2018 Manual de Semantica Márcia Cançado

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Os temas tratados neste Manual
Semântica estão organizados em
três grandes vertentes teóricas
adotadas na literatura sobre a
abordagem referencial, abordagem
mentalista e a abordagem
Manual de·' Semântica
pragmática.
noções básicas e exercícios
O capítulo ''A investigação do
significado apresenta uma
introdução: área específica da
Semântica
Copyright © 2012 da Autora

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.)

Montagm de capa e diagramação


Gustavo S. Vilas Boas
Pr aração tÚ tatos
Daniela Marini lwamoto
Revisão
Poliana Magalhães Oliveira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Cançado, Márcia
Manual de Semântica : noções básicas e exercícios I Márcia Cançado.-
2. ed. - São Paulo : Contexto, 2015.

Bibliografia.
ISBN 978-85-7244-722-5

I. Linguística 2. Português- Semântica 3. Semântica I. Título.

12-04547 CDD-401.43
Índice para catálogo sistemático:
I. Semântica : Linguagem e comunicação : Lingufstica 401.43

2015

EDITORA CoNTEXTO

Diretor editorial: jaimPimky


www.editoracontexto.com.br
Rua Dr. José Elias, 520- Alto da Lapa
05083-030- São Paulo- SP PABX:
(11) 3832 5838
[email protected]
Para Emmanuel Henrique e Frederico.
A investigação do significado

A investigação linguística
Semântica é o estudo do significado das línguas. Este livro é uma introdução
à teoria e à prática da Semântica na Linguística moderna. Apesar de não ser uma
introdução a qualquer teoria específica, este livro apoia-se na premissa básica de que
a habilidade linguística do ser humano é baseada em um conhecimento específico
que o falante tem sobre a língua e a linguagem. É esse conhecimento que o linguista
busca investigar.
Ao conhecimento da língua, chamaremos de gramática, entendendo-se por
gramática o sistema de regras e/ou princípios que governam o uso dos signos da
língua. A Linguística assume que o falante de qualquer língua possui diferentes tipos
de conhecimento em sua gramática: o vocabulário adquirido, como pronunciar as
palavras, como construir as palavras, como construir as sentenças', e como entender o
significado das palavras e das sentenças. Refletindo essa divisão, a descrição linguística
tem diferentes níveis de análise: o estudo do Léxico, que investiga o conjunto de palavras
de uma língua e sua possível sistematização; o estudo da Fonologia, que focaliza os
sons de uma língua e de como esses sons se combinam para formar as palavras; o
estudo da Morfologia, que investiga o processo de construções das palavras; o estudo
da Sintaxe, que investiga como as palavras podem ser combinadas em sentenças; e o
estudo da Semântica, que focaliza o significado das palavras e das sentenças.
Ao conhecimento da linguagem, associaremos o uso da língua, ou seja,
o emprego da gramática dessa língua nas diferentes situações de fala. A área da
Linguística que descreve a linguagem denomina-se Pragmática. A Pragmática
estuda a maneira pela qual a gramática, como um todo, pode ser usada em situações
comunicativas concretas. Neste livro, veremos noções que ora estão no campo da
língua, ora no campo da linguagem; tentarei, na medida do possível, situa-las em
seus domínios de conhecimento.
Semântica e Pragmática 1tros processos cognitivos, além dos processos especificamente
lingufsticos. Parece
Localizemos, primeiramente, o nosso principal objeto de estudo: a m provável que certos aspectos do significado se encontrem fora do
estudo de uma oria semântica. Veja (4):
Semântica. A Semântica, repetindo, é o ramo da Linguística voltado para
a investigação do significado das sentenças. Como assumimos que o
linguista busca descrever o conhecimento linguístico que o falante tem (4) a. Você quer um milhão de dólares sem fazer nada?
de sua língua, assumimos também, mais especificamente, que o b. Não!!! (responde o interlocutor, com uma entonação e
semanticista busca descrever o conhecimento semântico que o falante uma expressão facial que significam: claro que quero!)
tem de sua língua. Por exemplo, esse conhecimento permite que um
falante de português saiba que as duas sentenças a seguir descrevem a Evidentemente não é o sistema linguístico que permite a
mesma situação: interpretação da tença em (4b): o item lexical não levaria a uma
interpretação oposta à que todos
(1) a. O João acredita, até hoje, que a terra é quadrada.
b. O João ainda pensa, atualmente, que a
terra é quadrada.

Esse mesmo conhecimento também permite que um falante de


português saiba que as duas sentenças adiante não podem se referir à
mesma situação no mundo, ou seja, são sentenças que se referem a
situações contraditórias:

(2) a. O João é um engenheiro mecânico.


b. O João não é um engenheiro mecânico.

Ainda, o conhecimento semântico que o falante do português


do Brasil tem o eva a atribuir duas interpretações para a seguinte
sentença:

(3) A gatinha da minha vizinha anda doente.

Portanto, são fenômenos dessa natureza que serão o alvo de uma


investigação
:mântica. Existe um consenso entre os semanticistas de que fatos
como esses são levantes para qualquer teoria que se proponha a
investigar a Semântica. Entretanto,
1tes de seguirmos com o nosso estudo sobre os fenômenos semânticos,
é importante lientar que a investigação linguística do significado
ainda interage com o estudo de
A tnvesngoçuu- ao s- Entender o que o professor falou em cada contexto específico
tgntncouo
parece envolver dois tipos de conhecimento. Por um lado, devemos
1Y entender o que o professor falou explicitamente, o que a sentença em
português A porta estd aberta significa; a esse tipo de conhecimento,
chamamos de Semântica. A Semântica pode ser pensada como a
nós provavelmente entendemos. O que faz, então, o falante de (4a)
entender o falante de (4b)? São fatores extralinguísticos, como a explicação de aspectos da interpretação que dependem
exclusivamente do sistema da língua, e não de como as pessoas a
entonação que o falante de (4b) usa, a sua expressão facial e, às vezes,
colocam em uso; em outros termos, podemos dizer que a semântica
até seus gestos; já entramos, então, no campo da prosódia, da
expressão corporal etc. Portanto, fica claro que nem sempre o sistema lida com a interpretação das expressões linguísticas, com o que
semântico é o único responsável pelo significado; ao contrário, em várias permanece constante quando certa expressão é proferida. Por
situações, o sistema semântico tem o seu significado alterado por outros outro lado, não conseguiríamos entender o que o professor falou, se
sistemas cognitivos para uma compreensão final do significado. Por não entendêssemos também qual era a intenção dele ao falar aquela
exemplo, vem sendo explorado por alguns estudiosos que alguns aspectos expressão para determinada pessoa em determinado contexto; a esse
do significado são explicados em termos das intenções dos falantes, ou tipo de conhecimento, chamamos de Pragmática. O
seja, dentro do domínio de teorias pragmáticas. Tais teorias podem
ajudar a explicar como as pessoas fazem para significar mais do que está
simplesmente dito, através da investigação das ações intencionais dos
falantes. Repare na sentença:

(5) A porta está aberta.

O que significa essa sentença? Que existe uma determinada


situação em que um objeto denominado porta se encontra em um
estado de não fechado (seja não trancado ou apenas afetado em seu
deslocamento). Agora imaginemos o seguinte: um professor está dando
aula e algum estudante para na frente da sala e fica olhando para dentro;
o professor dirige-se a ele, com uma atitude amigável, e profere a
sentença em (5). Certamente, nessa situação, a sentença (5) não será
entendida como o estado de a porta estar aberta ou não, mas, sim,
como um convite para que o estudante entre. Vejamos ainda essa
mesma sentença em outra situação: um estudante muito agitado está
atrapalhando a aula; o professor diz a mesma sentença, só que agora sua
intenção é repreender esse aluno. A sentença (5) será entendida como
uma ordem para que o estudante saia. Portanto, nos exemplos dados,
vemos que o significado vai além do sentido do que é dito. Como
entendemos esse significado? Esse conhecimento tem relação com a
nossa experiência sobre comportamentos em salas de aula, intenções,
boas maneiras, isto é, com o nosso conhecimento sobre o mundo.
A ihvesfigaçao do significado :LT

estudo da Pragmática tem relação com os usos situados da língua e com certos tipos
de efeitos intencionais. Entretanto, o leitor verá, ao longo do livro, que nem sempre de estudo da Física é o fenômeno físico, e a metalinguagem para descrevê-la pode ser
é tão clara essa divisão e que nem sempre conseguimos precisar o que está no terreno a Matemática. Já, por exemplo, o linguista brasileiro usa a própria língua, ou seja, o
da Semântica e o que está no terreno da Pragmática.2 português brasileiro para descrever os fenômenos linguísticos observados. Porém, se
fizermos a distinção entre uso e menção, poderemos estabelecer que o ob jeto de
estudo do linguista é a menção da língua, e a metalinguagem usada é a língua em uso.
Uso, menção, língua-objeto e
Como tal distinção nem sempre é tão nítida, pois estamos estudando a língua usando a
metalinguagem própria língua para descrevê-la, existem teorias que preferem utilizar algum tipo de
formalismo como metalinguagem. Exemplos disso seriam a linguagem da lógica de
A diferença entre uso e menção de uma sentença também ajudará a compreender
predicados, usada em teorias de Semântica Formal, ou a linguagem por estruturas
as noções de Semântica e Pragmática. Para entendermos essa diferença, primeiramente
arbóreas, usada nas teorias sintáticas de cunho gerativista. A adoção de uma
vejamos o que quer dizer a palavra significado. Certamente, o significado em teorias
metalinguagem diferente da própria língua elimina prováveis distúrbios na análise
semânticas não é tão abrangente quanto o uso que se faz na linguagem cotidiana.
Observe as sentenças a seguir: linguística.

(6) a. Qual o significado de ser um homem?


b. Qual o significado de 'ser um homem'? Objeto de estudo da Semântica
Como já realcei antes, os seman t1c1stas estão de acordo qua nto a algumas
Qual das sentenças trata a palavra significar do ponto de vista semântico? propriedades preliminares da língua q ue uma teoria semântica deve explicar. Além
Certamente, a sentença (b) é a adequada. A outra diz respeito a questões metafísicas. É dessas propriedades, existem tam bém algumas propriedades pragmáticas q ue sempre
fácil justificar essa resposta. A Semântica preocupa-se com o significado de sentenças e são consideradas relevantes, mesmo dentro de u m estudo semân tico. Isso se deve ao
de palavras como objetos isolados e, portanto, a resposta a (6b) estaria ligada somente à fato de que a Semântica não pode ser est udada somente como a interpretação de um
dação entre as palavras da expressão destacada ser um homem. Poderíamos responder, sistema abstrato, mas também tem q ue ser estudada como um sistema que interage
)Or exemplo, dizendo que "ser um homem quer dizer ser humano, do sexo masculino, com outros sistemas no processo da comunicação e expressão dos pensamentos
ie uma determinada idade adulta". Perceba que a resposta do significado para ser um humanos. Tentarei explorar, neste manual, a maior parte dos fenômenos básicos dessa
'ornem, em (6b), não vai variar de conteúdo de acordo com quem a responde ou tarefa semântica. Entretanto, terei q ue optar por recortes, pois, em um só livro, seria
le acordo com o contexto. Qualquer falante do português aceitaria a resposta dada impossível tratar de tantas questões. Vejamos, pois, os ass u ntos específicos a serem
nteriormente como sendo boa. Já a questão em (6a) terá uma resposta que vai variar aqui estudados: a composicionalidade e a expressividade das línguas, as propriedades
om o contexto: se a pergunta for feita a um filósofo, teremos uma resposta; se for feita semânticas e as noções de referência e representação.
um homem do campo, certamente será outra. Por exemplo, para um filósofo, ser um
ornem pode implicar questões de ordem existencial etc.; para um homem do campo,
)de significar simplesmente questões de ordem prática, como aquele que sustenta a Composicionalidade e expressividade das línguas
.sa etc. Chamaremos, pois, a expressão destacada ser um homem da sentença (6b) de Todas as línguas dependem de palavras e de sentenças dotadas de significado:
enção, e a expressão ser um homem da sentença (6a) de uso.3 Fica claro, pois, q ue o cada palavra,e cada sentença estão convencionalmente associadas a, pelo menos, um
•jeto de estudo da Semântica é a menção das sentenças e das palavras, isoladas de significado. Desse modo, uma teoria semântica deve, em relação a qualq uer língua,
1 contexto; e o objeto de estudo da Pragmática é o uso das palavras e das sentenças, ser capaz de atribuir a cada palavra e a cada sentença o significado (ou significados)
;eridas em determinado contexto.
que lhe(s) é (são) associado(s) nessa língua. No caso das palavras, isso significa
Separar as noções de menção e de uso também facilita perceber a distinção entre essencialmente escrever um dicionário. No caso das sentenças, o problema é outro.
gua-objeto e metalinguagem. É muito difícil o trabalho do linguista, que tem que Em todas as línguas, as palavras podem ser organizadas de modo a formar sentenças,
tr a língua para descrever seu objeto de estudo- a própria língua. Veja que a Física e o significado dessas sentenças depende do significado das palavras nelas contidas.
ie se valer da Matemática para explicitar certos fenômenos físicos. Portanto, o objeto
Entretanto, não se trata de um simples processo de acumulação: gatos perseguem cães e
22 Manual de Semântica •ro, as questões abordadas envolvem, de alguma forma, esse
processo de construção do significado.

ães perseguem gatos não significam a mesma coisa, embora as palavras das duas
sentenças
:ejam as mesmas. Portanto, uma teoria semântica deve não só apreender a natureza
:xata da relação entre o significado de palavras e o significado de sentenças, mas deve
:er capaz de enunciar de que modo essa relação depende da ordem das palavras ou de
mtros aspectos da estrutura gramatical da sentença. Observe que as infinitas expressões
intáticas, altamente complexas ou não, têm associadas a elas significados que nós não
emos nenhum problema para entender, mesmo se nunca tivermos ouvido a expressão
.nteriormente. Por exemplo:

(7) O macaco roxo tomava um sorvete no McDonald's.

Provavelmente, você nunca ouviu essa sentença antes, mas, ainda assim, você
'ode facilmente entender seu conteúdo. Como isso é possível? A experiência de se
ntender frases nunca escutadas antes parece muito com a experiência de se somar
.úmeros que você nunca somou antes:

(8) 155 + 26 = 181

Chegamos ao resultado em (8) porque nós conhecemos alguma coisa dos


úmeros e sabemos o algoritmo da adição (as etapas seguidas para adicioná-los).
entemos explicitar o procedimento que nos fez chegar ao resultado em (8):

(9) a. coloque os números na vertical, conservando unidades debaixo


de unidades, dezenas debaixo de dezenas, centenas debaixo de centenas;
b. some as unidades;
c. transporte para a casa da dezena o que ultrapassar 9;
d. repita a operação para as dezenas e as centenas.

Provavelmente, por um processo semelhante, entendemos a sentença em (7):


hemos o que cada palavra significa e conhecemos o algoritmo que, de algum
i to, as combina e faz chegar a um resultado final, que é o significado da sentença.
>rtanto, parte da tarefa de uma teoria semântica deve ser falar alguma coisa sobre o
nificado das palavras e falar alguma coisa sobre os algoritmos que combinam esses
nificados para se chegar a um significado da sentença. Lidaremos, pois, dentro
> estudo semântico, com a palavra como a menor unidade dessa composição, e
frases e sentenças como a maior unidade de análise. Em todos os capítulos deste
A investigação do significado 23
Propriedades semânticas (e pragmáticas)
Os falantes nativos de uma língua têm algumas intuições sobre as propriedades de sentenças e de
palavras e as maneiras como essas sentenças e palavras se relacionam. Por exemplo, se um falante sabe o
significado de uma determinada sentença, intuitivamente, sabe deduzir várias outras sentenças
verdadeiras a partir da primeira. Essas intuições parecem refletir o conhecimento semântico que o
falante tem. Esse comportamento linguístico é mais uma prova de que seu conhecimento sobre o
significado não é uma lista de sentenças, mas um sistema complexo. Ou seja, o falante de uma língua,
mesmo sem ter consciência, tem um conhecimento sistemático da língua que lhe permite fazer
operações de natureza bastante complexa. Portanto, outra tarefa da Semântica deve ser caracterizar e
explicar essas relações sistemáticas entre palavras e entre sentenças de uma língua que o falante é capaz
de fazer. Veremos essas relações detalhadamente mais à frente. Porém, como uma ilustração, mostrarei
abaixo quais são essas propriedades:

a) As relações de implicação como hiponímia, acarretamento, pressuposição e implicatura


conversacional:

(lO) a. João comprou um carro.


b. João comprou alguma coisa. (11) a. João
parou de fumar.
b. João fumava.
(12) a. Puxa! Está frio aqui.
b. Você quer que eu feche a janela?

Das sentenças anteriores, pode-se dizer que qualquer falante deduz, a partir da verdade da
sentença (lüa), a verdade da sentença (lOb); diz-se, pois, que (lüa) acarreta (lOb). Também se pode
inferir que o sentido da expressão alguma coisa está contido no sentido da palavra carro; diz-se, então,
que carro é hipônimo da expressão alguma coisa. Em relação ao exemplo (11), percebe-se que, para
se afirmar a sentença (a), tem-se que tomar (b) como verdade; tem-se, então, que (11a) pressupõe
(11b). De (12), pode-se dizer que a sentença (a) sugere uma possível interpretação como a de (b).
Estudaremos essas relações de implicação nos capítulos "Implicações" e "Atos de fala e implicaturas
conversacionais", que são propriedades que estão no âmbito da Semântica e também da
Pragmática.
b) As relações de paráfrase e de sinonímia:

(13) a. O menino chegou

b. o garoto chego
u

24 Manual de Semântica
A investigação do significado 25
Diferentes questões estão implicadas nas ambiguidades das sentenças em
Nesse par de sentenças, podemos perceber que a palavra menino pode ser português. Em (16a), por exemplo, o item lexical banco gera duas interpretações
trocada por garoto sem que haja nenhuma interferência do conteúdo informacional possíveis para a sentença: O João pulou do alto de um banco, assento ou O João pulou
da sentença; temos, então, uma relação de sinonímia entre essas palavras. Também as do alto de um banco, prédio. Em (16b), é a organização estrutural da sentença que gera
sentenças anteriores passam a mesma informação, ou seja, se a sentença (a) é verdadeira, a ambiguidade: O motorista com um Fiat trombou no caminhão, ou O motorista
a sentença (b) também é verdadeira; e se (b) é verdadeira, (a) também o é. Diz-se, trombou no caminhão que estava com um Fiat em cima. Não só o léxico e/ou a
então, que (13a) é paráfrase de (13b). Essas relações serão vistas no capítulo "Outras sintaxe geram as ambiguidades das línguas, mas também é comum observar questões
propriedades semânticas".
c) As relações de contradição e de antonímia: (14) a. João está feliz. de escopo, de papéis temáticos, de dêixis, de anáfora, entre outras questões, como
b. João está triste. geradoras desse fenômeno. Veremos isso detalhadamente no capítulo ''Am biguidade
e vagueza".

Em (14), qualquer falante tem a intuição de que as duas sentenças não podem
f) Os papéis temáticos:
ocorrer ao mesmo tempo e, por isso, diz-se que são sentenças contraditórias. O que
leva as sentenças a serem contraditórias são as palavras feliz e triste, que têm sentidos Seguindo a posição de alguns linguistas, como Gruber (1965), Jackendoff
opostos e são, assim, chamadas de antônimos. Também essas noções serão investigadas (1983, 1990) e outros, incluirei, neste livro, esse tipo de relação que atualmente é mais
no capítulo "Outras propriedades semânticas". conhecida na literatura como papéis temáticos (essa noção também é chamada de papéis
participantes, casos semânticos profundos, papéis semânticos ou relações temáticas):
d) As relações de anomalia e de adequação: (17) a. O João matou seu colega.
(15) Ideias verdes incolores dormem furiosamente.
b. A Maria preocupa sua mãe.
c. A Maria recebeu um prêmio.
Uso, aqui, o clássico exemplo de Chomsky (1957) para ilustrar o que
d. O João jogou a bola.
conhecemos como anomalia: uma sentença com um significado totalmente incoerente.
Uma característica das expressões anômalas é a sua inadequação para o uso na maioria
Todas essas sentenças têm uma estrutura semântica comum , um paralelismo
dos contextos. As pessoas parecem ser capazes de julgar se determinadas expressões
semântico. Existe uma ideia recorrente de mudança, de afetação: o colega mudou de
são adequadas ou não para serem proferidas em contextos particulares, ou seja, são
estado de vida, a mãe mudou de estado psicológico, a Maria teve uma mudança em suas
capazes de estabelecer as condições de adequação ao contexto, ou, como também
posses e a bola teve uma mudança de lugar. Essas relações similares que se estabelecem
são conhecidas, as condições de felicidade de um proferimento. Estudaremos mais
entre os itens bucais, mais geralmente entre os verbos das línguas, são conhecidas como
detalhadamente essas propriedades nos capítulos "Outras propriedades semânticas" e
"Atos de fala e implicaturas conversacionais". papéis temáticos. Nos exemplos anteriores, podemos dizer que o elemento em itálico
tem o papel temático de paciente, e definimos paciente como o elemento cuja situação
e) As relações de ambiguidade e de vagueza: mudou com o efeito do processo expresso pela sentença. Como veremos, paciente é
apenas um dos papéis temáticos possíveis; há vários outros que serão estudados no
capítulo "Papéis temáticos".
Uma teoria semântica também pretende explicar as diversas ambiguidades que
existem na língua, ou seja, a ocorrência de sentenças que têm dois ou mais
significados: g) Os protótipos e as metáforas:
(16) a. O João pulou de cima do banco
b. O motorista trombou no caminhão com um Fiat. A noção de protótipos surge com Rosch (1973, 1975), que assume a
incapacidade de conceituarmos os objetos do mundo (mesmo abstratos) de uma
Maneira discreta, isto é, que cada objeto pertença a uma única categogia
específica. Linguistas que trabalham com a idéia de protótipos assumem que não
sabemos

26 Manual de Semântica b. Aviso-te que será a última vez.

diferenciar, por exemplo, quando uma xícara passa a ser uma tigela: será xícara quando
seu diâmetro for 5 em, 7 em, 1O em... Mas e 15 em? Já será uma tigela? Ou ainda será
uma xícara, mas com características de tigela? Ou será uma tigela com características
de xícara? Portanto, existem certos objetos que estão no limiar da divisão de duas ou
mais categorias; outros são mais prototípicos, ou seja, possuem um maior número de
traços de uma determinada categoria. A proposta da teoria dos protótipos é conceber
os conceitos como estruturados de forma gradual, existindo um membro típico ou
central das categorias e outros menos típicos ou mais periféricos. Veremos a noção
dos protótipos no capítulo "Protótipos e metáforas".
Outro ponto a ser investigado neste manual é a metáfora. As metáforas
são entendidas, geralmente, como uma comparação que envolve identificação de
semelhanças e transferência dessas semelhanças de um conceito para o outro. Como
ilustra o exemplo em (18):

(18) Este problema está sem solução: não consigo achar o fio da meada.

Transpõe-se o conceito da meada de lã, que só se consegue desenrolar quando


se tem a ponta do fio, para o conceito de um problema complicado. A metáfora tem
sido vista, tradicionalmente, como a forma mais importante de linguagem figurativa e
atinge o seu maior uso na linguagem literária e poética. Entretanto, é fácil encontrar,
m textos jornalísticos, publicitários e mesmo na nossa linguagem do dia a dia,
xemplos em que se emprega a metáfora. Os cognitivistas afirmam que a metáfora
az parte da linguagem ordinária e é vista como sendo uma maneira relevante de se
)ensar e falar sobre o mundo. Também a noção de metáfora será vista no capítulo
'Protótipos e metáforas".

t) Os atos de fala:

Apesar de o papel central do uso da língua ser a descrição de estados de fatos,


abemos, também, que a linguagem tem outras funções, como ordenar, perguntar,
llgerir, o que vai além de uma simples descrição; na realidade, a linguagem é a própria
ção em situações como essas. No capítulo ''Atos de fala e implicaturas conversacionais",
remos esses tipos de atos de fala existentes na linguagem, tais como ato locutivo,
ocutivo e perlocutivo; ainda veremos verbos perfomativos, que são verbos que já
azem implícita uma ação. Como exemplos de verbos perfomativos, temos:

(19) a. Eu te ordeno sair imediatamente.


Só podemos usar a sentença (20) de uma forma adequada se estamos nos
A investigação do significado 27
referindo ao mesmo linguista a que todas as pessoas se referem quando usam o nome
Noam Chomsky. Referência não é uma relação como implicação ou contradição, que
Referência e representação se dá entre expressões linguísticas. Ao contrário, é uma relação entre expressões e
objetos extralinguísticos.
Um terceiro ponto a ser estudado por uma teoria semântica diz respeito à
As teorias que tratam do significado do ponto de vista representacional, ou seja,
natureza do significado. Existe uma divisão sobre essa questão: para alguns linguistas, o
que consideram o significado uma representação mental, sem relação com a referência
significado é associado a uma noção de referência, ou seja, da ligação entre as
no mundo, são conhecidas como teorias mentalistas, ou representacionais, ou ainda
expressões linguísticas e o mundo; para outros, o significado está associado a uma
cognitivas. Estudaremos alguns fenômenos semânticos sob a ótica da abordagem
representação mental.
mentalista nos capítulos "Papéis temáticos" e "Protótipos e metáforas". O estudo da
As teorias que tratam do significado sob o ponto de vista da referência são
representação envolve a ligação entre linguagem e construtos mentais que, de alguma
chamadas de Semântica Formal, ou Semântica Lógica, ou Semântica Referencial, ou
maneira, representam ou codificam o conhecimento semântico do falante. A ideia
ainda Semântica de Valor de Verdade. Os fenômenos semânticos que serão
geral é que temos maneiras de representar mentalmente o que é significado por nós e
tratados dentro dessa perspectiva teórica estão nos capítulos "Implicações", "Outras
pelos outros, quando falamos. O foco da questão está em entender o que os ouvintes
propriedades semânticas", ''Ambiguidade e vaguezà' e "Referência e sentido". Portanto,
podem inferir sobre os estados e os processos cognitivos, as representações mentais dos
um ponto relevante a ser investigado por uma teoria linguística é a relação entre a
falantes. As pessoas se entendem porque são capazes de reconstruir as representações
língua e o mundo: o significado externo da língua, segundo Barwise e Perry (1983).
mentais nas quais os outros se baseiam para falar. O sucesso da comunicação depende
Por exemplo, certas palavras fazem referência a determinados objetos, e aprender o
apenas de partilhar representações, e não de fazer a mesma ligação entre as situações do
que significam essas palavras é conhecer a referência delas no mundo:
mundo. Parece ser verdade a afirmação de que se a nossa fala sobre o mundo funciona
tão bem é por causa das similaridades das nossas representações mentais.
(20) Noam Chomsky refere-se a um famoso linguista.
).

28 Manual de Semântica m inglês: Saeed (1997, cap. l), Chierch ia e McConnell-Giner (1990, cap. 1 ), Larson e Sega! (1995, cap. 1), Hurford e
Heas1ey (1983, cap. 1), Cann (1993, cap. 1), Lyons (1977, cap. I) e Kempson (1977, cap. 1 ).

Ainda temos alguns outros linguistas que concebem a possibilidade de


essas fuas abordagens serem complementares.
Notas
"Sentença (S) pode ser definida, sintaticamente, pela presença de um verbo principal conjugado e, semanticamente, pela
, . expressão de um pensamento completo" (Pi res de Oliveira, 2001: 99).
ExerCICIOS Existem algumas correntes teóricas que não acreditam em tal divisão, ou fazem essa divisão de uma maneira distinta
{Lakoff, 1987; Langacker, 1987). Veja discussão mais detalhada em Levinson (1983) e Mey (1993).
Exemplifique linguisticamente e explique os dois tipos de conhecimento que Quando a expressão aparece entre aspas simples ou em itálico {geralmente dentro do texto), isso significa que é a
menção da expressão que está sendo utili zada. A utilização de aspas duplas indica o proferimento da sentença, ou seja, a
estão envolvidos no significado do que é dito. ação realizada, o uso da sentença.
I. Faça uma relação entre seus exemplos e as noções de menção, uso, língua-

objeto e metalinguagem.
III.. Explique as propriedades básicas da linguagem que teorias semânticas

devem abordar.

Indicações
bibliográficas
m português: Chierchia (2003, cap. I) e Pires de Oliveira (2001, cap. 1
1

PAR
TE I
FENÔMENOS
SEMÂNTICOS
E A ABORDAGEM
REFERENCIAL
Implicações

Implicações ou inferências
A primeira propriedade a ser estudada no nosso manual será a noção de
implicação. A palavra implicação, na linguagem cotidiana, remete a várias noções,
tais como inferências, deduções, acarretamentos, pressuposições, implicaturas etc.,
sem que haja uma distinção entre elas. É comum escutarmos as seguintes frases, "isso
acarreta uma série de problemas" ou "isso implica uma série de problemas" como sendo
semelhantes. Aqui tratarei da noção de implicação de uma maneira mais rigorosa,
seguindo a tradição dos estudos em uma abordagem referencial. Existe uma gradação
no conceito de implicação, indo da noção mais restrita da implicação-conhecida como
acarretamento- à noção mais abrangente da implicação- conhecida como implicatura
conversacional. O acarretamento é uma noção estritamente semântica que se relaciona
somente com o que está contido na sentença, independentemente do uso desta. A
noção de pressuposição 1 relaciona-se com o sentido de expressões lexicais contidas na
sentença, mas também se refere a um conhecimento prévio, extralinguístico, que o
falante e o ouvinte têm em comum; pode-se dizer que a pressuposição é uma noção
semântico-pragmática. A implicatura, conhecida como implicatura conversacional, é
uma noção estritamente pragmática, que depende exclusivamente do conhecimento
extralinguístico que o falante e o ouvinte têm sobre um determinado contexto. Neste
capítulo, apresentarei as duas primeiras noções de implicação, o acarretamento e a
pressuposição, que geralmente são noções tratadas dentro da abordagem referencial.
A implicatura conversacional, que está relacionada ao uso da língua, será vista no
r"n(,.,l,... "A,.,.... rlP f,), P imnlic:: turas conversacionais", em que apresentarei fenômenos
que sã, geralmente tratados dentro de uma abordagem pragmática.
Hiponímia, hiperonímia e
acarretamento rrnpoocaçoeo vv

Para entendermos a noção de acarretamento, que é uma relação


Qualquer falante do português sabe que a informação contida
entre sentenças, vejamos antes a noção de hiponímia, que é uma
em (3b) está incluída em (3a) e que, portanto, podemos concluir que
relação similar, mas que se dá entre palavras. A hiponímia pode ser
definida como uma relação estabelecida entre palavras, quando o (3a) acarreta (3b). Veja que, se a sentença (3a) for verdadeira,
sentido de uma está incluído no sentido de outra: consequentemente a sentença (3b) também será verdadeira; seria
contraditório afirmar a primeira sentença e negar a segunda:
(1) a. pastor-alemão cachorro animal
b. rosa flor vegetal (4) a. Isto é uma cadeira e é de madeira.
c. fusca carro veículo d. maçã fruta b. Mas isto não é uma cadeira de madeira.
vegetal
Esse conhecimento é parte do conhecimento sobre o que
Pelos exemplos, podemos perceber que a hiponímia é uma essas sentenças significam: não precisamos saber nada sobre o objeto
relação linguística que estrutura o léxico das línguas em classes, ou seja, mostrado, a não ser o fato de que é o mesmo objeto nas duas
pastor-alemão pertence à classe dos cachorros, que, por sua vez, afirmações. Agora vejamos as sentenças em (5):
pertencem à classe dos animais; rosas são flores, que, por sua vez, são
vegetais etc. Vamos estabelecer que cada exemplo anterior forma uma (5) a. O João é alto e é um
cadeia. O item lexical mais específico, que contém todas as outras jogador de basquete. b. O João
propriedades da cadeia, é chamado de hipônimo; o item lexical que está é um jogador de basquete alto.
contido nos outros itens lexicais, mas não contém nenhuma das outras
propriedades da cadeia, o termo mais geral, é chamado de hiperônimo.
Você diria que (5a) acarreta (5b)? Se você respondeu não,
Por exemplo, em (la), pastor-alemão é o hipônimo da cadeia
acertou, pois o problema agora é outro. Imaginemos que estamos
apresentada, e animal, o hiperônimo. A relação de hiponímia é
apontando para os jogadores de basquete, que, em realidade, são altos.
assimétrica, ou seja, o hipônimo contém o seu hiperônimo, mas o
Estamos certos em afirmar (5a). Mas imaginemos que, entre os jogadores
hiperônimo não contém o seu hipônimo. Por exemplo, todo cachorro é
de basquete, você não julgue o João como sendo um dos mais altos; ao
um animal, mas nem todo animal é um cachorro. O
contrário, ele é o jogador mais baixo em comparação aos outros. Nesse
sentido da palavra animal está contido na palavra cachorro, mas o
inverso não é caso, seria perfeitamente razoável negar (5b):
( a. O João é alto e é um jogador de basquete.
verdadeiro. Se pensarmos em uma decomposição lexical em termos
6 b. Mas o João não é um jogador de basquete alto; na verdade,
de propriedades semânticas que compõem o sentido da palavra ) ele é o mais baixo do time.3
cachorro, teríamos o seguinte:
2
(2)[ cachorro +animal ]

+quadrúpede decomposição lexical em propriedades


+mamífero semânticas pa.r;a os outros exemplos em (1).
Estendendo a noção de hiponímia para as sentenças,
chegamos à noção de acarretamento, que pode ser entendida como
O exemplo em (2) evidencia o fato de que o sentido de a relação existente entre sentenças,
animal está contido no sentido de cachorro. Experimente fazer a quando o sentido de uma sentença está incluído no sentido da outra.
Essa relação é mais complexa. Tomemos um exemplo: Portanto, a sentença (5a) não acarreta a sentença (5b), pois, se a
sentença (5a)
(3) a. Isto é uma cadeira e for verdadeira, a sentença (5b) não tem que ser necessariamente
é de madeira. b. Isto é verdadeira; ou seja, podemos negar a sentença (5b) que ela não ficará
uma cadeira de contraditória à sentença (5a); ou mesmo podemos perceber que a
madeira. informação da sentença (5b) não está contida na informação da
sentença (5a). Baseando-nos nesses argumentos, chegamos às seguintes
definições para a noção de acarretamento:

(7) Duas sentenças estabelecem uma relação de acarretamento


se:4
• a sentença (a) for verdadeira, a sentença (b) também será
verdadeira;

• a informação da sentença (b) estiver contida na informação


da sentença (a);

• a sentença (a) e a negação da sentença (b) forem sentenças


contraditórias.5
;j4 Manual de Semântica

Se é verdade que a Jane comeu uma fruta no café da manhã, é necessariamente


Assim como a hiponímia, o acarretamento também é uma relação assimétrica,
verdade que a Jane comeu uma fruta. Portanto, podemos afirmar que a sentença (a)
ou seja, uma sentença contém outra, mas não necessariamente essa segunda contém
acarreta a sentença (b), porque a informação de (b) está contida em (a); ou porque se
a primeira. Quando temos uma relação simétrica, ou seja, a sentença (a) acarreta
(a) é verdade (b) também é verdade; ou ainda, a negação da sentença (b) é contraditória
a sentença (b) e a sentença (b) também acarreta a sentença (a), temos a relação de
à sentença (a), pois é contraditório afirmar que a Jane comeu uma fruta no café da
paráfrase, que veremos mais à frente.
manhã, mas a Jane não comeu uma fruta.
O que fazemos ao estabelecer os acarretamentos de uma sentença é tirar-lhe
todas as informações que acrescentamos, a partir das nossas experiências, do nosso Como terceiro exemplo, temos:
conhecimento de mundo, e deixar somente o que está explícito nas relações expressas
pelos itens lexicais dessa sentença, ou seja, o sentido exclusivamente literal. Em outras (10) a. AJane tomou café esta manhã.
palavras, o acarretamento é uma propriedade que nos mostra exatamente o que está b. A Jane tomou algo quente esta manhã.
sendo veiculado por determinada sentença, nada além. Essa é a dificuldade, pois estamos
habituados a entender sentenças com todas as outras informações extralinguísticas que A sentença (a) não acarreta a sentença (b), porque se (a) é verdade (b) não
possam também estar associadas a essa sentença, a quem a profere e a quem a escuta. é verdade necessariamente: se é verdade que a Jane tomou café esta manhã, não é
Ao estabelecer os acarretamentos de uma sentença, estamos fazendo uma espécie necessariamente verdade que a Jane tomou algo quente esta manhã, pois o café poderia
de triagem do que está além daquele objeto, para poder analisar somente o próprio estar frio, por exemplo. Tente aplicar as outras definições, como exercício.
objeto. Antes de você exercitar-se um pouco, analisemos alguns exemplos. Aplicaremos No exemplo (11), temos:
as definições dadas anteriormente para estabelecer se há a relação de acarretamento
entre as sentenças a seguir. É importante ressaltar que, se usarmos somente a nossa (11) a. O João não sabe que a Maria está grávida.
intuição, muitas vezes não conseguiremos perceber qual é realmente o significado de b. A Maria está grávida.
determinada sentença. Por isso, como um bom procedimento metodológico, vamos
A informação de que a Maria está grávida está contida na informação de que o
sempre aplicar as definições (uma das três) nos exercícios propostos.
João não sabe que a Maria está grávida. Portanto, a sentença (a) acarreta a sentença (b),
Vejamos, pois, se a sentença (8a) acarreta a sentença (8b):
pois a informação de (b) está contida em (a). Novamente, tente as outras definições.

(8) a. Hoje o sol está brilhando. 6 Como último exemplo:

b. Hoje está quente.


(12) a. O João pensa que a Maria está grávida.
b. A Maria está grávida.
A sentença (a) não acarreta a sentença (b), porque, se é verdade que hoje o
sol está brilhando, não é necessariamente verdade que hoje está quente, ou seja, se A sentença (a) não acarreta a sentença (b), pois a negação da sentença (b) não
(a) é verdade, (b) não é verdade necessaria mente. Também podemos perceber que a é contraditória à sentença (a): é perfeitamente possível dizer que o João pensa que a
informação de que hoje está quente não está contida na informação de que hoje o sol
Maria está grávida, mas a Maria não está grávida.
está brilhando, ou seja, a informação da se ntença (b) não está contida na informação De posse das informações dadas, tente você fazer os exercícios propostos.
da se ntença (a). Ou ainda, se negarmos a sentença (b), ela não ficará contraditória
à sentença (a): hoje o sol está brilhando, mas hoje não está quente; é perfeitamente
possível que essas duas sentenças estejam narrando fatos que ocorram sim ultaneamente Exercícios
no mundo. I. Diga se existe a relação de hiponímia ou hiperonímia nos pares a seguir (observando
Vejamos um segundo exemplo. a direção da seta), usando a estratégia de decompor os itens lexicais em propriedades
semânticas:
(9) a. A Jane comeu uma fruta no café da manhã.
1) homem -+ animado
b. A Jane comeu uma fruta.
2) gente -+ criança
lmpm::açoe-;- ..57

3) onça-mamífero
4) liquidificador -eletrodoméstico 18) a. A Maria acha que o José já chegou.
5) vegetal -árvore b. O José chegou.
19) a. O Paulo e a Maria ainda são felizes.
11. Estabeleça para as hiponímias acima, os hipônimos e os hiperônimos das cadeias. m.
b. O Paulo é feliz.
Para cada par de sentenças, diga se a sentença (a) acarreta a sentença (b) e justifique
sua resposta usando uma das três definições estudadas. 20) a. Houve um roubo no banco.
1) a. Os estudantes vão à festa. b. O banco foi roubado.
b. Todo estudante vai à festa. O Paulo fumava.
2) a. O João fez todos os exercícios. b.
O João fez alguns exercícios.
3) a. O João sabe que os porcos não têm asas. b.
Os porcos não têm asas.
4) a. O João pensa que os porcos não têm asas. b.
Os porcos não têm asas.
5) a. O Oscar e o José são ricos. b.
O José é rico.
6) a. O Oscar e o José são de meia-idade. b.
O Oscar é de meia-idade.
7) a. Todo mundo saberá a resposta cena. b.
Ninguém saberá a resposta cena.
8) a. O João é solteiro.
b. O João nunca se casou.
9) a. Nós acabamos de comprar um carro.
b. Nós acabamos de comprar alguma coisa.
1 O) a. Seu discurso me confundiu.
b. Seu discurso me confundiu profundamente.
11) a. Todos tiveram uma vida boa por lá. b.
Alguém teve uma vida boa por lá.
12) a. Os rapazes correram para casa.
b. Os rapazes foram para casa.
13) a. É difícil de se caçar elefantes.
b. Elefantes são difíceis de se caçar.
14) a. A Maria e o João são gêmeos.
b. O João e a Maria têm a mesma fisionomia.
15) a. Que a Maria tenha conseguido vencer não abalou o João. b.
A Maria venceu.
16) a. Não foi a Maria que chegou tarde. b.
Alguém chegou tarde.
17) a. O Paulo parou de fumar. b.
21) a. Que a Maria tenha fugido não surpreendeu nas chamadas pressuposições lógicas ou semânticas.7 Entretanto, proponho que as
seu namorado. b. A Maria fugiu. pressuposições também tenham algumas características pragmáticas e, por isso, vou
22) a. Não foi o menino que caiu. assumi-las como sendo uma noção semântico-pragmática. Afirmo isso por concordar
b. Alguém caiu. com Ilari e Geraldi (1987: 76), quando afirmam que
23) a. A Maria acredita
[...] em algum sentido as pressuposições não fazem parte do conteúdo
que as aves voam. b.
assertado [ou seja, característica pragmática]; entretanto, é preciso
As aves voam.
salientar que no processo pelo qual somos levados a compreender um
24) a. O presidente do Brasil
conteúdo pressuposto, a estrutura linguística nos oferece todos os
anda muito gordo. b. Existe
elementos que nos permitem derivá-lo [ou seja, característica semântica].
um presidente do Brasil.
25) a. O Paulo continua a falar dos outros. Portanto, se pensarmos em um contínuo para as implicações, a pressuposição
b. O Paulo falava dos outros. estará localizada no meio, como uma relação semântico-pragmática, diferentemente
dos acarretamentos, em que são inferidas expressões baseando-se exclusivamente no
sentido literal de outras, ou seja, uma relação estritamente semântica, diferentemente
Pressuposição das implicaturas conversacionais, que são noções estritamente pragmáticas.
Frege (1892) observou que existe um tipo de conteúdo em certas sentenças que
Para tratar da noção de pressuposição, seguirei a linha mais não é afetado, quando essas sentenças são negadas, ou são colocadas em uma forma
tradicional da abordagem referencial, focalizando a atenção somente interrogativa, ou mesmo como uma condicional antecedendo outra sentença. Por exemplo:
em (15), ele e seu interlocutor têm que compartilhar e assumir como verdade, ou
(13) a. O João conseguiu abrir a porta. seja, tomar como verdade, uma informação anterior à sentença proferida. Se for
a'. O João não conseguiu abrir a porta. verdade que
a". O João conseguiu abrir a porta? o João parou de fazer caminhadas, ou que o João não parou de fazer caminhadas, ou
para
a"'. Se o João conseguiu abrir a porta, ele deve estar
aliviado. (14) O João tentou abrir a porta. que eu faça a pergunta: "O João parou de fazer caminhadas?" ou ainda que eu
coloque uma condição antecedente como: "se o João parou de fazer
caminhadas...", temos que tomar como uma verdade anterior que o João tinha
Nas sentenças em (13), o fato de o João tentar abrir a porta permanece o hábito de fazer caminhadas. E, se existe uma informação extralinguística
inalterado. Podemos, então, afirmar que as orações afirmativa, negativa, interrogativa e
envolvida para que tais sentenças sejam proferidas, uma informação anterior ao
condicional com o verbo conseguir compartilham um tipo específico de conteúdo. A esse
próprio proferimento das sentenças em (15), podemos concluir que temos aí um
conteúdo compartilhado pelas sentenças em (13), Frege deu o nome de pressuposição.
tipo de conhecimento pragmático. Entretanto, essa suposição só é derivada a
Portanto, podemos dizer que as sentenças em (13) pressupõem a sentença em (14).
Vejamos outro exemplo: partir da estrutura linguística da própria sentença; são determinadas construções,
expressões linguísticas que desencadeiam essa pressuposição. No caso em (13), por
exemplo, é somente a partir do verbo conseguir que podemos inferir que alguém
(15) a. O João parou de fazer caminhadas.
tentou fazer algo. No caso em (15), é somente a partir da expressão arou de... que
a'. O João não parou de fazer caminhadas.
podemos inferir que João tinha o hábito de fazer... Por isso, escolho
a". Se o João parou de fazer caminhadas, ele deve ter engordado. ratar a noção de pressuposição como sendo semântico-
a'". O João parou de fazer caminhadas? pragmática.
(16) O João tinha o hábito de fazer caminhadas. Vejamos as diferenças existentes entre acarretamento e pressuposição,
mesmo endo essas duas noções consideradas, de uma maneira mais ampla, como
implicações
Podemos afirmar que existe um conteúdo que é compartilhado por todas as
sentenças em (15): o João tinha o hábito de fazer caminhadas. Ou seja, as sentenças
em (15) pressupõem a sentença em (16). Para que alguém diga qualquer das sentenças
lmptrcaço., 07

(ou, tam bém, inferências). Primeiramente, podemos observar que acarretamento é uma
relação entre duas sentenças, de tal modo que a verdade da segunda decorre da verdade
da primeira; é exclusivamente a partir da sentença proferida que podemos inferir
alguma verdade, envolvendo assim o conhecimento estritamente semântico. Já a
pressuposição é um conhecimento compartilhado por falante/ouvinte, prévio à sentença
proferida, ainda que seja desencadeado a partir desta; envolve um tipo de
conhecimento semântico, mas também exige um conhecimento pragmático. Outro
traço distintivo entre a pressuposição e o acarretamento é que, apesar de as duas noções
serem implicações, a primeira envolve não somente uma implicação, mas uma família
de implicações. Em termos sintáticos, chamaremos de família de uma determinada
sentença as quatro formas dessa sentença: a declaração afirmativa, a negação dessa
afirmativa, a interrogação e a condição antecedente. Só ocorrerá a relação de
pressuposição se rodas as quatro formas de uma determinada sentença (a), ou seja, se a
família de (a) tomar uma determinada sentença (b) como verdade. Se uma das sentenças
da família de (a) não tomar como verdade a sentença (b), não existirá a relação de
press uposição entre as sentenças (a) e (b).8 Em termos semânticos/pragmáticos, a
família representa tipos de atitudes expressas em relação à declaração afirmativa.
Vejamos, pois, como a noção de pressuposição é definida:

(17) A sentença (a) pressupõe a sentença (b) se, e somente se, a sentença (a),
assim como tam bém os ou tros membros da família da sentença (a) tomarem
a sentença (b) como verdade.

Apliquemos a definição em (17). Tomando como base o exemplo (18), diga se há


relação de pressuposição entre as duas sentenças:

(18) a. A Maria sabe que o Pedro gosta de dormir na aula. b. O


Pedro gosta de dormir na aula.

Para estabelecer se existe ou não a relação de pressuposição, primeiramente,


temos que explicitar a família da sentença (a), ou seja, a negação (sempre da oração
principal), a condicional, a interrogativa e inclusive a própria afirmativa, e verificar se a
família de (a) toma a sentença (b) como verdade:

(19) a. A Maria sabe que o Pedro gosta de dormir na aula.


a'. A Maria não sabe que o Pedro gosta de dormir na aula. a''.
A Maria sabe que o Pedro gosta de dormir na aula?
a"'. Se a Maria sabe que o Pedro gosta de dormir na aula... b. O
Pedro gosta de dormir na aula.
Implicações 41

40 Manual de Semântica

(22) a. Foi a Maria que tirou nota boa em Semântica.


Fazendo a verificação. Quando eu digo: "A Maria sabe que o Pedro gosta de b. Alguém tirou nota boa em Semântica.
dormir na aula", eu tomo como verdade que o Pedro gosta de dormir na aula? Quando
eu digo (a'), (à'), (à"), eu tomo (b) como verdade? Como a resposta a todas as perguntas Temos que a sentença (22a) acarreta a sentença (22h) porque, se é verdade que
é positiva, eu posso afirmar que, no exemplo (19), (a) pressupõe (b), porque a família foi a Maria que tirou nota boa em Semântica, é necessariamente verdade que alguém
de (a) toma (b) como verdade. Metodologicamente, acredito ser uma boa estratégia tirou nota boa em Semântica. Já vimos antes que (21a) pressupõe (2lh) porque a
sempre aplicar, nos exercícios, esse procedimento. Vejamos outro exemplo, família de (a) toma (h) como verdade. Portanto, além da relação de pressuposição,
estabelecendo se há ou não uma relação de pressuposição entre as duas sentenças em
temos uma relação de acarretamento entre (a) e (h).
(20): Sentenças podem ter a relação de acarretamento e não ter a relação de pressuposição:

(20) a. Não foi a Maria que tirou nota boa em Semântica.9


(23) a. A Maria tirou nota boa em Semântica.
b. Alguém tirou nota boa em Semântica.
b. Alguém tirou nota boa em Semântica.
Explicitando a família de (a), temos:
A sentença (23a) acarreta a sentença (23h) porque a informação da sentença (h)
está contida na informação da sentença (a). Entretanto, a sentença (a) não pressupõe a
(21) a. Não foi a Maria que tirou nota boa em Semântica.
sentença (h) porque a família de (a) não toma (h) como verdade. Por exemplo,
à. Foi a Maria que tirou nota boa em Semântica. quando eu digo: "A Maria não tirou nota boa em Semânticà', eu não romo como
a". (Não) foi a Maria que tirou nota boa em Semântica? verdade que
a"'. Se (não) foi a Maria que tirou nota boa em Semântica... 10
alguém tirou nota boa em Semântica.
b. Alguém tirou nota boa em Semântica. Finalmente, sentenças podem ter a relação de pressuposição e não ter a relação

Se eu digo: "Não foi a Maria que tirou nota boa em Semântica", eu estou de acarretamento:
tomando como verdade que alguém tirou nota boa em Semântica; se eu digo: "Foi
(24) a. Não foi a Maria que tirou nota boa em Semântica.
a Maria que tirou nota boa em Semântica", eu estou tomando como verdade que
h. Alguém tirou nota boa em Semântica.
alguém tirou nota boa em Semântica; se eu pergunto: "Foi a Maria que tirou nota
boa em Semântica?", eu estou tomando como verdade que alguém tirou nota boa
Temos que a sentença (24a) não acarreta a sentença (24b) porque a negação d1a1
em Semântica; finalmente, quando eu digo: "Se foi a Maria que tirou nota boa em
Semântica...", eu tomo como verdade que alguém tirou nota boa em Semântica. sentença (h) não é contraditória à sentença (a). Por exemplo, pode existir uma situação
Portanto, a sentença (21a) pressupõe a sentença (21b) porque a família da sentença tal em que um professor entre na sala e diga: "Não foi a Maria que tirou nota boa
12
(a) toma a sentença (b) como verdade. em Semântica; em realidade, ninguém tirou nota boa em Semântica, rodos tiraram
Voltando à comparação entre as duas implicações, o acarretamento e a :rrônea posição de se associar as duas noções. Vejamos essas ideias mais claramente,
pressuposição, temos que o acarretamento não é uma condição necessária para a om os exemplos a seguir.
pressuposição; mesmo porque, como se define o acarretamento, não é possível que Sentenças podem apresentar a relação de pressuposição e, também de
todas as sentenças da família (a) sejam acarretamentos umas das outras (por exemplo, acarretamento. Repitamos (21 a) em (22a)
a interrogativa ou a condição não podem ser verdades inferidas, só podem sugerir
alguma
:oisa). Portanto, existir a relação de acarretamento não é uma condição
necessária
Jara que exista a pressuposição. Contudo, pode acontecer que o acarretamento esteja
)resente na mesma sentença em que ocorra uma pressuposição, o que às vezes gera a
nota ruim''. É uma situação perfeitamente possível, e não contraditória. Apesar de,
em um primeiro momento, alguns estranharem essa argumentação, eu lembro que o
acarretamento é estritamente aquilo que está contido na sentença, e a sentença (24a)
está apenas expressando que não foi a Maria, mas não está expressando que foi alguém
que tirou nota boa em Semântica. Entretanto, a sentença (24a) pressupõe a sentença
(24h), como já foi visto. Essa relação de pressuposição é que leva muitos a acreditar
que também existe uma relação de acarretamento. Se você ainda não se convenceu,
lembre-se do que foi realçado anteriormente sobre a dificuldade de separar o nosso
conhecimento do mundo do nosso conhecimento estritamente semântico. Certamente o
falante nunca é ingênuo ao escolher certas expressões e, na verdade, quando
.....
implicações 43

Manual de Semântica

(30) a. Ele é bem mais guloso do que você.


escolhe uma expressão como Não foi folano que... (uma expressão desencadeadora de à. Ele não é bem mais guloso do que você.
pressuposição), ou o falante acredita que foi alguém, ou ele quer fazer o ouvinte à'. Ele é bem mais guloso do que você?
acreditar que foi alguém. Portanto, podemos pensar em duas possibilidades. Primeira, à". Se ele é bem mais guloso do que você...
o falante confia na verdade da sentença (b), conhece previamente (b), senão ele não
b. Você é guloso.
a estaria enunciando. Segunda possibilidade, a pressuposição é um mecanismo de
atuação no discurso: o falante quer direcionar a conversa, fazendo o ouvinte criar certa Outm< tipo< d< do<<ncad"dot« ,;o o< kxkai<. Por ox<mp\o, o< votbo<
expectativa em relação a (b). Perceba que o que é tomado como verdade pode ser c\umado< factivo< (saba, "quem, ad;vinh., otc.) ,;o do<<ncadoadot« potqu< do<
anulado:
pressupõem a verdade do seu complemento sentencia!:
(25) Na verdade, ninguém tirou nota boa em Semântica.
(31) a. O João sabe/esqueceu/adivinhou que os cachorros voam.
à. O João não sabe/esqueceu/adivinhou que os cachorros voam.
Já os acarretamentos não podem ser anulados, pois a verdade está contida ou à'. O João sabe/esqueceu/adivinhou que os cachorros voam?
não no que foi comunicado. Portanto, a pressuposição lida não somente com à". Se o João sabe/esqueceu/adivinhou que os cachorros voam...
questões sobre sentenças individuais e seu valor de verdade (como os
acarretamentos), mas b. Os cachorros voam.
também com os usos das sentenças em conexão com o discurso.
14
Como última observação sobre as pressuposições, existem inúmeras
Podemos constatar que a família de (a) toma (b) como Contrariamente,
expressões verdade.
desencadeadoras dessa relação, como o exemplo anterior Não foi folano que...
Vejamos (29) a. Eu já dirigia automóvel, quando você aprendeu a andar de velocípede. à.
alguns tipos. Primeiro, podem-se listar as do tipo sintático. As construções Eu ainda não dirigia automóvel, quando você aprendeu a andar develocípede.
clivadas, 13 a". Eu já dirigia automóvel, quando você aprendeu a andar de velocípede?
à". Se eu já dirigia automóvel, quando você aprendeu a andar de velocípede...
em (26) e (27), têm como pressuposição (28):
b. Você aprendeu a andar de velocípede.

(26) a. Foi o seu comportamento que me aborreceu.


à. Não foi o seu comportamento que me aborreceu.
a". Foi o seu comportamento que me aborreceu?
à". Se foi o seu comportamento que me aborreceu...
(27) a. O que me aborreceu foi o seu comportamento.
à. O que me aborreceu não foi o seu comportamento.
a". O que me aborreceu foi o seu comportamento?
a"'. Se o que me aborreceu foi o seu comportamento...
(28) Alguma coisa me aborreceu.

Existem, também, alguns tipos de orações subordinadas, como as temporais e


.s comparativas, que desencadeiam a pressuposição em (b):
o< votbo< nóo factivo< (imagin.,, pmsar, achar oto.l não P""up&m a votdad< d< Outto ox<mplo d< dos<noadoadot« \doai< d, P""upo<ição <ão "'P"'"õ"
""' compkm<nto<. Em (32), nõo pod<mo< diret qu< a «ntonça (b) é tomada qu< d<notam mudança d< «tado, como parar de, iniâar em otc. 8<"" <XP""õ"
como votdad<
pressupõem o estado anterior à mudança ocorrida:
para se proferir a família da sentença (a):
(33) a. O João parou de fumar.
(32) a. O João imagina/pensa/acha que os cachorros voam.
à. O João não parou de fumar.
à. O João não imagina/pensa/acha que os cachorros voam. à'. O João parou de fumar?
à'. O João imagina/pensa/acha que os cachorros voam? à". Se o João parou de fumar...
à". Se o João imagina/pensa/acha que os cachorros
b. O João fumava.
voam... b. Os cachorros voam. Existem ainda vários outros tipos de desencadeadores de pressuposição. Entretanto, o
importante no nosso estudo não é conhecermos a lista desse

s4-
Manual de
4
Semântica
Implicações

45
desencadeadores para podermos estabelecer se existe a relação de
pressuposição. 15) a. O João acha que a Maria já
O relevante é sabermos aplicar a definição para conseguirmos estabelecer ou não saiu. b. A Maria saiu.
a pressuposição entre as sentenças.
De posse, pois, das informações anteriores, estabeleça a relação de 16) a. O João lamenta que a Maria o tenha
nos pressuposição exercícios propostos a seguir.
deixado. b. A Maria deixou João.
17) a. Foi o José que deixou a porta aberta.
Exercícios 5) a. Se o Paulo esqueceu de fazer o dever, ele deve estar em
apuros. b. O Paulo pretendia fazer o dever.
6) a. O João certificou-se de que a Maria tinha
I. Especifique as relações estabelecidas (acarretamento e/ou pressuposição) entre
saído. b. A Maria tinha saído.
as sentenças (a) e (b), justificando a sua resposta de acordo com a definição
7) a. O inventor da penicilina não morreu.
(explicite
a família de (a), no seu exercício): b. Existe alguém que inventou a penicilina.
1) a. O João não adivinhou que o Paulo estava 8) a. O menino foi salvo por um lobo.
aqui. b. O Paulo estava aqui. b. Alguém foi salvo por um
2) a. O João adorou ter conseguido um animal.
emprego. b. O João conseguiu um emprego. 9) a. O rei da França é
3) a. Sandra, você parou de vender calvo. b. Existe um rei da
perfumes? França.
b. A Sandra vendia 1O) a. Não foi o D. João que declarou a
perfumes. independência. b. Alguém declarou a
4) a. Não foi o José que roubou a independência.
loja. b. Alguém roubou a loja. 11) a. O João é solteiro.
b. O João não é casado. b. Alguém deixou a porta aberta.
12) a. Não foi a Maria que perdeu o 18) a. O Pedro assumiu que havia trancado o
trem. b. Alguém perdeu o trem. cofre. b. O Pedro havia trancado o cofre.
13) a. Que o João tenha fugido não aborreceu a 19) a. O inventor do saca-rolhas é um desconhecido.
Maria. b. O João fugiu. b. Existe alguém que inventou o saca-rolhas.
14) a. O Paulo e o José ainda são 20) a. A Maria reconheceu seu
jovens. b. O José é jovem.
erro. b. A Maria cometeu um
erro.
21) a. Alguns dos alunos não vão se formar.
b. Nem todo aluno vai se formar.
22) a. O Paulo e o José são
poderosos. b. O Paulo é
poderoso.
23) a. A Linda admitiu a
culpa. b. A Linda era
culpada.
24) a. Eu já falava inglês, francês e grego quando você aprendeu a falar
inglês.
b. Você aprendeu a falar inglês.
25) a. O Pelé, que foi um grande jogador de futebol, fez mais de mil
gols. b. O Pelé foi um grande jogador de futebol.
n. Diga, das afirmações após o texto a seguir, se são (ou não) acarretamentos
e/ou
pressuposições, justificando as suas respostas pelas definições dessas noções:
15

Ex-chacrete
desmente

A ex-chacrete Josefina Canabrava desmentiu boatos do reatamento


de seu casamento com Tim Tones. Tim Tones é filho do atual gerente
das empresas Tabajara, Seu Creyson. Ela me garantiu que está muito
bem sem o artista, e que até já arrumou um novo amor.

1) Josefina Canabrava foi chacrete, no passado.


2) Josefina Canabrava e Tim Tones foram casados por algum tempo.
3) O pai de Tim Tones ainda vive.
4) O pai de Tim Tones é Seu Creyson.
5) Seu Creyson trabalha nas empresas Tabajara como gerente.
6) Correram boatos de que Josefina Canabrava e Tun Tones reataram o 7) Tosefina e Tim Tones não terminaram o casamento.
casamento.
46 Manual de Semântica Fique atento para a negação de (24b): a negação incide sob re o quantificador algutm e, portanto, temos Ningubn
tirou nota boa. Veja que Algutm não tirou nota boa não é uma negação da sentença Algutm tirou nota boa; o que
existe entre as duas sentenças é uma relação de implicatura conversacional.
"Ciivagem é um termo usado na descrição gramatical com referência a uma construção denominada oração clivada:
Indicações bibliográficas trata-se de uma única oração dividida em duas partes, cada uma com um verbo" (Crystal, 19S5: 49).
Repare que tomar alguma coisa como verdarú não sign ifica, necessariamente. ou t" pc:c:., ....... :...... --= · ' '
Esse exerdcio é baseado em !l or i 1700 "
Em português: Chierchia (2003, cap. 4), Pires de Oliveira (200 1 , cap. 2), Müller e Viotti (200 1 ), llari e Geraldi
(19S7, cap. 4).
Em inglês: Saeed (1997, caps. 3 e 4), Chierchia e McConneii-Ginet (1990, cap. 1), Cruse (19S6, caps. 4 e 6),
Hurford e Heasley (19S3, cap. 3), Kempson (1977, cap. 3) e Lyons (1977, cap. 7 e 9).

Notas
1
Estou me referindo aqui apenas à noção de pressuposição l ógica ou semântica; na literatura pragmática encontram
se outras noções de pressuposição das quais não tratarei neste
livro.
2 A notação [+...] e [-...] é usada para indicar que aquela propriedade é existente ou não no item lexical. Por
exemplo, quando indico que cachorro: [+animal] , estou me referindo ao fato de que a palavra cachorro contém a
propriedade de ser an imal; poderia afirmar, também, que cachorro: [-humano], pois a propriedade de ser
humano não está presente no item lexical cachorro.
3 A diferença entre (3) e (5) é gerada pela natureza relaciona! do adjetivo alto. Um objeto é de madeira ou não é.

Entretanto, a noção de alto é relativa àquilo que o adjetivo está se referindo. Os jogadores de basquete são altos,
de uma maneira geral, se os compararmos a outros indivíduos. Mas, quando nos referimos a jogadores de
basquete,
!,SOm é ser alto em geral, mas não é alto para um jogador de basquete; a média de altura de jogadores de basquete
é de 1 ,90m -logo, um jogador de basquete de !,SOm não é um jogador de basquete alto. O que acontece com o
exemplo em (5) é que o adjetivo alto, usado em (a), está se referindo aos indivíduos em ge ral e, em (b), está se
referindo aos jogadores de basquete. Por isso, o conteúdo de (5b) não está contido, necessariamente, em (5a).
• Veja que podemos usar uma ou outra definição, pois todas têm o mesmo sentido. O que veremos é que,
metodologicamente, para estabelecer os acarretamentos, às vezes é mais fácil empregar determinada definição.
' Duas sentenças são contraditórias quando elas estiverem descrevendo situações que são impossíveis de ocorrer
simultaneamente no mundo.
6 Os exempl os e os exerdcios apresentados neste capítulo, sobre acarretamentos e pressuposições, são tirados
ou adaptados de Cançado ( 1999) , lia ri e Geraldi ( 19S7) ou traduzidos e adaptados de Chierchia e McConneii-
Ginet (1990), Hurford e Heasley (19S3) e Saeed (1997).
7
A pressuposição é tratada pela literatura sob diferentes perspectivas. Existem a utores que a concebem dentro da
abordagem referencial, como está sendo aqu i tratada (Chierchia e McConneii-Ginet, 1990; Chierchia,
2003; Lyons, 1977; Kempson, 1977; entre outros); outros que as dividem em pressuposições semânti cas e
pressuposições pragmáticas (Leech, 1 9S 1); e outros que as concebem somente como relações pragmáticas
(Stalnaker, 1974; Lewis,
1 979; e Sperber e Wilson,
1995).
8
É bom realçar que os termos tomar como verdade prt!ssupor, na linguagem cotidiana, são usados no mesmo sentido
Para falar aquilo, Maria tomou como v rdad lpressupôs qusua amiga conh cia o hom m. Na concepção semântica
da pressuposição, essas duas noções são distintas, sendo a primeira uma condição necessária para a segunda. Ou
seja, para que haja a press uposição, é necessásio que todas as quatro formas da sentença - afirmativa,
negativa, interrogativa e condici o nal - tomem como verdade um determinado conteúdo. Sigo, aqui, a definição
de Chierchia e McConneii-Ginet (1990). Muitos a utores assumem que é necessário somente que as formas
afirmativa e negativa da sentença (a) tomem (b) co mo verdade.
9 Por razões óbvi as, a relação de pressuposição pode ser estabelecida a partir de qualquer uma das quatro formas

da famllia da sentença (a), e não somente a partir da afirmativa.


10
A interrogativa e a condicional podem ser feitas a partir da afirmativa ou da negativa; as duas formas funcionarão
da mesma manei(a.
11
Esto u situando as sentenças, exatamente, para mostrar que, quando existe uma relação de contradição entre
duas sentenças, não existe situação possível no mundo em que essas sentenças ocorrem. Veja que (24a) e a
negação de (24b) não são contraditórias, pois existem situações no mundo em que é possível a ocorrência das
duas sentenças simu ltaneamente; portanto, não existe relação de acarretamento entre (24a) e (24b). Não
confunda esse teste com a ideia de que o acarretamento e a contradição são noções associadas ao uso da lfngua.
entretanto, definir exatamente essa relação é uma questão complexa, que vem
propriedades semânticas pe<seguindo estudiosos da linguagem hl séculos. Uma primeira definição poderia
outras ser: sinonímia é identidade de significados. Mas afirmar apenas isso não basta, pois é
uma afirmação muito ampla e que exige um certo refinamento. Vejamos algumas
observações. Seguindo Ilari e Geraldi (1987), podemos primeiro refletir que, para
duas expressões serem sinônimas, não basta que
tenham a mesma referência no m undo. Veja o exemplo:

a. os alunos de Educação Física da UFMG


(1)
b. os alunos mais fortes da UFMG

Se eu disser que os alunos de Educação Física da UFMG são os alunos mais


fortes da UFMG, eu estou me referindo a um mesmo grupo de pessoas no m u ndo;
entretanto, isso não basta para dizer que as expressões em (1) sejam sinônimas, pois
não têm o mesmo sentido, ou seja, não denotam as mesmas propriedades no
mundo. Então, um primeiro ponto a ser salientado é que ter somente a mesma
Sinonímia e paráfrase referência não é uma condição suficiente para que haja sinonímia. Além de terem a
Neste capítulo, continuaremos a estudar algumas propriedades semânticas mesma referência, é necessário, também, que as expressões tenham o mesmo sentido.
sob uma perspectiva referencial, isto é, vamos nos valer de noções como Mas o que significa
referência no mundo e valor de verdade das sentenças para tratar de alguns Ter o mesmo sentido? Assume-se que ao saber o sentido de uma presença é ser
fenômenos do significado. A p<imeirn pwp<iedade a se< investigada seda capaz, em determinadas circuntancias, de dizer se ela é verdadeira ou falsa. Duas
sinonímia. A sinonímia lexical ocorre entre pares de palavras e expressões; sentenças que
ser chamada de garota.
b. A Maria não se irrita quando a chamam de garota, mas não suporta
ser chamada de menina.
têm o mesmo sentido, quando se referem ao mesmo conjunto de fatos no mundo,
têm de ser ambas verdadeiras, ou ambas falsas. Transpondo essa noção de sentido da Se trocarmos as palavras menina e garota em (3), alteraremos os sentidos e as
sentença para o sentido da palavra ou expressão, Ilari e Geraldi (1987: 44-5) afirmam referências das duas sentenças e, consequentemente, a verdade ou a falsidade da sentença
que "podemos dizer que duas palavras são sinônimas sempre que podem ser em (3a) passa a ser diferente da sentença em (3b); portanto, não podemos considerar as
substituídas no contexto de qualquer frase sem que a frase passe de falsa a verdadeira, palavras menina e garota sinônimas no contexto de (3).
ou vice-versa". Vejamos um exemplo, adaptado de Ilari e Geraldi: Com os exemplos, percebemos que não é possível pensar em sinonímia de
palavras fora do contexto em que estas são empregadas. Ainda, na maioria dos casos, pode-
(2) a. Toda menina sonha virar mulher um dia. se dizer apenas que existe uma sinonímia baseada somente no significado conceitual
b. Toda garota sonha virar mulher um dia. da palavra, sem se levar em conta o estilo, as associações sociais ou dialetais, ou
mesmo os registros. As palavras bandido e meliante, por exemplo, podem ser
Podemos dizer tanto de (a) quanto de (b) que não alteramos a verdade ou a intercambiáveis em determinados contextos, porém, provavelmente, a segunda JCorrência
falsidade das sentenças. Isso decorre do fato de que as palavras menina e garota têm será mais usada por um policial e a primeira tem um uso corrente. Segundo
o mesmo sentido e referência nas sentenças. Entretanto, apesar de uma primeira :ruse (1986), é impossível se falar em sinônimos perfeitos; só faz sentido se falar em
impressão nos levar a concluir que as palavras menina e garota são sinônimas, inonímia gradual, ou seja, as palavras, mesmo consideradas sinônimas, sempre sofrem lm
podemos achar um determinado contexto em que isso não se sustenta: tipo de especialização de sentido ou de uso.

(3) a. A Maria não se irrita quando a chamam de menina, mas não suporta
\ (5) A ,entença (a) é <inônimo de conteúdo da ,entença (b), quando (a)

'"aceita.< oomo <inônima< (.dowd o nome de <inonlmia, me<mo pa<a .emença>. acarretar (b) e (b) acarretar (a).
seguindo Chierchia e McConnell-Ginet, 1990): Uma sinonímia de conteúdo requer somente que as sentenças (a) e (b) sejam

(4) a. Aquelas mulheres do canto estão verdadeiras, exatamente nas mesmas circunstâncias.
Entretanto, assim como para a sinonímia entre palavras, existe uma outra
chamando. b. Aquelas senhoras do
pet<pectiva em que o< falanteS julgam que a< ,entença> em (4) têm diferente< <ignificados e
canto estão chamando. c. Aquelas
que, portantO, n>o <ão totalmente <inônima<. &colhendo uma e não a our<a ,entença,
damas do canto estão chamando.
o< falanto< podem e<W pa<<ando ,Jguma infotmação importante robre atitude< em
Imaginemo< que o gerente de um <e<uu<ante tenha dito a <entença (4a) relação à ,;,nação e <obre o< envolvido< nela. &<a< diferença< ,ão ttodicion.lmente
pa<a um ga<çom.que não a eocutou bem, e que pergunu ao ,eu oolega o que foi conhecidas como conotação. Imaginemos agora que o colega tenha escolhido a
que o gerente lhe sentença (4c), pa<a «referi< à> mulh<'<' da me<a do canto; por acaro, uma dela<
di<re· O oolega lhe n,;pondeo "Ele d;,e que...". A e.colha entte qualqu« da< e.cuu e n>o
our<a< dua< gom do emprego da p.lavra dama;. Ela fat uma reclamação ao geren<e e o garçom
,enrença> não fatia dife.ença. Acredito que, na <ituação pcopo<ta, n>o há pode« enoonttar em apum<. Ne"e ca<O, vemo< que a< ,entença> em (4) n>o ,,o
diferença em tot.lmen<e <inônima< e a p.lavta dama; teve uma conotação diferen<e para a cliente.
« emprega< uma da< u" ,entença< anredor<> e que n< falante< do pottugnês Vejamo< ouuo< exemplo< em que« nou e"a diferença de pwpectiva. As
bra<ildro concordarão que ela< têm o me<mo conteúdo ou « equiv.lem .entença> ativa< e pa<<iva<, em ger.l, <ão oon<idetoda< como exemplo< de ,entença>
,emanticameme. A noção de <inonlmia envolvida aqui é o que
Chierchia e McConnell-Ginet (1990) chamam de sinonímia de conteúdo e sinônimas:
que pode ser definida como: a. Todo mundo nesta sala fala duas línguas.
Passemos agora para a noção de sinonímia entre sentenças, também chamada de (6) b. Duas línguas são faladas por todo mundo nesta sala.
aráfrase. A noção de uma sentença ser sinônima ou paráfrase de outra é uma questão
.o complexa quanto a sinonímia entre palavras e expressões. Se o conteúdo explícito (7) a. A polícia procura a Sara.
b. A Sara é procurada pela polícia.
1 o significado informacional é o que interessa, então as sentenças a seguir podem
51
outros propriedades semânticas

Muitos poderiam dizer que (6) e (7) são pares de sentenças sinônimas. Exercícios
1. Diga''"' ,enrenç"' ,eguinte',ão exemplo'de ,inonhni"' de conteúdo. jw;tifique
Entretanto, em (6), por exemplo, não há um consenso se as duas sentenças têm ,ua «'Po'ta pela definição '""dada e faça o' comentádm pertinente'em relação
exatamente os mesmos acarretamentos. É provável que (6a) tenha duas interpretações:
existem duas línguas e todos falam essas duas; e, em outra interpretação, cada um ao uso desses exemplos na língua:
fala duas línguas diferentes. E (6b), provavelmente, acarreta somente a primeira 1) a. A Maria não está viva.
versão: existem duas línguas que todos falam. Assim, não poderíamos analisar as duas b. A Maria está morta.
sentenças como exemplo de acarretamento mútuo, que é a condição para que haja 2) a. O João é casado.
sinonímia entre sentenças, pois (6a) contém mais informações que (6b). Além disso, b. O João não é solteiro.
ainda podemos levar em conta que a escolha do tópico da sentença também altera a 3) a. O Carlos é o pai do André.
informação passada; a escolha de perspectiva por um falante nunca é ingênua e sem b. O André é o filho do Carlos.
4) a. O único p.hda Amédca que o pottucomo lingua é uma república.
tem
significação. Existe a opção de se colocar em evidência alguma coisa, de se esconder b. O único país que fala português na América é uma república.
alguma coisa etc. Em (7), apesar de podermos afirmar que existe um acarretamento
mútuo entre (a) e (b), mesmo assim parece que temos uma interpretação preferencial 5) a. Aquela pessoa é muito esperta.
em que (b) quer dizer que Sara é uma criminosa, enquanto (a) parece sugerir que b. Aquele indivíduo é muito esperto.
Sara 6) a. A Maria falou que o André saiu.
está apenas desaparecida.
Existe, ainda, outra maneira em que sentenças aparentemente sinônimas podem b. A Maria disse que o André saiu.
7) a. Todo' o'uab.lhadot<' d<''" empte'" recebem doi'beneficio,.
ter diferenças de significado: é a questão da entonação e do foco. 1 Por exemplo, nas :orno sendo essa noção básica para o que quer que seja a relação de
sentenças a seguir, a resposta adequada para a pergunta entre parênteses vai depender sinonímia. É o carretamento mútuo que garante a possibilidade de se
da expressão em que o falante coloca o foco: fazerem traduções de uma língua ara outra, ou para se recontarem
histórias, entre outras atividades. Evidentemente, tesmo para traduções ou
(8) a. A MARIA bateu o bolo. (Quem bateu o bolo?) paráfrases de textos, algo mais é necessário do que somente sinonímia de
b. A Maria bateu o BOLO. (O que a Maria bateu?) conteúdo, mas garantir o acarretamento mútuo entre as sentenças ssas
operações linguísticas é, sem dúvida, o ponto de partida.
Portanto, novamente chegamos à conclusão de que, mesmo entre sentenças, a
sinonímia perfeita não existe. Isso se procurarmos duas sentenças idênticas em
termos de estrutura sintática, de entonação, de sugestões, de possibilidades
metafóricas e até mesmo de estruturas fonéticas e fonológicas. Se esperarmos encontrar
a sinonímia nessas circunstâncias, então não é com surpresa que poderemos afirmar
que esta não existe.
Por outro lado, algum tipo de sinonímia tem de ser levado em conta. Como
poderíamos fazer traduções ou recontar histórias que nos foram contadas, por
exemplo? Algum tipo de equivalência semântica entre palavras e sentenças tem que
ser tomada
:orno base para se fazer operações linguísticas dessa natureza. A proposta é que
tomemos
) acarretamento mútuo, ou seja, somente o conteúdo semântico das sentenças,
b. Doi'beneficio',ão recebido'pot rodo'o'uab.lhado«' d""a emp«'a· 12) a. A Maria está bonita hoje.
b. Que bonita está a Maria hoje.
8) a. Aquela menina é muito tagarela. b. Aquela
c. Hoje, a Maria está bonita.
menina é muito faladora.
13) a. Eu comi UM cHocolATE.
9) a. A Maria é linda.
b. EU comi um chocolate.
b. A Maria é muito bonita.
1O) a. O Pedro trabalha comigo. b. Eu 14) a. A gente quer a liberdade.
trabalho com o Pedro. b. Nós almejamos a liberdade.
11) a. O João quebrou o vaso. 15) a. Os velhos não são respeitados neste país.
b. O vaso foi quebrado pelo João. b. Os idosos não são respeitados neste país.

52 Um >egundo tipo de '"'Ônimo é ch,m,do de invwo. Qu,ndo um,


Manual de Semântica
p,Jm, de,cceve a celação emce d u"co;,,ou P"'""e uma out"palav" de,cceve
""m.,m, dr esasçaãroe,lamçã"o esmão:uma ocdem invma, Cem->e, encão, o
Antonímia e contradição amônimo invmo. Exemplo,

Gecalmenre, define->e 'nronimi,como >endo um, opo,ição de (1 O) a. pai/filho


><nrido,em<e "p'bvc..,. Enrcec,nco, 'P<n"""definição não é mficieme,
b. menor gue/maior
vino que o' >encido, d"pal,vc"podem >e opoc de váci,., lúcm..,, ou m.,mo
gue
que exinem p'bm,que nem têm um opono vecd,deiw. Poc exemplo, qumte
não f"opo,ição '.fiv de um,m.,m, m'nei" que vmdec opõe->e ' compmr,
ou altv não &, opo,ição ' baixo de um, me,m,m,nei"que moctv opõe->e Se X é pai de Y, <mão Y é filho de X; «mo,a m.,ma celação em ocdem
'vivv. Poc ;,o, '<guindo Hucfocd e H"'-'ley (1983), não &bcei 'impl.,mence invma. O m.,mo"dã em (b), >e X é menoc que Y, então Y é maioc que X.
de opo,ição de >emidoo, m"cencMei delim;,,'lgun, tipo' de opo,ição Um ceceeico cipo é o g"dacivo. Du,., pal,vc,., '<io amônim,., g"d";""quando
exi,eenee,, "'umindo "''tipo' b;,ico'de 'moním;,, Um pcimeiw cipo é '-'Cão no, tecminai, opono, de uma e,cala concfnu, de valoce,. Noee que a negação
''nroním;, binãci,ou complememac. Ancônimo, binácio,''o P'"'de de um Ceemo não implica a aficmação do ourco. Aind,, uma e,caJa gecalmeme vacia
palm.., que, qu,ndo um, é 'Plic,d,, 'out" nece,,;,mence não de acordo com o contexto usado. Vejamos um exemplo:
pode'"'Piicad,. Em ourc,., pal,vc,,'neg,ção de um,implic, n',ficm,ção
d,ourc,. Poc exemplo, (11) a.
guenre/frio
(9) a. mono/vivo
b.
b. alto/baixo
móvel/imó
vel c.
igual/difer
ente

Qu,ndo diurno,que alguém e,tá mono, nece,,,;,meme ""' lguém


não"" vivo, e vice-vec,.Se algo má móvel, nece,aciM>eme ele não pode
'-'tM imóvel, e vice eveVcIC,,eP-voecrfsai.m,"d""co;,.., ''o igu,.;,, el.., não
podem'"difereme,, nec"'"'=enee,
contradição entre essas mesmas sentenças. Vejamos, pois, do que se trata a co
ntradição.
Outras propriedades A contradição está intimamente ligada à noção de acarretamento,
semânticas como já vimos no capítulo "Implicações". Quando dizemos que"O João beijou
a Maria acarreta A Maria foi beijada pelo João", fomos guiados pelo
53 julgamento de que, em (12), a conjunção de (a) com a negação de ( b) é
contraditória:
Entre quente e frio, certamente, teremos uma escala como morno
etc. Entre alto e baixo, teremos o médio etc. Como realcei (12) #O João beijou a Maria, mas a Maria não foi beijada pelo João.2
anteriormente, a negação de uma não implica a afirmação da outra. Veja
que se uma coisa não é quente, não implica que esta seja fria; ela pode O que significa dizer que (12) é contrad itório? Significa que os
ser morna. Se alguém não é a lto, não implica que ele seja baixo. Também dois faros descritos pela sentença (12) não podem se realizar ao mesmo tempo e
termos desse tipo dependem do contexto. Uma temperatura quente no nem nas mesmas circunstâncias no mundo. Temos, então, a definição:
Alasca pode ser fria no Brasil; o que pode ser uma pessoa alta para os (13) A sentença (a) é contraditória quando (a) nunca puder ser
pigmeus pode ser uma pessoa baixa para nós. Essa relação gradativa é, verdadeira;
tipicamente, associada a adjetivos. Em geral, um teste para percebermos a ou quando não existir uma situação possível no mundo descrita
gradação nas palavras, como nesse caso de antonímia, é verificar se essas por (a).
palavras combinam com expressões do tipo meio, um pouco, muito etc. Por
A contradição também pode ser pensada como uma relação entre
exemplo, temos a expressão meio quente ou muito alto, mas não temos um
sentenças. Se eu digo, de uma mesma mesa, as seguintes sentenças:
pouco pai, meio móvel etc.
Estendendo a ideia mais geral de antonímia, ou seja, a oposição
(14) a. Esta mesa é
de sentidos para as sentenças, remos o que se chama d e contradição.
guadrada. b. Esta
Entretanto, a contradição não se comporta exa ta mente como a antonímia
mesa é redonda.
no que diz respeito à sua classificação. Muitas vezes, temos a ré mesmo a
Posso afirmar que as sentenças e m 14 são contraditórias; teremos a seguinte
antonímia entre palavras de determinadas sentenças, mas não ocorre a
definição, segundo Chierchia e McConnell-Ginet (1990

)
(15) As sentenças (a) e (b) são contraditórias quando:
(16) a. #O João está
• (a) e (b) não pude<em •e< Ve<dadei..., ao mesmo <empo; 'O (a) mono e vivo.
fu,Venfade, (b) é falsa; e quando (b) for verdade, (a) é falsa;
b. #Essa moça que está calada está falando.

• a •ituação d"-'«ita pela •emença (a) não pode •e• a m"-'ma


•ituação Quando •e tem o antônimo 8"'<fativo, ou •eja, palm., que
descrita pela sentença (b).
'-'tão em te<minaü doepcoo"notr' dadeiçuãmoa: '-'cala em uma
memu •entença, também podemo, te< uma <dação
A conttadição, mim como a mtonimia, pode ocone< de vá<i.,mmei...,.
Mui"" vez.,, é a P'"-'ença de palm., antônima.<, exi"em., na.< •emença.<, que
de,encadeia 07) a. #O dia está
., idei., comndir&i.,. Po, exemplo, a anton/mia biná<ia, em que a quente e está frio.
utili,.ção de b. #O homem é alto e pequeno.
uma palana implica a impo"ibilidade da urili,.ção de outn, pode
de,encadeu uma relação de contradição nas sentenças:
o-urras propneaaat:·:s-e:ITtu' 'nL.o

A utilização da quantificação através dos itens um, algumas e três faz


Ou seja, quem mora já esteve, e quem viajou de algum meio de transporte já alternar os referentes dos sintagmas nas sentenças (21), (22) e (23),
andou desse meio; se negarmos essas propriedades, estaremos sendo contraditórios. possibilitando a utilização dos pares antônimos. Também a utilização de
Também não é sempre que ocorre a antonímia que teremos sentenças antônimos inversos nem sempre gera uma contradição:
contraditórias. As situações descritas a seguir são perfeitamente possíveis de ocorrer
no mundo, apesar de os pares de sentenças conterem antônimos: (24) O João comprou a casa e o João vendeu a
casa. (25) O João é pai do José e o filho do
(21) Eu encontrei um rato morto no banheiro e encontrei um rato vivo no Antônio.
banheiro.
(22) Algumas pessoas amam o Brasil, mas algumas pessoas detestam o Brasil. Vale realçar que a contradição, apesar de exprimir situações
(23) João comprou três animais machos como bichinhos de estimação e impossíveis de ocorrer simultaneamente no mundo, é muito utilizada na
comprou três animais fêmeas como bichinhos de estimação. linguagem como um
ter Em antônimo,
o podemo, invmo,, •edefixa.mo,
desencadeamento o m"-'mo <efe<eme, igualmente
uma contradição: instrumento do discurso: o que é contraditório serve para passar alguma
informação extrassentencial, isto é, podemos inferir, pragmaticamente,
informações além das que estão explícitas na sentença.3 São perfeitamente
(18) a. #Este homem é pai do José, mas também é filho do
interpretáveis sentenças como:
José. b. #O João é maior que a Maria e menor que a
Maria. (26) - Esse aluno é inteligente?
- Ele é e não é.
Ent<etanto, não é •ó a amon/mia de i teu. bicai,que d"-'encadeia uma
<dação
de comndição. Um exemplo •e<ia a utiliUtção da negação de uma afi<mação Acredito que a maior parte dos ouvintes entenderia a contradição anterior
ante<io.,
como: o aluno é inteligente em algumas coisas, mas em outras, não. Essa
possibilidade tem relação com a imprecisão semântica, ou natureza relaciona!, de
(19) a. #A Maria viajou, mas a Maria não
viajou. b. #O João está vivo, mas não itens lexicais tais como: inteligente, grande, bonito etc. A contradição pode ser
está vivo. ainda um rico instrumento para
textos literários e poéticos.
Outn manein de exp<e""' a comndição, •em "'"' mton/mi.,, é
las nega. uma propriedades semânticas contidas em um item lexical:
Exercícios
(20) a. #Meu i<mão mO<a em Pui,, m"' meu i<mão nunca '-'teve em r. Identifique o tipo de antonímia que se encontra nos pares de palavras a
Pa.i,.
seguir:
b. #Eu viajei de avião, mas nunca andei de avião.
1) amor/ódio
2) adulto/criança
56 Manual de Semântica

3) grosso/fino
4) preto/branco
É um contentamento descontente;
5) solteiro/casado
6) em cima/embaixo É dor que desatina sem doer;
7 ) avô/neto É um não querer mais que bem querer
8) comprar/vender É solitário andar por entre a gente;
9) grande/pequeno É nunca contentar-se de contente;
1 O ) melhor que/pior que É cuidar que se ganha em se perder;
11 ) cachorro/cadela É querer estar preso por vontade;
12) fácil/difícil É servir a quem vence, o vencedor;
13 ) macho/fêmea É ter com quem nos mata lealdade.
14) urbano/rural Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
15) bom/ruim
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
(Camões, Lírica)
u. Vo<ifiquo"m pu" do <Ontonçao 'Oguim"'ão com,..ditótio, ('-"uma a mO<ma
referência nos pares) e o que está gerando a contradição: Anomalia
1) a. O Paulo está alegre.
Outros propriedades semânticos 57
b. O Paulo está triste.
2) a. O Paulo não gosta de futebol.
b. O Paulo vai ao campo de futebol. III. Aponte as contradições semânticas do soneto (use a definição): Amor é fogo que
arde sem se ver;
3) a. A Maria é mãe da Rosa.
É ferid:t n"'" .. <.: - -
b. A Rosa não é filha da Maria.
4) a. A mesa daquele canto é toda de madeira.
b. A mesa daquele canto é toda de ferro.
5) a. O quarto 202 é em cima do 102.
b. O quarto 102 é embaixo do 202.
6) a. As pessoas saudáveis moram no campo.
b. As pessoas saudáveis moram na cidade.
7) a. Algumas pessoas saudáveis moram no campo.
b. Algumas pessoas saudáveis moram na cidade.
8) a. A Maria é casada com o ]oão.
b. O ]oão é viúvo.
9) a. O Paulo é o irmão mais velho do Pedro.
b. O Pedro é filho único.
1 O) a. O ]oão gosta muito de dormir.
b. O ]oão acorda cedo todos os dias.
Sentenças boas gramaticalmente, mas claramente
incoerentes ou totalmente sem sentido, que não geram nenhum
tipo de acarretamento, são chamadas, pelos linguistas, de
anomalias:

(27) a. A raiz quadrada da mesa da Mila


bebe humanidade. b. As não coloridas
ideias verdes dormem furiosamente.
c. Rir é muito úmido.
d. O fato de que queijo é verde tropeçou
inadvertidamente.
e. Minha escova é loira e alta.
f. Ser um teorema assusta consternação.

As noções de contradição e de anomalia, às vezes, se


confundem. Porém, a estranheza ou incoerência de uma frase
contraditória, como OJoão é careca e cabeludo, é que duas
situações possíveis e não problemáticas, isoladamente, foram
colocadas juntas. Se isolarmos as sentenças, é perfeitamente
possível deduzir verdades das duas sentenças. Mas as sentenças
em (27) são estranhas por outros motivos. Não há como gerar
nenhum tipo de acarretamento, isto é, uma verdade necessária, a
partir de uma sentença anômala. Podemos até imaginar uma
maneira de interpretar as sentenças, usando inferências de
natureza pragmática. Por exemplo, em (27e) eu poderia
interpretar que a escova tem o formato de uma mulher, mas,
certamente, essa
- - - -- _ '!!'_ _ - -= - ---= - -.. . . . . . . . . -.......:.. . ._ . . . . . . . ...... . ... ,.l,.,,.t.:., -.......... rn.r1nc
Nnrm'!llrnPnt"P nnP't-"
59
outras propriedades semânticas

..· uo "emarnTCa
de uwa S<ntonça. Mosmo no =o om qu< não há «an,fonnaçõ« mo<afód=.
interpretações aos leitores: a sentença (27b), famoso exemplo de Chomsky (1975), é pod<m o''"'"ou«O' tipo' do pmbkmru;. Vojamo' "' <««iÇÓ<' ,docionai'pa<a o
a linha final de um poema de John Hollander. vo<bo
Chomsky (1965) introduziu a noção de restrições selecionais para marcar tais (31) ler: V, lsN 5N (-absuato11
(+humano11(-
sentenças como agramaticais.4 Imaginemos que todo falante de português, ao adquirir o
verbo beber como integrante de seu léxico, também adquire a informação lexical de As informações em (31) poderiam gerar uma sentença como:
que o seu complemento é alguma coisa bebível ou, de uma maneira mais geral, algo
líquido; e que o seu sujeito designa alguma coisa que seja um bebedor ou, mais (32) *0 analfabeto leu o carro.
geralmente, um ente animado. A ideia é que o léxico fornece um mecanismo,
assegurando que beber selecione somente argumentos 5 que satisfaçam essas Pa<a '""ingi<mo'ao máximo"' o<m<ên<ia,; com o v«bo lo, todamo' qu<,
condições. Na informação dada no léxico, beber deve estar marcado com os p<atiaun<nt<, "'"'"'"o S<ntido ospodfi<o do v«bo om 'u"' "'"içó<'
seguintes traços selecionais: ,do<ionai';
ou «i•• (-analfabotol pa<a o mj<ito < (+kgivd] pam o objoto, o qu< não""' nonhuma
vantag<m do ponto d< vi"a do uma toada. Pm ;,o, vamo' toma< as ""dçõos
(28) beber: V, [5N [+animado]] [5 N [+líquido]] ,do<ionai'do um i tom kxi<al ap<n"' oomo um ponto do pa<dda, uma os«atégia
mais g«al qu< o falao« adquire, juntam'""oom ou«"' info<maçõos laic>i,, pa.-a
ovita<
Em (28), entende-se que beber só deve ser inserido nos contextos sentenciais Nesse ponto, esbarramos de novo na divisão do que é do campo da semântica
em que haja um sujeito animado precedente e um objeto líquido posposto. As e do que é do campo da pragmática.
especificações dos SNS (sintagmas nominais)6 são dadas a partir do núcleo do sintagma. Por isso é necessário realçar que as restrições selecionais são somente uma primeira
Veja o exemplo:

(29) O menino bebeu a água.


fonte de restrições, que não conseguem limitar todas as oo. sfvpic ""-A- ..:
· -
Para que essa sentença seja gramatical, menino deve ser marcado com o traço
[+animado] e água, com o traço [+líquido]. Realmente é o q ue ocorre. Entretanto,
se você ouvir uma sentença como:

(30) ?O campo bebeu toda a água da chuva.?

você diria que uma sentença como (30) é anômala? Dificilmente alguém acharia a
sentença incoerente, embora ela esteja violando uma das restrições selecionais dos
itens lexicais aí envolvidos. Provavelmente todos interpretaríamos a sentença de um
mesmo modo: atribuiríamos o traço [+animado] ao campo e, de uma maneira
metafórica, interpretaríamos a sentença. A essa altura, fica fácil perceber que também
as anomalias são graduais, ou seja, há sentenças com um grau menor de anomalia,
como (30), facilmente transformáveis em sentenças aceitas semanticamente e
interpretáveis de uma única maneira. Em outras sentenças, altamente anômalas, por
mais que alteremos os traços selecionais, não conseguimos chegar a uma
interpretação única, ou mesmo coerente. Acredito ser o caso das sentenças em (27).
"' <ons«uÇÓ<' do sonton<;a' anômala,;, ou mosmo pa<a oonmul·l"' inton<ionalmont<. do Henrique.
5) O coração pulverizado range sob o peso nervoso.
6) Os olhos de vidro devoram os braços da musa sem braços.
7) O cachorro manso bravo falou mais alto que o homem.
Exercícios
t. Con,idmdo'o'oxomplo'om (27), oxpliqu<, om re<mo'do "'"içõos sok<ionais, 8) Aquela mulher alta é muito pequena.
9) A cadeira bebeu a esperança do menino.
u. pIdoor nqtuifeiqhuá< a"n"o'mSa<lniato. nÇ"' soguint« o qu< é anomalia ou oon«adição. 10) A cortina falou ao telefone.
Jw;tifiqu<

sua resposta, usando as definições estudadas:


I) O Podro é bigamo, ma,; não é vo«iad< qu< do tonha du>' mulh«<'·
Dêixis e anáfora
A S<pa<açáo onrr< Somânti<a < Ptagmátic>. oomo ostamo' vondo, não é f<im
2) Falar pedras significa chorar quente.
som problom"'· Mumi-, aqu• i, qu< a Somânt·ic' >, ao oonuá<-i-o--d-a 'pta-gm- á-
3) Imenso trabalho nos custa a flor.
4) Fredo<ioo mal' novo qu< o Hondqu<, ma,; o Fredodoo na,;cru ant« c-"i<" a"O, .o.sl:t"u.d: éar>o:

oo Manual de Semântica Pottamo, dependemo, do tonteqo pata entomw o' uhente, de""
demem"'. Ou "ja, a uferêneia Vatia de acoedo tom a •ituação de &la.
Ent'<tanto, o "ntido pcrmanece o
reja útil, h veu, podo n"'1""" a ongano,. Um =plo d= faro mesmo. É f.kil peteebe,que o >entido da, o"'çõe, em (33) não vatia. Se eu digo;
podo'"ilustrndo pela noção do dêi.m.• o, domonto,dêitico,pcrmhom idon "Este gato é muito bonito", o "ntido de..,.""tença >eti o de exi•te um
tifica; p""'"• co;,.,, momont"'
determinado animal, mamlfero, fdino, que tem como qualidade"' bonito, em
o lugare, a Parti< da •huação da F.úa, ou "ja, a partit do contexto. Podemo,
qualquer COntexto. O que vai va.iat é o teléunte do gato no mundo. Seguindo
"'ocia. o'domemo, dêitico, de uma manei"' mais getal , ao,
/lati e Getaldi (1987), podemo, entender que o •entido d"' dêitko, é um tetto
ptonom"demonsttativo,, ao, ptonomes p<.<,oai,, '"' tempo, de vetbru o ao,
advétbio, de lugar e de tempo. São dememo, tuj., intetpretaçõ" dependem deex;,, "toteiro pata entonttat ""'""'""· Poe exemplo, a palam eu tem pot "ntido um
toteiro que consi"e em identifitat o &Jante; aqui tem pot remido um toteim que
infi"maçõ., tontextuais, embo,
um eacltcr 'i"emitico pata a intcrptetação des,.,dememm. Vejamo,exemplo, com;,,em identifitat o lugat da &la; e "'im poe
diante. &a poeuliatidade da interputação do,dêitito'permite-no,, de..de ji,
(33) a. Este gato é muito '"'tido
ilum..,. a di,tinção exi<tente entre e .noçõe, estas que >etiio '-'tuda,J.,
ma{, à !
bonito. Teme.
b. Eu adoro chocolate. Veja que a tontextuali,.ção envolvida no ptot'-"o da dêixi, ê bem
c. Aqui é o país da di,inta da envolvida no uso do tonhecimento P"'l;mitico, paea a intetpteração
impunidade. d. Aquele ali, de determinad.,
eu levo. ><ntenç.,. Quando lidamo, tom o tonhoeimemo ptagmitko pata
attibuitmm
•ignificado h >entenças, '-'te va.ia de aeoedo com o contexto e, também,
B.,,.
Temo, em (33) exp'"'õ" que •6 podemo, entender" no, '<metermo,
ao contexto de F.úa. Em (33a), o &Jante tem quo apontat o gato no mundo
di,taneia->e muito do ><ntido "mintico da pt6ptia ><ntença. tetomatm"'
a >entença A pona td aberteax,emplo (5) do capitulo ')\investigação do
pata que o ouvinte entontre a que gato de" teféu; em (33b), o ouvinte tem
que lotal;,.o •ignificado", pata idenrilicatmo,
" vitio, •ignificado, que da adquiu de aeoedo eom o contexto usado,
individuo que &la pata >abcr a quem a palav,"'re tefére; em (33c), o ouvinte totalmento
tem listintos do sentido literal da
sentença.
que >abet onde o &Jante esti •ituado pata identifieat •obre qual pai,de &la; em
(33d), ixiscoEmnotruemtaanDtor,oeosrsi,a.,-pl,orJs.i,.ção não é'··unânime na literatura,
•6 o apontamento leva o ouvinte a identifica, qual é o objeto a"' levado. e muitos auror,.c " c··---
como antecedentes, já os outros itens só em itálico são referencialmente
dependentes dos antecedentes. Dizemos que as expressões são interpretadas
Outras propriedades semânticas anaforicamente, quando sua interpretação é derivada da expressão antecedente.
Existem expressões que podem ser usadas ora como dêiticas (35a), ora como
61 anafóricas (35b). Entretanto, existem algumas que só podem ser interpretadas
anaforicamente (36); não existe maneira de apontá-las no mundo:
e de lugar, mas também a dêixis de discurso e a dêixis social. Segundo Benveniste
(1976), a dêixis é um fenômeno que demonstra a presença do homem na língua, (35) a. Ela já saiu. (dêixis)
colocando em discussão algumas visões que limitam o estudo da significação. É um b. A Maria estava na sala, mas ela já saiu. (anáfora ou
fenômeno que tem como traço a distinção da linguagem humana das linguagens dêixis) (36) a. Maria está orgulhosa de si mesma.
artificiais, tornando-a ágil e apropriada para o uso em situações correntes. Portanto, b. *Si mesma já saiu.
é importante se estudar a dêixis também do ponto de vista pragmático, ampliando
a compreensão de tal fenômeno. 9 Na literatura linguística, usa-se a mesma letra (em geral, as letras i, j, k),
Continuando com a noção de referencialidade, vamos distinguir agora o colocadas abaixo do antecedente e do referente, para indicar a correferência entre
fenômeno da anáfora do fenômeno da dêixis. A anáfora também consiste em as expressões:
identificar objetos, pessoas, momentos, lugares e ações; entretanto, isso se dá por
uma referência a outros objetos, pessoas etc., anteriormente mencionados no (37) a. Tem uma mulher. aí fora. Ela. quer vender livros. I
I

discurso ou na sentença: b. Avise a Teresa. que saí, se ela. ligar.)


)

(34) a. Tem uma mulher aí fora. Ela quer vender c. O técnicok insistiu que elek não achava nada de errado no
computador.
livros. b. Avise a Teresa que saí, se ela ligar.
c. O técnico insistiu que ele não achava nada errado no computador. Essas conexões referenciais podem ser mais complexas do que as
apresentadas
As expressões em itálico são entendidas como sendo correferenciais ..... .._ 1'2"7\ ,,..,..;,........ e ,...ln-11nc
PvPrnnlns·
(têm a mesma referência no mundo); os itens sublinhados e itálicos funcionam

(39) [Quais candidatos] votarão [neles mesmos] ?


I I

62 Manual de Semântica (40) A Ginai pediu para a Maria; que elas i.il saíssem
1
da sala.
(41) O Carlos pescou [alguns peixes]i e o Marcos osi cozinhou.
(42) Se o José vir a Maria, ele a.J desculpará.
(38) a. [Toda mulherl i pensa que elai dará uma educação melhor ao [seu]i I J I

filho do que [s ua] i mãe deu.


Julgamento sobre possibilidades de correferência é um conhecimento linguístico que rodo
b. [Nenhum homem] i deveria [se] i culpar pelos erros de [seus] i filhos.
falante tem e é um dado fundamental para o estudo da Linguística. Existem casos em que os
julgamentos são chamados de referências disjuntivas. De acordo com o julgamento dos falantes, as
Ex pressões como toda mulher e nenhum homem não se referem, no
sentenças segu intes não podem ser interpretadas como sendo anaforicamente relacionadas:
sentido intuiti vo, a uma determinada pessoa no mundo. Mesmo assim,
dizemos que a relação dessas expressões com a anáfora é uma relação de
(43) a. *Si mesma. é orgulhosa da Maria.
correferência, pois podemos interpretar a expressão toda mulher como sendo "cada I I

b. *A Teresa. a. encontrou, saindo do cinema.


mulher pertencente ao conjunto das mulheres"; e também podemos interpretar a I I

c. *Ele. insistiu que [o técnico] não achou nada.


expressão nenhum homem como sendo "não é verdade que para cada homem I I

pertencente ao conjunto dos homens". Ainda podemos ter outros tipos de


correferência:
Outras propriedades semântic 3) Ela pensa que Bárbara está doente.
as
4) A Bárbara ficará ern casa, se ela ficar doente.
63 5) Nenhum homem trabalha eficientemente, quando ele está infeliz.
6) Nenhum dos parentes de Ana pensa que ele é pago adequadamente.
7) Aquele infeliz contou para o Paulo o que a Maria pensa dele.
8) Qualquer garota na classe pode pular mais alto que Maria, se ela quiser.
técnico náo pod< tom" n,nhum '"""'d'""<m tehçáo d< cm<ef«ênci'
d<ntm d' 9) A mãe dela está orgulhosa da Maria.
10) Todo homem é orgulhoso de sua rnãe.
mesma sentença.

Exercícios Indicações bibliográficas


1. Estabeleça rodas as relações de correferência anafórica possíveis para que
as sentenças Em português: Pires de Oliveira (200\ , ca p. 2), 1\ar i e Ge raldi (\987, caps. 4 e 5), Lev inson (2007, ca p. 2).
Em inglês: Saeed ( \ 997, ca p. 3), Chie rchia e McConne\1-Ginet ( \ 990, ca p. \ ), Cruse (\ 986, ca ps. 4, 9, \O, \ \ e 1 2)
"j'm gtam,dcai,, w;,ndo'notaçio d< !<r<"· Estabdeça também"'
cd,ÇÕ<' dêid= e Hurfo rd e Heasley ( \983, caps. 2 e 3).

possíveis, usando urna letra sem correferência:


1) João acredita que poucas mulheres pensam que elas possam ser
bem-sucedidas.
2) Eles conhecem poucos homens na cidade.
Notas
Foco é usado para marcar o ce ntro de interesse da sente nça; a entonação pode ser usada pa ra ma rca r o foco
da
As se ntenças (43b) e (43c) só se tornam gramaticais se elas forem interpretadas 1
sentença, como é o caso dos exemplos em (8) (Crystal, \ 985)
sem a correferencialidade marcada; a sentença (43a) é sempre agramatical. Usarei o símbolo# para indicar que existe uma contradição na se ntença.
Veja mais detalhes sobre o tema no capítulo "Atos de fala e implicaturas conversacionais".
Agramatical é quando uma sentença não é considerada integrante da língua pelos falantes nativos dessa lín gua.
Restrições a esses tipos de ocorrência parecem ter sua origem na estr utu ra Usa-se o símbolo·no início da sentença para marcá-la como agramatical (por exemplo: •Ca rro o co mprado J
das sentenças, ou seja, na sintaxe. Chomsky (1981) propõe a existência de oão). De uma forma simplificada, podemos diz.er que a rgumentos são o su jeito e o(s) complemento(s) do ve
rbo. Sintagma nominal (sN) é um grupo de palavras que ocorre, preferencialmente, na segui nte ordem no
princípios sintáticos, denominados Princípios A, B e C, que restringem as português:
possibilidades de correferências. 10 Esses princípios explicariam a agramaticalidade um determinante, um nome e um qualificador. Somente o nome, o núcleo, tem a obrigatoriedade de esta r
presente,
das sentenças em (43). Baseando-nos nesses princípios, de uma maneira bem
sQenudanodaos onuãtorasse ctelamssecserdtezpaaslaovbrraesaogprcaimonaatic.al idade da sente nça, esta é
geral, poderíamos dizer que a sentença em (43a) é agramarical devido ao Princípio
marcad a, em seu início, com o símbolo da interrogação. Quanto maior a estranheza da se nte nça, mais in
A, que estabelece que a anáfora si mesma não pode ser o antecedente dentro da terrogações são colocadas.
sentença em que ela está contida. A sentença em (43b) seria agramarical devido ao O termo dêixis vem do grego e sign ifica o ato de mostrar, apo ntar.
Remeto o leitor ao livro de Levinson (2007) , em que o autor faz uma ex posição bastante clara e co n v incente
Princípio B: o pronome a não pode ter um antecedente em relação de correferênci:: sobre

Pnrm rl -, •.,".""- -- -- ' a dêixis do ponto• ·de ·vista' da P,.rag-m-á-t-i-c-a-. -' •.-..Moo. ;nrri rn<. remeto o leitor a liv ros que tratem
de introdução
Ambiguidade e vagueza

Os vários significados das palavras


Continuando com o estudo das propriedades semânticas ainda dentro de uma
perspectiva referencial, farei, neste capítulo, um estudo sobre a ambiguidade e os
fenômenos relativos a essa propriedade, tais como a polissemia, a vagueza 1 etc. No
capítulo "Papéis temáticos", veremos outra maneira de tratar a polissemia, sob uma
perspectiva cognitiva; e no capítulo "Atos de fala e implicatu ras conversacionais",
veremos um outro tipo de ambiguidade, a situacional, que é uma propriedade relativa
ao uso da língua.
Todo falante sabe q ue dar o significado das palavras não é uma tarefa fácil.
Às vezes, pensamos que sabemos o significado de determinada palavra, mas, quando
tentamos estabelecê-lo exatamente, ele nos foge. Isso se deve ao fato de o significado,
na maioria das vezes, estabelecer-se a partir de um determinado contexto. 2 Geralmente
é mais fácil definir uma palavra se esta é dada no contexto de uma sentença. Efeitos
contextuais podem direcionar os significados das palavras para diferentes caminhos.
Veja, por exemplo: se eu perguntar o sentido do verbo quebrar para qualquer falante
do português, há uma grande chance de ele me responder que é o ato de alguma coisa
se partir, ou seja, o ato de alguma coisa mudar de estado. Entretanto, se analisarmos
as sentenças a seguir, veremos que a resposta não é tão si mples assim:
(1) a. O Paulo quebrou o vaso com um martelo.
b. O Paulo quebrou o vaso com o empurrão que levou.
c. O Paulo quebrou sua promessa.
d. O Paulo quebrou a cabeça no acidente.
e. Paulo quebrou a cabeça com aquele problema. F. Paulo quebrou a cara
g. Paulo quebrou a empresa..
66 Manual de Semântica

Ambiguidade e
vagueza
Será que em (1) remos outros sentidos, além do que parece mais
óbvio, para quebrar? Ou o verbo quebrar tem o mesmo sentido em todas 67
as ocorrências, sendo somente influenciado pelos contextos em que
aparece? Será que existe um sentido geral em que se encaixe a palavra (3) O João adora aquele canto; a Maria também.
quebrarem todos os diferentes contextos mostrados em (1)? Podemos
perceber que, em ( 1 a) e em ( 1 b), os sentidos são bem próximos, talvez A ambiguidade da sentença, em (3), origina-se do faro de a
partir ou estilhaçar, só mudando as funções semânticas que o sujeito de
palavra canto ter dois significados distintos: canto relacionado a música,
cada sentença tem: em (a), o Paulo é o próprio agente da ação; em (b), o
ou canto relacionado a lugar. Veja que, se você entender que a palavra
Paulo é somente a causa. Em (c), já temos um sentido mais abstrato do
canto refere-se à música, as duas sentenças terão que se referir à música.
que seja quebrar, ou seja, temos a ideia de descumprir. Em (d), o verbo
É impossível se ter uma interpretação em que a primeira sentença refira-
quebrar tem o sentido de machucar. Em (e), temos a ideia de pensar muito
se à música e a segunda, ao lugar, ou vice-versa. A sentença (4) não
ou refletir. Em (f), podemos dizer que se recupera o sentido de
seria uma paráfrase de (3):
decepcionar. Finalmente, em (g), podemos pensar que quebrar tem o
sentido de.folir.
O problema colocado anteriormente, em geral, é discutido pelos (4) O João adora aquela música e a Maria adora aquele lugar.
semanticistas em termos de ambiguidade ou vagueza. Vejamos, pois,
como se definem essas noções. Opondo-se a esse comportamento, se tivermos sentenças em que
exista só a vagueza dos termos, os aspectos inespecíficos do sentido serão
Ambiguidade vs. vagueza invisíveis a essa identidade do também. Pode-se comparar isso, por exemplo,
com a palavra beijo, que é uma palavra que pode ser considerada vaga
Seguindo a argumentação de Saeed (1997), podemos dizer que, (beijo na mão, no rosto, na boca), mas não ambígua:
dos exemplos em (1), se cada ocorrência de quebrar tiver um sentido
diferente, então quebrar é ambíguo de sere maneiras. Entretanto, se as (5) O João beijou a Maria; o Paulo também.
sere ocorrências em (1) compartilharem um mesmo sentido mais geral,
então quebrar é simplesmente vago em seus diferentes usos. A ideia gera] É perfeitamente possível que essas sentenças estejam
é que, em exemplos de vagueza, o contexto pode acrescentar descrevendo um faro como: o João beijou a Maria no rosto e o Paulo a
informações que não estão especificadas no sentido; e, em exemplos de beijou na mão. Repare que, quando a sentença é vaga, a interpretação da
ambiguidade,
especificidade da segunda sentença com também não fica restrita à
o contexto especificará qual o sentido a ser selecionado. O problema,
interpretação da mesma especificidade da primeira; diferentemente das
naturalmente, é decidir, para um dado exemplo, quando está envolvida a
sentenças ambíguas. Esse teste parece funcionar bem para distinguir essas
ideia de ambiguidade ou de
noções. A complicação em aplicá-lo é que nem sempre conseguimos, em
vagueza. Muitos testes são propostos para se fazer a distinção entre essas
duas noções. Vejamos, pois, alguns deles. uma mesma sentença, as duas interpretações da ambiguidade, como no
caso de quebrar. Fica difícil imaginar
U3 m primeiro teste, proposto por Kempson (1977), consiste no
uso da palavra
també como uma forma reduzida de sentença, sendo uma maneira de uma mesma sentença em que se possam atribuir os sentidos de falir e de
m decepcionar
se evitar a
repetição da sentença anterior. Tornemos mais claro esse exemplo: b. O João corria todos os dias; a Maria também.

(2)
a. O Carlos adora sorvere; a Maria também. As sentenças em (2) são compreensíveis porque existe uma
convenção estabelecida de identidade entre a primeira sentença e a ao verbo quebrar, ou mesmo uma sentença em que se tenham as duas
sentença inferida a partir da palavra também. Entendemos que, em (2a), interpretações
a Maria adora sorvete e que, em (2b), a Maria corria todos os dias. O reste de estilhaçar e
de ambiguidade de Kempson vale-se dessa identidade: se a sentença de machucar.
antecedente tiver mais de uma interpretação, então a segunda também Outro teste para se distinguir ambiguidade é verificar se, a cada
terá as mesmas interpretações da sua antecedente. Por exemplo, au: lnnPr uma das possíveis interpretações de uma ambiguidade, estará associada uma
n,, c,; rede de sentidos específica. Essa relação semântica específica não pode ser
transferida de um sentido para o outro. Por exemplo, quebrar pode estar
associado a dois sentidos distintos: ao de estilhaçar, como em (la) e (lb), e
ao de descumprir, como em (lc). Vamos chamá-los de quebrar, e de quebrar2

Podemos associar a quebrar, várias palavras que façam parte de seu
campo semântico.
Por exemplo, vaso é uma palavra que tem como característica semântica
[ser quebrável]; portanto, vamos assumir que essa palavra faça parte do
campo semântico de quebrar,. Observe que, nas sentenças que se
constroem com quebrar e vaso, podemos substituir uPrhA nAr nlltrt)

011t' tenha 0 mesmo sentido de quebrar,, mas isso não é possível se


Ambiguidade e vagueza 69

68 Manual de Semântica

e><P'"'"'mo•, "m que "jomo• obógodo• • de<e<minod" e;oolh.,, "veze<, muiw


(6) a. O Paulo quebrou o vaso. complicod"no u•o do Hnguo. O emprego do polovrn mmie livrn-no• de '"que decidi<
b. O Paulo estilhaçou o vaso. "'"mente onde e;<.áo o• limite• e;pewoi• de"'em. Fohme e ouvime"entendem,
c. *0 Paulo descumpriu o vaso. chegondo "mp« • um oro<do ,ob<e o•""'"moi• óbvio•. Em geml, o ron<.exW
oae=n<O
,info<moção odequ>d• P'"e;pecifico< o <ipo de vogueu em jogo. Quando i'"o não
Vamos agora associar ao campo semântico de quebrar2 a palavra promessa. Nesse
o"''"' '""oo làhnte "' moi• expliciw em ,eloção oo que ele que< comunica<. Repiw
contexto sentencia!, só podemos substituir o verbo por outro que tenha o mesmo
sentido de quebrar2 : o exemplo de Chierchia (2003: 66):

(7) a. O Paulo quebrou a promessa. (8) a. Hugo é alto.


b. Como alto? Ele não rem nem 1,65m.
b. O Paulo descumpriu a promessa.
c. Mas eu estava pensando alto para um jóquei.
c. *0 Paulo estilhaçou a promessa.

Em relação à vagueza, ainda uma observação. Existe outro fenômeno, a


O teste de relação de sentidos empregado sugere que existe uma ambiguidade
indiciolidode, que pode •« ronfundido com o fenômeno do voguez•.. A indiciolidade
para quebrarem (la) e (lb) e em (lc).
Existem várias outras propostas para testes de ambiguidade; entretanto, o que "''em exp<e'"Ó"cu i" <efe<ênci"va<iam de comexw P"'con teXW, m"""',midoo
se pode observar é que muitos deles são difíceis de se aplicar devido à dificuldade de
pe<monecem ron"-an<.e;, ,m ""m vago•, como "vem podem "'
in<«P""dm
se criar contextos adequados, e poucos são aqueles em que não existe algum tipo de
po< olgun•; ou ,j,, • indicialidode e;d o,;,;ociada '' polav<"dêi<i=. Lemb..,ndo
controvérsia em relação à sua aplicação. Para se ter uma leitura mais detalhada a respeito
o expo"-o no cophulo "Ouuu pwp<iedode; "m>n<ico<' ,ob<e • dêixi•, po<
desses testes, ver Cruse (1986: 49-83).
exemplo, o n< podNe ,efe<i< a vi<io• individuo• no mundo, m" nem pm ;,.o e;ta
Retomando a noção de vagueza, torno a realçar que esse fenômeno semântico
pode"'
está associado a expressões que fazem referências apenas de uma maneira aproximada,
considerada uma palavra de sentido vago, pois sempre quer dizer o falante do discurso.
deixando o contexto acrescentar as informações não especificadas nas expressões
O me;mo podemo• dáe< wb« pohv<"como aqui e ag""' • inmp<e<Oçáo do aqui
vagas. Tomem-se, como exemplo, adjetivos relacionais como alto, grande, simples etc.
e;d <.elocionoda oo lug"do quol o falante e"-i làlondo; • inte<P'-'"ção do ag"" e;d
Se pensarmos que um elefante é grande, estaremos corretos. Mas se pensarmos que
relacionada ao tempo de fala. Como notamos, não podemos exatamente dizer que
uma formiga de vinte centímetros é grande, também estaremos corretos. Portanto, essas palavras são vagas, mas, sim, indiciais.
Podemos resumir, então, que a ambiguidad e e a vagueza são fenômenos
a ideia de grandeza é uma noção vaga. Veja que certos quantificadores, como vários, perceber que algumas expressões são bem mais vagas (grande) do que outras (verde).
algum etc., não especificam quem são as pessoas exatas de quem falamos. Até mesmo
adjetivos que parecem mais determinados podem ser vagos. Se pensarmos em verde,
não saberemos o limite certo de onde essa cor passa para o azul (como um azul
esverdeado) ou, em direção inversa, quando passa para o amarelo (como um amarelo
limão). Em realidade, podemos observar que quase todas as palavras da língua têm
certa vagueza de sentido. Mesmo palavras como xícara, por exemplo, conforme citado
anteriormente. Se aumentarmos a sua dimensão, alguns já poderiam achar que se
trata de uma tigela. Apesar de não sabermos o limite no qual começa uma tigela e
termina uma xícara, todos sabem reconhecer que alguns objetos são claramente xícaras
e que outros são claramente tigelas. Entretanto, existem alguns que estariam no limite
dessa gradação, onde não saberíamos ao certo se seria uma xícara ou uma tigela.4
Além disso, podemos acrescentar que a vagueza é um fenômeno gradual, pois é fácil
,m>n<ico• que ,6 podem w ,.,olvido• no ron<.exw.' A dife<ença en«e" du>• ""Hngu"vl<i"ou«" fon<" gmdm" de ombiguidode;. Ant'-' de P''"" P'"•
é que, P"'a ombiguidode, o con<exW tem • função de lecionO< quol do• po,\vei• explici<ação do• <ipo• de ombiguidode; exi,ente;, pwponho, ',gui<, olgun•
sentidos será utilizado; para a vagueza, o contexto pode apenas acrescentar exacicio• por• e"-abe\ece< a difmnça enue"upmp<iedade;
alguma e;pecificidode que não "''con<id• no p<óp<i• exp<e"ão. Ainda podemo• inv<'tigod•"ombiguidode, vogueza e indiciolidode.
ob"""'que,
a<é e;te pomo, •ó me de<i à• ombiguidade; cham•d"lexic•i•, i"-o é, ombiguidode;
que •áo gmd"pelo• i<.en• lexicoi>. Em<e<an w , aind• exi"-em Exercícios
<. Ve<ifique, n""ntenÇ" •"gui<, que tipo de ,ehção e;d oro<.<endo; ombiguid,de,
Em termos de processo de comunicação, a vagueza é uma propriedade da língua l• t .J - ..J - TT - - _ _ ,.... ,...... (. ..,\ " pc-t'"PCnrnnl"\<;tOS .

muito útil. Trata-se de 11m :> rn">n P; r r- A--=-- · •· ·


P..rnolguluoue-e-v-aguez-a

1) Todo homem ama a sua mulher. I I

2) O João atirou em um pato correndo.


3) Nós adoramos estudar Semântica. longo da minha prática didática, pude reparar que vários exemplos que os alunos
4) Algumas pessoas adoram Física. me traziam não se encaixavam nos vários tipos propostos na literatura a que tive
S) O ]oão é um rapaz satisfeito. acesso. Por isso, resolvi incluir alguns outros fenômenos linguísticos geradores de
ambiguidade, usando, para tal classificação, a definição trivial de que sentenças
ambíguas são aquelas que apresentam mais de uma interpretação possível.
n. Considcre o vcrbo ama"k". Pode-"aii;ma, que e"a p.Uav;a é, ao m"'mo
rempo,
Ambiguidade
paomsbsiíbgiuliad,adveasg.a e indiâal. Procure comrrui; exemplos para
demonmar e""' lexical
Retomando o exemplo (9) em (13), temos:

Tipos de ombiguidade (13) Eu estou indo para o banco, neste exato momento.

Temos, enrão, que a ambiguidade é, ger-almenre, um fenômeno semântico Em (13), temos um exemplo de ambiguidade lexical, ou seja, a dupla
que aparece quando uma simpb p.Uavrn ou um grupo de p.Uavr"' é mociado a interpre tação incide somente sobre o item lexical. Como já vimos, é o item
mais de lexical banco que torna a sentença ambígua. Entretanto, a ambiguidade lexical
um significado. Vejamos alguns exemplos 6:
pode ser gerada por dois tipos de fenômenos distintos: a homonímia e a
polissemia.
(9) Eu estou indo para o banco, neste exato momento.
(1O) Homens e mulheres competentes têm os melhores Homoní
empregos. (li) Todos os alunos comeram seis sanduíches. mia
(12) Eu não posso falar de chocolate.
A homonímia ocorre quando os sentidos da palavra ambígua não são
relacionados. Existem as palavras homógrafas ( 14), com sentidos totalmente
Vemoo que, pa;a cada um dos exemploo, h.i dua, ou mais inrerp<e<açõcr diferentes para a mesma grafia e o mesmo som; e as homófonas, com sentidos
di'fin ra,. Anr"' que eu mo"'""' poosiveis inre;p<e<açõe.s de (9) a (12), renre você totalmente diferentes para o mesmo som de grafias diferentes (15). Vejamos os
m"'mo achá-I.,. Em (9), é a p.Uavra banco que gera"' du., inre<p<eraçõe" ou eu exemplos:
mou indo pa,.uma imtituição financei,., ou '" e;tou ind,p.,ao =ento, como o
banco da P'"fa. Em (1O), (14) a. banco - instituição financeira8
-lugar em que se assenta
podemos enrendcr como homem e mu/hem•ão competente,, ou como ;á a.< b. manga -fruta
mulhcm'ifu
competentes. O que gera essa ambiguidade é a estrutura do sinragma nominal - parte do vestuário
(sN)/ ou (15)
sexta/cesta
'<ja, a nraxe da '<nrença. Em (I!), remos uma ambiguidade ger-ada pela
po,.,ibilidade de d rribuição entre o quanrificado;tod,,e o SN plur.,J uU
«ndukhes. ou remos que
cada aluno com,.uh, ou todo,o;alun,,junto; comn-am o; •ffl. fua é
Entretanto, essa divisão não é muito relevante. Por isso, para os nossos
conhecida como ambiguidade de "'copo. Na úlrima '<nrença, a ambiguidade é
estudos, consideraremos simplesmente a noção de homonímia.
gerada pelas po"íveí,
Podemos ainda observar que as variações de pronúncia apontam para o fato
implicaru,.,que podemos exrr-ai;dela, ou cu dete.ro chocofmc, ou cu adoro de
choco/are.&,
que nem todos os falantes possuem o mesmo grupo de homonímias. Por exemplo,
é a ambiguidade siruacion.,J, que "'á wudada no capírulo "Aros de f.Ua e
em um dialeto caipira, a palavra calma, pronunciada como carma, pode ser
implicaru;., conve"acionais". Sep.,ando somenre me úlrimo ripo de
homônima da palavra carma (castigo). O que não ocorreria em nosso dialeto.
ambiguidade, a siruacion.U,
Tente achar outros exemplos desses na nossa língua.
podemos diu; que, para idenrificar os aca.mamenros de "nrenç"'
ambígu.,,
remos de definir, exaramenre, em qu.,J "nrido a "n<ença e,rá '<ndo
inrcrp<erada.
Como vimoo nos exemploo anreriore,, a ambiguidade pode '<r gerada
po<vMios
'enômenos da língua, ou aré m"'mo de "u uso. TenrMei classificá-los, "guindo, Polissemia
de
1ma maneira geral, as ambiguidades mostradas na literatura semântica.
Existe uma diferença entre homonímia e polissemia
Entretanto, ao
tradicionalmente assumida pela literatura semântica, mais especificamente pela
Lexicologia. Todos os
conhecimentos históricos a respeito dos itens lexicais. Entretanto, você perceberá que
estabelecer se os itens são ou não relacionados não é tão trivial, e, por isso, a polissemia é
72 Manual de
um dos temas mais investigados na literatura linguística. Nem sempre há uma
Semântica
concordância entre os falantes se há a relação entre os itens em questão, ou mesmo a
recuperação histórica desses itens pode ser tão antiga que, na atualidade, mesmo se
dois fenômenos lidam com os vários sentidos para uma mesma palavra houvesse uma relação anterior, seriam palavras sem relação.
fonológica; entretanto, polissemia ocorre quando os possíveis sentidos da palavra A distinção homonímia/polissemia é de extrema relevância na descrição do
ambígua têm alguma relação entre si:9 léxico de uma língua. Palavras polissêmicas serão listadas como tendo uma mesma
entrada lexical, com algumas características diferentes; as palavras homônimas terão
(16) pé: pé de cadeira, pé de mesa, pé de fruta, pé de página duas (ou mais) entradas lexicais. Em muitos casos, a mesma palavra pode ser
etc. (17) rede: rede de deitar, rede elétrica, rede de considerada uma homonímia em relação a determinado sentido e ser polissêmica em
computadores etc. relação a outros. Observemos o item lexical pasta:

Em (16), o sentido de pé, como sendo a base, é recuperado em todos os


outros sentidos. Em (17), a ideia de alguma coisa entrelaçada é recuperada em
todos os sentidos dados. Para estabelecer essa relação entre as palavras
polissêmicas, usamos a nossa intuição de falante e, às vezes, os nossos
Ambiguidade e vagueza 73 (20) Aquele canto era o preferido pela
Iolanda. (21) O Henrique cortou a folha.
(22) O Frederico esqueceu a sua concha.
apenas uma posição sintática a preencher. A questão é como vamos colocar
As nossas intuições são as mesmas? Em (20), tem-se a palavra canto, que teria
esse verbo no léxico: como uma palavra homônima ou polissêmica? como significado geral tanto a palavra música como a palavra lugar. Parece-me que
A distinção homonímia/polissemia ainda condiciona perguntas como: ir
temos aí uma homonímia, pois são sentidos não relacionados. Em (21), a palavra
como auxiliar é o mesmo verbo que ir, verbo de movimento? Ou seja:
folha pode ser folha de caderno ou folha de árvore. Em que esses sentidos podem
o verbo auxiliar ir é um verbo de movimento? Mais: é possível um
estar relacionados? Podemos associar papel a árvore? Qual é a sua intuição? Em (22),
mesmo item léxico ser um substantivo (canto) e uma forma verbal (eu
consigo afirmar que concha de mar e concha de cozinha têm o mesmo formato, daí a
canto)? Mas essas são questões que
associação polissêmica. Já deu para você perceber que distinguir polissemia de
não vamos homonímia não
tratar aqui.
Vejamos alguns exemplos de sentenças que contenham algum tipo de 10
ambi- é uma tarefa banal.
guidade lexical e tentemos definir se é uma polissemia ou uma Ambiguidade ou vagueza com preposições?
homonímia:
(23) O quadro da Maria é muito
bonito.
(18) pasta = pasta de dente, pasta de comer (sentido básico = (24) O burro do Paulo anda doente.
1
massa)
(19) pasta2 =pasta de couro, pasta ministerial (sentido básico= lugar
Em (23), podemos ter três interpretações: o quadro que a Maria pintou, o
específico)
quadro que a Maria tem e o quadro que fizeram da Maria. Em (24), temos duas
interpretações: o burro que o Paulo tem ou o burro que o Paulo é. O que gera essas
O item lexical pasta pode ser tanto polissêmico nos vários sentidos
ambiguidades é a
associados a cada ocorrê?cia, como pode ser homônimo entre (18) e (19), pois
me parece que os sentidos são totalmente distintos. preposi çã o
E m
de Y
K e mpson (1977: 127), exemplos com preposição,
Essa distinção ainda é muito relevante em outros domínios, pois é um
principalmente com a preposição de, como os anteriores, são apresentados como
fator condicionante de boa parte da descrição gramatical. Por exemplo, as funções casos de vagueza. A autora afirma que "um tipo de vaguidade é a indeterminação do
semânticas atribuídas por um verbo vão depender de considerarmos suas várias significado de um item ou sintagma, cuja própria interpretação parece intangível e
acepções. Se for um verbo como quebrar, e tiver o sentido de alterar o estado de indeterminada. Talvez, um dos exemplos mais extremos disso se encontre em
objetos, teremos associadas à entrada lexical desse verbo as seguintes informações sentenças construídas com a preposição
semânticas: o verbo tem uma causa e um paciente e, portanto, duas posições a J - -·-- -1- l-.>i +..-D"""' Ar ;; nr lb-,t.;, Aa [,..;;,.," PnrrPr<>nrn <P ,nl ir<>rmn-" n tf"_
te
serem preenchidas na sintaxe.. F. n'trPt"H•' '"'h'' ... -·- '- ·· .
Ambiguidade e vagueza
75

74 Manual de Semântica (36) AMaria comprou uma casa por/de/com cem mi l r,. ;. *--

(25) Muitas pessoas compraram o quadro da Maria; e o do João também.


(26) O burro do Paulo anda doente; e o do João também.
(27) O livro do João fez o maior sucesso; e o do Paulo também.
(28) O trem do João passa cedo; e o do Paulo também.

Não me parece possível que tenhamos as interpretações disjuntivas seguintes


para as sentenças (25), (26), (27) e (28), respectivamente:

(29) Muitas pessoas compraram o quadro que a Maria pintou e o quadro em


que o João é modelo.
(30) O burro que o Paulo tem anda doente e o burro que o João é anda doente.
(31) Fez o maior sucesso o livro que o João escreveu e o livro que o Paulo
comprou. (32) Passa cedo o trem que o João conduz e o trem que o Paulo
pega.

A minha interpretação sobre ocorrências com preposição é que realmente são


sentenças ambíguas, pois essas têm claramente duas ou mais interpretações, e só o
contexto especifica qual dos sentidos está sendo utilizado na sentença. Por exemplo,
sentenças com preposições são muito distintas de sentenças claramente vagas:

(33) Várias pessoas moram aqui.


(34) A pessoa indicada já chegou.

Essas sentenças não têm duas interpretações, apenas não são especificadas.
Muito diferente das sentenças com preposições. O que ocorre é que preposições são
itens lexicais "leves", ou seja, podem ter vários sentidos, que só serão estabelecidos a
partir da composição com seu complemento e, às vezes, até mesmo em composição
com o verbo, 1 2 principalmente a preposição de, que pode se referir à origem (veio
de São Paulo), à qualidade (o burro do Paulo, casa de pedra), ao modo (veio de
cavalo), ao agente (o quadro da Maria), à posse (casa da Maria) etc. Mas repare
que, apesar de serem muitas possibilidades, só podem ser essas; não podem ser
outras, como companhia, afetado etc. Ao contrário do que afirma Kempson (1977), a
interpretação das preposiçÕes não é "intangível e indeterminada", pois as preposições
têm associadas a elas determinados sentidos, que devem estar listados no léxico. Veja
que não podemos colocar as preposições de uma maneira arbitrária; estas só se
encaixam em contextos em que existe uma compatibilidade semântica com alguns
dos sentidos que possam ter:

(35) A Maria veio de São Paulo. *com São Paulo/sobre São Paulo (a
preposição tem que ter o sentido de origem)
(39) O quadro da Maria é muito bonito. Ela é uma excelente pintora.
Portanto, a ambiguidade é gerada pela "levezà' do conteúdo
semântico, normalmente associada às preposições. Note que algumas
O contexto em (39) seleciona um único sentido para a sentença em (23): só
preposições são mais leves que outras; o de é um exemplo prototípico de
leveza de conteúdo, e a preposição podemos interpretar essa sentença como sendo a Maria a agente da ação de pintar
até é um exemplo prototípico de conteúdo mais pleno. Veja outros exemplos com o quadro.
preposições que têm mais de um sentido:
Outro caso: vagueza ou implicatura?
(37) O João fez a prova pela Maria. (40) Todo número é par ou ímpar.
(38) O deputado falou sobre o carro de bombeiros. (41) Você quer café ou leite?

Em (37), a preposição por pode ser interpretada tanto como em Em (40), temos o caso em que o ou só tem uma leitura exclusiva, ou seja, não
intenção da Maria como em lugar da Maria. Em (38), a preposição sobre pode há ambiguidade de interpretação: só pode ser uma coisa ou a outra. Mas, em (41),
ser interpretada tanto como em cima do carro de bombeiros como o assunto de temos uma leitura exclusiva e inclusiva: ou podemos entender que você escolherá
sua fala foi o carro de bombeiros. Assumo, pois, que sentenças envolvendo apenas uma
preposições que levam a duas ou mais interpretações são, em realidade, <W opçõ<', ou podomo• ontond« qu< você oswlhor.i "du».É pecfdtom<nt< poo•lvd
exemplos de ambiguidade lexical. Note que o contexto, nesse caso, não uma resposta como: "Eu quero os dois, café e leite". Para Kempson (1977: 128), esse
funciona como o especificador de algum dado não explícito, como no caso de exemplo trata de uma vagueza, não de ambiguidade. A aurora argumenta que "casos
vagueza, mas funciona como o selecionador do sentido desejado, em que o significado de um item envolve a disjunção de diferentes interpretações, é
um caso de vagueza". Nesse caso específico do ou, não conseguimos aplicar nenhum
como no caso de ambiguidade. Por exemplo: dos testes propostos anteriormente. Mas podemos perceber que o contexto seleciona
esses morfemas rendem a ser, sistematicamente, ambíguos entre um sentido inclusivo e outro
exclusivo.1 4 Portanto, parece-nos que temos um caso único nas línguas do que podemos chamar de
76 Manual de ambiguidade universal.
Semântica

Ambiguidade sintática
contexto. Parece-me, antes, que existem duas interpretações distintas e que uma
delas será escolhida, dependendo da entonação dada à sentença. 13 Repetindo o exemplo (lO) em (42), temos:
Chierchia (2003: 255) assume outra possibilidade para a ocorrência do ou
inclusivo/disjuntivo. Para o autor, o ou pode ser tratado como lexicalmente (42) Homens e mulheres competentes têm os melhores empregos.
ambíguo: ele pode tanto ter uma leitura exclusiva quanto inclusiva. Existe também
uma segunda possibilidade, a mais adotada na literatura, principalmente em Esse é um dos exemplos de ambiguidade gerada pela estrutura, no caso mais específico,
Pragmática, que consiste em associar ao ou apenas uma das leituras possíveis, gerada pela estrutura sintática: a ambiguidade sintática. Nesse tipo de arnbiguidade, não é
deixando a segunda por conta de uma inferência guiada pelo contexto, ou seja, uma necessário interpretar cada palavra individualmente como ambígua, mas se atribui a ambiguidade às
implicatura. Existem evidências empíricas em favor dessa segunda possibilidade. Se distintas estruturas sintáticas que originam as distintas interpretações: uma sequência de palavras
o ou fosse lexicalmente ambíguo, provavelmente encontraríamos uma língua em pode ser analisada (subdividida) em um grupo de palavras (chamado de sintagma) de vários
que essa ambiguidade não existiria. Provavelmente existiria uma língua em que modos. Em (42), o adjetivo competentes está modificando homens e mulheres ou simplesmente
haveria duas palavras para significar o ou exclusivo e o ou inclusivo. Como mulheres? Uma interpretação acarreta que ambos, homens e mulheres que são competentes, têm
acontece para outras palavras ambíguas. Por exemplo, a palavra cão do português os melhores empregos (43a); outra interpretação acarreta que as mulheres que são competentes e
é ambígua entre animal e parte de uma arma de fogo; para o inglês, existem duas os homens têm os melhores empregos (43b):
palavras distintas para esses objetos (dog e cock, respectivamente). Embora se
encontrem, em algumas línguas, mais de um morfema para exprimir a disjunção, (43) a. [Homens e mulheres] competentes têm os melhores empregos. b. [Homens] e
[mulheres comnPtPn•Pl .:.-- 1
L -

Ambiguidade e vagueza
77

Outros exemplos de ambiguidade sintática

são: (44) Alugo apartamentos e casas de

veraneio.
(45) O magistrado julga as crianças carentes.
(46) O Cruzeiro ve nceu o São Paulo jogando em
casa. (47) Estou com vontade de comer chocolate de
novo.

Em (44), teremos uma primeira interpretação se entendermos o sintagma


,U vt,.ntiv "ndo ;e\acionado ao ,imagma apa>tammtvt t casas; <m uma "gunda
int«pmação, tetemo' um ptimóto ,imagma apactammto<' um "gundo, casas ,U
wcandv.S< dividitmo'"' <Sttutum u=do cokh<t<S, tetem<>'"'"guint<S
po"ibilidad";

(48) a. Alugo [apartamentos e casas) [de veraneio).


b. Alugo [apartamentos) e [casas de
veraneio).

Em (45), podemos entender que as crianças carentes são julgadas; ou temos que
o magistrado julga carentes as crianças. Alterando a ordem das palavras, em estruturas
com colchetes, remos:

(49) a. O magistrado [julga as crianças carentes).


b. O magistrado [julga carentes) [as crianças).

Em (46), temos a sentença jogando em casa relacionada ao Cruzeiro ou ao


São Paulo. Nesse exemplo, alterando a ordem dos sintagmas para percebermos
quem é o sujeito da sentença com gerúndio, temos as seguintes estruturas:

(50) a. O Cruzeiro venceu [o São Paulo jogando em


casa). b. [O Cruzeiro jogando em casa) venceu o São
Paulo.

Finalmente, em (47), temos o sintagma de novo relacionado somente a


comer chocolate ou a estou com vontade. Novamente temos que mudar a ordem dos
sintagmas para deixarmos claras as possíveis interpretações. Veja as estruturas:
vontade de novo) de comer chocolate.
(51) a. Eu estou com vontade [de comer
chocolate de novo). b. Eu estou [com Em todos os exemplos, o que gera a ambiguidade são as diferentes ..Jpossibilidades
., • • ' 1 1 ,... ,l;C,...,.nt"PC
- -- _:_
1

78 Manual de Semântica

Ambiguidade e vagueza

ambiguidade sintática, conseguimos mostrar as possibilidades de interpretação 79


da sentença apenas alternando a posição das expressões envolvidas na
ambiguidade; o
que não acontece com os outros tipos de ambiguidade. Em (55), pode-se entender que todo mundo ama a mesma pessoa ou que
cada pessoa ama uma pessoa diferente. Vejamos as representações:

Ambiguidade de escopo (61) todo mundo--+ ama uma (mesma) pessoa


(62) cada pessoa--+ ama uma pessoa (diferente)
Existe outro tipo de ambiguidade estrutural, a chamada ambiguidade de
escopo. Um exemplo dessa ambiguidade é (li), repetido a seguir:
Finalmente, em (56), temos que o Léo deu um único livro para todas as
garotas
(52) Todos os alunos comeram seis sanduíches.
ou que cada garota recebeu um livro diferente. As representações seriam:

Em (52), temos as seguintes interpretações: os alunos todos comeram um (63) todas as garotas--+ receberam um livro
total de seis sanduíches ou cada aluno comeu seis sanduíches. A ambiguidade dessa (único) (64) cada garota--+ recebeu um livro
sentença não deame de wn Item bica! amblguo; também não podemo, (diferente)
teotgani= a 'entença em duas estruturações possíveis. A ambiguidade de (52)
decorre de uma estrutura, mas não da estrutura sintática, e, sim, da estrutura Seguindo ainda a observação de Pagani (2009), podemos realçar que, na
semântica da sentença, que gera as duas interpretações: é a maneira de organizar verdade, os quantificadores não são os únicos tipos de expressão linguística que
a relação de distribuição entre as apresentam a am biguidade de escopo. Além deles, há uma série de outros
palavras que expressam uma quantificação que gera a ambiguidade. Ou temos uma operadores que, quando aparecem juntos na mesma sentença, apresentam também
intetptetação coletiva, em que a expt.,ão todo,ot alunot tem tomo akanee, ou C.topo, a ambiguidade de escopo.1 8
1
6 Vejamos um exemplo:

(65) O João não namorou todas as garotas da sala.


seis sanduíches, como um ou temos uma interpretação distributiva, em que cada
todo,
aluno tem seis sanduíches corno escopo. Vejamos outros exemplos de ambiguidade Em (53), podemos interpretar que todos os alunos.foiam as mesmas duas
de escopo envolvendo quantificadores: línguas
ou que cada alunofofa duas línguas distintas. Poderíamos ter representações assim
(53) Os alunos dessa sala falam duas Y
línguas. (54) O Carlos e o José são ricos.
(55) Todo mundo ama uma pessoa. (57) todos os alunos-+ falam (as mesmas) duas línguas
(56) O Léo deu um livro para todas as garotas. (58) cada aluno--+ fala duas línguas (diferentes)
Em (54), temos que o Carlos e o José, juntos, são ricos ou que cada um Uma primeira interpretação, a mais provável, seria: O João namorou
separado algumas
f rico. Podemos ter as seguintes representações: garotas da sala. Nessa interpretação dizemos que a negação tem escopo sobre a
quantificação universal, negando-a. Uma segunda interpretação, menos
(59) O Carlos e o José (todos) --+ são ricos provável, seria: O João não namorou nenhuma aluna da sala. Nessa interpretação
(juntos) (60) cada um --+é rirn f o -- J - \ dizemos que a quantificação universal todas as garotas tem alcance, ou escopo sobre o
operador da negação.
Portanto, com a ambiguidade de escopo, temos outro exemplo de
ambiguidade
relacionada à estrutura da sentença. A diferença básica entre ambiguidade
sintática e ambiguidade de escopo é que, quando há a sintática, você consegue
reorganizar a mesma sentença em diferentes estruturas lineares; quando há a de
escopo, não se têm duas formas lineares de organizar a sentença, mas se têm duas
estruturas subjacentes (ou formas lógicas) distintas.

Ambiguidade por
correferência
A ambiguidade por correferência é um tipo de ambiguidade sistemática
que não tem sua origem nem nos itens lexicais, nem na organização sintática da
sentença e nem no escopo da sentença. A ambiguidade é gerada pelo fato de os
pronomes poderem ter diversos antecedentes:

fC.C.\ r. LJ_,_ _L _ ---- - -' - T ,


81
Ambiguidade e vagueza
e xerocou o material para a Maria, sendo a Maria, nesses casos. " hpnphr ; .< ;- ._ _-
80 Manual de Semântica

As interpretações possíveis são atribuídas ao ripo de ligação entre os pronomes


das sentenças. Em (66) , o pronome sua pode estar coindexado, em uma ligação
anafórica, tanto com o ladrão quanto com o José. Temos, então, duas interpretações
distintas para a sentença: uma em que o ladrão usou a arma dele para roubar a casa e
outra em que o ladrão usou a arma de José. 1 9 Em (67), podemos entender que o
falante quer saber se o José falou com o irmão do José, uma ligação anafórica, ou se
foi com o irmão de quem escuta a pergunta, tratando-se, portanto, esta última, de
uma ligação dêitica.

Atribuição de papéis temáticos


Assume-se geralmente que, a partir da relação de sentido que o verbo estabelece
com seu sujeito e com seu complemento, seus argumentos, ele atribui uma função
semântica, um papel , dentro da sentença a esses argumentos. A essa propriedade
semântica dá-se o nome de papel temático, noção que veremos detalhadamente no
capítulo "Papéis temáticos". Porém, adiantarei neste ponto que também a atribuição
de papéis temáticos pode ser geradora de ambiguidades. Vejamos o exemplo:

(68) O João cortou o cabelo.


(69) O doutor João operou o nariz.

Um mesmo verbo pode atribuir diferentes papéis temáticos para um mesmo


argumento, em interpretações distintas. Em (68) e em (69), os verbos cortar e operar
podem atribuir tanto o papel de agente como de beneficiário aos sujeitos das sentenças.
Temos para (68): o João é cabeleireiro e cortou o cabelo de alguém ou o João foi cortar o
cabelo com o cabeleireiro. Em (69): o doutor João é médico e operou o nariz de alguém ou
o doutor João teve seu nariz operado por alguém. Essa ambiguidade parece ocorrer com
uma classe específica de verbos, em que existe a possibilidade de você fazer determinada
ação ou de alguém fazer essa ação por você:

(70) A Maria fez as unhas.


(71) A Maria fez uma escova.
(72) A Maria fotografou bem.
(73) A Maria xerocou o material.

Nesses exemplos, ou a própria Maria fez suas unhas, fez uma escova em seu
cabelo, fotografou alguma coisa e xerocou seu material, sendo a agente de todas essas
ações, ou alguém fez as unhas da Maria, fez uma escova na Maria, fotografou a Maria
(79) O Arlindo tirou os pés da mesa.

Em (78), se interpretarmos ouvido como sendo um nome que rem como


construções com gerúndios
,mido habilidade mU<ical, 'ó pode<emo' '" '""u'"",indÜêa em que ouvülo é
Apesar de não ser uma ambiguidade muito aceita pelos falantes, alguns
manuais de redação apresentam construções com gerúndio como sendo um complemento do verbo ter:
ambíguas e, portanto,
(80) O Jorge (não tinha) (ouvido).
estruturas a serem evitadas por quem escreve:

(74) Estando arrasado aquele dia, o João não enuou


na sala. (75) Prevendo uma resposta indelicada, não o
interroguei.

Segundo alguns autores, sentenças contendo gerúndios, como (74) e


(75) , podem gm< um• duph in«<P""çãoo exim um• kim<' <empo"l ou
um• kim" causativa possíveis. Podem-se parafrasear as sentenças,
respectivamente:

(76) a. O João não entrou na sala, quando estava


arrasado. b. O João não entrou na sala, porque
estava arrasado.
(77) a. Não o interroguei, quando previ uma resposta
indelicada. b. Não o interroguei, porque previ uma
resposta indelicada.

Entretanto, não é unanimidade que (76a) e (77a) sejam possíveis

paráfrases para (74) e (75).

Ambiguidades múltiplas
As sentenças nem sempre apresentam ambiguidades de um único tipo. Os
vários
tipos explicitados anteriormente podem aparecer, concomitantemente, em uma
mesma
"n<enÇ•· À5 vem,"in«<p«u<mo' um i<em kxical de um• det«min•da
mmd<',
<e<emo' um• det«min•d• emum",;n,,üca;"in«<P'""mo' "'e m"mo
hem de oum m•nei", ""mo'oum ""um<' ,;ndüca. H,, n<'" wo,
um• runbiguidade

lexical e sintática:

(78) O Jorge não tinha ouvido.


82 Manual de Semântica

Ambiguidade e vagueza 83

Entretanto, se interpretarmos ouvido como sendo o particípio do verbo ouvir,


só poderemos ter a estrutura sintática em que existe um tempo verbal composto, e a (87) [O ladrão com a sua própria arma] roubou a casa do José.
sentença não tem complemento:

Se entendermos que a correferência é de o José com a sua arma, teremos


(81) O Jorge [não tinha ouvido]. o segumte:

Em (79), se interpretarmos os pés como sendo um suporte da mesa, só poderemos (88) O ladrão roubou a casa do [José com a sua própria arma].
ter o sintagma os pés da mesa como complemento de tirar.

Veja que nem sempre que ocorre a ambiguidade por correferência tem
(82) O Arlindo tirou [os pés da mesa].
se também uma ambiguidade sintática. Alguns livros trazem a ambiguidade por
correferência como sendo sintática. Mas se pensarmos que a ambiguidade sintática é
Ou se interpretarmos os pés como sendo uma parte do corpo humano, eles só a possibilidade de reorganizar a sentença de várias maneiras, veremos que, em (67),
podem ser do Arlindo e, então, só podemos entender a sentença com a divisão do por exemplo, isso não é possível.
sintagma os pés da mesa em dois sintagmas distintos:20
Para concluir, quero esclarecer que, apesar de eu ter classificado os vários tipos
de ambiguidade, não é sempre tão fácil assim fazer essas distinções, como parecem
(83) O Arlindo; tirou [os pés) [da mesa].
sugerir os exemplos. Além disso, a análise dos exemplos mostrados não é exaustiva.
Com certeza, o leitor ainda encontrará outras interpretações possíveis para os
Outro exemplo dessa multiplicidade pode ser representado pelos exemplos de exemplos dados. Para esta introdução, entretanto, o relevante é mostrar alguns tipos
ambiguidade lexical com a preposição de. A cada interpretação a seguir, atribuídas de ambiguidade existentes na língua e despertar a curiosidade do leitor para um estudo
ao exemplo
atribuído (23), repetido aqui como (84), temos um distinto papel temático sendo
a Maria: mais aprofundado sobre o assunto.

(84) O quadro da Maria é muito bonito. Exercícios


1. Elabore um exemplo de cada tipo de ambiguidade tratado neste capítulo.
Se o quadro foi pintado pela Maria, ela é o agente da ação; se a Maria tem a posse n. Estabeleça a origem das ambiguidades nas sentenças a seguir:
do quadro, ela é a possuidora; e se a Maria é a modelo do quadro, ela é o objeto da ação. 1) Falando em chocolate, me deu uma vontade de comer.
Também, no exemplo (24) de ambiguidade lexical, repetido aqui como (85): 2) A terra está acabando.
3) 13)
(85) O burro do Paulo anda doente.
4)
se interpretarmos burro como sendo um nome, referindo-se a animal, o Paulo só poderá 5)
ser o possuidor; se interpretarmos burro como sendo um adjetivo pejorativo, o Paulo 6)
só poderá ser entendido como quem recebe uma característica. Portanto, também 7)
teremos uma ambiguidade em relação à atribuição de papéis temáticos. 8)
Ainda, um último exemplo, repetido como (86):
9)
1O)
(86) O ladrão roubou a casa do José com a sua. . própria arma.
I J I J
1 11)
Se entendermos que a correferênci::1- rlP,... f,Ã ;;- --- 12)
Os eleitores revoltam-se contra os deputados por causa dos seus salários. Os alunos conseguiram lugar
no teatro.
Abandonei-o contrariado.
Os especialistas debateram ontem as saídas para a crise em São Paulo. A Maria pediu para ela sair.
O Flamengo venceu o Atlético jogando em casa. O João xerocou todos os
livros.
Ele é tido por protetor de pivete ou travesti?
O João e o José estudam em dois turnos. O menino viu o incêndio do
prédio.
O João comprou balas para o José perto de sua casa.
.•.•..._..,,TI\..U

Ambiguidade e vagueza 85
16)
O banco está quebrado.
17)
O Paulo e a Maria leram quinze livros. 5 Não confunda o uso do contexto para resolver questões semânticas, como a ambiguidade e a vagueza, como sendo
18) a própria ambiguidade ou a própria vagueza um fenômeno contextual.
A Natália sofria muito com aqueles cálculos. 6 A partir de sugestões de Pagani (2009), fi z algumas correções no exposto a seguir.
19)
O João não ajudou todos os meninos. 7 Relembrando, temos que sintagma nominal (sN) é um grupo de palavras que ocorre, preferencialmente, na
20) seguinte ordem no portugu ês: um determinante, um nome e um qualificado r. Somente o nome, o núcleo, tem a

21) A escol a precisa urgentemente de bons livros e mestres.


obrigatoriedade de estar presente, sendo os outros elementos opcionais.
• Pustejovsky (1995) aponta para o faro de que a palavra banco pode ter, també m, uma outra interpretação: o lu gar
O João comprou a casa do Paulo por um bom preço. financeiro banco e a instituição banco, sem que esta última seja necessariamente física. Existem várias outras palavras
22)
23) A Celina lembrou-se do Maurílio na igreja. que têm ambiguidade semelhante: livro- o próprio objeto e o conteúdo; xerox- a máquina ou o lugar onde se faz

24) Todos da sala assistiram a dois filmes.


etc. Pustejovsky chama esse tipo de ambiguidade de polissemia complementar.
9 Como já explicitado anteriormente, o fenômeno da polissemia também será tratado sob outra perspectiva, a
Cachorro fez mal à moça. cognitiva, no capítulo "Protótipos e metáforas".
25)
O deputado falou sobre a igreja. 10 Ver Perini (1999).

26) " Repare que, nesse caso, também temos a ambiguidade do item lexical burro: com a ideia da posse relacionada ao
A Sônia recebeu o livro emprestado. t:Ú trata-se do burro a nimal; se temos a ideia de atribuição de qualidade relacionada ao de, temos o burro como
27) um adjetivo pejorativo.
Estando adiantado, o João não saiu àquela hora. 12 Sobre a questão de composição e léxico, ver Pustejovsky (I995).
28)
A Maria tem algumas provas. 13 O contexto, no caso, parece ser a prosódia, segundo conclusões de Lopes (2001).

29) A Maria fez as unhas. 14 Chierchia (2003: 604}, em nota, alude ao faro de que o contraste entreve/ e autdo latim é citado, às vezes, como

um possível caso de desa mbiguização do ou. Mas os faros são bastante controversos.
30) O cachorro do vizinho anda esquisito. l 5 A representação dada por colchetes visa facilitar a leitura dos iniciantes em Linguística. Essas representações poderiam

31) também ser dadas pelas estrutu ras arbóreas, bastante usadas em teorias gerativistas.

32) Julgando inúteis as cautelas, curvei-me à fatalidade. 16


Note que a maneira de distribuição desses sanduíches é vaga: a metade dos alu nos pode ter comido três e a outra
O João pintou as paredes da sua casa. metade três, ou um aluno pode ter comido um e os outros cinco alunos quatro, e assim por diante.
33) 17
Não usarei as representações em linguagem de lógica de predicados, para facilitar a leitura aos iniciantes em

34) O Jorge ama a Rosa tanto quanto o João.


Semântica.
18
Vet, sobre quantificação e escopo no português brasileiro, o capítulo 5 de Pires de Oliveira (2001).
O Marcos e o Paulo são poderosos.
35) El a fez aquilo por mim. 19
Apesar de alguns alegarem uma leitura dêitica do pronome sua neste exemplo, não me parece possível essa
interpretação por causa de própria, que remete a um a interpretação somente anafórica.
36)
O aluno passou a cola muito bem passada. 20
Pagani (2009) mostra que é possível haver mais interpretações para a sentença em (79).
37) A Maria fotografou superbem.
38) Quem fala francês, João ou Maria?
39) Todos os alunos não fizeram a prova.
40)
O João constr uiu uma casa na praia.

Indicações bibliográficas
Em po '""' C,,..,,, (2003, ap. 4), Pi,a <k Oli•cim (200I , ap. 2 'ap. 5) ' n,,; 'G<oldi (1987, ap. 4)
Em ioLJyi&on•sS(o1«97d7(,1c9a9p7. ,7a) pe .K3em1ps0o),nC(1h9i7,.7.;,,c;,ap.M8)c.Omodi.Ciott (I990, ttp. I ), HortO'H l<y (1983, ap. 3),

Notas

' C'"hierchia
"' · ·. n.' """'"•logr,''-"""'"'·,"'"'"""""",.,""""·N..,r,10,;=c""""" (2003).
Ver discussão so bre o assunto em Firrh (1957), Halliday (1966), Lyons (1963), Kempson (1977), Saeed (1997) e

Essa forma é uma adaptação das formas doso, so do, doso too do inglês, propostas por Kempson (1977).
Esse fenômeno, tratado por Rosch (1973, 1975) em sua teoria de protótipos e desenvolvido em termos lingufsticos
por Fillmore (1982) e Lakoff (1987), será visto no capftulo "Protótipos e metáforas" deste manual.

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