, não suficiente do livre-


arbítrio no que diz respeito às ações moralmente responsáveis e, se podemos reduzir de tal
maneira a explicação, fica claro que tirar o livre-arbítrio (como escolha entre contrários) do
esquema não acarreta na perda explicativa da relação entre determinação, liberdade e
responsabilidade moral29.
Uma concepção de ação moral deve dar conta de ações apoiadas em razões e como visto
acima, o indivíduo moralmente responsável é aquele capaz de autodeterminar-se. Seguindo os
conceitos do filósofo holandês, autodeterminar-se é a capacidade de o indivíduo seguir sua
própria lei individual, segundo sua própria razão e de acordo com o seu conatus, que é o esforço
em perseverar no seu ser, aproximando-se de afecções alegres e afastando-se das afecções
tristes.
Vimos, então, que em Spinoza o conceito de moral, bem como o de liberdade, Deus,
indivíduo, etc, assumem contornos contrários, quando não totalmente opostos, àqueles
propostos tradicionalmente. Ele abandona a concepção tradicional de moral fundamentada fora
do indivíduo e dá ao homem uma moral pautada na lei natural do indivíduo, que está sempre
procurando se auto preservar através do seu conatus, em um esforço contínuo de agir bem
guiado pela razão. Ele atesta:
"[...] a verdadeira virtude não é outra coisa que viver só sob a direção da
Razão, e, por conseguinte, a impotência consiste só em o homem se
deixar conduzir pelas coisas que estão fora dele em ser determinado por

29
SCHIRMER, 2006, p.14. Cf. também, ROCHA, 1998, pp.72-73.
8
elas a fazer aquilo que a constituição comum das coisas externas reclama
e não o que reclama a sua própria natureza, considerada

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENNETT, Jonathan - A Study of Spinoza's Ethics. Hackett Publishing Company, 1984
CHAUÍ, Marilena - Espinosa uma filosofia da liberdade. São Paulo: Editora Moderna Ltda,
2001.
____ - "Paixão, ação e liberdade em Espinosa". In: Jornal Folha de São Paulo, Caderno MAIS!,
22de agosto de 2000.
DESCARTES, René - Meditações Metafísicas. Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior.
Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril, 1973.
DELEUZE, Gilles - Spinoza: Pratical Philosophy. Tradução de Robert Hurley. San Francisco:
City Lights Books, 1988.
ESPINOSA, Baruch de - Ética demonstrada à maneira dos gêometras. Tradução de Joaquim
de Carvalho (Parte I), Joaquim Ferreira Gomes (Parte II e III) e Antônio Simões (Parte IV e V).
Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril, 1973.
FERREIRA, Amauri - Introdução à Filosofia de Spinoza. Versão digital produzida por
escolanomade.org e usinagrupodetudos.blogspot.com de janeiro de 2009.
FRAGOSO, Emanuel Angelo da Rocha - "O Conceito de Liberdade na Ética de Benedictus de
Spinoza". In: Revista Conatus - Filosofia de Spinoza, Vol. 1, n1 (Julho de 2007), pp. 27-36.
LIMA, Erika Belém - "A Trajetória para a Beatitude em Benedictus de Spinoza". Dissertação
apresentada ao curso de mestrado acadêmico de filosofia do Centro de Humanidades da
Universidade Estadual do Ceará. Orientador: Emanuel Ângelo Rocha Fragoso. Fortaleza, 2009.
PEREIRA, Rafael Rodrigues - "O Conatus de Spinoza: Auto-Conservação ou Liberdade?". In:
Cadernos Espinosanos, N19 (2008), pp. 73-90.
ROCHA, Ethel Menezes - "VONTADE: Determinação e Liberdade". In: Revista Analytica,
Vol. 3, N2 (1998), pp. 55-74.
SANTIAGO, Homero - "Entre Servidão e Liberdade". In: Cadernos Espinosanos, N26 (2012),
pp. 11-23.
SCHIRMER, César - Liberdade e Responsabilidade Moral em Spinoza. UFRGS (2006).

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