Linguagem X Língua

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LINGUAGEM X LÍNGUA

Antes de começarmos nossos estudos sobre as teorias de aquisição de


linguagem, é importante entender a diferenciação entre linguagem e língua.
Vejamos o quadro abaixo:
LINGUAGEM LÍNGUA
Reflete um sentido mais amplo “É um sistema abstrato de regras
que o conceito de língua. gramaticais”. (FERNANDES, 2003, p. 02).

“É um sistema de comunicação “Língua (langue) é um código,


natural ou artificial” culturalmente herdado, uma imposição de
(FERNANDES, 2003, p. 01). regras em diferentes níveis, um valor
social, algo coletivo e uniforme para
“É um sistema simbólico usado todos os falantes, uma estrutura
pra representar os significados organizada que tem seus limites e é
dentro de uma cultura.” (LAW, adquirida inconscientemente pelo
2001, p. 02). indivíduo imerso numa comunidade
social.” (ISSLER,1996, p. 35).
“Linguagem (parole) deve Ex.: língua portuguesa, língua inglesa.
entender-se um ato de liberdade,
uma possibilidade de selecionar
livremente dentro dos diversos
elementos em estoque no código,
seja fonêmico, da sintaxe ou da
semântica. É um valor individual,
algo que não é uniforme para
todos. É uma criação da pessoa,
própria de cada um. É adquirida
conscientemente.” (ISSLER,1996,
p. 36).
Ex.: você é bonito, you are
beautiful, tu es joli.

É necessário saber diferenciar bem estes conceitos para poder


identificar onde está a alteração quando avaliada. Linguagem é toda e qualquer
expressão do pensamento, sendo que a língua é uma forma de linguagem,
como também a linguagem corporal, música, pintura, símbolos. Porém,
linguagem não é um tipo de língua e contém um conceito muito mais amplo. A
expressão oral é considerada uma das formas mais conhecidas e importantes
de comunicação entre os humanos (FERNANDES, 2003), no entanto, outros
tipos de linguagem podem ser utilizados. Vejam as figuras a seguir: são
símbolos utilizados no nosso dia a dia para comunicar algo/linguagem.

Veja os questionamentos abaixo; você já fez estas perguntas?


• Como as crianças adquirem a linguagem?
• Como as crianças aprendem tão rápido a língua materna?
• Será que elas já nascem com uma predisposição ou é adquirida?
• Existe um período crítico para uma aquisição?
• Existe uma diferença entre o processo de aquisição da linguagem
de uma criança normal e uma criança com algum tipo de desvio?
A linguagem é um dos aprendizados mais complexos que o homem
desenvolve, sua aprendizagem se estende por toda sua vida. Os estudos sobre
aquisição da linguagem, além de ter merecido atenção especial de
especialistas de diversas áreas (linguística, psicologia, medicina), também
despertaram indagações entre os pesquisadores interessados no assunto –
dúvidas e controvérsias ainda persistem. Várias teorias foram formuladas e
reformuladas para tentar explicar, assim, estudaremos um pouco sobre estas
teorias, propostas ou abordagens.

Estudos sobre aquisição da linguagem visam tentar explicitar

De que modo o ser humano parte de um estado no qual não possui


qualquer forma de expressão verbal e, naturalmente, ou seja, sem a
necessidade de aprendizagem formal, incorpora a língua de sua comunidade
nos primeiros anos de vida, adquirindo um modo de expressão e de interação
social dela dependente. (CORREA, 1999, p. 01).
Cupello (1993, p. 7) inicia o segundo capítulo de seu livro afirmando que
“Todo ser humano já nasce com a necessidade de aprender uma língua, para
poder se comunicar com o mundo.” Para Borges e Salomão (2003), a primeira
forma de socialização da criança é a linguagem, e geralmente são os pais, por
meio da fala durante o manuseio com o bebê, que efetuam esta interação. Por
intermédio da linguagem, a criança tem acesso, antes mesmo de aprender a
falar, a valores, crenças e regras, adquirindo os conhecimentos de sua cultura.
Conforme a criança se desenvolve, a visão e audição, e os outros órgãos do
sentido, também se desenvolvem, ficando mais refinados. Dessa forma, a
criança alcança um nível linguístico e cognitivo mais elevado, desenvolvendo
cada vez mais seus códigos de linguagem. A aquisição da linguagem é um
trajeto longo e difícil, embora ocorra naturalmente. Muito antes de começar a
falar, a criança está habilitada a usar o olhar, a expressão facial e o gesto para
comunicar-se com os outros. O choro já é uma manifestação de tentativa de se
comunicar; no início é indiferenciado e a partir da segunda/terceira semana,
ganha características de diferenciação.
No desenvolvimento da linguagem, duas fases distintas podem ser
reconhecidas: a pré-linguística, em que são vocalizados apenas sons isolados
(sem palavras) e que persiste até 11 e 12 meses. A fase linguística, quando a
criança começa a falar palavras isoladas com compreensão. Este processo é
contínuo e ocorre de forma ordenada e sequencial com sobreposição
considerável entre as diferentes etapas deste desenvolvimento.
Quatro sistemas interdependentes envolvem o processo de aquisição da
linguagem:
• O pragmático, que se refere ao uso comunicativo da linguagem
num contexto social;
• O fonológico envolvendo a percepção e a produção de sons para
formar palavras;
• O semântico, respeitando as palavras e seu significado; e
• O gramatical, compreendendo as regras sintáticas e morfológicas
para combinar palavras em frases compreensíveis.

LINGUAGEM X FALA

Falaremos um pouco também sobre fala X linguagem. Transcrevo


abaixo um parágrafo de Law que explica muito bem esta diferenciação: A fala
constitui-se de produção verbal, o que inclui tanto um componente fisiológico
quanto um componente linguístico. O primeiro compreende a capacidade de
articulação e inclui a estrutura da cavidade oral, bem como os ressonadores
(laringe, etc.), aliados ao movimento funcional da língua, do véu palatino, etc. A
articulação é tratada convencionalmente sob o aspecto fonético. O segundo
componente abrange o som ou o sistema fonológico da língua usada. A fala
também inclui a capacidade de coordenar movimentos volitivos do aparelho
fonador. A esta denomina-se práxis, a qual está, frequentemente, associada à
fluência da fala. (LAW, 2001, p. 2).
Para o autor, a linguagem “é o sistema simbólico usado para representar
os significados dentro de uma cultura.” (LAW, 2001, p. 02).

ABORDAGENS DA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM


Os estudos sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem vêm sendo
realizados há muito tempo. Apresentamos, assim, as três principais
abordagens no quadro abaixo:
TABELA
Abordagem empirista Abordagem racionalista Abordagem dialética

O pensamento empirista foi a Atribuem à mente aA linguagem tem um papel


base para as duas primeiras responsabilidade pela aquisição constitutivo, fruto de um
teorias em aquisição. A mente da linguagem, na figura do processo interacional.
não era considerada cérebro. Pressupõem que todo ser Surgem duas grandes ideias:
fundamental para justificar ohumano nasce com uma necessária mediação na
processo de aquisição, capacidade inata que subjaz o relação da criança com o
importava somente que oprocesso de aquisição. Para os mundo externo; e a de que o
conhecimento humano era racionalistas, o processo deuso antecede e subsidia o
produzido a partir de suas aquisição não se dá apenas pelas saber. Rejeita a ideia de
experiências com o mundo por variáveis externas (experiência) aquisição e aceita a de
intermédio de estímulos e como acreditam os empiristas construção, sendo fruto da
respostas. A aprendizagem da (behavioristas), mas que o interação entre a criança e o
linguagem se daria pela indivíduo tem participação nesse meio. Principais expoentes
exposição ao meio processo. Na tentativa de explicar Piaget, Vygotsky e Wallon.
(experiências) e decorrente de como ocorre essa participação,
mecanismos inúmeras pesquisas foram
comportamentais por meio do levantadas e tomaram impulso
reforço, estímulo e resposta. originando o aparecimento do
Esse pensamento é inatismo.
essencialmente
comportamentalista oriundo da
tradição norte-americana e
ganhou forças a partir da
Primeira Guerra Mundial, que
impulsionava estudiosos a
compreender o
comportamento linguístico,
reduzindo a mecanismo e
estímulo-resposta, imitação e
reforço.
Behaviorismo Inatistas Construtivistas

Pressupõe que a criança Ao contrário dos behavioristas, As teorias cognitivistas e


desenvolve seu mundo oua aquisição da linguagem não se interacionalistas. Essas
conhecimento linguístico por dá por repetição e sim por meio teorias convergem e
meio de estímulo e resposta da predisposição em adquirir uma divergem entre si. Ambas
(E – R), imitação e reforço. língua que é transmitido construtivistas, as duas partem
B. F. Skinner fundamenta sua geneticamente. Ou seja, a criança já do mesmo pressuposto de que
teoria com base nos reforços que nasceria com certa competência em as crianças constroem a
a criança sofre que podem ser adquiri- la. No entanto, esse linguagem, porém, diferem de
esforços positivos ou negativos. conhecimento considerado inato só como elas contraem essa
De acordo com esses reforços, a é ativado por intermédio do contato linguagem. Enquanto que o
criança manteria ou eliminaria com outras pessoas que falem a cognitivismo representado por
algum tipo de comportamento mesma língua a qual a criança está Piaget propõe que a criança
referente à linguagem e isso a exposta. Por meio desse contato constrói seu conhecimento por
ajudaria a construir, a intenso, as sentenças recebidas pela meio da experiência com o
desenvolver e a aprender uma criança são trabalhadas gerando a mundo físico e que nesse
determinada língua. O gramática de sua língua, tudo isso conhecimento se desenvolve
Behaviorismo, porém, não levou por meio de um dispositivo de por estágio admitindo o
em conta a criatividade que a aquisição da linguagem: o DAL. egocentrismo da criança; o
criança possui, sendo isto, Noam Chomsky é seu principal interacionalismo de
portanto, alvo de vários estudos representante. Vygostsky se baseia nas trocas
posteriores. comunicativas entre a criança e
o adulto, o desenvolvimento
da linguagem e o
pensamento têm origem social
por meio dessa interação.

Conexionismo ou
associacionismo

Essa teoria admite que o


cérebro e suas redes neurais
são responsáveis pelo
aprendizado imediato no
mesmo instante que ocorre a
experiência. Essa teoria baseia-
se na interação entre o
organismo e o ambiente,
porém, não explica com
coerência a rapidez com que a
criança aprende uma língua.

Obs.: vários autores citam Piaget, Vygotsky e Wallon na abordagem


racionalista – numa proposta construtivista. Sigo aqui Palladino (PALLADINO,
R. R. R. Desenvolvimento da linguagem. In: FERREIRA, L. P. et al. (org.)
Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p. 762/771), que divide
em três abordagens, sendo que Piaget, Vygotsky e Wallon estão enquadrados
na abordagem dialética.
Pode-se fazer também uma divisão em estudos da linguagem dentro da
psicolinguística e dentro da neurolinguística. A psicolinguística estuda o
desempenho linguístico de indivíduos normais buscando a lógica interna da
linguagem, comparando línguas, idades etc. Tem como um dos principais
representantes Chomsky – afirmando que existem características universais na
aquisição da linguagem.
A neurolinguística, apoiada em estudos da neurologia e da
neurofisiologia, utiliza técnicas para obter imagens funcionais do sistema
nervoso para estudar a linguagem, a fala e suas funções correlatas. Utiliza
também técnicas de estimulação e registro elétrico ou magnético do tecido
cerebral.
Aqui vamos utilizar a classificação dos estudos da aquisição da
linguagem mais utilizada na literatura que é dividida em: abordagem empirista,
racionalista/inatista e dialética/interacionista.

ABORDAGEM EMPIRISTA

Encontramos como principal linha o behaviorismo, e num segundo plano


o conexionismo. O behaviorismo, ou teoria do comportamento, pressupõe que
a criança desenvolve seu mundo ou conhecimento linguístico por meio de
estímulo e resposta (E – R), imitação e reforço. B. F. Skinner fundamenta sua
teoria com base nos reforços que a criança sofre, que podem ser esforços
positivos ou negativos. De acordo com esses reforços, a criança manteria ou
eliminaria algum tipo de comportamento referente à linguagem e isso a ajudaria
a construir, a desenvolver e aprender uma determinada língua. O
behaviorismo, porém, não levou em conta a criatividade que a criança possui,
esta, portanto, seria alvo de vários estudos posteriores. Já o conexionismo ou
associacionismo admitem que o cérebro e suas redes neurais sejam
responsáveis pelo aprendizado.

ABORDAGEM RACIONALISTA – INATISTA

A linguística estuda a estrutura dos códigos, os fatos da língua. Dentro


da linguística, a psicolinguística estuda a linguagem e seus processos. A partir
de 1960, os estudos da linguagem infantil foram transformados em ideias sob
uma abordagem influenciada pelos linguistas. Para eles, até então, os estudos
sobre linguagem haviam ignorado completamente as descobertas da
linguística. O inatismo nasceu de uma reação contra o behaviorismo e
procurando dar conta do aspecto “criativo” da linguagem, a teoria chomskyana
apoiou-se no pressuposto de que o ser humano dispõe de uma capacidade
inata para a linguagem.
Esta abordagem, que tem Noam Chosmky como seu principal
representante, segundo Palladino (2004), supõe “a determinação da linguagem
pela mente, na figura do cérebro”. O inatismo trata a linguagem como um
conhecimento, sendo que sua aquisição é a atualização de um saber prévio,
inato. Chomsky postula sobre a Gramática Universal, ou seja, universais
cognitivos e linguísticos inerentes a todos os indivíduos e ao meio; cabe
apenas estimular este potencial já existente nas crianças. Quando ativados,
estes universais reconhecem os estímulos apresentados e atuam de modo a
desenvolvê-los – ou seja, toda criança nasce com um conhecimento subjacente
de uma gramática geral, universal, e o meio em que ela vive vai ativar este
conhecimento (FERNANDES, 2003).
Para os inatistas, a linguagem é entendida como sintaxe, considerada
como um conjunto, sendo que a aquisição efetua-se a partir de princípios
universais e de parâmetros que especificam as variações destes princípios nas
línguas – princípios e parâmetros estes que fazem parte do equipamento
genético da criança (SOARES, 2009). Para Chomsky, muitos dos princípios
inatos que determinam a natureza do pensamento e da experiência podem ser
ativados inconscientemente.

ABORDAGEM DIALÉTICA – INTERACIONISTA

Para Palladino (2004, p. 765), as reflexões sobre a linguagem, na visão


dialética, surgem em contrapartida ao modelo inatista, trazendo duas grandes
ideias: “a de uma necessária mediação na relação da criança com o mundo
externo e a de que o uso antecede e subsidia o saber.”
O interacionismo ofereceu muitas respostas às lacunas deixadas pelas
teorias comportamentais e inatistas, ao partir do pressuposto de que o sujeito
interage ativamente com o meio e que este modifica aquele em função de sua
ação. Isto favoreceu muitas pesquisas, e entre os autores que discutem esta
abordagem encontramos Piaget, Wallon e Vygotsky, que divergem entre si em
alguns pontos sobre desenvolvimento e linguagem.
Saleh (2008, p. 160) cita que para o interacionismo, a relação da criança
com a linguagem supõe sempre a presença do outro e da língua. O outro,
como aquele que interpreta a criança; a língua como o que permite essa
interpretação. Assim, para dar conta da mudança da fala infantil é preciso
considerar não só a fala da criança (e sua história), mas ver como essa fala se
relaciona com a fala do adulto e com a própria língua. São os efeitos da fala
dos adultos sobre a fala da criança que a levam adiante na linguagem e fazem
com que seu percurso nessa seja único.

Jean Piaget

O discurso da Epistemologia Genética de Piaget enfatiza a ação da


criança sobre o meio físico, da qual decorreria a construção de estruturas
cognitivas fundamentais para todo o tipo de desenvolvimento – os esquemas
sensório-motores. Esquema é um padrão de comportamento ou pensamento,
que emerge da integração de unidades mais simples e primitivas em um todo
mais amplo, mais organizado e mais complexo. A criança, quando nasce,
apresenta poucos esquemas
– e são esquemas reflexos; conforme vai se desenvolvendo, estes
esquemas tornam-se generalizados, mais diferenciados e mais numerosos.
Tafner (2008) exemplifica os esquemas como o funcionamento é mais
ou menos o seguinte, uma criança apresenta certo número de esquemas, que
grosseiramente poderíamos compará-los como fichas de um arquivo. Diante de
um estímulo, essa criança tenta "encaixar" o estímulo em um esquema
disponível. Vemos, então, que os esquemas são estruturas intelectuais que
organizam os eventos como eles são percebidos pelo organismo e
classificados em grupos, de acordo com características comuns.
Ao tratar da aquisição da linguagem, Piaget postula que a linguagem
aparece após um estágio do desenvolvimento cognitivo, portanto, não é inata e
precisa esperar o desenvolvimento de uma etapa cognitiva para que a criança
possa começar a manifestar processos de “assimilação” ligados à aquisição da
língua. (FERNANDES, 2003).
A figura, a seguir, representa esquematicamente o pensamento
piagetiano:

Linguagem
Cognição

FONTE: Fernandes, 2003.

Para Palangana (2001, p. 23) o fator de equilibração desempenha um


papel fundamental no processo de desenvolvimento do indivíduo, servindo
como alicerce da teoria piagetiana – necessário para explicar todos os demais
fatores do desenvolvimento. O desenvolvimento pessoal, para Piaget, é função
de atividades múltiplas em seus aspectos de exercício, de experiência e de
ação. Estes aspectos devem estar coordenados entre si, pressupondo “um
sistema de autorregulação ou equilibração, que dependerá das circunstâncias
tanto quanto das potencialidades epigenéticas.” Ou seja, quando assimilação e
acomodação estão em harmonia, o sujeito está adaptado, em equilíbrio.
A assimilação é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um
novo dado perceptual, motor ou conceitual às estruturas cognitivas prévias.
Exemplificando: quando uma criança, andando pela rua, tem novas
experiências (ouve/vê objetos, coisas diferentes, novas), ela tenta adaptar
esses novos estímulos às estruturas cognitivas que já possui.
Para Piaget, acomodação é toda modificação dos esquemas de
assimilação sob a influência de situações exteriores ao quais se aplicam. Ou
seja, a acomodação acontece quando a criança não consegue assimilar um
novo estímulo, pois não tem uma estrutura cognitiva que assimile esta nova
informação em função das particularidades desse novo estímulo. Como ela não
tem a estrutura, ela cria um novo esquema ou modifica um esquema já
existente. Tanto uma ação como a outra resultam em uma mudança na
estrutura cognitiva – a acomodação. Quando ocorre acomodação, a criança
pode tentar assimilar o estímulo novamente, e uma vez modificado a estrutura
cognitiva, o estímulo é prontamente assimilado.
Piaget divide o desenvolvimento em quatro estágios ou períodos:
sensório- motor (0 – 2 anos); pré-operatório (2 – 7,8 anos); operatório-concreto
(8 – 11 anos) e operatório-formal (8 – 14 anos).
➢ Período sensório-motor (0 - 2 anos): caracteriza-se pela
inteligência sensório-motora. O bebê, partindo de simples
reflexos, consegue construir esquemas de ação para assimilar
mentalmente o meio, chega progressivamente a uma organização
coerente de percepções sucessivas e movimentos que lhe
permitem uma interação com os objetos reais do seu meio
imediato: inicialmente, as condutas sensório-motoras dirigem-se
ao próprio corpo (sucção, audição, visão, etc.), orientando-se, em
seguida, aos objetos externos. Uma coordenação gradual de
ações tem lugar por meio do jogo de assimilações recíprocas,
repetidas, reconhecidas e generalizadas. Também é marca pela
construção prática das noções de objeto, espaço, causalidade e
tempo.
Exemplo: o bebê pega o que está em sua mão; "mama" o que é posto
em sua boca; "vê" o que está diante de si. Aprimorando esses esquemas, é
capaz de ver um objeto, pegá-lo e levá-lo a boca (TAFNER, 2008).
➢ Período pré-operacional (2 - 7 anos): nesta fase surge a
capacidade de substituir um objeto ou acontecimento por uma
representação – função simbólica. A atividade sensório-motora
não fica esquecida ou abandonada, mas sim, neste período, é
refinada e fica mais sofisticada, ocorrendo uma crescente
melhoria na sua aprendizagem, permitindo que a mesma explore
melhor o ambiente, fazendo uso de mais e mais sofisticados
movimentos e percepções intuitivas.
A criança deste estágio:
 É egocêntrica, centrada em si mesma, e não consegue se colocar,
abstratamente, no lugar do outro;
 Não aceita a ideia do acaso e tudo deve ter uma explicação (é fase
dos "por quês");
 Já pode agir por simulação, "como se";
 Possui percepção global sem discriminar detalhes;
 Deixa se levar pela aparência sem relacionar fatos.
Exemplo: mostram-se para a criança duas bolinhas de massa iguais e
dá-se a uma delas a forma de salsicha. A criança nega que a quantidade de
massa continue igual, pois as formas são diferentes. Não relaciona as
situações (TAFNER, 2008).
➢ Período das operações concretas (7 - 12 anos): é o estágio em
que a criança desenvolve as noções de tempo, espaço,
velocidade, ordem, casualidade, sendo, então, capaz de
relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade.
Apesar de não se limitar mais a uma representação imediata,
depende do mundo concreto para abstrair. O conceito de
reversibilidade é uma importante aquisição deste estágio.
Exemplo: Despeja-se a água de dois copos em outros, de formatos
diferentes, para que a criança diga se as quantidades continuam iguais. A
resposta é afirmativa uma vez que a criança já diferencia aspectos e é capaz
de "refazer" a ação (TAFNER, 2008).
➢ Período das operações formais (dos 12 anos em
diante): as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível
mais elevado de desenvolvimento. A representação agora permite
à criança uma abstração total, não se limitando mais à
representação imediata e nem às relações previamente
existentes. Agora a criança é capaz de pensar logicamente,
formular hipóteses e buscar soluções, sem depender mais só da
observação da realidade (TAFNER, 2008). As estruturas cognitivas da
criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e tornam-
se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas.

Henri Wallon

Henri Wallon (1879/1962) faz oposição a qualquer espécie de


reducionismo orgânica ou social e ao dualismo corpo e alma. O ser humano é
“organicamente social, isto é, sua estrutura orgânica supõe a intervenção da
cultura para se atualizar” (DANTAS, 1992). A compreensão do ser humano
deve ter a gênese da inteligência, é genética e organicamente social, sua teoria
é centrada na psicogênese da pessoa completa. Em seu entendimento, o
desenvolvimento cognitivo seria um processo descontínuo e eminentemente
social, sendo que a linguagem tem um papel fundamental – posição contrária a
de Piaget. O objetivo de seus estudos era compreender o desenvolvimento
psicomotor humano numa perspectiva psicogenética; para isso estudou os
distúrbios psicomotores e mentais da criança estabelecendo comparações
entre o mundo animal e a história da humanidade.
Para o autor, o substrato de toda a atividade mental é a motricidade ou
psicomotricidade, desde que dialeticamente ligada à emoção, ou seja, é o
resultado de uma primeira troca expressiva da criança com o homem e anterior
à interação com o mundo objetivo. Considera também a expressão emotiva um
estágio primitivo
– uma pré-linguagem – que será integrado, gradativamente, às
atividades psíquicas superiores, num processo repleto de crises e conflitos.
Para Wallon, a linguagem é produto e produtor da consciência humana;
é capaz de conduzir o pensamento e também capaz de nutri-lo e alimentá-lo
(DANTAS, 1992).
Os estágios de desenvolvimento são assistemáticos e descontínuos,
sendo importantes para a formação do ser humano. Estes não são demarcados
pela idade cronológica, e sim pela regressão, conflitos e contradições que
ocorrem. Os cinco estágios de desenvolvimento do ser humano apresentados
por Galvão (1995) sucedem-se em fases com predominância afetiva e
cognitiva:
➢ Impulsivo-emocional (1º ano de vida): a predominância da
afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, às
quais intermediam sua relação com o mundo físico;
➢ Sensório-motor e projetivo (um aos três anos): a criança adquire
maior autonomia na manipulação de objetos e na exploração dos
espaços com a aquisição da marcha e da prensa; ocorre o
desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. Como diz
Dantas (1992), para Wallon, o ato mental se desenvolve a partir
do ato motor;
➢ Personalismo (três aos seis anos): desenvolve-se a construção
da consciência de si mediante as interações sociais, reorientando
o interesse das crianças pelas pessoas;
➢ Categoria: neste estágio observa-se que os progressos
intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o
conhecimento e conquista do mundo exterior;
➢ Predominância funcional: ocorre nova definição dos contornos da
personalidade, desestruturados devido às modificações corporais
resultantes da ação hormonal. Questões pessoais, morais e
existenciais são trazidas à tona.

Wallon compartilha com Vygotsky a mesma matriz epistemológica, o


materialismo histórico e dialético, sendo que, para Wallon, a emoção é o
principal mediador, enquanto que, em Vygotsky, o sistema de signos e
símbolos ocupa tal papel.
Lev Semynovitch Vygotsky

Para Vygotsky, a linguagem desempenha papel fundamental na


construção do conhecimento, no desenvolvimento das estruturas psicológicas
superiores, e é a ferramenta psicológica mais importante. Esta permite a
formulação de conceitos, abstrair e generalizar a realidade, por meio de
atividades mentais complexas. Encontramos em Vygotsky (1989, p. 44) que o
pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata, mas é
determinado por um processo histórico-cultural e tem propriedades e leis
específicas que não podem ser encontradas nas formas naturais de
pensamento e fala.
Ou seja, todos os conceitos são construídos socialmente e
internalizados pelos sujeitos ao longo de sua vida, no decorrer do seu
desenvolvimento. Para o autor, a linguagem se origina num ambiente social
que é mediado por pessoas e desempenha papel importante na própria
cognição.

Silva (2009) refere que Vygotsky

Defende a posição de que o processo de aquisição de linguagem está


embutido no processo de socialização do conhecimento... falar e ouvir são
práticas sociais com histórias e consequências sociais, além de expectativas e
consequências também sociais.
Palangana (2001, p. 97-99) afirma que “na perspectiva vygotskyana, a
constituição das funções complexas do pensamento é veiculada principalmente
pelas trocas sociais e, nesta interação, o fator de maior peso é a linguagem, ou
seja, a comunicação entre os homens”.
Desde o nascimento, a criança dispõe de instrumentos para interagir
com o mundo e que mediam a interação. “A linguagem intervém no processo
de desenvolvimento da criança desde o nascimento.” (PALANGANA, 2001, p.
97-99) No dia a dia, os adultos vão conversando com a criança, nomeando
objetos – com isso oferecem elementos por meio dos quais ela organiza sua
percepção, interagindo com o mundo.
essa interação, a criança é orientada na discriminação do essencial e do
irrelevante podendo, posteriormente, ser capaz de exercer esta tarefa por si só,
ao tentar compreender a realidade. Assim, com a ajuda da linguagem, a
criança controla primeiro o ambiente e, mais tarde, seu próprio comportamento.
A aquisição de um sistema linguístico organiza, pois, todos os processos
mentais da criança, dando forma ao pensamento.
Em seu livro Linguagem e Pensamento, Vygotsky afirma que linguagem
e pensamento são fenômenos de desenvolvimento independentes nos
primeiros meses de vida, manifestando-se com autonomia; porém, por volta do
segundo ano, as curvas de evolução do pensamento e da linguagem se
encontram, passando a exercer uma relação de dependência mútua –
interdependência. Esta união – do desenvolvimento linguístico e do cognitivo,
dará início a uma nova forma de comportamento no desenvolvimento da
criança: a linguagem começa a servir o intelecto e os pensamentos começam a
ser verbalizados. É possível observar, nesta fase, que a criança tem uma
grande curiosidade pelas palavras, perguntando constantemente pelo nome
das coisas, com isso ela amplia substancialmente seu vocabulário. Observa-se
que, pensamento e linguagem, que não estavam interligados até o momento,
estabelecem uma conexão que fica firme e irá se desenvolver. Esses contatos
– linguagem e pensamento – “passam a interferir no complexo universo
cognitivo da criança de modo a determinar, a certa altura, que a linguagem
pode servir de impulso para o pensamento” (FERNANDES, 2003, p. 9;
PALANGANA, 2001, p. 101).
Em torno dos 2 anos

Linguagem

FONTE: Fernandes, 2003, p.9.

Em seus experimentos, Vygotsky demonstra que “a fala não apenas


acompanha a atividade prática da criança, como também desempenha um
papel específico na sua realização. A criança fala enquanto age... ação e fala
fazem parte de uma mesma função psicológica.” (PALANGANA, 2001, p. 99).
Vygotsky afirma que “ao longo do desenvolvimento, a dinâmica da
relação entre fala e ação se altera” (PALANGANA, 2001, p. 100). Esta relação
aconteceria do seguinte modo:
➢ Do nascimento até por volta dos três anos – fala social: a fala
acompanha as ações da criança, porém, de maneira dispersa e
caótica;
➢ Fala egocêntrica: a fala começa a atuar como auxiliar do plano de
ação já concebido, mas ainda não realizado, desloca-se para o
início da ação;
➢ Após a idade de seis anos: a fala determina e domina a ação,
“adquirindo função planejadora”, com isso a criança “passa a ter
condições de efetuar operações complexas dentro de um
universo temporal, deixando de agir apenas em função do espaço
compreendido pelo seu campo visual.” (PALANGANA, 2001, p.
100-101).
Em relação ao desenvolvimento das operações mentais que envolvem o
uso de signos, Palangana (2001, p. 104) cita que Vygotsky sugere a existência
de quatro estágios:
• 1º - estágio natural ou primitivo: que corresponde à fala pré-
intelectual (manifestada na forma de balbucio, choro e riso) e ao
pensamento pré-verbal (caracterizada por manifestações
intelectuais rudimentares, ligadas à manipulação de
instrumentos);
• 2º - estágios das experiências psicológicas ingênuas: a criança vai
interagir com seu próprio corpo, com objetos e pessoas a sua
volta – com isso busca aplicar as experiências ao uso de
instrumentos; é o início da inteligência prática. Na linguagem,
observa-se o uso correto das formas e estruturas gramaticais,
mesmo se a criança ainda não entendeu suas respectivas
representações lógicas; domina a sintaxe da fala antes de
dominar a sintaxe do pensamento;
• 3º - estágio dos signos exteriores: neste estágio “o pensamento
atua basicamente com operações externas, das quais a criança
se apropria para resolver problemas internos.” No
desenvolvimento da fala, é o período da fala egocêntrica;
• 4º - estágio de crescimento interior: caracterizado pela
interiorização das operações externas. Dispondo de memória
lógica, a criança pode operar com relações intrínsecas e signos
interiores. No desenvolvimento da linguagem, este estágio
caracteriza-se pela fala interior ou silenciosa.

Quem segue a concepção de linguagem nesta visão, salienta Hage,


“não vê a linguagem só como um código com a finalidade de transmitir
informações, excluindo o sujeito que fala e os fatores múltiplos contextuais de
interpretação, mas como uma atividade, uma ação”. (2001, p. 13). Esta
concepção privilegia a linguagem como procedimento cognitivo e como
procedimento comunicativo. Como procedimento cognitivo, a linguagem tem
um papel constitutivo no conhecimento de mundo da criança; como
procedimento comunicativo, tem um papel de ação sobre o outro na interação
social. (HAGE, 2001, p.13)

Obs.:
1) Para Vygotsky, os estágios de desenvolvimento cognitivo não possuem caráter universal;
2) Vygotsky não atribui a mesma conotação de fala egocêntrica que Piaget. “Na concepção piagetiana, a
fala egocêntrica não cumpre nenhuma função verdadeiramente útil no comportamento da criança e
simplesmente se atrofia a medida que se desenvolve o pensamento socializado, no período operacional
concreto.” Já para Vygotsky “a fala egocêntrica desempenha um papel definido e muito importante na
atividade da criança. não permanece
por muito tempo com um mero acompanhamento da ação: constitui-se num meio de expressão e
libertação de tensões, tornando-se logo um instrumento do pensamento... um estágio transitório na
evolução da fala social para a fala interior.” (PALANGANA, 2001, p. 100).

3) Enquanto no referencial Construtivista (Piaget) o conhecimento é entendido como ação do sujeito


sobre a realidade (sujeito ativo), o referencial sócio-histórico enfatiza a construção do conhecimento
como uma interação semiótica mediada por várias relações. Na troca com outros sujeitos – e consigo
próprio – vão se internalizando os conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a constituição
de conhecimentos e da própria consciência, sendo que nestes processos a linguagem tem papel
fundamental.

Fernandes (2003, p. 9) afirma que qualquer que seja a colocação


científica em torno da aquisição da linguagem, verificamos que a língua tem um
papel central na vida humana, o que nos leva a estudar não apenas o aspecto
linguístico e cognitivo em seu desenvolvimento, mas também, levarmos em
consideração os aspectos anatomofuncionais do indivíduo.

RELAÇÃO ENTRE COGNIÇÃO E LINGUAGEM

Para Mogford & Bishop (2002, p. 23) a relação entre cognição e


linguagem é um tema recorrente e de muito interesse entre os psicolinguistas.
Pode a linguagem desenvolver-se amplamente como um sistema autônomo, ou
existe algum dote cognitivo necessário antes da aquisição da habilidade
verbal? Essa pergunta tem permeado muitas pesquisas. Se essa questão for
analisada pela perspectiva de que certas habilidades cognitivas não verbais
são pré-requisitos para o desenvolvimento da linguagem (como na teoria
piagetiana), então “as crianças que não possuem tais habilidades não seriam
capazes de desenvolver a linguagem”. Piaget, como vimos, salientava que a
linguagem aparece após um estágio do desenvolvimento cognitivo, sendo que
o aspecto cognitivo era necessário para o aparecimento da linguagem. Porém,
ao considerar que “as crianças nas quais o desenvolvimento sensorial, motor
ou mental estão prejudicados de várias formas, nas quais a linguagem e outros
aspectos do desenvolvimento cognitivo estejam dissociados”, torna-se possível
demonstrar a independência lógica do sistema cognitivo e linguístico.
Aqui não falaremos das alterações de linguagem nas deficiências
auditivas, cognitivas, mentais, motoras e neurológicas, mas, quando
analisamos os aspectos da linguagem nessas deficiências, pode-se observar
que a linguagem pode se manter, em maior ou menor grau, independente dos
aspectos cognitivos.
Vimos que, na concepção de Vygotsky, as atividades mentais e de
comunicação humana são sociais e dialógicas em sua gênese, estrutura e
funcionamento.
Para ele, o desenvolvimento humano se dá nas trocas entre parceiros
sociais, por meio de processos de interação e mediação. Os fatores sociais,
de acordo com Vygotsky, desempenham um papel fundamental no
desenvolvimento intelectual. Quando o conhecimento existente na cultura é
internalizado pelas crianças, as funções e as habilidades intelectuais são
provocadas para o desenvolvimento deste conhecimento; este aprendizado
leva ao desenvolvimento, tornando-se um círculo que leva ao desenvolvimento
contínuo. A aprendizagem é o processo pelo qual o sujeito adquire
informações, habilidades, atitudes, valores, etc., a partir de seu contato com a
realidade, o meio ambiente e com o outro, possibilitando o despertar de
processos internos do sujeito. É na troca com o outro e consigo mesmo que se
vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a
formação do conhecimento e da própria consciência – a troca como outro é
feita por meio da linguagem. Vygotsky aponta uma relação interna (de
constitutividade) entre cognição e linguagem, e como nos traz Morato (2000) “o
que coloca Vygtosky entre os que entendem que a relação entre linguagem e
cognição (e não apenas ‘pensamento’) passa pela noção de significação (e não
propriamente pela noção de comunicação ou pela de representação).”
Então, poderíamos dizer: LINGUAGEM → TROCA COM O
OUTRO

AQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES/CONHECIMENTOS → TROCA COM


O OUTRO

POR MEIO DA LINGUAGEM – portanto, linguagem e cognição


caminham lado a lado e se entrelaçam em determinados momentos. O
sujeito precisa da linguagem para desenvolver, precisa do conhecimento para
se expressar, e a expressão desse conhecimento se dá por intermédio da
linguagem. Existe uma interdependência entre cognição e linguagem.

EXISTEM PERÍODOS CRÍTICOS PARA O


DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM?

A maioria dos autores concorda que os primeiros anos de vida são


cruciais para o desenvolvimento da linguagem, e de que se algum fator
interferir na aquisição da linguagem neste período, “é possível não poder
recuperar posteriormente o déficit de linguagem, mesmo que o fator causador
deste seja retirado” (MOGFORD & BISHOP, 2002, p. 24-25). É o que pode se
observar no filme “A maçã”, em que as gêmeas, após anos e anos
trancafiadas, apresentaram um déficit de linguagem muito grande. Podemos
observar que casos de isolamento e negligência (como no filme), privações –
não só alimentar, mas social, emocional e de estimulação no início da vida –
podem interferir e muito na aquisição e desenvolvimento da linguagem. Esses
quadros poderão ser revertidos com a terapia, com estimulação? Alguns, os
autores afirmam, dependendo da idade em
que esse processo terapêutico/estimulação tem início. Quanto mais tarde,
mais difícil recuperar o tempo perdido. Os aspectos de plasticidade na
representação neurológica da linguagem diminuem com a idade, “de forma que
a probabilidade de permanecerem deficiências linguísticas após uma lesão de
hemisfério esquerdo aumentar com a idade.”
AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

Como as crianças se comunicam? Quais as estratégias ou meios que


utilizam para compreender e desenvolver a linguagem? Como é o
desenvolvimento normal de linguagem? Questões como estas estão sempre
em questionamento.
Falaremos de maneira geral sobre os principais aspectos do
desenvolvimento da linguagem em crianças normais e suas alterações. Há
divergência entre os autores em relação à divisão cronológica das diferentes
etapas do desenvolvimento da linguagem, porém, a divisão entre período pré-
linguístico e linguístico é quase consenso.
A criança, no primeiro ano de vida, passa por uma série de
transformações, vence uma série de etapas no desenvolvimento cognitivo e
motor, necessárias para o desenvolvimento da linguagem. França (2004, p.
469) cita que “a linguagem como instrumento de comunicação e elaboração do
pensamento é adquirida num sistema arbitrário de sinais que representa a
língua,” sendo que “seu desenvolvimento depende, portanto, não somente de
uma reação perceptomotora entre as percepções e as praxias, mas de um ato
complexo que envolve a cognição.” Para que se desenvolva, a linguagem
necessita de órgãos periféricos (órgãos fonoarticuladores) e do sistema
nervoso central.
Ao nascer, o bebê é estimulado auditivamente, visualmente e tatilmente,
e nem por isso ele começa a falar imediatamente, pois, como afirma Abreu
(2008), “os órgãos necessários para o desenvolvimento da linguagem não são
funcionais para o propósito da comunicação desde o nascimento”, eles vão
amadurecendo.
A forma de comunicação do bebê ao nascer ocorre por meio do choro,
inicialmente indiferenciado, passando a partir da segunda ou terceira semana a
se
diferenciar, dependendo do estímulo ao qual a criança é exposta e da
necessidade dela. Seria um “repertório de choro” (CUPELLO, 1993) que as
mães e adultos muito próximos, conseguem identificar. Neste período, ainda
não há intenção ou consciência. Aqui, o choro é marcado por diferentes
padrões entoacionais, intensidades e ritmos (SCHEUER; BEFI-LOPES E
WERTZNER, 2003). Gradativamente, a comunicação mãe/bebê fica mais
efetiva e aos poucos mais intencional.
Os dois primeiros anos de vida são cruciais para o desenvolvimento da
linguagem. Neste período, a criança passa por um “treinamento” articulatório
por meio do choro, sons guturais, balbucio; é uma aprendizagem linguística.

TABELA

Idade O que faz


0-2 semanas Choro indiferenciado, não há intenção, nem consciência.
2-3 semanas O choro ganha características de diferenciação, dependendo do estímulo que a
criança está exposta.
1 mês Sons de “gargarejo” começam a se incorporar na “fala” do bebê.
2-4 meses Começam os sons vocálicos.
3 meses Verdadeiro balbucio.
4-5 meses Os bebês já têm percepção de ritmo, entonação, duração e frequência dos sons.
5 meses Começa a aparecer sequências de vogais e consoantes, geralmente sons velares.
Começam a imitar os sons que ouvem;
As vocalizações começam a adquirir algumas características de linguagem
propriamente dita: aparecem entonações, ritmo e tons diferentes;
Emite sons guturais com um /r/ bem prolongado em resposta ao rosto da mãe
6 meses quando esta se coloca bem à sua frente;
Começa o balbucio (/da/-/ba/-/ka/), aprende logo a reproduzir esses sons; Vocaliza
também uma grande variedade de vogais;
Reage à voz humana a 40db e reconhece a voz da mãe.
Repetições passam a ser mais intencionais; As sílabas ficam mais complexas;
Podem surgir palavras significativas;
9 meses Nessa idade reage a sons familiares e responde a limiares cada vez mais baixos.

Dá-se conta do valor comunicativo do seu comportamento e aprende a controlar


isso;
10 meses Início da imagem mental da representação do meio ambiente;
Surge primeira palavra intencional;
Começa a fase pré-conversação;
Vocaliza mais durante os intervalos quando é deixada livre pelo adulto;
Procura espaçar e encurtar as vocalizações para dar lugar às respostas do adulto.
Inicia o uso convencional da linguagem – as crianças normalmente falam as
12 meses primeiras palavras reconhecíveis pelos adultos;
A compreensão ainda é maior que a expressão.
entre 12 e 18 Há um rápido aumento da compreensão e da expressão;
meses Repertório de aproximadamente 50 palavras, usadas de forma isolada; Ainda
apresenta sons sem sentido;
Compreende algumas palavras familiares, por exemplo: mamãe, papai, neném;
As vocalizações são mais precisas e melhor controladas quanto à altura tonal e a
intensidade. Agrupa sons e sílabas repetidas à vontade;
Por volta dos 15 a 18 meses o vocabulário aumenta muito e começa a nomear as
coisas.

15-18 meses
Próximo dos Podem falar um número razoável de palavras;
18 meses Ocorre aumento do vocabulário.
Entre 16 e 19 A maioria das crianças ainda utiliza pistas não verbais – como o olhar.
meses
Ocorre nas crianças grandes mudanças nas habilidades conversacionais;
Começam a compreender que tem necessidade de responder com fala a fala do
outro;
Fazem perguntas, compreendem o que lhes é dito; Tomam parte de uma troca
linguística entre duas pessoas; Surgem frases de dois ou três elementos;
Existe um período transacional no qual as sequências de uma só palavra começam
a aparecer reunidas, mas sem ocorrência prosódica que caracteriza uma oração.
exemplo: "papai aqui", "mais água", etc;
Começam a aparecer às primeiras flexões (plural);
Entre 18 e 24 As orações negativas são utilizadas por meio do não isolado ou colocado no final;
meses por exemplo: "dormir não";
As interrogativas: “que?” e “onde?” são as mais primitivas. Verbaliza as
necessidades;
Compreende certas ordens.
Falam em torno de 200 palavras, emitem frases simples;
Aparição de frases rudimentares com pronomes (eu, meu). Estas serão as
primeiras relações simbólicas, já que a criança se designa na terceira pessoa;
24-30 meses Constrói bem uma sequência de três elementos, por exemplo: "neném come pão",
com uma estrutura principal do tipo svs (substantivo-verbo-substantivo);
Esta fase costuma ser chamada de "fala telegráfica", pois não aparece no discurso
as principais palavras-função: artigo, preposição, flexão de gênero, número e grau;
Sabe cantar algumas canções infantis.
Compreende a aquisição de substantivos abstratos (cores) dos adjetivos, a dimensão
dos termos espaciais (perto/longe);
A estrutura da frase, assim como a maioria dos fonemas, já deve estar estabilizada;
No plano de estrutura das frases, as orações vão se tornando complexas, chegando
à combinação de quatro elementos;
Começam a aparecer as primeiras frases coordenadas, por exemplo: "papai não
está” e “mamãe não está";
Aumenta a frequência do uso das principais flexões: gênero, número e grau;
enquanto vão aparecendo outras formas rudimentares de verbos auxiliares (ser,
30-36 meses estar). Por exemplo: "neném não estar";
Uso mais sistemático dos pronomes de primeira, segunda e terceira pessoa (eu-tu-
ele-ela), dos artigos definidos (o-a). Diversas frases simples com advérbios de lugar
combinados em orações coerentes;
Responde quando é chamada por seu nome.
Habilidade para formular comandos indiretos simples;
Vasta utilização de pronomes possessivos e verbos auxiliares; Eliminação
progressiva dos erros sintáticos e morfológicos;
Começam a aparecer estruturas da voz passiva, assim como outras formas mais
complexas de introdução de frases nominais (depois de, também);
Usa corretamente as principais flexões verbais; infinitivas, presente, pretérito perfeito
e passado;
Os advérbios de tempo são usados com frequência (agora, depois, hoje, amanhã),
ainda que existam confusões no emprego dos advérbios temporais e espaciais;
Já usa um vocabulário de mil palavras;
Gosta de usar as palavras e de jogar com elas; inventa nomes bobos para designar
objetos;
É o apogeu do uso das perguntas: “por quê?”, “como?”;
36-42 meses Começa um período de aumento rápido de vocabulário e de aquisição de noções
complexas. É capaz de compreender ordens simples verbais e gestuais;
No plano sintático aprende a estrutura de orações complexas de mais de um período
com o uso frequente da conjunção "e". Aparecem as subordinadas "mais", "porque" e
as estruturas comparativas "mais que";
Primeiras noções iniciais do uso dos relativos "que", por exemplo: "neném que
chora". Uso das formas negativas, por exemplo: "o menino não dormiu".
Aumenta a complexidade das frases interrogativas;
Os verbos auxiliares "ser e ter" são usados na maioria das vezes de forma correta, o
que possibilita o uso do passado composto "fui passear"; Começa usar frases no
tempo futuro;
Apesar de dominar uma grande quantidade de estruturas gramaticais, ainda
comete muitos erros e muitas vezes se autocorrige deles. É extremamente criativa
com a linguagem.
42-54 meses Completo domínio das frases mais básicas;
A maioria das regras gramaticais é assimilada;
Vasta utilização de pronomes possessivos e verbos auxiliares; Eliminação
progressiva dos erros sintáticos e morfológicos;
Começam a aparecer estruturas da voz passiva, assim como outras formas mais
complexas de introdução de frases nominais (depois de, também);
Usa corretamente as principais flexões verbais: infinitivas, presente, pretérito perfeito
e passado;
Os advérbios de tempo são usados com frequência (agora, depois, hoje, amanhã),
ainda que existam confusões no emprego dos advérbios temporais e espaciais.
4-7 anos A criança adquire os sons mais complexos;
Produz as palavras mais simples de forma adequada; Começa a usar palavras mais
longas.
FONTE: Cupello (1993); Law (2001); Bishop e Mogford (2002); Scheuer,
Befi-Lopes e Wertzner (2003); Wertzner (2004); Acosta et al. (2003).

Todas as etapas acima mostram um continuum que não pode ser


interpretado fielmente em termos de etapas ou idades padrão; as etapas são
muito mais um guia para orientação do que para um diagnóstico (ABREU,
2008). Numa avaliação, devemos ter como base o que é esperado e analisar
como a criança se comporta – outros fatores devem ser levados em
consideração antes de fecharmos um diagnóstico.
Scheuer, Befi-Lopes e Wertzner (2003) afirmam que [...] desenvolver
linguagem é mais do que falar. É ser um interlocutor ativo nas diferentes
relações sociais e isso quer dizer que a linguagem deve comunicar sobre o que
o indivíduo deseja, quer, conhece, sente, etc. O desenvolvimento da linguagem
está fortemente relacionado ao contexto linguístico e ao situacional e, ao
adulto, cabe fornecer todos os instrumentos para que ambos os contextos
facilitem e possibilitem a comunicação e a linguagem.
Zorzi (1999, p. 43) salienta que existem algumas condições
fundamentais para o desenvolvimento da linguagem: a capacidade da criança;
a necessidade que ela sente de conquistar recursos que permitam uma
interação mais efetiva e mais ampla com os outros, que dê conta de um mundo
que cresce cada vez mais, além das expectativas de mudança ou crescimento
que os adultos passam para ela.
Seis fatores são determinantes do desenvolvimento da comunicação
infantil:
1) a criança necessita ter uma razão ou motivo pra se comunicar: uma
intenção;
2) há necessidade de se ter algo para comunicar: um conteúdo;
3) é também necessário um meio de comunicação: uma forma;
4) há de ter pessoas com quem se comunicar: um parceiro e
5) a criança também necessita ter capacidades cognitivas favoráveis:
para atuar sobre o mundo e compreendê-lo. (ZORZI, 1999, p. 16)
Tais fatores, quando combinados, asseguram ou criam condições
favoráveis para o desenvolvimento da capacidade comunicativa.
O autor ainda afirma que antes de conseguir utilizar recursos linguísticos
para se comunicar, a criança utiliza meios não verbais e que isto “acontece
gradativamente graças às experiências interativas que vai tendo com os
outros.” (ZORZI, 1999, p. 16)
O desenvolvimento da comunicação pré-verbal pode ser dividido em
quatro níveis:
Nível I: comunicação não intencional, comportamentos reativos –
corresponde aos dois primeiros meses de vida [...] seus comportamentos estão
caracterizados por reações determinadas por uma organização nervosa
reflexa... o bebê mais reage ao mundo do que age sobre ele, pois recursos que
permitam ações voluntárias não estão ainda suficientemente constituídos.
Nesta fase, o bebê movimenta o corpo, demonstra interesse pelos
outros e por objetos, olha, procura seguir trajetórias, vocaliza, chora, agarra
objetos que são colocados em sua mão, reage a sons e vozes familiares;
porém, estes comportamentos ainda são rudimentares e o bebê não tem
condições de comunicar algo intencionalmente, os adultos tendem a interpretar
tais reações como comportamentos comunicativos (ZORZI, 1999, p. 17);
Nível II: comunicação não intencional, comportamentos ativos – abrange
aproximadamente dos dois aos oito meses; o bebê, neste período, torna-se
mais ativo, demonstrando interesse crescente acerca de tudo que está ao seu
redor.
Maior interesse pelos objetos e pessoas, maiores recursos para interagir
e maior domínio motor compõe características importantes desta etapa. Porém,
apesar de todas estas habilidades, a criança não se mostra capaz de organizar
procedimentos comunicativos intencionais, uma vez que também a
diferenciação dela mesma como sujeito ainda não está consolidada.
Apesar de ainda muito limitada, para o adulto fica cada vez fácil “o papel de
atribuir valores comunicativos aos comportamentos dos bebês...” O adulto é capaz de
atribuir um significado comunicativo ao comportamento da criança, agindo de acordo
com sua suposição (ZORZI, 1999, p. 18-19);
Nível III: comunicação pré-linguística intencional elementar –
caracteriza- se pelo aparecimento de condutas comunicativas novas que
revelam a intencionalidade da criança, pois ela “dirige comportamentos
comunicativos intencionais a outras pessoas, tendo a noção de que pode usá-
las como agentes para atuar sobre as coisas.” Nesta fase, observa-se que a
criança fica olhando alternadamente para um objeto e para o adulto, esticar a
mão em direção a algo, empurra a mão do adulto em direção a um objeto, ou
seja, demonstra o que quer. Às vezes, estes comportamentos podem ser
acompanhados de vocalizações. A intencionalidade da comunicação.
É marcada por alguns indícios: a criança dirige atitudes comunicativas
aos outros, procurando dar início à interação ou respondendo às tentativas dos
outros; persiste no comportamento comunicativo até que o adulto responda e
fica aguardando que o outro responda aos seus esforços. (ZORZI, 1999, p. 19-
20).
Esta fase inicia aproximadamente aos oito meses e se prolonga até por
volta dos 12 meses;
Nível IV: comunicação pré-linguística intencional convencional – este
nível corresponde a um desdobramento da fase anterior, incorporando novas
formas ou atos comunicativos que têm caráter convencional, “começa a utilizar
atitudes comunicativas que são de uso comum entre as pessoas, garantindo o
aspecto de convencionalidade.” Ela observa o que os outros estão fazendo e
passa a usar os mesmos gestos e expressões. Começa a usar gestos
sistematicamente, balança a cabeça para significar negação, faz movimentos
de “chamar” com as mãos, faz “tchau”. As crianças demonstram grande
interesse por coisas novas, querem imitar tudo o que veem e ouvem, inclusive
novos sons e aos poucos as palavras.
Muitas crianças iniciam o uso da linguagem nesta fase de
desenvolvimento (12 a 18meses), inaugurando a primeira etapa do
desenvolvimento linguístico propriamente dito, que corresponde à fase dos
enunciados de uma só palavra. O uso de comunicação, agora também verbal,
acaba se mesclando com as formas não verbais de comunicação e
enriquecendo-as. A criança aumenta seu poder de comunicar. (ZORZI, 1999, p.
22-23)
A criança no Nível IV começa a usar a linguagem para descrever ações
que está vendo ou que está realizando, usa a linguagem para falar do passado
e do presente imediato. Nesta fase, a linguagem verbal, além de função social,
começa a desempenhar função representativa. Juntamente com a
representação simbólica que inicia neste período, a linguagem verbal se
desenvolve, pois a capacidade simbólica global tem um efeito marcante sobre
o desenvolvimento da comunicação.

As pessoas que trabalham com crianças pequenas, seja na reabilitação ou


cuidando, sabem que o desempenho linguístico depende das circunstâncias nas
quais a linguagem foi evocada, e, a aquisição e o desenvolvimento linguístico
dependem também do ambiente em que a criança vive. Para entender melhor como
o ambiente influencia na linguagem, sugiro verem o filme “A MAÇÔ, da cineasta
iraniana Samira Makhmalbaf. Este filme conta a história de duas meninas gêmeas
que vivem isoladas em sua casa com uma mãe cega e um pai muito velho.

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