Capítulo 6 Equilíbrio Líquido-Vapor Raoult

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6. Equilíbrio líquido-vapor (ELV) e a “lei” de Raoult

6.1. Terminologia e representação

6.1.1. Representação gráfica

6.2. A lei de Raoult

6.3. Cálculo de estados de equilíbrio usando a lei de Raoult

6.4. Separação flash

6.4.1. Separação flash multicomponente (c > 2)

6. Equilíbrio líquido-vapor (ELV) e a “lei” de Raoult


6.1. Terminologia e representação
Antes de iniciar o estudo específico da termodinâmica do equilíbrio líquido-
vapor, especifiquemos a terminologia envolvida em sua descrição e sua
representação gráfica.
Primeiro, façamos uma análise dos graus de liberdade envolvidos. Um
sistema com c componentes e duas fases em equilíbrio (líquida e vapor) tem c
graus de liberdade, conforme a regra das fases de Gibbs:
𝐿 =𝑐−𝜋+2=𝑐 ( 6-1 )
Por facilidade, consideremos inicialmente um sistema formado por dois
componentes que coexistam em fases líquida e vapor. Esse sistema tem dois graus
de liberdade, ou seja, são necessárias duas variáveis para determinar
completamente seu estado. A nomenclatura e as análises são as mesmas para um
sistema com mais componentes: apenas a representação gráfica é mais difícil caso
haja mais de dois componentes.
Normalmente, uma das condições (pressão ou temperatura) e uma das
composições (da fase líquida ou da fase vapor) é definida, e o cálculo das condições
restantes é realizado.
Caso a composição da fase líquida seja conhecida, e se calcule a composição
da fase vapor, o cálculo é denominado cálculo de ponto de bolha. Essa denominação
se dá por analogia do que aconteceria fisicamente: partindo-se de uma fase líquida,
aumentando-se a temperatura (em pressão constante) ou diminuindo-se a pressão
(em temperatura constante), uma bolha seria formada, indicando que a região de
duas fases foi atingida.
Em cálculos de ponto de bolha, deve-se determinar simultaneamente a
condição desconhecida (temperatura ou pressão) e a composição da fase vapor.
Esta composição, como regra, é diferente da composição da fase líquida.
O caso inverso, em que a composição da fase vapor é conhecida, e se calcula
a composição da fase líquida, é chamado de cálculo do ponto de orvalho.
Novamente, a denominação ocorre por analogia do que ocorreria fisicamente:
diminuindo-se a temperatura (em pressão constante) ou aumentando-se a pressão
(em temperatura constante), uma gota de líquido seria formada, indicando que a
região de duas fases foi atingida.
Alguns pontos devem ser esclarecidos. Primeiro, o equilíbrio está
completamente determinado ao se conhecerem as variáveis necessárias. Não há
relação entre quantidades nesse tipo de cálculo. Uma fase líquida, de composição
determinada, a uma certa temperatura, estará em equilíbrio com uma fase vapor
de certa composição em certa pressão, independentemente das quantidades
dessas fases.
Um segundo ponto é que a análise dos graus de liberdade nos diz quantas
variáveis independentes devem ser definidas para que o sistema esteja
corretamente descrito, mas nada diz sobre quais são essas variáveis ou seus
valores. É perfeitamente possível que o problema físico não possa ser resolvido
com as variáveis fornecidas: o conjunto de dados pode ser inconsistente, por
exemplo, ou efetivamente o sistema pode não existir no estado considerado.

6.1.1. Representação gráfica


É muito difícil representar graficamente uma propriedade como função de
outras duas (por exemplo, pressão de equilíbrio em função de temperatura e
composição do líquido); mais difícil ainda seria representar simultaneamente duas
propriedades (pressão e composição do vapor) em função de outras duas. Por isso,
dados de equilíbrio líquido-vapor são usualmente apresentados em condições de
pressão constante ou de temperatura constante; além de uma razão gráfica, há
também uma razão prática: conjuntos de dados experimentais são normalmente
obtidos em uma dessas condições.
É costume apresentar as curvas de temperatura ou pressão de equilíbrio
como função da composição, e não o contrário: dessa maneira, podem-se
representar simultaneamente os dados de composição de líquido e de vapor.
Vamos considerar a Figura 6-1 seguinte. Ela apresenta dados de ELV para o
sistema acetona (1) e acetonitrila (2) em temperatura constante de 323,15 K.
Nessa Figura, observamos dados experimentais (pontos) e estados de equilíbrio
calculados com auxílio de modelos (curvas). Os dados experimentais são
encontrados na literatura, e são resultado de uma meticulosa investigação com
experimentos feitos em condições muito controladas. O recurso aos experimentos
é sempre necessário – nós sempre necessitamos de dados experimentais para
conhecer o comportamento de uma mistura.
Por outro lado, os modelos também são importantes. Não é possível obter
dados experimentais em todas as situações possíveis: precisamos de modelos que
nos forneçam informações sobre o comportamento de modo contínuo. Modelos são
fundamentais, por exemplo, no cálculo de processos de separação, em que
precisamos determinar o estado de equilíbrio em inúmeras condições não
estudadas experimentalmente.
Na Figura 6-1, losangos são dados experimentais de pressão de bolha (ou
seja, pressão de equilíbrio em função da composição do líquido), enquanto os
triângulos são os dados experimentais de pressão de orvalho (ou seja, pressão de
equilíbrio em função da composição do vapor). A curva contínua é a curva de
pressão de bolha calculada, enquanto a curva pontilhada é a curva de orvalho
calculada.
0.9

0.8

P / bar 0.7

0.6

0.5

0.4

0.3
0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0
x1, y1

Figura 6-1. Diagrama de fases do sistema acetona (1) e acetonitrila (2) em


temperatura constante de 323,15 K. Dados experimentais (Elsi, Patel, Abbott & van
Ness, J. Chem. Eng. Data 23, 242-245, 1978; van Ness & Kochar, J. Chem. Eng. Data,
12, 38-39, 1967) e modelagem.

Por convenção, em sistemas binários o componente mais volátil, ou seja,


aquele com maior pressão de saturação em uma mesma temperatura, é
identificado como componente (1). Entretanto, como o próprio nome diz, isso é
somente uma convenção. Também por convenção, identificamos a composição do
líquido pela letra x, e a composição do vapor pela letra y.
Vamos analisar as regiões desse gráfico.
Acima da curva de bolha temos a região de líquido. Uma mistura nessas
condições não apresenta duas fases. Por exemplo, uma mistura em que 𝑥1 = 0,5 e
𝑃 = 0,7 𝑏𝑎𝑟 (ponto a na Figura 6.2) é uma mistura líquida. Não há fase vapor em
equilíbrio. Por essa razão, além da temperatura, também podemos estabelecer a
pressão e a composição do líquido – como estamos uma região monofásica, há um
grau de liberdade a mais.
Se abaixarmos a pressão, com composição constante, atingimos a curva de
bolha, que é a condição de equilíbrio. No caso, para 𝑥1 = 0,5, isso corresponde à
pressão 𝑃 = 0,58 𝑏𝑎𝑟, identificada como ponto a’ na mesma Figura.
Da mesma forma, abaixo da curva de orvalho temos a região de vapor. Uma
mistura em que 𝑦1 = 0,5 e 𝑃 = 0,35 𝑏𝑎𝑟 (ponto b na Figura 6.2) é uma mistura em
fase vapor – não há fase líquida em equilíbrio (e novamente temos um grau de
liberdade a mais, por estarmos em região monofásica). Se aumentarmos a pressão,
atingimos a curva de orvalho, que também é a condição de equilíbrio. Para que
𝑦1 = 0,5, a pressão correspondente é 𝑃 = 0,48 𝑏𝑎𝑟 (ponto b’).
Duas fases em equilíbrio estão necessariamente à mesma pressão – este é
um dos critérios de equilíbrio. Desse modo, as composições de duas fases em
equilíbrio estão na mesma linha horizontal. Os pontos c e d da Figura 6.2
correspondem a essa situação: o líquido em c (𝑥1 = 0,40) está em equilíbrio com o
vapor em d (𝑦1 = 0,62); ambos estão em pressão 𝑃 = 0,53 𝑏𝑎𝑟. A linha que une
duas composições em equilíbrio é chamada de linha de amarração: no caso do ELV
de sistemas binários, a linha de amarração é a linha horizontal que une as duas
composições (a linha pontilhada cd).
Um diagrama de equilíbrio nos diz quais são os estados de equilíbrio, mas
nada diz sobre a proporção entre as fases em equilíbrio. Assim, os pontos c e d
estão em equilíbrio, mas esse fato nada diz sobre suas quantidades: podemos ter
apenas uma gota na composição c em equilíbrio com uma fase vapor extensa na
composição d, ou apenas uma bolha de composição d em equilíbrio com uma fase
líquida extensa na composição c.
Na região “interna” às curvas de bolha de orvalho, um sistema não existe
como uma única fase estável: ele se separa em uma fase líquida e uma fase vapor.
Uma situação assim pode ser encontrada, por exemplo, ao se abaixar subitamente
a pressão exercida sobre uma fase líquida.
0.9

0.8

a
P / bar 0.7

0.6 a'

c d
0.5
b'

0.4

b
0.3
0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0
x1, y1

Figura 6-2. Diagrama de fases do sistema acetona (1) e acetonitrila (2) em


temperatura constante de 323,15 K.
360.0

355.0

350.0

345.0
T/K

340.0

335.0

330.0

325.0
0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0
x1, y1

Figura 6-3. Diagrama de fases do sistema acetona (1) e acetonitrila (2) em pressão
constante de 1,013 bar. Dados experimentais (Pratt, Trans. Inst. Chem. Engr., 25,
43-67, 1947) e modelagem.
O mesmo sistema pode ser analisado como auxílio de um diagrama em
pressão constante. Nesse caso, a Figura 6-3 anterior seria obtida. A curva em
pressão constante é, em certo sentido, invertida: a região de líquido está em baixas
temperaturas, e a região de vapor, em altas temperaturas. O composto mais volátil
é o que tem menor temperatura de saturação. A convenção de símbolos e
tracejados é a mesma da curva em temperatura constante.

6.2. A lei de Raoult


Em sistemas em baixas pressões duas simplificações são bastante comuns:
A fase vapor pode ser considerada ideal. Excetuando-se alguns poucos
componentes que se associam fortemente em fase vapor (como o ácido acético e o
ácido fluorídrico), em geral pode-se considerar que a fase vapor é uma mistura de
gases ideais para pressões da ordem da pressão atmosférica ou superiores.
As propriedades da fase líquida dependem muito pouco da pressão. Também
nessa situação pode-se considerar que a fase líquida é praticamente independente
da pressão. Uma dependência considerável ocorre somente em sistemas a altas
pressões ou próximos de condições críticas.
Esses dois fatos permitem que se estabeleçam algumas relações úteis,
válidas para misturas ideais em fase líquida. Por exemplo, sabe-se que em uma
mistura ideal, valerá:
𝑓̂𝑖𝐿 [𝑇, 𝑃, 𝒙] = 𝑥𝑖 𝑓𝑖𝐿 [𝑇, 𝑃] ( 6-2 )
ou seja, existe uma proporcionalidade entre a fugacidade do componente e a fração
desse mesmo componente na mistura. Em uma situação de equilíbrio vale também
a igualdade da fugacidade:
𝑓̂𝑖𝐿 [𝑇, 𝑃, 𝒙] = 𝑓̂𝑖𝑉 [𝑇, 𝑃, 𝒚] ( 6-3 )
Como a fase vapor é constituída por uma mistura de gases ideais:
𝑓̂𝑖𝑉 [𝑇, 𝑃, 𝒚] = 𝑦𝑖 𝑃 ( 6-4 )
Resta descobrir o valor da fugacidade do composto puro em fase líquida,
para estabelecer a relação entre as duas fases. Para isso, considera-se a situação de
equilíbrio, em que a fugacidade da fase vapor será igual à pressão de saturação, ou
seja:
𝑓𝑖𝐿 [𝑇, 𝑃𝑖𝑠𝑎𝑡 ] = 𝑃𝑖𝑠𝑎𝑡 [𝑇] ( 6-5 )
Considerando que a fugacidade da fase líquida não se altere com a pressão,
tem-se:
𝑓̂𝑖𝐿 [𝑇, 𝑃, 𝒙] = 𝑥𝑖 𝑃𝑖𝑠𝑎𝑡 [𝑇] ( 6-6 )
Igualando a fugacidade da fase líquida à da fase vapor, tem-se para a
situação de equilíbrio:
𝑦𝑖 𝑃 = 𝑥𝑖 𝑃𝑖𝑠𝑎𝑡 [𝑇] ( 6-7 )
Essa é a chamada lei de Raoult. Deve-se notar que ela não é uma lei, como as
leis da Termodinâmica – é uma simplificação válida em alguns poucos casos
especiais, baixas pressões e fase líquida ideal. Apesar de todas as considerações
feitas, ela é muito útil no estudo do equilíbrio líquido-vapor de sistemas formados
por compostos semelhantes. As curvas calculadas para o sistema acetona (1) e
acetonitrila (2) anteriormente apresentadas foram calculadas com auxílio da lei de
Raoult. Embora a lei de Raoult seja usada principalmente para sistemas de
compostos pouco polares, como misturas de hidrocarbonentos, ela fornece bons
resultados até mesmo para misturas de compostos auto-associativos (capazes de
formar pontes de hidrogênio), desde que esses compostos sejam semelhantes
entre si e as pressões sejam baixas, como se pode ver na Figura seguinte.
354.0

352.0

350.0

348.0

346.0
T/K

344.0

342.0

340.0

338.0

336.0
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1
x 1 , y1
Figura 6-4. Diagrama de fases do sistema metanol (1) e etanol (2) em pressão
constante de 1,013 bar. Dados experimentais (Amer et al., Ind. Eng. Chem., 48, 142-
146, 1956) e modelagem usando a lei de Raoult.
6.3. Cálculo de estados de equilíbrio usando a lei de Raoult
De maneira geral, cálculos de equilíbrio líquido vapor (como outros tipos de
equilíbrio) são iterativos: parte-se de uma estimativa inicial e corrige-se a
estimativa de modo a buscar uma condição em que os critérios de equilíbrio sejam
satisfeitos. Para pressões baixas, em que a fase vapor pode ser considerada ideal e
a fase líquida independente da pressão, o cálculo é bastante simplificado. Como
regra, cálculos de condição de bolha são mais simples que de orvalho, e cálculos de
pressão são mais simples que de temperatura – em situações extremas, são
necessários algoritmos robustos específicos.
A melhor maneira de aprendermos a fazer o cálculo de estados de
equilíbrio… é fazendo cálculos de estados de equilíbrio. Os exercícios resolvidos a
seguir mostram os tipos mais comuns de cálculo de ELV usando a lei de Raoult.

Exemplo 6-1. Seja o sistema formado por benzeno (1) e tolueno (2). A pressão de
vapor dos compostos puros é dada pela seguinte equação:
𝑃𝑖𝑣𝑎𝑝 𝐵𝑖
𝑙𝑛 = 𝐴𝑖 − ( 6-8 )
𝑏𝑎𝑟 (𝑇/𝐾) + 𝐶𝑖
válida para 𝑇𝑖𝑚𝑖𝑛 ≤ 𝑇 ≤ 𝑇𝑖𝑚𝑎𝑥 , conforme a Tabela:

Composto 𝐴𝑖 𝐵𝑖 𝐶𝑖 𝑇𝑖𝑚𝑖𝑛 /𝐾 𝑇𝑖𝑚𝑎𝑥 /𝐾


1a 10,8816 3823,79 -1,461 333,4 373,5
2b 9,3905 3094,54 -53,773 308,5 384,7
a – Eon, C., Pommier, C. Guiochon, G., J. Chem. Eng. Data, 16, 408-410, 1971.
b – Willingham, C. B., Taylor, W. J., Pignocco, J. M., Rossini, F.D., J. Res. Natl. Bur. Stand., 35, 219-244,
1945.
Calcular a pressão de bolha e a composição da fase vapor para T = 360 K.

Resolução. A primeira questão que precisamos resolver é: vale a lei de Raoult?


Observamos que nessa temperatura, 𝑃1𝑣𝑎𝑝 = 1,242 𝑏𝑎𝑟 e 𝑃2𝑣𝑎𝑝 = 0,489 𝑏𝑎𝑟.
Portanto, as pressões de equilíbrio devem ser baixas, o que justifica considerar que
a fase vapor seja uma mistura de gases ideais, e que a fase líquida independa da
pressão. Ademais, benzeno e tolueno são suficientemente semelhantes para que
possamos considerar que a fase líquida seja uma mistura ideal.
Nesse caso, temos um problema em que são conhecidas a temperatura e a
composição da fase líquida, e devem ser determinadas a pressão e a composição da
fase vapor. Trata-se de um cálculo de pressão de bolha.
O sistema de equações que precisamos resolver é:
𝑦1 𝑃 = 𝑥1 𝑃1𝑣𝑎𝑝 [𝑇] ( 6-9 )
𝑦2 𝑃 = 𝑥2 𝑃2𝑣𝑎𝑝 [𝑇] ( 6-10 )
As incógnitas são 𝑦1, 𝑦2 e P. De fato, 𝑦2 não é uma incógnita propriamente
dita, pois está ligada a 𝑦1 por meio de:
𝑦1 + 𝑦2 = 1,0 ( 6-11 )
A maneira mais simples de resolver essas equações é acoplá-las, somando-
as:
𝑣𝑎𝑝 𝑣𝑎𝑝
𝑃 = 𝑥1 𝑃1 + 𝑥2 𝑃2 ( 6-12 )
O valor de 𝑦1 é calculado a partir da equação correspondente:
𝑥1 𝑃1𝑣𝑎𝑝
𝑦1 = ( 6-13 )
𝑥1 𝑃1𝑣𝑎𝑝 + 𝑥2 𝑃2𝑣𝑎𝑝
Com isso, pode-se construir a tabela de resultados:
𝑥1 𝑃 / 𝑏𝑎𝑟 𝑦1
0,0 0,489 0,0
0,1 0,565 0,220
0,2 0,640 0,388
0,3 0,715 0,521
0,4 0,790 0,629
0,5 0,866 0,717
0,6 0,941 0,792
0,7 1,016 0,856
0,8 1,091 0,910
0,9 1,167 0,958
1,0 1,242 1,0

Algumas coisas são interessantes de serem notadas. Primeiro, a pressão se


comporta linearmente com respeito a 𝑥1 . Isso é consequência direta da forma da
equação da pressão. Em segundo lugar, a fase vapor é proporcionalmente mais rica
no componente mais volátil (ou seja, temos que 𝑦1 ≥ 𝑥1 e 𝑦2 ≤ 𝑥2 , sendo que as
igualdades só ocorrem no limite dos compostos puros). Isso não é verdadeiro
sempre em problemas de equilíbrio líquido vapor, mas é verdadeiro sempre que
houver um problema que use a lei de Raoult.

Exemplo 6-2. Seja o mesmo sistema formado por benzeno (1) e tolueno (2), com
as informações dadas no exercício anterior. Calcular a pressão de orvalho e a
composição da fase líquida para T = 350,0 K.

Resolução. Nesse caso, temos um problema em que são conhecidas a


temperatura e a composição da fase vapor, e devem ser determinadas a pressão e a
composição da fase líquida. Trata-se de um cálculo de pressão de orvalho.
O sistema de equações que precisamos resolver é o mesmo. A diferença é
que, nesse caso, as incógnitas são 𝑥1 , 𝑥2 e P, considerando também a seguinte
equação:
𝑥1 + 𝑥2 = 1,0 ( 6-14 )
Nesse caso, isolando os valores da composição da fase líquida nas
expressões da lei de Raoult, e substituindo nessa equação, temos:
𝑦1 𝑃 𝑦2 𝑃
𝑣𝑎𝑝 + 𝑣𝑎𝑝 = 1,0 ( 6-15 )
𝑃1 𝑃2
que resulta em:
−1
𝑦1 𝑦2
𝑃 = ( 𝑣𝑎𝑝 + 𝑣𝑎𝑝 ) ( 6-16 )
𝑃1 𝑃2

Observamos que nessa temperatura, 𝑃1𝑣𝑎𝑝 = 0,915 𝑏𝑎𝑟 e 𝑃2𝑣𝑎𝑝 = 0,348 𝑏𝑎𝑟.
Com isso, pode-se construir a tabela de resultados seguinte. Deve-se notar que a
relação da composição da fase vapor e da fase líquida se mantém (𝑦1 ≥ 𝑥1 e 𝑦2 ≤
𝑥2 ). Obviamente, P não é uma função linear de 𝑦1.
𝑦1 𝑃 / 𝑏𝑎𝑟 𝑥1
0,0 0,348 0,0
0,1 0,371 0,041
0,2 0,397 0,086
0,3 0,427 0,140
0,4 0,462 0,202
0,5 0,504 0,276
0,6 0,554 0,363
0,7 0,614 0,470
0,8 0,690 0,603
0,9 0,786 0,774
1,0 0,915 1,0

Nota: um conceito que aparece bastante no cálculo de colunas de destilação é a


volatilidade relativa. Ela é definida exatamente por:
𝑦1
⁄𝑥
𝛼12 = 𝑦 1 ( 6-17 )
2⁄
𝑥2
Sendo válida a lei de Raoult, a volatilidade relativa torna-se:

𝑅𝑎𝑜𝑢𝑙𝑡
𝑃1𝑣𝑎𝑝
𝛼12 = 𝑣𝑎𝑝 ( 6-18 )
𝑃2
Nota-se que 𝛼12
𝑅𝑎𝑜𝑢𝑙𝑡 [
360 𝐾 ] = 2,54 e 𝛼12
𝑅𝑎𝑜𝑢𝑙𝑡 [
350 𝐾 ] = 2,63.

Exemplo 6-3. Seja o mesmo sistema formado por benzeno (1) e tolueno (2), com
as informações dadas no exercício anterior. Qual a temperatura em que a pressão
de equilíbrio de uma mistura líquida com 𝑥1 = 0,5 é igual a 1,0 bar.

Resolução. Nesse caso, temos um problema em que são conhecidas a pressão e a


composição da fase líquida, e devem ser determinadas a temperatura e a
composição da fase vapor. Trata-se de um cálculo de temperatura de bolha.
As equações disponíveis são as mesmas que para o cálculo da pressão de
bolha. Entretanto, o cálculo, nesse caso, é iterativo, pois considerando que:
𝑣𝑎𝑝 𝑣𝑎𝑝
𝑃 = 𝑥1 𝑃1 + 𝑥2 𝑃2 ( 6-19 )
e as equações para pressão de vapor, não é possível isolar a temperatura na
equação acima. Isso acontece mesmo considerando a lei de Raoult, e deve-se à
forma da equação para a pressão de vapor.
A resposta ao problema é 𝑇 = 364,77 𝐾. O cálculo é ligeiramente mais
difícil do que os cálculos de pressão de equilíbrio, mas ainda é factível, e pode ser
facilmente resolvido com o auxílio de uma planilha de cálculo.

6.4. Separação flash


Consideremos o seguinte problema, uma continuação dos exercícios
anteriores:

Exemplo 6-4. Uma mistura de benzeno (1) e tolueno (2) cuja composição é 𝑧1 =
0,5, atinge uma condição em que 𝑇 = 370 𝐾 e 𝑃 = 1,0 𝑏𝑎𝑟. Pergunta-se: qual a
composição das fases em equilíbrio nessa condição de temperatura e pressão?
Qual a fração da mistura original que estará em fase vapor no equilíbrio?

Esse tipo de cálculo é chamado de cálculo flash. Normalmente, ele ocorre


quando uma corrente inicialmente líquida atinge uma condição em que a pressão é
menor que sua pressão de bolha.
Um esquema geral pode ser visto na Figura seguinte.

Figura 6-5. Esquema geral de um vaso de separação flash.

Para um sistema binário em que vale a lei de Raoult, como é o caso, a


resolução é bastante simples, e pode ser feita analiticamente.
Notamos, inicialmente, que na condição de temperatura do sistema, tem-se
𝑃1𝑣𝑎𝑝 = 1,659 𝑏𝑎𝑟 e 𝑃2𝑣𝑎𝑝 = 0,6735 𝑏𝑎𝑟. Note-se que nada é dito sobre o estado da
mistura inicial – nem é necessário, pois o estado de equilíbrio não depende de
como ele é atingido. A pressão de bolha calculada para a composição de 𝑧1 = 0,5 é
igual a 1,166 bar, e a pressão de orvalho, 0,958 bar. Ou seja, a pressão é inferior à
pressão de bolha, mas superior à pressão de orvalho, o que garante que estejamos
em uma situação de equilíbrio líquido-vapor.
Nesse caso, usando a relação:
𝑃 = 𝑥1 𝑃1𝑣𝑎𝑝 + 𝑥2 𝑃2𝑣𝑎𝑝 = 𝑥1 𝑃1𝑣𝑎𝑝 + (1 − 𝑥1 )𝑃2𝑣𝑎𝑝 ( 6-20 )
pode-se isolar 𝑥1 e obter:
𝑃 − 𝑃2𝑣𝑎𝑝
𝑥1 = 𝑣𝑎𝑝 ( 6-21 )
𝑃1 − 𝑃2𝑣𝑎𝑝
Pelo balanço de massa, considerando-se uma alimentação (F), uma fase
vapor (V) e uma fase líquida (L), tem-se:
𝐹 =𝑉+𝐿 ( 6-22 )
𝑧1 𝐹 = 𝑦1 𝑉 + 𝑥1 𝐿 ( 6-23 )
Tomando-se uma base de cálculo 𝐹 = 1, chamando-se 𝑉 = 𝜓, tem-se:
𝑧1 = 𝑦1 𝜓 + 𝑥1 (1 − 𝜓) ( 6-24 )
que resulta em:
𝑧1 − 𝑥1
𝜓= ( 6-25 )
𝑦1 − 𝑥1
No caso específico, temos que 𝑥1 = 0,331 e 𝑦1 = 0,549. Essas são as
composições das fases líquida e vapor em equilíbrio a 𝑇 = 370 𝐾 e 𝑃 = 1,0 𝑏𝑎𝑟.
Com esses resultados, obtém-se 𝜓 = 0,772, ou seja, 77,2% da mistura original
estará na fase vapor quando ela atingir o equilíbrio nas condições especificadas
(considerando uma base molar).
Uma pergunta: o que ocorreria anterior se 𝑧1 = 0,3? E se 𝑧1 = 0,7?
Pelas equações anteriores, a composição das fases em equilíbrio (𝑥1 =
0,331 e 𝑦1 = 0,549) não se altera. Fazendo-se os cálculos, observa-se que para 𝑧1 =
0,3, tem-se 𝜓 = −0,144. Esse resultado aparentemente absurdo significa que
somente há fase líquida no sistema em equilíbrio, e não há fase vapor; tal fase
líquida é muitas vezes conhecida por líquido sub-resfriado, por estar em
temperatura abaixo da temperatura de bolha. Por outro lado, para 𝑧1 = 0,7, tem-se
𝜓 = 1,690. Nesse caso, inversamente, só há fase vapor no sistema, não havendo
fase líquida no equilíbrio; tal fase vapor é conhecida por vapor superaquecido, por
razões análogas.

6.4.1. Separação flash multicomponente (c > 2)


A análise de uma separação flash fica mais complicada quando a mistura
tiver mais de dois componentes. Nesse caso, necessariamente o cálculo do
equilíbrio e o balanço de massa devem ser acoplados: não é possível deduzir, nesse
caso, qual seria a composição das fases em equilíbrio conhecendo-se somente a
pressão e a temperatura, em virtude do número de graus de liberdade envolvidos.
Nesse caso específico, define-se a variável 𝐾𝑖 :
𝑦𝑖
𝐾𝑖 = ( 6-26 )
𝑥𝑖
que, para um sistema que siga a lei de Raoult, torna-se:
𝑃𝑖𝑠𝑎𝑡 (𝑇)
𝐾𝑖 = ( 6-27 )
𝑃
O balanço de massa para o componente i pode ser escrito como:
𝑧𝑖 = (1 − 𝜓)𝑥𝑖 + 𝜓𝑦𝑖 ( 6-28 )
Substituindo-se o valor de 𝑦𝑖 :
𝑧𝑖 = (1 − 𝜓)𝑥𝑖 + 𝜓𝐾𝑖 𝑥𝑖 ( 6-29 )
e isolando-se 𝑥𝑖 :
𝑧𝑖
𝑥𝑖 = ( 6-30 )
1 − 𝜓(1 − 𝐾𝑖 )
O valor de 𝜓 poderia em princípio ser calculado sabendo-se que a soma de
todos os valores de x deve ser igual à unidade, ou seja:
𝑧𝑗
∑ 𝑥𝑗 = 1 ⇒ ∑ =1 ( 6-31 )
1 − 𝜓(1 − 𝐾𝑗 )
𝑗 𝑗

Entretanto, essa equação tem uma raiz trivial, a saber 𝜓 = 0. Poderíamos


escrever uma equação análoga para as frações molares em fase vapor:
𝐾𝑗 𝑧𝑗
∑ 𝑦𝑗 = 1 ⇒ ∑ 𝐾𝑗 𝑥𝑗 = 1 ⇒ ∑ =1 ( 6-32 )
1 − 𝜓(1 − 𝐾𝑗 )
𝑗 𝑗 𝑗

mas nesse caso teríamos a raiz trivial 𝜓 = 1. A solução para esse problema está em
considerar que:
(1 − 𝐾𝑗 )𝑧𝑗
∑(𝑥𝑗 − 𝑦𝑗 ) = 0 ⇒ ∑ =0 ( 6-33 )
1 − 𝜓(1 − 𝐾𝑗 )
𝑗 𝑗
Essa equação é conhecida por equação de Rachford-Rice. Para um sistema
com c componentes, ela é na verdade uma equação polinomial de grau 𝑐 − 1. Com
isso, já podemos prever que haverá raízes que serão simplesmente raízes
matemáticas, mas não físicas, do problema.
Vejamos um caso no exemplo seguinte.

Exemplo 6-5. Seja o sistema formado por n-hexano (1), n-heptano (2) e n-octano
(3). A pressão de vapor dos compostos puros é dada pela seguinte equação:
𝑃𝑖𝑣𝑎𝑝 𝐵𝑖
𝑙𝑛 = 𝐴𝑖 − ( 6-34 )
𝑏𝑎𝑟 (𝑇/𝐾) + 𝐶𝑖
válida para 𝑇𝑖𝑚𝑖𝑛 ≤ 𝑇 ≤ 𝑇𝑖𝑚𝑎𝑥 , conforme a Tabela:

Composto 𝐴𝑖 𝐵𝑖 𝐶𝑖 𝑇𝑖𝑚𝑖𝑛 /𝐾 𝑇𝑖𝑚𝑎𝑥 /𝐾


1a 9,52214 2869,781 -40,162 178,2 510,2
2b 9,27555 2921,142 -56,199 299,1 372,4
3b 9,32241 3120,293 -63,633 326,7 399,7
a – dbonline.ddbst.de/AntoineCalculation/AntoineCalculationCGI.exe?component=Hexane
b – Willingham, C. B., Taylor, W. J., Pignocco, J. M., Rossini, F.D., J. Res. Natl. Bur. Stand., 35, 219-244,
1945.
Uma corrente contendo esses três compostos (𝑧1 = 0,35 e 𝑧2 = 0,35) atinge
uma condição em que 𝑇 = 370 𝐾 e 𝑃 = 1,0 𝑏𝑎𝑟. Qual o estado da mistura? Caso a
mistura esteja em equilíbrio líquido-vapor, qual a composição das fases em
equilíbrio?

Resolução. O cálculo das pressões de equilíbrio, nesta temperatura, fornece


𝑃1𝑣𝑎𝑝 = 2,274 𝑏𝑎𝑟, 𝑃2𝑣𝑎𝑝 = 0,967 𝑏𝑎𝑟 e 𝑃3𝑣𝑎𝑝 = 0,422 𝑏𝑎𝑟. Com a composição
fornecida, calcularíamos uma pressão de bolha de 1,261 bar e uma pressão de
orvalho de 0,815 bar. Ou seja, a mistura em questão está em equilíbrio líquido-
vapor, pois a pressão se encontra entre esses dois limites.
Pela equação de Rachford-Rice:
3
(1 − 𝐾𝑗 )𝑧𝑗
∑ =0 ( 6-35 )
1 − 𝜓(1 − 𝐾𝑗 )
𝑗=1

No caso específico, o fato de a pressão do sistema ser igual a 1,0 bar faz com
que os valores de K sejam numericamente iguais às pressões de vapor. Calculando-
se, obtemos 𝜓 = 0,5413, com as composições de fase líquida e vapor iguais a:
𝑥1 = 0,2071 𝑦1 = 0,4711
𝑥2 = 0,3563 𝑦2 = 0,3446
𝑥3 = 0,4366 𝑦3 = 0,1843
Note-se que a equação de Rachford-Rice, nesse caso, é uma equação do
segundo grau. A segunda raiz (𝜓 = 19,98) é espúria, pois fornece 𝑥1 = 0,0132,
𝑥2 = 1,0156 e 𝑥3 = −0,0285, o que é um completo absurdo. Note-se que não é o
fato de 𝜓 ser negativo ou maior que 1,0 que torna o resultado necessariamente
espúrio, como visto anteriormente para um sistema binário: tal conclusão é obtida
da análise das composições das fases em equilíbrio.

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