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Direito Civil

Este documento apresenta um sumário detalhado sobre Direito Civil. Aborda tópicos como Direito Civil Constitucional, vigência e interpretação de normas jurídicas, pessoas naturais e jurídicas, bens jurídicos, teoria geral do fato jurídico, negócios jurídicos e ato ilícito. Fornece uma visão geral da estrutura e conceitos fundamentais do Direito Civil brasileiro.
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Direito Civil

Bruno de Mattos Ávila Nolasco

Índice do Conteúdo
Índice do Conteúdo.....................................................................................................................................1
Introdução...................................................................................................................................................6
Legislação................................................................................................................................................6
Bibliografia...............................................................................................................................................6
Direito Civil Constitucional..........................................................................................................................6
Origem e Evolução do Constitucionalismo..............................................................................................6
Crises e Soluções do Direito Civil.............................................................................................................7
Definição de Direito Civil Constitucional..................................................................................................7
Vigência e Vigor das Normas Jurídicas.........................................................................................................8
Vigência...................................................................................................................................................8
Revogação...........................................................................................................................................8
Repristinação.......................................................................................................................................9
Efeito Repristinatório...........................................................................................................................9
Direito intertemporal..............................................................................................................................9
Graus de (ir)retroavidade – STF, Ministro Moreira Alves, na ADI 493...............................................10
Interpretação das Normas Jurídicas......................................................................................................11
Integração das Normas..........................................................................................................................11
Direito Estrangeiro, Estadual e Municipal..............................................................................................12
Pessoa Natural...........................................................................................................................................12
Personalidade Jurídica...........................................................................................................................13
início..................................................................................................................................................13
Fim.....................................................................................................................................................14
Incapacidade.........................................................................................................................................14
Intenção do terceiro de boa-fé X proteção do incapaz......................................................................15
Direitos da Personalidade..........................................................................................................................15
Características.......................................................................................................................................16
Tutela da Integridade Física...................................................................................................................18
Tutela da Integridade Psíquica e Moral.................................................................................................18
Autonomia do Direito à Imagem.......................................................................................................20
Direitos das Personalidade e Pessoas Públicas......................................................................................20
Pessoa Jurídica..........................................................................................................................................20
Características.......................................................................................................................................21
Começo da Existência da Pessoa Jurídica..............................................................................................21
Natureza Jurídica do Registro............................................................................................................21
Registros Específicos..........................................................................................................................22
Classificação das Espécies......................................................................................................................22
Dano Moral por Pessoa Jurídica............................................................................................................23
Desconsideração da Personalidade Jurídica..........................................................................................23
Direito Civil

Desconsideração inversa...................................................................................................................24
Desconsideração indireta..................................................................................................................24
Bens Jurídicos............................................................................................................................................24
Patrimônio Mínimo: impenhorabilidade...............................................................................................25
Despatrimonialização do Direito Civil....................................................................................................25
Classificação dos Bens...........................................................................................................................25
Bens Considerados em si Mesmos.....................................................................................................25
Bens Reciprocamente Considerados.................................................................................................26
Espécies de Bens Acessórios..............................................................................................................26
Bem de Família......................................................................................................................................28
Penhorabilidade do Bem de Família..................................................................................................28
Teoria Geral do Fato Jurídico.....................................................................................................................29
Classificação..........................................................................................................................................29
Interpretação dos Negócios Jurídicos....................................................................................................30
Escada Ponteana: os diferentes planos do mundo jurídico...................................................................31
Princípios da Conservação dos Negócios Jurídicos................................................................................31
Defeitos do Negócio Jurídico.................................................................................................................32
Erro....................................................................................................................................................32
Dolo...................................................................................................................................................33
Coação...............................................................................................................................................33
Estado de Perigo................................................................................................................................34
Lesão..................................................................................................................................................35
Fraude Contra Credores.....................................................................................................................35
Ato Ilícito...................................................................................................................................................35
Responsabilidade Civil...........................................................................................................................36
Subjetiva e Objetiva...........................................................................................................................36
Contratual e extracontratual.............................................................................................................36
Elementos do ato ilícito (ou requisitos da responsabilidade civil).........................................................36
Conduta.............................................................................................................................................36
Dolo ou Culpa....................................................................................................................................37
Nexo de Causalidade.........................................................................................................................37
Dano ou Prejuízo...............................................................................................................................38
Abuso do Direito........................................................................................................................................39
Responsabilidade civil pré e pós contratual..........................................................................................39
Venire Contra Factum Proprium: Supressio, Surrectio e Tu Quoque.....................................................39
Prescrição e Decadência............................................................................................................................40
Prescrição..............................................................................................................................................40
Características...................................................................................................................................41
Causas obstativas...............................................................................................................................42
Decadência............................................................................................................................................42
Características da Decadência Legal..................................................................................................42
Características da Decadência Convencional.....................................................................................43
Direito das Obrigações..............................................................................................................................43
Teoria Geral do Direito Obrigacional.....................................................................................................43
Direito Obrigacional x Direito Real........................................................................................................44
Direito Obrigacional...........................................................................................................................44
Direitos Reais.....................................................................................................................................44
Obrigações Propter Rem.......................................................................................................................45

2
Direito Civil

Ônus reais x Obrigação com Eficácia Real..............................................................................................46


Ônus Reais.........................................................................................................................................46
Obrigação com Eficácia Real..............................................................................................................46
Modalidades Obrigacionais...................................................................................................................46
Obrigação de Dar...............................................................................................................................46
Obrigação de Fazer............................................................................................................................47
Obrigação de Não Fazer.....................................................................................................................48
Obrigação Divisível............................................................................................................................48
Obrigação Indivisível..........................................................................................................................48
Obrigação Solidária............................................................................................................................49
Teoria do Adimplemento.......................................................................................................................50
Pagamento Direto..............................................................................................................................50
Consignação em Pagamento..............................................................................................................52
Novação.............................................................................................................................................53
Transmissão das Obrigações..................................................................................................................54
Cessão de Crédito..............................................................................................................................54
Assunção de Dívida............................................................................................................................55
Inadimplemento....................................................................................................................................55
Mora..................................................................................................................................................57
Juros..................................................................................................................................................57
Cláusula Penal....................................................................................................................................59
Arras..................................................................................................................................................59
Teoria Geral dos Contratos........................................................................................................................59
Formação dos Contratos........................................................................................................................60
Formação do contrato entre ausentes..............................................................................................61
Principiologia Contratual.......................................................................................................................61
Classificação dos Contratos...................................................................................................................62
Contratos de Adesão.............................................................................................................................64
Cláusulas Restritivas x Cláusulas Abusivas.........................................................................................64
Interpretação dos Contratos.................................................................................................................64
Contrato Preliminar...............................................................................................................................64
Relatividade dos Contratos....................................................................................................................65
Vícios Redibitórios.................................................................................................................................66
Efeitos: ações edilícias.......................................................................................................................66
Prazos................................................................................................................................................67
Garantia Convencional + Garantia Legal............................................................................................67
Evicção...................................................................................................................................................67
O que será garantido pelo alienante?................................................................................................68
Denunciação da Lide na Evicção........................................................................................................68
Supressão, reforço ou redução da Evicção........................................................................................68
Teoria da Imprevisão.............................................................................................................................69
Diferença para Lesão ou Estado de Perigo........................................................................................69
Diferença para a teoria da quebra da base objetiva do contrato, do CDC.........................................69
Extinção dos Contratos..........................................................................................................................69
Resilição.............................................................................................................................................69
Resolução..........................................................................................................................................70
Rescisão.............................................................................................................................................70
Exceção do Contrato não Cumprido......................................................................................................70

3
Direito Civil

Inadimplemento Antecipado.................................................................................................................70
Contratos em Espécie................................................................................................................................71
Compra e Venda....................................................................................................................................71
Classificação.......................................................................................................................................71
Diferença para o Contrato de Permuta..............................................................................................71
Elementos Constitutivos....................................................................................................................71
Compra e venda entre pai e filho......................................................................................................72
Compra e Venda entre Marido e Mulher...........................................................................................72
Outorga Conjugal...............................................................................................................................73
Hipóteses outras de falta de legitimidade, mas sob pena de nulidade..............................................73
Venda entre condôminos..................................................................................................................73
Objeto da Compra e Venda...............................................................................................................73
Preço, Forma de Pagamento e Despesas...........................................................................................73
Modalidades......................................................................................................................................74
Cláusulas Especiais.............................................................................................................................74
Contrato de Doação...............................................................................................................................75
Espécies.............................................................................................................................................76
Doação com Cláusula de Reversão....................................................................................................76
Revogação da doação........................................................................................................................77
Contrato de Empréstimo.......................................................................................................................77
Falta de Legitimação para dar em Comodato....................................................................................77
Prazos no Comodato..........................................................................................................................77
Mora do Comodatário.......................................................................................................................78
Responsabilidade do Comodatário....................................................................................................78
Uso da coisa pelo comodatário..........................................................................................................78
Mútuo feito a pessoa menor de idade...............................................................................................78
Contrato de Mandato............................................................................................................................79
Excesso de Poderes...........................................................................................................................79
Menoridade e Mandato.....................................................................................................................79
Obrigações do Mandatário................................................................................................................79
Obrigações do Mandante..................................................................................................................79
Extinção do Mandato.........................................................................................................................80
Contrato de Transporte.........................................................................................................................80
Transporte de Pessoas.......................................................................................................................80
Transporte de Coisas.........................................................................................................................81
Contrato de Seguro...............................................................................................................................82
Conceito e Natureza Jurídica.............................................................................................................82
Cosseguro..........................................................................................................................................82
Agravamento do Risco.......................................................................................................................83
Regras da Boa-fé................................................................................................................................83
Limite da Indenização no Contrato....................................................................................................83
Suicídio do Segurado.........................................................................................................................84
Sub-rogação.......................................................................................................................................84
Contrato de Jogo e Aposta....................................................................................................................84
Novação da Obrigação Natural..........................................................................................................84
Jogos e Apostas Regulamentados......................................................................................................84
Jogos e Apostas Proibidas..................................................................................................................84
Contrato de Fiança................................................................................................................................85

4
Direito Civil

Natureza Jurídica...............................................................................................................................85
Efeitos da acessoriedade da fiança....................................................................................................85
Efeito da sub-rogação........................................................................................................................85
Teto da responsabilidade do fiador...................................................................................................85
Fiança em obrigação natural.............................................................................................................85
Benefício de Ordem e Cofiadores......................................................................................................86
Fiança de dívida futura......................................................................................................................86
Interpretação Restritiva.....................................................................................................................86
Idoneidade Moral e Econômica do Fiador.........................................................................................86
Outorga Conjugal...............................................................................................................................86
Retrofiança........................................................................................................................................86
Exoneração da Fiança........................................................................................................................87
Direitos Reais.............................................................................................................................................87
Posse.....................................................................................................................................................87
Natureza Jurídica...............................................................................................................................87
Teorias...............................................................................................................................................88
Desmembramento Possessório: a grande virtude da teoria objetiva................................................89
Detenção e suas espécies ( posse)...................................................................................................89
Objeto da Posse.................................................................................................................................90
Desforço Imediato e Legítima Defesa................................................................................................90
Ações Petitórias x Possessórias..........................................................................................................91
Vícios da Posse..................................................................................................................................93
Interversão da Posse..........................................................................................................................95
Direito à usucapião: posse ad interdicta x posse ad usucapionem....................................................95
Direito a Frutos e Produtos................................................................................................................96
Direito às benfeitorias.......................................................................................................................97
Modo de Aquisição da Posse.............................................................................................................97
Perda da Posse..................................................................................................................................98
Propriedade...........................................................................................................................................99
Atributos............................................................................................................................................99
Ação Reivindicatória........................................................................................................................100
Características.................................................................................................................................101
Extensão do Direito de Propriedade................................................................................................102
Aquisição da Propriedade................................................................................................................102
Usucapião........................................................................................................................................105
Direito de Vizinhança...........................................................................................................................106
Uso anormal da Propriedade...........................................................................................................106
Passagem Forçada...........................................................................................................................106
Direito de Construir.........................................................................................................................107
Condomínio.........................................................................................................................................107
Espécies...........................................................................................................................................107
Direitos e Deveres dos Condôminos................................................................................................108
Administração do Condomínio........................................................................................................109
Extinção do Condomínio..................................................................................................................109
Condomínio de Fato........................................................................................................................109
Condomínio Edilício.............................................................................................................................110
Natureza Jurídica.............................................................................................................................110
Elementos Constitutivos..................................................................................................................110

5
Direito Civil

Sanções............................................................................................................................................111
Condômino antissocial.....................................................................................................................111
Casuística: o regime jurídico das garagens......................................................................................111
Taxa Condominial............................................................................................................................111
Direitos Reais Sobre Coisa Alheia............................................................................................................111
Propriedade Superficiária....................................................................................................................112
Formas de Constituição...................................................................................................................112
Responsabilidade.............................................................................................................................113
Direito de Preferência......................................................................................................................113
Extinção...........................................................................................................................................113
Servidão Predial...................................................................................................................................114
Características.................................................................................................................................114
Formas de Constituição...................................................................................................................115
Classificação das Servidões..............................................................................................................115
Causas de Extinção..........................................................................................................................115
Usufruto..............................................................................................................................................116
Objeto..............................................................................................................................................116
Características.................................................................................................................................116
Usufruto Simultâneo........................................................................................................................116
Formas de Constituição...................................................................................................................116

Aurélio Bouret Campos - 26.01.15

Introdução
As notas de aula apresentadas neste material têm finalidade meramente acadêmica e são baseadas nas
exposições de professores na PREMERJ, bem como de consultas à bibliografia relacionada abaixo.

Legislação
Constituição Federal
Código Civil.

Bibliografia
SOBRENOME, Nome do Autor; Título do Livro, ed., 20XX;

Direito Civil Constitucional


Origem e Evolução do Constitucionalismo
Para falarmos no Direito Civil Constitucional, é importante tratarmos das fases do constitucionalismo
mundial:
 Fase Absolutista: a primeira das fases se iniciou na idade médio e foi até meados do século
XVIII, época em que imperava a monarquia, um poder absoluto e ilimitado dos soberanos;
 Fase Liberal: iniciou-se por causa de movimentos sociais de insatisfação, que buscavam
garantias individuais e uma limitação ao poder político formal. Pode-se dizer que foi esse o início

6
Direito Civil

do constitucionalismo moderno, porque foi aqui que foram positivadas liberdades sociais,
direitos dos cidadãos e limitações estatais. Também é certo que nesta fase é que se deu a maior
evolução do direito privado.
 Fase social: nesta terceira fase, o Estado deixa de ser passivo e passa a ser ativo e promocional,
atuando nas relações privadas, em prol do bem estar social. Tal se deu pelo fato de que os
particulares estavam se explorando um ao outro. Daqui nasceu, pois, a necessidade não apenas
de uma igualdade formal, mas também material, mediante ações afirmativas e tratamentos
legais desiguais; é dizer, a lei formalmente desiguala para materialmente igualar.
 Fase do pós-positivismo: a quarta fase, em que alguns autores afirmam estarmos vivendo, deu-
se pela necessidade de se respeitar um sistema de cláusulas gerais, princípios, primados, que
espelham valores como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade e a isonomia material
(aqui reforçada) – independentemente de previsão legal para tanto. A prescindibilidade legal se
deu especialmente em razão da Segunda Guerra Mundial, na qual um regime nazista legista ao
extremo e legitimador de afrontas aos direitos humanos apontou à necessidade de os direitos
fundamentais serem observados e respeitados mesmo na ausência de normas que o assegurem.
Tratam-se de direitos pré-constitucionais, pré-normativos, inerentes ao ser humano.

Crises e Soluções do Direito Civil


As fases últimas fases supracitadas passaram por estas crises e apresentaram as seguintes soluções:
 Na fase liberal, a crise foi da dicotomia entre o direito público e o privado. A solução foi uni-los.
 Na fase social, a crise se deu no que se pode chamar de Era do Estatuto ou da Descodificação,
de existência de uma excessividade normativa que iam para além e não raro contrariamente às
previsões (e proteções) dos códigos e por que não das constituições; a solução foi justamente a
transição do modelo constitucional liberal para o modelo constitucional social, a partir do que os
valores e princípios constitucionais passaram a delinear o Direito Civil. Daí dizer que o Direito
Civil Constitucional passou a ser um vetor hermenêutico, de interpretação normativa. Ressalta-
se, porém, que o Direito Civil Constitucional não é a atividade de compatibilidade das normas
civis às normas constitucionais, o que sempre existiu, e sim a atividade de interpretação das
normas a partir do delineamento constitucional a respeito de determinado tema, a exemplo
do que se vê na Súmula 364 do STJ, pela qual a impenhorabilidade do bem de família abrange
também o imóvel de pessoas solteiras, prestigiando-se, assim, o direito à moradia, previsto no
art. 6o da CF.
 Na fase pós-positivista, as crises se deram mais uma vez por uma proteção maior dos direitos
dos cidadãos, tendo a solução se encontrado na previsão de cláusulas aberta, conferindo maior
mobilidade, para alcançar os valores e fins constitucionais.

Definição de Direito Civil Constitucional


O Direito Civil Constitucional pode ser definido como o movimento de releitura de todo o Direito Civil a
partir da Constituição, que passa a não mais ser apenas um mero limite à legislação ordinária, mas seu
fundamento de validade.

Convém frisar que o Direito Civil Constitucional não é a atividade de compatibilidade das normas civis às
normas constitucionais, o que sempre existiu, e sim a atividade de interpretação das normas a partir do
delineamento constitucional a respeito de determinado tema.

7
Direito Civil

Vigência e Vigor das Normas Jurídicas


A vigência trabalha com o critério temporal, com o momento em que a lei passa a existir formalmente, o
que se dá desde a sua publicação até a sua revogação. Há de se ressaltar, porém, que quando uma lei é
considerada inconstitucional ela não deixa de ter vigência, mas passa a ser inválida; verdadeiramente,
só deixará de ter vigência caso o Congresso a revogue.

O vigor é critério material, é a capacidade da lei de produzir efeitos, geralmente 45 (quarenta e cinco)
dias depois da sua publicação, salvo disposição de prazo diverso. Esse interregno entre a publicação e a
entrada em vigor (e não da vigência, já havida desde a publicação) é denominado vacatio legis, que deve
ser em dias, e não em meses ou anos. Por exemplo, na lei deve constar que ela entrará em vigor em um
número de dias específicos, e não “daqui a um ano“ (nem sempre é assim, conforme se verá abaixo, na
análise da antiga problemática relacionada ao momento da entrada em vigor do Código Civil de 2002) –
Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998, art. 8 o, §2o. A contagem desse prazo deve incluir o dia
de início e, também, incluir o dia do final, sendo certo que a lei entrará em vigor no dia subsequente a
este, conforme LC 95/98, art. 8o, §1o.

Quanto ao Código Civil, sancionado e promulgado em 10.01.02 e publicado em 11.01.02, com previsão
de entrada em vigor em 1 (um) ano após a sua publicação (art. 2.044, CC, que está em desacordo com a
orientação legal de que tal deveria se dar em dias, presente no art. 8 o da LC 95/98), havia (não há mais)
divergência no que diz respeito à sua entrada em vigor, o que tinha maior pertinência no campo
sucessório:
 Para a primeira corrente, entendendo a aplicação de um ano contado na forma do art. 132, §3 o,
do CC, em combinação com o art. 8 o da LC 95/98, como a publicação se deu em 11.01.12 e o dia
correspondente do ano seguinte é 11.01.13, a entrada em vigor do codex deu-se em 12.01.13,
que é o dia subsequente.
 Para a segunda corrente, majoritária a já sedimentada pelo STJ, um ano é até o dia
correspondente do ano seguinte, conforme art. 132, §3 o, do próprio CC, tendo a codificação civil
de 2012 entrado em vigor no exato dia 11.01.03, e não no dia subsequente, eis que não haveria
que se falar em aplicação do art. 8 o, §1o, da LC 95/98 (que fala do dia subsequente), por conflito
normativo do CC (art. 2.044) com a LC 95/98 (art. 8 o, caput, §§1o e 2o), em que a codificação civil
prevaleceria, por ser mais recente. A crítica encontra-se nas premissas, não na conclusão: como
um ano poderia ser considerado como sendo o período de 365 dias (respeitariam-se, assim,
tanto o período de um ano dito no art. 2.044 do CC, quanto a exigência de prazo em dias, do art.
8o, §2o, da LC 95/98), não haveria qualquer incompatibilidade normativa, devendo uma
legislação dialogar com a outra tanto; dessa forma, contando-se 365 dias a partir do dia
11.01.12, o término se daria no dia 10.01.13, entrando-se em vigor o Código Civil de 2002 em
11.01.13, dia subsequente.

Vigência
Lembraremos, neste momento, de forma sucinta, alguns conceitos basilares do Direito Civil a respeito
da vigência (ligada ao aspecto temporal) das normas.

Revogação
A vigência de uma norma, conforme art. 2 o, caput e §§1o e 2o, da LINDB, pode ser ab-rogada (revogada
por completo, ou seja, ter sua vigência totalmente finda, deixando de existir formalmente no
ordenamento jurídico) ou derrogada (o que implica apenas modificação, isto é, apenas revogação

8
Direito Civil

parcial, deixando em parte de formalmente existir no ordenamento jurídico), de forma expressa


(quando a lei nova faz referência expressa à revogação ou à modificação da lei antiga) ou tácita (quando
a lei nova regular inteiramente a matéria tratada na lei antiga ou com ela for incompatível; aliás, isso
quer dizer que, se a lei nova estabelecer regras gerais ou especiais a par das já existentes, ela não a
revoga tacitamente, sequer parcialmente. No mais, é importante dizer que uma lei geral posterior pode,
por revogação tática parcial, fazer desaparecer formalmente do ordenamento jurídico os artigos da lei
especial anterior que com ela sejam incompatíveis, conforme aconteceu com o CC/02 e a Lei 4.591/64,
aquele lei geral e posterior, este lei especial e anterior).
Vale, porém, lembrar que vigor e vigência não se confundem: ainda que uma norma, por ab-rogação
expressa, por exemplo, não mais esteja vigente, ela pode ter vigor, pode produzir efeitos, nos casos em
que eventualmente se permitir a retroatividade.

Repristinação
Para que ocorra a repristinação (restauração da vigência de uma lei revogada, que encontra base no art.
2o, §3o, da LINDB) são necessárias três normas e duas revogações válidas (a primeira é revogada, a
segunda também, pela terceira). É importante ressaltar que a repristinação é decorrente de ato do
legislativo, manifestado na necessária menção expressa na lei (na terceira lei, revogadora da segunda) a
respeito do restabelecimento da vigência da mais antiga lei (a primeira lei).

Frisa-se: não se admite repristinação tácita, apenas e tão somente a expressa.

Efeito Repristinatório
Não é de forma alguma a mesma coisa que repristinação. O efeito repristinatório advém lá do controle
de constitucionalidade, tendo seu fundamento no art. 11, §2 o, da Lei 9.868/99.

Explica-se: a inconstitucionalidade não é meramente anulável, nasce eivada de nulidade – princípio da


nulidade do ato inconstitucional; tanto assim é que a decisão que a reconhece é declaratória. Com isso,
por ter nascido nula, por ter sido declarada inconstitucional, a norma não teria o condão de revogar a
anterior que era válida. Daí dizer que o efeito repristinatório é o reestabelecimento de uma norma –
aparentemente – revogada que ocorre quando a norma que a revogou é declarada inconstitucional.

Nota-se que aqui são necessárias apenas duas normas, e não três, e somente uma revogação inválida,
visto que a norma que o fez foi posteriormente declarada inconstitucional. É, portanto, uma decorrência
de ato judicial, e não legislativo. E seu efeito é automático, não precisa ser expresso; aliás, só precisa
ser expresso o seu não efeito, isto é, para que não ocorra o efeito repristinatório é necessário que a
decisão judicial assim o ressalve.

Direito intertemporal
O chamado Direito Intertemporal é o ramo da ciência jurídica que tenta responder às questões que
envolvem a entrada em vigor de uma nova lei e o regramento das relações jurídicas pretéritas. Quais
relações jurídicas iniciadas sob o pálio da lei anterior já serão reguladas pela lei posterior e quais delas
permanecem regidas pela lei revogada? É neste contexto que nasce o conflito de leis no tempo, pela
existência de duas normas distintas que poderiam regular uma mesma relação

Pela teoria subjetivista (Gabba), o que definirá no caso concreto se a lei nova ofende ou não ao
princípio da (ir)retroatividade passa por uma verificação se há ou não uma ofensa a direitos adquiridos
(a saber, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada): se ofender direitos adquiridos, ofende igualmente o

9
Direito Civil

princípio da (ir)retroatividade, previsto no art. 6 o, caput, LINDB, e no art. 5o, XXXVI, CF, quando
prevalecerá a lei anterior, mesmo que mais benéfica seja a lei nova, por exemplo, ao consumidor. Por
outro lado, se não ofender direitos adquiridos, o referido princípio também não é ofendido, quando a lei
nova poderá retroagir, aplicando-se a situações pretéritas. Convém destacar que a regra no Direito
Brasileiro é a irretroatividade: a lei nova não pode, via de regra, regular uma situação pretérita a ela.

Pela teoria objetivista (Roubier), o conflito de leis no tempo resolve-se através da identificação da lei
vigente no momento em que os efeitos de uma situação são produzidos, independente do momento
dinâmico de constituição e extinção dessa situação jurídica ou mesmo de qualquer valoração subjetiva a
respeito do direito adquirido ou do momento de constituição e extinção da situação jurídica. A teoria
em questão gira em torno da (e permitiu a) distinção entre efeito efeito retroativo (de aplicação da lei
nova no passado, o que seria, em regra, vedado) e efeito imediato (que se dá quando a lei nova se aplica
a situações presentes da lei antiga que estejam em curso ou pendentes, de modo que os efeitos
eventualmente já produzidos antes da entrada em vigor da lei nova ficam sob o domínio da lei antiga e
os efeitos ainda em curso ou pendentes fica subordinados à lei nova). Não é a teoria adotada no Brasil.

Graus de (ir)retroavidade – STF, Ministro Moreira Alves, na ADI 493.


Embora tenha analisado o Direito Público 1, a decisão do STF na ADI 493, que trabalhou os graus de
(ir)retroatividade da norma, serve também ao Direito Privado. Para o referido órgão superior, apesar de
a retroatividade ser sempre vedada, ela poderia ser dividir em graus máximo, médio e mínimo:
 Retroatividade em grau máximo se dá quando a lei nova se aplica às relações jurídicas
constituídas sob a égide da lei anterior, inclusive sobre fatos já consumados. Exemplo é o de um
condomínio cuja convenção condominial (isto é, um ato jurídico perfeito) feita antes do CC/02
previa multa por mora em até 20% com fulcro no art. 12, §3 o, da Lei 4.591/64, quando a
codificação civil de 2002 reduziu esse percentual para 2%, situação em que se poderia, pela
retroatividade em grau máximo, ser pleiteada a devolução dos 18%, caso o pagamento (outro
ato jurídico perfeito) tenha sido feito na vigência da lei antiga;
 Retroatividade em grau médio se dá quando a lei nova atinge os efeitos pendentes de atos
jurídicos verificados antes dela (atinge, pois, as prestações vencidas, mas não as adimplidas). No
mesmo exemplo supra do condomínio, o condômino em débito da conta condominial, mesmo
que o estivesse antes da entrada em vigor do CC/02, mas cobrado apenas na vigência deste, só
deveria pagar a multa relativa no percentual de 2%, mas não poderia pleitear os 18% de uma
multa paga antes da entrada em vigor da lei nova, no caso o CC/02;
 Retroatividade em grau mínimo se dá quando a lei nova se aplica às relações jurídicas
constituídas sob a égide da lei anterior, só que atingindo somente os efeitos futuros dessas
relações. Ainda no exemplo condominial, a lei nova não poderá retroagir, devendo o condômino
em débito quando da entrada em vigor da lei nova pagar a multa de 20%, mesmo que cobrado
posteriormente, sendo, porém certo que, caso o condômino fique em mora apenas na vigência
da nova lei, ele poderia pleitear a aplicação imediata da multa no percentual de 2%.

Vale frisar que nenhum desses graus de retroatividade é tolerado, em princípio, no Direito Brasileiro,
nem mesmo o mínimo, pois o admitir seria o mesmo que interferi na causa passada. Contudo, tem sido
aceita a incidência da retroatividade em grau mínimo, mais bem vista sob a alcunha de aplicabilidade
imediata da lei nova, tendo por base o art. 2.035 do CC/02.

1
No Direito Constitucional, o STF vem se posicionando no sentido de que as normas constitucionais têm, por regra
geral, retroatividade mínima, mas é possível que a norma tenha retroatividade máxima ou media, desde que haja
expressa previsão na Constituição.

10
Direito Civil

Com efeito, nos tribunais superiores, existem duas correntes em relação ao condomínio: para primeira
corrente, aplicada pelo STJ, a retroatividade em grau mínimo, ou melhor, a aplicabilidade imediata da lei
nova seria permitida, muito embora tal seja o mesmo que admitir que a lei nova atinja relações jurídicas
constituídas antes de sua entrada em vigor; na verdade, só atinge os efeitos futuros produzidos sob a
égide desta lei nova, mas não os efeitos produzidos quando imperava a lei antiga. Com efeito, parte da
doutrina afirma que tal caso não se trata de retroatividade da lei nova em grau mínimo, e sim de
aplicação imediata dessa nova lei, por autorização expressa do art. 2.035 do CC/02 (vide RESP 746589).
Aliás, por não existir comando legal similar no Código de Defesa do Consumidor, quando a legislação
consumerista fosse a lei aplicável o entendimento não se sustentaria (Súmula 285 do STJ, pela qual,
numa leitura a contrário senso, nos contratos bancários anteriores ao CDC incidirá a multa prevista neles
previstas, e não a da codificação consumerista). Já para a segunda corrente, que o STF vem aplicando, as
leis que afetam os efeitos futuros de situações jurídicas celebradas anteriormente seriam consideradas
retroativas (em grau mínimo) e, portanto, intoleráveis, eis que acabariam por afetar também a sua
causa, que nada mais é que um fato ocorrido no passado, sendo certo que no Brasil tal vedação tem por
base a previsão constitucional do princípio da irretroatividade (art. 5 o, XXXVI).

Ressalta-se, demais, que, em regra, a estatutos jurídicos não se aplicam as regras da irretroatividade,
não havendo, pois, que se falar em direito adquirido. Por isso, por exemplo, é que um servidor público
não tem direito adquirido a um plano de carreira, subordinando-se à aplicação imediata da lei nova.

Interpretação das Normas Jurídicas


Sucintamente, estes são os critérios interpretativos existentes:
 Quanto à fonte, a interpretação pode ser judicial (feita pelos tribunais – não tendo qualquer
força coercitiva), doutrinária (realizada pelos estudiosos do Direito, igualmente sem força
coercitiva) ou autêntica (também conhecida como literal, é aquela feita pelo legislador, através
de outro ato legislativo, que será coercitivo);
 Quantos aos meios, pode ser gramatical (ou literal, através de regras de linguística, analisando o
texto normativo) ou lógica (onde se desenvolve um raciocínio lógico, transcendendo a letra fria
da lei e buscando o alcance e finalidade da norma, a partir de suas motivações políticas,
históricas e ideológicas. Pode ser subdividida em histórica, mediante averiguação do texto a ser
interpretado desde o projeto de lei e votações; sociológica, aquela que busca adaptar as leis às
exigências atuais e concretas da sociedade; e sistemática, que compreende que a lei faz parte de
um todo, de um ordenamento, buscando, assim, o seu sentido em consonância com as demais
normas).

Integração das Normas


Como um todo, o ordenamento jurídico é completo, isto é, não tem lacunas, nem omissões. A lei, isto é,
a norma (regra ou princípio), ela sim, por vezes é lacunosa; quando não for encontra uma norma que se
aplique caso concreto, é quando temos uma lacuna, que necessita do preenchimento, oferecendo o
ordenamento jurídico alguns meios de integração dessas lacunas. Aliás, justamente pela existência de
tais meios, é que o juiz não pode se eximir de julgar, alegando lacuna ou obscuridade na lei – vedação
do non liquet (art. 126, CPC, c/c art. 5o, XXXV, CF). Ei-los:
 Analogia: processo de aplicação a uma hipótese não prevista em lei de disposição concernente a
um caso semelhante;

11
Direito Civil

 Costume: práticas reiteradas, uniformes e gerais que, pela repetição, indicam um modo de
proceder no meio social com um caráter de obrigatoriedade;
 Princípios Gerais do Direito: regras que se encontram na consciência dos povos e são
universalmente aceitas, mesmo não escritas.
 Equidade: na concepção lata (geral) se confunde com o ideal de justiça, mas na concepção
estrita (específica) é empregada quando a própria lei confere espaços ou lacunas para o juiz
formular a norma mais adequada ao caso – art. 127 do CPC. Não se trata de um meio próprio de
integração, mas pode ser usado como tal. Exemplos são os arts. 1.586 e 1.740, II, do CC.

Direito Estrangeiro, Estadual e Municipal


Pelo art. 337 do CPC, o juiz pode determinar à parte interessada que prove a existência e a vigência de
uma norma legal de direito estrangeiro, de direito estatual ou de direito municipal – desde que não seja
de sua competência, é claro – bem como de direito consuetudinário, caso se permita a utilização de
usos e costumes ao caso concreto.

Exceções relacionadas ao direito estrangeiro são: normas da MERCOSUL, que não precisam ser provadas
pela parte, presumindo-se o conhecimento por parte do magistrado, conforme dispõe o protocolo de las
leñas.

Pessoa Natural
O estudo da pessoa natural pressupõe o estudo de conceitos básicos do Direito:
 Personalidade Jurídica: aptidão genérica para contrair direitos e obrigações. A lei confere tanto
a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas. A personalidade (o aspecto psíquico, que difere do
subjetivo e está mais propriamente relacionado à possibilidade de contrair direitos) é inerente a
pessoas humanas, mas, como dito, até mesmo as pessoas jurídicas podem ter aptidão para
contrair direitos e obrigações, o que fica mais fácil de compreender ao olharmos as pessoas
jurídicas como o conjunto de pessoas físicas ligadas por uma finalidade: mas há de se ressaltar
que as pessoas jurídicas não são dotadas de personalidade propriamente (conceito natural),
mas de personalidade jurídica (conceito jurídico), que vem a ser a aptidão para contrair direitos
e obrigações. Aliás, por isso mesmo é que, para Gustavo Tepedino e a grande maioria da
doutrina, justamente por não ter a pessoa jurídica uma personalidade é que ela não poderia
sofrer danos morais (pela Súmula 227 do STJ, porém, seria possível o dano moral à pessoa
jurídica, decorrente da violação à honra objetiva) 2.
o Entes Formais (releitura civil constitucional): como é o caso do condomínio, que
tem aptidão para praticar determinados atos da vida civil, muito embora não seja
dotado de personalidade jurídica (tampouco personalidade), isto é, embora seja
um ente despersonalizado.

2
Tal entendimento é possível por um conceito contemporâneo da personalidade jurídica, como sendo o conjunto
de atributos da pessoa humana: nome, corpo, imagem, moral, honra e etc., denominados no código como direitos
da personalidade. Com esse conceito tutelam-se situações jurídicas existenciais, isto é, atributos do ser humano,
sem preocupação patrimonial, mas extrapatrimonial. Ressalta-se que, embora haja muita discussão doutrinária e a
grande maioria diga que não, a pessoa jurídica, como vimos, da mesma forma que a natural, pode titularizar
direitos da personalidade, na forma do art. 52 do CC/02; mas, por ter a pessoa jurídica um aspecto econômico, ao
analisarmos o viés extrapatrimonial dos direitos da personalidade, ao invés de falarmos em intimidade falaremos
em sigilo, por exemplo, visto que a norma citada usa a expressão “no que couber” para permitir às pessoas
jurídicas a proteção aos direitos da personalidade.

12
Direito Civil

 Capacidade Jurídica: é a medida da personalidade jurídica, é a maior ou menor extensão de


direitos de uma pessoa, podendo se dividir em capacidade de direito (embora se aproxime, não
se confunde com a personalidade jurídica, sendo adquirida com o nascimento, em regra,
quando a pessoa seria capaz de adquirir direitos e deveres) e capacidade de fato (possibilidade
de exercer por si só os atos da vida civil, sem que esteja, pois, representada ou assistida). Para
ter capacidade jurídica plena, é necessária a junção da capacidade de direito e da capacidade de
fato. Há de se ressaltar, a título de exemplo, que uma pessoa de 15 (quinze) anos, fora da
exceção legal de gravidez, não tem capacidade de direito para o casamento, tampouco para
votar, por ausência da capacidade de direito eleitoral. Nota-se, assim, que em alguns casos a lei
pode exigir uma capacidade de direito específica.

 Legitimação: é a aptidão para a prática de determinados atos jurídicos que exijam a ausência de
uma limitação circunstancial. Em termos mais didáticos, é quando a lei diz que, para se fazer
algo, a pessoa não pode ter isso ou ser aquilo outro ou que deve fazer isso ou aquilo para que o
faça. Exemplo é a necessidade de autorização dos demais herdeiros para que um ascendente
venda um imóvel a outro de seus descendentes, sob pena de anulabilidade do ato.

Personalidade Jurídica
início
A doutrina majoritária entende que a personalidade jurídica se inicia com a vida, quando há respiração 3
– teoria natalista, adotada pelo STF, defendida por Caio Mário e Orlando Gomes e vista nas intenções
da codificação civil, tem por base a primeira parte do art. 2 o do CC/02 e entende o nascituro não como
pessoa, mas como parte do corpo materno. Nesse sentido, teria o nascituro só as expectativas jurídicas
a ele referentes.

A doutrina minoritária defende que a personalidade jurídica existe desde o momento da concepção, que
se dá quando da união do material genético masculino com o feminino no útero materno, tornando
viável o nascimento – teoria concepcionista, adotada pelo STJ e por Clóvis Beviláqua, tem por base a
parte final do art. 2 o do CC/02. Conforme as ideias de Ihering, pelas quais não poderia haver direito sem
sujeito, o nascituro já teria, desde a concepção, personalidade jurídica, podendo, assim, por exemplo,
receber doação (ser donatário), pleitear alimentos, desde que representado por sua genitora, é claro.

A doutrinadora Silmara Juny de Abreu Chinellato apresenta uma tese moderna da aquisição de direitos
fundamentais que envolve o tema da tutela da personalidade jurídica: para ela, pouco importa a teoria
adotada, o nascituro já é humano (questão natural, e não jurídica), ainda que não possa ser
considerado uma pessoa (termo jurídico, que representa um sujeito de direito), e, como tal, merece
proteção da tutela constitucional quanto à sua dignidade e seus direitos fundamentais existenciais.
Para que o nascituro tenha a sua dignidade humana protegida, estende-se a ele a tutela dos direitos da
personalidade desde a concepção. Tanto assim deve ser que, pensando sistematicamente, o Código
Penal protege o corpo do morto: embora não haja mais que se falar mais em personalidade, extinta com
a morte, ainda deve o direito fundamental ser tutelado.

Mas e antes da concepção existiria um ser humano ali, digno de proteção? Essa questão envolve o
embrião laboratorial (congelado) para fins de reprodução, que deve gozar da mesma proteção humana,

3
A respiração pode ser provada mediante exames, cujo resultado influenciará na ordem sucessória ou em eventual
doação.

13
Direito Civil

ao menos até o momento do descarte, que também deve observar os devidos procedimentos éticos, em
respeito à dignidade humana. Vale dizer que, ao invés do descarte, a lei permite a utilização do embrião
congelado, do material genético humano, para fins de pesquisa, o que encontra resistência de setores
da sociedade, especialmente o religioso, que já ajuizou ADPF em face do dispositivo legal em questão.

No campo jurisprudencial, o STJ já entendeu ser possível o dano moral em favor do nascituro pelo
falecimento do genitor, como no caso de acidente de trabalho (informativo 360), sob o argumento de
que a tutela dos direitos da personalidade deve se estender ao nascituro. As teses de quantificação
desse dano moral é que podem variar, sendo para uns maior e para outros menor, considerando o
maior ou menor sofrimentos em relação aos filhos que já se encontravam vivos.

Pelo Enunciado 1 do CJF, a proteção do art. 2o do CC/02 alcança também o natimorto, tais como nome,
imagem e sepultura. Natimorto é aquele que nasceu sem vida. Nota-se, pois, que a tese da extensão dos
direitos da personalidade aplica-se não apenas ao nascituro, mas também ao natimorto.

Fim
O fim da personalidade jurídica pode ser real ou presumido:
 Real: no momento da morte cerebral ocorre a chamada morte real; é quando cessa a atividade
encefálica, independentemente da atividade do coração - art. 6 o do CC c/c art. 3o da Lei 9.434 de
1997;
 Presumida: quando não há certeza da morte, mas sim uma presunção de que ela ocorreu, o que
foi adotado no ordenamento jurídico por um critério de necessidade ou conveniência – arts. 6 o,
in fine, e 7o, do CC/02. São duas as suas espécies: com declaração de ausência (do indivíduo que
desaparece sem deixar notícia ou procurador para cuidar de seus bens) ou sem declaração de
ausência (de pessoas que se encontravam em situação de risco ou que desapareceram em
campanhas ou que foram feitas prisioneiras, se não encontradas em até dois anos após o
término da Guerra hipótese última essa que, para Caio Mário, aplicar-se-ia apenas a militares,
mas não ficaria restrito a conflitos externos).

Incapacidade
A incapacidade é um sistema de proteção (e não de limitação) criada em benefício de pessoas que não
têm condições de se relacionarem com outras em situação de igualdade, seja em razão de idade, de
doença ou de má formação psíquica. É uma materialização dos direitos fundamentais, especialmente o
de dignidade da pessoa humana.

Pode ser absoluta ou relativa:


 Incapacidade Absoluta: implica nulidade (arts. 3o e 166, I, CC). São absolutamente incapazes os
que não têm qualquer discernimento para os atos da vida civil, o que sequer comporta prova em
contrário. Por exemplo, os intervalos de lucidez de uma pessoa que sofre de Mal de Alzheimer
não podem ser considerado para afastar a incapacidade absoluta da mesma. Outro ponto de
atenção reside nos índios: com capacidade regulada em legislação especial (art. 4 o, parágrafo
único, do CC, Lei 7.747/12 e Estatuto do Índio), só são considerados absolutamente incapazes
os índios não integrados à sociedade, isto é, aqueles que se encontra em estado primitivo, sem
a assistência da FUNAI.

 Incapacidade Relativa: implica anulabilidade (arts. 4o e 171, I, CC). São relativamente incapazes
os que têm discernimento reduzido para os atos da vida civil. Atenção maior deve recair sobre os

14
Direito Civil

pródigos, assim considerados os que dilapidam intencionalmente seu patrimônio, privando-se


da sua própria subsistência, cuja proteção legal é reduzida, alcançando apenas a prática de atos
de administração do patrimônio (art. 4 o, IV, c/c art. 1.782, CC); nesse sentido, o pródigo poderia
casar, por exemplo, mas não regular questões de bens no seu pacto antenupcial.

Intenção do terceiro de boa-fé X proteção do incapaz


A intenção do terceiro de boa-fé prevalece face a proteção ao incapaz, quando estes praticam entre si
um negócio jurídico? Algumas questões devem ser consideradas na busca dessa resposta:

 Se ao tempo do negócio jurídico for provado que o sujeito já era incapaz, prevalecerá a proteção
ao incapaz. Aliás, aproveitando o ensejo, convém dizer que não é a sentença de interdição que
determina a incapacidade, pois ela é meramente declaratória do estado de incapacidade, e não
constitutiva da incapacidade, visto que a incapacidade é uma condição da pessoa natural. Dito
isso, também é importante textualizar que, caso não seja provado que, ao tempo do negócio o
sujeito era incapaz, prevalecerá a intenção do terceiro de boa-fé;

 Se houve boa-fé na contratação, prevalecerá a intenção do terceiro, protegendo-se o direito de


retenção, até a devolução do preço pago, garantindo-se inclusive o direito de indenização das
benfeitorias eventualmente realizadas, conforme entendimento do STJ. Mas, se houve má-fé,
que se constata na possibilidade de o terceiro constatar a incapacidade, prevalecerá o proteção
ao incapaz;

 Se o ato não acarretou prejuízo ao incapaz, prevalecerá a intenção do terceiro de boa-fé. Se, no
entanto, houve prejuízo ao incapaz, prevalecerá sua proteção; não há que se falar em prejuízo,
por exemplo, quando for pago no imóvel o valor de mercado.

Aurélio Bouret Campos - 02.02.15

Direitos da Personalidade
Direitos da personalidade podem ser conceituados como o conjunto de atributos da pessoa humana.
Estão elencados de modo meramente exemplificativo do art. 11 ao 21 do CC/02, sendo possível, pois,
encontra-los em outros diplomas normativos, a exemplo do direito à gestação saudável e ao pré-natal
(art. 7o do ECA), bem como o direito de o nascituro pleitear alimentos ainda no ventre materno – os
alimentos gravídicos (Lei 11.804/08).

Os direitos da personalidade visam tutelar os aspectos físico, psíquico e moral da pessoa humana, em
última análise visam tutelar a própria pessoa humana (fala-se isso porque, embora às vezes fique clara
a violação da dignidade da pessoa humana, não fica tão evidente qual fora especificamente o aspecto
violado). Mas é bom se ter em mente que a dignidade da pessoa humana não é um conceito coringa, é
um valor, um fundamento da república, constante do art. 1o, III, da CF/88, pelo qual todo ser humano
tem o direito de ser tratado como tal, isto é, pelo simples fato de ser humano a pessoa é digna de todo o
respeito, não podendo ser tratada como coisa, objeto ou animal, apenas como pessoa.

Usa-se a expressão “reitificado” para se fazer referência a esse ilegal tratamento do ser humano como
coisa, objeto ou animal, vale dizer.

15
Direito Civil

As formas de tutela dos direitos da personalidade (art. 12, caput, CC) são: preventiva ou inibitória (a
simples ameaça de lesão a um direito da personalidade já admite que a suposta vítima vá ao Judiciário e
peça que a mesma não se concretize) e repressiva ou ressarcitória (que ocorre após a lesão a direito da
personalidade, quando a vítima pleiteia uma indenização ao Judiciário), devendo em ambos os casos ser
relevante4 a lesão.

Características
Os direitos da personalidade são dotadas das seguintes características:
 Absolutos: não se quer dizer que não devem ser ponderados no caso concreto, o que todo e
qualquer direito deve ser (a relatividade é uma realidade de todo e qualquer direito), mas sim
que têm um sujeito passivo determinado ou determinável, sendo oponíveis erga omnes
perante toda a sociedade. Por isso é que todas as pessoas devem respeitar os direitos da
personalidade, quer se conheçam ou não, quer se gostem ou não. Aliás, em razão da presente
característica é que, em regra, sequer a pessoa poderá dispor do “seu“ direito da personalidade,
pois na verdade os direitos da personalidade são de todos, e não de uma pessoa específica.

 Inatos: são inerentes ao ser humano. Pelo menos com o nascimento com vida certamente a
pessoa já é titular de direitos da personalidade. Mas há quem entenda que o nascituro seria,
desde já, titular desses direitos – teoria cencepcionista, que se contrapõe à teoria naturalista. De
todo modo, também já vimos que ao menos a tutela dos direitos da personalidade alcançam o
nascituro, desde a concepção, independentemente da teoria adotada, se naturalista ou
concepcionista.

 Vitalícios ou Intransmissíveis: desaparecem com a morte e são intransmissíveis causa mortis ou


inter vivos, o que não quer dizer que não se pode haver proteção dos direitos da personalidade
após a morte. Na verdade, são intransmissíveis porque não se pode ceder a honra a alguém. É
importante insistir que a transmissão do direito em si não tem a ver com a tutela dos direitos da
personalidade, podendo esta alcançar até mesmo o morto; a doutrina costuma apontar três
hipóteses nesse sentido: (i) a primeira é a de morte no curso do processo, quando será caso de
sucessão processual – art. 43, CPC.; (ii) a segunda é a de morte antes de se promover a ação
indenizatória de uma lesão ocorrida em vida com o morto, não havendo, nem mesmo assim,
que em transmissibilidade dos direitos da personalidade, mas sim que houve transmissibilidade
do crédito, que tem caráter patrimonial e não personalíssimo, por meio de herança, quando os
herdeiros poderão pleitear em juízo indenização pelo dano sofrido em vida pelo morto, com
base no art. 943, CC/02. Ainda neste ponto convém ressaltar que a morte não interrompe o
prazo prescricional, que continua a correr; (iii) a terceira é a de ofensa e dano que ocorreram
depois da morte5, caso em que o indivíduo já faleceu, mas tem o seu nome, imagem ou algum
outro direito da personalidade atingido, quando os herdeiros poderão tutelar o mesmo, com
4
Exemplo: a publicação em um jornal da idade de uma mulher por si só não seria suficiente para violar um direito
da personalidade, mas o seria se uma fotografia dela em péssimo estado físico o fosse; tampouco uma irrelevante
imagem de um fotojornalista que tem em sua composição de imagem um transeunte em estado normal cotidiano
não seria suficiente para tanto, apenas uma fotografia que tivesse uma pessoa em alguma situação incomum em
um local não público.
5
Exemplo é o caso de pessoa morta que tem sua imagem divulgada sem autorização e de modo ofensivo em
jornal, o que, convém ser dito, não se trata de caso de censura, mas de demonstração de que sequer o direito de
informação não é absoluto. Com efeito, a censura é administrativa e prévia. Alguns, porém, consideram que pode
a censura ser judicial (quando uma decisão, por exemplo, impede que um humorista conte determinado tipo de
piada), mas ainda assim será prévia.

16
Direito Civil

arrimo no parágrafo único dos arts. 12 e 20, CC, aquele (art. 12) com aplicação em qualquer que
seja a violação ao direito da personalidade (honra, intimidade, nome etc.), pelo conjunge
sobrevivente, qualquer parente em linha reta ou colateral apenas até o quarto grau, e este (art.
20) com aplicação específica no caso de violação à direito da imagem, pelos ascendentes ou
pelos descendentes, somente. Nota-se que a legitimidade varia de uma norma para a outra, mas
que em ambos os casos a legitimidade será autônoma e independente, não havendo que se
falar, portanto, em litisconsórcio ativo necessário; contudo, como muitos podem ingressar com
a ação, é exigida tão somente aos colaterais (um dos legitimados do art. 12) a demonstração do
grau de afinidade, o que será, conforme o STJ, usado também para fins de quantificação do
dano sofrido, em apreço à capacidade econômica do ofensor. Outro ponto a ser entendido é
que a honra é um direito da personalidade, mas não o é a memória, de modo que não é
tecnicamente correto dizer que foram os sobreviventes que sofreram esse dano ocorrido após a
morte, e sim que o próprio falecido sofreu o dano post mortem e que, mesmo assim, deve ter
seu direito tutelado; tanto assim é que o filho sequer precisa demonstrar intimidade ou bom
relacionamento com o pai em casos tais; com efeito, é a tutela do direito da personalidade que
se estende até o falecido; e é justamente porque ele está morto que a legitimidade para se
exercer em juízo tal direito não é mais dele, mas de seus parentes – aliás, é isso que nos permite
entender que estamos diante de uma hipótese de legitimidade ordinária, e não de legitimidade
extraordinária, pois a legitimação é dos parentes do morto, e não do morto, embora seja ele
que tenha sofrido o dano em seu direito da personalidade após a sua morte.

 Indisponíveis ou irrenunciáveis (art. 11, CC): embora não seja possível a transmissibilidade do
direito da personalidade, é possível a sua limitação, restrição, desde que respeitados certos
parâmetros, a saber, (i) voluntariedade autorizada por lei; (ii) o ato não pode ser permanente,
de modo que não se pode falar em contrato vitalício, devendo ser sempre possível se denunciar
um contrato que tenha, ainda que tenha tal cláusula, pois ela é nula de pleno direito –
Enunciado 4 do CJF. E quando a imagem, por exemplo, for usada por muito tempo, além do
previsto? É possível o pagamento de verba indenizatória, a mais do que a inicialmente paga; (iii)
o ato não pode ser genérico, o que quer dizer que, embora seja possível ceder esse ou aquele
direito da personalidade, apenas parcela deles é legitimamente cedível, e não toda ela, e não
todos os direitos da personalidade ao mesmo tempo, nem mesmo a totalidade de apenas um
desses direitos – Enunciado 139 do CJF; (iv) o ato não pode violar a dignidade do titular ou os
bons costumes, sob pena de nulidade – art. 166, II, CC. Diante disso, podemos afirmar que é até
possível a limitação aos direitos da personalidade, mas jamais será admitida a sua violação.

 Extrapatrimoniais: os direitos da personalidade, como a sua própria nomenclatura aponta, são


personalíssimos, e não dotados de caráter patrimonial, insuscetíveis de apreciação econômica,
de quantificação pecuniária, portanto. Por isso é que alguns autores dizem que não é correto
falar em indenização de dano moral, considerando que não se tem como restaurar um direito da
personalidade ao seu status quo, e sim como compensá-lo com o pagamento de determinada
quantia. Vale lembrar que dano moral é lesão à direito da personalidade, e não dor, humilhação,
angústia ou sofrimento, que são quando muito sentimentos decorrentes do dano moral, meros
efeitos, que podem ou não acontecer – segundo Cavalieri, são sintomas de uma doença e, da
mesma forma que nem toda doença tem sintomas, às vezes a pessoa pode ser vítima de um
dano moral sem nem mesmo sofrer por isso, do que dizer que o dano moral decorre in re ipse,
do próprio fato, não havendo necessidade de demonstração do quanto a pessoa sofreu, apenas
do fato danoso ao direito da personalidade. Ademais, a honra, que é um dos direitos da
personalidade, pode ser ou subjetiva (que está relacionada a critérios psicológicos, de como o

17
Direito Civil

indivíduo se vê diante da sua honra pessoal) ou objetiva (que tem a ver com a reputação do
indivíduo perante a sociedade, o que fundamenta o fato de que a simples negativação indevida
já seria suficiente a causar dano à dignidade do indivíduo, ou seja, a gerar dano moral; o mesmo
raciocínio fundamenta o entendimento de que a pessoa que tem diversas negativações não tem
o direito de pleitear danos morais por negativação, ainda que indevida, salvo outras hipóteses
relacionadas ao caso concreto, como o mau atendimento em uma loja; é, ainda, a possibilidade
de dano objetivo à honra que serve, para parte da doutrina, como fundamento do dano moral à
pessoa jurídica, pela possibilidade de se manchar a imagem da pessoa jurídica no mercado).

 Imprescritíveis: não são dotados de prazo para serem exercidos, nem se extinguem pelo não
uso. O prazo de três anos para reparação civil do art. 206, §3 o, V, CC, não desdiz isso, mas quer
dizer que, embora o direito da personalidade seja imprescritível, a pretensão o é, ao menos em
regra; como exceção temos o direito à indenização das vítimas de atos da ditadura, praticados
por agentes do governo6, cuja pretensão é imprescritível (Lei 9.140/95; e REsp 816.209, de 03 de
setembro de 2007). No mais, fora os casos de tortura, no caso de dano moral ocorrido durante a
gestação, a prescrição só começa a correr quando o lesado, que à época era nascituro, fizer 16
(dezesseis) anos, uma vez que não corre prescrição contra os absolutamente incapazes (art. 198,
I, CC); contra os relativamente incapazes a prescrição já corre, motivo por que afirmamos que a
prescrição de dano causado à nascituro começa correr a partir dos dezesseis, e não dos dezoito
anos.

Tutela da Integridade Física


A tutela do dano à integridade física se dará da seguinte maneira: quando violada, já há uma lesão, que
poderá ou não ser relevante a gerar dano moral, isto é, a gerar dano a direito da personalidade. Mas é
importante atentarmos que algumas lesões físicas relevantes e, portanto, geradoras de dano moral,
podem não ser identificadas aos olhos humanos, como, por exemplo, alguns efeitos colaterais de uma
medicação - erroneamente - receitada 7.

Tutela da Integridade Psíquica e Moral


Trataremos, agora, não mais a tutela da integridade física, mas da integridade psíquica e moral. Primeiro
falaremos do caso do direito à imagem, diante de sua grande importância no mundo moderno, em que
a captação digital da imagem e sua propagação é fasta e rápida, gerando sérios riscos de dano moral, de
dano a direito da personalidade (art. 20, CC; art. 5 o, V e X, CF).

A imagem é um conceito polissêmico, com vários atributos, podendo ser vista sob três aspectos:
 Imagem-retrato: retratam as características fisionômicas do indivíduo.

 Imagem-atributo: preocupa-se com as outras formas, que não a fisionômica, de identificar uma
pessoa na sociedade, através de seus atributos, positivos ou negativos, independente do que a
pessoa seja de fato. Este atributo do direito de imagem serve de baliza muito importante para
sabermos se houve ou não preponderância dele sobre o direito de liberdade à expressão: deve-
6
Não se fala em atos da ditadura praticado pelo Governo porque os atos de tortura eram ilegais até na época da
ditadura. Aliás, por isso mesmo é que, em casos tais, o Poder Público poderá eventualmente se valer do direito de
regresso para se ressarcir.
7
Vale atentar, porém, que a medicina não é uma ciência exata: se respeitadas as condutas médicas e considerados
os estágios das doenças, pode ser que uma medicação “errada“ não seja capaz de causar tal dano, não havendo
que se falar em dano médico. Meros ”achismos” médicos, porém, podem gerar dano à direito da personalidade.

18
Direito Civil

se observar se uma sátira, por exemplo, ultrapassou ou não a imagem-atributo de uma pessoa,
se ultrapassou ou não as circunstâncias que envolvem a imagem de uma pessoa, sendo certo
que a imagem de uma pessoa independe do que ela de fato é, mas está mais ligada ao que a
circuncida, sejam coisas positivas ou mesmo negativas. Exemplo é o de um político envolvido
com escândalos de corrupção que é satirizado em programa humorístico que faz graça com a
corrupção que o norteia; ainda que não haja condenação transitada em julgado nesse sentido,
não há que se falar em abuso da liberdade de expressão, que preponderará sobre o direito de
imagem, considerando que o que o comediante fez foi nada mais do que trabalhar em cima de
um dos atributos da imagem desse indivíduo, no caso a corrupção; com efeito, embora neste
exemplo hipotético tenha ocorrido concretamente a lesão, o dano moral, não haverá que se
falar em dever de indenizar por parte do comediante, pois neste caso a liberdade de expressão e
de imprensa, ainda que não irrestrita, preponderou sobre o direito de imagem.

 Imagem-voz: atributos sonoros identificadores; é quando a voz serve para identificar a pessoa.

Ainda no que diz respeito ao direito de imagem, entende-se que a exposição de uma intimidade em
local público pode não gerar dano esse direito da personalidade, pois haveria que se cogitar pelo
consentimento tácito das pessoas que se encontram em tal situação. É a preponderância da liberdade
de expressão jornalística sobre o direito à imagem, à privacidade, na medida em que não há desvio de
finalidade, nem exploração comercial8 da imagem, o que, porém, deverá ser analisado caso a caso.

No que tange à tutela da integridade psíquica e moral, também é importante falarmos sobre o direito à
informação, como, por exemplo, o dever de um médico em informar os seus pacientes sobre os riscos
reais do tratamento, possibilitando a esses a escolha, a opção por um ou por outro tratamento – na falta
do chamado consentimento informado, a responsabilidade do médico será objetiva, pois o direito à
informação é dito como um direito da personalidade, para além de ser um direito fundamental. Outro
exemplo é a falta de informação sobre o falso HIV positivo que pode acontecer em um exame de
sangue, sendo dever do profissional de saúde informar por escrito ao paciente que o exame feito em
casos tais pode causar tal imprecisão, sob pena de se configurar dano moral. Noutros termos, o
consentimento informado não se restringe ao médico, mas alcança qualquer profissional de saúde,
devendo ser feito por escrito e em linguagem individualizada, sem utilização de modelos. Esse meio
escrito se dá por questão probatória, podendo outros meios serem utilizados, como a gravação em
vídeo da consulta médica ou de procedimento por enfermeiro, por exemplo.

Questões relacionadas à religião também se sobressaem aqui: exemplo clássico é o da transfusão de


sangue por uma Testemunha de Jeová, devendo ser respeitado o direito fundamental de crença. Aliás,
o médico deve respeitar sempre a vontade do paciente, não apenas por causa da sua liberdade religiosa,
o que é sustentado por grande parte da doutrina. Em alguns casos, porém, como de impossibilidade de
se colher o consentimento (ex: pessoas desacordadas ou incapazes), prevalece o entendimento de que o
médico poderá agir em proteção à vida do paciente, pois num primeiro momento não há direito maior
do que a própria vida, afinal, o ”direito não tutela o metafísico, mas aquilo que se passa no momento
presente”.

8
A alcunha professional aqui empregada deve ser lida de modo amplo, podendo alcançar a exploração política de
uma imagem, que, se usada de modo abusivo (leia-se em desvio de finalidade) pode gerar dano à imagem.

19
Direito Civil

Por fim, a proteção integral (leia-se da vida) da criança e do adolescente também deve ser respeitada.
Mas, na prática, o melhor é o médico se precaver, com a contratação de advogados ou até mesmo a
assistência da Defensoria Pública, pois a questão é controversa.

Autonomia do Direito à Imagem


O direito de imagem é autônomo, ou seja, a pessoa não precisa ter sua honra objetiva atingida para que
possa pleitear uma indenização pela utilização indevida e não autorizada de sua imagem, pois o direito à
imagem é autônomo em relação a qualquer outro direito da personalidade, como a honra.

Mas é perfeitamente possível que se violem a imagem e, também, a honra, quando a solução será uma
quantificação maior em termos de indenização, notadamente no caso de o lesado ter ajuizado uma só
ação para reclamar essas duas lesões a direito da personalidade.

Nesse sentido, o art. 20 do CC/02, seria tido por inconstitucional, em tese, no ponto em que une tais
direitos, enquanto a própria constituição federal os têm como autônomos, no seu art. 5 o, inciso X. Mas a
solução, na verdade, não está em declarar a inconstitucionalidade daquela norma, mas em interpretar o
Código Civil conforme a Constituição Federal, desvinculando o dano à imagem da lesão à honra.

Direitos das Personalidade e Pessoas Públicas


Os direitos da personalidade, notadamente a intimidade, a privacidade e a imagem das pessoas públicas
ou notórias costumam geralmente ser relativizados. Porque, conforme a doutrina majoritária, ”aqueles
que galgam a fama, arcam com os ônus da exposição”.

Modernamente, porém, uma parcela da doutrina vem criticando tal entendimento: para esses, pessoas
públicas deveriam ter até mesmo uma tutela maior em termos de direito da personalidade, porque elas
despertariam um maior interesse social.

De qualquer maneira, é o caso concreto que irá ou não permitir uma relativização dos direitos da
personalidade quando envolvidas estiverem as pessoas públicas, valendo-se do critério da relevância
social daquilo que é publicado, a depender do qual falaremos ou não em uma tutela indenizatório ou
até mesmo inibitória.

Mas não podemos nos enganar: a questão ainda é muito oscilante na jurisprudência pátria.

Pessoa Jurídica
Pessoa jurídica pode ser conceituada como sendo (i) o agrupamento humano de pessoas naturais que
se reúnem para a prática de determinadas atividades 9 (ii) ou a afetação de determinado patrimônio a
uma atividade. Com efeito, em ambos os casos temos uma outra pessoa atuando, a pessoa jurídica, que

9
Condomínio não é pessoa jurídica, mas uma reunião de coproprietários tida como um ente despersonalizado, que
pode praticar determinados e específicos atos da vida civil. Por isso têm CNPJ, para facilitar a questão tributária.
Aproveitando o ensejo em falar sobre o condomínio, vale dizer que o não pagamento de cota condominial pode
ser usada como fundamento de penhorabilidade, ainda que se trata de um único bem de família residencial.
Contudo, é de se ressaltar que as ”taxas” que devem ser pagas para alguns serviços ali praticados não podem dar
azo à penhorabilidade, pois não são considerar como cota condominial.

20
Direito Civil

pode ser classificada nas seguintes espécies10, vistas no art. 44, CC: associações, sociedades, fundações,
organizações religiosas, partidos políticos e empresas individuais de responsabilidade limitada.

A Pessoa Jurídica deve atuar em respeito à função social, e não ferindo a dignidade da pessoa humana,
nem praticando atos ilícitos, sob pena de se gerar a extinção da pessoa jurídica. Foi o que aconteceu,
por exemplo, com a torcida organizada Mancha Verde, do Palmeiras.

Características
Ajudando-nos a entender as pessoas jurídicas, temos suas características:
 Personalidade Jurídica distinta da dos seus instituidores, adquirida a partir do registro de seus
estatutos. Noutros termos, a pessoa jurídica de direito privado começa a existir legalmente com
a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro (art. 45, CC).

 Patrimônio distinto dos de seus membros (art. 47, CC), só sendo atingido, excepcionalmente, o
patrimônio dos sócios nos seguintes casos: (i) não integralização do capital social, que nada mais
é do que uma irregularidade; (ii) por abuso ou por desvio de finalidade, motivos que levam à
desconsideração da personalidade jurídica; (iii) por último, CDC e CLT ainda trazem a hipótese de
impontualidade do pagamento, que nada mas é do que a desconsideração da personalidade
jurídica por inadimplência, seja em uma relação de consumo, seja em uma relação de emprego.

 Existência jurídica diversa da de seus integrantes, que apenas a presentam, o que confunde a
personalidade jurídica com a personalidade natural de cada um dos eventuais sócios.

 Não podem exercer atos privativos de pessoas naturais (como casamento e reconhecimento de
personalidade), em razão da ausência de estrutura biológica ou psicológica (ou biopsicológica).

Começo da Existência da Pessoa Jurídica


Enquanto a pessoa natural tem sua personalidade jurídica adquirida certamente quando do nascimento
com vida (sem divergência doutrinária ao menos, havendo quem entenda que tal se iniciaria desde a
concepção; mesmo para esses, porém, quando a pessoa com vida, certa é a sua personalidade, ainda
que ela não tenha propriamente se iniciado neste momento), a pessoa jurídica tem a sua existência
iniciada como o registro de seus estatutos, com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro,
nos termos do art. 45 do CC/02.

Natureza Jurídica do Registro


Diante do supra dito, o registro da pessoa jurídica tem natureza constitutiva da personalidade jurídica,
e não meramente declaratória. Sem o registro, então, uma sociedade, por exemplo, até pode operar, ou
melhor, um conjunto de pessoas naturais pode até se reunir para o exercício de determinada atividade
econômica organizada (para exercerem empresa), mas estarão em situação de irregularidade – é a dita
sociedade irregular, ou sociedade de fato, ou sociedade não personificada – arts. 986 a 990 do CC/02,
que não é, legalmente falando, uma pessoa jurídica.

10
Ressalta-se que o condomínio não é pessoa jurídica, não tem personalidade, mas tem aptidão para a prática de
determinados atos da vida civil. O empresário individual também não é pessoa jurídica, a despeito de ter CNPJ, que
é um mero cadastro da Receita Federal para pagamento de tributos, muito embora seu nome extenso contemple a
expressão (cadastro nacional de) “pessoas jurídicas“.

21
Direito Civil

Registros Específicos
Geralmente, para ser criada uma pessoa jurídica, deve ser procedido o registro na Junta Comercial ou no
RCPJ11, mas existem alguns registros específicos, sendo os mais comuns deles:
 CVM – para sociedades anônimas que pretendam lançar ações no mercado;
 TSE – para partidos políticos (art. 7o da Lei 9.096/95);
 OAB – para sociedade simples de advogado, que só adquirem personalidade jurídica após o
registro na ordem, independente do seu vulto econômico (arts. 15 e 16, §3 o, da Lei 8.906/94).

Classificação das Espécies


São espécies de pessoa jurídica, conforme vemos nos incisos do art. 44 do CC/02:
 Associações (art. 53): diferente da sociedade, infra, que é a pessoa jurídica que tem finalidade
lucrativa, a associação é a pessoa jurídica que não tem finalidade lucrativa; na verdade, pode
até haver lucro ou se perseguir o lucro com a atividade, mas o lucro obtido deve ser revertido
na própria associação, e não ser repartido entre os sócios, o que não se confunde com
pagamento de salários, com o pro labore (com efeito, se o lucro não for revertido na própria
associação, mas repartido entre os sócios, ainda que essa reunião de pessoas se auto-intitule
associação, será na verdade uma sociedade). Nesse sentido, por exemplo, as organizações
religiosas devem ser consideradas verdadeiras associações. O condomínio, porém, ao contrário
do que se pensa, não é uma associação, mas sim uma reunião de coproprietários, com natureza
jurídica de ente despersonalizado. No mais, voltando ao estudo das associações, certa é a
liberdade de se associar e também de se desassociar, asseguradas no art. 5o, XX c/c XVII, CF,
não podendo ninguém ser compelido a se associar ou a se manter associado, nem depender de
autorização para tal, havendo inclusive previsão de crime nesse sentido no CP, art. 199,
denominado de ‘atentado contra a liberdade de associação’.

 Sociedades: reunião de pessoas para desempenho de uma atividade lucrativa (ou, o que é o
mesmo, de uma atividade econômica – art. 981, CC/02). Se a atividade não tiver fim lucrativo,
tecnicamente não há sociedade (não há mais, então, no ordenamento jurídico a “sociedade civil
sem fim lucrativo“, atualmente um erro grave de se dizer, sendo na verdade uma associação, e
não uma sociedade, pela ausência de fim lucrativo) 12. Verdadeiramente, se não há fim lucrativo,
falamos em associação, supra, e não em sociedade. Ressalta-se que, como visto acima, o critério
de distinção entre associações e sociedades não é propriamente o lucro, nem a perseguição por
lucro, mas o reinvestimento ou não desse lucro na atividade. Tanto que uma sociedade, que
deve ter sempre um atividade com finalidade lucrativa, não deixa de ser sociedade por não ter
lucro, e, ainda que esteja falindo, assim será considerada, pois a finalidade lucrativa sempre
11
Para mais sobre o tema, vide material de Direito Empresarial. Aqui, vale apenas dizer que o RPEM – Registro
Público de Empresas Mercantis – fica a cargo da Junta Comercial, que é o Cartório competente a fazer o registro do
empresário individual (pessoa natural), das EIRELI`s (empresas individuais de responsabilidade limitada) e das
sociedades empresárias, sendo certo que essas duas últimas são pessoas jurídicas. E que o RCPJ – Registro Civil das
Pessoas Jurídicas – é o órgão responsável pelo registro das pessoas jurídicas não empresarias, como associações,
sociedades simples etc.

12
O máximo que falamos hoje é em Sociedade Simples, que, por sua vez, difere da Sociedade Empresária, pelo
elemento organizacional. Será tida como sociedade simples a reunião de pessoas para desempenhar uma atividade
econômica, mas não organizada (é onde hoje se encaixam as antigas sociedades civis); será a sociedade classificada
como empresária quando essa atividade for econômica e organizada. Exceções a esse critério estão nas
cooperativas, que são consideradas pela lei como sociedades simples (art. 18, Lei 5.764/71), e nas sociedades por
ações, sempre consideradas como sociedades empresárias, pouco importando a análise da atividade.

22
Direito Civil

existiu e seus lucros não eram propriamente reinvestido na atividade, mas repartido entre os
sócios proporcionalmente.

 Fundações: a fundação pode ser constituída por uma só pessoa, ao passo que as associações e
as sociedades precisam da reunião de pessoas para serem assim consideradas. Conforme art. 62
do CC, fundação nada mais é do que parte do patrimônio de uma pessoa, física ou jurídica,
destacada e vinculada a uma atividade lícita, seja por ato inter vivos ou causa mortis.

 Organizações religiosas e partidos políticos: nada mais são do que associações, como já dito.

 Empresas individuais de responsabilidade limitada: as ditas EIRELI`s. Seu estudo é atinente ao


Direito Empresarial, a que se remete o leitor.

Dano Moral por Pessoa Jurídica


A pessoa jurídica pode sofrer dano moral – Súmula 227 do STJ, por ser possível se lesionar a sua honra
objetiva, a sua imagem perante o mercado, entendendo-se que isso seria uma violação que atingiria
não seu caráter patrimonial, mas extrapatrimonial, imaterial, o que está ligada, portanto, aos direitos da
personalidade,

Mas o Enunciado 286 do CJF diz o contrário da súmula do STJ, refletindo o entendimento minoritário da
doutrina, no sentido de que a pessoa jurídica não é titular de direito fundamental, logo, não poderia
sofrer dano moral – em última análise, para a segunda corrente, capitaneada por Gustavo Tepedino,
quando se ofende a reputação de uma empresa ela sofre verdadeiro dano material, e não moral, pois o
fato de seu preço de mercado cair causaria, mais propriamente, um dano patrimonial, economicamente
avaliável, portanto, ao contrário do que seriam os direitos da personalidade. Nesse sentido, para esta
corrente, pessoas jurídicas não dotadas de finalidade lucrativa, como uma ONG, só poderiam sofrer
dano institucional.

Desconsideração da Personalidade Jurídica


É o desprezo episódico (eventual), pelo Poder Judiciário, da personalidade jurídica com o propósito de
permitir que os seus sócios respondam com o seu patrimônio pessoal pelos atos abusivos e fraudulentos
praticados sob o véu societário – art. 50, CC.

Desde já, devemos ter em mente que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser requerida
pela parte interessada ou pelo Ministério Público, não implicando anulação da personalidade jurídica,
mas mero desprezo – daí dizer que tem como efeito a ineficácia episódica.

É pela desconsideração da personalidade jurídica que se torna possível a penhora de bens particulares
dos sócios ou administradores que praticaram atos irregulares, e não a todos – Enunciado 7 do CJF.

São duas as teorias que apontam sua abrangência em termos de aplicação:


 Teoria Maior: é necessária a comprovação objetiva do abuso ou fraude, mediante situações
fáticas de confusão patrimonial e de confusão patrimonial. É o que ocorre na aplicação do art.
50, CC/02, notadamente quando estivermos diante de relações civis, onde se deve primar por
uma interpretação restritiva dos parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica (isto
é, pelos seus requisitos, que são o desvio de finalidade e/ou a confusão patrimonial).

23
Direito Civil

 Teoria Menor: trata como fundamento de desconsideração da pessoa jurídica toda e qualquer
hipótese de comprometimento do patrimônio pessoal do sócio por obrigação da empresa. É
dizer, o simples prejuízo do credor consumidor afastaria a autonomia patrimonial. Eis a forma
como deve ser aplicada nas relações de consumo, com base no art. 28, caput e §5o, do CDC. Essa
maneira diferenciada de aplicação pode ser justificada no Enunciado 51 da CJF. Isso, é claro, não
deixa de encontrar duras críticas na doutrina, especialmente pelo fato de que o abuso de direito
(configurado com o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial), deveria ser pressuposto
básico para a desconsideração, pela quebra da boa-fé (art. 4 o, III, CDC, e art. 422, CC).

Nas relações civis (leia-se paritárias), portanto, temos as seguintes hipóteses autorizadoras da
desconsideração, que configuram o abuso da personalidade jurídica:
 Desvio de Finalidade: fuga dos objetos sociais da pessoa jurídica, deixando rastro de prejuízo
direto ou indireto para terceiros ou mesmo para sócios da empresa;
 Confusão Patrimonial: quando o sócio utiliza o patrimônio da pessoa jurídica para realizar
pagamentos pessoais ou vice-versa, atentando contra a separação patrimonial – comingling of
funds (promiscuidade de fundos)

Desconsideração inversa
Consiste na possibilidade de afastar a autonomia patrimonial para responsabilizar a pessoa jurídica por
obrigações assumidas por seus sócios, notadamente quando dela se valerem para ostensivamente
ocultar ou desviar seus bens pessoais, com prejuízo a terceiros – Enunciado 283 da CJF.

Desconsideração indireta
É possível que empresas controladoras (que figuram como sócias de empresas controladas) possam
utilizar a personalidade da empresa controlada (coligada, subsidiária integral, etc., não raro empresas de
fachada) com o fim de praticar atos considerados fraudulentos ou abusivos. Quando isso ocorre,
permite-se o levantamento episódico, isto é, a desconsideração da pessoa jurídica controlada, para que
se atinja e responsabilize a pessoa jurídica controladora (que figura como sócia da controlada), pelos
atos praticados com fraude ou abuso na gestão da empresa controlada.

Aurélio Bouret Campos - 09.02.15

Bens Jurídicos
Bem é tudo que pode proporcionar satisfação às necessidades do ser humano, é todo valor, material ou
imaterial, que pode ser objeto de uma relação jurídica. Trata-se do complexo de relações jurídicas
economicamente apreciáveis de uma determinada pessoa. Envolve a ideia de patrimônio global, de que
todas as relações jurídicas de uma pessoa de cunho patrimonial são consideradas patrimônio, a exemplo
de eventuais créditos e débitos; tal pode ser extraído do princípio de saisine, conforme análise dos arts.
1.784 e 1.997 do CC/02, pelo qual desde o momento da morte todo o patrimônio do morto é transferido
aos herdeiros, incluindo suas dívidas.

Mas bem não se confunde com coisa. Para a primeira e minoritária corrente, coisa é gênero do qual
bem é espécie. Para a segunda e majoritária corrente, bem que é o gênero e coisa é a espécie: bem seria
tudo o que pode ser objeto de direito, de relação jurídica, independentemente do valor econômico, da
materialidade ou da imaterialidade, incluindo os direitos, por exemplo, os direitos autorais e os direitos

24
Direito Civil

da personalidade; coisa seria apenas o bem corpóreo, as utilidades materiais, que podem ser percebidas
pelos sentidos.

Patrimônio Mínimo: impenhorabilidade


Luiz Edson Fachin nos traz a ideia de patrimônio mínimo, garantindo a proteção patrimonial com a
impenhorabilidade, sendo três seus feixes:
 Bem de Família, que, em regra, não pode ser penhorado – arts. 1.711 a 1.722 do CC/02 e Lei
8.009/90, garantindo-se a dignidade da pessoa humana (art. 1 o, III, CF). Através de uma leitura
civil-constitucional, resguardando-se o direito à moradia (art. 6 o, CF), também o bem imóvel de
uma única pessoa solteira merece a proteção da impenhorabilidade. A impenhorabilidade, no
entanto, não impede a incidência da medida cautelar real denominada sequestro, que constitui
a mera entrega da coisa, inexistência conversão em penhora (aliás, por isso mesmo é que não
caberia o arresto, pois este sim envolve obrigação de pegar, onde seria necessária a conversão
em penhora), evitando-se, assim, a dilapidação ilícita do patrimônio e futuro ressarcimento ou
pagamento;
 Óbice da prodigalidade, vedando-se a doação da totalidade do patrimônio (art. 548 do CC/02),
para que se proteja a subsistência do sujeito e, consequentemente, sua dignidade;
 Impenhorabilidade de outros bens que garantem a subsistência do individuo (arts. 648 e 649 do
CPC), ainda que tenham apreciação econômica, como os bens pessoais, que só poderão ser
penhorados se forem vultuosos, a exemplo de um casaco de pele de um morador do RJ.

Despatrimonialização do Direito Civil


A partir do advento do Código Civil de 2002 e da moderna leitura constitucional, tivemos uma quebra de
paradigma: a despatrimonialização do Direito Civil, que eleva o ser humano com fim em si mesmo, e não
como meio, tendo muito mais importância inclusive do que o patrimônio. É nesse sentido, por exemplo,
que o pródigo não pode dispor do patrimônio em vida, para que se proteja sua dignidade e se possibilite
sua subsistência; uma vez morto, porém, tal pode se dar, garantindo-se a sua vontade.

Classificação dos Bens


Bens Considerados em si Mesmos
Considerados em si mesmos, os bens podem ser:
 Quanto à sua mobilidade, podem ser móveis (podem ser removidos sem que sua substância,
valor ou utilidade se percam; subclassificam-se em bens móveis por natureza ou essência, que
podem ser transportados sem qualquer dano, por força própria ou alheia, em bens móveis por
antecipação, que eram imóveis e foram mobilizados por uma ação humana, como a colheita de
uma plantação, e em bens móveis por determinação legal, como os direitos, ações e as energias
com valor econômico, como a energia elétrica) ou imóveis (que não podem ser removidos ou
transportados sem a sua deterioração ou destruição, seja por sua natureza ou essência, como o
solo e tuto quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente, ou seja assim considerado por
determinação de lei, para que recebam maior proteção jurídica, ainda que não se enquadrem
propriamente no conceito mencionado) – arts. 79 a 84 do CC.

 Quanto à fungibilidade, podem ser infungíveis (não podem ser substituídos por outro da mesma
espécie, quantidade ou qualidade) ou fungíveis (podem ser substituídos por outro da mesma
espécie, quantidade ou qualidade) – art. 85 do CC.

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Direito Civil

 Quanto à consuntibilidade, podem ser consumíveis (bens cujo uso importa na destruição
imediata da própria coisa e também aqueles destinados à alienação) ou inconsumíveis (bens
que proporcionam reiteradas utilizações sem deterioração ou destruição imediata, bem como
os inalienáveis) – art. 86 do CC.

 Quanto à divisibilidade, os bens podem ser divisíveis (podem ser fracionados sem alteração da
substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam) ou
indivisíveis (que não podem ser fracionados sem alterar a substância, diminuir o valor ou trazer
prejuízo ao uso a que se destinam).

Bens Reciprocamente Considerados


Constantes do art. 92 do CC, temos como bens reciprocamente considerados:
 Bem principal: é aquele que existe por si só, seja de maneira abstrata (incorpóreo) ou concreta
(corpóreo).
 Bem acessório: cuja existência supõe a do principal; pode até ter existência autônoma, mas tem
uma ligação de dependência com o bem principal e, por isso, segue a sorte do mesmo. Aqui,
aplica-se o princípio da gravitação jurídica, pelo qual o bem acessório, em regra, segue a sorte
do bem principal, como se aquele dependesse da força gravitacional deste para existir, de modo
que, se a relação jurídica principal é declarada nula, também o será a acessória.

Espécies de Bens Acessórios


São espécies de bens acessórios:
 Benfeitorias: despesas realizadas num bem móvel ou imóvel, para o conservar, melhorar
(dar nova utilidade) ou embelezar (aformoseamento). Na forma do art. 96 do CC/02, as
benfeitorias podem ser necessárias (quando buscam a conservação material ou jurídica do
bem, como uma obra na estrutura do imóvel ou o pagamento do IPTU), úteis (quando
aumentam ou facilitam o uso do bem, a exemplo da transformação de um quarto em uma
suíte ou da construção de piscina13) ou voluptuárias (quando buscam tornar o bem mais
agradável, sem aumentar a sua utilidade, melhorar o uso ou o conservar, a exemplo da
colocação de vidro blindex no banheiro). No mais, conforme art. 1.219, CC, o possuidor de
boa-fé terá direito à indenização e, caso não haja indenização, à retenção, só que apenas no
que diz respeito às benfeitorias necessárias e úteis, podendo, ainda, quanto às voluptuárias,
levantá-las, caso isso não destrua o bem. Noutros termos, em regra, as benfeitorias são de
titularidade de quem as fez. Finalmente, conforme art. 97 do CC, os melhoramentos ou
acréscimos sobrevindos no bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor
não são considerados benfeitorias, a exemplo dos fatos da natureza.

 Acessões: é a incorporação de um bem por outro, não se confundindo com as benfeitorias,


pois aqui um bem passa a fazer parte do outro, ao contrário do que ocorre lá 14. Suas
espécies são acessão natural (decorrente de eventos da natureza, sem intervenção humana

13
Dependendo da circunstância, a piscina pode ser considerada como benfeitoria necessária, caso feita, por
exemplo, em um local de fisioterapia.
14
Didaticamente, mas não sem falha, usamos a palavra “obra“ para nos referirmos às benfeitorias e “construção“
para falarmos de acessões, visto que nas acessões temos a criação de um novo bem (imóvel) num bem já
existente, enquanto que nas benfeitorias temos apenas melhorias realizadas em um bem já existente. De toda
forma, na prática não há grandes diferenças entre os institutos.

26
Direito Civil

– art. 1.248, I a IV, do CC/02, como o aumento de terras pelo deslocamento de um rio) e
acessão artificial (deriva da atuação, do engenho humano – art. 1.248, V, CC/02, a saber,
plantações e construções). O antes mencionado direito à indenização e à retenção das
benfeitorias necessárias e úteis pelo possuidor de boa-fé, previsto no art. 1.219 do CC/02,
também se aplica aqui, por analogia, de acordo com o Enunciado 81 CJF/STJ.

 Frutos: utilidades que a coisa periodicamente produz sem desfalque de sua substância.
Podem ser naturais (são os que independem de intervenção humana para surgirem, como
os frutos de uma árvore15) ou industriais (são os que só existem em função da atuação do
homem, como a produção de uma fábrica ou mesmo os juros ou alugueis; por isso é que os
frutos civis aqui se enquadram, sendo assim considerados aqueles que decorrem do uso
econômico do principal, não desfalcando sua substância; verdadeiramente, por exemplo, se
o proprietário, por exemplo, aluga seu bem, não tem em nada afetado o seu direito real de
propriedade).

 Produtos: são utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, a exemplo


do que ocorre com petróleo, pedras e metais preciosos. Nota-se que a diferença entre
frutos e produtos está na perpetuidade: se renovarem-se à medida que são retirados, serão
frutos; se não, mas forem se extinguindo, serão produtos, podendo, por exemplo, o próximo
titular receber uma propriedade esvaziada, sem os produtos que outrora existiram.
Entendido isso, voltemos aos produtos. Os bens do subsolo são de propriedade da União,
que poderá permitir uma concessão ou uso por particular, não sendo ela quem em regra os
explora; terá o proprietário somente o direito a receber uma participação pela exploração –
os chamados royalties. Demais, convém dizer que os arts. 1.394 e 1.412 do CC só se referem
à percepção dos frutos pelo titular do direito de usufruto ou do direito de uso, do que
nasceram duas correntes (1a) quando a lei falou em frutos, também quis falar na apreciação
econômica do bem – por interpretação extensiva, pois, devem os artigos ser estendidos aos
produtos; (2a) no entanto, há quem entenda, como Nelson Rosenvald, que tais normas
devem ser interpretadas de modo restritivo, apenas alcançando aos frutos, porque, quando
assim fez, o legislador considerou o não desfalque da propriedade.

 Pertenças: são os bens acessórios que não são parte integrante do bem principal, mas que
se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento. Exemplo é o
quadro negro de uma escola, que a companha, mas dela não faz parte. Com efeito, embora
seja um bem acessório, a pertença é uma exceção à regra da gravitação jurídica, pois não
seguem o principal, salvo se por vontade das partes – arts. 93 e 94 do CC; continuando
naquele exemplo, quem por ventura comprar a escola, pode negociar com quem a vendeu
que o quadro negro se inclua no negócio.

Bem de Família
A noção de bem de família decorre da ideia de patrimônio mínimo, sendo corolário do principio da
dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1 o, III, CF: será impenhorável o único imóvel residencial da
entidade familiar, sacrificando-se, assim, a proteção ao crédito em prol da proteção da família e do
direito social à moradia, previsto no art. 6 o, também da CF, salvo nas exceções legais previstas.
15
Se um fruto cai em terreno alheio ou público, quem será seu proprietário? Se cai na rua, é considerado coisa de
ninguém, a princípio, caindo no domínio público, sendo de quem primeiro pegar; caindo em terreno particular
alheio, pela invasão do galho, passa a ser do proprietário do solo em que caiu – art. 1.284, CC/02.

27
Direito Civil

Pode ser classificado o bem de família em:


 Bem de família legal (Lei 8.009/90);
 Bem de família convencional: quando a pessoa escolha o bem a ser considerado impenhorável,
quando tiver mais de um imóvel, é claro, independente de residir ou não no mesmo, observado
os requisitos legais, incluindo o registro em cartório e o valor do bem, podendo tal proteção ser
de parte ou da totalidade do bem – art. 1.711, CC/02.

Não só os bens imóveis são impenhoráveis, mas os bens móveis que o guarnecem, dentro de certos
limites – com efeito, o parágrafo único do art. 1 o e o caput do art. 2 o da Lei 8.009/90, devem ser lidos de
acordo com o art. 649 do CPC. Em casos tais, na análise do que é ou não penhorável, a jurisprudência é
bastante oscilante.

Se o imóvel pertencer à pessoa jurídica, mas houver uma família ali residindo, o que é muito comum em
empresas familiares, embora não se possa confundir o patrimônio de ambos, entende-se que, mesmo
que a pessoa jurídica seja executada, o mesmo será impenhorável, conforme entendimento do STJ (REsp
1024394). Mas não é qualquer família, mas a do empresário individual ou de quem compõe a sociedade
empresária, não podendo tal entendimento ser estendido a pessoas que simplesmente trabalham no
local, em razão do vínculo precário existente, que poderia ser a qualquer momento desfeito.

O imóvel alugado, se for o único, também é impenhorável, pois é de seus frutos que a família subsiste.
Do contrário, se não saírem dos seus frutos a subsistência familiar, aí sim o STJ entende que poderá ser
penhorado.

Penhorabilidade do Bem de Família


Ainda que em caráter excepcional, admite-se a penhorabilidade do bem de família, nos seguintes casos
(art. 3o da Lei 8.009/90):
 Descaracterização do bem de família por débito condominial (STJ): antigamente, por uma
interpretação literal do art. 3o, IV, Lei 8.009/90, não cabia penhora por dívida de condomínio,
mas o entendimento jurisprudencial foi modificado daquele que em 1994 fora adotado no REsp
52156, tendo a interpretação extensiva sido adotada no REsp 99685, alcançando também a
dívida de condomínio, muito embora não tenha a cota condominial natureza de tributo.
 A Fazenda Pública poderá penhorar o imóvel de família, apenas em razão de dívida tributária
decorrente do imóvel, e não de quaisquer dívidas.
 Por obrigação decorrente de fiança de contrato de locação. Aqui, existe uma grande discussão,
a respeito da constitucionalidade da norma, por ferir a isonomia, tratando pessoas em situação
semelhante de maneira diferenciada, uma vez que o imóvel do locatário é impenhorável, mas o
do fiador não, sendo penhorável, isso sem falar que o direito de regresso do fiador restaria
prejudicado, pois eventual único imóvel do locatário continuaria protegido pela
impenhorabilidade do bem de família. No entanto, o STF, analisando a questão incidentalmente
no RE 407688/SP, entendeu pela constitucionalidade da norma, porque a impenhorabilidade
tutelaria em última análise a moradia, que não pode ser entendida como sinônimo de
propriedade; e esse direito à moradia é atendido pela proteção ao locador, pois, do contrário,
seria despertar mais custosas exigências para a locação residencial, dificultando ou até mesmo
impossibilitando o direito à moradia; isso sem falar que o fiador escolheu sê-lo, não foi obrigado
a tanto, devendo arcar com tal ônus, em prol de um bem maior social. Com efeito, a intervenção

28
Direito Civil

do estado nas relações privadas pode e deve se dar, para assegurar o direito à moradia, uma vez
que se trata esse de um direito prestacional de segunda geração.
 Em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições
previdenciárias, como no caso de empregadas domésticas.
 Respeitados os limites contratuais, pelo titular do crédito decorrente do financiamento
destinado à construção ou à aquisição do imóvel.
 Pelo credor da ação alimentícia.
 Para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real.
 Por ter sido adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal
condenatória a ressarcimento, indenização ou impedimento de bens.

Teoria Geral do Fato Jurídico


Fato jurídico, tradicionalmente, é todo acontecimento natural ou humano que cria, modifica ou
extingue relações jurídicas. Noutros termos, “é todo fato relevante para o Direito” (Agostinho Alvim).

Num conceito moderno, diz-se que é relevante para o Direito todo fato que - potencialmente – é capaz
de produzir efeitos jurídicos, criando, modificando ou extinguindo relações jurídicas. Tanto assim é
que um testamento, que só surte efeitos com a morte, não deixa de ser um fato jurídico, eis que capaz
de futuramente produzir efeitos (Pontes de Miranda); com efeito, não ter ainda produzido efeitos não o
transforma em um fato não jurídico (ou, o que é o mesmo, em um fato material).

Um fato meramente material se distingue do fato jurídico pela aptidão de produzir efeitos jurídicos, e
não pela sua origem. Um namoro, por exemplo, é um nada jurídico, um fato meramente material, mas
dependendo da forma como se dá ou de como se finda poderá se transformar em um fato jurídico.

Classificação
Em sentido amplo, o fato jurídico se divide em (art. 104 e seguintes do CC/02):
 Fatos naturais (também chamados de fatos jurídicos em sentido estrito): é todo acontecimento
natural, sem intervenção humana, relevante para o Direito. Subdivide-se em ordinário (do dia a
dia, os comumente verificados, como o nascimento ou a morte natural e o passar do tempo, em
vistas dos prazos jurídicos) e extraordinários (que não se consegue prever ou evitar, como o
caso fortuito ou a coisa maior).

 Fatos Humanos: subdividem-se em e ato ilícito (a ser estudado em momento oportuno, junto
com o abuso de direito) e ato jurídico em sentido amplo (toda ação humana voluntária lícita
que deflagra efeitos na órbita jurídica. Subdivide-se em ato jurídico em sentido estrito e em
negócio jurídico, que se diferenciam na medida em que aquele é o comportamento humano
voluntário e consciente cujos efeitos são previamente regulados em lei, enquanto que este
consiste na declaração de vontade emitida segundo o princípio da autonomia privada, pela qual
os efeitos jurídicos decorre da vontade das partes e são escolhidos segundo a sua própria
liberdade negocial, dentro, é claro, dos limites legais e respeitando os princípios da boa-fé
objetiva e da função social, dentre outros, como a dignidade humana e os bons costumes.
Podemos usar o exemplo de uma criança de oito anos que se dirige à uma loja de doces e
compra um pacote de balas, praticando, assim, um negócio jurídico, mas que seria considerado
nulo pela ausência de representação. O fato de ser nulo não tiraria a natureza de negócio
jurídico, vale dizer. Mas, como sabemos, embora nulo, tal negócio jurídico é praticado
rotineiramente, o que fazer, então? Embora tenhamos tecnicamente um negócio jurídico, três

29
Direito Civil

são as correntes que passaram a se manifestar: [1 o] deve haver uma presunção de que o menor
estava sendo representado pelos seus pais; [2 o] minoritária, entende como um ato-fato jurídico,
uma criação doutrinária que pode ser entendida como a hipótese que pressupõe um ato
humano, com efeitos decorrentes da lei, mas que pouco importa a análise da capacidade e da
consciência da pessoa que exterioriza a vontade, bastando apenas que exista a capacidade
natural, o que alcançaria os incapazes, que não podem exprimir vontade; como exemplos na lei
desprezando a voluntariedade temos o abandono – art. 1.275, inciso III, a ocupação – art. 1.263,
e a descoberta – art. 1.263, todos do CC/02. O maior problema dessa corrente está no crítica de
muitos autores, como Tepedino, no sentido de que o nosso ordenamento jurídico não acolheu o
instituto do ato-fato jurídico; [3 o] trata-se de fato socialmente aceitável, que não se enquadra no
conceito de negócio jurídico, não ingressando no campo jurídico justamente por não pôr em
risco a harmonia da vida social, sendo muito próximo do que conhecemos por fato meramente
material; alguns efeitos decorrentes do ato podem até ser relevantes, mas o ato em si não é,
sendo certo que será a aceitação social, casuisticamente vista, que dirá se a hipótese aqui se
enquadrará ou não – essa terceira corrente é defendida pelo Enunciado 139 do CJF/STJ).

Interpretação dos Negócios Jurídicos


Pela reserva mental (art. 110, CC), a pessoa manifesta uma vontade que interiormente e previamente
não queria, enganando intencionalmente a parte contrária. Se tal for feito sem o conhecimento do
destinatário, o negócio declarado subsiste, sendo irrelevante a reserva mental desconhecida pela outra
parte. Mas, se for feito com o conhecimento do destinatário e sabendo que não cumprirá o conteúdo
negocial, o negócio jurídico declarado será considerado inexistente, dada a ausência do conteúdo
negocial. Isso tem aplicação prática, por exemplo, nos casos de estrangeiros que casam com brasileiro
com intenção diversa da exteriorizada.

Outra questão interessante sobre a interpretação dos negócios jurídicos é o silêncio (art. 111, CC/02): é
o nada, não sendo, em regra, forma de manifestação de vontade, só importando anuência quando a lei
nesse sentido o diga ou quando confere um prazo 16 para tanto, como ocorre com o art. 539 do CC.

No mais, pela teoria da confiança (art. 113 c/c art. 112, do CC), a declaração de vontade prevalecerá
sobre a efetiva vontade que se tinha, na medida em que tenha suscitado legítima expectativa no
destinatário, desde que verificada a boa-fé objetiva. Nesse sentido, se o destinatário tinha condições de
discernir entre o querido e o declarado, ou se o podia descobrir com mediana inteligência ou diligência
mínima, sofrerá o prejuízo da anulação.

Escada Ponteana: os diferentes planos do mundo jurídico


Os planos da existência, validade e eficácia são trabalhados no conceito de escada ponteana, de Pontes
de Miranda, podendo ser verificados numa leitura atenta ao art. 104 do Código Civil:
 Plano da existência: para que o negócio jurídico seja considerado existente deve estar dotado
de uma estruturação básica, a saber, de manifestação de vontade, agente (emissor da vontade,
sendo necessário ser uma pessoa, natural ou jurídica, em alguns casos a pessoa natural ou
jurídica especificada em lei; além desses, a lei permite em algumas hipóteses que o agente seja
um ente despersonalizado), objeto e forma (como deve a manifestação de vontade se dar),
independentemente de estarem ou não viciados.

16
Esse prazo, cujo fim em silêncio importa anuência, não poderá ser firmado entre as partes, devendo constar da
lei.

30
Direito Civil

 Plano da validade: adjetivam os requisitos supra, para que estejam em conformação com a
ordem jurídico, sem vício algum, devendo aqui ser a manifestação de vontade livre e de boa-fé
(não podendo estar viciada ou de má-fé ou com ausência de boa-fé objetiva, quando seria
inválida), ser o agente capaz e legitimado (pois alguns atos, mesmo a pessoa sendo capaz, não
poderá a pessoa praticar, por falta de legitimação), ser o objeto lícito, possível e determinado
ou ao menos determinável (quando falamos da ilicitude do objeto, por exemplo, a isso nos
referimos de modo amplo, podendo o objeto em si não ser considerado ilícito, mas a sua
finalidade poderá assim o tornar; no mais, é importante dizer que a impossibilidade do objeto
pode ser tanto material quanto jurídica, podendo ser citado o exemplo de impossibilidade
jurídica e física da venda de um terreno na lua) e ser a forma livre ou prescrita em lei. Bom, se
descumpridos apenas um desses requisitos, ocorrerá a invalidade, gênero que se subdivide em
duas espécies: nulidade absoluta (também conhecida apenas por nulidade, são trazidas pela lei,
não apenas nos arts. 166 e 167, mas ao longo de toda a legislação civil, fundamentam-se em
questões de ordem pública, podem ser declaradas de ofício pelo juiz, a requerimento do MP ou
de qualquer interessado, não são suscetíveis de confirmação, não convalescem pelo passar do
tempo, não produzem quaisquer efeitos, são reconhecidas por ação meramente declaratória e
admitem conversão substancial) e nulidade relativa (também conhecida por anulabilidade, são
assim consideradas na lei17, fundamentam-se em razões de ordem privada, somente podem ser
invocadas por aquele a quem aproveitam, não podem ser reconhecidas de ofício, são suscetíveis
de confirmação ou redução, têm prazo de decadência de dois ou de quatro anos, produzem
efeitos enquanto não anuladas, são reconhecidas em ação desconstitutiva sujeita a prazo
decadencial e admitem sanção pelas próprias partes – arts. 171, 172, 178 e 179).

 Plano da eficácia: normalmente, quando o negócio existe e é válido já produz efeitos, a não ser
que as partes tenham convencionado a presença dos elementos acidentais, relacionados com a
suspensão e a resolução de direitos e deveres, a saber, condição, termo e encargo, conceitos
que se enquadram no plano da eficácia e que trataremos melhor em momento oportuno.

Aurélio Bouret Campos - 23.02.15

Princípios da Conservação dos Negócios Jurídicos


Existem algumas formas de se preservar um negócio jurídico que seria, em princípio, inválido, a saber:
 Princípio da Confirmação do Negócio Jurídico (art. 172, CC): as partes podem – expressamente
– declarar, até mesmo em escrito particular, que desejam ratificar o negócio jurídico anulável
(dotado de nulidade relativa), corrigindo eventual vício. Exemplo disso é o consentimento em
termo apartado no contrato pelos demais herdeiros de doação feita a só um dos herdeiros.
 Princípio da Redução do Negócio Jurídico (art. 184, CC): também diante de uma anulabilidade,
isto é, de uma nulidade relativa, o juiz pode afastar as cláusulas inválidas de um contrato,
mantendo o restante válido do negócio.
 Princípio da Conversão do Negócio Jurídico (art. 170, CC): o juiz converterá o negócio jurídico,
transformando-o em outro válido, para que se preserve a vontade das partes, analisando, para
tanto, qual era a vontade das mesmas. Em situações desse tipo, também pode ser aplicado o
art. 462 do CC, onde temos a previsão de que o contrato preliminar, ou contrato de promessa,
deve conter os requisitos do contrato definitivo, exceto quanto à forma; em vista dessa dispensa
legal da formalidade, a parte pode fazer, por exemplo, uma promessa de compra e venda de
17
Observa-se que tanto a nulidade absoluta quanto a relativa são assim ditas na lei. A dificuldade, portanto, não
está aí, mas sim no enquadramento do caso em uma ou outra espécie.

31
Direito Civil

bem imóvel mediante escritura particular, sem necessidade de escritura pública, que será
imprescindível só no contrato definitivo de compra e venda. Continuando com um exemplo de
aplicação desta norma, temos o caso do morto que faz em vida contrato de doação de imóvel
com valor superior a trinta salários mínimos, só que por escritura particular, em vez de pública,
quando, buscando preservar o negócio jurídico e a vontade do falecido, poderá o juiz, diante de
uma irregularidade meramente formal como essa, converter o mesmo em promessa de compra
e venda, que dispensa aquela forma, podendo até mesmo a vontade dos herdeiros ser suprida
judicialmente, em caso de descumprimento.

Defeitos do Negócio Jurídico


O art. 171, II, do CC, trabalha os defeitos do negócio jurídico, que implicam anulabilidade (art. 170,
caput), podendo tal se dar de duas formas:
 Vício do Consentimento: onde a vontade declarada diverge da real intenção da parte que a
manifestou, o que pode se dar por erro, dolo, coação, estado de perigo ou lesão.
 Vício Social: onde a declaração de vontade exteriorizada visa prejudicar terceiros. É o caso de
fraude contra credores.

Ressalta-se que a simulação não é mais defeito anulável do negócio jurídico, sendo atualmente causa
de nulidade absoluta – art. 167, CC: na verdade o que se invalidará é o negócio jurídico simulado (o
falso negócio, que é nulo), mas subsistirá o negócio dissimulado (o negócio verdadeiro, que se tentou
esconder, será válido).

A maior diferença prática entre negócio nulo e anulável reside no fato de que aquele não convalescem
com o tempo, enquanto este sim, quando do decurso de quatro anos, a contar do dia da celebração do
negócio ou, no caso da coação, do dia em que ela cessar, prazo decadencial que a parte tem para
reclamar dos defeitos do negócio jurídico (art. 178, caput e incisos I e II).

Erro
Trata-se da falsa representação, percepção da realidade, porque a parte está enganada, em erro, sem o
qual, caso conhecesse a realidade, não seria celebrado o negócio jurídico.

Mas nem sempre o engano gera a anulação do negócio jurídico. Para ser apto a anular o negócio jurídico
o erro deve ser (requisitos cumulativos): substancial ou essencial (o erro deve recair sobre os aspectos
relevantes do negócio jurídico, sendo a causa determinante do mesmo, que só fora celebrado porque a
pessoa estava em erro; nesse sentido, para saber se o erro é substancial ou não, devemos nos perguntar
se a pessoa, caso conhecesse a realidade, celebraria ou não o negócio jurídico, pois, se não, não terá o
falso motivo o condão de possibilitar a anulação do negócio – art. 140, CC), bem como cognoscível (recai
sobre o princípio da confiança18, da informação e da boa-fé objetiva, devendo o erro não apenas ser
substancial para ser apto a anular o negócio jurídico, mas também cognoscível por parte do receptor da
manifestação de vontade; isto é, deve o outro contratante ter a possibilidade de perceber que a pessoa
estava em erro). Atualmente, na forma do art. 138, CC, a inescusabilidade não é mais requisito, pouco
importando se o declarante tinha ou não possibilidade de conhecer o erro, de tal ser desculpável ou
indesculpável; quem tem que o perceber é o receptor da vontade – Enunciado 12 do CJF/STJ.

18
Pelo princípio (ou teoria) da confiança, o negócio jurídico deve ser mantido se gerou juta expectativa no
destinatário, o que atende ao primado da eticidade e a boa-fé objetiva.

32
Direito Civil

De toda forma, não será anulado o negócio jurídico, se o receptor da vontade se ofereça para executá-
la na conformidade da vontade real do manifestante – art. 144 do CC, em clara aplicação do princípio
da preservação do negócio jurídico.

Dolo
Se no erro a parte se engana “sozinha”, no dolo a pessoa se engana com a ajuda de alguém, que de
maneira omissiva ou comissiva, queria disso se beneficiar. Se no erro, o receptor da vontade sabe que a
pessoa está enganada, no dolo ele tem certeza. Em ambos, porém, o resultado prático é o mesmo: a
anulabilidade do negócio jurídico.

Dolo pode ser conceituado como o artifício ardiloso empregado para enganar alguém com intuito de
benefício próprio ou de terceiro. Os requisitos cumulativo, para anulabilidade por dolo, são: prejuízo e
essencialidade. Sendo o erro meramente acidental, que é o simples engano da pessoa, que não deixaria
de celebrar o negócio se conhecesse a realidade, caberá aqui perdas e danos (inexiste isso no erro), mas
não mais a anulabilidade do negócio – art. 146 do CC.

O dolo de terceiro só gera a anulabilidade se a parte que dele se aproveitou tivesse ou devesse ter
conhecimento do mesmo – art. 148. Do contrário, o ato será válido, mas o terceiro responderá por
todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.

No dolo do representante legal ou convencional não temos propriamente um terceiro, porque a parte é
representada e o represente atua em nome próprio e no interesse daquela. Na forma do art. 149, no
caso de representante legal, o dolo só obriga o representado a responder na medida do proveito que
teve; já no caso de dolo por representante convencional, o representado responderá solidariamente
com ele por perdas e danos.

Coação
Pressão física ou moral exercida sobre o negociante para obrigá-lo a assumir uma obrigação que não é a
sua vontade, que não era sua intenção. A consequência é a anulabilidade, pois, ainda que viciada, a
pessoa não deixa de manifestar uma vontade (mas em alguns casos poderia ser alegada a inexistência
do negócio jurídico, tamanha a coação, a pressão, especialmente quando física, o que se buscará, na
prática, quando e se ultrapassado aquele prazo de quatro anos para se requerer a anulabilidade).

Seu requisito consta do art. 151 do CC: relevância da ameaça, fundada em temor de dano iminente e
considerável à pessoa envolvida, sua família ou até mesmo aos seus bens; conforme parágrafo único da
referida norma, tal também pode alcançar pessoas não pertencentes à família do coato com as quais o
coagido tenha um forte vínculo de afetividade, o que deverá ser analisado caso a caso pelo juiz; isso, no
entanto, não pode alcançar um cachorro, por exemplo, por ser esse semovente um mero bem jurídico, e
não propriamente uma pessoa, conforme a norma requerer.

Na coação exercida por terceiro (art. 154 do CC), deve ser analisado se o beneficiado tinha ou devia ter
conhecimento da coação, quando o negócio jurídico será anulável, respondendo ainda solidariamente
perante o prejudicado por perdas e danos. Mas, se o negociante beneficiado não tinha conhecimento, o
negócio será válido, por aplicação do princípio da conservação do negócio jurídico, o que, porém, não
afasta o dever do coator de indenizar o prejudicado por perdas e danos (art. 155). No caso do Direito de
Família, no entanto, essa regra geral não se aplica, diante da existência de uma regra específica, que

33
Direito Civil

possibilita a anulação do negócio no caso de vício de vontade, seja por erro essencial do nubente quanto
ao outro ou por coação, ainda que o outro nubente não tenha dela conhecimento (arts. 1.556 e 1.558).

Não configuram coação – art. 153 do CC: (i) ameaças relacionadas ao exercício regular de direito; (ii) o
mero temor reverencial, ou seja, o receito de desagradas pessoa querida ou alguém a quem se deva
obediência.

Estado de Perigo
Trazido pelo art. 156, CC, a pessoa se encontra em estado de perigo toda vez que o próprio negociante,
diante da necessidade de salvar-se a si próprio ou pessoa de sua família (ou pessoa próxima, ainda que
não da sua família – parágrafo único da norma referida) de grave e iminente dano patrimonial ou físico
(não basta aqui a mera ameaça, sendo necessária a iminência de grave dano) conhecido pela outra
parte, acaba assumindo prestação excessivamente onerosa.

Seus requisitos são dois, um objetivo e outro subjetivo, ambos a serem interpretados pelo juiz à luz da
boa-fé objetiva, na forma do art. 113 e 422 do CC: (i) onerosidade excessiva, em relação ao valor de
mercado; (ii) conhecimento da situação de risco – dolo de aproveitamento.

Aplica-se aqui, analogicamente, o §2 o do art. 157, CC, pelo qual não se decretará a anulação do negócio
jurídico se for oferecido suplemento suficiente ou até mesmo se a parte favorecida concordar com a
redução do proveito, pois neste caso não haveria mais que se falar em onerosidade excessiva, evitando-
se, assim, o enriquecimento sem causa e preservando o negócio – Enunciados 148 e 22 do CJF/STJ. Uma
vez que a parte pode mais, pode menos: em juízo pode a parte optar por pleitear não a anulação, mas
diretamente a preservação do negócio, por meio do suplemento ou redução do proveito (Enunciado
291, CJF). Se for pleiteada a anulação, também poderá o réu oferecer o suplemento ou a redução, em
pedido contraposto. Por isso mesmo é que se diz que o estado de perigo, em razão da aplicação por
analogia daquele dispositivo atinente à lesão, em regra, não conduz à anulação do negócio jurídico, mas
à sua revisão (Enunciado 149 do CJF).

Por ser vício de formação, incide desde a origem, desde a celebração do negócio jurídico, devendo ser
observados os valores vigentes ao tempo em que o mesmo fora celebrado, para que se conclua ou não
pela anulabilidade (§1o do art. 157 do CC). Noutros termos, se o desequilíbrio contratual for posterior,
pode haver apenas a revisão do contrato por imprevisibilidade e por onerosidade excessiva, em alguns
casos até a resolução, conforme arts. 317 e 478 do CC e do art. 6 o, V, do CDC, e não a anulação. Assim,
não podemos confundir o instituto de revisão contratual por imprevisibilidade ou por onerosidade
excessiva com o estado de perigo, tampouco com a lesão.

Lesão
Quando uma pessoa em premente necessidade ou por inexperiência (leia-se ignorância, falta de estudo
ou de conhecimento) obriga-se a prestação manifestamente desproporcional (onerosamente excessiva)
ao valor da prestação oposta, incorre em lesão, que possibilita a anulabilidade do negócio, evitando-se,
assim, o enriquecimento indevido, os “negócios da china“.

Na lesão não se exige o dolo de aproveitamento. Noutros termos, na lesão não constitui requisito o
conhecimento da situação de necessidade ou inexperiência pela outra parte, apenas a onerosidade
excessiva e a premente necessidade ou inexperiência da própria parte – Enunciado 150 do CJF.

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Direito Civil

Aqui, não se deve presumir a necessidade ou inexperiência, que devem ser devidamente comprovadas
– Enunciado 290 do CJF/STJ, diferente do que ocorre, por exemplo, na interpretação mais favorável ao
aderente em contratos de consumo pelo simples fato de ser consumidor.

Por ser vício de formação, incide desde a origem, desde a celebração do negócio jurídico, devendo ser
observados os valores vigentes ao tempo em que o mesmo fora celebrado, para que se conclua ou não
pela anulabilidade (§1o do art. 157 do CC). Noutros termos, se o desequilíbrio contratual for posterior,
pode haver apenas a revisão do contrato por imprevisibilidade e por onerosidade excessiva, em alguns
casos até a resolução, conforme arts. 317 e 478 do CC e do art. 6 o, V, do CDC, e não a anulação. Assim,
não podemos confundir o instituto de revisão contratual por imprevisibilidade ou por onerosidade
excessiva com a lesão, tampouco com o estado de perigo.

Conforme §2o do art. 157, não se decretará a anulação do negócio jurídico se for oferecido suplemento
suficiente ou até mesmo se a parte favorecida concordar com a redução do proveito – princípio da
preservação do negócio jurídico. Uma vez que a parte pode mais, pode menos: em juízo pode a parte
optar por pleitear não a anulação, mas diretamente a preservação do negócio, por meio do suplemento
ou redução do proveito (Enunciado 291, CJF). Se for pleiteada a anulação, também poderá o réu
oferecer o suplemento ou a redução, em pedido contraposto. Por isso mesmo é que se diz que a lesão,
em regra, não conduz à anulação do negócio jurídico, mas à sua revisão (Enunciado 149 do CJF).

Finalmente, como muitas foram as comparações entre lesão e estado de perigo, convém distinguirmos
os institutos: no estado de perigo, o contratante se encontra em uma situação na qual deve optar entre
dois males, a saber, ou sofrer as consequências do perigo que o ameaça (ou à sua família ou à pessoa
próxima) ou pagar ao seu “salvador“ uma quantidade exorbitante; já na lesão o declarante participa de
um negócio desvantajoso, premido por uma necessidade econômica ou pela inexperiência.

Fraude Contra Credores


Este, que é o único vício social do negócio jurídico, será estudo em momento oportuno.

Ato Ilícito
Esse fato humano, ao lado do nexo causal e do dano, constitui um dos elementos da responsabilidade
civil, a qual deriva da transgressão de uma norma legal ou contratual preexistente, com a consequente
imposição ao causador do dano do dever de indenizar (art. 186 c/c art. 927, ambos do CC), podendo ser
praticado com culpa estrito senso ou dolo.

Com efeito, o conceito de ato ilícito confunde-se com o de responsabilidade civil. Isso porque, aquele
que pratica ato ilícito, que pratica um ato comisso ou omissivo, culposo ou doloso, que viola direito de
outrem, causando danos materiais e/ou morais, tem a obrigação, o dever jurídico os reparar.

Responsabilidade Civil
Para falarmos em responsabilidade civil, devemos ter a violação de um dever jurídico primário (do
dever geral de não lesar, de não causar prejuízo a outrem) por um comportamento danoso (por um ato
ilícito, comportamento humano doloso ou culposo, comissivo ou omissivo, que tenha nexo causal com o
dano, é claro), que gerará o dever jurídico secundário (de indenizar). Mais uma vez fica claro o quanto
os conceitos de ato ilícito e responsabilidade civil se confundem.

35
Direito Civil

Subjetiva e Objetiva
A responsabilidade civil subjetiva tem como fundamento a culpa lato sensu (que engloba o dolo, isto é, a
intenção de gerar dano19, e a culpa stricto sensu, não existindo no Direito Civil, porém, o dolo eventual,
instituto que na verdade deriva da culpa, notadamente da imprudência).

A responsabilidade objetiva, sempre indicada pela lei como tal 20, prescinde da comprovação da culpa,
tendo como fundamento, em regra, a teoria do risco (ressalta-se que atividade de risco não se confunde
com a situação de risco de um caso concreto), como no caso de patrão pelos atos de seus prepostos
(art. 932, III, do CC; v.g., se um motorista contratado está além dos limites de velocidade e atropela uma
pessoa na calçada, a sua responsabilidade é subjetiva, mas a de seu patrão será objetiva, salvo no caso
de fato da vítima, onde a pessoa que sofreu o dano foi quem se colocou em risco, não havendo que se
falar em responsabilidade do patrão nem do empregado, por exclusão do nexo de causalidade).

Contratual e extracontratual
A responsabilidade civil é contratual quando o comportamento do causador do dano vier de norma
contratual. Já a responsabilidade civil extracontratual (ou aquiliana, com a qual nos preocuparemos no
presente material de estudo) é a que o comportamento do causador do dano viola diretamente a norma
legal preexistente.

Elementos do ato ilícito (ou requisitos da responsabilidade civil)


São eles: conduta humana, dolo ou culpa, nexo de causalidade e dano ou prejuízo.

Conduta
A conduta deve ser humana, comissiva ou omissiva, e sempre voluntária, o que quer dizer que atos
reflexos não geram responsabilidade civil.

Para que alguém que pratique um ato ilícito e seja obrigado a reparar é necessário ter capacidade civil e
discernimento. Assim, os inimputáveis, em regra, não respondem pelos atos ilícitos que eventualmente
praticarem, salvo se as pessoas por eles responsáveis não tiverem obrigação de indenizar ou, se tiverem,
caso não tenham recursos suficientes com seu próprio patrimônio para fazê-lo (art. 928 c/c art. 932, I e
II, CC), devendo, nestas hipóteses excepcionais, a responsabilização do incapazes ser equitativa, além
de subsidiária e subjetiva, de modo a resguardar reserva suficiente à sua dignidade – parágrafo único
do art. 928 (o contrário ocorre com as pessoas capazes, que respondem com todos os seus bens, salvo
os impenhoráveis). Com efeito, conforme Enunciado 41 do CJF/STJ, a única hipótese em que pode haver
responsabilidade solidária do menor de dezoito anos com seus pais é ter sido emancipado, nos termos
do art. 5o, parágrafo único, inciso I, do CC, aplicando-se apenas o art. 932, e não o 928.

Dolo ou Culpa
Enquanto o dolo é a intenção de praticar a conduta danosa, a culpa é a quebra do dever objetivo de
cuidado, a falta de diligência mínima que se espera do homem médio, a qual pode ser exteriorizada por
19
Ressalta-se que o dolo aqui, na responsabilidade civil, não se confunde com um defeito do negócio jurídico,
apesar da homonímia dos institutos.
20
Haverá responsabilidade civil objetiva nas seguintes hipóteses: abuso de direito (art. 187, CC), exercício de
atividade de risco (art. 927, parágrafo único), danos causados por produtos (art. 931), responsabilidade pelo fato
de outrem (art. 932 c/c art. 933), responsabilidade pelo fato da coisa ou do animal (art. 936, 937 e 939). Fora da
codificação civil também temos outras hipóteses, na forma das leis especiais: CDC, legislação do DPVAT (seguro
obrigatório de veículos), responsabilidade do Estado (art. 37, §6 o, CF) e Decreto 2.681/12 (acidentes ferroviários).

36
Direito Civil

imprudência, negligencia ou imperícia 21. Verdadeiramente, até na responsabilidade civil objetiva há dolo
ou culpa, a diferença é que eles não precisam ser analisados em casos tais.

Nexo de Causalidade
Nexo de causalidade é o liame, o vinculo que liga o fato e consequentemente o autor ao dano. Somente
quando a causa imediatamente anterior ao resultado danoso for a sua causa direta é que teremos nexo
de causalidade, o que ainda nos levará ao responsável – teoria da causalidade direta e imediata (art.
403 do CC), que nos ajudará naqueles casos em que nem sempre encontraremos uma causa cartesiana,
perfeita.

Algumas causas são excludentes desse nexo de causalidade22:


 Caso fortuito ou força maior, previstos no art. 393, que, embora não diferencie os institutos,
certo é que a doutrina aponta aquele como o fato imprevisível e inevitável, a exemplo de um
sequestro-relâmpago, e este como um fato previsível, mas inevitável, a exemplo de um evento
da natureza;
 Fato de terceiro – arts. 929 e 930: o comportamento voluntário de um terceiro pode romper
com o nexo de causalidade, excluindo a responsabilidade do infrator, ao produzir por si só o
resultado (se a conduta do agente causador do dano, portanto, contribuir para o resultado, não
mais poderemos falar de exclusão da responsabilidade). No mais, é importante mencionar que,
no caso concreto, o fato de terceiro pode se enquadrar como hipótese de exclusão não de
responsabilidade civil por falta de nexo causal, mas sim da ilicitude; é o caso, por exemplo, do
motorista que, ao se desviar de uma brusca fechada dada por um ônibus, sobe na calçada e
atropela um transeunte, situação essa em que não poderá invocar o fato de terceiro para
afastar sua responsabilidade e o consequente dever de indenizar, porque na realidade a causa
direta e imediata do atropelamento foi seu próprio ato, mas sim o estado de necessidade, que é
a única das causas de exclusão de ilicitude que não afasta o dever de indenizar (as outras causas
excludentes de ilicitude afastam-no, conforme veremos adiante), quando poderá se valer da via
regressiva em face do terceiro que deu causa à situação de perigo para se ressarcir da
importância que tiver pago ao lesado (art. 930).

 Culpa exclusivo da vítima, que não consta expressamente da codificação civil, mas não deixa
de ser uma dos excludentes do nexo causal, sendo assim considerado aquele em que a conduta
da vítima dá exclusivamente causa ao resultado danoso, a exemplo do que ocorre com o
pedestre que tenta ultrapassar a via de alta velocidade correndo, tendo próximo de si uma
passarela. Só que há alguns casos em que temos não uma culpa exclusiva, e sim uma culpa
concorrente, esta não excluindo a responsabilidade civil, apenas reduzindo a verba
indenizatória, na forma do art. 945 do CC.

21
Vale dizer que, para haver negligência, a pessoa deve estar no local do dano. A falta de atendimento médico, por
exemplo, não pode ser fundamento para o caso de médico que não fora trabalhar ou dos que estavam dormindo
(que sequer podem praticar ato por omissão), apenas aos que estavam em labor no local, no momento do evento
danoso. A decisão médica é de quem está no local, que são quem de fato optam pelo procedimento ou pela
espera. A falta é grave, do ponto de vista do servidor público ou do prestador de serviços, mas não há que se falar
em responsabilidade civil ou em dever de indenizar. Por isso é que devemos buscar a causa do dano, que nos
levará ao responsável pelo mesmo. Por exemplo, a falta de médico pode ser imputada ao Poder Público ou ao
diretor da emergência, que deveria ter no mínimo encaminhado a pessoa a outro hospital.
22
Se alguém responde objetivamente, tem como defesa apenas tais excludentes de nexo de causalidade.

37
Direito Civil

O fortuito interno pode se encaixar em qualquer uma dessas causas de excludente de nexo causal,
sendo assim considerado aquele que incide durante o processo de elaboração do produto ou na
execução do serviço, não excluindo a responsabilidade civil do réu, por ser inerente à atividade por ele
praticada (art. ???). Já o fortuito externo exclui a responsabilidade, porque está fora do âmbito da
atividade praticada pelo fornecedor.

Ressalta-se que o assalto à coletivo é considerado um fato de terceiro doloso e também um fortuito
externo, majoritariamente, não estando a transportadora obrigada a reparar, a não ser, v.g., que o
assalto se dê rotineiramente na mesma rota, sendo previsível 23. Nota-se, então, que, em regra, o fato de
terceiro doloso exclui a responsabilidade, mas temos que tomar cuidado se é um fortuito externo ou
interno, o que implicará na obrigação de reparar o dano ou não.

Ainda no que diz respeito ao contrato de transporte, a responsabilidade contratual do transportador, se


configurar fortuito interno, inerente à atividade exercida, não é elidida por conduta culposa de terceiro,
contra o qual existirá a via regressiva – cláusula de incolumidade, prevista no art. 735 do CC e Súmula
187 do STF. É esse um dos exemplos em que a própria lei e/ou a jurisprudência não admitem o fato de
terceiro como excludente de responsabilidade.

No mais, algumas atividades, por internalizarem um dever de segurança, a depender principalmente do


local em que o dano foi praticado, podem não elidir a responsabilidade por ato terrorista, embora, em
princípio, tal seja imprevisível. Seria, por exemplo, a depender do caso, considerado fortuito interno um
ato terrorista praticado no interior de um consulado.

Dano ou Prejuízo
Dano ou prejuízo traduzem a lesão a interesse jurídico tutelado material ou moralmente. Para que seja
indenizável, deve observar os seguintes requisitos: (i) violação de um interesse jurídico material ou
moral; (ii) atualidade ou substância do dano, pois, se o dano já foi reparado ou nunca existiu, não há o
que indenizar; (iii) certeza do dano, não sendo indenizando dano hipotético, nem mero aborrecimento.

Excludentes de Ilicitude
Se não há ilicitude – em regra – inexiste o dever de indenizar, uma vez que a obrigação de indenizar
somente ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa dano a outrem (arts. 927 e 186, CC). Mas por
nem sempre existir coincidência entre dano e ilicitude, nem todo ato danoso é ilícito, assim como nem
todo ato ilícito é danoso. A ilicitude, pois, não está necessariamente ligada à consequência indenizatória,
podendo receber outras consequências jurídicas, como, por exemplo, a nulidade do ato.

Em algumas hipóteses previstas em lei a conduta do agente, embora cause dano a outrem, não viola
dever jurídico, não estando sob censura legal, não constituindo atos ilícitos, mas lícitos (art. 188, CC):
 Legítima defesa, para repelir a agressão injusta, devendo ser observada a proporcionalidade;
 Exercício regular de um direito reconhecido e estrito cumprimento do dever legal: é o direito
exercido ou cumprido regularmente, observada em especial a boa-fé, de modo que o agir em
conformidade com a lei não gera responsabilidade civil, ainda que isso venha a ser nocivo a

23
Outro exemplo é o de freios cortados dentro da empresa ou de arremessos de pedra feito de dentro da
propriedade da empresa: há responsabilidade da transportadora, porque essa tem não só a possibilidade, mas o
dever de vigilância da área de sua propriedade. Aproveitando o ensejo, vale dizer que majoritariamente, pela falta
de precauções em termos de vigilância, haverá culpa concorrente no caso de dano causado por pessoa que entrou
na área por meio de um buraco na cerca ou algo do tipo.

38
Direito Civil

alguém. Ressalta-se que isso pode se transformar em ilícito quando o titular do direito exceder
manifestamente os limites estabelecidos em lei, em claro abuso de direito, que se encontra
previsto no art. 187 do CC e será estudado a seguir, em tópico separado;
 Estado de necessidade: ocorre quando alguém deteriora ou destrói coisa alheia ou causa lesão
em pessoa, a fim de remover perigo iminente. Somente será legítima quando as circunstâncias o
tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para remoção
do perigo. Ressalta-se que especificamente neste caso, ainda que não haja carga de ilicitude no
ato, existe o dever de indenizar (arts. 929 e 930, ambos do Código Civil). Trata-se da hipótese
de indenização por ato lícito.

Aurélio Bouret Campos - 02.03.15

Abuso do Direito
Os novos paradigmas do Direito Civil são a operabilidade, a eticidade e a socialidade. De dentro desse
segundo paradigma, a eticidade, brota a boa-fé objetiva, que é dotada de três funções: interpretativa,
limitadora de direitos subjetivos e criadora de deveres anexos. É importante falarmos sobre isso para
melhor nos situarmos no estudo do abuso do direito, que vem a ser o extrapolamento no exercício de
um direito, especialmente da boa-fé objetiva e da ética.

Responsabilidade civil pré e pós contratual


Antes de mais nada, convém ressaltarmos que a boa-fé objetiva deve nortear não só o contrato em si,
mas também as fases pré e pós contratuais, expressando-se pelo dever de lealdade de ambas as partes,
a ser observado desde as negociações preliminares ou tratativas, muito embora o contrato mesmo só se
inicie com a proposta, na forma do art. 472. A quebra de uma legítima expectativa gerada por uma parte
na outra em qualquer dessas etapas é vista como sinônimo de quebra de boa-fé, mesmo que ainda não
haja contrato, configurando abuso de direito.

Venire Contra Factum Proprium: Supressio, Surrectio e Tu Quoque


Na forma do art. 187 do CC, o abuso é um extrapolamento dos limites do direito, especialmente da boa-
fé e da ética. São exemplos de abuso de direito, pois excedem os limites da boa-fé objetiva, a supressio,
surrectio e tu quoque, que são trabalhadas no gênero venire contra factum proprium. Esses institutos,
que, frisa-se, constituem meros exemplos de abuso de direito, significam:

 Venire Contra Factum Proprium: é a vedação do comportamento contraditório, de modo que a


pessoa que adota um comportamento inicial, gerando uma expectativa legítima na outra parte,
não pode em momento posterior se portar de modo diverso, frustrando a expectativa legítima
da outra parte. Podemos dizer que todos têm o direito de serem contraditórios, a não ser que
frustrem uma expectativa legítima, quando configurado estará o abuso de direito. Este instituto,
extraído da função limitadora de direitos subjetivos da boa-fé objetiva, tem relação de gênero e
espécie com os demais, infra.

39
Direito Civil

 Supressio: supressão de um direito pelo seu não exercício reiterado por certo 24 lapso de tempo,
que pode gerar a legítima expectativa na outra parte de que ele não será exercido, de modo
que, caso seja exercido, configurado estará o abuso de direito, vez que ferida a boa-fé objetiva.
Exemplo é o não ajuizamento por um condomínio de uma ação reintegratória de posse em face
daquele condômino que se vale da área comum como sua, quanto mais se houver assembleia
autorizando isso, criando uma expectativa legítima neste condômino de que o condomínio não
mais reintegrará a área, o que de fato não mais poderá ser feito, muito embora se admita a
cobrança de um valor a maior nos ônus condominiais em desfavor do referido condômino. Aliás,
eventual novo comprador dessa propriedade também terá direito à área, apesar de a mesma ter
sido usada de forma irregular, pois tem uma expectativa legítima derivada.

 Surrectio: surgimento de um direito pelo exercício reiterado por certo lapso de tempo de um
comportamento ao arrepio do convencionado ou mesmo do ordenamento jurídico, gerando a
expectativa legítima de que assim continuará a ser exercício. No mesmo exemplo acima, se para
o condomínio se suprimiu um direito, para o condômino surgiu um direito. Nota-se, assim, que
supressio e surrectio são dois lados distintos de uma mesma moeda.

 Tu quoque: é também um comportamento contraditório, por ser espécie de venire contra


facum proprium, mas traz especificamente a noção de que aquele que descumpriu a norma
contratual ou legal em momento anterior não poderá em momento posterior se valer da mesma
ou exigir o seu cumprimento, sob pena de lesar a legítima expectativa gerada em terceiros no
momento do descumprimento, quebrando-se a boa-fé objetiva e configurando-se o abuso de
direito. Didaticamente, podemos nos valer da expressão “bem na minha vez!?“, para
entendermos mais claramente o presente instituto.

Prescrição e Decadência
Prescrição
São ao menos quatro as correntes acerca do conceito de prescrição, mas a majoritária aponta-a como a
perda da pretensão em razão da inércia do titular do direito subjetivo no prazo previsto em lei – art.
189, CC/02. Nota-se que não há a perda do direito 25, nem do direito de ação, mas sim de sua pretensão;
nesse sentido é o art. 882, que não permite o repetir do que se pagou para solver uma dívida prescrita.

Como visto, todos os prazos prescricionais devem estar em lei, mas especificamente nos arts. 205 e
206: o prazo geral das relações privadas é de dez anos, variando os especiais entre um e cinco anos. O
contrário ocorre na decadência, onde os prazos estão ao longo de toda legislação, como nos arts. 178,
179 e 445 do CC (nota-se que o direito à anulação tem a ver com a decadência, não com a prescrição).

O início do prazo prescricional é com a violação do direito subjetivo – art. 189. Mas existem alguns
casos em que a parte não tem noção dessa violação, quando, então, o prazo prescricional inicia não na

24
Fala-se sem certo lapso de tempo, porque dependerá do caso concreto, não havendo aqui que se falar em prazo
prescricional, que tem prazos estabelecidos em lei, ao contrário daquele instituto, cujo prazo será o necessário
para criar uma expectativa legítima. Com efeito, o fundamento da prescrição é a segurança jurídica, enquanto que
o fundamento da supressio ou mesmo da surrectio é a boa-fé objetiva.
25
Ao contrário do que ocorre, por exemplo, na supressio, anteriormente estudada.

40
Direito Civil

violação do direito subjetivo, mas do conhecimento dessa violação – teoria da actio nata, que pode se
fundamentar ou na Súmula 278 do STJ ou no art. 27 do CDC, o qual a acolhe expressamente e que pode,
também, ser usado nas relações civilistas comuns. Dessa ideia pode se valer, por exemplo, aquele que
perdeu o prazo prescricional, considerando sua contagem da violação, e não do conhecimento.

Características
São características da prescrição:
 Envolve questão de interesse privado, de direitos subjetivos patrimoniais privados, admitindo-
se, pois, a renúncia expressa ou tática (não se pode entender como renúncia tácita a falta de
alegação de prescrição na contestação, convém dizer) da prescrição por quem poderia alegá-la:
o devedor. Por isso é que Barbosa Moreira diz que a prescrição não é a perda de nada, mas sim
uma defesa do devedor. Mas essa renúncia está limitada ao que dispõe o art. 191, CC, a saber,
a capacidade do renunciante (o incapaz não pode dispor do seu patrimônio, logo, também não
pode renunciar), inexistência de prejuízo de credores (sob pena de caracterizar fraude) e que a
mesma se dê depois de efetivamente consumada (de antemão não pode sê-lo, sendo inclusive
nula de pleno direito a cláusula de renúncia antecipada de prescrição, pois ninguém pode dispor
de um patrimônio que ainda não tem). Mas há de se ressaltar que o prazo prescricional (tal qual
o decadencial legal) não pode ser alterado pelas partes (de modo diverso ocorre com o prazo
decadencial convencional, que nada mais é do que a garantia estendida, que pode ser alterada
pela vontade das partes).

 Pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição, a despeito de ser questão de interesse
privado – art. 193, CC, mas só será possível a discussão da prescrição nas instâncias excepcionais
quando houver prequestionamento (que significa discussão e decisão da questão nas instâncias
anteriores), como pressuposto processual, o que, convém dizer, é possível por causa do efeito
translativo, ou expansivo, dos recursos, que, na forma do art. 516 do CPC, toda vez que um
recurso atende aos pressupostos recursais de admissibilidade a instância superior é aberta,
sendo todas as questões de mérito devolvidas ao julgador, mesmo as ainda não decididas ou
não especificamente prequestionadas (esse entendimento da doutrina de direito processual de
que basta o prequestionamento de uma matéria para que qualquer outra seja analisada não é
pacífico, havendo o entendimento no sentido de que o prequestionamento deve ser específico e
ainda outro posicionamento no sentido de que basta que tenha havido pronunciamento acerca
do tema, dispensando-se o prequestionamento) 26; também por isso mesmo é que os julgadores
das instâncias superiores podem reconhecer a prescrição de ofício pelo juiz.

 Também o juiz pode reconhecer de ofício a prescrição, também em qualquer tempo e grau de
jurisdição, mas somente depois de intimadas as partes, isto é, depois de formalizado o devido
processo legal e o contraditório (por causa do art. 219, §5 o do CPC, que revogou o art. 194 do
CC), permitindo, assim, eventualmente a renúncia da prescrição ou o reconhecimento de causas
suspensivas e interruptivas. Isso também quer dizer que não será possível seu reconhecimento
de ofício na sentença prima facie (aquela do art. 285-A do CPC). Também devemos atentar que
o réu tem o direito de, ao invés de ver reconhecida a prescrição, ter reconhecido em juízo o fato
de estar sendo cobrado por uma dívida já paga ou indevida, pedindo a improcedência da ação,
com repetição do indébito em pedido contraposto (art. 940, CC, c/c art. 278, §1 o, CPC).

26
Vide posicionamento de Alexandre de Freitas Câmara???

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Direito Civil

Causas obstativas
As causas obstativas (gênero) da prescrição podem ser (espécies):
 Impeditivas, que não deixam o prazo sequer começar, sequer sair do zero – no art. 197 do
CC/02 vemos um exemplo disso; na verdade, os mesmos motivos que interrompem ou
suspendem a prescrição também podem ser causas impeditivas, do que dizer que as causas
impeditivas podem constar tanto dos arts. 197, 198 e 199, quanto do art. 202.
 Suspensivas: o prazo começa a correr e por algum fato é suspenso, não transcorrendo – art.
197, 198 e 199.
 Interruptivas: o prazo começa a correr e por algum motivo previsto na lei o mesmo para e,
quando cessar tal causa, recomeça a contar, do início, nos termos do art. 202, pelo qual só pode
a interrupção ocorrer uma única vez, ao contrário das demais causas. Por exemplo, a prescrição
será interrompida por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, e não
pela citação válida, conforme dispõe o inciso II da norma referida, que deve ser confrontado
com o art. 219, caput e §1o, do CPC, pelo qual retroagirá à data de propositura da ação essa
interrupção, móvito por que não há risco algum em a pessoa ajuizar uma ação no último dia do
prazo. Por fim, importante destacar que a grande diferença da causa interruptiva para as causas
impeditivas e para as suspensivas está no fato de que aquela leva em consideração aspectos
objetivos, de algum ato praticado dentro os descritos ons incisos do art .202, enquanto estas
têm ligação com aspectos subjetivos das partes.

Ademais, ressalta-se que, em regra, não se admite a prescrição intercorrente em sede civil (aquela que
ocorre no curso do processo, em razão da sua demora), porque o particular não pode ser prejudicado
pela demora do Poder Público. Excepcionalmente, admite-se, caso o seguimento do processo dependa
de um ato da parte, e não do Estado, sendo para tanto sempre necessária a intimação pessoal do autor
(art. 267, §1o, do CPC).

Decadência
Decadência é a perda de um direito (e não da simples pretensão) que não foi exercido pelo seu titular
no prazo previsto em lei (decadência legal) ou pelas partes (decadência convencional, que diz respeito
a uma relação jurídica estabelecida entre as partes, a exemplo de um prazo de garantia).

O início da contagem do prazo, em regra, se dá a partir do nascimento do direito potestativo, e, no


caso de vícios ocultos, excepcionalmente, a partir do momento da tradição do bem móvel ou da imissão
da posse do bem imóvel (art. 445, CC).

Características da Decadência Legal


Como visto, a decadência pode ser de duas espécies, convencional e legal. É sobre as características da
decadência legal que trataremos neste momento, sendo elas:
 Envolve questão de ordem pública, e não simplesmente privada. Então, não admite renúncia a
decadência legal, especificamente, na forma do art. 209.
 Pode ser reconhecida de ofício pelo julgador e a qualquer tempo ou grau de jurisdição, aqui
também se aplicando aquela controvérsia a respeito da necessidade de prequestionamento na
instância anterior ao STJ ou STF. Na dúvida, melhor é prequestionar especificamente a matéria.
 Os prazos decadenciais legais não admitem impedimento, suspensão, nem interrupção, por
estarem relacionados a uma questão de ordem pública – art. 207 do CC, salvo nas exceções
legais, não correndo a decadência contra menores de dezesseis anos (art. 208, CC), bem como a
decadência para reclamar de vícios do produto ou serviço, cujo prazo não corre enquanto não

42
Direito Civil

houver resposta do fornecedor (art. 26, CDC); além disso, o prazo da decadência convencional
obsta o prazo da decadência legal, que só começa a correr ao fim daquele (qual art. ???).

Características da Decadência Convencional


Diferente das características da decadência legal, temos as da decadência convencional:
 Embora envolva também questão de ordem pública, admite renúncia, bem como suspensão,
interrupção e impedimento dos prazos.
 Mas o juiz não pode as conhecer de ofício.
 O prazo da decadência convencional obsta o prazo da legal, conforme já dito.

Bruno Magalhães - 09.03.15

Direito das Obrigações


Teoria Geral do Direito Obrigacional
Obrigação pode ser conceituada com sendo o vínculo jurídico que une credor e devedor, possibilitando
que o primeiro exija do segundo uma prestação economicamente apreciável, que terá como objeto uma
obrigação de fazer, não fazer, dar ou pagar.

A classificação das obrigações é feita a partir do número de objetos, de prestações, podendo ser:
 Simples: prevê apenas uma prestação, a exemplo da obrigação facultativa27, que é aquela que
não decorre de lei, mas do acordo de vontades, segundo a qual o devedor terá a faculdade de
substituir a prestação de objeto único por outra que fora prevista subsidiariamente, no ato do
pagamento; mas o credor não poderá exigir o cumprimento dessa prestação subsidiária e, dessa
forma, caso haja impossibilidade do cumprimento da prestação devida, a obrigação será extinta,
resolvendo-se em perdas e danos.
 Composta: prevê duas ou mais prestações, a exemplo da obrigação alternativa28, que é uma
obrigação composta em que o devedor terá de realizar apenas uma das prestações que foram
previstas mediante o conectivo “ou”, sendo realizada ou uma ou outra, à escolha do devedor,
que ficará exonerado se cumprir uma delas – essa escolha do devedor chama-se concentração
do débito, que deve ser feito em até dez dias antes do vencimento, na forma do caput art. 571
do CPC e dos arts. 252 e 253 do CC, ultrapassados os quais a concentração do débito passará a
ser de escolha do credor, conforme §1º do art. 571 do CPC, salvo previsão contratual em sentido
contrário, que poderá prever que essa escolha caberá ao credor, a um terceiro ou que se dará
por sorteio, sendo possível até previsão de pluralidade de optantes, na forma do art. 252, §§3 o e
4o, e do art. 817; na forma dos arts. 254 e 255, se, por culpa do devedor, não se puder cumprir
nenhum das prestações alternativas e não ficar a cargo do credor a escolha, ficará o obrigado o
devedor a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais perdas e danos; se, porém, a
escolha couber ao credor e uma das prestações torna-se impossível por culpa do devedor, terá o
27
Como exemplo de obrigação facultativa pode ser citado o art. 1.234 do CC, pelo qual quem encontra uma coisa
perdida, tornando-se credor, deve restituí-la ao dono, que é o devedor, pois fica obrigado a recompensar quem
encontrou em montante não inferior a cinco por cento do valor da coisa (prestação principal), mas também terá a
faculdade de, ao invés de pagar a recompensa, abandonar a coisa (prestação subsidiária), ficando com ela quem a
encontrou.
28
Como exemplo de obrigação alternativa podemos citar a venda de uma casa por vinte mil ou sua troca por um
terreno na praia.

43
Direito Civil

credor direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos; se, por
culpa do devedor, ambas as prestações se tornarem impossíveis, poderá o credor reclamar o
valor de qualquer uma delas, além de danos morais; se todas as prestações se tornarem
impossível, sem culpa do devedor, a obrigação será extinta.

Direito Obrigacional x Direito Real


O direito patrimonial pode ser classificado em dois grandes grupos, um de direito obrigacional (quando
recair sobre pessoas) e o outro de direito real (quando recair sobre bens).

Direito Obrigacional
No direito obrigacional, a relação jurídica se estabelece entre pessoas determinadas ou determináveis
(sujeito ativo e sujeito passivo), conectadas pela necessidade de satisfação de prestação (objeto).
Assim, o titular do crédito coloca-se numa posição 29 de exigir a prestação do devedor (que pode ter por
objeto uma obrigação de fazer, de não fazer, de dar ou pagar), existindo, pois, um dever específico que
vincula determinada pessoa em relação à outra, não podendo o sujeito ativo (credor) ter a utilização da
coisa sem a intermediação de um sujeito passivo determinado (devedor), motivo pelo qual se atribui ao
direito obrigacional a característica da mediatividade. Aqui, o direito é relativo, por ter eficácia inter
partes, uma vez que a faculdade do credor de exigir a prestação só é oponível a um sujeito passivo
determinado, o devedor, ressaltando o fato de que terceiros só estão obrigados a respeitar o direito do
credor, não impedindo ou perturbando seu exercício. Por fim, convém dizer que o rol de direitos
obrigacionais é exemplificativo (art. 425, CC).

Direitos Reais
Nos direitos reais, como qualquer outra espécie de direito subjetivo 30, apresentam-se três elementos
(sujeitos, um objeto e um vínculo jurídico), mas a relação jurídica é diferente da de direito obrigacional e
assim definida: como sujeitos, de um lado temos o sujeito ativo, que detém a titularidade do direito real
(a exemplo do proprietário), de outro a coletividade (sujeito passivo indeterminado, cabendo a todos o
dever de não prejudicar o titular do direito real) e como objeto o bem, a coisa sobre o qual o titular
exerce ingerência socioeconômica, ou seja, da qual o titular do direito real tem direito de dominação ou
de poder, podendo dela usar, gozar e/ou dispor. Demais, certo é que os direitos reais são caracterizados
pela imediatividade, uma vez que o titular age direta e imediatamente sobre o bem, isto é, mediante a
utilização da coisa sem qualquer intermediário 31. E têm eficácia erga omnes, de modo que da mesma
forma que podem ser ofendidos por qualquer pessoa, também serrão oponíveis indiscriminadamente a
qualquer uma delas. Consigna-se, ainda, que o rol de direitos reais é taxativo, encontrando-se previsto
no art. 1.225 do Código Civil, não havendo liberalidade para celebração de contratos atípicos, visto que
o conteúdo está previsto em lei, ressaltando a prevalência da ideia de um rol taxativo explícito, não
bastando que seja previsto legalmente, mas classificado expressamente como direito real na norma
anteriormente mencionada.

29
Não se cogita de subordinação do devedor ao credor, mas de relações cooperativas, cuja finalidade é a obtenção
da prestação da forma mais proveitosa ao credor, com o menor sacrifício do devedor.
30
Os direitos subjetivos podem ser pessoais (aqui é que estão incluídas as obrigações) ou reais.
31
Para melhor compreensão, a título didático, podemos dizer que o direito real se arma entre o sujeito e a coisa,
através de dominação. Mas só a título didático podemos afirmar isso, porque o Direito sempre se estabelece entre
pessoas, jamais entre coisas ou pessoa e coisa.

44
Direito Civil

Obrigações Propter Rem


As obrigações propter rem são prestações impostas ao titular de determinado direito real, pelo simples
fato de assumir tal condição e independente de qualquer manifestação de sua vontade. Vale dizer, o
sujeito será devedor única e exclusivamente por ser titular de um direito real (ressalta-se, porém, que é
lícito se convencionar que obrigações propter rem sejam solvidas pelo possuidor da coisa, repassando-se
os encargos dela decorrentes, como no caso de um contrato de locação, sem que isso implique
transferência da obrigação real, apenas do pagamento, além de ser ineficaz em relação a terceiros). Seu
fundamento não se encontra na existência de um direito obrigacional, mas sim na existência de um
direito real, do qual decorre a existência da obrigação propter rem. Com efeito, aqui, embora haja uma
obrigação (visto que existem dois sujeitos determinados, cada qual com sua prestação, bem como pelo
fato de seu objeto ser uma obrigação de pagar), ela nasce com um direito real e com ele se extingue.

Verdadeiramente, inserem-se as obrigações propter rem entre os direitos reais e os obrigacionais,


assimilando características de ambos, motivo pelo qual são também chamadas obrigações mistas ou
ambulatórias, quanto mais considerando que nas obrigações propter rem a prestação recairá sobre
aquele que é proprietário do bem no momento em que se constituir a obrigação, tenha ela sido sempre
seu proprietário ou não. Aliás, alienado que seja o bem e havendo prestações vencidas (isto é, débitos
contraídos pelo titular anterior), de acordo com a jurisprudência pátria, a prestação deve recair sobre o
adquirente, por suceder na titularidade de uma coisa a que está visceralmente unida uma obrigação,
sendo possível a utilização da via regressiva para se ressarcir em face do vendedor. Na verdade, sequer
poderíamos falar na constituição de uma dívida do titular anterior, sendo esse mais acertadamente um
encargo da própria coisa (art. 1.345, CC), o que se dá em razão da ambulatoriedade, caraterística dos
direitos reais aplicável às obrigações propter rem. Há, ainda, de se ressaltar que Maria Helena Diniz
sustenta que somente nas parcelas vincendas se faz presente a ambulatoriedade, devendo o adquirente
apenas por elas se responsabilizar, e não pelas vencidas. Mas essa não é a doutrina majoritária, que se
posiciona pela presença da ambulatoriedade tanto nas parcelas vencidas quanto nas vincendas.

Por exemplo, a partir do momento em que um bem imóvel é comprado, o adquirente se torna também
devedor do condomínio, do IPTU e da taxa de incêndio, nada mais do que obrigações ditas propter rem,
surgidas a partir da aquisição daquele direito real de propriedade, o que também se aplica às dívidas
geradas mas não pagas pelo antigo proprietário, que, embora agora sejam de obrigação do adquirente,
permitem a ação de regresso em face do vendedor para que o adquirente se ressarça.

Duas observações relacionadas às obrigações propter rem devem ser feitas: a) o promitente comprador
responde pelas obrigações propter rem, desde que esteja imitido na posse do bem, desde a “entrega
das chaves”, independentemente de registro da promessa, de acordo com o entendimento pacífico do
STJ, muito embora não seja ainda o proprietário do mesmo, tendo apenas direito à sua aquisição; b) as
obrigações decorrentes da preservação ao meio ambiente constituem obrigações propter rem, de
modo que, por exemplo, por mais que não tenha o adquirente, o novo proprietário de um terreno, sido
o responsável por um desmatamento, é ele quem ficará responsável pelo reflorestamento, cabendo, no
entanto, direito de regresso em face do vendedor causador do dano.

Ônus reais x Obrigação com Eficácia Real


Ônus Reais
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, ônus reais “são obrigações que limitam o uso e gozo da
propriedade, constituindo gravames ou direitos oponíveis erga omnes”, tendo por finalidade conferir

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Direito Civil

publicidade a determinado ato. É através disso que poderá ser desvendado se o imóvel tem
determinado gravame, obstáculo ou limitação que possam por ventura diminuir seu interesse comercial.
Ressalta-se que, embora nem sempre o gravame venha a gerar ônus a terceiros, a existência de um ônus
real continua tendo o condão de limitar/restringir o poder do próprio titular de direito real, a exemplo
do que ocorre com o usufruto.

Obrigação com Eficácia Real


A obrigação com eficácia real é também uma mera obrigação, mas só que com status de direito real,
tendo, como tal, eficácia erga omnes. Um exemplo disso encontra-se no art. 8º da Lei 8.245/91, de
acordo com o qual, havendo cláusula de vigência em contrato locatício, o novo proprietário, isto é, o
adquirente não poderá denunciá-lo, visto a eficácia dessa obrigação não está limitada apenas entre as
partes, mas de maneira real, com eficácia erga omnes, devendo o respeitar todo e qualquer terceiro que
venha a ocupar o lugar de proprietário.

Modalidades Obrigacionais
Dentre algumas modalidades obrigacionais já citadas, convém estudarmos em separado outras mais.

Obrigação de Dar
Esta obrigação pode ser de dar coisa incerta (a coisa é incerta quanto tem apenas gênero e quantidade)
ou de dar coisa certa (a coisa é certa quando, além de gênero e quantidade, tem-se qualidade).

Na obrigação de dar coisa certa temos que nos fazer quatro perguntas: (i) quem é o devedor? Deve ser
sempre quem está na posse do bem; (ii) quem é o proprietário do bem? Pode ser o devedor ou o credor;
quando o devedor for também o proprietário chamamos a obrigação de dar coisa certa de entrega, que
se encontra previstas nos arts. 234, 235 e 236, a exemplo do que ocorre com a compra e venda; mas se
o credor for também o proprietário do bem chamamo-la de restituição, disposta nos arts. 238, 239 e
240, como ocorre com o comodato e a locação; (iii) a perda da coisa foi total ou parcial? A perda total é
chamada de perecimento e a parcial de deterioração; (iv) e essa perda se deu com culpa ou sem culpa do
devedor, variando as consequências a depender da resposta.

Assim estamos prontos para entender que, se o perecimento (perda total) de uma coisa ocorre antes da
sua tradição, sem culpa do devedor, notadamente nos casos em que a coisa for de sua propriedade
(instituto da entrega), a obrigação restará resolvida para ambas as partes, com efeitos ex tunc, devendo
voltar a ser como era, mediante devolução de eventuais valores pagos (primeira parte do art. 234). Por
outro lado, se a coisa se perder totalmente com culpa do devedor, além do pagamento do equivalente
pago, serão devidos perdas e danos (segunda parte do art. 234).

Havendo deterioração (perda parcial) sem culpa do devedor, poderá o credor resolver a obrigação ou
até mesmo aceitar a coisa, sendo abatido de seu preço o valor que se perdeu (art. 235). Se, porém,
houver perda parcial com culpa do devedor, poderá o credor, além de ter o direito ao equivalente ou a
aceitar a coisa no estado em que se acha, poderá reclamar perdas e danos (art. 236).

Na forma do art. 237, até a tradição a coisa ainda pertence ao devedor, de modo que, havendo algum
melhoramento nela, poderá exigir o aumento do preço, que, se não anuído pelo credor, permitira ao
devedor resolver a obrigação. Afinal, se o devedor é eventualmente prejudicado com a perda, deve ser
também beneficiado com o seu melhoramento.

46
Direito Civil

Agora no caso de a coisa ser de propriedade do credor (instituto da restituição), se a obrigação for de
restituir coisa certa e o perecimento (perda total) ocorrer sem culpa do devedor e antes da tradição,
sofrerá o credor a perda da mesma, resolvendo-se a obrigação, sem nada poder exigir do devedor (art.
238), ficando, porém, resguardados os direitos que tinha até o dia da perda, como eventuais alugueis
em atraso. Se, porém, a perda se der após o termo do contrato, estando em mora o devedor, falamos
em culpa, que confere ao credor o direito de exigir o equivalente à coisa mais perdas e danos, a não ser
que o devedor prove que a perda ocorreria de qualquer forma (art. 399). Se, por outro lado, a coisa
perecer (perda total) com culpa do devedor, terá o credor o direito de exigir o equivalente mais perdas e
danos (art. 239).

Se houver a deterioração (perda parcial), sem culpa do devedor, também nada poderá ser exigido pelo
credor (art. 240). Contudo, se ocorrer a perda parcial com culpa do devedor, terá o credor direito ao
equivalente mais perdas e danos, observando-se o disposto no art. 239.

Ainda em obrigação de dar coisa certa, duas observações devem ser feitas: (i) de acordo com o princípio
da gravitação universal, estarão abrangidos na obrigação de dar coisa certa tanto o acessório quanto
principal – art. 233; (ii) conforme o princípio da identidade da coisa devida, o credor não é obrigado a
receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa – art. 313.

Já a obrigação de dar coisa incerta, para que seja cumprida é preciso que se faça a escolha da qualidade
da coisa, ao que chamamos de concentração do débito, que fica, em regra, a critério do devedor, que,
ao escolher a qualidade da coisa, faz com que a obrigação de dar coisa incerta se transforme em de dar
coisa certa, quando observaremos as normas acima estudadas. Mas há de se ressaltar que aqui, antes
da escolha, o devedor não poderá alegar que a coisa se perdeu, ainda que por força maior ou por caso
fortuito, porque gênero não perece, somente qualidade – art. 246 do Código Civil.

Obrigação de Fazer
A obrigação de fazer é geralmente encontrada num contrato de prestação de serviço, que a tem como
objeto. Pode a obrigação de fazer ser fungível (quando poderá ser realizado por terceiros) ou infungível
(que é personalíssima, só podendo ser realizada pelo próprio devedor):
 Na obrigação de fazer fungível, se o devedor estiver absolutamente inadimplente, podem os
credores exigir perdas e danos; se, porém, os credores ainda tiverem interesse no contrato,
poderão exigir a obrigação específica da obrigação mais perdas e danos – art. 248. Mas como é
que em uma obrigação de fazer fungível os credores conseguem a execução específica, quanto
mais se as astreintes32 foram ineficazes? O método mais genuíno encontra-se no art. 249, que
prevê a possibilidade de contratação de um terceiro, em razão do princípio da fungibilidade, o
que ficará às custas do devedor, sendo para tanto imprescindível uma decisão judicial que o
autorize, dispensável apenas em casos de urgência, que, independentemente de autorização
judicial, permitem ao credor mandar executar a obrigação por terceiro, sendo depois ressarcido
em juízo (parágrafo único do art. 249), num claro exemplo de autotutela das obrigações.

 Na obrigação de fazer infungível, o inadimplemento automaticamente se converte em perdas e


danos, na forma do art. 247, não se admitindo aqui a execução específica da obrigação.

32
As astreintes constituem um meio de coerção, uma forma de multa diária fixada pelo juízo pelo descumprimento
de uma obrigação.

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Direito Civil

Obrigação de Não Fazer


A obrigação de não fazer pode ser permanente (que admite desfazimento – art. 251, a exemplo da não
construção de um segundo andar, possível de ser desfeita, do que se permite a execução específica,
além de perdas e danos, mediante, conforme o exemplo, ação de nunciação de obra nova ou, no caso
de obra pronta, ação demolitória) ou instantânea (que inadmite o desfazimento – art. 250, a exemplo
do descumprimento de uma cláusula de sigilo, restando ao credor exigir apenas perdas e danos).

Obrigação Divisível
É aquela que pode ser fracionada. Uma obrigação divisível tem de ser imaginada com uma pluralidade
de partes, seja de credores ou de devedores: por exemplo, podemos citar uma obrigação que tenha um
credor e cujo pagamento seja dividido por três devedores, que só se satisfazem com o concurso,
respondendo cada um por um terço da obrigação, salvo convenção em contrário – art. 257, que prevê o
princípio do concurso partes fiuntes.

Obrigação Indivisível
É aquela que não pode ser fracionada, decorrendo a indivisibilidade da natureza do bem, da vontade
das partes ou de imposição legal – art. 258, CC. Pensemos, aqui, também, em pluralidade de credores
ou devedores: se com pluralidade de credores e unidade de devedor, por exemplo, a entrega de um
carro, do todo pode ser exigida por qualquer um dos credores, que deverá repassar em partes iguais o
valor do bem aos demais credores, só ficando exonerado o devedor, em casos tais, se o credor que
recebeu o bem der caução de ratificação dos demais credores – arts. 260, inciso I, e 261. Já no caso de
pluralidade de devedores e unidade de credor, a consequência é que o credor poderá exigir o todo de
qualquer um dos devedores, quando aquele que pagou a divida se subrrogará nos direitos do credor,
podendo dos demais devedores exigir a parte que lhes cabia (por exemplo, se três forem os devedores,
poderá aquele que pagou exigir de cada um dos dois codevedores somente um terço do valor, pois o
outro um terço cabia mesmo a si) – art. 259, caput e parágrafo único.

Ainda imaginando três devedores e um credor, vamos a outra hipótese: se um dos devedores der causa,
com culpa, à perda total do bem, poderá o equivalente mais perdas e danos ser exigido pelo credor, mas
haverá, em casos tais, a extinção da indivisibilidade, transformando-se a obrigação indivisível em uma
obrigação de pagar, de modo que o credor só poderá exigir dos demais um terço de cada um no que diz
respeito ao equivalente do valor da coisa, e não as perdas e danos, só exigíveis do devedor culpado. A
não ser que os três devedores sejam culpados pela perda total do bem, quando, embora extinta a
indivisibilidade e apesar de poder o credor exigir não o todo da dívida de qualquer um dos devedores,
mas só um terço de cada um, poderá de todos reclamar perdas e danos de todos – art. 263, caput e
§§1º e 2º. Mas, for sem culpa, só será devolvido o equivalente, não cabendo perdas e danos.

Obrigação Solidária
Os pressupostos de uma obrigação solidária são: pluralidade de partes (se de credores a pluralidade,
falamos em solidariedade ativa; se de devedores, em solidariedade passiva) e multiplicidade de vínculos
(que podem ser externos, quando unirem credor e devedores, ou internos, quando unirem as próprias
partes da relação plural). Daí dizer que a solidariedade não se presume (art. 265, CC), afinal, os vínculos
internos não podem ser presumidos, mas decorrem de lei, de decisão judicial ou de acordo de vontades.

Na solidariedade ativa a consequência de os credores estarem internamente vinculados é que qualquer


um deles poderá exigir o todo do devedor, quando o que recebeu deverá repassar o restante em partes

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iguais aos cocredores, o que se aproxima muito de uma obrigação indivisível, só que lá tal pode ser feito
porque não haveria como fracionar o objeto, enquanto que aqui o fundamento é a vinculação interna.

Algumas observações ainda devem ser feitas no que diz respeito à solidariedade ativa: (i) se um dos
credores falecer, deixando dois herdeiros, cada um deles só terá direito de exigir o correspondente ao
seu quinhão hereditário, no caso 1/6, isto é, metade de 1/3, na forma do art. 270, salvo se a obrigação
for indivisível, quando poderá cada um deles exigir o todo da obrigação, independentemente da questão
da solidariedade; (ii) se o devedor tiver uma exceção pessoal33 contra um dos credores, a exemplo de
uma compensação, não poderá quando outro credor exigir de si o todo opô-la, afinal, estamos falando
em direitos de natureza personalíssima – arts. 273 e 274.

Na solidariedade passiva, com, por exemplo, três devedores internamente vinculados e um credor, este
poderá exigir o todo de cada um daqueles; se tal for feito, aquele que pagou se sub-roga nos direitos do
credor frente aos demais devedores; ocorre que a subrrogação extingue a solidariedade da obrigação,
visto que a obrigação foi cumprida, podendo o devedor que pagou exigir dos demais devedores apenas
as partes que lhe cabiam em ação autônoma no caso de não pagamento voluntário, no caso 1/3 de cada
um dos codevedores – art. 283.

Também no que diz respeito à solidariedade passiva merecem ainda ser feitas algumas observações: (i)
se um dos devedores falecer, o credor poderá exigir dos seus herdeiros apenas ao correspondente ao
seu quinhão hereditário, no caso 1/6 de cada um dos dois – art. 276, primeira parte, salvo se a obrigação
for indivisível, quando poderá ser exigido o todo da dívida – segunda parte do art. 276; ressalta-se,
porém, que o devedor que se subrrogou pode exigir de qualquer um deles toda a parte que cabia ao
falecido, no caso 1/3 de qualquer um dos herdeiros, pois todos os herdeiros reunidos são considerados
um devedor solidário, em vínculo de solidariedade, em relação aos demais devedores; (ii) se a obrigação
for, além de indivisível, solidária, poderá o credor exigir o todo de qualquer um dos devedores, por
aquela ou esta razão, mas, no caso de perda total do bem, que faz gerar o dever de pagar o equivalente
mais perdas e danos, embora a indivisibilidade seja extinta, a solidariedade não o será, continuando os
devedores internamente vinculados, mantendo-se todos obrigados ao pagamento do equivalente, mas
apenas o culpado responderá pelo pagamento de perdas e danos – art. 279; (iii) se um dos devedores
tiver uma exceção pessoal contra o credor, só quem pode opor é o devedor que a tem – art. 281, tal
qual ocorre numa das observações feitas acima, na parte de solidariedade ativa.

Bruno Magalhães - 10.03.15

Teoria do Adimplemento
O adimplemento de uma obrigação se dá com o pagamento, em regra. Noutros termos, o pagamento
gera a extinção da obrigação, mas essa é apenas uma das formas para que tal ocorra.

São cinco as modalidades de extinção com pagamento (art. 304 a 359):


 Direto: é a forma mais importante, benéfica para ambos os lados.
 Em consignação.
 Com sub-rogação.
 Por imputação.
 Por dação em pagamento.

33
Exceção pessoal é qualquer direito de natureza personalíssima que o devedor pode opor em face do credor.

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Existem ainda formas de extinção da obrigação sem o pagamento, sendo elas (as quatro primeiras se
encontram do art. 360 a 388 da codificação civil, enquanto que as duas últimas não constam do capítulo
do direito obrigacional, pois constituem contrato em espécie, estando dispostas do art. 840 ao 955):
 Novação.
 Compensação.
 Confusão.
 Remissão.
 Transação.
 Compromisso.

Pagamento Direto
Pagamento direto é o realizado nos moldes originalmente pactuados, encontrando-se regulamentado
do art. 304 ao art. 333 do Código Civil de 2002, sendo nada mais do que uma das formas de extinção das
obrigações, na verdade é a única possibilidade de extinção voluntária de cumprimento da obrigação,
onde há manifestação de vontade do devedor no sentido de cumpri-la no tempo, na forma e no local
previamente estipulados.

Quem deve pagar é o devedor, mas, além dele, um terceiro poderá fazê-lo, interessado ou mesmo não
interessado, quando teremos a extinção forçada da obrigação.
 Se o terceiro interessado, assim considerado aquele de quem o credor pode exigir diretamente
o cumprimento da obrigação (a exemplo do fiador) ou que sofre as consequências do
inadimplemento (a exemplo do cônjuge ou do sublocatário), pagar a dívida, ocorrerá a sub-
rogação legal, na forma do art. 346, inciso III, do Código Civil, gerando efeitos translativos (art.
349), pelos quais o terceiro interessado que paga assume todas as garantias e privilégios do
credor (nota-se, assim, que a sub-rogação nada mais é do que fazer com que a pessoa, no caso o
terceiro interessado, assuma a posição de credor). Também o terceiro interessado poderá
consignar o pagamento, caso negue-se o credor a receber, a não ser em casos de obrigação
personalíssima (art. 304, caput, c/c art. 334 do CC; e art. 890 do CPC), quando não terá o citado
direito se houver justa causa para a recusa. Por outro lado, o devedor poderá se opor ao
pagamento feito por terceiro interessado, desde que demonstre meios para ilidir a ação, como
no caso de próprio pagamento ou mesmo de prescrição (art. 306, CC).

 Por sua vez, o terceiro não interessado, aquele de quem o credor não pode exigir diretamente o
cumprimento da obrigação e que não sofre as consequências do inadimplemento (nas palavras
de Tepedino, terceiro não interessado é o que surge como um intruso na relação obrigacional,
efetuando o pagamento, geralmente por questões morais, como um amigo que paga a dívida de
outro) pode pagar também, de duas formas: em nome e conta do devedor (quando não poderá
exigir nada do devedor originário, nem reembolso, nem se subrrogará, sendo considerado um
ato de mera liberalidade, com natureza de doação; por outro lado, em casos tais, o terceiro não
interessado, por agir em nome do devedor, havendo recusa pelo credor, poderá consignar em
pagamento, nos termos do parágrafo único do art. 304; aqui, o devedor também pode34 se opor,
mas não será necessária a demonstração de meios para ilidir a ação, mas, como há o interesse
do credor em receber, que não pode ficar subjugado à vontade do devedor, a recusa deverá ser
motivada) ou em nome próprio (quando terá direito de se reembolsar da quantia gasta, como
que em regresso, mas não35 de se subrrogar nos diretos e ações do credor, não assumindo seu
lugar, na forma do art. 305, caput e parágrafo único, aplicando-se o art. 884??? [ou na outra
34
Dessa maneira, por exemplo, em eventual ação de consignação, deve ser feita prova da não oposição.

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Direito Civil

hipótese, de pagar em nome do devedor, que não permite sequer o reembolso], que prevê a
ação reversiva em face do devedor originário, evitando-se o enriquecimento sem causa.; pode
haver consignação em pagamento, até porque é o terceiro que integra o contrato, muito
embora nele não tenha interesse, a não ser que à consignação se oponha o devedor ou mesmo
o credor; no entanto, o devedor não pode se opor ao pagamento feito por terceiro não
interessado em nome próprio, também pelo fato de ser o terceiro quem integra o contrato, mas
o pagamento feito à sua revelia ou contra a sua vontade não obriga o reembolso, tampouco à
subrrogação, constituindo mera liberalidade – art. 306).

Vimos quem deve pagar, mas a quem se deve pagar? Ao credor – art. 308, havendo presunção relativa
de pagamento no caso de devedor de posse de recibo dado pelo credor ou pelo seu representante legal,
invertendo-se o ônus da prova em desfavor do credor. Mas exceções existem, presentes tanto na norma
antes referida quanto nos arts. 309 e 310, todos do Código Civil: (i) quando o devedor demonstrar que o
pagamento aproveitou o credor, exonerando-se de um pagamento mal feito; (ii) quando o credor
ratificar o pagamento feito a terceiro; (iii) credor putativo, daquele que se apresenta a todos com
aparência de credor, fazendo crer no devedor que ele de fato o é, embora não o seja – é a aplicação da
teoria da aparência, exigindo meramente a boa-fé subjetiva no pagamento, fruto de um erro
desculpável e não grosseiro, podendo, ainda que no caso de erro grosseiro, demonstrar a configuração
daquelas duas primeiras hipóteses, exonerando-se, assim, o devedor do pagamento; (iv) o pagamento
feito a incapaz terá eficácia somente se se reverter em proveito do mesmo e também se, pela incidência
da teoria da aparência, quando não for facilmente identificável a incapacidade, quando quem pagou
estará exonerado do pagamento.

O objeto do pagamento é a dívida, devendo as dívidas em dinheiro ser pagas no vencimento (porém,
não podemos nos esquecer das hipóteses de vencimento antecipado da dívida, conforme art. 333), pelo
valor nominal (aquele que está estampado na moeda, que é atualizado através de correção monetária;
difere do valor real, que diz respeito ao poder de compra de uma moeda, que é atualizado a partir dos
mais diversos índices de mercado; a regra é o pagamento em valor nominal, salvo convenção expressa
de valor real) e em moeda corrente (não podendo o pagamento entre as partes ser convencionado em
ouro ou moeda estrangeira, na forma do art. 318) 36 – art. 315.

Quanto ao lugar do pagamento é preciso que saibamos se a dívida é quesível (é a regra, pela qual tem
de ser paga no domicílio do devedor, salvo disposição em contrário – art. 327) ou portável (pagas no
domicílio do credor). Vale ressaltar que uma ação de consignação em pagamento é fundamentada pela
mora do credor, que não aceita receber o pagamento tal como convencionado, o que não quer dizer
que o credor se torna devedor, porque não se torna, continua sendo o credor, um credor inadimplente,
motivo por que a referida demanda deverá ser proposta, salvo disposição em contrário, no domicílio do
devedor, que não estava inadimplente. Por isso é que tecnicamente não é adequado chamar o credor
em mora de devedor, embora muitos autores sigam essa linha.

35
As exceções, que conferem além do direito reembolso a subrrogação em direitos e ações constam do art. 347,
de aplicação criticada pela ausência de fins especulatórios, e do art. 1.368, que trata da alienação fiduciária,
quando o terceiro, mesmo que não interessado, subrroga-se nos direitos e ações do credor fiduciário.
36
É certo que existem algumas exceções legais para a convenção em pagamento diverso da moeda corrente, só
que tal não interessa ao presente estudo, devendo ser estudado em matéria e momento oportunos.

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Direito Civil

Consignação em Pagamento
As causas mais comuns são a recusa do credor em receber o pagamento ou quando o devedor não
souber a quem pagar a dívida, consignando-se em juízo o pagamento para que não se configure o erro
no pagamento – art. 335, incisos I e IV, do Código Civil.

Têm legitimidade para ajuizar uma ação de consignação em pagamento o terceiro interessado ou o
terceiro não interessado que efetuou o pagamento em nome do devedor. Existe também uma única
possibilidade prevista em lei de o credor ser tido como legitimado ativo numa demanda de consignação
em pagamento, forçando o devedor a depositar em juízo a quantia, a saber, quando o crédito for
controvertido, dizendo-se dois credores como titulares do mesmo – art. 345 do Código Civil. Esses foram
os pressupostos subjetivos.

Já os pressupostos objetivos dizem respeito à coisa propriamente dita, podendo ser pecúnia (dinheiro),
imóvel (a tradição em juízo ocorre pelo simbolismo da entrega de chaves) ou objetos, que, em regra,
ficarão sob custodia do juízo (e excepcionalmente com o próprio devedor, quando poderá reaver as
despesas que teve com a conversação do bem – art. 343), havendo grande controvérsia a respeito da
possibilidade de consignação de serviços. Quando a escolha for do devedor, deverá notificar o credor;
quando for do credor e ele não o fizer, poderá o devedor o notificar, ainda que extrajudicialmente se
estiver se aproximando a data do vencimento, sob pena de perder o direito de escolha, quando aí sim
poderá o devedor depositar o que entende como razoável ao pagamento da dívida – art. 342.

No sentido da linha anterior, para ser consignada a dívida não precisa necessariamente ser líquida (isto
é, não precisa ser certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto), pois, conforme o
STJ, é da própria essência da consignação discutir o valor, mas o juízo deverá ser competente no sentido
de exonerar o devedor. Assim, casos complexos, que demandam uma perícia, por exemplo, precisam ser
primeiro liquidados, mas, se for mera discussão de cláusula, não haverá óbice à consignação.

Para que tenha poder de extinguir o vínculo obrigacional, a consignação em pagamento deverá ser
feita integralmente – art. 344, primeira parte, pois o credor não é obrigado a receber em parte, se assim
não convencionou – art. 314 do CC, salvo se o credor anuir com o depósito parcial – art. 899 do CPC.

A possibilidade de consignação subsiste mesmo que o devedor esteja em mora, desde que ainda haja
interesse do credor. Exemplo é o vestido de noiva, no qual, após o casamento, não há mais interesse,
salvo se a cerimônia for adiada.

O local competente para se ingressar com a demanda é o da pactuação da obrigação. Só que, uma vez
efetuado o depósito, três situações podem surgir: (i) o devedor poderá levantar o depósito antes do
conhecimento do credor e de seu aceite, submetendo-se aos efeitos da mora em ação autônoma, já que
a de consignação em pagamento foi extinta – art. 338; (ii) conforme art. 339, se for julgada procedente a
demanda de consignação, a sentença extingue a obrigação e exonera o devedor e o credor tomará
posse do que fora consignado, permitindo a lei ao devedor, mesmo na demanda julgada procedente, a
levantar os valores depositados, o objeto da prestação, desde que autorizado pelo credor, quando se
criará uma nova obrigação, eis que a antiga fora extinta – não se trata de novação, pois a primeira
obrigação foi extinta, nascendo um novo pacto; se houver outros credores ou devedores, para estes
continuarem vinculados no pacto deverão anuir com o levantamento, aplicando-se o mesmo em relação
às garantais, devendo, no caso daqueles, ser feito o ressarcimento dos demais credores; (iii) na forma do
art. 340, o credor pode autorizar o levantamento no curso da demanda de consignação, quando o

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Direito Civil

devedor permanecerá em mora, mas o credor perderá as garantias que tinha conquistado com o
depósito, notadamente a não execução do que fora depositado em juízo em outra demanda.

Uma última questão importante em relação à consignação é entender o que quer dizer o art. 335, III, na
parte em que fala em credor “desconhecido“, em face do qual se permite a consignação, sendo assim
considerados pela doutrina como os herdeiros do falecido.

Novação
Novação é um dos modos indiretos de extinção do vínculo obrigacional, através da qual credor e
devedor constituem uma nova obrigação, que vem a ocupar o lugar da originária.

Três são seus pressupostos: (i) existência de obrigação anterior, afinal, se não há obrigação originária,
não há o que se novar – art. 360; mas não há impedimento a se novar uma obrigação natural, como as
dívidas prescritas, renunciado à prescrição aquele que anuir com a novação, visto que o direito ainda
existe, só a obrigação que não é mais executável ou exigível; (ii) acordo entre as partes, somente se
criando uma obrigação com a manifestação das partes, com a concordância de credor e devedor,
passando a nova obrigação criada pela modificação ou do objeto ou das partes envolvidas; com efeito,
em não havendo modificação do objeto, nem das partes, não há que se falar em novação, quando muito
prorrogação do prazo para o cumprimento da obrigação, mantendo-se os acessórios da principal, ao
contrário do que ocorre aqui com a novação, a qual extingue a obrigação principal e seus acessórios, nos
termos do art. 364; (iii) animus novandi, elemento subjetivo que está previsto no art. 361, podendo ser
expresso ou tático, na segunda hipótese somente se for inequívoco, vislumbrado na incompatibilidade
do objeto anterior com o novo; do contrário, tanto as partes quanto o objeto seriam os mesmos, não
havendo, pois, que se falar em novação.

Modalidades de novação: objetiva (substituição de um objeto por outro, pouco importando qual seja,
não se configurando dação em pagamento, porque nela, ao contrário do que ocorre aqui, não há criação
de um novo vinculo, permanecendo o devedor atrelado e não exonerado) ou subjetiva (quando houver
modificação dos sujeitos, por expromissão, que não exige a participação do devedor, muito embora
alguns autores exijam a autorização do devedor para que haja substituição do polo passivo, exonerando-
se o devedor originário e extinguindo a obrigação antiga; não havendo animus novandi, haverá assunção
de dívida por cumulação, figurando no polo passivo da obrigação ambos os devedores, o novo e o
antigo; também pode a novação subjetiva se dar por delegação, quando o devedor originário pactua
com o novo devedor, submetendo ao crivo do credor, para anuência da novação, da criação de um novo
vínculo obrigacional, liberando-se do antigo e o extinguindo).

Transmissão das Obrigações


Cessão de Crédito
Cessão de crédito é a alteração do polo ativo de uma relação obrigacional, mediante a celebração de um
negócio jurídico envolvendo a transferência de um crédito pelo credor a um terceiro. Aqui, portanto, o
terceiro (cessionário) assume o lugar do credor (cedente), podendo cobrar do devedor (cedido).

Com efeito, várias são as formas de se tomar o lugar do credor em uma relação obrigacional, a exemplo
do que ocorre com a sub-rogação, só que na cessão de crédito tal é feito pela celebração de um negócio
jurídico. Também é importante dizer que o crédito é um direito e que o direito é um bem móvel e
incorpóreo (art. 83, III), podendo, como tal, ser objeto de um negócio jurídico, no caso necessariamente

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Direito Civil

solene, devendo ser realizado por instrumento público ou particular, com o devido registro no Cartório
de Títulos e Documentos, sob pena de ineficácia em relação a terceiros (art. 288).

Pode ser gratuita ou onerosa, embora seja mais comum a onerosidade.

Aqui também é aplicado o princípio da gravitação universal, conforme o qual os acessórios e encargos
do crédito o seguirão (art. 287).

A regra geral consta do art. 286, pelo qual todos os créditos podem ser cedidos, com três ressalvas:
não podem sê-lo os que a lei ou a sua natureza não permitirem, nem quando as partes convencionarem
sua não cessão. Respectivos exemplos são o art. 298, que proíbe a cessão de crédito penhorado, os
créditos alimentares e pelas partes em contrato com cláusula proibitiva.

O devedor não precisa autorizar a cessão de crédito, mas tem de ser dela notificado, seja pelo cedente,
seja pelo cessionário, sendo normalmente este que o faz pela própria citação em uma ação de cobrança.
Se for feita sem a notificação do devedor, ela será ineficaz em relação ao devedor (art. 290).

Ademais, o cedido pode opor contra o cessionário as exceções pessoais que tiver contra o próprio
cessionário, bem como, também em desfavor do cessionário, as exceções que tinha contra o cedente,
desde que já as tivesse até o momento da notificação (art. 294).

Se antes do devedor tomar conhecimento da cessão, ele vier a transferir gratuitamente seu patrimônio,
tornando-se insolvente, tal dará azo à alegação de fraude contra credores, podendo o cessionário,
praticando ato conservatório do seu direito, propor ação pauliana, já sendo a citação da mesma uma
forma de notificar o devedor da cessão de crédito (art. 293).

Duas são as espécies de cessão de crédito:


 Cessão de crédito pro soluto: regra geral, prevista no art. 295 e 296, é aquela em que o cedente
se responsabiliza perante o cessionário apenas pela existência do crédito, e não pela solvência
do devedor, salvo disposição em contrário. Com efeito, na cessão de crédito gratuita ou onerosa
de boa-fé não poderia o cedente responder pela solvência do devedor cedido;
 Cessão de crédito pro solvendo: de acordo com o art. 297, é aquela em que o cedente se
responsabiliza perante o cessionário pela existência do crédito e pela solvência do devedor, na
medida do valor, mais juros e despesas, pago pela cessão de crédito.

Assunção de Dívida
Também conhecida como cessão de débito, a assunção de dívida consiste na alteração do polo passivo
da relação obrigacional, devido à celebração de um negócio jurídico entre o devedor e o terceiro (dito
assuntor), para que este assuma a posição daquele. Com efeito, fomentando a possibilidade de troca de
devedor, o legislador quis proteger a tutela do crédito e a segurança jurídica.

Só que o credor precisa autorizar, consentir com a assunção de dívida; se notificado for pelo devedor ou
pelo terceiro e ficar em inerte, inclusive o silêncio não importará consentimento (art. 299, caput e
parágrafo único), mas será interpretado como recusa, impossibilitando a assunção de dívida. Daí dizer
que na assunção de dívida temos um negócio jurídico trilateral, pois inicialmente o acordo se faz entre o
devedor e o assuntor, mas deve passa pelo crivo, pela anuência do credor para ter validade.

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Direito Civil

Para que as garantias reais ou fidejussórias continuem vinculadas à obrigação originária, é necessária a
anuência expressa do devedor originário, salvo nas que decorrem da confiança, como a fiança, quando
também será necessária a anuência do fiador (art. 300 do Código Civil e Enunciado 352 do CJF/STJ). Mas
as garantias que circundam o próprio crédito continuam, como os juros, por serem acessórias à
obrigação principal.

Na forma do art. 302, o novo devedor não pode opor as exceções pessoais que competiam ao devedor
primitivo, a exemplo de uma compensação.

São duas as espécies de assunção de dívida:


 Assunção liberatória: é a regra, seguida no silêncio das partes contratantes (devedor e terceiro),
pela qual o devedor originário se exonera do vínculo obrigacional, não podendo ser demandado
no caso de o terceiro não pagar eventualmente a dívida;
 Assunção cumulativa: é a que o devedor originário continua vinculado à relação obrigacional, o
que só será possível se, no momento do pacto, o assuntor era insolvente e o credor ignorava tal
situação (art. 299).

POR DELEGAÇÃO E POR ??? PERGUNTAR AO PROFESSOR SOBRE A NECESSIDADE DE CRIVO DO CREDOR.
É SEMPRE NECESSÁRIO O CONSENTIMENTO EXPRESSO DO CREDOR OU SÓ EM UMA DAS ESPÉCIES???

Inadimplemento
A fonte da responsabilidade civil é, se for extracontratual, o ato ilícito (arts. 186 a 188), e, se contratual,
o inadimplemento, de que agora trataremos, eis que a tema também se encontra inserido no estudo do
Direito das Obrigações (art. 389 e ss.).

São espécies de inadimplemento, que se diferenciam na medida da existência ou não do interesse do


credor na realização do que fora convencionado, no cumprimento da obrigação:
 Absoluto: dar-se-á quando o credor não tiver mais interesse no cumprimento da obrigação, eis
que o seu resultado prático não mais lhe interessa, restando exigir do devedor perdas e danos
– arts. 389 a 393, pelos quais responderá o devedor se tal se deu por sua culpa e desde que
verificado o prejuízo (conforme art. 389, calcular-se-á o montante não pela gravidade da culpa,
mas pela extensão do dano, salvo no caso de contratos gratuitos – art. 392).

 Relativo (também conhecido como mora): dar-se-á se quando o credor ainda tiver interesse no
cumprimento da obrigação, quando ainda lhe interessar o seu resultado prático, podendo exigir
do devedor a execução específica da obrigação principal, sempre combinada com perdas e
danos – arts. 394 a 401.

Esse inadimplemento, por mais absoluto que seja, quanto mais em sendo relativo, poderá ser total ou
parcial. Também o inadimplemento pode ser mínimo, também chamado adimplemento substancial,
que não admite a extinção contratual, devendo a parcela em aberto ser buscada em ação de cobrança,
pelas vias ordinárias, comuns.

Ainda temos a figura adimplemento ruim, também conhecido como violação positiva do contrato. O
que é peculiar no inadimplemento é uma situação de inércia, uma negativa, enquanto que na violação
positiva do contrato até há a prestação na data, no tempo e, a princípio, na forma exigida, mas que ela

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Direito Civil

foi feita de maneira ruim, foi executada de uma maneira que não satisfez o credor por inteiro. Diante
disso, entendem doutrina e jurisprudência que poderá o credor exigir perdas e danos.

Execução Específica da Obrigação


Convém falarmos mais acerca da execução específica da obrigação, que pode se dar em caso de mora,
de inadimplemento relativo, e que ingressou no ordenamento jurídico pátrio em 1990, com o advento
do Código de Defesa do Consumidor. Como pode isso ser feito? Antes de tudo, devemos ter em mente
que as sentenças se classificam, conforme sua carga de eficácia em produzir efeitos, em declaratórias,
constitutivas ou condenatórias, podendo as condenatórias serem de fazer, de não fazer, de dar ou de
pagar. A sentença declaratória e a constitutiva têm carga eficacial complete, produzindo todos os seus
efeitos, mas as sentenças condenatórias não, devendo ser executadas para produzirem seus efeitos, de
modo autônomo ou não (atualmente, a regra é a execução não autônoma, por meio de cumprimento de
sentença no próprio juízo, em continuidade à sentença, vale dizer) . O que importa aqui é a execução
não autônoma de sentença condenatória, o que pode ser feito mediante duas técnicas, a primeira dita
mandamental e a segunda executiva. Na técnica mandamental, de coerção, o exemplo clássico é a
multa, chamada de astreinte , aplicada em obrigações de fazer, não fazer e dar; a multa nas obrigações
de pagar não tem nome, sendo a do art. 475-J, CPC; ainda outro método coercitivo é a prisão civil, que
hoje só serve para o devedor de alimentos, não mais para o depositário infiel (Súmula Vinculante 25). A
técnica executiva, por sua vez, nada mais é do que uma técnica de sub-rogação, substituindo a decisão
judicial a vontade do devedor que não cumpriu a obrigação, mediante, por exemplo, busca e apreensão
ou penhora. Com efeito, tudo isso é pertinente ao estudo da execução específica da obrigação em caso
de inadimplemento relativo, o que ficará mais claro com este exemplo: consideremos que em razão de
uma enchente “A“ celebra um contrato de prestação de serviço com ”B”, que deve construir um muro
na casa daquele em dez dias; ultrapassado o prazo contratualmente previsto sem que Bruno tenha
construído o muro, falaremos em inadimplência, que será relativa em razão da subsistência do interesse
de “A“ no cumprimento da obrigação; vae dizer que a mora de “B“ é a dita ex re, pois um termo fora
previamente convencionado; como há mora, poderá ser requerida em juízo perdas e danos e também a
execução específica da obrigação, fazendo “A“ uso de uma técnica mandamental coercitiva para garantir
o cumprimento específico da obrigação, que seria a construção do muro por “B“, sob pena de incidência
de astreinte; suponhamos que “B“ ainda assim não cumpra com sua obrigação, quando, então, poderá
“A“ fazer uso da técnica executiva de sub-rogação, substituindo-se a vontade de “B“ pela do juiz,
determinando que um terceiro construa o muro e fazendo com que “B“ pague o valor relativo. Essa é a
lógica do tema em questão.

Mora
Entende-se por mora o descumprimento da obrigação não apenas no tempo, mas na forma e no lugar
convencionado. Antes de mais nada, devemos saber que a mora traz ao devedor o direito subjetivo de
purgar a mora, a despeito de eventual falta de confiança que se instaure, não mais podendo, ao menos
em princípio, o credor exigir perdas e danos (art. 400 do CC).

Visto isso, vamos adiante. Bom, alguns requisitos devem ser observados para a configuração da mora: (i)
ingresso do devedor de modo voluntário na mora, por culpa, pois, a qual é presumida a partir do
inadimplemento da obrigação, cabendo ao devedor, nesse sentido, comprovar que não agiu com culpa,
demonstrando, por exemplo, a ocorrência de caso fortuito pelo qual não se obrigou; (i) e exigibilidade
da obrigação, que deve estar vencida, motivo por que as obrigações sujeitas a condições, enquanto não
houverem se verificado as mesma, não haverá que se falar mora; também é necessária a notificação ao
devedor para que se configure a exigibilidade, notadamente no caso de mora ex persona, não havendo

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Direito Civil

necessidade que tal seja feito quando findo o termo certo e aprazado, caso de mora ex re, que não exige
a referida notificação, constituindo-se em mora o devedor desde então.

mora ex re e mora ex persona


A mora pode ser classificada em ex re e ex persona. A mora ex re é aquela convencionada no momento
da celebração do contrato – art. 397, caput, do CC, quando o simples vencimento já é suficiente para
constituir o devedor em mora, não precisando o credor proceder à notificação. A mora ex persona é a
que não foi convencionada no momento da celebração do contrato, apresentando-se em contratos que
são celebrados por prazo indeterminado – art. 397, parágrafo único, do CC, quando será necessária a
constituição do devedor em mora, extrajudicialmente ou judicialmente, valendo dizer que no segundo
caso a simples citação válida já terá esse condão – art. 219 do CPC).

O principal efeito da mora é a indenização decorrente do prejuízo auferido pelo retardo no pagamento
da obrigação, não havendo que se falar em extinção da obrigação. E o fato de poder cobrar prejuízos
decorrentes da mora, como os juros da mora (que é automático em decorrência do não cumprimento
do prazo, do retardamento), não impede que sejam exigidas perdas e danos, mediante comprovação do
prejuízo (essa prova do prejuízo não é exigida no caso de estipulação de cláusula penal moratória, vale
dizer, devendo o pagamento ser feito na forma do montante estipulado, assegurado o pedido de
indenização suplementar apenas se houver previsão convenção nesse sentido, conforme veremos em
tópico específico para esse fim)

O segundo efeito da mora é a perpetuação da obrigação, e não a sua extinção, de modo que, mesmo
que a coisa se perca por caso fortuito ou força maior, falaremos em indenização por perdas e danos, na
hipótese do art. 393, quando o devedor tiver se responsabilidade pelo caso fortuito ou força maior ou se
tais situações ocorrerem durante o atraso, salvo se provar isenção de culpa ou se demonstrar que o
dano sobreviria ainda que a obrigação fosse oportunamente cumprida, nos termos do art. 399.

Juros
Ainda no que diz respeito ao inadimplemento temos os juros: tanto na hipótese de inadimplemento
absoluto quanto na de inadimplemento relativo, o credor poderá, dentre outras situações que já foram
estudadas, pedir juros moratórios (arts. 389 e 395; não os compensatórios, vale desde já dizer), correção
monetária e honorários advocatícios. É com os juros que nos preocuparemos neste momento.

Os juros podem se das seguintes espécies:


 Legais: também chamados de moratórios, pois decorrentes do inadimplemento relativo, são os
que a lei assegura, estando disciplinados no art. 406, pelo qual a taxa de juros não mais é de
0,5% a.m., como na codificação civil de 1916, e sim a taxa que estiver em vigor para a mora do
pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional: segundo o STJ e o TJRJ seria a taxa SELIC,
eis que menor e mais benéfica ao consumidor, mas, dada a sua variabilidade e consequente
insegurança, há quem entenda pela aplicação do art. 161, §1º, CTN, que fala em 1% a.m.

 Convencionados: são os juros estipulados entre as partes, também chamados remuneratórios


ou compensatórios, pois visam compensar o credor pelo empréstimo do dinheiro, pelo tempo
em que ficou sem a coisa, o que evidencia sua natureza de fruto civil. Não têm, pois, nenhuma
relação com o inadimplemento, seja total ou parcial, integrando, isso sim, a obrigação principal.

Taxa de Juros aplicáveis por Instituições Financeiras

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Direito Civil

Quando o mútuo feneratício (modelo de contrato de empréstimo oneroso de coisa fungível, mediante a
incidência de juros) for feito por instituições financeiras, na forma do art. 586 c/c art. 591, as mesmas,
embora não precisem observar o limite da taxa de juros previsto no art. 406, por não estarem
submetidas ao Código Civil em razão da existência de uma lei específica as regulando (Lei 4.595/64),
estariam limitadas à taxa de juros de doze por cento ao ano (ou de um por cento ao mês), previsto pela
Lei de Usura (Decreto 22.626/33). Só que, a despeito disso, tivemos a edição da Súmula 596 do STF,
conforme a qual a referida a Lei de Usura não se estenderia aos bancos, que estariam, portanto, livres
para praticar taxas acima do limite ali previsto. Posteriormente, até houve, com o advento do art. 192,
§3o, da Constituição Federal de 1988, uma nova limitação aos bancos, só que a norma dependia de uma
Lei Complementar para ter eficácia, a qual, mesmo com o ajuizamento de um mandado de injunção,
não foi editada. Ainda assim, veio a Emenda Constitucional 40 de 2003 e revogou a referida norma
constitucional, mantendo em pleno vigor a citada Súmula 596 do STF, não havendo que se falar naquela
limitação aos bancos, às instituições financeiras, que estão, em princípio, livres para praticar as taxas de
juros que entendem devidas, considerando a oscilação e os preços do mercado. Essa limitação baseada
no mercado só existe porque as instituições financeiras se submetem ao CDC, desde o sucesso logrado
na ADIN 2591 do STF, da mesma forma que as operadores de cartão de crédito, conforme Súmula 283
do STJ. De toda forma, os juros legais (moratórios) mantêm-se os mesmos, dois por cento ao mês, nos
termos do art. 52, §1 o, do CDC; os convencionais é que podem ser “livremente” praticados, observada a
média do mercado, sob pena de ser considerados abusivos, na forma do art. 51, IV, do CDC.

A capitalização de juros pode ser anual (art. 591 do CC), remunerando-se juros sobre juros ano a ano,
mas jamais mensalmente. Mas as instituições financeiras, por terem lei específica (Lei 4.595/64), não se
submetem à referida norma da codificação civilista, sendo livres para a prática de capitalização mensal
de juros, ao que se chegou pela MP 1963-17/2000, que foi substituída pela MP 2170-36/2001. Na ADIN
2316/DF, proposta em razão da pretensa ausência dos requisitos autorizadores de regulamentação por
meio de medida provisória, até se obteve uma liminar, que impedia os efeitos do art. 5 o da MP 2170-
36/2001, norma autorizadora da capitalização mensal por instituições financeiras, mas o STF acabou por
decidir, politicamente, por maioria de votos, pela constitucionalidade da mencionada medida provisória,
apontando pela existência sim de relevância e urgência na mesma (sendo esses seus requisitos), afinal,
entender o contrário seria o mesmo que se admitir uma enxurrada de demandas no Judiciário. Isso quer
dizer, em suma, que atualmente as instituições financeiras (assim também entendidas as operadoras de
cartão de crédito, conforme já vimos), podem, além de estipular a taxa de juros que bem entenderem,
capitalizá-los mensalmente (ou anualmente, se assim quiserem).

Cláusula Penal
Ainda em termos de inadimplemento, temos a cláusula penal. Visto que na responsabilidade contratual
as partes têm um vinculo jurídico, elas podem convencionar uma cláusula penal, que serve para prefixar
perdas e danos, os quais podem ser exigidos tanto no inadimplemento absoluto quanto no relativo.

Essa cláusula penal pode ser compensatória (decorrente do inadimplemento absoluto) ou moratória (se
decorrente do inadimplemento relativo), ambas encontrando limite no valor da obrigação principal –
art. 412, havendo ainda dois casos em que esse limite será ainda menor, a saber, no máximo de dois por
cento sobre o valor da cota condominial (art. 1.336, §1º, CC) e também de dois por cento sobre o valor
da obrigação principal nas relações de consumo (art. 52, §1º, CDC). E mais, o valor da cláusula penal
pode ser reduzido equitativamente pelo juiz, mesmo que tenham as partes o fixado dentro dos limites
legais, se forem excessivas em relação ao caso ou se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte

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Direito Civil

(art. 413, que sequer poderá ter a aplicação afastada pelas partes, em sendo norma de ordem pública 37,
e não dispositiva)

Por último, mesmo que o prejuízo exceda o assegurado pela cláusula penal, não poderá ser exigida
indenização suplementar, salvo convenção expressa em contrário (parágrafo único, art. 416), quando a
pena valerá como mínimo da indenização e ao credor caberá a prova do prejuízo excedente.

Arras
Por último, no que tange ao inadimplemento, temos são as arras, sinal de pagamento que demonstra a
seriedade na formação de um contrato futuro, podendo ser de duas espécies:
 Confirmatórias, que não admitem o arrependimento, conforme a regra do art. 418, aplicável
especialmente no silêncio das partes. Assim, se quem as deu se arrepender, perderá as arras e
ainda terá de pagar perdas e danos; se quem as recebeu se arrepender, terá de devolver as
arras em dobro, além de poder ser cobrado em perdas e danos.
 Penitenciais, que admitem o arrependimento, na forma do art. 420. Assim, se quem as deu se
arrepender, perderá as arras, mas não poderão ser exigidos perdas e danos; se quem recebeu se
arrepender, deverá devolver as arras em dobro, também não havendo que se falar em perdas e
danos, afinal, as arras penitenciais já têm natureza indenizatória.

Aurélio Bouret Campos - 16.03.15

Teoria Geral dos Contratos


O contrato traduz um negócio jurídico bilateral por meio do qual as partes, segundo a sua autonomia
privada, convergem suas vontades, visando atingir determinados interesses, observados os princípios da
função social e da boa-fé objetiva.

A partir do conceito supramencionado, percebemos que a natureza jurídico dos contratos é de negócio
jurídico bilateral, diante da necessidade de convergência de vontades para que venha a existir. Mas isso
não quer dizer que o contrato não pode ser unilateral ou bilateral, pois poderá sim assumir essas duas
formas, conforme veremos em momento oportuno. O que não pode é o contrato vir a existir sem esse
encontro de vontades.

Formação dos Contratos


Três são as fases que podemos enxergar, a saber, fase pré-contratual, contratual e pós-contratual, que
se apresentam nos seguintes momentos:

 1ª) Tratativas: fase de negociações preliminares, tratativas, meras sondagens que antecedem a
formalização de uma proposta ou oferta, não tendo qualquer força vinculativa, embora aqui já
seja admitida a responsabilidade civil extracontratual por abuso de direito, com o dever de
indenizar em perdas e danos, caso tenha sido gerado na outra parte uma expectativa legítima
de contratar, mesmo que ainda não tenhamos proposta ou oferta. Com efeito, por ainda não ter
havido o encontro de vontades não há que se falar em contrato, só em uma fase pré-contratual,

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Sabe-se que uma cláusula é de ordem pública quando o destinatário da norma for o Poder Público, o juiz, do que
não podem ter sua aplicação afastada; por outro lado, nas cláusulas dispositivas os destinatários são as partes, os
particulares, que podem, pois, afastar sua aplicação.

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Direito Civil

motivo por que sequer podemos nos valer do instituto do inadimplemento, só configurável na
fase contratual, ainda não adentrada.

 2ª) Proposta ou Oferta: a proposta é individualizada (tem um destinatário certo e determinado)


e a oferta é coletiva (seus destinatários são incertos, indeterminados), mas ambas estão na fase
pré-contratual e vinculam (arts. 427 e 429 do CC), sob pena de se configurar a responsabilidade
extracontratual, quando poderá ser exigido o cumprimento específico da obrigação, ou, em
havendo aceitação (arts. 430 a 434), sob pena de responsabilidade contratual, pois a partir de
então, do encontro de vontades, quando a proposta ou oferta encontram a aceitação, passamos
a ter contrato. Voltando ao início do tema em questão, certo que, embora em regra a proposta
tenha força vinculante, nem sempre isso será assim, deixando de ser obrigatória quando – art.
428 do CC: (i) feita sem prazo a pessoa presente e não for imediatamente aceita; (ii) se, feita
sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao
conhecimento do proponente. A expressão “tempo suficiente“ é nada mais que um conceito
indeterminado, devendo ser interpretada pelo juiz caso a caso, à luz da boa-fé – art. 113 do CC;
(iii) se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; (v) se,
antes da aceitação, ou simultaneamente a ela, chegar ao conhecimento da outra parte a
retratação do proponente, o que vale tanto se feita entre ausentes quanto entre presentes.

 3ª) Formação do Contrato: com a necessária convergência de vontades, que se dá quando a


proposta ou oferta encontram a aceitação, passamos a falar em contrato, conforme já dito. Mas
para sabermos se de fato o contrato foi formado devemos analisar não só se a proposta foi
aceita, mas também se a proposta foi feita entre presentes (por contrato simultâneo, direto,
imediato, não sendo necessário que as partes estejam fisicamente no mesmo no lugar para tal
se configure, a exemplo do que pode ocorrer em um contato telefônico) ou entre ausentes
(quando não há uma simultaneidade entre proposta e aceitação, mas sim um lapso temporal
entre elas, dando-se uma e outra em momentos distintos, como o que pode ocorre na proposta
feita via e-mail), o que nos permitirá aferir o momento exato em que se deu a aceitação e, por
conseguinte, a formação do contrato. No mais, ainda no que tange à formação dos contratos,
certo é que tal pode se dar de duas formas: por formação paritária (quando ambas as partes
elaboram as cláusulas contratuais, o que é muito comum nas relações civis) e por formação por
adesão38 (quando apenas uma das partes elabora as cláusulas contratuais, sendo mais usada nas
relações de consumo).

 4ª) Cumprimento do Contrato: vide tópico relacionado ao inadimplemento, aqui aplicável.

 5ª) Pós-contratual: aqui ainda há responsabilidade civil dita post factum finitum, muito comum
nas relações de consumo, a exemplo do arts. 10, §1º, 32 e 42, parágrafo único, ambos do CDC, e
também do art. 940 do CC. Aproveitando o ensejo, convém dizer que na cobrança indevida, em
que se cobra uma dívida já paga, é gerada a possibilidade de exigência em dobro do que foi
indevidamente cobrado, sendo certo que na relação de consumo basta apenas o pagamento do
que fora indevidamente cobrado para que tal ocorra, enquanto que na relação civil, apesar de
não ser necessário o pagamento, bastando a simples cobrança indevida, será imprescindível que
a cobrança seja judicial e que haja comprovação de culpa.

38
Nota-se que o contrato por adesão não é uma espécie de contrato, mas um tipo de formação de contrato.

60
Direito Civil

Formação do contrato entre ausentes


Temos quatro teorias no que diz respeito ao momento de formação do contrato entre ausentes, que são
aqueles em que não há aceitação imediata:
 Teoria da Declaração ou Agnição: estará o contrato entre ausentes formado com a declaração,
quando, a grosso modo, o aceitante escreve a resposta. O grande problema está provar em juízo
a hora e o dia em que a pessoa fez a declaração.
 Teoria da Expedição: considera-se que houve convergência de vontades e o consequente
nascimento do contrato quando do momento da expedição, do envio da resposta. Era a teoria
adotada no Código Civil de 1916 e parece a que foi a regra adotada pelo art. 434, caput, da
codificação civil de 2002.
 Teoria da Recepção: considera-se que houve convergência de vontades e consequentemente o
nascimento do contrato quando a aceitação, a resposta chegar ao domicílio do proponente,
mesmo sem o conhecimento deste, o que pode, por exemplo, ser comprovado via AR, Aviso de
Recebimento. Esta é a teoria mais amplamente adotada pelo Código Civil de 2002, a despeito de
seu art. 434 nos induzir a uma conclusão diversa; chegamos a essa afirmação pela existência de
diversas exceções previstas na lei à regra presente no caput da norma mencionada. Em última
análise, portanto, é até a recepção da aceitação que o proponente poderá se retratar, deixando,
assim, de ficar vinculado à proposta que dera.
 Teoria da Informação ou Cognição: considera-se formado o contrato quando o proponente (ou
policitante, como também é conhecido) é cientificado da aceitação do aceitante (ou oblato),
quando lê, quando toma conhecimento da resposta deste.

Principiologia Contratual
São estes os princípios que norteiam os contratos (outros que norteiam os negócios jurídicos são aqui
também aplicáveis, como a boa-fé objetiva, já estudada):
 Princípio da pacta sunt servanda, que, relacionado com o princípio da autonomia privada, traz
a ideia de força obrigatória do contrato entre as partes contratantes, gerando obrigações que
devem ser cumpridas, desde que as condições iniciais permaneçam as mesmas, do contrário o
rebus sic stantibus fundamentará a teoria da imprevisão, possibilitando a revisão do contrato.

 Princípio da equivalência material, pelo qual não é qualquer obrigação estipula pelas partes
que será aceita, devendo, na verdade, haver equivalência, proporção entre as prestações, sob
pena de estarmos diante de um abuso, de uma lesão.

 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato, o que significa dizer que os efeitos que são
entabulados pelas partes repercutiram sobre as próprias partes, e não sobre terceiros, salvo em
algumas exceções, que afastam essa proteção a terceiros.

 Princípio da função social do contrato (art. 421 do CC), considerando que o contrato, assim
como o Direito, estão inseridos na sociedade, deve o exercício do direito de contratar atender
aos anseios sociais. Nesse sentido, embora tenhamos o princípio da relatividades dos efeitos do
contrato, a função social condiciona o exercício da liberdade contratual, com situação jurídica
merecedora de tutela oponível erga omnes (Teresa Negreiros). Isso porque, a função social está
atrelada à socialidade, um dos novos paradigmas do Direito Civil, devendo ser observados
alguns critérios técnicos para que saibamos se o princípio da função social fora ou não atingido,
em abuso de direito: a jurisprudência nos traz como formas de manifestação da tutela da função
social dos contratos as suas eficácia externa e interna, estando esta relacionada aos sujeitos do

61
Direito Civil

contrato e aos direitos constitucionais indisponíveis (como a dignidade da pessoa humana e a


isonomia, cujo ferimento faria o contrato ser uma “maça pobre“ na sociedade, a exemplo do
que se vê na Súmula 302 do STJ, que não permite ao segurado ser tratado como coisa, ao tratar
como abusiva a cláusula de plano de saúde que prevê limitação no tempo e na forma da
internação) e aquela ligada a interesses metaindividuais 39, a terceiros ofendidos40 (ou vítimas) e
a terceiros ofensores41. Noutros termos, pelo princípio da função social, o contrato não pode
prejudicar a sociedade, e nem a sociedade prejudicar o contrato. O art. 608 do CC, previsto
especificamente à prestação de serviços, é um exemplo disso, mas nada impede que o princípio
da função social seja usado com a mesma ideia em outras espécies de relação, como as de
trabalho, nas quais também haja aliciamento, desde que, é óbvio, comprove-se o prejuízo e, em
alguns casos, o mesmo seja quantificado.

Classificação dos Contratos


Ajudando-nos a resolver questões, principalmente no que tange à parte geral dos contratos, temos as
classificações dos contratos:
 Quanto à previsão ou não em lei, respectivamente, temos os contratos típicos (previstos em lei)
ou atípicos (não dotados de previsão legal, mas que são perfeitamente permitidos e oriundos ou
da combinação de dois ou mais tipos contratuais, conjugando-se diversas normas, ou mesmo da
criação de um contrato novo, desde que não se ofenda a ordem jurídica – art. 425, CC).

 Quanto à quantidade de prestações atribuídas a cada uma das parte, o contrato pode ser
bilateral (contratos sinalagmáticos, de obrigações mútuas, para ambas as partes, com prestação
e contraprestação) ou unilateral (com obrigação a apenas uma das partes). Ressalta-se que essa
classificação não se confunde com a dos negócios jurídicos, que podem ser bilaterais, natureza
jurídica dos contratos, eis que requerem a manifestação de vontade de ambas as partes para se
aperfeiçoar, ou unilaterais, quando a manifestação de apenas uma vontade seria suficiente para
nascer o negócio jurídico. Bom, voltando à classificação dos contratos, ela será importante para
os institutos da exceção do contrato não cumprido (art. 476) e do inadimplemento antecipado
(art. 477), visto que esses só serão possíveis em contratos bilaterais, em que haja prestação por
uma parte e contraprestação pela outra. No mais, ainda temos a figura do bilateral imperfeito,
que nasce unilateral, mas que, no decorrer do contrato, transforma-se em bilateral, como é o
que pode ocorrer no contrato de depósito, notadamente no caso dos arts. 643 e 644.

 Quanto ao momento da formação, podem ser consensuais (dependem somente do consenso,


do consentimento das partes, bastando o mero acordo entre elas para que o contrato se forme,
como ocorre no contrato de compra e venda 42) ou reais (que só se aperfeiçoam com a entrega
39
O contrato pode até beneficiar ambas as partes, mas acabar por prejudicar interesses metaindividuais, coletivos,
terceiros indeterminados, tornando-se ilegítimo. Nesse sentido, por exemplo, o dano ambiental decorrente do
contrato significa dizer que houve ferimento à função social do contrato no seu viés externo. Em casos tais, quem
irá alegar a quebra da função social não são as partes, mas os legitimados a ajuizar ações coletivas (art. 82 do CDC).
40
O contrato que lesa pessoa determinada também não pode ser respeitado, sob pena de se lesar a função social
do contrato, no seu viés externo.
41
Terceiros também não podem intervir em contratos alheios, sob pena de igualmente restar ferida a função social
do contrato, no seu viés externo. Daí dizer que o contrato, quando está perfeito, ganha uma tutela erga omnes.
42
Devemos, pois, ter atenção para não confundir isso com os Direitos Reais, onde a tradição é condição para a
aquisição da propriedade, mas não elemento de validade do contrato de compra e venda e também de eficácia,
afinal, o cumprimento, a entrega da coisa já poderia ser exigida com o simples consentimento das partes formador
do contrato.

62
Direito Civil

da coisa, com a tradição, que pode até mesmo ser ficta, a exemplo dos contratos de mútuo, de
depósito e de comodato).

 Quanto à possibilidade de previsão das prestações, podem ser comutativos (existem prestações
e contraprestações paritárias, que as partes têm certeza de quais são, numa relação de
proporcionalidade entre vantagem e sacrifício, no chamado equilíbrio econômico-financeiro do
contrato, sob pena de um desequilíbrio ocorrido no curso do contrato enfrentar a possibilidade
de revisão43) ou aleatórios (em que as prestações e contraprestação não podem ser antevistas
pelas partes, não tendo os contratantes certeza da equivalência material entre as obrigações,
risco esse que é assumido, é admitido pelas próprias partes; são duas as modalidades de
contrato aleatório: emptio spei, que é a venda da esperança, quando há uma incerteza sobre a
existência da coisa futura, que é esperada, mas não certa, sendo o valor da compra e venda
devido ainda que não haja safra alguma, na forma do art. 458 do CC, e emptio rei speratae, que
é a venda da coisa esperada, quando o risco for somente quanto à quantidade da coisa futura,
sendo devido o valor total mesmo que a quantidade for menos do que a esperada, mas, como a
existência da coisa é certa, não havendo nenhuma quantidade, ou seja, não existindo a coisa,
não será devido o pagamento, nos termos do art. 459, caput e parágrafo único). No mais, vale
dizer que o contrato de seguro, na sua essência, é aleatório, enquanto que a compra e venda,
por sua vez, na sua natureza, é comutativa, mas nada impede que as partes assumam um risco,
quando estaremos diante de um contrato acidentalmente aleatório. Finalmente, importante
dizer que há certa divergência quanto à natureza da classificação dos contratos de seguros, se
seriam aleatórios (posição majoritária) ou comutativos (entendimento minoritário, que enxerga
a existência de duas prestações equivalentes, a do segurado, de pagar o prêmio equivalente ao
que receberá de volta, que é não um bem material, mas sim uma segurança, que vem a ser a
contraprestação recíproca da seguradora).

 Quanto à questão da autonomia e independência, os contratos podem ser principais (são


autônomos e independentes, existindo por si só) ou acessórios (cuja existência está vinculada a
outro contrato, o principal, seguindo aquele a sorte deste, numa aplicação do princípio da
gravitação, que, aqui, em termos de contratos, quer dizer que, se o principal for considerado
nulo ou anulável ou se for extinto, da mesma forma também será o acessório. Exemplo disso é a
fiança, que, uma vez nula a obrigação que por ela estava garantida, nula também será a própria
garantia – art. 824, primeira parte, do CC, salvo na hipótese prevista na segunda parte da citada
norma, pela qual, se a nulidade for única e exclusivamente decorrente da incapacidade pessoal
do devedor, o fiador continuará obrigado; só que no próprio parágrafo único do art. 824 c/c art.
588, também do CC, temos uma exceção da exceção, que nos faz voltar à regra, especificamente
quando tiver sido feita em contrato de mútuo celebrado por menor incapaz sem que haja prévia
autorização de quem sob cuja guarda estiver, a fiança também restará afetada pelo vício do
contrato principal, não mais ficando obrigado o fiador).

 Quanto ao valor, pode o contrato ser gratuito (gera vantagem a só uma das partes) ou oneroso
(gera vantagem a ambas as partes);

43
A teoria da onerosidade excessiva, da revisão contratual, pode ser aplicada em contratos aleatórios? Embora não
seja a sede da revisão contratual, se a imprevisibilidade fática ocorrer fora da álea assumida poderá, sim, ser
pedida a revisão do contrato, a exemplo do que pode ocorrer numa invasão de terras que influenciará o contrato,
mas cuja aleatoriedade não fora assumida.

63
Direito Civil

 Quanto à forma, pode o contrato ser solene (os que a lei impõe uma forma, um procedimento,
para sua celebração) ou não solene (é o contrato livre, sem forma exigida pela lei);

Contratos de Adesão
É o contrato em que uma das partes não tem a possibilidade de analisar nem de discutir as cláusulas
contratuais, podendo apenas aderir ou não ao contrato. Com efeito, isso não é uma exclusividade do
Direito do Consumidor, existindo também nas relações não consumeristas.

Duas são suas peculiaridades: (i) a interpretação sempre será mais favorável ao aderente, na existência
de cláusulas ambíguas ou contraditórias – art. 423 do CC e art. 47 do CDC; (ii) são vedadas as cláusulas
abusivas, mesmo fora do âmbito do código de defesa do consumidor, sendo aqui assim consideradas as
que o aderente renuncia antecipadamente a direitos inerentes à natureza do contrato – art. 424 do CC,
como o do possuidor que abre mão em contrato de adesão dos direitos a benfeitorias; com efeito, até
poderia o possuidor abrir mão desse direito, mas não em contrato de adesão.

Cláusulas Restritivas x Cláusulas Abusivas


Vimos que em contratos de adesão não pode haver cláusulas abusivas, mas, por sua vez, as cláusulas
restritivas, mesmo que em relações de consumo, são admitidas, desde que não ultrapassem os limites
impostos pela lei, pela boa-fé e pela natureza do negócio jurídico.

Interpretação dos Contratos


Nos contratos benéficos, gratuitos ou simplesmente nos unilaterais, a interpretação deve ser a mais
literal e mais restritiva possível, mediante aplicação da teoria da declaração, presente no art. 114, CC.

Já nos contratos bilaterais, a interpretação é teleológica, finalística, de qual era a verdadeira intenção
das partes buscada no contrato – art. 112, CC.

Contrato Preliminar
É o que as partes celebram, declaram vontade visando um contrato futuro definitivo (arts. 462 a 466). O
contrato preliminar é, portanto, uma obrigação de fazer, de celebrar o contrato definitivo no futuro,
não sendo um fim em si mesmo, mas um meio para se alcançar uma finalidade.

Qualquer espécie contratual admite o contrato preliminar, mas certo é que, exceto quanto à forma,
ele deverá conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado (art. 462). Nesse sentido,
por exemplo, o contrato preliminar de uma compra e venda de imóvel com valor superior a trinta
salários-mínimos não precisa ser celebrado mediante instrumento público, mas poderá sê-lo por meio
de instrumento particular, pois a mencionada norma, como vimos, excetua a forma.

Só é necessário o registro para que surte efeitos perante terceiros, o que quer dizer que devemos ler
com o parágrafo único do art. 463, porque as partes contratantes continuam sim obrigadas a celebrar o
contrato definitivo, ainda que não haja registro.

Mas podem as partes se arrepender, desde que estipulem cláusula de arrependimento. Não havendo a
referida cláusula, qualquer das partes pode exigir da outra a celebração do contrato definitivo que
projetaram (art. 463), judicialmente ou extrajudicialmente, concedendo-se neste caso prazo para tanto.
Já no caso de tal ser requerido judicialmente, é importante sabermos que a própria sentença do juiz que

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Direito Civil

juga procedente a ação de cumprimento do contrato servirá de contrato definitivo, numa substituição
da vontade das partes pela do juiz (art. 464); munida dessa sentença, o beneficiado poderá aí sim exigir
a entrega da coisa, até nas mãos de terceiro se o contrato preliminar estiver registrado, em ação própria
ou, para segundo admite a doutrina majoritária, em pedido sucessivo naquela mesma ação.

Finalmente, importante afirmarmos que contrato preliminar é gênero do qual é espécie qualquer tipo
de promessa, inclusive a promessa de compra e venda, que melhor seria se fosse chamada de contrato
preliminar de compra e venda, salvo se tiver como objeto bem imóvel, que aí sim seria tecnicamente
mais correto falarmos em promessa de compra e venda de imóvel, uma vez que o contrato preliminar
gera um direito pessoal obrigacional, enquanto que o contrato de promessa de compra e venda gera um
direito real de aquisição, podendo neste caso o descumprimento, configurado mediante o não registro
da escritura definitiva, permitir a adjudicação compulsória do bem em juízo, notadamente se não tiver
sido prevista cláusula de arrependimento, transferindo-se a titularidade do bem de forma definitiva,
pela troca da vontade da parte pela do juiz. Hoje, a jurisprudência entende que a promessa de compra e
venda do imóvel não precisa estar registrada para que a adjudicação compulsória ocorra, apenas para
surtir efeitos perante terceiros (o que encontra relevância na medida em que o promitente vendedor,
por ainda ser o proprietário do imóvel, poderia vender o bem), isto é, apenas no caso de a adjudicação
compulsória ser ajuizada em face de terceiros, não contra o próprio alienante (arts. 1.417 e 1.418, CC,
bem como o Enunciado 95, CJF, e a Súmula 239, STJ), transferindo-se a propriedade em favor do
promissário comprador; em casos tais, a obrigação do promitente vendedor se converterá em perdas e
danos. Por outro lado, não havendo registro da promessa de compra e venda, por não mais haver objeto
da mesma, a obrigação do promitente vendedor até se converterá em perdas e danos, mas não poderá
ser ajuizada ação de adjudicação compulsória em desfavor do terceiro adquirente, não havendo que se
falar nesta hipótese em transferência da propriedade.

Relatividade dos Contratos


Em regra, os contratos devem surtir efeitos apenas perante as partes. Mas existem tipos, ou melhor,
formas de celebração de contratos que podem os fazer surtir efeitos perante terceiros, sendo elas:
 Estipulação em favor de terceiros (arts. 436 a 438 do CC): comumente utilizada em contratos de
seguro, aqui estipulante e promitente celebram o pacto, sendo que a prestação a ser adimplida
pelo promitente será dedicada a beneficiar um terceiro, alheio ao contrato, com o que sequer
será necessária a anuência do terceiro, nem mesmo sua capacidade. Porém, no momento em
que ocorrer o sinistro, por exemplo, o terceiro deve aceitar ou não a indenização, vale dizer.

 Contrato com pessoa a declarar (arts. 467 a 471): aqui temos dois contratantes apenas, mas um
deles reserva a faculdade de indicar um terceiro que assumirá retroativamente a sua posição
contratual, como se ali estivesse desde o início, sendo titular de todos os direitos e das
obrigações decorrentes do contrato em face do outro contratante – é dizer, aqui temos efeitos
ex tunc da nomeação. Mas existem hipóteses em que o contratante originário que indicou o
terceiro continua obrigado – art. 470: (i) quando o terceiro não aceitar a indicação; (ii) ou se a
pessoa nomeada era insolvente e o outro desconhecia isso no momento da nomeação.

Aurélio Bouret Campos - 17.03.15

Vícios Redibitórios
Trata-se do vício oculto grave e anterior (preexistente) a um contrato comutativo e oneroso, vício esse
de não conhecimento do adquirente e que afeta a coisa transferida, tornando-a imprópria para o fim

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Direito Civil

ao qual se destina ou lhe diminuindo o valor (art. 441 do CC). Nota-se, pois, que não é todo vício oculto
que é redibitório, mas apenas aquele que se encaixa no conceito em questão, que cumpre tais requisitos
para assim ser considerado, encontrando-se seu fundamento no princípio da equidade e da garantia,
valendo atentar que a boa-fé do alienante não terá qualquer relevância, não precisando ser analisado
se ele sabia ou não do vício, pois, como afirmado anteriormente, é o princípio da garantia que
fundamenta a redibição, é a necessidade de se garantir uma posse útil ao adquirente, e não a culpa ou
má-fé por parte do alienante.

A natureza jurídica contra (e não dos) vícios redibitórios é de garantia legal (automática, portanto, sem
necessidade de previsão expressa nesse sentido) prevista nos contratos comutativos e onerosos, nada
impedindo que as partes a convencionem em outros tipos de contrato – art. 441, caput e parágrafo
único, e art. 552 do CC.

Antes de avançarmos no estudado do instituto, devemos ter em mente duas questões: (i) o estudo do
vício redibitório só é importante nas relações civis, em que o alienante responderá apenas pelos vícios
redibitórios, que devem ser ocultos, graves e preexistentes, e dentro de prazos específicos, que mais a
frente serão estudados, não tendo nenhuma relevância às relações de consumo, uma vez que nelas o
fornecedor responderá por qualquer vício: oculto, aparente ou de fácil constatação, independente de
observância a os prazos de constatação que aqui estudaremos. Só que é importante atentarmos que lá
também são previstos alguns prazos, quase todos maiores, a não ser o prazo para reclamar de um vício
de produto ou serviço durável, que, na forma do art. 26, II, do CDC, seria de meros noventa dias, quando
se entende que, em virtude da teoria do diálogo das fontes, em se tratando de bem imóvel, deve ser
aplicado o prazo da codificação civil, do art. 445, que pode chegar a até dois anos, a depender do caso,;
(ii) vício redibitório não se confunde com erro, que, conforme já estudado, vem a ser o dissenso entre a
vontade declarada e a vontade real; por exemplo, no erro a pessoa acha que está comprando um relógio
de ouro, quando o mesmo é apenas dourando, enquanto que no vício redibitório a pessoa compra
efetivamente um relógio de ouro, mas o mesmo não funciona adequadamente.

Efeitos: ações edilícias


Uma vítima de vício redibitório pode fazer uso de dois tipos de ações edilícias: ação redibitória (visando
à resolução do contrato) ou ação estimatória (ou quanti minoris, que busca o abatimento proporcional
do preço), que podem ser combinadas com perdas e danos, desde que fique provado que o alienante
conhecia o vício - art. 442 e 443. Nota-se, pois, que, embora o elemento subjetivo seja irrelevante para
a redibição, será de fundamental importância para a responsabilidade por perdas e danos.

Prazos
Por se tratar de um direito potestativo, os prazos são decadenciais e variáveis, a depender da natureza
do bem: (art. 445, caput e §1o):
 Se a vítima do vício redibitório não estava na posse do bem, o prazo será contado da entrega da
coisa, pois só a partir de então que o adquirente poderia tomar conhecimento do vício, sendo
para bem móvel de trinta dias e para bem imóvel de um ano;
 Porém, se a vítima já estava na posse do bem, os prazos serão computados da alienação, sendo
de quinze dias para bem móvel e de seis meses para bem imóvel.
 Existem alguns vícios redibitórios ainda mais ocultos, que por sua natureza só podem ser
conhecidos mais tarde, quando os prazos supra serão contados do momento em que a vítima
tomar conhecimento do vício, só que tal deve ser feito dentro de um ‘prazo de constatação’:

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Direito Civil

para bem móvel um prazo sextuplicado, de cento e oitenta dias 44, e para bem imóvel será tal
qual à regra geral, de um ano – art. 445, §1º.

Os prazos supramencionados são o máximo previsto para que o vício se manifeste. Manifestado que
seja o vício redibitório, será a partir de então contado o prazo para a reclamação em juízo, mediante as
já mencionadas ações edilícias e, em qualquer daquelas casos, será observada a regra geral: de trinta
dias para coisas móveis e de um ano para imóveis – art. 445, caput, primeira parte. Assim sendo, por
exemplo, podemos afirmar que nem sempre o adquirente terá um prazo de dois anos para ajuizar as
ações edilícias, pois, se o vício redibitório vier a ser conhecido em um mês, terá a partir de então não um
ano e onze meses para fazê-lo, mas apenas um ano – o prazo total que a lei lhe conferiu, no caso, então,
fora de um ano e um mês; o prazo só seria de dois anos realmente, se a parte conhecer do vício
redibitório no imóvel no último dia do primeiro ano.

Garantia Convencional + Garantia Legal


Podem as partes no momento da celebração do contrato convencionarem uma garantia contratual (art.
446), que será suplementar à legal, que protege o vício redibitório. É dizer, uma não está dentro da
outra, mas uma soma-se à outra. Em casos tais, pois, os prazos da garantia legal não correrão, até que a
contratual se finde. Contudo, se o adquirente toma ciência do vício redibitório no período de garantia
contratual, terá trinta dias para denunciar (comunicar) esse vício ao alienante, sob pena de decadência
do prazo restante de garantia contratual, mas não do prazo de garantia legal, cuja contagem se iniciará
a partir de então.

Evicção
É uma garantia não dos defeitos materiais da coisa (como nos vícios redibitórios), mas sim de eventuais
vícios jurídicos, configurando-se quando se verificar a perda parcial ou total da coisa alienada em razão
de sentença judicial a outrem o melhor direito, a propriedade da coisa, em virtude de uma causa
jurídica sempre preexistente ao contrato. Atualmente, entende-se que também um ato inequívoco de
autoridade administrativa que gera a perda da coisa também poderia possibilitar a aplicação do instituto
da evicção.

Nota-se que seus requisitos são: (i) perda da coisa, total ou parcialmente; (ii) sentença judicial que
declare a perda da coisa, sendo certa também a possibilidade de um ato inequívoco de autoridade
administrativa fundamentar a evicção – Resp 162.163, STJ, podendo este caso ocorrer mesmo quando a
coisa não se perder propriamente, mas for entregue de forma espontânea ou não resistida pela parte à
autoridade administrativa; (iii) anterioridade do direito do evictor, que seria o verdadeiro proprietário
da coisa, sendo por esse motivo que o alienante garante a evicção, ainda que a ela não tenha dado
causa; mas certo é que, se o direito do terceiro for posterior, o alienante não será responsável pelo vício
em evicção – art. 457, CC.

Outro ponto importante é que, embora a proteção contra a evicção tenha natureza jurídica de garantia
legal, aqui ela só se apresenta em contratos onerosos – art. 447, mas não apenas nos comutativos, de
modo diverso ao que ocorre nos vícios redibitórios, onde além da onerosidade, deve-se levar em conta a
comutatividade.

Enfim, seu âmbito aplicação está na propriedade, na posse e no uso, nos contratos onerosos ou mesmo
nos gratuitos, bem como na hasta pública, sendo possível em qualquer desses casos a evicção ser
44
Cento e oitenta dias não são seis meses!

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Direito Civil

alegada em face do alienante – o art. 447 não nos traz todas essas possibilidade, que são admitidas
doutrinaria e jurisprudencialmente.

O que será garantido pelo alienante?


Com efeito, o alienante (e não o terceiro) garante não apenas os vícios materiais da coisa, mediante o
instituto do vício redibitório, também deve garantir os vícios jurídicos, pela evicção, ainda que a isto não
tenha dado causa, garantindo tudo quanto consta dos arts. 450 e 453 do CC: indenização pelos frutos
que fora o adquirente obrigado a devolver, indenização pelas despesas com o contrato e prejuízos que
resultarem diretamente da evicção, restituição das custas judiciais e honorários advocatícios, além de
indenização por eventuais benfeitorias necessárias ou úteis feitas na coisa, valendo lembrar também
que o direito de reclamar indenização pelas benfeitorias realizadas também é estendido às acessões, de
acordo com o Enunciado 81 do CJF e o art. 1.219 do CC.

Contudo, é importante se ter em mente que o adquirente não poderá demandar pela evicção em face
do alienante, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa (art. 457), não tendo quaisquer desses direitos.

Denunciação da Lide na Evicção


É possível a denunciação da lide do alienante em eventual ação ajuizada em desfavor do adquirente por
quem que seria o real proprietário do bem – art. 456 do CC e art. 70, inciso I, do CPC. Aliás, admite-se
aqui até mesmo a denunciação à lide per saltum, denunciando-se diretamente quaisquer dos alienantes
anteriores, também responsáveis pelos vícios – Enunciado 29, CJF.

Se não for feita, temos duas correntes relacionadas aos efeitos da não denunciação: (i) o evicto não teria
qualquer direito relacionado à evicção, podendo no máximo ajuizar ação autônoma para a restituição do
valor, por entender esta primeira corrente que a denunciação da lide seria obrigatório em casos tais,
pela literalidade do art. 70, inciso I, CPC; (ii) mas, para a segunda corrente, o adquirente sempre poderá
ajuizar ação de regresso, com fundamento na inexecução contratual, pedindo não somente o reembolso
do valor, mas também indenização pelos prejuízos eventualmente sofridos – CC, art. 934; CPC, art. 282.

Supressão, reforço ou redução da Evicção


Podem as partes perfeitamente dispor sobre a extensão da evicção, por cláusula expressa, suprimindo
ou reduzindo alguns dos direitos dela decorrentes ou reforçando-a, com ainda mais direitos em favor do
adquirente – arts. 448 a 450, primeira parte, do CC. Mas deve haver sempre direito ao reembolso, sob
pena de se configurar enriquecimento sem causa, que é vedado. (art. 449 c/c art. 884, ambos do CC/02).

Também importante destacar que em contratos de adesão a cláusula que suprime a evicção não será
considerada válida – art. 424, CC. Também em relações de consumo a cláusula nesse sentido é nula de
pleno direito, por abusiva – art. 51, I, do CDC.

Teoria da Imprevisão
A regra, no que diz respeito aos contratos, é o pacta sunt servanda, o princípio da obrigatoriedade, pelo
qual os contratos devem ser seguidos. Contudo, em razão do rebus sic stantibus, permite-se a revisão ou
a extinção dos mesmos, afinal, os contratos só devem ser cumpridos se continuarem os mesmos. E a
teoria da imprevisão é a base que justifica a revisão ou mesmo a resolução dos contratos, no caso de
ocorrência de um acontecimento superveniente e imprevisível que desequilibre a base econômica do
negócio, a equivalência material, impondo a uma das partes obrigação excessivamente onerosa – arts.
317 e 478 do CC. Seus requisitos são os antes colocados em negrito.

68
Direito Civil

Ressalta-se que a teoria da imprevisão não é aplicável a qualquer contrato, mas apenas nos contratos
de trato sucessivo, bilaterais, onerosos e comutativos.

Mas não é só a teoria da imprevisão que permite a revisão judicial dos contratos, mas a lesão ou o
estado do perigo também, quando possível complementar o valor ou reduzir o proveito – art. 157, §2 o,
CC. A teoria do inadimplemento mínimo também pode gerar a revisão do negócio jurídico, por exemplo,
para que se preserve o contrato.

Diferença para Lesão ou Estado de Perigo


Ocorre que a teoria da imprevisão não pode ser confundida com a lesão ou o estado de perigo, onde a
onerosidade excessiva é um vício de origem, enquanto que aqui não: o negocio jurídico nasce perfeito,
mas é viciado em razão de um acontecimento superveniente e imprevisível que traz desequilíbrio à base
econômica do contrato. Tanto são diferentes que, não sendo possível a complementação do valor ou a
redução do proveito, a lesão ou o estado de perigo permitem a anulação do negócio jurídico, enquanto
que a teoria da imprevisão permite a sua revisão ou resolução.

Diferença para a teoria da quebra da base objetiva do contrato, do CDC


A teoria da imprevisão também não se confunde com a teoria da onerosidade excessiva ou da quebra
da base objetiva do contrato, aplicável no âmbito do CDC (art. 6 o, V), que permite a revisão ou mesmo a
resolução dos contratos pela simples ocorrência de um fato superveniente que gere uma onerosidade
excessiva, uma desproporcionalidade na equivalência material, ainda que previsível ao consumidor. Com
efeito, para a codificação consumerista pouco importa a questão da imprevisão.

Extinção dos Contratos


Existem regras específicas de extinção dos contratos, mas aqui trabalharemos com as regras gerais. Só
que antes de mais nada devemos saber que no Direito Civil as expressões resilição, resolução e rescisão
são usadas com fins distintos, mas todas elas relacionadas à extinção dos contratos.

Resilição
Forma de extinção dos contratos que pode se dar de maneira bilateral (também chamada de distrato,
expressão encontrada no próprio Código Civil, no art. 472, preconiza que, se as partes podem, dentro da
sua autonomia contratual, celebrar um negócio jurídico, também podem, de comum acordo, decidir por
extinguir o contrato) ou unilateral (ou simplesmente resilição: nos casos em que a lei permite expressa
ou implicitamente, a parte poderá extinguir o contrato unilateralmente, por denúncia notificada a outra
parte – art. 473, CC; a depender do tipo contratual, a lei confere nome distinto a esse mesmo fato, em
clara relação de gênero e espécie, como ocorre no caso de revogação de mandato de advogado e de
renúncia do advogado ao mandato – art. 682, de denúncia, cheia ou vazia45, em contratos de comodato
e de locação, ou, por último, de resgate – art. 505).

Resolução
São causas específicas que permitem a resolução: inadimplemento involuntário ou voluntário (art. 475)
e onerosidade excessiva (art. 478).

45
A denúncia pode ser cheia (ou motivada, na forma da lei, ocorrendo normalmente no prazo de duração do
contrato, evitando-se, assim, o pagamento de eventuais indenizações) ou vazia (ou imotivada, não se exigindo a
justificativa, a razão, o fundamento, o que ocorre geralmente no período de prorrogação dos contratos).

69
Direito Civil

A cláusula que permite isso é inerente aos contratos bilaterais e comutativos, podendo estar neles tanto
expressamente prevista quanto de forma tática – art. 474, naquele caso independente de interpelação
judicial e, a depender da natureza do contrato, de notificação, e neste dependendo sim de interpelação
judicial, servindo a própria citação para constituir a parte em mora.

Rescisão
É para hipóteses de invalidade do negócio jurídico, quando estiver presente uma causa de nulidade ou
de anulabilidade (arts. 166 e 171, CC) tendo a rescisão causas tão específicas quanto a resolução, pois.

Exceção do Contrato não Cumprido


Nos contratos bilaterais, se uma das parte não cumprir sua prestação, não poderá exigir a do outro, que
inclusive poderá não cumprir com sua obrigação enquanto aquela parte não cumprir integralmente a
obrigação inadimplida – é o que temos por exceção do contrato não cumprido, instituto previsto no art.
476 do CC, que pode inclusive gerar a extinção do contrato.

Nota-se, assim, que a palavra exceção, no Direito Civil, está ligada a argumento, aos argumentos que as
partes eventualmente terão para deixar de cumprir alguma obrigação, por exemplo.

Outro ponto importante é que o instituto em questão pressupõe o descumprimento contratual, não um
puro e simples inadimplemento, mas a falta de cumprimento perfeito das obrigações. Noutros termos,
se aquele que adimplir primeiro sua obrigação contratual não o fizer à perfeição, o segundo contratante
poderá opor exceção do contrato cumprido imperfeitamente, pelo que poderá adimplir também de
modo imperfeito, proporcionalmente, a sua obrigação, extinguindo-se o contrato (STJ, REsp 2.330).

Inadimplemento Antecipado
Em determinados hipóteses em que se puder vislumbrar concretamente o inadimplemento antecipado,
é possível a quebra, a extinção antecipada do contrato, antecipando-se o vencimento da obrigação ou
ao menos se permitindo exigir uma garantia real ou fidejussória. Nota-se, portanto, que o instituto em
questão também pode gerar a extinção do contrato.

Não há no ordenamento jurídico brasileiro norma específica que preveja o instituto, mas o fundamento
da mesma pode ser a aplicação analógica do art. 477 do CC/02.

Contratos em Espécie
Compra e Venda
Contrato pelo qual há a transferência de domínio em troca de preço em dinheiro (art. 481 a 532, CC).
Ressalta-se que no contrato de locação não é isso não ocorre, porque o locador (que é o possuidor, mas
não necessariamente o proprietário) transfere a posse ao locatário, e não o domínio.

Classificação
Não é necessária a entrega da propriedade do bem para que haja a formação do contrato de compra e
venda, que tem natureza de contrato consensual (art. 482, CC). Mas o contrato não é apto a por si só
transferir a propriedade, o que se dará pela tradição em bens móveis e pelo registro em bens imóveis.

70
Direito Civil

Além de consensual, também a compra e venda é: bilateral, pois existe reciprocidade de obrigações;
oneroso, pois ambas as partes auferem um proveito econômico; em regra, comutativo, pois as partes
têm certeza de suas obrigações e vantagens, mas nada impede que seja aleatório, se as partes quiserem
assumir o risco, como no caso de compra e venda de safra futura; pode ser não solene ou, se tiver por
objeto um bem imóvel com valor superior a trinta salários-mínimos, deverá ser solene, formado por
meio de escritura pública; e, por fim, pode ser instantâneo ou de longa duração, na medida em que se
exaure num único ato ou quando se projeta no tempo, em prestações.

Diferença para o Contrato de Permuta


Na compra e venda, o preço a ser pago tem de ter expressão monetária em dinheiro 46, não podendo a
entrega de coisa ser usada para ela se perfazer, quando no máximo teremos o contrato de permuta, de
troca de bens, que é o mais primitivo dos contratos (art. 533 do CC). A importância de distinguirmos
esses contratos é que ao contrato de permuta são aplicadas as normas da compra e venda, mas com
algumas modificações: uma das diferenças, por exemplo, pode ser vista mediante comparação entre o
art. 533, II, e o art. 496, não sendo necessário no contrato de permuta o consentimento dos demais
descendentes, se a troca for de valores iguais e sem prejuízo da herança, mesmo que o bem seja de
maior valor sentimental, pois no caso a tutela se preocupa apenas com o patrimônio; enquanto que o
contrato de compra e venda de ascendente a descendente só não será anulável quando, seja qualquer
for o valor, os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente consentirem.

E quando for dado uma parte de valor em dinheiro e a outra parte em coisa, como fazem comumente as
construtoras? Majoritariamente, entende-se que, se a maior parte do preço for paga em dinheiro, será
compra e venda, do contrário, será permuta, ainda que o contrato venha com a alcunha de compra e
venda. Mas sendo de metades iguais o valor dado em dinheiro e em coisa, ao juiz caberá interpretar o
contrato, buscando a real vontade das partes (art. 112).

Elementos Constitutivos
O art. 482 nos aponta que de fato a compra e venda é um contrato consensual, sendo a entrega mera
execução do contrato. Mas, se deve haver concordância, deve haver manifestação de vontade livre e as
partes deve ser capazes, sem falar da exigência de legitimação em determinados casos, sob pena de
anulabilidade47 do negócio jurídico, que deve ser arguida pelas partes no prazo decadencial de dois anos
em não havendo outro prazo para a anulação, sob pena de convolação ou de ratificação (arts. 176 e 179
do Código Civil).

Compra e venda entre pai e filho


Um exemplo de legitimação para que se proceda a compra e venda é o contrato de compra e venda de
bem imóvel de um pai para um filho, que necessita tanto do consentimento dos demais descendentes
quanto do cônjuge do alienante (art. 496), sendo dispensado o consentimento do cônjuge apenas na
separação obrigatória de bens (parágrafo único do art. 496), o que, vale dizer, não pode ser confundido
com a outorga conjugal, que estudaremos mais a frente. Também é importante ressaltar que a norma

46
Não necessariamente em dinheiro, mas em outras formas que expressem o monetário, mas certo é que a opção
de ser pago em dinheiro deve estar sempre presente, não podendo, pois, cogitar-se em loja que só aceite outras
formas de pagamento com expressão monetária, como em cartão de crédito ou débito.
47
No Código Civil de 1916 era gerada não a anulabilidade, mas a nulidade, que não teria prazo para ser alegada e
não precisa necessariamente ser alegada pelas partes, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz. Falamos nisso
porque, caso o negócio jurídico seja celebrado antes da vigência do novo código civil, em 11.01.2003, será caso de
nulidade, quando o STF entende que a ação deveria ser ajuizada em até vinte anos – Súmula 494 do STF.

71
Direito Civil

mencionada não se aplicada à união estável, tampouco aos contratos de doação, em que o descendente
que recebeu o bem sem anuência dos demais terá a obrigação de levar o bem à colação no inventário.

Atualmente, a falta de consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do alienante é capaz de a


anulabilidade do contrato, em até dois anos, sob pena de convolação, podendo ainda o ato negócio
jurídico ser ratificado posteriormente, pelos mesmos legitimados a propor a ação: somente os demais
descendentes e o cônjuge do alienante – arts. 168, 176 e 179.

No Código Civil de 1916 era gerada não a anulabilidade, mas a nulidade, que não teria prazo para ser
alegada e não precisaria necessariamente tal ser feito pelas partes, podendo ser reconhecida de ofício
pelo juiz. Falamos nisso porque, caso o negócio jurídico tenha sido celebrado antes da vigência do novo
código civil, que se deu em 11.01.2003, termos caso de nulidade, e não de anulabilidade, quando o STF
entende que a ação deveria ser ajuizada em até vinte anos – Súmula 494 do STF. Com efeito, isso ocorre
mesmo se o caso se enquadrar no art. 2.028 do Código Civil de 2002, que trata do direito intertemporal,
pois o prazo de vinte anos é jurisprudencial, e não legal.

Direito Intertemporal
A questão do conflito de leis no tempo é tratada no art. 2.028 do Código Civil de 2002, que prevê uma
regra de transição expressa: serão considerados os prazos legais da codificação civil anterior, de 1916, se
tiverem sido reduzidos pela codificação atual, de 2002, e se, na data de entrada em vigor desta, que se
deu em 11.01.2013, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido no código revogado.

Compra e Venda entre Marido e Mulher


Não se trata da venda do bem do marido ou da mulher a outras pessoas, mas de celebração de contrato
de compra e venda entre eles próprios, entre o marido e a mulher, o que somente será possível de
ocorrer se o bem a ser alienado estiver excluído comunhão de bens (na comunhão universal, por
exemplo, não se permite que tal seja feito, pois todos os bens se comunicam), do contrário não, uma
vez que a ideia sobre os bens que se comunicam é de condomínio, de propriedade sobre o todo, e não
de divisão de metade do bem para cada um, não se podendo cogitar que um cônjuge adquira do outro o
que já é seu, o que já é de ambos – art. 499, CC.

Ressalta-se que o mesmo se aplica à união estável.

Outorga Conjugal
A compra e venda sem o consentimento de um dos cônjuges é anulável, exceto no regime de separação
convencional absoluta, pois em casos tais os bens estão todos separados, são todos incomunicáveis –
art. 1.647; o prazo para a ação anulatória é de dois anos, contados do término da sociedade conjugal –
art. 1.649. Mas isso não quer dizer, em outros regimes de bens, um bem particular de um dos cônjuges
não mereça a outorga conjugal para ser vendido, pois precisará sim, uma vez que a outorga conjugal é
excepcionada especificamente no regime de separação convencional absoluta de bens.

Isso não se aplica à união estável, vale ressaltar, pois eventual comprador não poderia disso saber.

Hipóteses outras de falta de legitimidade, mas sob pena de nulidade


Na forma do art. 497, será absolutamente nula a venda feita, mesmo que em hasta pública, a tutores,
curadores, testamenteiros e administradores dos bens confiados à sua guarda ou a administração, bem
como a servidores públicos em geral dos bens e direitos da pessoa jurídica a que servirem ou que

72
Direito Civil

estejam sob sua administração direta ou indireta, assim como a juízes, secretários de tribunais,
arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiças de bens ou direitos que se litigar em
tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem ou a que se estender a sua autoridade e, ainda, a
que for feita a leiloeiros e seus propostos dos bens de cuja venda estejam encarregados.

Venda entre condôminos


Em um condomínio, um dos condôminos não pode vender sua unidade a terceiro sem antes oportunizar
o direito de preferência aos demais condôminos – art. 504, sob pena de ser possível ao condômino
interessado, depositando o dinheiro, haver para si a parte vendida a estranhos, no prazo decadencial de
cento e oitenta dias. Se mais de um condômino quiser exercitar seu direito de preferência, a venda
deverá ser feita a quem, na forma do parágrafo único da norma em questão: (1 o) tiver feito benfeitorias
de maior valor na coisa comum; (2 o) não havendo benfeitorias, para o titular de maior quinhão; (3 o) se
os quinhões forem iguais, a venda será equitativa, em copropriedade.

Aurélio Bouret Campos - 23.03.15

Objeto da Compra e Venda


Qualquer coisa lícita disponível no mercado pode ser objeto de compra e venda, bem como coisa futura,
ficando neste caso o contrato sem efeito se ela não vier a existir, salvo se tiver havido intenção das
partes de constituir um contrato aleatório – art. 483.

Preço, Forma de Pagamento e Despesas


Além da vontade e do objeto, também temos como elemento do contrato de compra e venda o preço,
que deve ser certo e determinado e em moeda corrente nacional – princípio do nominalismo, previsto
no art. 315, CC, não se podendo exigir o pagamento em moeda estrangeira, embora nada impede que
uma moeda estrangeira seja usada como um fator de indexação, na forma do art. 318, podendo, por
exemplo, num contrato estar previsto que o valor a ser pago equivalerá a cem dólares.

Uma única exceção se apresenta: de acordo com o STJ, nos contratos internacionais de importação e
exportação, quando a pessoa jurídica estrangeira, que é a que não tem sede no Brasil, admite-se não a
moeda estrangeira não apenas como fator de indexação, mas também como moeda do próprio
pagamento, ainda que o mesmo seja feito em território brasileiro – Informativos 454 e 471.

Em relação às formas de pagamento, o contrato de compra e venda é para ser, em regra, celebrado à
vista, mas também pode ser o pagamento à prazo, devendo na segunda hipótese o devedor entregar a
coisa antes mesmo de receber todo o preço (art. 491). A dinâmica é inversa quando o pagamento é à
vista, devendo primeiro ser efetuado o pagamento e depois a entrega da mercadoria.

Salvo cláusula contratual em contrário, as despesas do contrato, notadamente com escritura e registro,
ficam a cargo do comprador, e as com a tradição ficam a cargo do vendedor (art. 490), ao contrário do
que há na permuta, onde tais despesas seriam rateadas (533, I).

Modalidades
São elas:
 Compra e venda ad mensuram: é a venda sob medida, conforme a medida, quando o preço é
estipulado com base nas dimensões do imóvel – art. 500, CC. Em consequência, a área do imóvel
deverá corresponder às dimensões dadas; se for inferior à área notificada, o comprador poderá

73
Direito Civil

exigir a complementação da área (em ação ex empto), a resolução do contrato (ação redibitória,
com devolução das quantias pagas mais perdas e danos) ou o abatimento do preço (em ação
estimatória), no prazo decadencial de um ano, a contar do registro do título, salvo no caso em
que o vendedor ainda estiver na posse do bem, quando esse prazo de um ano será contado da
efetiva imissão na posse, conforme art. 501, caput e parágrafo único, que prevê claramente uma
hipótese excepcional48 de impedimento da decadência. No §1 o do art. 500 temos o acolhimento
expresso da teoria do inadimplemento mínimo, tolerando-se uma diferença que não exceda 5%
da área total que fora enunciada, salvo se houver expressa exclusão dessa tolerância em
contrato ou se o comprador alegar que não realizaria o negócio, caso soubesse dessa diferença,
caso este que nos remete ao erro substancial. Como “pau que bate lá, também bate cá”, prevê o
§2o do art. 500 que, se em vez de falta houver excesso de área, caberá em favor do vendedor a
devolução desse excesso ou a complementação do valor pago: muito embora seja esse um
direito potestativo do vendedor, a ser reclamado também em um ano, a escolha das referidas
opções caberá ao comprador, não ao vendedor.

 Compra e venda ad corpus: prevista no §3o do art. 500, não haverá complemento da área, nem
devolução do excesso, se o imóvel for vendido dessa maneira, ainda que a nomenclatura não
conste expressamente do contrato, considerando-se meramente enunciativa a área; com efeito,
tal se dá porque o que está sendo vendido é o corpo do bem, e não sua área exata. No máximo,
será possível a resolução do contrato, não pelas mesmas formas supramencionadas, mas pelo
quebra da boa-fé objetiva ou pela violação do dever de informação, neste caso por aplicação do
CDC, notadamente quando estivermos diante de uma relação consumerista.

Cláusulas Especiais
Também chamadas de pactos adjetos, podem as partes fazer constar no contrato de compra e venda:
 Retrovenda ou cláusula de resgate (art. 505, CC): possível só em contratos escritos de compra e
venda de imóvel, reserva ao vendedor o direito de, no prazo máximo de três anos em ação de
resgate, resgatar, “recomprar“ a coisa perdida, devolvendo o mesmo preço que havia recebido,
o valor que fora negociado, atualizado apenas, sendo também devido o reembolso de eventuais
despesas, aí incluindo as benfeitorias necessárias.

 Direito de preempção ou preferência (art. 513 c/c 516): impõe ao comprador que se decide a
alienar o bem móvel ou imóvel adquirido a oferecê-lo primeiro ao vendedor, não pelo preço
pago, como ocorre com o caso supramencionado, mas sim pelo valor de mercado, que é o que
seria pago por um terceiro. O prazo decadencial é de dois anos, se o bem for imóvel, e de cento
e oitenta dias, se o bem for móvel, ambos contados da notificação – parágrafo único do art. 513,
após os quais não mais precisa ser respeitada a preferência; também é importante atentar que
após a notificação o vendedor terá sessenta dias para se manifestar, se o bem for imóvel, ou
três dias, se móvel for – art. 516. Demais, se for descumprida a cláusula de preferência, sendo o
bem vendido a terceiro de boa-fé, não poderá o vendedor haver o bem para si 49, apenas pedir
48
Diz-se excepcional porque as causas de suspensão, impedimento e interrupção são geralmente aplicáveis em
termos de prazos prescricionais, conforme estudado em momento anterior.
49
O contrário ocorre na Lei de Locações, quando, se for descumprida a cláusula de preferência quando de eventual
venda pelo locador, o que permitiria ao adquirente denunciar o contrato e notificar o locatário a deixar o imóvel
em noventa dias, independentemente de o prazo ser determinado ou indeterminado (quando for por prazo
determinado e houver cláusula de vigência, porém, o contrato deverá ser respeitado, vale dizer), poderá o
locatário requerer perdas e danos ou, pagando o preço, haver para si o imóvel, desde que o contrato de locação
esteja registrado no RGI, em ação de adjudicação compulsória – arts. 8 o e 27 da Lei 8.245/11. Nota, pois, que o

74
Direito Civil

perdas e danos em face daquele para quem vendera o bem; ainda que o terceiro estivesse de
má-fé não seria devido o reaver do imóvel, apenas perdas e danos, só que agora o adquirente
responderá solidariamente com aquele para quem a coisa fora inicialmente vendida – art. 518.

 Reserva de Domínio (art. 521): resguarda o vendedor do inadimplemento, ao só permitir que o


comprador se torne proprietário do bem vendido após o pagamento integral do preço, o que só
se aplica apenas em contratos escritos (art. 522) de compra e venda de bem móvel, numa clara
exceção ao princípio de que a tradição transfere a propriedade desse tipo de bem. Antes da
quitação, há mera situação de posse.

Contrato de Doação
Prevista do art. 538 ao 564, a doação tem em si uma liberalidade, pois a pessoa transferente algum bem
ou direito de seu patrimônio ou mesmo uma vantagem a outrem de maneira gratuita, sem receber nada
em troca, embora implique transferência de propriedade. O contrato de doação é, portanto, em regra,
unilateral, gratuito, solene (pois, em regra, precisa ser feita por instrumento público ou particular – art.
541 c/c 107, mas também pode ser feita verbalmente, desde que o bem seja móvel de pequeno valor e
que a tradição seja imediata). Exemplo clássico de doação é o presente dado (doado) de uma pessoa a
outra.

Excepcionalmente, porém, pode haver um contrato de doação bilateral e oneroso – a doação modal,
em que, diferente do que ocorre na doação pura, supramencionada, a eficácia do negócio jurídico ficará
condicionada a um modo ou encargo, isto é, à prestação de uma obrigação pelo donatário.

Como em qualquer contrato, a doação, seja ela pura ou modal, pressupõe a aceitação por ambas as
partes, especialmente por parte do donatário, aquele que recebe a doação. A aceitação por parte do
donatário é, em regra, dada de forma expressa, mas pode se verificar uma aceitação presumida, que se
dá com o término do prazo estipulado pelo doador no caso de doação pura. Aqui, pois, o silêncio será
forma de manifestação da vontade – art. 539 c/c 111. E no art. 543 temos uma hipótese de dispensa de
aceitação na doação pura ao incapaz, pois não se vislumbra qualquer prejuízo ao mesmo.

Espécies
Além da doação pura e da doação modal, acima tratadas, temos:
 Doação remuneratória (art. 564, inciso I): é a que não reflete uma pura e simples liberalidade,
mas que está no seu âmago vinculada a uma prestação de serviço, uma gratidão moral por um
serviço que seria cobrado, mas fora gratuitamente realizado. Como efeito prático disso temos a
possibilidade de reclamar vícios redibitórios, tendo em vista que o referido instituto se aplica a
contratos bilaterais, na forma do art. 441, parágrafo único.

 Doação a nascituro (art. 542): é possível, desde que aceita pelo representante legal, estando,
ainda, a sua eficácia condicionada a um evento futuro e incerto, que é o nascimento com vida,
em razão da prevalência da teoria natalista no ordenamento jurídico pátrio. Ressalta-se que o
absolutamente incapaz não precisa de aceitação pelo representante legal para que participe de
um contrato de doação (pura), só o nascituro necessita disso.

direito de preferência na lei de locações confere algo a mais ao locatário do que teria eventual comprador de um
imóvel.

75
Direito Civil

 Doação universal (art. 548). a doação de todos os bens sem reserva de partes nem de outros
meios de subsistência é nula, pois não observa a ideia de patrimônio mínimo. Noutros termos, a
doação de todos os bens, dita universal, é até permitida, desde que a pessoa tenha outras
formas de subsistência; a doação de quase todo o patrimônio também é permitida, porque em
casos tais há reserva da parcela do mesmo para garantia da subsistência do doador.

 Doação Inoficiosa (art. 549): a que desrespeita o limite de cinquenta por cento dos bens de que
não podem ser privados os herdeiros necessários, quando será nula (inoficiosa) a parte superior
ao limite em questão, preservando-se a parcela da doação que respeitou o referido limite; esse
limite é o mesmo que pode ser dispostos em testamento, vale dizer. Outras questões aqui se
revelam importantes também: (i) o limite de cinquenta por cento será analisado conforme o dia
em que fora feita a doação, e não no momento de abertura da sucessão, segundo o STJ; (ii) não
havendo herdeiros necessários, esse limite em percentual não precisa ser respeitado; (iii) como
a liberalidade é de cinquenta por cento, um dos filhos pode até ser beneficiado em detrimento
de outro, mas desde que se respeite a legítima, que é como chamamos o percentual em
referência; (iv) a doação de ascendente para descendente ou de um cônjuge ao outro não é
nula, valendo inclusive como adiantamento da herança, devendo o valor doado ser considerado
no momento da abertura da herança – art. 544; (v) no caso de doação em forma de subvenção
periódica, como a mesada, morrendo o doador, extingue-se a doação, salvo convenção expressa
em sentido diverso – art. 545; (vi) na doação propter nunptias, em contemplação de casamento
futuro, não é necessária a aceitação e pode ser condicionada à geração de filhos, por exemplo, e
ficará sem efeito se o casamento não se realizar – art. 546; (vii) a doação feita pelo cônjuge
adultero ao seu amante, ou cúmplice do adultério, pode ser anulada em até dois anos depois de
dissolvida a sociedade conjugal, pelos seus herdeiros necessários: ascendentes, descendentes e
cônjuge traído, eis que são estes que podem ser prejudicados por aquele ato imoral, o que não
se aplica no caso de separação de fato, vale dizer.

Doação com Cláusula de Reversão


As partes podem prever no contrato de doação cláusula de reversão (art. 547), determinando-se que na
doação de um bem, caso morra o donatário, o objeto do contrato retorne ao patrimônio do doador, de
modo que o bem não seja transmitido aos herdeiros do donatário. Só que essa cláusula é sempre
personalíssima, não podendo se dar em benefício de terceiros, nem mesmo para os próprios herdeiros
do doador (parágrafo único da referida norma), sendo certo ainda que, caso o doador morra, a cláusula
de reversão perderá sua eficácia.

Caso seja a referida cláusula estipulada de modo contrário ao supramencionado, será nula, pois toda vez
que a lei proíbe a prática de um ato sem cominar sanção, como no caso em questão, ele é considerado
nulo, de acordo com o art. 166, VII. No mais, é até possível a venda do bem, mas quem comprar irá
suportar a cláusula de reversar, mediante o instituto da propriedade resolúvel.

Revogação da doação
Dois são os motivos para se revogar a doação, direitos esses que não podem ser antecipadamente
renunciado: (i) ingratidão, pelo rol do art. 557, que a doutrina diz ser meramente exemplificativo,
devendo a ação anulatória ser ajuizada no prazo decadencial de um ano, contado do conhecimento do
doador o fato – art. 559, não se transmitindo aos herdeiros o direito de se pleitear a anulatória, salvo no
caso do art. 557, I, que prevê a hipótese de o donatário atentar contra a vida do doador ou contra ele
cometer homicídio doloso, não podendo, porém, em nenhuma hipótese haver prejuízo em desfavor de

76
Direito Civil

terceiros de boa-fé, quando será possível somente se pleitear perdas e danos em face da parte contrária
– art. 1.360 c/c art. 563, CC; mas devem ser destacadas as hipóteses de irrevogabilidade por ingratidão,
previstas no art. 564, quais sejam, doação puramente remuneratória, doação com encargo já cumprido,
doação em cumprimento de obrigação natural, como o pagamento de dívida de jogo – art. 814, e a
doação feita em contemplação de casamento; (ii) na hipótese de doação onerosa, também a doação
será revogada por descumprimento do encargo, sendo certo que, não havendo estipulação de prazo
para tanto, o doador poderá notificar o donatário para que cumpra o encargo.

Contrato de Empréstimo
O empréstimo é um gênero que comporta duas espécies de contrato: comodato e mútuo, aquele sendo
o empréstimo de coisas infungíveis (que não podem ser substituídas por outras de mesma quantidade,
qualidade ou espécie) e este de coisas fungíveis (que, por sua vez, podem ser substituídas por outras de
mesma quantidade, qualidade ou espécie) – arts. 579 e 586, respectivamente.

O contrato de empréstimo é um contrato real, que se aperfeiçoa não apenas com o consenso entre as
partes, mas também com a entrega da coisa. Também, em regra, o contrato de empréstimo é gratuito
(o fato de o comodatário, por exemplo, pagar eventualmente despesas relativas à coisa, como luz, gás e
IPTU, não pode ser considerado como remuneração, oneração), mas especificamente o mútuo pode es
apresentar na forma de mútuo feneratício, que é o empréstimo de dinheiro que admite a cobrança de
juros remuneratórios – art. 406 do CC, Súmula 596, STF e Súmula 382 do STJ; o comodato, a seu turno,
jamais será oneroso, sob pena de se transmudar em locação.

Falta de Legitimação para dar em Comodato


Na forma do art. 580 do CC, quanto à a legitimação para celebrar o contrato, devem tutores e curadores
ter autorização especial para os bens confinados à sua guarda, a qual é dada pelo juiz através de alvará
judicial – arts. 1.749, II, e 1.781. Do contrário, não podem dar em comodato os bens confinados à sua
guarda.

Prazos no Comodato
Pode ser previstos prazos indeterminado ou determinado – art. 581, CC. No caso de prazo determinado,
deve o comodatário restituir o bem no prazo, sob pena de se tornar possuidor injusto, que é uma posse
precária; só pode ser restituído o bem anteriormente no caso de necessidade, de circunstância urgente
e imprevista na utilização do bem por parte de quem emprestou, devidamente reconhecida pelo juiz. Já
no caso de prazo indeterminado, será necessária a notificação do comodatário, para que se proceda a
retomada do bem.

Pode também não haver um prazo convencional, mas um período de certo uso concedido (art. 581),
não podendo a coisa ser pedida de volta antes que esse fim específico se cumpra, a não ser por
circunstância de necessidade imprevista e urgente devidamente reconhecida em juízo. Exemplo disso é
a pessoa que recebe em empréstimo um imóvel até o fim de um curso que esteja fazendo.

Mora do Comodatário
Não havendo retomada da coisa, seja em contratos com prazo determinado ou indeterminado, haverá a
mora do comodatário, fixando-se até a efetiva devolução do bem um aluguel pena (art. 582, in fine), a
ser arbitrado pelo comodante em valor acima do de mercado, mas nunca sobremaneira excessivo, sob
pena de poder ser reduzido pelo juiz até um patamar que entenda razoável. No mais, sofrerá os efeitos
ordinário da mora (art. 395 c/c 399), sendo, por exemplo, responsável pela coisa em caso de perda.

77
Direito Civil

Responsabilidade do Comodatário
Na forma do art. 583, o comodatário tem dever de zelo sobre o objeto do contrato, devendo salvar os
bens do comodante antes até mesmo dos seus próprios, do contrário responderá pelos prejuízos, até
mesmo diante da ocorrência de caso fortuito ou coisa maior, em que não dera causa ao evento. Mas
não é preciso a pessoa colocar a sua vida em risco para salvar os bens do comodante, devendo fazê-lo
apenas quando tiver condições para tanto.

Uso da coisa pelo comodatário


Deve o comodatário usar a coisa emprestada de acordo com o contrato e a sua natureza, sob pena de
responder por perdas e danos (art. 582, primeira parte). Por exemplo, não pode ser feita uma festa rave
em uma casa de praia que fora emprestada para fins ordinários de uma casa deste tipo.

Mútuo feito a pessoa menor de idade


Na forma do art. 588 c/c 824, parágrafo único, do CC, o mútuo que tenha sido feito a pessoa menor sem
autorização do representante não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores (o fiador
ficará liberado, muito embora seja pessoa capaz). Noutros termos, se o mútuo é nulo, porque feito a
menor, a fiança50 também será nula.

Mas algumas exceções à regra supra se apresentam, podendo ser reavido tanto do menor quanto do
fiador, na forma do art. 589:
 Se o representante do menor ratificar posteriormente o empréstimo nulo que fora feito;
 Se o menor contraiu dívida para a sua subsistência;
 Se o menor tem bens oriundos do seu trabalho;
 Se o empréstimo se reverteu em proveito do menor, não entrando aqui as coisas supérfluas;
 Se o menor obteve o empréstimo maliciosamente, porque a ninguém é dado se valer da própria
torpeza, nos termos do art. 180, CC.

Contrato de Mandato
O mandato é uma forma de representação contratual, convencional, em que alguém constitui outrem
como o seu representante, conferindo-lhe poderes para que execute um ou uma série de atos jurídicos,
tendo esse representante de agir em nome e segundo a vontade do representado – art. 653, CC.

Como a própria norma supra nos aponta, mandato não é procuração; procuração é o instrumento do
contrato de mandato, nada impedindo em alguns casos o mandato verbal, inclusive. Noutros termos, o
contrato pode ser verbal ou escrito, expresso ou tático, e, em regra, não solene (art. 655 e 656), mas,
se for escrito, deverá obedecer a mesma forma exigida pela lei ao ato a ser praticado 51 (princípio da
atração das formas, previsto no art. 657, que só se aplica quando a lei exigir uma forma, e não quando
uma forma tiver sido seguida pela vontade das partes, sem que a lei exigisse isso e também não
proibisse), mas certo é que, ainda que se outorgue por instrumento público, pode ser substabelecido 52
por instrumento particular (art. 655). É, em regra, gratuito, mas pode perfeitamente ser oneroso.

50
Contrário ocorreria se fosse um contrario de locação, que, embora seja nulo quando feito com menor, a fiança
não será considerada nula, subsistindo, ainda que o contrato principal seja considerada nulo – art. 824, caput, CC.
51
Exemplo é a necessidade de procuração em escrito público para a contratação de uma compra e venda de bem
imóvel com valor superior a trinta salários mínimos.
52
Substabelecimento é a transmissão dos poderes recebidos pelo mandatário para um terceiro, o que, em regra, é
perfeitamente possível, salvo se o contrato originário vedar diante de um caráter personalíssimo.

78
Direito Civil

Excesso de Poderes
Não pode o mandatário exceder dos poderes que lhe foram conferidos, nem praticar um ato sem que
tenha mandato ou, tendo mandato, que o mesmo esteja com prazo expirado ou revogado, atraindo
uma responsabilidade pessoal do mandatário, que atuará como mero gestor de negócios – arts. 662,
665 e 861, todos do CC, e sendo ineficazes contra o mandante.

Aliás, vale dizer que o mandato em termos gerais, aquele com expressão “com amplos poderes“, só
confere poderes de administração ordinária, e não de alienação ou de transigir, os quais dependem de
outorga expressa, não ficando o mandante responsável por aquilo que não autorizou – art. 661, caput e
§1o.

Menoridade e Mandato
O menor de idade pode ser mandante, desde que esteja representado ou tenha assistência legal, bem
com ser mandatário se for relativamente incapaz, que são os com mais de dezesseis anos e menos de
dezoito que não foram emancipados – art. 666 do CC.

Obrigações do Mandatário
Previstas do art. 667 ao art. 674, são elas:
 Indenizar qualquer prejuízo causado por sua culpa ou daquele a quem substabelecer sem devida
autorização, bem como por caso fortuito, salvo se provar que o dano aconteceria mesmo sem o
substabelecimento;
 No caso de ter poderes para substabelecer, responderá apenas pelos danos do substabelecido
por culpa in eligendo, na escolha do substabelecido, ou das instruções dadas a ele;
 No caso de ser proibido o substabelecimento, os atos praticados não obrigam o mandante, tão
somente o mandatário.

Obrigações do Mandante
Previstas do art. 675 a 681, são elas:
 É obrigado a satisfazer todas as obrigações contraídas pelo mandatário. Pelo substabelecido, só
se tiver dado autorização para tanto;
 É obrigado a pagar o mandatário a remuneração ajustada, bem como as despesas de execução
do mandato, ainda que o negócio não surta o efeito esperado, salvo se o mandatário agir com
culpa, em clara aplicação do instituto da exceção do contrato não cumprido;
 Ressarcir ao mandatário as perdas que este sofrer com a execução do mandato, sempre que não
resultarem de culpa sua ou de excesso de poderes.

Extinção do Mandato
Pode o contrato de mandato ser extinto das seguintes maneiras:
 Revogação, por parte do mandante (pode ser tácita, o que se dá quando houver nomeação
de novo mandatário), ou renúncia, pelo mandatário. Ressalta-se que no caso de procuração
em causa própria (ou mandato in rem propriam, previsto no art. 685) 53, nem a revogação,
53
Como exemplo, podemos citar a seguinte situação hipotética: “A“ quer comprar o apartamento de “B“, mas ao
invés de celebrar escritura de compra e venda, “A“ pega o dinheiro de “B“ e “B“ passa uma procuração em causa
própria (para não aparecer no fisco), ficando no local “A“ morando, até que queira vender o bem para “C“, com a
procuração de “B“, que o permite vender o bem que está registrado no nome de “B“ para “C“ ou para si mesmo
(“A“, quando a LRP permite o registro do próprio mandato em causa própria para transferir a propriedade). Nota-
se que com isso “A“ não está agindo segundo os interesses de “B“, mas na satisfação de seus próprios interesses.

79
Direito Civil

tampouco a morte são capazes de extinguir o contrato de mandato, pois o mandatário está
cuidado dos seus próprios interesses, não do mandante.
 Morte: em regra, extingue sim o mandato; salvo, no caso de morte do mandante, se já tiver
sido iniciado um negócio, quando o mandatário deverá concluir o mesmo se houver perigo
na demora, de acordo com o que dispõe o art. 674. Se, porém, for o mandatário que morrer,
estando pendente o negócio a ele cometido, os seus herdeiros poderão concluir, havendo
perigo na demora, comunicando o fato ao mandante – arts. 690 e 691.
 Interdição de qualquer uma das partes;
 Mudança de Estado;
 Término do prazo ou conclusão do ato a que se destinava.

Contrato de Transporte
É o contrato pelo qual alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar ou conduzir, de um lado
para outro, pessoas ou coisas – arts. 730, 734 e 743, todos do CC. Aliás, certo é que a natureza dessa
obrigação do transportador é de resultado, devendo levar a pessoa ou a coisa até o seu destino, são e
salvos ou intactos, sendo presumida a cláusula de incolumidade.

Trata-se de um contrato oneroso, bilateral, comutativo, não solene e consensual.

Transporte de Pessoas
As seguintes questões se destacam:
 A responsabilidade do transportador deve ser observada sob um tríplice aspecto: (i) quanto a
terceiros, que de alguma forma forem atingidos, a responsabilidade é extracontratual e objetiva,
por aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que trata o terceiro como consumidor por
equiparação; (ii) quanto aos empregados da empresa de transporte, o empregador só responde
por dolo ou culpa, na forma do art. 7 o, XXVIII, da CF/88, sendo, portanto, sua responsabilidade
contratual e subjetiva; (iii) quanto aos passageiros, a responsabilidade é contratual e objetiva,
devendo ser demonstrada apenas a existência do dano e do nexo causal, ainda que esse dano
tenha sido causado por terceiro ou por fato alheio à vontade do transportador, seja ele
previsível ou não, diante da aplicação do instituto do fortuito interno. Somente o dolo 54 de
terceiro, que se equipara ao fortuito externo e à força maior, exclui a responsabilidade do
transportador. A culpa exclusiva da vítima é também caso de exclusão de responsabilidade, mas
responderá o transportador caso haja concorrido, ainda que minimamente, ao evento danoso,
quando sua responsabilidade será atenuada, na medida da concorrência para a ocorrência do
dano- parágrafo único, art. 738;

 Especificamente no caso de transporte aéreo, alguns autores sustentem que a responsabilidade


é integral por parte do transportador, sequer podendo ser alegada força maior. Nesse sentido é
a Convenção de Varsóvia.

 A cláusula de não indenizar eventualmente estipulada deve ser considerada nula – art. 51, I,
do CDC.

Por isso mesmo é que o mandato em causa própria não se extingue com a morte do mandante, nem pode ser
revogado. Ressalta-se que o substabelecimento é possível, o que quer dizer, por exemplo, que “A“ não precisa
necessariamente vender para “C“, mas passar seus poderes a ele.
54
No dolo de terceiro, a conduta já nasce ilícita e seu resultado, consequentemente, também será ilícito.

80
Direito Civil

 Nos transportes puramente gratuitos (carona) fica o transportador isento de responsabilidade –


art. 736; mas nos contratos aparentemente gratuitos, em que, embora não haja remuneração
direta, o transportador aufira alguma vantagem indireta, haverá responsabilidade contratual e
objetiva – parágrafo único da referida norma.

 Outra questão importante em relação à extinção do contrato de transporte é que a pessoa pode
desistir da viagem antes que ela se inicie, desde que em tempo de ser renegociada, sendo-lhe
devido o reembolso do valor da passagem, ressalvada ao transportador a retenção de até cinco
por cento desse valor, apenas – art. 740, caput e §3 o, do CC; existem julgados que estendem isso
às companhias de viagem, reservas de hotel e etc.

 Em caso de pagamento de passagem ao final, o transportador tem o direito de retenção das


bagagens até que o valor seja pago, num claro exemplo de autotutela – art. 742.

 Em regra, o transportador não pode recusar passageiros, salvo por motivo de lotação, horário e
trajeto, previstos no regulamento, ou de higiene e saúde.

Transporte de Coisas
Qualquer bem pode ser objeto do contrato do contrato de transporte de coisas, inclusive os moventes, a
exemplo da possibilidade de transporte de animais.

As principais disposições do contrato de transporte de coisas são:


 O conhecimento do transporte é um documento expedido pelo transportador que descreve as
características da coisa que será transportada – art. 744.
 Se o transportador tiver conhecimento da ilicitude da mercadoria, tem o dever de recusar seu
transporte, de modo que também tem o direito de fiscalizar a coisa – art. 747.
 O remetente tem o dever de, ao apresentar a coisa, deixá-la embalada em estado que possa ser
levada ao seu destino intacta. Da mesma forma, o transportador tem o direito de fiscalizar se a
embalagem da coisa é ou não idônea para tanto – art. 746. Aliás, se ele mesmo, o transportador,
embalar a coisa e ela não chegar intacta ao destino, será responsável pelos danos causados –
nesse sentido é o art. 749.
 A cláusula de não indenizar no transporte é nula de pleno direito – art. 51, I, do CDC.
 É possível que a coisa seja levada por baldeação, isto é, através de alternância dos meios de
transportes, hipótese essa denominada de transporte cumulativo, na qual a responsabilidade
dos transportadores é solidária – art. 756.

Contrato de Seguro
Antes de mais nada, é importante se ter em mente que no Brasil, em função do art. 1 o da Lei 7.492/86, a
atividade de seguradores é equiparada a das entidades financeiras, de modo que se alguém comercializa
seguro sem autorização do Estado, no caso da SUSEP, comete o crime do art. 16 da Lei 7.492/86, o que
se coaduna com disposto no art. 757, parágrafo único, do Código Civil de 2002. Dito isso, vamos adiante.

Conceito e Natureza Jurídica


Seguro é o contrato bilateral, consensual, aleatório e não solene (com efeito, a apólice está relacionada
à prova, e não à validade do contrato), pelo qual uma das partes, denominada segurador, obriga-se a

81
Direito Civil

pagar uma indenização a outra, denominada segurado, ou ao seu beneficiário, pelos riscos pré-
estabelecidos no contrato, recebendo, para tanto, uma remuneração, chamada de prêmio.

Nota-se que indenização difere de prêmio: este é o valor pago pelo segurado em favor do segurador em
razão do contrato de seguro, estando desvinculado à ocorrência do sinistro, do evento coberto, que, se
não ocorrer, não dá azo à devolução do valor pago; aquela refere-se ao valor a ser recebido pelo
segurado quando e somente diante da ocorrência do sinistro, sendo daí que muitos autores apontam à
aleatoriedade desta espécie contratual.

Mas não é correto dizer que só há bilateralidade diante da ocorrência do sinistro, pois atualmente se
entende que durante todo o contrato o segurador fornece ao segurado uma contraprestação, no caso
um bem imaterial, que é a segurança. Aliás, também por isso uma corrente moderna vem defendendo a
comutatividade do contrato de seguro, e não a sua aleatoriedade.

Cosseguro
Dar-se-á quando várias seguradoras atuarem conjuntamente para fazer frente a um risco, o que ocorre
geralmente em situações em que o objeto do seguro é de valor muito elevado.

Em hipóteses tais, as seguradoras deverão eleger uma seguradora líder para administrar e representar
perante o segurado, mas não haverá que se falar em responsabilidade solidária, pois, como o art. 761
não fala expressamente nisso, tal não se pode presumir, respondendo cada seguradora pela sua cota
parte, na medida da sua responsabilidade.

Neste tópico, é importante dizer que no contrato de seguro de dano não é permitida a contratação de
mais de um seguro integral sobre o mesmo bem, o que seria um estimulo a fraudes pela possibilidade
de recebimento de dobro de indenização, mas sim o seguro parcial sobre o mesmo interesse, desde que
a soma dos seguros não ultrapasse o valor do bem segurado (arts. 778 e 782 c/c 788).

Agravamento do Risco
Risco é a cobertura do contrato, sendo sempre pré-determinada, refletindo a probabilidade de dano,
tudo aquilo que a seguradora se compromete a pagar diante da ocorrência do evento futuro e incerto,
que é o sinistro. Quanto maior o risco, maior a cobertura, maior a indenização e maior o prêmio.

Mas pode ser que haja o agravamento do risco (art. 768). Se tal fora feito intencionalmente e de forma
habitual, haverá perda do direito à indenização, diante da ausência de boa-fé do segurado.

Mas há de se ressaltar que em alguns casos há o temperamento da regra do agravamento do risco (art.
769 c/c 799), não podendo, v.g., a seguradora negar indenização em um seguro de danos pessoais se o
segurado estivesse simplesmente jogando futebol. Outro exemplo e o de um segurado que socorre um
sujeito que fora atropelado e corre a 130km/h por hora para chegar ao hospital e acaba colidindo com o
carro, quando o agravamento episódico do risco não impede o recebimento de indenização.

Aproveitando o ensejo, é importante mencionar que o STJ tem entendido que, se a embriaguez foi a
causa comprovadamente determinante do sinistro, o direito à indenização será, automaticamente,
perdido, porque, nesse caso, entende-se que o risco do contrato foi agravado de forma intencional pelo
sujeito, ainda que não habitual. Mas é importante frisar: é estritamente necessária prova de que fora a
embriaguez a causa determinante do sinistro e que com ele teve nexo causal.

82
Direito Civil

A situação de racha ou pega também é entendida pela jurisprudência como forma intencional de
agravamento do risco e, ainda que não habitual, faz o segurado perder o direito à indenização.

Regras da Boa-fé
Devem atenção os seguintes casos:
 O ato o sinistro ocorreu por ato doloso, intencional do segurado, preposto ou beneficiário será
perdido o direito à indenização, pois é gerada a nulidade de todo o contrato (art. 762).
 Se o segurado estiver em mora no pagamento de ao menos uma das prestações do prêmio
não terá direito à indenização (art. 763). Doutrina e jurisprudência vêm temperando essa regra,
ao entenderem que a seguradora não pode extinguir o contrato unilateralmente pelo simples
fato de o segurado não ter pago determinada parcela, e, assim, primeiro o segurado deverá ser
constituído em mora, mediante notificação, para depois ser operada a extinção do contrato,
sendo a ele conferido um prazo considerável para quitação do prêmio ou mesmo o direito de
pagar a parcela devida, para que, fazendo-o, não perca o seu direito à indenização.
 Pelo devedor de informação, anexo à boa-fé, toda mudança superveniente ao contrato deverá
ser informada pelo segurado, a fim de que seja o contrato a ela adaptado, sob pena de perda da
garantia (art. 769).

Limite da Indenização no Contrato


O limite da indenização é o valor da coisa segurada, assim considerado como o valor de mercado na
época de contratação, afinal, contrato de seguro não é forma de obtenção de lucro (art. 778).

Nos contratos de seguro pessoais, no entanto, não há limite para o valor da indenização, o que será
estabelecido pelo próprio segurado e influenciará, obviamente, no valor do prêmio. (art. 789) Aliás, aqui
também é importante dizer que o valor recebido por um herdeiro a título de seguro de vida não
integram sequer a herança, não precisando ser colacionados, pois, nem ficando sujeito ao pagamento
de dívida deixada pelo morto – uma clara autonomia do capital estipulado (art. 794). E também que, se
o beneficiário do contrato de seguro pessoal se tornar eventualmente devedor noutro negócio jurídico,
a indenização recebida através do seguro será impenhorável (art. 649, VI, do CPC).

Suicídio do Segurado
Acabando com antiga discussão acerca do suicídio do segurado, o código civil de 2002 criou um prazo de
carência de dois anos para os contratos de vida, tempo tido como necessário para que os beneficiários
tenham direito à indenização – art. 798, prazo esse pode ser diminuído por estipulação contratual da
seguradora, mas, na dúvida, será obedecido o prazo legal.

Ressalta-se, porém, que a jurisprudência tem mitigado a referida regra, afirmando que nesse período de
dois anos temos uma simples presunção de fraude, que não deveria ser levada em consideração, mas
que a seguradora deveria mesmo é provar a premeditação, o que, vale dizer, após o referido prazo não
mais será possível de se fazer.

Sub-rogação
Quando indeniza o segurado diante da ocorrência do sinistro, a seguradora se sub-roga nos direitos que
aquele tinha contra o terceiro causador do dano (art. 786 do CC e Súmula 188 do STF), salvo se a pessoa
que causou o dano for o cônjuge ou descendente do segurado (§1 o do art. 786 do CC). A referida regra

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Direito Civil

também não se aplica em face do causador do evento morte, situações em que o direito de cobrar dano
moral ou material será mesmo é dos herdeiros (art. 800 do CC).

Contrato de Jogo e Aposta


Tratam-se de dois contratos aleatórios com conceitos distintos, mas regulados num mesmo momento
pelo Código Civil de 2002 e de acordo com as mesmas regras, previstas do art. 814 ao 817: o contrato de
jogo é feito entre as partes, que disputam, entre si, o prêmio; já o contrato aposta é aquele em que os
apostadores dão sua opinião, levando o prêmio quem tiver a opinião prevalecente.

Apesar dessa diferença entre eles, ambos têm natureza jurídica de obrigação natural – art. 814, isto é,
são pagas se o perdedor quiser, não podendo ser cobradas em juízo, justamente por não constituírem
obrigação jurídica, mas apenas moral. Noutros termos, não há exigibilidade do crédito, muito embora
tais contratos sejam sim lícitos. Contudo, uma vez efetuado voluntariamente o pagamento, não poderá
ser recobrado o valor, porque a dívida existia.

Novação da Obrigação Natural


Mesmo que haja novação da dívida natural de jogo ou aposta, ela continua inexigível, a exemplo do que
poderia ocorrer com a confissão de dívidas com efeitos renovatórios – art. 814, §1 o, norma que foi
criada para proteção de pessoas viciadas em jogos e apostas. Novação, vale lembrar, é a possibilidade
da criação de uma nova obrigação, que ocupará o lugar da originária, agora extinta

Jogos e Apostas Regulamentados


Quando forem devidamente regulamentados, como ocorre no caso da MegaSena, as obrigações deixam
de ser consideradas naturais e passam a ser consideradas obrigações civis, com exigibilidade judicial.

Jogos e Apostas Proibidas


Alguns jogos e apostas, a exemplo do jogo do bicho, bingo e rinha de galo, foram considerados proibidos
pelo legislador, alguns sendo até mesmo considerados contravenções penais – serão nulos por causa da
ilicitude do objeto.

Contrato de Fiança
É o contrato acessório pelo qual uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo
devedor, caso este não a cumpra – art. 818, CC. Ao lado do aval, a fiança é uma modalidade de garantia
fidejussória.

Embora pareça e normalmente seja o devedor quem apresenta o fiador, o devedor não faz parte deste
contrato, que é firmado entre fiador e credor, permitida sua estipulação mesmo sem o consentimento
ou contra a vontade do devedor – art. 820.

Natureza Jurídica
Além de ser um contrato acessório, a fiança é também um contrato formal (porque tem que ser feito
por escrito), em regra gratuito (pois só quem tira proveito do mesmo é o credor) ou oneroso (quando o
fiador cobra um valor para sê-lo, a exemplo da fiança bancária, em que se aplicam as regras do CDC,
convém dizer, pois em casos tais a fiança é estabelecida não entre fiador e credor, mas sim entre fiador
e devedor, conforme entendimento do STJ), consensual e comutativo. Também é importante destacar
esta característica da fiança: trata-se de um contrato personalíssimo (ou intuitu personae), extinguindo-

84
Direito Civil

se com a morte do fiador ou do devedor afiançado, respondendo os herdeiros do fiador apenas pelos
débitos constituídos até a sua morte, não podendo também ultrapassar as forças da herança (art. 836
c/c 1.792, ambos do CC).

Efeitos da acessoriedade da fiança


Em virtude do princípio da gravitação jurídica, a existência do contratual acessório que é a fiança está
vinculada ao outro contrato principal, de onde vem a dívida garantida. Essa é a regra: o acessório segue
a sorte do principal, de modo que, sendo nulo, anulável ou extinto este, nulo, anulável ou extinto será
também aquele. Falando em termos de fiança, uma vez nula a obrigação por ela garantida, nula também
será a própria garantia – art. 824, primeira parte, do Código Civil de 2002.

Mas na fiança existe uma exceção a essa regra, prevista na própria supramencionada regra, na segunda
parte da mesma: se a nulidade resultar única e exclusivamente da incapacidade pessoal do devedor, a
fiança prevalece e, portanto, o fiador continuará obrigado, continuará tendo responsabilidade.

Só que ainda temos uma exceção da exceção, que nos faz voltar à regra: conforme parágrafo único do
próprio art. 824 c/c art. 588, também do CC, especificamente quando a fiança tiver sido feita sobre um
contrato de mútuo celebrado por menor incapaz sem que haja prévia autorização de quem sob cuja
guarda ele estivesse, quando, então, em sendo nulo esse contrato principal, nula também será a fiança,
não mais ficando obrigado o fiador, que não terá, pois, qualquer responsabilidade.

Efeito da sub-rogação
Em sendo o fiador um terceiro interessado no contrato principal, o efeito da fiança é a sub-rogação: em
pagando integralmente a dívida, todos os direitos do credor passam a ser do fiador – art. 831.

Teto da responsabilidade do fiador


O teto da responsabilidade do fiador é o valor da obrigação contida no contrato principal.

Fiança em obrigação natural


Não se admite fiança quando a obrigação principal for uma obrigação natural, pois, para que possa se
falar em fiança, a obrigação principal tem de ser exigível.

Benefício de Ordem e Cofiadores


Por gozar do denominado benefício de ordem, a obrigação do fiador é subsidiária (e não solidária) em
relação ao devedor principal, só respondendo aquele se este não cumprir com sua obrigação – arts. 827
e 828. Nesse sentido, o fiador pode exigir que o credor tente realizar seu crédito primeiramente contra
o devedor principal e, só depois de frustradas as tentativas, comprovando-se a insolvência do devedor, é
poderá se demandar contra o fiador.

O momento que o fiador possuir tem para alegar o benefício de ordem é na primeira oportunidade que
tiver para se manifestar nos autos do processo (em regra, na contestação), devendo indicar o devedor e
os bens dele que podem ser penhorados, os quais devem estar na mesma comarca. Se esses bens de
fato existirem, automaticamente o fiador ficará exonerado de sua obrigação, ainda que depois sejam
eles vendidos por inércia do próprio credor – art. 839.

De toda forma, existem casos em vislumbramos a responsabilidade solidária dentro da fiança:

85
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 Se duas ou mais pessoas forem fiadoras ao mesmo tempo de um devedor, elas serão devedoras
solidárias entre si – art. 829, caput. Embora seja a responsabilidade entre os fiadores solidária,
nada se altera em relação à responsabilidade em face do devedor, que continua subsidiária. Em
casos tais, vislumbramos duas possibilidades de demanda: caberá ação de cobrança, para cobrar
o valor integral da dívida ao devedor, visto que o fiador se sub-roga nos direitos do devedor –
art. 831, primeira parte, ou ação de regresso, para ser cobrado o valor equivalente aos demais
fiadores – art. 831, segunda parte. No mais, importante mencionar que, excepcionalmente, se
for estabelecido no contrato cláusula expressa de benefício de divisão entre os fiadores, o
credor só pode cobrar dos fiadores a sua cota parte na dívida – 829, parágrafo único, e 830.

 No caso de renúncia do benefício de ordem pelo fiador (art. 828, I). Ressalta-se, porém, que em
contratos de adesão a cláusula que assim preveja é considerada abusiva (art. 424 c/c 428, CC).

Fiança de dívida futura


É possível a fiança de dívida futura, mas o fiador só responderá depois de vencida e liquidada a dívida
principal garantida – art. 821 do CC.

Interpretação Restritiva
Como contrato gratuito que é, deve ser interpretado restritivamente, não sendo, por exemplo, o fiador
responsabilizado por aditamentos contratuais para os quais não tenha anuído expressamente – art. 114
c/c 819, ambos do CC, e Súmula 214 do STJ.

Idoneidade Moral e Econômica do Fiador


Embora costume ser pessoa de confiança indicada pelo devedor, a aferição da idoneidade moral e
econômica do fiador é um direito do credor – art. 825, CC.

Outorga Conjugal
Se o fiador for casado em regime diverso do da separação total de bens, seu cônjuge deverá consentir
para a prestação da fiança, sob pena de anulabilidade – arts. 1.647 e 1.649, do CC, e Súmula 332 do STJ.

Retrofiança
É quando o fiador exige do devedor outro fiador, contra o qual poderá exercer direito de regresso.

Exoneração da Fiança
De acordo com o art. 835 do Código Civil, o fiador não pode se exonerar da fiança nos casos em que o
contrato for realizado por prazo determinado, apenas nos que o foram por tempo indeterminado, por
resilição unilateral, ficando neste caso obrigado, após a notificação do credor, por mais sessenta dias ou,
em se tratando de fiança sobre contrato de locação urbana, por mais cento e vinte dias.

Mas e quando o contrato tiver sido realizado inicialmente por prazo determinado e se tornar por prazo
indeterminado? Terá o fiador o direito de se exonerar de suas obrigações, mesmo que haja cláusula
afirmando que sua obrigação se estende até o momento de ocupação de imóvel. Isso porque, de acordo
com o entendimento prevalecente no STJ. Dessa maneira, teremos uma norma geral, prevista no Código
Civil, prevalecendo sobre uma de caráter especial, prevista na Lei de Inquilinato.

Finalmente, importante destacar que o direito de exoneração é irrenunciável.

86
Direito Civil

Bruno Magalhães – 26.03.15

Direitos Reais
Posse
A posse é um direito subjetivo e, como tal, nasce de uma situação fática, e não de um título. É um fato
que se converte em direito porque a ordem jurídica lhe dispensa proteção, por meio de interditos (ou
ações), no interesse da manutenção da paz, da ordem pública e da tutela da pessoa do possuidor.
Podemos, então, em suma, dizer que a posse é um fato jurídico que desencadeia o direito de possuir.

Natureza Jurídica
Já se questionou se a posse seria meramente um fato ou um direito. Hoje, porém, a questão encontra-se
superada, considerando-se a posse como um direito subjetivo e, como qualquer direito subjetivo, tem
sua origem em um fato jurídico. A controvérsia quanto à natureza jurídica da posse não parou por aí,
pois, que um direito subjetivo, todos passaram a concordar, afinal, é clara a proteção que lhe confere o
ordenamento jurídico por meio de interditos possessórios e pela usucapião, mas seria que tipo de
direito: obrigacional ou real? Vejamos as correntes, cuja maior pertinência prática está na possibilidade
ou não de a posse obrigar terceiros:
 Uns consideram a natureza jurídica da posse como de direito subjetivo pessoal, obrigacional, e
fazem-no por entender que o instituto não está no rol taxativo de direitos reais, previsto no art.
1.225, CC, tampouco em qualquer legislação esparsa e que, portanto, não poderia ser assim
considerado, uma vez que a tipicidade é uma das características elementares dos direitos reais;
além disso, argumentam que a posse não seria registrável no Registro Imobiliário e que direitos
reais imobiliários devem nascer com tal registro, para que tenham oponibilidade erga omnes,
atingindo terceiros, e não fiquem apenas na eficácia inter partes.

 Outros afirmam ter a posse natureza jurídica de direito subjetivo real, devendo, por ser tratada
dentro dos direitos das coisas pelo Código Civil 55, ter as mesmas características e tratamento
legal dessas, em especial a eficácia erga omnes, tendo em vista que a posse seria considerada
como a visibilidade (aparência) da propriedade, que é o mais amplo dos direitos reais, não
havendo outra opção para que essa oponibilidade em face de terceiros ocorra a não ser dotar a
posse de natureza real. Em suma, a posse seria um direito real por decorrer da propriedade, tal
como o condomínio, que nada mais é do que uma forma de manifestação da propriedade. Mas,
conforme veremos em momento oportuno, em algumas situações a posse não tem sequela, que
é uma das grandes características de um direito real, o que nos faz duvidar dessa sua natureza.

 Existem, ainda, os que atribuem natureza tríplice à posse, vinculando a natureza da posse ao
seu fundamento. Assim, será de direito real, quando fundamentada em direito real (em razão de
uma titularidade); será de direito obrigacional, quando fundamentada em direito obrigacional
(v.g., em contrato de locação, promessa de compra e venda ou comodato); será de função social
se fundamentada em solidariedade, em sociabilidade.

55
Segundo Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, o fato de estar a posse regulada no Livro de Direito das
Coisas do Código Civil de 2002 não necessariamente quer dizer que seja direito real, porque, embora a expressão
direito das coisas indique todas as situações jurídicas em que pessoas exercem poder de ingerência imediata sobre
bens, e que essas situações, em sua maior parte, traduzem direitos reais, há possibilidade de isso não acontecer,
como nos direitos de vizinhança.

87
Direito Civil

Teorias
Na teoria subjetiva, de concepção de Savigny, sustenta-se que dois elementos constitutivos devem ser
preenchidos para considerar determinado sujeito como possuidor:
 Corpus: apreensão, disponibilidade física do bem. Assim, deve o sujeito ter controle material
sobre a coisa, podendo dela imediatamente se apoderar, servir e dispor, o que, vale desde já
dizer, não ocorre com o detentor, que, apesar de exercer força física sobre o bem, não tem
sobre si os efeitos da posse;
 Animus Domini: intenção, comportamento de dono, de proprietário, mesmo não sendo. Desse
modo, não basta ter a coisa (corpus), mas haver vontade de ter a coisa para si. Desqualificam-se,
assim, determinados sujeitos, que passam a ser considerados meros detentores (v.g., locatário,
comodatário, usufrutuário), que não fazem jus à tutela possessória.

De acordo com a teoria objetiva, de Ihering, adotada predominantemente 56 pelo Código Civil de 2002
(art. 1.196)57, para um sujeito ser considerado possuidor, deve ser observada somente:
 Corpus, a disponibilidade física do bem, devendo ser analisado tão somente se o sujeito tem
autonomia para exercer plena ou parcialmente no plano fático os poderes inerentes à
propriedade sobre determinado bem (usar, gozar, dispor e reaver), sem relação de
independência com outra pessoa (mais adiante, porém, veremos que isso terá tão somente
influência na gradação da posse, e não na sua configuração). Com efeito, para a teoria objetiva
em nada influencia o elemento psicológico, mas apenas a forma como o poder fático do agente
sobre a coisa é que revelaria a posse. Ao dispersar o aspecto subjetivo da intenção de dono (o
animus dominis), estende-se a condição de possuidores a sujeitos que seriam considerados
meros detentores pela teoria subjetiva, tendo agora a devida proteção possessória.

Para PEROZZI e SAILELLES, críticos da teoria objetiva, a consciência social seria fator importante tanto para
a aquisição quanto para o desenvolvimento da posse. Essa consciência social teria um aspecto subjetivo,
de abstenção da sociedade em face de quem exerce a posse, e outro objetivo, de exercício da posse de
forma que exerça uma destinação socioeconômica e, só a partir do momento que conseguisse isso, é
que haveria autonomia no uso da coisa e se configuraria a posse.

Desmembramento Possessório: a grande virtude da teoria objetiva


Não é de toda ruim a teoria objetiva, pois ela trabalha com o desmembramento possessório, criado pelo
próprio Ihering, considerando possuidor, em razão jurídica firmada entre as partes, tanto aquele que
cede a posse, que é o titular da coisa, tanto aquele que a recebe para uso e gozo.

Ressalta-se que para falarmos no instituto é necessário uma relação jurídica entre as partes, seja ela de
direito real ou obrigacional, estando de um lado o possuidor direto, quem está efetivamente utilizando
a coisa, e do outro lado o possuidor indireto, que, apesar de não estar no contato direto com a coisa,
assim o é considerado por ser titular do bem cedido. Também temos a chamada posse plena (não se
fala em uma propriedade plena, porque propriedade é o direito formal), quando o próprio titular do
bem desfruta dos quatro poderes dominiais: usar, gozar, dispor e reaver.

56
Diz-se predominantemente porque há situações em que a teoria subjetiva é adotada, como no caso da
usucapião como modo aquisitivo da propriedade que demanda o animus domini de Savigny.
57
Art. 1.196, CC: “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos
poderes inerentes à propriedade”. Noutros termos, o possuidor é quem, em nome próprio, exterioriza alguma das
faculdades inerentes à propriedade, tenha ele ânimo de domínio ou não.

88
Direito Civil

Essa, que é a grande virtude da teoria objetiva, faz com que a defesa possessória seja ampliada, dando,
por exemplo, tanto ao locatário quanto ao locador a possibilidade de demanda possessória perante
terceiros e também de um em face do outro (do possuidor direto em face do indireto, e vice-versa).

Detenção e suas espécies ( posse)


Como visto acima, no Código Civil de 2002 predomina a teoria objetiva, o que poderia dificultar a
distinção entre possuidor e detentor, mas o próprio ordenamento objetivo cuida de explicitar as
hipóteses em que certas pessoas não alcançam a tutela possessória, observando-se a forma pela qual
ingressaram na coisa. Não por outro motivo é que Ihering afirmava que a detenção é a posse degradada
pela lei, querendo dizer que tudo seria posse, mas que em alguns casos a lei a diminui ao mero status de
detenção. O possuidor é desqualificado legalmente para mero detentor, não tendo nenhum direito
sobre o bem, apesar de exercer poder físico sobre o mesmo, nos seguintes casos:

 Todo aquele que exercer poderes em relação ao bem mediante relação de subordinação
permanente ao titular ou mesmo ao possuidor (art. 1.198), que não necessariamente precisa
estar ligada a uma relação de trabalho ou emprego. Exemplo é o do caseiro de determinado
imóvel, conhecido como detentor clássico, também chamado de servidor da posse.
 Quando o sujeito utiliza o bem, mas somente a partir de um ato de mera permissão (expressa e
escrita) ou tolerância (tácita e verbal) por parte do possuidor ou do proprietário da coisa - art.
1.208, primeira parte, CC. Aqui, não se atribui a posse em razão da situação altamente precária
instaurada. Ressalta-se, porém, que se a disponibilidade física sobre a coisa for explicita,
autônoma e não eventual pode vir a atribuir posse, e não mera detenção.
 Quando o sujeito utiliza o bem mediante ato violento, ou clandestino (art. 1.208, segunda
parte), senão depois de cessar a violência ou clandestinidade. Trata-se da hipótese do sujeito
que furta um carro, não sendo, durante determinado período, possuidor do bem, mas mero
detentor. Esse “determinado período“ é aquele em que a pessoa quer exercer a posse, mas
encontra resistência do proprietário, utilizando-se de violência ou clandestinidade (que se
opõem à publicidade) para exercê-la. Verdadeiramente, não mais se encontrando resistência,
configura-se a situação possessória, ainda que precária.
 A quarta e última hipótese é a que dá nos casos em que não cabe usucapião, como de bem
público58 (art. 183, §3o, CF), não havendo que se falar em posse, mas em mera detenção.

Alguns autores dizem que a detenção pode ser vista sob uma dicotomia entre detenção autônoma e
detenção dependente, o que tem relevância principalmente em ações reivindicatórias ajuizadas em face
apenas do detentor que era aparentemente possuidor do bem: a detenção dependente se dá quando há
uma relação jurídica ou um interesse entre as partes envolvidas, de modo que, se por ventura o
detentor figurar no polo passiva de uma demanda, deverá nomear à autoria o possuidor, sob as penas
da lei – art. 69 do CPC; na detenção autônoma, por sua vez, não há relação ou interesse jurídico entre as
partes, quando a demanda poderia ser proposta em face do próprio detentor, com base na parte final
do art. 1.228 do CC.

Finalmente, importante destacar que para o STJ o direito de detenção é oponível erga omnes.

58
A jurisprudência, vale desde já dizer, vem temperando essa limitação constitucional, admitindo em alguns casos
o exercício de posse e a possibilidade de usucapião de bem público dominical, especialmente quando em jogo a
questão da função social.

89
Direito Civil

Objeto da Posse
O que pode ser objeto de uma posse, ou seja, o que a pessoa pode se apoderar e alegar exercício de
posse? No início, tanto bens incorpóreos quanto corpóreos podiam ser objeto de posse, o que, v.g.,
possibilitava o ajuizamento de ação de reintegração de posse para assegurar o exercício de direitos.
Hoje, porém, doutrina e jurisprudência dominantes entender que somente podem ser objeto de posse
bens corpóreos, que podem ser visualizados e tocados, que tenham materialidade, pois apenas sobre
eles é possível exteriorizar um poder fático, não havendo visibilidade de atuação possessória sobre bens
imateriais e intangíveis (v.g., direitos autorais, patentes, softwares, que são bens incorpóreos, em que só
há a forma da propriedade).

Bens corpóreos podem ser móveis, imóveis ou outros com características peculiares, excluindo-se os
bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial, uma vez que estão afetados em prol da
coletividade ou do exercício de alguma utilidade pública (art. 100 do CC). Mas a jurisprudência, apesar
do art. 183, §3o, da CF, tem admitido que bens públicos dominicais sejam objeto de posse e, portanto,
de usucapião, por não estarem afetados em nenhuma finalidade pública, isto é, ou por não estarem
sendo usados ou, ainda que estejam usados, não estejam afetando nenhum finalidade pública.

Desforço Imediato e Legítima Defesa


Antes de se valer das ações possessórias, o possuidor tem a faculdade de exercer a autotutela, através
do chamado desforço imediato ou mesmo da legítima defesa: os doutrinadores diferenciam os institutos
na medida da reação, naquele mais lenta e nesta mais rápida 59, mas em todo caso deve ser respeitada a
proporcionalidade, sob pena de responsabilidade pelo excesso – art. 1.210, §1 o, do Código Civil.

Ressalta-se que a norma referida fala só em possuidor, motivo da controvérsia sobre a possibilidade de
tal ser feito pelo detentor: a primeira e majoritária corrente entende que poderia sim o detentor fazê-
lo, afinal de contas está na por sobre ordem e instruções do possuidor ou proprietário; já para a segunda
e minoritária corrente o detentor não poderia exercer o desforço imediato ou a legítima defesa da coisa,
sob o argumento de que a autotutela é sempre uma exceção ao ordenamento jurídico e, como tal, deve
ser interpretada restritivamente.

Ações Petitórias x Possessórias


Pode o sujeito ter direito subjetivo de posse, que do exercício fática sobre o bem de algum dos poderes
inerentes à propriedade (art. 1.196, CC); ou direito à posse, que, independentemente do mundo fático,
possibilita a perseguição da posse, com base no direito à propriedade ou em outro direito real:
 Quando falamos em direito subjetivo de posse temos a proteção no chamado jus possessionis,
também identificado como juízo possessório, com pleito de posse com fundamento na melhor
posse, valendo-se para tanto o possuidor das ações possessórias, bem mais céleres do que as
ações petitórias, cabendo inclusive liminar quando o esbulho ou a turbação estiverem ocorrido
em menos de ano e dia (posse de força nova) do ajuizamento da ação possessória, para que a
pessoa se mantenha ou seja reintegrada na posse – art. 924 c/c art. 928, ambos do CPC. Bom, na
forma do art. 1.210 do CC, três são as violações possessórias, que determinam igualmente três
ações possessórias: contra um esbulho60, cabe ação de reintegração de posse; contra uma

59
Por exemplo, seria desforço imediato o caso em que o possuidor é avisado de que há pessoas esbulhando a sua
posse e vai ao encontro das mesmas para defender a sua posse da invasão; seria legítima defesa o caso de um
possuidor que se encontra no local no momento em que está sendo invadido e reage para defender a sua posse.
60
O esbulho se configura quando ocorrer a perda parcial ou total do bem antes possuído, ficando o possuidor
privado de qualquer parcela de seu poder de fato sobre a coisa. Ocorrerá mesmo que não haja violência ou grave

90
Direito Civil

turbação61, cabe ação de manutenção da posse; contra uma ameaça62, cabe interdito
proibitório. Mas há de se ressaltar que só tem legitimidade para ajuizar essas ações possessórias
os que têm direito subjetivo de posse, ou seja, aqueles que exercem faticamente sobre o bem
algum dos poderes inerentes à propriedade, sendo certo que aqui não é permitida ou relevante
a discussão de propriedade, uma vez que a causa de pedir e o pedido versam tão somente
sobre posse, diferente do que ocorre universo petitório, que a seguir estudaremos.

Há necessidade de prova da posse atual para utilização das ações possessórias?


Ao contrário da ação de reintegração de posse, que pressupõe posse perdida, as ações de manutenção
de posse e interdito proibitório demandam que o autor inequivocamente prove uma posse atual.

É possível exceção de domínio em ações possessórias?


Não, de forma alguma, não é cabível a exceção de domínio em qualquer das ações possessórias, como a
alegação de propriedade ou de qualquer outro direito real, só valendo a qualidade da posse como
fundamento possessório (a melhor posse) – art. 1.210, §2º, do CC, e Enunciado 79 da Jornada de Direito
Civil. É dizer, não pode o julgamento da posse ser distorcido pela invocação da propriedade. Assim, por
exemplo, se o réu acusado de haver esbulhado a posse articular como defesa o seu domínio,
justificando-se de que agiu por ser dono da coisa, não colherá o juízo seu argumento, porque não lhe
assiste, sob alegação de propriedade, molestar a posse alheia, cabendo-lhe tão somente fazê-lo pela
adequada: a petitória (ação reivindicatória).

Fungibilidade e duplicidade das ações possessórias


Caracterizam-se as ações possessórias pela fungibilidade, aproveitando-se uma ação possessória no
lugar de outra , desde que a situação fática seja apresentada corretamente e satisfeitos os requisitos de
uma delas, podendo, assim, o juiz adaptar a causa de pedir ao pedido e conceder a proteção adequada
(art. 920, CPC); E também se caracterizam pela duplicidade, o que quer dizer que é lícito ao réu, em
contestação, alegando que foi o verdadeiro ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e

ameaça, mas por qualquer violação aos vícios objetivos enumerados no art. 1.200 do Código Civil (violência,
precariedade e clandestinidade), ensejando, de qualquer forma, a reintegração de posse.
61
A turbação ocorre quando existir algum fator (lesão atual, concreta e efetiva) que faça com que a posse não seja
plena. Isso não quer dizer, porém, que a posse (ou o poder fático sobre o bem) deixou de existir, porque de fato
ela continua a existir; só não é plena. Havendo turbação, pode ser buscada a manutenção da posse, impondo-se ao
causador da moléstia a obrigação de abster-se da prática de atos contrário ao pleno e livre exercício da posse do
autor, garantindo-se, assim, a permanência do estado de fato.
62
Na ameaça não há violação, mas fundada iminência de sofrê-la, sem que ainda tenha se efetivado. Acredita-se
numa violação iminente, cabendo o interdito proibitório para que haja a defesa preventiva da posse, ante a
ameaça de turbação ou esbulho, com fundamento no art. 5º, XXXV, CRFB/88. Não se trata o interdito proibitório
de uma cautelar assegurativa de outra demanda, mas de uma ação de cunho satistativo, tendo em vista que o
Código Civil nesse caso reconhece a ameaça de violência à posse já como uma ofensa à posse. Ressalta-se que,
justamente por ser uma situação futura, não caberá autotutela, pois poderá o sujeito recorrer ao Estado, ainda
que em plantão judiciário. O mandado proibitório tem natureza mandamental e é dotado de autoexecutoriedade,
de modo que o magistrado determinará ao iminente ofensor que se abstenha de concretizar a agressão, sob pena
de multa capaz de imprimir efeito coercitivo ao veto judicial. Mas, se mesmo assim, o iminente ofensor concretiza
a ação pelas vias do esbulho ou turbação, além da execução provisória das astreintes (multa diária imposta pela
condenação judicial), converter-se-á o mandado interdital em ordem de reintegração ou manutenção (art. 920 c/c
art. 933, ambos do CPC), para que se restitua a coisa ao estado de fato anterior à agressão, além de ser imposto
perdas e danos ao réu e instaurado inquérito policial pelo delito de desobediência à ordem judicial primitiva (art.
330, CP)

91
Direito Civil

a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor da demanda
(art. 922, CPC). Tanto a fungibilidade quanto a duplicidade se justificam porque no campo prático há
certa dificuldade em se impor precisão à pretensão adequada, visto que as agressões à posse se
intensificam com rapidez, convertendo-se de maneira volátil ameaças em turbações e estas em esbulho.

Possibilidade de Cumulação de Ações Possessórias com Perdas e Danos


Outro aspecto importante é que as ações possessórias podem ser cumuladas com perdas e danos
(lucros cessantes e danos emergentes), com a determinação de multa (caso ocorra novo atentado à
posse) e com o desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento da posse do autor (caso
não seja possível caberá indenização pela posse perdida), como prevê o art. 921 e seus incisos, CPC.

 Já quando falamos em direito à posse temos a proteção no chamado jus possidendi, também
conhecido como juízo petitório, com pleito de posse com fundamento em titularidade de um
direito real e em razão da característica da sequela que o acompanha, como ocorre, por
exemplo, com o proprietário de um bem, que, embora não tenha direito às ações possessórias,
terá às ações petitórias, notadamente a ação reivindicatória. Aqui, o que se pretende alcançar
é o direito à posse como um dos atributos conseqüentes a um direito de propriedade ou de um
negócio jurídico transmissivo de direito real ou obrigacional (v.g., promessa de compra e venda,
usufruto, comodato, locação).

Exceção de Desfuncionalização Social da Coisa


O combustível da posse é a função social. Tanto é que se permite ao possuidor arguir exceção de
desfuncionalização social da coisa em face do proprietário que não exerça sobre o bem qualquer função
social, freando o ímpeto de reivindicar, ao menos enquanto a coisa esteja com o possuidor exercendo
uma função social. Exercer função social é dar à coisa uma destinação que repercuta positivamente
perante toda a sociedade, e não apenas na esfera individual, vale dizer. Com efeito, isso nitidamente
está relacionado a uma crítica à teoria objetiva, onde o ter seria mais importante do que o ser, numa
clara contramão à despatrimonialização do direito privado, que veio e vem se implementado desde a
Constituição Federal de 1988.

Também é importante mencionar que a função social, dada a sua importância em não apenas defender,
mas também em dar efetividade a direitos fundamentais, especialmente no que tange à dignidade da
pessoa humana e ao direito de moradia, bem como na busca pela erradicação da pobreza e pela
diminuição da desigualdade social (arts. 1, III, 3 o, I e III, e 6o, todos da CF/88), poderia, em tese, até ser
utilizada como argumento no caso de uma usucapião que ainda não completou todo o prazo requerido
em lei para se configurar, mas que está prestes a fazê-lo, bem como na excepcional possibilidade de
usucapião de bens públicos, ainda que esta hipótese seja, em princípio, vedada pela Carta Magna, em
seu art. 183, §3o.

Verdadeiramente, a diferenciação ora estudada serve para proteger a todos, seja aos que têm direito
subjetivo de posse, seja aos que têm direito à posse, em especial em se tratando de violação
possessória, pois evita que o proprietário se valha da via paralela violar a posse, não raro ferindo a
função social, devendo, ao revés, valer-se dos meios necessários e legítimos para perseguir seus direitos.

92
Direito Civil

Vícios da Posse
Pelo ordenamento jurídico pátrio, basta o comportamento de proprietário para que haja posse. Mas a
posse pode ter alguns vícios, que repercutirão na legitimidade passiva da demanda possessória e
também nos eventuais direitos à indenização por frutos, benfeitorias, direito de retenção, prazos
menores ou maiores para a usucapião, dentre outros. Bom, os vícios podem ser
 Objetivos: considerados como vícios relativos (porque relativos à pessoa que sofre o esbulho,
ao possuidor legítimo, e não a terceiros de boa-fé 63, perante os quais a posse, por mais viciada
que seja, será justa) e nada importando o motivo, dizem respeito ao modo como a posse foi
externamente adquirida, de forma justa, que é a posse adquirida conforme o Direito, sem a
ocorrência das hipóteses previstas no art. 1.200 do CC, ou injusta, onde se verificam os vícios
elencados no art. 1.200, que abaixo se estudam, estando respectivamente ligados ao roubo, ao
furto e à apropriação indébita:

o Posse violenta, que é adquirida por meio de atos de violência, física (pelo uso da força,
ou vis absoluta) ou psicológica (pela ameaça, ou vis compulsiva). Ressalta-se que só há que
se falar em violência quando cessar a resistência do legítimo possuidor, porque, enquanto
houver resistência, há mera detenção (art. 1.208). No mais, importante destacar que há
uma parcela da doutrina que diz que não há que se falar em posse injusta por meio de
violência quando essa violência é praticada contra imóveis a princípio abandonados, porque
a oposição do titular da coisa deve ser sempre real, e não meramente presumida, mas tal
entendimento não é pacífico, havendo ainda quem defenda que a violência praticada
contra a coisa por si só já seria suficiente a caracterizar a injustiça da posse.

o Posse clandestina: é a adquirida às ocultas, “na calada da noite”, sorrateiramente, sem


que o legítimo possuidor possa tomar disso conhecimento e exercer o desforço imediato ou
a legítima defesa da sua posse. Com efeito, é necessário que o ato ingresse na esfera de
conhecimento do legítimo possuidor, bem como que se demonstre que o arrebatador
desejou camuflar o ato de subtração daquele que é esbulhado, do contrário teremos mera
detenção. E, também, falaremos em mera detenção enquanto houver resistência por parte
do legítimo possuidor, só se configurando a posse clandestina após cessada a resistência.
No mais, é importante dizer que a posse continua sendo considerada clandestina e injusta,
mesmo depois que se tornar pública e ostensiva.

o Posse precária: é a que resulta do abuso de confiança, ou melhor, da quebra de


confiança do legítimo possuidor pela indevida retenção da coisa por prazo além do
avençado para o término da relação jurídica de direito real ou obrigacional que originou a
posse. Nota-se que num primeiro momento havia uma relação jurídica que permitia o
ingresso na coisa, mas que em um segundo momento, se não devolvida a coisa quando
solicitada, mas lá se mantém a pessoa, torna-se precária e de má-fé a posse que até então
era justa e de boa-fé em sua origem. Também é importante observar que em casos tais a
pessoa sempre foi possuidora, nunca detentora.

 Subjetivos: que estão atrelados ao comportamento do possuidor no momento em que adquire


posse, analisando-se a sua boa ou má-fé na aquisição desse direito subjetivo, o que se extrai da
expressão “sabendo que o era” do art. 1.212, CC.
63
Os de má-fé terão, inclusive, legitimidade para constar no polo passive de uma demanda possessória – art.
1.212, CC.

93
Direito Civil

o Posse de boa-fé: acredita que não está lesando direitos alheios, pois ignora os vícios ou
obstáculos à aquisição da coisa, mesmo que aparentes, nos termos do art. 1.201. Mas Há
quem entenda que não basta a crença do não lesa direito, mas também, por um critério
ético do vício subjetivo, deve haver diligência no momento de aquisição da posse, de modo
que a posse de boa-fé seria fruto de um erro desculpável, no qual qualquer pessoa poderia
incidir (esse erro pode ser de fato ou de direito, vale dizer). No mais, se o possuidor estiver
munido de justo título, presume-se a boa-fé, o que quer dizer que restará invertido o ônus
da prova, cabendo ao interessado demonstrar o contrário: um simples acordo, v.g., serviria
como justo título e, atualmente, tem-se entendido que testemunhas podem fazer provar a
existência do justo título. Mas é importante dizer que a boa-fé cessa com a citação, pois, a
partir daí, a pessoa passa a ter ciência da possibilidade de um vício ou obstáculo que o
impedem de adquirir a posse sobre a coisa. Por último, quanto aos efeitos possessórios,
consigna-se que a existência da boa-fé na posse determina a redução do prazo de aquisição
de propriedade por usucapião para cinco anos, além de ser importante para percepção dos
frutos (art. 1.214, CC), da indenização pela evicção (art. 457) e do direito de retenção e de
indenização por benfeitorias (art. 1.219, CC).

o Posse de má-fé: decorre da ciência do possuidor no tocante à ilegitimidade de sua


posse; nela, o possuidor conhecia o vício da posse ou ao menos deveria conhecê-lo.

Conforme veremos no tópico a seguir, pode o possuidor ingressar de má-fé no bem, mas regularizar
sua situação e tornar-se possuidor de boa-fé, e vice-versa. Em geral a boa-fé do possuidor apenas se
converte em má-fé pela citação ou algum outro modo de interpelação judicial que culmine em uma
demanda que possa vir a validar a pretensão de quem pleiteia a restituição da coisa. É nesse o sentido
do art. 1.202, CC. Assim, quando o possuidor for citado em determinada ação petitória (reivindicatória)
ou possessória, doutrina e jurisprudência apontam que, se eventualmente o pedido for julgado
procedente, o possuidor será considerado possuidor de má-fé desde a data da citação. Isso porque foi
na citação que o possuidor teve ciência da possibilidade da existência de um direito em favor do autor,
deixando de ser ignorante em relação a eventual vício ou obstáculo à aquisição da posse. E, tornando-se
essa possibilidade uma realidade, a posse de boa-fé é transformada em posse de má-fé, devendo, v.g., o
possuidor restituir os frutos e os alugueres ao proprietário, desde a citação.

Interversão da Posse
É a mutação, a alteração do caráter da posse, numa análise de se a posse tem ou não vícios. Noutros
termos, a posse mantém o mesmo caráter com que foi adquirida, salvo se sofrer uma interversão, que
pode ocorrer mediante fatos de natureza jurídica (inversão bilateral, por consenso entre as partes) ou
fatos de natureza material (quando a inversão é unilateral, não querida pela outra parte, o que pode ser
enxergado na posse precária). É inclusive possível a conversão da detenção em posse – Enunciado 301
do CJF.

Na visão controvertida de SÍLVIO VENOSA, enquanto houver precariedade, considerando que a mesma não
é mencionada no art. 1.208, o vício não convalesce, mas se mantém. Superando esse posicionamento,
temos o argumento de que tal seria sim possível, quanto mais em casos de inação do legítimo possuidor
ou do proprietário, que não tentam recuperar a coisa por ações possessórias nem por petitórias, e de
efetivo exercício da função social por quem tinha uma posse precária, quando a terá alterada para posse
justa e ainda com animus dominis, passando a ser contado o prazo para usucapião.

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Direito Civil

No mais, a doutrina majoritária entende que não cabe interversão da posse (nem usucapião, portanto)
quanto às instituições financeiras, nem no tocante aos bens públicos.

Direito à usucapião: posse ad interdicta x posse ad usucapionem


A classificação da posse em ad interdicta ou ad usucapionem é feita por exclusão, observando-se quais
efeitos tem ou não a posse para enquadrá-la em um desses dois casos. Em maior ou menor grau, toda
posse tem proteção possessória. Umas mais e outras menos. É isso que aqui se observa:
 A posse ad usucapionem é mais abrangente do que posse ad interdicta, porque requer a
observância dos mesmos requisitos da usucapião, quais sejam: (i) corpus e animus dominis,
conformando-se, assim, à teoria subjetiva de Savigny; (ii) boa-fé; (iii) decurso ou trato de tempo
suficiente previsto em lei; (iv) que seja mansa e pacífica; (v) e que se funde em justo título 64,
salvo na usucapião extraordinária. Desse modo, quando se encontrarem a favor do possuidor
tudo isso, teremos a posse ad usucapionem, que tem os seguintes efeitos: (a) possibilidade de
aquisição da propriedade ou outro direito real por usucapião; (b) direito a frutos e benfeitorias;
(c) legitimidade para requerer proteção possessória do Estado, via ações possessórias.

 Classificaremos a posse como ad interdicta quando não puderem ser observados os supra ditos
requisito, quando o possuidor não terá direito à usucapião, mas terá somente direito aos frutos
e às benfeitorias, bem como a faculdade de exercício das ações possessórios. Ainda em relação
à posse ad interdicta convém dizer que ela se conforma à teoria objetiva de Ihering, sendo
bastante o exercício do poder de fato sobre a coisa para que alguém possa manejar uma ação
possessória, ainda que a posse seja injusta ou de má-fé.

Direito a Frutos e Produtos


Frutos são utilidades que a coisa periodicamente produz sem alteração ou perda de sua substância,
podendo ser naturais (oriundos da própria força da natureza), industriais (decorrentes da força humana)
e civis (rendas periódicas que a coisa produz, como alugueres e juros); outra classificação dos frutos é
em pendentes (que ainda estão unidos à coisa), em percebidos (ou colhidos, que já foram destacados da
coisa) e em percipiendos (os que deveriam ter sido colhido e não foram).

Além dos frutos, temos os chamados produtos: utilidades que a coisa produz, mas que não se renovam,
extinguindo-se à medida da extração.

Em regra, frutos e produtos pertencem ao proprietário da coisa, dentro da regra de que os acessórios
seguem a sorte do principal – art. 1.232. Mas a própria norma excepciona disso, sendo nesse sentido o

64
Trata-se o justo título do documento que o possuidor tem que indica de alguma forma que ele seria um
possuidor legítimo (ou que a causa de sua posse é legítima) ou proprietário, mas que sofre alguma falha que o
torna ineficaz. Justo é o título hábil, em tese, para transferir propriedade ou posse. Uma escritura de compra e
venda ou o conhecido contrato de gaveta são títulos hábeis para gerar a transmissão da coisa, por exemplo. Assim,
se lhes faltarem requisitos para causar aquela transferência, o adquirente, que recebe a coisa, possui justo título,
porque o fundamento da sua posse é um título que seria hábil à transmissão de bens, se não lhe faltasse o
elemento que eventualmente está ausente. Por outro lado, o título que, em tese, não é hábil a transferir o domínio
também não é justo. Com efeito, o justo título tem consequência exclusivamente para fins de usucapião. Não
poderíamos, então, deixar de consignar que a propriedade do imóvel pode ser adquirida por aquele que, continua
e incontestadamente, com justo título e boa-fé (presumida com a presença do justo título), possuir o bem por dez
anos (art. 1.242, CC) ou por cinco, se o imóvel tiver sido adquirido onerosamente e desde que os possuidores
tenham nele morado ou realizado investimento social e econômico (parágrafo único, art. 1.242, CC).

95
Direito Civil

art. 1.214 , que protege o possuidor de boa-fé em detrimento do proprietário desidioso, conferindo-lhe
o direito aos frutos percebidos; quanto aos produtos, há controvérsia, de um lado uns entendendo que
não cabe direito de indenização, pois a norma, ao limitar direito de propriedade, deve ser interpretada
restritivamente, de modo que os produtos deveriam ser restituídos ao proprietário e, se isso não for
possível, deverá ser efetuado o pagamento de uma indenização, mesmo estando de boa-fé o possuidor;
e de outro lado, há quem afirme que os produtos pertencem ao possuidor de boa-fé, porque a própria
lógica da lei é analisar esse aspecto subjetivo do sujeito, não socorrendo o direito a quem dorme.

Bom, tal qual ocorre com as benfeitorias, que estudaremos adiante, a gradação da restituição pelos
frutos será relacionada à boa ou à má-fé do possuidor. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela
durar, aos frutos percebidos (arts. 1.214 e 1.232, CC). Mas, no momento que cessa a boa-fé, o possuidor,
que é agora considerado de má-fé, só tem direito aos frutos obtidos e separados tempestivamente, isto
é, aos frutos percebidos, mas não àqueles pendentes ao tempo da cessação da boa-fé, os quais devem
ser restituídos ao legítimo possuidor ou proprietário. E quando cessará a boa-fé? Em geral, a boa-fé do
possuidor se converte em má-fé pela citação em demanda possessória ou petitória ou por algum outro
modo de interpelação judicial que culmine em uma demanda que possa vir a validar a pretensão de
quem pleiteia a restituição da coisa, porque com isso o possuidor tomou ciência acerca da possibilidade
de existência de um direito em favor do autor, deixando de ser ignorante em relação a eventuais vícios
da sua posse (art. 1.202, CC; art. 219, CPC). Assim, se a ação for julgada procedente, a posse de boa-fé é
transformada em posse de má-fé desde a citação, devendo ser a partir da citação restituídos os frutos
pendentes, com dedução das despesas de manutenção e custeio, assim como os frutos que foram
colhidos com antecipação (parágrafo único do art. 1.214, CC), tendo em vista que essa antecipação se
presume fraudulenta. Por fim, havendo má-fé por parte do possuidor, este deve responder por todos os
frutos colhidos (enquadrando-se aqui os percebidos e os colhidos com antecipação), bem como por
aqueles que, culposamente, deixou de colher (percebiendos), restando-lhe apenas direito ao reembolso
pelas despesas de produção e custeio, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa do retomante (art.
1.216 e o já citado art. 1.214, parágrafo único, ambos do CC). Com efeito, a sanção ao possuidor de má-
fé é mais rigorosa justamente por saber esse que sua posse era ilegítima e viciosa.

Direito às benfeitorias
Benfeitorias são ações realizadas em uma coisa já existente, no intuito de conservá-la (quando será a
benfeitoria dita necessária), de melhorar a sua utilização (benfeitoria útil) ou para trazer um certo
conforto (benfeitoria voluptuária), caracterização essa que se dará de forma casuísta, caso a caso.

O direito de indenização (danos materiais emergentes e lucros cessantes) e de retenção (seu momento
oportuno de ser alegada é na contestação, mas nada impede que ajuíze ação autônoma de indenização,
em que não mais poderá se falar em direito de retenção) do possuidor de boa-fé cabe somente quanto
às benfeitorias necessárias e úteis; quanto às voluptuárias só existe o direito de levantá-las, mas, se
isso causar dano à coisa, terá direito ao mero reembolso do seu valor, que não se confundem com o
direito de indenização nem de retenção – art. 1.219 do Código Civil. Tudo isso pode ser alegado em
defesa de uma ação possessória ou de uma ação petitória ajuizada, vale dizer.

Ao possuidor de má-fé, conforme arts. 1.220 e 1.222, primeira parte, do CC, só caberá indenização por
benfeitorias necessárias, cabendo ao reivindicante (e não ao antigo possuídor de má-fé) a faculdade no
que concerne ao cálculo da indenização: se se dará através do valor atual da benfeitoria ou do seu preço
de custo.

96
Direito Civil

Ainda em relação à qualidade da posse, o art. 1.221 permite que eventuais danos sejam compensados
com as benfeitorias. No caso do possuidor de boa-fé, os danos exigem a prova da culpa (art. 1.217, CC).
Já na posse de má-fé entende-se como dano indenizável a mera depreciação acidental da coisa, salvo se
o possuidor provar que o fato teria ocorrido mesmo se a coisa estivesse em poder da parte contrária
(arts. 1.218). Em ambos os casos, porém, só haverá compensação se a benfeitoria ainda exista ao
tempo em que se queira restituir o bem, vez que não pode ser o autor da ação compelido a compensar
o valor dos danos com uma obra ou despesa que não lhe apresente qualquer utilidade real.

Modo de Aquisição da Posse


No antigo Código Civil havia um rol de formas de aquisição da posse, o que acabava determinando uma
grande discussão acerca de sua taxatividade ou exemplificidade. Hoje, porém, com o advento do Código
Civil de 2002, não mais existe uma rol de formas de aquisição da posse, mas sim a afirmação de que a
posse é pura e simplesmente adquirida por uma situação fática (art. 1.204), pouco importando o meio
utilizado para tanto.

Não obstante, nos arts. 1.206 e 1.207 da codificação civil atual, podemos visualizar duas modalidades de
aquisição da posse:
 Originária: quando inexistir um vínculo jurídico entre o possuidor e qualquer outra pessoa que
tenha exercido posse anteriormente sobre o bem, a exemplo do que ocorre na usucapião.
 Derivada: quando existir vínculo jurídico entre o possuidor atual e seu antecessor, seja por
relação causa mortis ou inter vivos. Justamente por permitir que o vínculo jurídico na aquisição
derivada da posse pode ocorrer por causa causa mortis ou inter vivos, nascem duas formas de
aquisição possessória65:
o Acessão possessória (accessio possessione): corresponde à hipótese em que o sucessor
terá a faculdade de unir a sua posse à posse do antecessor, possibilitando, dessa forma, a
existência de uma nova posse.
o Sucessão possessória (sucessio possessiones): diz respeito à continuidade compulsória
da posse, o que tem por consequência a contaminação da posse do sucessor com as
características da posse do antecessor, como se uma só posse houvesse.

Outra hipótese de aquisição da posse é:


 Através do constituto possessório, onde se opera a transferência ficta da posse: é estabelecido
por meio de cláusula constituti celebrada entre os contratantes numa situação de compra e
venda, pela qual o vendedor, que tinha a posse plena do bem, é mantido apenas com a posse
direta do bem, transferindo-se a propriedade ao comprador com a posse indireta. É exatamente

65
Acerca das possibilidades de acessão e de sucessão possessória, há uma controvérsia quanto ao regime jurídico
que deve ser aplicado ao legatário, que assume a posse do autor da herança (legatário, vale dizer, é a pessoa que é
aquinhoada com um determinado bem, móvel ou imóvel). Tal controvérsia ocorre em razão do art. 1.206 tratar
herdeiro e legatário da mesma forma, determinando a ambos a sucessio possessiones, enquanto o art. 1.207
diferencia o regime jurídico pelo critério de o sucessor ser singular ou universal, estabelecendo ao singular, que
seria o caso do legatário, a accessio possessiones. A primeira corrente, por uma interpretação literal do art. 1.206,
entende pela sucessio possessiones, isto é, que não seria facultado ao legatário a escolha ou não da união da
posse, aplicando-se, assim, a continuidade compulsória da posse, contaminando-se a posse do legatário com as
características da posse do antecessor. Enquanto a segunda corrente, utilizando-se de uma interpretação
sistemática do art. 1.206, defende ser legítimo facultar ao legatário a accessio possessiones, visto que, por ser
prejudicado ao não ter de imediato a posse do bem, mas só no momento da morte (o que se percebe na expressão
“desde o momento da abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa“, presente no art. 1.924), deve ser
beneficiado com a faculdade de união ou não da sua posse com a posse do antecessor.

97
Direito Civil

o contrário do que ocorre com o desmembramento da posse, motivo pelo qual se diz que aqui
há um desmembramento invertido da posse, vez que o proprietário (comprador) fica com a
posse indireta e o vendedor, antigo proprietário, com a posse direta, pois não abdica do poder
material sobre a coisa. Como grande efeito prático, temos que o comprador, que nunca tinha
exercido a posse, ao recebê-la juridicamente, passa a ser qualificado como possuidor (ainda que
indireto), o que lhe confere as proteções possessórias em seu benefício.

Finalmente, importante mencionar que é possível um menor adquirir posse, isto é, ser possuidor. Como
sabemos, o menor tem personalidade jurídica e capacidade de direito, mas não é dotado de capacidade
jurídica, motivo porque há quem diga que o menor só poderia adquirir a posse natural, porque nessa
basta a vontade, ou melhor, a situação fática, para que ocorra, e não uma relação jurídica anterior entre
as partes, podendo por isso ser inclusive entendida como um modo de aquisição originário da posse,
desvinculada de qualquer vício anterior. E, para os que entendem que o menos pode adquirir a posse
derivada, deve estar devidamente representado, visto que esta posse decorre de uma relação jurídica,
que exige a capacidade jurídica das partes, da qual é carente o menor

Perda da Posse
Do mesmo modo que se adquire a posse ao serem exercidos sobre o bem, em nome próprio, qualquer
dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.204), a posse será perdida quando não for mais possível o
exercício de qualquer dos inerentes à propriedade (art. 1.223, CC)66.

Mas há de se ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio adota tanto a teoria objetiva (Ihering) quanto
a teoria subjetiva (Savigny), o que quer dizer que a posse, a depender do caso, poderá ser perdida tanto
com a ausência do corpus (isto é, da disponibilidade física da coisa, conforme dito acima) quanto com a
ausência do animus domini (ou da intenção, do comportamento de dono, de proprietário), podendo ser
esta hipótese vislumbrada no constituto possessório, onde quem possuía com animus domini passa a
possuir não mais com esse ânimo, mas em nome do novo proprietário, sem abdicar, todavia, do poder
material sobre a coisa (isto é, do corpus).

30.03.15

Propriedade
Num conceito contemporâneo, é o direito fundamental (art. 5 o, XXII, CF/88) que alguém tem em relação
a um bem determinado, que confere ao seu titular determinados atributos (usar, gozar ou fruir, dispor e
reivindicar – art. 1.228, CC), os quais encontram limites na função social, em prol da coletividade.

Diante disso, Gustavo Tepedino afirma que há uma estrutura tríplice no direito de propriedade:
 Estrutura econômica: compreende as faculdades de uso, gozo e disposição.
 Estrutura jurídica: compreende a faculdade de reivindicação;
 Aspecto funcional: diz respeito à função social da propriedade, a qual se encontra prevista nos
arts. 5o, XXIII, 170, 182, §2o, 183 e 184, da CF/88, art. 1.228, §1 o, do CC/02. Se na posse pode
haver usucapião em razão da inobservância da função social, no direito de propriedade a
inobservância da função social pode levar à desapropriação do imóvel com base nos arts. 5 o a 8o
do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01.

66
Art. 1.223, CC: “Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao
qual se refere o art. 1.196”.

98
Direito Civil

Atributos
São eles, todos limitados pela função social:
 Faculdade de usar a coisa de acordo com as normas que regem o ordenamento jurídico pátrio e
nos limites da função social, nos direitos de vizinhança e no Estatuto da Cidade, sob pena de se
configurar o abuso de direito, devendo para tanto, ser comprovada a intenção de prejudicar
outrem (teoria dos atos emulativos); mas certo é que, de acordo com Tepedino, suficiente seria
a inobservância da função social para que essa intenção de prejudicar se configure – art. 1.228,
§§1o e 2o, e 187. Demais, o usar pode ser direto ou indireto, dando-se este no chamado uso
indireto, que pode ocorrer, por exemplo, no caso de locação e comodato, onde o proprietário
não deixa de ter um dos atributos da propriedade, isto é, não deixa de exercer plenamente a
propriedade, mas tão somente transfere a outrem o exercício de algum desses direitos. Ainda
nos valendo do exemplo citado, quando aluga o bem, concedendo o exercício da faculdade de
usar temporariamente a alguém, o proprietário está sim exercendo plenamente o seu domínio,
tanto que para tanto perceberá os frutos civis da coisa. Nota-se, dessa forma, que “uso” é uma
expressão jurídica que não deve ser lida apenas na sua acepção gramatical.

Propriedade Plena x Propriedade Limitada


A Propriedade plena (ou alodial, ou simplesmente propriedade, considerando que essa é e o seu estado
normal) é a que o proprietário reúne em si todos os atributos, ainda que a outrem transfira por relação
obrigacional o exercício de uma ou algumas das faculdades da coisa. Já a propriedade limitada (ou
restrita), por sua vez, é a que recai sobre si um ônus real, passando algum ou alguns dos atributos da
propriedade a outrem, a exemplo do que ocorre nos direitos reais sobre coisa alheia (hipoteca, servidão
ou usufruto); não por outro motivo o titular de uma coisa sobre a qual recai usufruto é chamado nu-
proprietário, com quem restam só as faculdades de dispor e de reivindicar, não podendo usar a coisa
nem forma direta nem indireta, sequer gozar, sequer perceber os frutos.

 Faculdade de gozar (ou fruir), que dá a possibilidade de percepção de frutos (civis, naturais e
industriais) e de produtos, ao atribuir ao proprietário a possibilidade de se beneficiar
economicamente da coisa – arts. 1.232 e 92. Em alguns casos, o direito de perceber os frutos e
(conforme entendem alguns) os produtos passa a outrem: é o caso do possuidor de boa-fé, do
usufrutuário e do vizinho no caso de frutas caídas em seu terreno – arts. 1.214, 1.394 e 1.284.

 Faculdade de dispor material (consumindo-a, alterando-a ou até mesmo a destruindo, desde


que tal não implique comportamento antissocial) ou juridicamente da coisa (de forma parcial,
pela instituição pelo próprio proprietário de ônus reais sobre o bem, como a hipoteca, ou total,
alienando-a, transferindo a titularidade de forma onerosa ou gratuita).

 Faculdade de reivindicar a coisa contra quem injustamente a possua ou detenha e onde quer
que ela esteja, o que dá azo às ações reivindicatórias, que são petitórias (e não possessórias),
onde o legitimado ativo é sempre o proprietário (o que é provado com o título de propriedade
e, no caso de imóvel, com o registro do bem) e o fundamento é o domínio (e não a posse) – art.
1.228 e 1.20067. Muitas das vezes o proprietário, quando também for possuidor, terá duas
67
Há diferença entre as expressões “injustamente a possua“ ou “posse injusta“, constantes do art. 1.228 e 1.200?
Sim, esta expressão está ligada as vícios subjetivos da posse especificamente (violência, clandestinidade e
precariedade), enquanto que aquela é mais ampla, englobando não apenas tais hipóteses, mas outras também,
como a má-fé, que seria um vício subjetivo, o que nos aponta uma abrangência maior da ação petitória, se
confrontada com as hipóteses de ação de reintegração de posse, limitadas à ocorrência dos já mencionados vícios

99
Direito Civil

possibilidades: ou usar essa ação petitórias ou uma das ações possessórias, bem mais céleres.
Não é demais dizer que inclusive essa faculdade, que é o maior dos atributos dominiais, pode
ser limitada pela função social. Podemos dizer que, em razão da função social, a faculdade de
reivindicar é a única que não pode ser afastada, ao contrário das demais, mas que, ainda assim,
pode ser limitada pelo mesmo direito que a fundamenta: a função social, podendo o titular da
propriedade perder a pretensão reivindicatória como sanção pelo uso ou não uso ofensivo à
função social, quando inclusive o manejamento de uma ação dessa monta poderá configurar o
abuso do direito em desfavor de quem exerce a posse pacífica. Dada a sua penitência, melhor
trataremos do tema no tópico abaixo, intitulado “ação reivindicatória“.

Ação Reivindicatória
Em razão da faculdade de reivindicar, pode o proprietário reaver a coisa de quem de quem quer que a
possua injustamente ou detenha, por meio de ação reivindicatória.

A primeira questão a se levantar aqui é se há diferença entre as expressões “injustamente a possua“ ou


“posse injusta“, aquela constante do art. 1.228 e esta exarada em uma leitura a contrário senso do art.
1.200? Sim, a segunda expressão está ligada as vícios subjetivos da posse (violência, clandestinidade e
precariedade), enquanto a primeira expressão é mais ampla, englobando não apenas tais hipóteses, mas
outras também, como a má-fé, que seria um vício subjetivo. Isso quer dizer que temos uma abrangência
maior na ação petitória, se confrontada com as hipóteses de ação possessória, que estão limitadas à
ocorrência dos já mencionados vícios objetivos da posse. Isto é, não só a posse violenta, clandestina ou
precária servem como fundamento da ação petitória, mas qualquer que esteja desamparada de causa
jurídica eficiente a respaldar a atividade do possuidor, com a má-fé.

A segunda questão a se levar é a legitimidade passiva do detentor: pela leitura literal do art. 1.228, ele
poderia sim ser demandado em ação petitória, mas, conforme se vê no art. 62 do CPC, ele não teria tal
legitimidade. Teria, então, aquela norma revogado esta? Três correntes se posicionam: (i) a primeira
corrente defende que o art. 1.228 seria inconstitucional na expressão “ou detenha“, por ferir os limites
da coisa julgada e do devido processo legal, tendo em vista que a existência de eventual sentença
condenatória atingiria quem não foi parte da demanda, o possuidor; (ii) a segunda corrente diz que a
expressão é simplesmente inócua, porque a tutela não repercutiria na esfera jurídica do possuidor; (iii) a
terceira corrente, diferenciando a detenção dependente68 da detenção autônoma69, afirma que naquele
caso o detentor seria parte ilegítima e deveria, se eventualmente demandado, nomear o possuidor à
autoria, sob pena de sofrer as sanções legais – arts. 62 e 69 do CPC e arts. 1.198, 1.208, primeira parte, e
1.228, parte final, CC, enquanto que neste caso o detentor seria passivamente legitimado para eventual
ação reivindicatória, não sendo sequer necessária a nomeação à autoria – art. 1.208, parte final, do CC,
pois os limites da coisa julgada não estariam feridos, visto que quem viola efetivamente a propriedade é
o próprio detentor, e não eventual superior ou possuidor.

Por último, convém ser dito que, pela doutrina majoritária e jurisprudência pátria, a ação reivindicatória
é uma pretensão imprescritível; nesse sentido, o único obstáculo para se reaver a coisa seria eventual
subjetivos da posse.
68
A detenção dependente se dá quando há uma relação jurídica ou um interesse entre as partes envolvidas, de
modo que, se por ventura o detentor figurar no polo passiva de uma demanda, deverá nomear à autoria o
possuidor, sob as penas da lei – art. 69 do CPC.
69
Na detenção autônoma, por sua vez, não há relação ou interesse jurídico entre as partes, quando a demanda
poderia ser proposta em face do próprio detentor, com base na parte final do art. 1.228 do CC.

100
Direito Civil

aquisição da propriedade por outrem. Mas uma doutrina mais moderna e minoritaríssima diz que essa
imprescritibilidade seria um resquício de época em que tínhamos a “ditadura da propriedade”, o
domínio como valor absoluto, o que contrariaria a função social da propriedade, devendo, assim, ser
observado o prazo máximo de dez anos previsto no art. 205 do CC, para o ajuizamento da referida
demanda, o que se critica na medida em que permitiria que antes mesmo da configuração da usucapião
extraordinária, que tem prazo de quinze anos (art. 1.238), o possuidor que esbulhou a posse de outrem
mantenha-se na coisa esbulhada.

Características
São estas as seguintes características da propriedade:
 É um direito absoluto, no sentido de ser oponível erga omnes e de que o proprietário pode usar
seu bem da forma que bem entender, estando limitado apenas à função social (art. 1.228, §1 o).

 É um direito pleno (mas num contexto de função social, pode ser limitada pelas regras do
direito de vizinhança, pelas possibilidade de intervenção estatal na propriedade privada e pelas
regras de direito de preferência, relacionadas à faculdade de disposição, pelos direitos reais
sobre coisa alheia, pelo pacto da retrovenda e mediante as cláusulas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e incomunicabilidade) e exclusivo (no sentido de que uma coisa não pode
pertencer a mais de uma pessoa, exceto no caso de condomínio), assim se presumindo até
prova em contrário – art. 1.231, sem falar na também necessária observância à função social.

 A propriedade é um direito perpétuo, pois não se extingue pelo não uso, só quando alienada ou
perdida nos casos previstos em lei, como desapropriação, perecimento e usucapião. Com efeito,
isso não se confunde com absoluto, podendo, portanto, ser ponderado. É dessa perpetuidade
que decorre a possibilidade de transmissão post mortem aos herdeiros. Mas em alguns casos
temos a propriedade temporária: (i) propriedade resolúvel, que a que se sujeita a uma cláusula
resolutiva qualquer, condição essa que, se implementada, resolverá a propriedade – art. 1.359,
a exemplo do que ocorre no art. 547, ficando o terceiro que adquire essa propriedade sujeito à
mesma condição resolutiva, podendo eventualmente perder a coisa; (ii) propriedade revogável,
que está sujeita a algum motivo resolutivo superveniente – art. 1.360, não podendo aqui o
terceiro ser alcançado, porque não podia ter ciência do motivo superveniente; como exemplo
podemos citar as hipóteses de revogação da doação – art. 555, CC.

 É um direito taxativo, pois, tal como qualquer outro direito real, está previsto na lei como tal.
Como exemplo prático disso, podemos citar a time-sharing, ou multi-propriedade imobiliária, de
um imóvel com diversos proprietários: em razão da exclusividade do direito de propriedade e da
sua taxatividade (aqui lida como observância estrita às normas legais), não há que se falar em
diversos proprietários de um mesmo bem, mas sim em uma propriedade sendo exercida por
cada um em caráter de exclusividade e dentro de um lapso temporal, o que quer dizer que uma
pessoa seria considerada proprietária do bem toda primeira semana do mês, o outro toda
segunda semana do mês e assim por diante, o que nos demonstra uma propriedade exclusiva e
periódica, um condomínio no tempo.

 É um direito elástico, podendo ser distendida ou contraída quanto ao exercício dos seus
atributos, conforme os mesmos sejam retirados ou adicionados. Nesse sentido, podemos dizer
que na propriedade plena a elasticidade estaria em seu grau máximo e que quando há um ônus
real sobre a propriedade há uma redução dessa elasticidade.

101
Direito Civil

 É um direito fundamental (art. 5o, XXII e XXIII e §1o, CF): a proteção do direito de propriedade e
a obrigação de atribuir função social ao bem tem aplicação imediata nas relações privadas, em
razão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Extensão do Direito de Propriedade


Não é a propriedade que se estende, mas as faculdades inerentes a ela. Essa extensão se dá de maneira
vertical: as faculdades inerentes à propriedade abrangem também o espaço aéreo e o subsolo (“do céu
ao inferno“), em altura e profundidade úteis, que correspondam ao exercício do direito subjetivo.

Mas subsolo não se confunde com solo: a titularidade dos recursos minerais e sítios arqueológico é da
União, podendo a exploração dos mesmos se dar por meio de concessão ao particular, que terá acesso
ao produto da lavra – art. 20, VIII a X, da CF c/c art. 1.230 do CC; art. 84 do DL 227/67 c/c art. 176 da CF.

Por último, ressalta-se que o titular do direito de propriedade não poderá se opor – injustificadamente
– à atuação de terceiros sobre, sob ou mesmo por dentro do seu imóvel, como ocorre, por exemplo, no
caso de passagem de necessidade de serem feitos postes, passagens e tubulações.

Aquisição da Propriedade
A propriedade pode ser adquirida de diversas formas (art. 1.238 e ss.) e a aquisição poderá se dar ou de
forma originária (quando não há a transferência volitiva 70 da propriedade, do antigo para o novo dono,
tampouco, pois, fato gerador do imposto de transmissão, não recaindo sobre o bem nenhum ônus ou
características anteriores, pois surge um direito novo, o que não quer dizer que não será devido o IPTU e
a taxa de incidência, por exemplo, por serem essas obrigação propter rem – art. 945, in fine, do CPC) ou
derivada (quando há transferência, transmissão volitiva do antigo ao novo proprietário, quando será
devido o ITBI – Imposto de Transmissão de Bem Imóvel). Entendido isso, vamos às formas de aquisição
da propriedade, sendo elas:

 Usucapião, a ser trata em tópico específico, valendo aqui ser adiantado que se trata esse do
clássico caso de aquisição originária da propriedade (arts. 1.238 a 1.244). No momento, convém
apenas dizer que o credor hipotecário poderá interromper a prescrição aquisitiva, isto é, a
usucapião, na qualidade de terceiro interessado, interpelando judicialmente o usucapiente (art.
1.244 c/c art. 203); em hipóteses tais, o usucapiente também poderá afastar a suspensão da
prescrição aquisitiva pagando a dívida e, assim, sub-rogando-se legalmente na qualidade de
terceiro interessado (art. 346 c/c art. 349).

 Sucessão hereditária: embora não constante do rol previsto no capítulo II do título III do Código
Civil, referende à propriedade e aos seus modos de aquisição, trata-se sim de uma maneira de
aquisição derivada da propriedade. Falaremos mais do tema quando do estudo da Direito
Sucessório, onde a hipótese é regulada na codificação civil pátria.

 Registro público do título de propriedade: é o modo típico de transmissão da propriedade inter


vivos (com a transmissão causa mortis, teremos apenas a averbação do título, vale dizer, e não o

70
Mas não nos enganemos: a aquisição em hasta pública gera aquisição derivada, pois há vontade, substituindo-se
a do devedor pela do juiz, para saldar a dívida, e transferência do antigo dono para o novo. O contrário ocorre, por
exemplo, na desapropriação, não sendo possível ao particular impedi-la, só, quando muito, discutir os valores
dessa forma de aquisição originária da propriedade por parte do Estado.

102
Direito Civil

registro). No Brasil, esse registro, que se for de bem imóvel será junto ao RGI, tem natureza
constitutiva da aquisição da propriedade, motivo por que dizem que “só é dono quem registra“.
Assim, por exemplo, se o bem for vendido a duas pessoas, quem primeiro apresentar o título a
registro é que será o dono, conforme princípio da prenotação no RGI – arts. 182, 186 e 174 da
LRP c/c art. 1.246 do CC, salvo má-fé do adquirente posterior, cujo comportamento não será
tolerado, sendo ineficaz seu eventual registro. Mas existem casos em que o registro não terá
natureza constitutiva, mas meramente declaratória, só para que haja publicidade e eficácia
erga omnes, perante terceiros: (i) sentença usucapião – Súmula 237 do STF; (ii) sentença de
partilha da herança – aplicação do princípio de saisine, previsto no art. 1.784 do CC; (iii) regime
de bens, notadamente no caso de haver meação e o bem só estiver no nome de um dos
cônjuges; (iv), aluvião71 e avulsão72 - arts. 1.250 e 1.251, CC, respectivamente, ambas as normas
prevendo que a parcela de terra acrescida pela força natural será adquirida pelo novo dono,
independentemente do que consta no registro; (v) e desapropriação, sendo predominante a
ideia de que o poder público adquire a propriedade do bem não com o registro ou com a
imissão na posse, mas sim com o pagamento da indenização, perfazendo o ato administrativo
complexo, valendo o registro só com fins declaratórios e para conferir eficácia erga omnes).

 Acessão Artificial: em regra, o titular das acessões é o titular, o proprietário do terreno, em


razão do princípio da gravitação jurídica (art. 1.255), tendo, no máximo, direito à indenização, se
estivesse quem o fez de boa-fé (parte final do art. 1.255).
o Mas quando algo muito valioso, econômica ou socialmente 73 falando, for construído ou
plantado estaremos no caso de acessão invertida, situação em que o dono do terreno é
quem o perderá para quem de boa-fé plantou ou construiu – é dizer, excepcionalmente
temos o principal seguindo o acessório, em razão da função social (art. 1.255, parágrafo
único, do CC).

o Também constituem modalidade de acessão invertida os arts. 1.258 e 1.259, pelos quais
poderá haver a acessão inversa da parte do terreno (o sujeito constrói ou planta em
terreno próprio, mas acaba o sujeito invadindo parcela do terreno vizinho, quando poderá
ou pedir a destruição do que fora objeto de invasão ou adquirir a parcela do terreno
invadido, em prol da função social, desde que cumpridos os requisitos da boa-fé, de a área
invadida não ultrapassar 1/20 do terreno, de que o valor da construção ou da plantação
exceda consideravelmente ao da área invadida e da indenização ao dono do terreno
invadido, num cálculo considerando o valor da área perdida e a desvalorização da área
restante – art. 1.258; no caso de má-fé, também poderá haver a alienação compulsória da
faixa invadida, desde que a área invadida não ultrapasse 1/20 do terreno, que o valor da
construção seja consideravelmente ao da área invadida, que a porção invasora não possa
ser demolida sem grave74 prejuízo e que haja pagamento de dez vezes o valor da perda da
área mais desvalorização do remanescente – parágrafo único do art. 1.258) ou acessão
inversa de invasão parcial de mais de 1/20 (o art. 1.259 segue a lógica do art. 1.255, antes
estudado, para onde remetemos o leitor).

71
Aluvião é o deslocamento gradativo de terras.
72
Avulsão é o deslocamento abrupto por força natural violenta.
73
O entendimento de que é possível tal se dar por um alto valor social é minoritário, mas bem consistente, sendo
defendido por Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves.
74
Prejuízo sempre haverá, mas aqui ele deve ser grave.

103
Direito Civil

o Acessão com dever de ressarcir o valor da acessões: é o típico caso de má-fé bilateral,
previsto no art. 1.256 do CC, onde o proprietário percebe que alguém está plantando ou ali
construindo e nada faz, quando aquele até adquirirá o que fora plantado ou construído,
mas terá que indenizar este. Em casos tais, o proprietário que presenciou a plantação ou
construção terá sua má-fé presumida, não podendo invocar a boa-fé para afastar o direito à
indenização, por vedação ao comportamento contraditório (parágrafo único do art. 1.256).

 Desapropriação Judicial Invertida ou no Interesse Privado75: possibilidade de o proprietário ter


sua ação reivindicatória indeferida no mérito caso a situação fática de seu imóvel se enquadre
na hipótese do art. 1.228, §§4 o e 5o (exemplo de aplicação prática do instituto encontra-se no
art. 1.285, que prevê a passagem forçada). Seus requisitos são muito parecidos com a usucapião
(com a coletiva, do Estatuto da Cidade, ainda mais), mas com ela não se confunde, não sendo
caso de aquisição originária, mas sim derivada de propriedade, bem como por ser remunerada.
Trata-se de uma ação de natureza dúplice, pois esses possuidores (réus) podem pedir ao juiz,
por meio de pedido contraposto (art. (art. 278, §1 o, CPC, podendo fazê-lo tanto na possessória,
quanto na reivindicatória, conforme Enunciado 310 do CJF), a fixação de indenização para pagá-
la ao proprietário e ficar com o bem. Verdadeiramente, toda e qualquer desapropriação deve
contemplar o proprietário com uma indenização e, segundo a doutrina, é o Estado quem será o
responsável pelo pagamento caso o possuidor seja pessoa de baixa renda, sem condições de
pegar a referida indenização – Enunciado 308 do CJF/STJ. Aliás, esse pagamento deve ser feito
em dinheiro, por não estaremos diante de uma desapropriação sanção, ao revés do que seria se
fosse o caso de aplicação do art. 182, III, da CF. Finalmente, não se admite que o juiz conheça
de ofício a desapropriação no interesse privado, pois as partes podem optar por ingressar com
usucapião coletiva (art. 10, da Lei 10.257/01), onde não mais haverá que se falar em indenização
ao proprietário, vale atentar.

Bruno Magalhães – 01 e 08.04.15

Usucapião
Por ser a mais importante forma de aquisição da propriedade, vamos estudar a Usucapião em separado,
conforme dito anteriormente. Bom, a usucapião pode ser conceituada como um modo originário de
aquisição da propriedade móvel ou imóvel, pelo exercício de uma posse qualificada. Aliás, não é por
outro motivo que dizem estamos diante de uma ponte entre a posse e a propriedade, porque através da
posse, pela usucapião, pode-se chegar à propriedade.

Mas não é qualquer posse que faz gerar a usucapião, somente a posse qualificada, denominada posse
ad usucapionem, a qual deve observar os seguintes requisitos:
 Posse sem oposição, mansa e pacífica, pois;
 Posse ininterrupta, pelo período de tempo previsto em lei, o que irá variar de espécie a espécie;
 Posse sobre um bem apropriável, do que se pode afirmar que até bem público poderá, em tese,
ser usucapido, se for apropriável (bens públicos dominicais o são), apesar do art. 183, §3 o, CF.
 Posse com animus dominis, relacionada à teoria de Savigny, fazendo-se necessária a intenção
de ser proprietário para que se fale em usucapião. Nesse sentido, por exemplo, o locatário não
poderá jamais usucapir.

75
Ainda que no interesse privado, a desapropriação judicial invertida não deixa de ser uma desapropriação, pois o
poder do Estado é uno e indivisível – é dizer, quem desapropria é o Estado, mas na sua função social e, dessa vez,
não no interesse público primário, e sim no interesse privado.

104
Direito Civil

Como vimos, a variação de prazos para a usucapião está relacionada às suas espécies. São espécies de
usucapião de bens imóveis:
 Usucapião extraordinária (art. 1.238, CC): independentemente de justo título e de boa-fé, pode
haver usucapião de bem imóvel em quinze anos; quando, no entanto, tiver sido estabelecida no
imóvel a moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, o prazo será
reduzido para dez anos (parágrafo único do art. 1.238) – é o caso da chamada posse social, que
também é dita posse moradia ou posse trabalho.

 Usucapião especial rural (art. 1.239): o prazo aqui é de cinco anos, desde que a pessoa não seja
proprietária de outro imóvel em zona urbana ou rural e que o imóvel a ser usucapido tenha
espaço de cinqüenta hectares, acima dos quais deverá ser usada outra espécie de usucapião;

 Usucapião especial urbana (art. 1.240): segue os critérios da anterior, mas aqui a limitação de
tamanho do bem é de duzentos e cinqüenta metros quadrados;

 Usucapião por abandono do lar (art. 1.240-A): é a que um cônjuge irá usucapi o percentual do
outro, sendo necessária a configuração não de uma mera separação fática para que tal ocorra,
mas sim do abandono do lar por dois anos, o que se dá quando o paradeiro do outro cônjuge for
desconhecido;

 Usucapião ordinária (art. 1.242): exige justo título e boa-fé, quando a propriedade será em dez
anos usucapida, salvo no caso do caso de posse social, quando esse prazo é reduzido para cinco
anos (parágrafo único do art. 1.242).

Já no que tange à usucapião de bens móveis (arts. 1.260 e 1.261), tal pode se configurar em três ou em
cinco anos, a depender da existência ou não do justo titulo e da boa-fé

Ademais, a sentença que reconhece a usucapião é declaratória (de uma situação já existente). Por isso
é que, desde que presentes os seus requisitos, pode a usucapião ser alegada em defesa, até mesmo no
caso de não haver ainda sentença declaratória nesse sentido.

Por fim, é importante atentar à seguinte observação: a usucapião é uma forma de prescrição aquisitiva
(e não extintiva da pretensão) de direitos, em razão do decurso de tempo. Como prescrição que é, está
subordinada às causas preclusivas, que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais se
encontram previstas na parte geral do Código Civil, especificamente os arts. 197, 198, 199 e 202, nos
termos do que dispõe o art. 1.244. Sendo assim, por exemplo, não corre em desfavor de absolutamente
incapazes, apenas em seu favor – art. 198, inciso I.

Direito de Vizinhança
Trata-se do conjunto de regras e princípios que visa regular a relação entre vizinhos, sendo considerado
vizinho, para tais fins, num interpretação ampla, qualquer um que possa interferir na esfera jurídica do
outro, ainda que distantes um do outro. Só que essas regras e princípios estão elencados em um rol
taxativo na codificação civil, estando do art. 1.277 ao art. 1.313, alguns dos quais aqui trataremos, os
mais importantes, é evidente. Antes de mais nada, convém dizer que aqui vigora a regra dos três “s“:
não podendo ser atingidas a segurança, a sossego e o saúde do imóvel (ou prédio, ou terreno) vizinho.

105
Direito Civil

Uso anormal da Propriedade


O art. 1.277 é um limite ao direito de propriedade, proibindo seu uso anormal, sob pena de sofrer uma
ação judicial, para que a propriedade venha a ser exercida com adequação, com normalidade. Trata-se
essa da ação de dano infecto, que nada mais é do que uma ação de obrigação de fazer ou de não fazer,
de rito comum ordinário, que visa combater aquele ato ilícito 76, abusivo77 ou excessivo78 (arts. 186 e
187), praticado no exercício de direito do propriedade.

Aliás, por essa razão é que muitas vezes são feitos Estudos de Impacto de Vizinhança – EIV, evitando-se
que a propriedade seja exercida de modo anormal, inadequado, abusivo.

Passagem Forçada
Prevista no art. 1.285, a passagem forçada visa garantir a passagem para uma via pública, quando não
houver esse tipo de saída. Sem maiores dúvidas, em casos tais o vizinho titular do imóvel que está
causando o encravamento será obrigado a dar passagem, mas deverá ser indenizado. É importante
dizer que se trata esse de uma forma de desapropriação judicial no interesse privado, mediante a devida
indenização e que se dá mesmo que contra a vontade do titular do imóvel que causa o encravamento.

Discute-se na doutrina se essa obrigação do vizinho existirá também no caso de encravamento parcial
(acesso muito prejudicado à via pública) ou apenas no caso de encravamento total. O entendimento
majoritário é no sentido de que seria possível em ambos os casos, devendo a expressão “acesso à via
pública“ ser lida como “acesso seguro à via pública“ – Enunciado 88 CJF/STJ. Mas parcela da doutrina
defende que a norma em estudo deveria ser interpretada restritivamente, do que só caberia passagem
forçada no caso de encravamento total (ou absoluto).

Por último, convém destacar que passagem forçada não se confunde com a servidão de passagem:
com efeito, passagem forçada é um direito de vizinhança, de natureza de direito pessoal, obrigacional,
não constando do rol de direitos reais, mas decorrente do direito de vizinhança, da lei ou regulamentos,
que se destinam a todos os prédios em razão de sua proximidade, sendo uma verdadeira hipótese de
desapropriação judicial no interesse privado, que se operará mediante indenização e mesmo que
contrariando a vontade do titular do imóvel que está causando o encravamento; por sua vez, a servidão
de passagem é um direito real sobre coisa alheia, que se dá mediante negócio jurídico voluntário, por
conveniência ou utilidade do prédio dominante, reinando a autonomia da partes.

Direito de Construir
Direito de construir é a faculdade que a lei confere ao titular do bem de nele realizar acréscimos por
meio de obras, o que se encontra regulamentado a partir do art. 1.299, devendo haver observância das
limitações constantes em regulamentações administrativas, em eventuais regras condominiais (v.g., tem
o titular do imóvel que esteja despejando água no prédio vizinho o dever de efetuar construção para
sanar o problema – art. 1.300), no direito de vizinhança, bem como na função social.

76
Um ato ilícito é aquela ação ou omissão que viola direito e causa dano a outrem.
77
Um ato abusivo ocorre quando o titular de um direito exerce-o abusivamente, ultrapassando seus limites.
78
Um ato excessivo é aquele que causa dano ao vizinho, mas sem uso anormal da propriedade; se mantido, caberá
indenização em favor da vítima. Mas é importante ressaltar que o uso normal da propriedade que causa apenas
danos normais ao vizinho não implica indenização, devendo haver tolerância desses hábitos cotidianos. Exemplo é
um vizinho que toca bateria em horário condizente com o barulho causado pelo aparelho musical.

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Direito Civil

A ação que deve ser proposta para embargar, parar uma obra é a ação de nunciação de obra nova; se a
obra já estiver pronta, porém, falaremos em ação demolitória, que nada mais é do que uma ação de
obrigação de fazer, de destruir, no caso.

Aurélio Bouret – 06.04.15

Condomínio
Condomínio nada mais é do que o exercício do mesmo direito de propriedade por duas ou mais pessoas.

Espécies
São espécies de condomínio, no Código Civil:
 Condomínio Tradicional (ou Geral ou Comum): é a copropriedade de bens imóveis ou mesmo
de bens móveis, prevista nos arts. 1.314 a 1.330 do Código Civil, dividindo-se em:
o Comum Voluntário, a exemplo do regime de bens do casamento e da união estável.
o Condomínio Comum legal, que se subdivide em condomínio fortuito (ou aleatório, a
exemplo do que pode ocorrer na sucessão hereditária) e em forçado (ou necessário, como
ocorre com muros, cercas, valas e paredes divisórias – art. 1.327 a 1.330).

 Condomínio Edilício (CC, arts. 1.331 a 1.358; e Lei de Incorporações Imobiliárias, n. 4.591/64):
aplicado exclusivamente para bens imóveis, na constituição desses podem ser determinadas
áreas de uso comum e áreas de uso exclusivo (verdadeiramente, os condôminos são donos da
coisa toda, mas podem prever a utilização de áreas de uso exclusivo, que poderão ser alienadas
em separado). Vale dizer que condomínio edilício não é sinônimo de edifício, mas também pode
ser constituído em casos de edifício, o que é inclusive mais comum de ser visto.

Direitos e Deveres dos Condôminos


Aplicáveis como regra de condomínio geral, temos os direitos e deveres dos condôminos. Estudemos em
primeiro lugar os direitos:
 Direito de Uso e de Fruição: é o direito de usar e tirar utilidades (fruir) da coisa como um todo,
independentemente do tamanho da sua cota, da sua fração ideal – art. 1.314, respeitado os
direitos dos demais condôminos. Com isso também nasce o dever de prestar contas aos demais
condôminos – art. 1.319 c/c art. 1.314, a exemplo do que ocorre com o dever de dividir o valor
dos frutos e produtos com aquele com quem divide uma parte ideal.
 Direito de Defesa e Proteção do Todo em Face de Terceiros: por meio de tutela possessória ou
de tutela petitória (reivindicatória), independentemente de anuência dos demais (aliás, a coisa
julgada poderia atingir os demais que não fizeram parte do processo, conforme o entendimento
majoritário). Também essa defesa pode se dar contra ato de outros condôminos (art. 1.314 c/c
art. 1.299), cabendo ação possessória contra o condômino que impede o outro de usar o bem,
por exemplo.
 Direito de Alienação ou Oneração: cada condômino tem direito de alienar (vender, doar) ou de
onerar (hipotecar, penhorar) sua fração ideal, sua cota-parte. Quanto ao todo, somente poderá
o fazer mediante a aquiescência dos demais – art. 1.314 c/c art. 1.322.

Recusa Imotivada
Na situação de alienação ou oneração, havendo recusa imotivada, injustificada de um condômino, pode
restar caracterizado o abuso de direito e gerar o suprimento judicial desse consentimento, por meio de

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Direito Civil

procedimento de jurisdição voluntária. Por uma leitura a contrário senso, a recusa pode até ocorrer,
mas desde que motivada, como ocorre quando a oportunidade imobiliária não for propícia para venda.

 Direito de Voto, que está condicionado ao adimplemento da taxa condominial. Temos aqui um
exemplo de aplicação da função social da propriedade, impedindo que o condômino prejudique
a coletividade com a sua inadimplência.
 Direito de preferência, que se aplica apenas nas alienações onerosas (art. 504, CC), devendo em
casos tais o condômino ofertar primeiramente a sua cota parte aos demais condôminos, o que
se deverá ser feito mediante notificação judicial ou extrajudicial, para que o direito seja exercido
no prazo mínimo de trinta dias – aplicação, por analogia (art. 4 o, LINDB), do art. 27, caput e
parágrafo único, da Lei 8.245/91 c/c art. 504, parágrafo único, CC. Aqui, caso não se oportunize
o direito de preferência, teremos a mera ineficácia do ato, podendo o condômino interessado
adjudicar compulsoriamente o bem, no prazo de cento e oitenta dias do conhecimento da
violação do direito e desde que se promova o depósito do valor do negócio jurídico em juízo,
além de se observar a formação de litisconsórcio passivo necessário e unitário, ajuizando-se a
ação em face tanto do alienante quanto do adquirente; não há que se falar, então, em perdas e
danos, ao contrário do que ocorreria se o caso fosse de aplicação do art. 518 do CC. Finalmente,
é importante destacar que o direito de preferência só se aplica ao condomínio comum, e não
ao condomínio edilício.

Temos também os deveres dos condôminos, muitas das vezes correlatos aos direitos:
 Dever de respeito à finalidade do bem: significa não alterar a destinação do bem. Por exemplo,
se o imóvel é residencial, não pode ser usado comercialmente – art. 1.314, parágrafo único.
 Dever de não dar posse a terceiro sem o consentimento dos demais: aplicável apenas no
condomínio tradicional, pois no caso de condomínio edilício temos as partes de uso exclusivo,
caso este em que, havendo exclusivamente um condômino residindo no imóvel, exercendo a
posse direta sobre o bem, o outro terá o direito de pedir o ingresso no bem ou a sua alienação.
 Dever de rateio das despesas comuns, previsto no art. 1.315 e que deve observar o seguinte:
o Responsabilidade do condômino proporcional ao seu quinhão: não é solidária, não
podendo assim ser presumida, nos termos do art. 265.
o Presunção relativa de partes iguais, caso não haja discriminação das frações ideais de
cada condômino – parágrafo único do art. 1.315. Neste ponto, convém observar que pode o
condômino renunciar à sua cota parte, na forma do art. 1.316, eximindo-se do pagamento
de despesas e dívidas.
o Responsabilidade pelos frutos colhidos isoladamente: cada um dos condôminos tem o
direito de usar e fruir do todo, mas o condômino que percebe sozinho os frutos responde
por sua divisão, na forma do art. 1.319. Nesse sentido, se um condômino usa o bem imóvel
de modo exclusivo, deve pagar ao outro uma taxa de ocupação, pelo fato de que o bem
poderia gerar frutos para ambos os condôminos. O mesmo se diga em relação ao cônjuge e
ao companheiro que estiver sozinho na posse direta do imóvel, conforme o entendimento
exarado pelo STJ no REsp 622472/RJ, quando o valor do aluguel será determinado pelo juiz
e a esses caberá metade da quantia.

Administração do Condomínio
O administrador representará o condomínio em juízo e fora dele, além de ter o dever de prestação de
contas. O mais importante a se falar aqui é em uma hipótese de incidência da teoria da aparência,
diante da figura do administrador tácito, que é aquele que se comparta, aos olhos de terceiros, como se

108
Direito Civil

administrador fosse, exercendo aparentemente a função de administrador. Se celebrar negócio jurídico


com terceiros de boa-fé, estes estarão protegidos, porque o condomínio estará vinculado, ressalvado,
porém, o direito de regresso do condomínio em face do administrador tácito.

Extinção do Condomínio
Cada condômino tem direito de a todo tempo requerer a divisão do condomínio, por meio de ação de
divisão, que segue um procedimento especial de jurisdição contenciosa, na forma do art. 1.320. Com
efeito, a temporariedade é elemento natural do condomínio, pois todo ele é fonte conflitos. Ademais,
sendo a natureza do bem indivisível, fica estabelecida a alienação judicial, nos termos do art. 1.322.

Condomínio de Fato
Condomínio é uma situação jurídica (comum ou edilício, conforme estudado), mas existem situações em
que, embora não haja a copropriedade, temos uma associação. Com efeito, a regra geral é de que a
liberdade de associação impede que se fale em condomínio de fato, mas em alguns situações, com base
na proibição ao enriquecimento sem causa, cabe sustentar a possibilidade de formação de condomínio
de fato, obrigando todo aquele que se beneficia a contribuir proporcionalmente com as despesas, afinal,
ao adquirir o imóvel, o sujeito concordou em aderir aos benefícios e serviços ali prestados, o que é mais
fácil de ser visto na Barra da Tijuca, RJ. Daí é que, na prática, quando houver condomínio de fato o STJ
permite a cobrança de cotas condominiais, muito mais protetivas do que a taxa de associação, na
medida em que a impenhorabilidade do bem de família sequer poderia ser alegada em defesa.

Condomínio Edilício
Também conhecido como condomínio por unidades autônomas, trata-se de uma simbiose orgânica, de
uma mistura entre propriedade coletiva e propriedade individual, as quais o caracterizam – art. 1.331.

Natureza Jurídica
Tem natureza jurídica de ente despersonalizado, mas tem capacidade de ser sujeito de direitos em
dadas situações, para atender a suas finalidades, podendo, v.g., contratar empregados representado
pelo síndico (que é um representante de todos os condôminos, devendo agir no interesse dos mesmos,
e não no seu próprio), ser sujeito passivo em relação tributária etc. Com efeito, a existência de CNPJ não
o transforma em pessoa jurídica, servindo apenas para fins tributários. Apesar disso, o Enunciado 264 da
Jornada de Direito Civil reconhece a personalidade jurídico do condomínio, refletindo um entendimento
minoritaríssimo, mais relacionado a fins registrais do que a outra situação.

Elementos Constitutivos
Seus elementos constitutivos são:
 Ato de criação ou ato de instituição (art. 1.332): é o ato de existência, de ”proclamação“ do
condomínio. Temos aqui duas questões: (i) é necessária a presença das matérias obrigatórias
que constam da norma mencionada, que somente poderão ser modificadas por unanimidade
dos condôminos, a exemplo da entrega de área comum, como terraço ou cobertura, a um dos
condôminos; (ii) somente podendo ser

 Após, teremos a Convenção do Condomínio (art. 1.334): é a norma maior do condomínio, que
estabelece quem administrará, quais serão os critérios de reajuste da taxa condominial etc.,
constando o rol de matérias obrigatórias no art. 1.334. Tem natureza jurídica de norma
estatutária, porque vincula não apenas os condôminos subscritores, mas também terceiros
adquirentes. Por isso mesmo é que é necessário o registro no cartório de imóveis para ter

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Direito Civil

validade e eficácia em face de terceiros, sob pena de só o ter em face dos que participaram da
assembleia – parágrafo único do art. 1.333, CC, e Súmula 260 do STJ. Para ser aprovada ou
modificada, é necessário quórum de 2/3 de aprovação das frações ideais, de acordo com o art.
1.351; mas é importante atentar que esse quórum de aprovação não se confunde com o
quórum de voto, como ocorre no art. 1.341, que elenca diversas matérias, cada qual com um
quórum específico, variando entre a contagem entre o número de votos dos condôminos e o
número de votos dos presentes. No mais, certo é que as regras da convenção poderão ser
discutidas em juízo, caso firam a razoabilidade e a proporcionalidade exigidas pelo STJ,
proibindo muito ou permitindo tudo, a exemplo do que pode ocorrer com a radical proibição de
todo e qualquer animal de estimação e da proibição ilegítima de realização de festas ou de
cultos religiosos que não interfiram no sossego dos demais ou que sejam meramente eventuais.
Por isso é que convém nos valermos da diretriz de concretude do art. 1.277. Ressalta-se, por
fim, que, não havendo na convenção condominial previsão de indenização por dano, furto e
roubo em área comum, não haverá responsabilidade para o condomínio, a não ser que tenha
concorrido para o evento, como pode ocorrer com uma falha de segurança.

 Em hierarquia inferior, temos o Regimento Interno, como o horário de funcionamento do play e


do elevador social. Não é necessário, mas facultativo.

Sanções
Em regra, as multas aplicáveis aos condôminos dependem de previsão na convenção condominial, mas
há casos em que a imposição de multa independerá de tal previsão, como no caso do art. 1.336, §2 o, CC.

Condômino antissocial
O condômino que, reiteradamente, não cumpre suas obrigações, prejudicando o sossego, a saúde e a
segurança dos demais e ferindo os bons costumes, a boa-fé e a função social é dito antissocial, na forma
do art. 1.337, caput e parágrafo único, c/c 1.336, IV, todos do CC. Observado o quórum de ¾ dos demais
condôminos, poderá ser aprovada multa em até cinco vezes o valor da cota condominial em desfavor do
condômino antissocial (art. 1.337, caput) e, se mesmo assim, reiteradamente deixa de cumprir com suas
obrigações, essa multa pode ser elevada a dez vezes (parágrafo único, art. 1.337). Se, mesmo depois de
aplicadas essas multas, o condômino insistir no comportamento antissocial, teremos a configuração do
abuso do direito de propriedade, havendo controvérsia a respeito da possibilidade de sua exclusão.

Casuística: o regime jurídico das garagens


São três os regimes jurídicos das garages (art. 1.331, §1 o, c/c art. 1.338 do CC e art. 2o da Lei 4.591/64):
 Vaga de garagem como propriedade exclusiva: é a hipótese dos edifícios-garagem, onde são
atribuídas frações ideais do terreno, que podem ser alienadas e alugadas livremente.
 Vaga como propriedade exclusiva vinculada à unidade imobiliária: é distinta, exclusiva e, por
isso mesmo, deve estar discriminada em termos de escritura, mas certo é que está vinculada à
unidade imobiliária, de modo que só podem ser alienadas e alugadas livremente apenas para os
condôminos, sendo necessária autorização expressa na convenção para que se permita que tal
seja feito em favor de terceiros.
 Vaga como acessório da unidade autônoma: o uso da garagem não se encontra discriminado
no ato constitutivo, mas é atribuída vaga como bem acessório da unidade imobiliária. Por ser
um bem acessório, não pode ser alienado, mas poderá ser alugada somente para condôminos,
salvo autorização expressão na convenção autorizando que tal seja feito em favor de terceiro.

110
Direito Civil

Taxa Condominial
É uma obrigação propter rem, que adere à coisa, devendo ser paga pelo atual condômino, ressalvado o
direito de regresso. De toda forma, a taxa condominial excepciona a regra da impenhorabilidade do bem
de família, mas, a despeito dessa força, não se permite a cobrança vexatória, sob pena de se restarem
gerados danos morais, tampouco serem suspensos os serviços essenciais, como o uso de elevador e a
coleta de lixo, podendo os não essenciais ser cortados, desde que haja previsão na convenção, em prol
do princípio da legalidade, aqui lido como a não surpresa.

Direitos Reais Sobre Coisa Alheia


Consiste no direito real que recai simultaneamente sobre o bem pertencente a outro titular de direito
real: temos aqui, nesse sentido, a convivência de dois direitos reais. No presente material, não iremos
nos aprofundar no tema, apenas trataremos o que é mais provável de ser cobrado na prova de ingresso
da EMERJ, geralmente questões conceituais.

Propriedade Superficiária
Noção existente desde a antiga enfiteuse 79 romana, a propriedade superficiária parte da noção de uma
ficção jurídica que permite se desmembrar a propriedade sobre o imóvel, ficando a propriedade do solo
para uma pessoa (fundeiro ou concedente) e a propriedade da superfície desse solo para outra pessoa
(superficiário), que, em regra, deverá pagar um valor para aquela, em clara exceção ao princípio do
superficies solos credit – arts. 1.255 e 1.369, visto que se transfere aqui mais do que o domínio útil, e sim
a própria propriedade superficiária.

O direito de superfície é usado nos casos em que alguém tem um terreno e não quer dele se desfazer,
mas também não quer deixá-lo ocioso, e sim dele tirar proveito econômico com a venda do direito de
construir e plantar sobre o mesmo (quando se tratar de superfície onerosa, é claro), permitindo que
outrem faça-o, permanecendo o proprietário na certeza de que depois tudo aquilo que fora construído
ou plantado será seu.

A enfiteuse era perpétua (por isso até hoje são cobrados foro e laudêmio, conforme dito acima), o que
acabava por ferir a função social da propriedade, mas, por sua vez, o direito de superfície deve ser
constituído por tempo determinado, a ser estabelecido pelas partes. O Estatuto da Cidade, em seu art.
21, até fala em prazo indeterminado, mas nunca perpétuo, quando será extinto pela restituição do bem
mediante notificação judicial ou extrajudicial, na forma do art. 397, parágrafo único, do CC, observada a
razoabilidade.

No mais, o direito de superfície poderá ser oneroso ou gratuito, a depender da vontade das partes, mas,
de toda forma, enquanto existir o direito de superfície, o superficiário poderá inclusive constituir
79
Atualmente, não mais se pode constituir enfiteuses, mas, em respeito ao direito adquirido, as já constituídas não
foram extintas pelo Código Civil de 2002, o que nos permite ainda ver até os dias e hoje a cobrança de foro e
laudêmio em alguns lugares. Pela leitura do art. 2.038 da atual codificação civil, o que não se pode é constituir
nova enfiteuse, o que agora cabe só ao direito de superfície, que atente melhor à função social da propriedade. As
diferenças entre os institutos são: (i) a enfiteuse é perpétua e a superfície jamais o será, quando muito poderá se
dar por tempo indeterminado; (ii) a enfiteuse é sempre onerosa, mediante pagamento de foro, enquanto que a
superfície pode ser gratuita ou onerosa, neste caso pelo pagamento de cânon; (iii) na enfiteuse há laudêmio, que é
o pagamento devido pela transferência do direito e sempre que ela houver, enquanto que na superfície não temos
laudêmio, sendo vedada qualquer indenização pela sua transferência, sendo nula eventual cláusula que disponha
em sentido contrário, na forma do parágrafo único do art. 1.372 c/c art. 166, VII, ambos do CC.

111
Direito Civil

direito real ou mesmo alienar a superfície sem o consentimento do fundeiro, afinal, não deixa de ser o
superficiário também proprietário da acessão, durante o prazo determinado para o direito de superfície,
não havendo sequer em se falar em laudêmio. Sendo oneroso, teremos o pagamento de solarium (ou
cânon)80, de forma parcelada (em periodicidade) ou de uma só vez (por estipulação do momento de
pagamento), mas jamais poderá ser estipulado qualquer pagamento pela transferência do direito de
superfície, sob pena de nulidade da cláusula que verse em sentido contrário – parágrafo único do art.
1.372 c/c art. 166, VII, do ambos do CC.

Formas de Constituição
São elas:
 Pode se dar por ato inter vivos (contrato) ou causa mortis (testamento) – art. 1.372, devendo
em todo caso ser feito o registro junto ao RGI – art. 167 da Lei de Registros Públicos, onde
deverá constar o modo de utilização, a extensão da superfície, a onerosidade ou gratuidade, a
temporariedade e o direito à indenização por ocasião da extinção da superfície.

 Por usucapião, que diferente da propriedade plena não exige o requisito do animus domini de
todo o imóvel, mas apenas da superfície pelo prazo determinado do animus domini que ainda
restar, o que só haverá se tivermos um contrato anterior, considerado inválido ou inexistente, a
exemplo de um contrato de cessão de superfície subscrito por menor, que seria nulo. Mas deve
ser ressaltado que há quem não admita a hipótese, como Ricardo Lyra.

 Superfície do subsolo: é possível, desde que inerente ao objeto da concessão, isto é, desde que
necessário ao exercício do direito de superfície – parágrafo único do art. 1.369, a exemplo de
um estacionamento subterrâneo em um prédio. Em imóvel urbano não há dúvida disso, mas em
imóveis rurais tal deverá ser mesmo analisado – Enunciado 250 do CJF/ STJ, podendo inclusive o
direito de superfície ser estendido não apenas ao subsolo, mas também ao espaço aéreo, o que,
em especial no caso de bem imóvel urbano, deverá observar as normas de limitação da função
social da propriedade, a função econômica e também a legislação municipal de limitação do
espaço urbano, em respeito ao interesse público estipulado no Estatuto da Cidade.

 Superfície por cisão: apesar de o art. 1.369 dispor que o direito de superfície deve ser concedido
para fins de construção e plantação, a doutrina entende ser possível a concessão de superfícies
já realizadas, aplicando o art. 21, §1 o, do Estatuto da Cidade, com o objetivo não de construção
ou de plantação, mas de dar alguma finalidade ao bem. Exemplo é a constituição de direito de
superfície de um sítio para turismo ecológico.

 Direito de Laje (ou de sobrelevação): o direito de superfície recai sobre a propriedade como um
todo, mas há quem diga que tal pode se dar em parcela da propriedade, notadamente sobre a
propriedade superficiária, criando uma outra construção ou plantação sobre ela, a saber, um
segundo pavimento ou uma construção ou plantação lateral.

Responsabilidade
Ressalvada a possibilidade de convenção das partes em sentido contrário (que nunca serão oponíveis à
Fazenda Pública, convém ressaltar), a responsabilidade pelas obrigações propter rem, dos encargos e

80
O cânon do direito de superfície não se confunde com o foro das enfiteuses, que, ao contrário daquele, deve ser
pago anualmente.

112
Direito Civil

dos tributos que incidirem sobre o imóvel (terreno e acessões) é do superficiário – art. 1.371, podendo o
inadimplemento ensejar a resolução do contrato, se o superfíciário não purgar a mora, é claro.

Direito de Preferência
No caso de alienação da propriedade superficiária, não será exigido nenhum laudêmio nem mesmo uma
autorização, mas deve ser oportunizado o direito de preferência ao fundeiro, e vice-versa, sob pena de
poder a outra parte pagar o preço judicialmente e ter para si o bem, mediante adjudicação compulsória,
resguardado o direito de regresso do terceiro em face do alienante – art. 1.373 do CC c/c arts. 28, 29 e
30 da Lei 8.245/91. Em posicionamento contrário, Venosa admite apenas a indenização do art. 518 do
CC, sem o direito à adjudicação.

Extinção
São formas de extinção do superfície:
 Esgotamento do prazo ou advento da condição resolutiva, restaurando a regra do princípio da
acessão, voltando o fundeiro a ter a propriedade plena do bem – art. 1.375.
 Descumprimento do contrato, por destinação diversa da estabelecida – art. 1.374, restaurando
a regra do princípio da acessão, voltando o fundeiro a ter a propriedade plena do bem.
 Desapropriação, quando a indenização deverá ser dividida entre o fundeiro e o superficiário,
segundo avaliação econômica do direito de cada um e levando em conta o momento da
desapropriação, sendo certo que quanto mais próximo do termo do direito, maior será a parte
do fundiário e menor a do superficiário – art. 1.376.
 Distrato: o direito de superfície pode ser extinto da mesma forma como fora constituído, a
saber, pela vontade das partes e mediante escritura pública levada a registro.
 Confusão: quando se confundir na mesma pessoa a figura do fundeiro e do superficiário, o que
pode ocorrer, por exemplo, no caso de compra e venda, de doação e de dação em pagamento.
 Perecimento do imóvel, pois tornaria impossível a exploração da superfície. Ressalta-se que, se
tal se der por culpa do superficiário, ele será responsabilizado por perdas e danos.

Servidão Predial
Direito real em razão do qual a propriedade sobre determinado imóvel (prédio 81 serviente) perde certos
atributos dominiais em favor da propriedade imobiliária de outro titular (prédio dominante), tornando-a
mais útil u pelo menos mais agradável, o que se dá mediante contrato, voluntariamente, pois, de forma,
em regra onerosa, mas nada impedindo que seja gratuita – art. 1.378.

Servidão envolve a ideia de submissão, com privação de certos poderes inerentes ao domínio do prédio
serviente. Destaca-se que o que está em questão não é a propriedade, mas os poderes a ela inerentes,
tanto que a servidão é um direito autônomo à propriedade. Com efeito, as propriedades mantêm as
titularidades autônomas; é o domínio do prédio serviente que é funcionalizado em atenção à concessão
de acréscimo de utilidade ao imóvel dominante.

Exemplos clássicos são a servidão de passagem (não se confunde com a passagem força, que é, por sua
vez, meio de desapropriação judicial no interesse privado, mediante indenização e ainda que contra a
vontade da parte, ao contrário do que ocorre com a servidão, onde a voluntariedade e a autonomia das
partes está presente), a servidão de vista (que impede que no terreno serviente construam acima de
determinada altura) e a servidão que é constituída para escoamento de águas do imóvel dominante –
81
No Direito Civil, prédio é sinônimo de terreno, e não de edifício, mas certo é que pode haver edifício em um
terreno.

113
Direito Civil

todas feitas de acordo com a vontade das partes, mediante registro no RGI para produzir efeitos perante
terceiros.

Características
São elas:
 Acessoriedade: servidões são acessórias em relação ao direito de propriedade, seguindo-o. Isto
é, havendo alienação do prédio serviente ou mesmo do dominante ela se mantém. Mas existe
quem diga que, quando da alienação titularidade do prédio dominante, a servidão não poderia
se manter, porque se prendia ao domínio anterior, que faleceu. ???
 Perpetuidade: tende a ser perpétua, ajustada sem limitação de tempo.
 Inalienabilidade: não pode o proprietário do prédio dominante alienar a servidão sem alienar a
sua propriedade junto, por ser a servidão inalienável como direito autônomo – aplicação do
princípio da gravitação jurídica, pelo qual o acessório segue o principal.
 Indivisibilidade: mesmo que o imóvel seja dividido a servidão se mantém como antes, gravando
a totalidade da área, salvo se incidia apenas sobre certa faixa – art. 1.386.

Formas de Constituição
São elas:
 Por ato inter vivos (por escritura pública, levada a registro imobiliário no RGI – arts. 108, 1.227 e
1.378, todos do CC) ou causa mortis (deixada em testamento – é o chamado legado de serventia
de certo imóvel em favor de outro – art. 1.378, in fine). Frisa-se que se trata de um contrato, de
acordo de vontade das partes, que deve ser registrado no RGI para que produza efeitos perante
terceiros. No mais, importante mencionar que apenas tem poder para dispor da coisa é que tem
legitimação para outorgar servidão: proprietário pleno, enfiteuta e titular da superfície, dentro
dos seus limites (sendo, pois, temporária); não poderá, por exemplo, fazê-lo nem o titular de um
imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade, nem o usufrutuário.

 Usucapião, apenas das servidões aparentes 82 e contínuas, na forma do art. 1.379 e da Súmula
415 do STF, notadamente quando não estiver registrado o direito real em questão.

 Servidão por destinação do proprietário: quando prédios vizinhos de um mesmo proprietário,


através de sinais visíveis e permanentes, prestam serventia ao outro. Dessa forma, havendo
alienação de um deles ou sucessão, entende-se mantida a serventia. Para tanto, os seguintes
requisitos devem ser cumpridos: (i) aparência da servidão; (ii) ausência de cláusula expressa no
sentido de não instituição de servidão; (iii) boa-fé objetiva, interpretando-se os fatos de acordo
com a legítima expectativa dos contratantes – arts. 112, 113 e 421, CC.

Classificação das Servidões


Podem as servidões ser:
 Aparente (revela-se através de sinais externos, visíveis, a exemplo da servidão que se opera por
meio de obras, porteira; por poder ser objeto de posse, tem a devida proteção possessória e,
também, pode ser objeto de usucapião) ou não aparente (não se exterioriza por sinais e obras,
só sendo possível se constatar pelo exame da escritura, como a servidão de ventilação, que é a
que impossibilita uma alta construção).

82
A servidão de vista não é aparente, porque aparente é a que se constata por meios físicos, como pode ocorrer
com a servidão de passagem.

114
Direito Civil

 Contínuas (exerce-se independentemente da ação humana, como no exemplo do aqueduto) ou


descontínuas (exercício dependente da ação do proprietário do prédio dominante, como no
caso da servidão de tirar água e na servidão de passagem).
 Positivas (exigem atuação concreta do dono do prédio dominante no prédio serviente, como é o
caso da servidão de pastagem) ou negativas (efetiva-se pela mera abstenção, como é o caso da
servidão de não construir).

Causas de Extinção
Previstas no art. 1.388 e 1.399, autorizam o cancelamento no registro imobiliário:
 Renúncia do titular.
 Confusão, pela reunião dos prédios dominante e serviente na propriedade de uma só pessoa, o
que se dá em razão de que um dos requisitos para a constituição da servidão é que os prédios
sejam vizinhos e de proprietários diversos, não sendo a ninguém dado ter servidão sobre seu
próprio prédio.
 Resgate, por parte do proprietário do prédio serviente.
 Quando cessar a utilidade.
 Desuso por dez anos, o que se conhece na doutrina por usucapião da liberdade.

Usufruto
Conforme art. 1.390, o usufruto confere ao usufrutuário o direito de usar e fruir do bem (de aproveitar
economicamente da coisa, não de dispor, nem de agredir a substância do bem sem autorização, sob
pena de extinção – art. 1.410, VII), sem no entanto o nu proprietário dispor dele (este terá, pois, direito
à substância do bem, tanto que aquele não poderá mudá-la, além de ainda manter o direito de dispor e
de reaver).

Deve ser registrado no RGI, de modo que quem entra no imóvel o fará como nu proprietário, não tendo
acesso imediato à posse direta do bem.

Objeto
Em regra, recai sobre bens corpóreos, mas nada impede que recaia sobre bens incorpóreos, como ações
e títulos de crédito, bem como apólices de dívida – art. 1.395. De todo forma, convém frisar que, se for o
caso de recair sobre bem imóvel, é necessário registro junto ao RGI, para que tenha eficácia erga omnes
– art. 1.391.

Características
São elas:
 É um direito real temporário (pelo tempo de vida da pessoa natural ou pelo máximo de trinta
anos em se tratando de pessoa jurídica, porque não há usufruto perpétuo), personalíssimo e
intransmissível (tampouco a herdeiros) – art. 1.410, I, II e III.
 Inalienável: por ser um direito personalíssimo do usufrutuário, não pode haver alienação, a não
ser para o próprio proprietário; mas pode haver cessão – art. 1.393.
 Impenhorável: não pode recair penhora sobre usufruto, mas sobre os frutos poderá.

Usufruto Simultâneo
É o fixado em favor de dois beneficiários – art. 1.411, sendo perfeitamente admitido, situação em que se
extinguirá a parte em relação a cada um que falecer, salvo se, mediante estipulação expressa, o quinhão

115
Direito Civil

desses couber ao sobrevivente, o que quer dizer que aqui o direito de acrescer constitui exceção, ao
contrário do que haveria no usufruto por testamento, onde o direito de acrescer é a regra – art. 1.946.

Mas esta hipótese não se confunde com o que se tem por usufruto sucessivo, que é vedado pelo
ordenamento jurídico pátrio, sendo aquele que seria feito em favor de um usufrutuário e na sua morre
ocorreria a transmissão do usufruto a outra pessoa – art. 1.410, I.

Formas de Constituição
São elas:
 Por ato inter vivos (negócio jurídico) ou causa mortis (testamento).
 Por usucapião, estando o ânimo de usar e fruir representado por justo título.
 Determinação legal, decorrente do pátrio poder – art. 1.689. Não precisa de registro no RGI,
nem da caução do art. 1.400.

USO E HABITAÇÃO. SE NÃO FOR DADO NAS PRÓXIMAS AULAS, INCLUIR NO MATERIAL.

Exemplo de caixa de observação:


Título da observação
Texto da observação. Texto da observação. Texto da observação. Texto da observação. Texto da
observação. Texto da observação. Texto da observação. Texto da observação. Texto da observação.
Texto da observação.

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