Terras Do Demo
Terras Do Demo
Terras Do Demo
TERRAS DO DEMO
TURISMO E DESENVOLVIMENTO NUM
TERRITÓRIO LITERÁRIO
Julho de 2020
Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra
TERRAS DO DEMO
TURISMO E DESENVOLVIMENTO NUM
TERRITÓRIO LITERÁRIO
Tese no âmbito do Doutoramento em Geografia Humana, orientada pelo Professor Doutor Norberto
Nuno Pinto dos Santos e Pelo Professor Doutor Lúcio José Sobral da Cunha e apresentada ao
Departamento de Geografia e Turismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Julho 20
Agradecimentos
Ao Professor Doutor Norberto Santos, meu orientador, por me ter acompanhado neste
percurso desde os primeiros conhecimentos de Geografia Económica, passando pelo
Mestrado. Parece que foi ontem, mas na realidade já passaram vinte anos. Obrigada
Professor pela disponibilidade, pelos conhecimentos transmitidos, pela bibliografia
sempre disponível, pelos conselhos dados, pelas interrogações constantes;
Ao Professor Doutor Lúcio Cunha, meu orientador, por estar presente em todos os
momentos do meu percurso académico: a Geomorfologia, na licenciatura, o Mestrado e
vinte anos se passaram. Guardarei para sempre, a palavra amiga e o sorriso, à porta da
então Sala de Cartas de Relevos, que mudou o meu caminho. Não encontro palavras para
expressar a minha gratidão sincera, pelos ensinamentos, pelas palavras de incentivo, pelas
chamadas de atenção e correções feitas; por ser e por estar;
A todos os habitantes das Terras do Demo, sem exceção, particularmente aqueles que
gentilmente me abriram as portas, e pelo o modo apaixonado, e por vezes amargurado,
com que conversamos, horas a fio e que me fizeram sentir estas terras a minha;
Ao Dr. Paulo Neto, por gentilmente ter partilhado comigo o seu acervo aquiliniano, o seu
entusiasmo e o seu conhecimento. Pela troca de ideias e pelas informações constantes;
Aos meus alunos que são os responsáveis pela minha vontade de ser eternamente
estudante;
À Vanda, ao Sá, à Joana e ao Pedro, por serem a família onde encontrei o apoio e o
conforto necessários em todos os momentos;
À Marta, ao Duarte e ao Pedro pelas ausências compreendidas, pela vossa presença apesar
da distância;
À minha Madrinha e à Catarina, por tudo, de modo especial por serem o segundo abrigo
da Maria e por nunca me desampararem;
Aos meus pais e à minha irmã, porque apesar de todas as dificuldades nunca deixámos de
acreditar;
Ao Marco pelo compreensão, amizade e amor e à nossa filha, Maria, o motivo pelo qual
todos os dias o Sol brilha;
OBRIGADA.
O rural reinventa-se a cada dia e uma das principais formas da sua (re)invenção passa
pela turistificação das suas paisagens e pela valorização do seu património e dos seus
recursos endógenos.
Nos últimos anos, as obras literárias têm sido um importante instrumento de trabalho para
a geografia humana e cultural pois, através delas, é possível obter informação acerca dos
modos de vida, das características socioculturais, económicas, históricas dos diferentes
grupos humanos e também dos contextos físicos em que habitam.
O Turismo Literário surge, então, como a corporização das palavras do autor, existindo a
primazia do lugar sobre a escrita. O leitor passa a ser um viajante e desloca-se ao espaço
geográfico em que os seus personagens estiveram e viveram. Transforma-se ele próprio
no ator e autor da sua história.
A delimitação das Terras do Demo, que é alvo de estudo do presente trabalho, tem por
base a obra Aquiliniana com o mesmo nome. A expressão Terras do Demo foi usada por
Aquilino no título do seu romance, em 1919, e não mais deixou de estar ligada a uma área
geográfica que se localiza na Beira. Podemos dizer que esta designação corresponde aos
atuais concelhos de Aguiar da Beira, Moimenta da Beira, Penedono, Sátão, Sernancelhe
e Vila Nova de Paiva.
Presists the idea of associating the rural with a bucolic space where progress and
development do not exist. Even so, the rural world, since the last quarter of the twentieth
century, is understood as a multifunctional space, although nevertheless always
associated with low densities. Rural areas in Portugal have been suffering demographic,
social and economic changes in recent decades. These, as we know, result, among other
factors, from their weak dynamism, their restricted or uni-oriented attractiveness, their
relational positioning, which is repulsive to investment, conservative (also therefore
refuge and sanctuary), reduced. in terms of the labor market and undoubtedly aged. It is
also recurrent to associate this situation with a peripheral geographical positioning in
relation to the larger urban centers. Although this can be assumed, however, the spread
of the communication channels and the significant improvement in the people’s mobility,
goods, capital and ideas, which seems to be no longer interiority’s stigma, can still be
doubly role: ease of access but also ease of exit.
The gradual loss of social and economic importance of agriculture has triggered, by local
agents, the need to value non-agricultural activities, which, although already existing,
often functioned as a supplement to household income. In this context, the developmental
factors are very diverse and clearly supportive of the above mentioned multifunctionality,
varying according to local synergies, the interest of a set of external and internal entities
and the content and scope of public policies.
The rural reinvents itself every day and one of the main forms of its (re)invention is
through the turistification of its landscapes and the valorization of its heritage and its
endogenous resources.
In recent years literary works have been an important working tool for human and cultural
geography, because trough them it is possible to obtain information about the ways of
life, the social-cultural, economic, historical characteristics of different human groups and
the physical contexts in which they inhabit.
Literature can thus play a prominent role as a transmitting vehicle of this culture and
simultaneously perpetuate it over time in a writer's records. Literary tourism emerges,
then, as the embodiment of the author's words, there is the primacy of place over writing.
The reader becomes a traveller and travels to the geographical space where his characters
Agradecimentos ................................................................................................................... i
Resumo ............................................................................................................................. iii
Abstract ............................................................................................................................. v
Índice de Figuras ................................................................................................................ x
Índice de Quadros............................................................................................................ xiv
4. Síntese...................................................................................................................... 33
3. Lugar ....................................................................................................................... 80
4. A Evolução do Espaço Rural em Portugal: Breve Síntese ............................................ 83
5. Síntese...................................................................................................................... 93
3. Síntese.................................................................................................................... 215
A aldeia serrana, como aquela em fui nado e baptizado e me criei são e escorreito,
é assim mesmo: barulhenta, valerosa, suja, sensual, avara, honrada, com todos
ali há Abraão e os santos vêm à fala com os zagais nos silenciosos montes; ali
roda o velho carro visigótico nos caminhos romanos mais velhos que eles. É pagã,
e crê em sua religiosidade toda exterior adorar o Deus de S. Tomás. Conta pelo
calendário gregoriano estes terríveis dias de peste, fome e guerra, e está imersa
descreve mas tornar-se-ia ridícula analisando. (RIBEIRO, 1992, pp. III e IV).
1. Introdução
Atualmente existe uma diversidade, complexa, de discursos em torno dos espaços rurais
e quais as melhores medidas a implementar no sentido de diminuir ou mitigar as
diferenças existentes entre o rural e o urbano, ou entre o litoral e o interior, ou ainda entre
a cidade e o campo. Estes discursos, quase sempre de cariz fatalista, transmitem-nos uma
mensagem de um rural envelhecido, inerte, cuja economia se alicerça no terceiro setor,
nomeadamente nos serviços de apoio a idosos, deixando para um segundo plano as suas
Não existe apenas uma definição de espaço rural, existem, sim, um conjunto de
características que lhe são inatas e que contribuem para as diferentes definições
subjacentes ao conceito de rural. Estas características têm sofrido algumas alterações no
que diz respeito aos indicadores de consumo, às dinâmicas demográficas e económicas,
mas a sua matriz cultural, apesar das marcas do tempo, tem-se mantido praticamente
inalterada, acompanhando apenas o percurso dos seus atores.
De acordo com (KAYSER, 1990) na sua obra La Renaisance Rurale o espaço rural
corresponde a uma forma particular de utilização e organização do espaço e da vida social.
Até pelas suas características de isolamento geográfico, face aos aglomerados
populacionais de maior dimensão, estes territórios apresentam: baixas densidades
demográficas, económicas, políticas, de construção, entre outras, predominando as
paisagens de cobertura vegetal, atualmente mais selvagem pelo êxodo rural e agrícola; o
predomínio do setor primário e das atividades agro-silvo-pastoris; um modo de vida
caracterizado pelo comunitarismo e pelo sentimento de apego e pertença ao local; e uma
identidade e uma representação específica alicerçada na cultura camponesa. Assim,
estamos a falar em paisagens humanizadas onde o processo de urbanização foi menos
intenso que noutras partes do território.
Pela análise da literatura, podemos considerar que até ao século XVIII existia uma relação
de complementaridade entre o rural e o urbano. Esta relação de equilíbrio existente ficou
comprometida com a perda de poder económico, social e simbólico do mundo rural,
devido à Revolução Industrial. Uma nova atividade económica ganha lugar no sistema
económico, quer pela sua necessidade de mão-de-obra, quer pelo rendimento mais
homogéneo que proporcionava, contrariamente à incerteza que, desde sempre, marcou a
Para além da caracterização económica e social, o mundo rural também pode ser definido
com base nas representações que lhe estão associadas e com a pluralidade de imagens que
os diferentes atores e agentes locais delas têm. Estas resultam, muitas vezes, das mais
diversas vivências que cada protagonista tem ao longo da sua existência nos territórios de
características rurais.
Outro dos constrangimentos destes territórios passa pelo seu isolamento físico e
contextual, decorrente das políticas e dos processos de planeamento e organização da rede
urbana do território nacional. Existem muitos autores, com os quais concordamos, que
nos apresentam um país a duas velocidades: o litoral e o interior, sendo que em cada uma
delas existem ínfimas dinâmicas difíceis de homogeneizar, com vista a alcançar a tão
desejada coesão territorial.
É necessário integrar o rural num mundo cada vez mais complexo e globalizado,
entendido nas suas mais diversas características, procurando encontrar os motivos que
conduziram às suas mudanças crescentes.
O cenário ideal seria juntar numa mesma política perspetivas complementares que
assumem os diferentes âmbitos do espaço rural e, desta forma, alcançar o equilíbrio destes
territórios e das suas populações, salvaguardando a cultura e a identidade, e promovendo
estratégias conducentes à recuperação demográfica e económica.
O autarcismo vivido durante décadas, pelos espaços rurais do território nacional, fez com
que os valores ancestrais, caracterizados por alguma rigidez e até arcaísmo, típico de
sociedades mais isoladas e onde a inovação e o desenvolvimento demoram a chegar, ainda
se encontram muito vincados em regiões não centrais, com baixas densidades funcionais
e populacionais das comunidades. Não podemos, de forma alguma, deixar de realçar o
efeito do comportamento das dinâmicas demográficas regressivas como obstáculo às
alterações provocadas pelos novos sistemas sociais, políticos e culturais. O reduto de
população existente, para além de envelhecido, ainda tem gravado nas suas memórias e
nos seus modos de vida, os comportamentos e as vivências que lhes foram impostas e
transmitidas como corretas durante séculos. Pensando apenas na segunda metade do
século XX, as marcas da ditadura, da Guerra Colonial, da emigração a salto, das
condições de vida extremamente duras e penosas, resultantes de uma economia pouco
desenvolvida predominantemente agrícola, a par com a miséria, são traços que o passar
do tempo ainda não apagou.
À medida que o filme avança, a par e passo com a idade, os protagonistas da história vão
deixando lugar ao vazio, ocupado pela ausência de novos protagonistas que continuem
No entanto, estes fenómenos também não são recentes, pois se analisarmos a evolução do
povoamento em Portugal, quer pela sua posição geográfica, e pelos constrangimentos
físicos a ela associados, quer pelo facto de serem palco de constantes disputas e batalhas
pela posse do território e da definição da fronteira, desde sempre verificamos a
desigualdade nas dinâmicas de fixação de população no território português. A
volatilidade e a vulnerabilidade das fronteiras, durante décadas, associada à topografia
acidentada, ao clima rigoroso, entre outros fatores, contribuíram para ausência de
ocupação humana, comparativamente com o que aconteceu nas áreas do litoral, mais
propensas à fixação, disseminação e manutenção da população. Conforme já tivemos
oportunidade de referir, esta realidade justifica-se, não só pelas condições físicas dos
territórios, mas acima de tudo, pela estabilidade social e política, contrariamente à
instabilidade que se vivia nas áreas de fronteira, nomeadamente no interior.
Este mesmo fator deixou marcas nos territórios e modos de vida muito característicos. É
nesta linha de fronteira, do norte ao sul do país, que encontramos uma boa parte do
património militar do continente, de onde destacamos: castelos, perímetros muralhados,
fortes e guarnições, a partir dos quais os aglomerados urbanos foram crescendo.
Já em pleno século XX, durante todo o período da emigração, balizado, nos territórios
analisados no presente trabalho e que à frente apresentaremos, a partir das décadas de 50
e 60, o interior raiano também era um ponto de passagem para quem, muitas vezes a salto,
queria atravessar a fronteira. Esta viagem tinha como objetivo chegar à abastada Europa
Central à procura de melhores condições de vida e de um trabalho, e obter uma
contrapartida monetária justa correspondente, que não dependesse das condições naturais,
para a sua sobrevivência e dos respetivos agregados familiares.
De acordo com SOUSA (1995), a década de 60 e 70, foram das décadas que mais
alterações provocaram na história do nosso país. Não podemos falar apenas em alterações
económicas, mas, decorrentes destas, temos também alterações culturais, sociais e
políticas, que transformaram de forma inegável o rumo do nosso país, a partir da segunda
Este fenómeno assumiu valores sem precedentes a partir da década de 50 e 60, com a
alteração do ciclo migratório. Passa agora do Brasil e dos Estados Unidos da América,
para a Europa Ocidental e Central: Os camponeses do norte, do centro e das zonas
fronteiriças com Espanha que sempre foram desprezados pelo centralismo de Lisboa não
podiam e não queriam aceitar passivamente a miséria, o sofrimento e a repressão
(SANTOS N. , 2002, pp. 129 - 160).
Este envio sistemático de dinheiro por parte dos emigrantes, que se encontravam em
países como a França, os Estados Unidos, o Luxemburgo que, com as taxas de câmbio
nesta época a mais de 30%, fizeram com que houvesse um aporte de dinheiro ao sistema
bancário português, permitindo o desenvolvimento de políticas e estratégias conducentes
à sua modernização. Daqui resultou o aumento da mobilidade socioprofissional, quer em
termos de sector económico, quer em termos espaciais, fenómeno que se justifica em
parte pelo ao aumento das acessibilidades e da mobilidade da população. Assim: alteração
dos modos de vida, a feminização crescente do mercado de trabalho; o envelhecimento
da população; o aumento da população urbana, consequente da alteração da estrutura
económica da população portuguesa, com o crescente abandono da agricultura e o
consequente êxodo rural; a descentralização do poder político e do Estado Providência; a
difusão e descentralização do conhecimento através da disseminação espacial das escolas
Com esta adesão concederam-se facilidades aduaneiras a Portugal, o que contribuiu para
um aumento das exportações e, consequentemente, o necessário investimento no mercado
económico e da produção, criando novas indústrias e novos postos de trabalho no setor
secundário, que conduziram a um êxodo rural maciço, com o consequente abandono dos
campos e da agricultura. As unidades fabris localizavam-se, geralmente, nas sedes de
concelho, onde os serviços complementares à própria produção, nomeadamente serviços
do setor terciário, eram uma realidade.
Podemos afirmar que a European Free Trade Association (EFTA) permitiu também o
início do processo de internacionalização industrial do país e o desenvolvimento do setor
secundário em moldes mais modernos do que aqueles que anteriormente existiam. Não
nos podemos esquecer que, até este momento, poucas eram as unidades industriais bem
alicerçadas no tecido económico, pois a maioria das oficinas funcionavam nas casas dos
artesãos, quase sempre em paralelo à casa de habitação, sendo essencialmente de cariz
familiar. Os artesãos distribuíam o seu tempo entre a oficina e a agricultura.
beduínos, os suecos eram sobretudo conhecidos por isso, para a indústria têxtil,
Com a Guerra Colonial, o país passou por um longo processo de abrandamento das obras
públicas e um aumento significativo dos impostos, de modo a financiar o conflito e manter
as colónias ultramarinas. A isto acresceu a partida de muitos homens para as colónias e a
consequente retração da natalidade no país. Paralelamente a este acontecimento, muitos
homens aptos para o serviço militar, para fugir a esta obrigação, tentaram a sua sorte,
emigrando a salto para os países da Europa Central, nomeadamente a França, a Alemanha,
a Suíça e o Luxemburgo. A maior parte dos emigrantes saíram das áreas rurais, onde as
condições de vida eram mais penosas e a única fonte de rendimento, parco, era a
agricultura, com características ainda muito arcaicas, policulturais e familiares. Um dos
fatores que mais contribuiu para esta realidade foi o sistema de propriedade. Há época,
Portugal era o único país da Europa em que no Bilhete de Identidade surgia como
profissão proprietário, ou seja, alguém que tivesse em sua posse terrenos, ou outros bens
móveis, seria considerado profissionalmente proprietário.
(…) ali, na bruta serra, sem andar de taleiga às costas, Brasil vai Brasil vem, se
fez ricaço. Começou por pouco, em moço a guardar porcos. (…) A Rosalina
deixou-se engodar de um feiante que lhe destinaram para esposo (…) mas que
Não podemos falar da matriz cultural portuguesa sem ter em consideração a emigração.
De acordo com SANTOS (2002), (…) a saída de homens do seu país tornou-se uma
resposta usual perante situações de maior pressão, quer essa atitude seja motivada por
fatores de ordem política, económica ou cultural (…) (SANTOS, 2002, p. 129).
MÓNICA (2018) realça o facto de que, o mais impactante de todas estas transformações
foi o ritmo a que elas aconteceram, podendo ser comparado este fenómeno a uma
revolução silenciosa que alterou por completo a estrutura do país, tanto a nível
demográfico, político, económico, social, cultural e até religioso. Portugal conseguiu a
um ritmo alucinante: liquidar o campesinato; alterar a taxa de fecundidade para valores
que se colocam nos antípodas daquilo que eram; mudar completamente os padrões de
consumo, de forma massificada; diminuir a mortalidade infantil, para valores muito
próximos aos dos países mais desenvolvidos; instaurar o sufrágio universal e
consequentemente promover a cidadania e a importância dos cidadãos na tomada de
decisões; transformar cabalmente as relações entre o Estado e a Igreja; o aparecimento de
uma classe média com algum poder económico; abertura de fronteiras ao mercado de
bens, pessoas e capitais com a ratificação do Tratado de Schengen; escolarização da
população, que fez com que houvesse um avanço significativo naquilo que eram as
questões colocadas ao próprio sistema; liquidação de um império, com o processo de
descolonização de forma quase total.
O ato de sair da rotina e do quotidiano implica a deslocação para outro(s) lugar(es), mais
ou menos distante(s), mas diferente(s). Com uma cultura, uma história, um contexto
geográfico, um clima, uma paisagem diferente, facilitando uma alienação, momentânea,
da realidade diária. Assim o turismo, nas suas múltiplas vertentes, é uma atividade em
expansão e desenvolvimento que favorece o bem-estar do Ser Humano, mais que não seja
pela quebra da rotina.
amigos, cafés e tabernas, por jogos, onde as cartas, as damas o bilhar, a malha,
p. 108).
Para DUMAZEDIER (2000), o lazer assenta na teoria dos 3 D’s: descanso; divertimento,
antídoto para as tensões diárias, provocadas pelo dia-a-dia social e pelo trabalho. O
fenómeno que atualmente designamos por burnout e que conduz à doença física e
psíquica dos indivíduos, dado o ritmo de vida alucinante que lhes é imposto quer no
trabalho, quer nas suas obrigações sociais e familiares, motiva a necessidade de sair do
monotonia que, tal como o cansaço físico e psicológico, desgastam de modo silencioso
os indivíduos. Assim, procura-se uma saída para outro lugar, uma viagem, ou então entrar
em contacto com realidades ficcionadas como sendo um filme, um livro, um teatro. Será
O turismo afirma-se como um dos quatro âmbitos do lazer, onde os lugares, as práticas,
De há algumas décadas a esta parte, o turismo tem sido uma forte aposta na promoção e
dinamização dos territórios rurais. Numa primeira fase através do TER (Turismo em
Espaço Rural) nas suas múltiplas tipologias e, posteriormente, através do ecoturismo,
muito associado ao Turismo em Espaço Rural e Natural, do turismo natureza, geoturismo,
do turismo cultural e, mais recentemente, do turismo criativo e do turismo literário,
podendo ser integrado neste âmbito específico, como é proposto nesta investigação, fruto
dos autores regionalistas, no caso português, que descreveram pormenorizadamente os
territórios e os espaços das suas vivências, constituindo-se múltiplas vezes estas obras em
autobiografias.
Hoje em dia o turismo, nas suas diferentes tipologias, voltou novamente ao seu início, ou
seja, existem diferentes tipologias de acordo com aquilo que o turista procura e com os
aspetos que valoriza nos territórios, tendo em conta as suas pretensões.
Turismo Cultural
e Patrimonial
Turismo Criativo
Turismo Media
Turismo Literário
O turismo literário pode ser considerado um nicho turístico relacionado com os media,
dentro do nicho do turismo criativo, dentro do largo campo do turismo cultural e
patrimonial (CARVALHO & FERNANDES, 2017, p. 581).
O turismo literário, objeto desta análise, surge como uma modalidade que se enquadra no
segmento de turismo cultural, e mais recentemente, no turismo recreativo. Segundo
MCDONNELL (2003), o turismo literário é cultural por ser baseado em arte criativa. A
arte que inspira e atua como fonte de motivação para o turismo literário é a literatura que,
como visto anteriormente, constitui-se como parte do património cultural de determinado
destino.
Para esta análise é utilizada a definição de “imaginário” proposta por VEGA (2011):
O espaço rural português sofreu transformações profundas no último meio século que se
têm vindo a extremar já em pleno século XXI. Para além de uma diminuição enorme, das
pequenas explorações agrícolas, os terrenos incultos aumentaram e a matéria combustível
com eles. Paralelamente surgem-nos os incêndios que têm, neste abandono, a matéria
necessária para depauperar ainda mais os territórios que, já de si, definham por gente e
por dinâmicas de revitalização. Tal como afirma CANCELA D’ABREU (2006), citado
por CRISTOVÃO, MEDEIROS, & MELIDES (2011):
rurais, com diferenças entre o norte e o sul, montanhas e vales, pequena e grande
Tal como afirma MATEUS (2011) quando procedemos à análise do rural em Portugal,
temos de considerar as componentes espacial e populacional. De acordo com a autora, se
a primeira mantém alguma relevância quantitativa, já a segunda remete para uma
realidade de vazio e depauperação, entre outros pelos motivos já identificados
(MATEUS, 2011, p. 649).
Os recursos, outrora primários, ligados ao setor agrícola, (re)criam-se numa nova história
a ser escrita e convertem-se, também, em atrações e produtos turísticos. Esta alteração de
O que se tem vindo a verificar, no meio rural português, é uma nova utilização do espaço,
resultado do abandono da agricultura, como atividade económica predominante,
oferecendo aos seus consumidores atividades de fruição deste espaço, muito mais
relacionadas com o lazer e o recreio, potenciando desta forma, os recursos existentes.
Podemos afirmar que, o turismo rural, o turismo cultural, o turismo criativo e, dentro
deste, o próprio turismo literário, se assumem, como uma âncora destes espaços que
pretende, simultaneamente, valorizar as comunidades, as suas memórias, os seus
patrimónios, a sua identidade, os seus recursos endógenos, através de projetos que
garantam a sua manutenção e sustentabilidade. Assim, assume-se como um catalisador
que garante uma resposta de crescente qualidade à procura, que não cessa, e é uma das
soluções mais desejadas como motor da revitalização e manutenção dos territórios rurais.
Alguns estudos revelam que o turismo rural poderá ser um catalisador para a regeneração
e desenvolvimento económico das áreas rurais, especialmente em espaços onde o tecido
económico e demográfico se encontra em agonia, (KASTENHOLZ, EUSÉBIO,
FIGUEIREDO, CARNEIRO, & LIMA, 2014). No entanto, tal como afirma
(CRAVIDÃO, 2011), tornou-se quase um lugar-comum, fazer da atividade turística um
dos principais caminhos para o desenvolvimento. Esta banalização da atividade turística
poderá a médio prazo trazer consequências negativas, nos pressupostos que estão na base
do turismo em espaço rural que são, entre outros, a valorização do seu carácter, da sua
autenticidade, da sua identidade e da sua cultura. Apesar disso, este longo tempo de
letargia permitiu que muitas características desaparecidas em outros territórios (urbanos
e industriais) tenham sido preservados, funcionando o mundo rural como espaço refúgio
e santuário de muitas práticas, costumes e tradições.
Um outro instrumento, que não podemos menosprezar, são os guias de viagens. Nas
livrarias há múltiplas sugestões alicerçadas nos autores: Praga de Kafka; Dublin de Joyce;
Paris de Baudelaire, de Proust, da “geração perdida”; Barcelona de Carlos Ruiz Zafón;
Grã-Bretanha, de Agatha Christie; a Tanger de Paul Bowles, ou a perseguir as paisagens
do sonhador (e fictício) Dom Quixote ou a árida Patagónia descrita por Bruce Chatwin e
Paul Theroux, a Rota dos Escritores Portugueses do Século XX, entre outros. Há
nitidamente um processo de apropriação literária por parte da atividade turística,
literalizando e turistificando, simultaneamente lugares, territórios e pessoas, permitindo
concomitantemente, em algumas circunstâncias, a imortalização dos autores e das
paisagens que descrevem, muitas delas em registo autobiográfico.
Têm sido apresentadas várias propostas de atuação e valorização do espaço rural, na sua
essência políticas de base territorial, alicerçadas na promoção e desenvolvimento dos
recursos locais, naturais, culturais e construídos, de modo a encontrar estratégias de
promoção e valorização turística.
clima;
história, cultura e tradição;
hospitalidade;
diversidade concentrada.
Neste seguimento, defende ainda que deverá existir uma aposta que reforce os circuitos
turísticos, segmentando-os para uma vertente temática, formando itinerários que
valorizem e integrem o património histórico, cultural, religioso e paisagístico e,
simultaneamente, promovam a oferta de experiências. Ou seja, denotamos já uma clara
defesa daquilo que são os princípios do turismo de experiências e sensações, derivadas
do contacto com as comunidades locais, os seus territórios e as suas tradições. Desta
forma, acrescentaríamos valor não só ao turista, mas também ao destino na capacitação e
valorização das próprias populações, do seu saber-fazer e saber-estar.
Face aos seus diretos concorrentes, Portugal apresenta como fatores de diferenciação:
Tal como é defendido na estratégia apresentada no Turismo 2027 - Plano de Ação para o
Turismo em Portugal,
(…) Portugal quer ser o destino com maior crescimento turístico na Europa,
Para além do crescimento económico, aquilo que se pretende é a dotação dos territórios,
de acordo com os seus patrimónios, garante da sua identidade cultural e que lhes conferem
valor, de projetos capazes de contribuir para a fixação da população existente e fomentar
a atração de novos residentes, através da criação de novas economias e circuitos
económicos baseados no turismo, promotores da criação de postos de trabalho,
permitindo a manutenção, quer das populações, quer dos seus patrimónios (recursos) e,
em última análise, dos próprios territórios.
A Estratégia 2027 para o Turismo em Portugal, tem como mote: Liderar o turismo do
Futuro, e pretende afirmar o turismo como hub para o desenvolvimento económico, social
e ambiental em todo o território, posicionando Portugal como um dos destinos turísticos
mais competitivos e sustentáveis do mundo. Estabelece como prioridades cinco eixos
estratégicos, com as respetivas linhas de atuação: valorizar o território; impulsionar a
Para dar cumprimento a esta estratégia é apresentada uma síntese com os principais
vetores (Quadro1).
Contudo, acreditamos que estas políticas, dada a escala dos territórios, só poderão
alcançar o sucesso desejado se houver a promoção de parcerias, concertação de sinergias
e o comprometimento entre agentes e atores locais. Pela sua diversidade cultural e pela
semelhança no que às dinâmicas diz respeito, só desfazendo as fronteiras administrativas
e promovendo um território uno, poderemos encontrar estratégias de escala concertadas,
capazes de satisfazer as necessidades de todos e contribuir para a coesão territorial.
Serão estas as Terras do Demo, do demo porque por aqui nem Cristo, nem el-Rei
passaram. É terra brava, agreste, esquecida de Deus, penedia, aldeias tristes e obtusas,
pinhais, uma impressão de tormento telúrico (RIBEIRO, 1951). Onde os homens e os
bichos são como irmãos, onde faunos, demos e gentes das fábulas se cruzam com o beirão,
camponeses, almocreves e outros tipos esmagados na base da pirâmide social, contra
todas as opressões que lhes tolhem os impulsos vitais (MACHADO , 2013).
Seguindo esta premissa, apresentamos como pergunta de partida para a tese que
pretendemos desenvolver:
É para esta pergunta que queremos apresentar respostas, ao longo do trabalho que agora
iniciamos e definimos os seguintes objetivos gerais e específicos.
3.2. Objetivos
a) Objetivos Gerais
b) Objetivos Específicos
Os objetivos elencados pretendem apenas servir de orientação ao nosso estudo, pois temos
a humildade intelectual de perceber que alguns deles são demasiado ousados, no que à
sua concretização diz respeito.
O questionário elaborado teve por base CRAVIDÃO (1988). Embora com objetivos
diferentes, o nosso propósito era perceber a identificação/sentimento de pertença e
conhecimento, ou ausência dele, das comunidades locais às Terras do Demo, neste estudo
em particular, tal como CRAVIDÃO (1988) efetuou relativamente às da Gândara. Pelas
características da amostra, o questionário teve de ser pensado, com perguntas diretas,
simples e objetivas, até porque, conforme teremos oportunidade de verificar, existe um
número significativo de pessoas que não sabe ler nem escrever, e tínhamos de ser nós, a
fazer as questões e a preencher os questionários.
No Capítulo II, III e IV proceder-se-á à revisão da literatura, tendo como fio condutor o
quadro conceptual apresentado na Figura 5. As questões inerentes à sustentabilidade das
estratégias a aplicar em espaço rural, nomeadamente o Turismo Literário e as
potencialidades e recursos existentes, analisando outros exemplos e modelos de ação, são
condição fundamental para o desenvolvimento coerente de ações concertadas de base
territorial. Na nossa perspetiva, a esta escala de análise, apenas as políticas territorialistas,
fixadas nas comunidades e nos seus territórios poderão alcançar indicadores de
desenvolvimento sustentável.
4. Síntese
Tal como refere MATEUS (2011), em Portugal podemos afirmar a existência de um rural
de baixa densidade, cuja média da população é igual ou inferior a 11 habitantes por km2.
Os fortes movimentos migratórios das diferentes décadas do século XX, motivadas por
diferentes fatores, acentuaram a distribuição assimétrica da população no território
nacional, realçando os valores, já de si pouco expressivos, da população nas regiões do
interior do país. A esta mobilidade externa não podemos deixar de acrescentar o forte
impacto que o êxodo rural teve na atual tela demográfica do nosso país.
1. Espaço
O positivismo foi a matriz da Escola Ratzeliana, determinista que teve como principal
mentor Friederich Ratzel, e como principal conceito o território.
Entre as décadas de 70 e 90, do século passado, a Geografia Crítica tem como base
filosófica o materialismo histórico e como o método, a dialética. Na Geografia
Humanista, outra corrente, priveligia-se o conceito de lugar, enquanto espaço vivido,
simbólico e quotidiano (QUEIROZ, 2016).
Segundo BRUNHES (s/d) citado por BRAGA (2007), a Geografia deve estudar os
lugares, as regiões e as suas relações. Os princípios básicos da Geografia seriam a
atividade (assim como La Blache destaca o movimento) e a conexão, que fornece o
sentido dos lugares e das regiões. A evolução da paisagem dependeria de um movimento
duplo de construção e reconstrução, necessário para a manutenção do equilíbrio e da
harmonia. Para BLACHE (1982), a Geografia estudaria aquilo que se dominam por factos
essenciais: simples (ligados às necessidades vitais de Ser Humano, como a alimentação,
habitação, entre outros); complexos (exploração de recursos terrestes superficiais como a
lavoura, ou internos como a exploração mineira); regras de convívio social (campo
económico e social); e os factos essenciais ligados à cultura (relação homem/meio e
formação do seu habitat).
Para BLACHE (s/d), citado por BRAGA (2007), a Geografia Humana contempla os
aspetos físicos e humanos, mas que podem ser estudados de forma separada. O Homem
(facto geográfico de primeira ordem) estabelece uma relação de reciprocidade com a
natureza, ou seja, domina-a e é dominado por ela. Desta relação mutualista, nem sempre
equilibrada, derivam diferentes modos de vida, que conferem a identidade cultural aos
grupos humanos e consequentemente ao território, materializando na paisagem como
resultado visível desta interação.
GEORGE (s/d) segue a mesma linha, dizendo que a Geografia estuda a dinâmica do
espaço humanizado através da técnica, da intencionalidade e das relações entre as forças
naturais e as forças históricas. Tratar-se-ia de um estudo das relações entre os grupos
humanos e o ecúmeno.
DEMANGEON (1982), afirma que a Geografia Humana estuda as relações dos grupos
humanos com o meio geográfico, através dos modos de vida, a sua evolução, a sua
distribuição e as instituições humanas. O método está relacionado com as possibilidades
da ação humana, a sua base territorial (sendo território entendido como solo), visão
ratziliana, partindo da escala geral e promovendo sempre um diálogo com a História.
Assim, consideramos que o espaço geográfico deve ser entendido como um processo de
transformação, fruto de uma construção, acima de tudo histórica, que vem sendo
desenhada ao longo dos séculos, resultante dessa relação evolutiva do Ser Humano com
agentes naturais. As consequências deste processo estabelecer-se-ão sob variados aspetos
entre os quais, nomeadamente a Universalização do mundo, que se comporta como um
conjunto de vários resultados, sob a égide das suas inúmeras manifestações.
mais ou menos rica em possibilidades; mas sem a ação humana só haveria sobre
p. 50).
(…) o espaço seria um conjunto de objetos e relações que se realizam sobre estes
resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados por objetos
Neste sentido, (DOLLFUS, 1991) refere que o espaço geográfico surge como esteio de
um sistema de relações, algumas determinadas a partir do meio físico e outras
provenientes das sociedades humanas, responsáveis pela organização social e económica,
do nível das técnicas.
Para GOMES (2002), citado por CABRAL (2007), existem três características que
definem o espaço geográfico: é sempre uma extensão fisicamente constituída, concreta,
material e substantiva; compõe-se pela dialética entre a disposição e as ações ou práticas
sociais; a disposição das coisas materiais tem uma lógica ou coerência (CABRAL, 2007,
p. 144). O espaço deve ser analisado como um texto, onde as formas são portadoras de
significados e sentidos (GOMES, 1997, citado por CABRAL, 2007, p. 145).
(…) para compreender de maneira justa o papel do meio natural na vida dos
grupos sociais é preciso ter um conhecimento prévio e exato dos fatores que
1980, p. 37).
conta da marca cumulativa da ação das sociedades rurais sobre o seu solo.
WAIBEL (1958) alerta para a necessidade de não se fazer apenas: (...) apenas uma
anatomia da paisagem: é preciso também compreender a sua fisiologia. Isto é, não basta
descrevê-la; é necessário interpretá-la, compreender como funciona cada um dos
elementos que nela se refletem (WAIBEL, 1958, citado por MORO, 1992, p. 40).
SANTOS M. (2000) refere que o espaço geográfico pode ser definido através de duas
categorias: a sua configuração territorial e as suas relações sociais. Considera a
configuração territorial como sendo o sistema natural existente em determinado local e as
alterações introduzidas pelo Ser Humano nesse mesmo sistema. O autor crê, no entanto,
que, ainda que a configuração territorial tenha propriamente a ver com o espaço, é antes,
a expressão das relações sociais que se materializam no local e o configuram. Afirma,
inclusive, que a configuração territorial é um produto da história, isto é, desde o espaço
natural original até à perda das características primárias, resultantes da humanização.
O espaço é, enfim, uma síntese, sempre provisória, entre o conteúdo social e as suas
formas de organização. Ao ser entendido como um produto histórico e social, subentende-
se que as atividades sociais se materializam espacialmente, ao longo do tempo (CARLOS,
2007). A sua organização depende, acima de tudo, das transformações e experiências
sociais.
relação entre esses objetos e as práticas que aí têm lugar, dos lugares com as
145).
mais ou menos rica em possibilidades; mas sem a ação humana só haveria sobre
Podemos então afirmar, tal como defende o autor, que o espaço geográfico corresponde
a uma criação contínua da sociedade, é um produto social que se reproduz e adapta de
geração em geração, de acordo com as necessidades dos diferentes grupos humanos que
lhes estão na génese. À medida que a sociedade se vai desenvolvendo e encontrando
novos caminhos para a sua subsistência, também a própria estrutura do espaço geográfico
se vai alterando. Não podemos esquecer-nos de que existe uma relação de reciprocidade,
comprometimento e responsabilização entre o Ser Humano e o espaço.
mais rara, o que provavelmente conduzirá a uma ávida disputa entre os Homens
Para GASPAR (2008), o conceito de espaço é definido, no sentido geral, como a porção
da superfície terrestre geograficamente diferenciada.
FERREIRA (2006) defende que a noção de espaço está inerente ao Ser Humano e, como
formas de vida racionais, atribuímos a todos os objetos e acções, não só uma
determinada espacialidade, como uma temporalidade e uma causalidade (FERREIRA,
2006, p. 65). O autor defende que o espaço é uma das noções primárias e basilares da
Geografia, não só o espaço físico, mas o espaço social que resulta da apropriação dos
grupos humanos tornando-se o substrato das relações de poder existentes e que conduzem
à sua estruturação organizacional (Figura 7).
O espaço geográfico é o contínuo resultado das relações socio espaciais. Tais relações são
económicas, políticas e simbólico-culturais. A força motriz destas relações é a ação
humana e as suas práticas espaciais (LEFEBVRE, 1991). Podemos concluir que o espaço
geográfico é um conceito interligado com a Nova Geografia e os modelos de análise
espacial, desenvolvidos nos anos 50 e 60 do século XX, com o objetivo de evidenciar
estruturas e processos de organização espacial relativamente regulares. Por oposição o
território tem o sentido de identidade e de apropriação de um espaço, com uma localização
exata, uma situação, dimensão, forma, espaço físico, propriedades e aptidões. Estas
características interessam por si mesmas, mas, acima de tudo, pela utilização que o Ser
Humano faz delas, com o objetivo de satisfazer as suas necessidades (ALEGRIA s/d).
(…) Geografia, procurar o essencial das suas explicações, não tanto nas relações
entre esses espaços e os espaços naturais nos quais se estabelecem, mas antes nas
1978, p. 15).
com uma existência independente da matéria. Ele possui então uma estrutura que
relativo propõe que ele seja compreendido como uma relação entre objetos que
existe pelo próprio facto dos objetos existirem e se relacionarem. Existe outro
sentido em que o espaço pode ser concebido como relativo e eu proponho chamá-
si mesmo as relações com outros objetos (HARVEY, 1973, p. 13, citado por
Deste modo os processos não ocorrem no espaço. Este é interno ao processo. Assim o
espaço apresenta uma determinada estrutura organizacional, reflexo da evolução dos
grupos humanos que o transformaram e que a ele, para sempre, ficaram associados. No
quadro do seu funcionamento, existe uma dimensão cultural e uma dimensão material,
organizacional, que lhe confere especificidade relativamente a outros territórios, como tal
não podemos dissociar a cultura da definição do conceito de território.
O espaço geográfico corresponde aos espaços produzidos pelo Ser Humano em diferentes
temporalidades e é formado pelo resultado material acumulado das ações através do
tempo e pelas ações atuais que lhe atribuem dinamismo e uma funcionalidade. Assim, o
espaço está em constante processo de transformação e concomitantemente de acumulação
do legado anterior, que não se perde.
Logo, o espaço é formado pelo resultado material acumulado das ações humanas através
do tempo e pelas ações atuais que hoje lhe atribuem um dinamismo e uma funcionalidade
(SANTOS; 2009, p.106).
RAFFESTIN (1993) apreende o espaço enquanto palco das ações em que os sujeitos são
atores. Neste caso, havendo a apropriação de um espaço concreta ou abstratamente, o ator
territorializa o espaço. O espaço é, portanto, anterior, preexistente a qualquer ação. O
território é uma produção a partir do espaço. O espaço representado não é mais o espaço,
mas a imagem do espaço, ou melhor, o território visto e ou vivido (ABRÃO, 2010, p. 57).
2. Território
Para MARQUES (2010), todo o território é um espaço nem sempre geográfico, podendo
assumir configurações sociais, políticas, culturais, cibernéticas, entre outras.
SOUZA (2001) defende que o território é um espaço que deverá ser definido e delimitado
a partir das relações de poder que nele se estabelecem.
Para HAESBAERT (2012) são várias as conceções que o autor propõe para a definição
de território: 1) política, referida às relações espaço-poder em geral, ou jurídico-políticas
relativa também a todas as relações espaço-poder institucionalizadas, em que o território
corresponde a um espaço delimitado e controlado, e através do qual se exerce um
determinado poder; 2) cultural ou simbólico-cultural, em que o território é entendido
como produto da apropriação/valorização simbólica e subjetiva de um grupo em relação
ao seu espaço vivido; 3) económica, na qual o território comparece como fonte de
recursos; 4) naturalista, fundada na ideia do território a partir das relações entre
sociedade e natureza e do comportamento natural do Ser Humano em relação ao seu meio
físico. Ainda para o mesmo autor (…) o território é o produto de uma relação desigual
de forças, envolvendo o domínio ou o controlo político e económico do espaço e a sua
apropriação simbólica, ou conjugados e mutuamente reforçadas ou desconectados e
contrariamente articuladas (HAESBAERT, 2012, p. 121).
A dimensão cultural ou simbólico-cultural é aquela com a qual mais vamos trabalhar pois,
segundo o autor, esta remete para a assumpção do território em termos do seu papel
diferenciado em que os grupos humanos se identificam e se relacionam com a experiência
vivida, um passado afectivo que é mantido pelas representações culturais.
MARIVONNE e BERRE (1994), citados por ALEGRIA (s/d), definem território como a
porção da superfície terrestre apropriada por um grupo social, com a finalidade de
assegurar a sua reprodução e a satisfação das suas necessidades. Assim, qualquer
território, mais ou menos extenso, é delimitável com características físicas e culturais
distintas dos demais; resulta de processos contínuos de apropriação pelos grupos humanos
que o habitam; a sua manutenção exige intervenções por parte do grupo que o habita;
cada geração herda territórios específicos que organiza de acordo com determinadas
práticas territoriais, necessidades e intenções, o que torna o território dinâmico e mutável.
De acordo com ALEGRIA (s/d), o território pode ser analisado sob diferentes perspetivas
que passamos a apresentar: como organização social - cujo objetivo passa por perceber
o território como um todo organizado, analisando as relações existentes, processos de
decisão, graus de coesão, formas de relações entre pessoas ou entre coletividades,
memórias reais ou apenas supostamente vividas; materialidade natural - que reporta
para os aspetos físicos do território, nomeadamente aqueles que se referem aos aspetos
geográficos físicos tais como o relevo, o clima, o solo, a vegetação, entre outros; entidade
territorial - identificável com um nome que, para além de permitir distingui-lo de outro,
possibilita também a apropriação aos que o utilizam e se identificam com ele enquanto
unidade.
Para LE BERRE (1992), um território pode ser definido como uma porção da superfície
terrestre, apropriada por um determinado grupo ou comunidade de indivíduos, com o
SAQUET & SILVA (2010) defendem que o território corresponde aos complexos
naturais modelados e às construções decorrentes da atividade humana.
têm uma génese técnica e social, juntamente com o conteúdo técnico e social.
O território é, então, uma entidade real, vivida de maneira específica por quem o habita.
Tal como referido por MARQUES (2010), o território é um espaço social produzido e
delimitado por uma fronteira que pode ser visível ou invisível, material ou imaterial, mas
que se traduz num conjunto de representações que se materializam em modos de ser e de
estar dos grupos humanos. O território pode constituir-se como um importante recurso
para o desenvolvimento económico e social, através da sua transformação em atrativo e
produto turístico.
O Ser Humano é um dos principais agentes dos processos de mudança a diferentes escalas
territoriais e temporais. Estas mudanças decorrem de um conjunto infinito de relações e
inter-relações que se estabelecem e que provocam também elas alterações, quer no
ambiente natural, quer no ambiente social.
espaço deixam de ser definidos pela sua essência. Estes conceitos só podem ser
A partir da década de 90, do século XX, os estudos sobre o espaço e o território passam
pela necessidade de compreender as influencias histórico-culturais nas realidades sociais,
resultantes da apropriação e construção de um determinado espaço geográfico, aspeto
relevante na compreensão das dinâmicas locais (ABRÃO, 2010). Destacamos ainda um
ressurgimento dos conceitos de natureza e cultura.
Nas últimas décadas, a Geografia Cultural tem apresentado vários campos de análise entre
os quais os estudos das conceções da paisagem. Um dos geógrafos contemporâneos, que
mais se tem evidenciado na discussão e exploração destas questões é David Harvey. O
autor defende que por “mais místicas e abstratas que possam ser as representações da
paisagem de determinados lugares, os seus significados devem ser procurados num
conjunto de relações sociais que podem ser delineadas. A partir da análise da obra de
Harvey facilmente compreendemos que a produção do espaço, Quadro 2 é um processo
simultaneamente material e social, não restrito às questões sociológicas, mas sobretudo
no que aos interesses individuais e coletivos, assim como económicos diz respeito.
A partir da década de 90, do século XX, assistimos a um cultural turn onde as dimensões
imateriais da cultura, os modos de vida, a produção e a manutenção dos significados
sociais, as manifestações religiosas no espaço, as perceções e os discursos dos grupos
humanos, assim como as representações que os codificam, passam a ser o enfoque prático
e metodológico da Geografia Cultural, (BENATTI, 2016)
Espaço Muros, pontes solo, teto, ruas, . Mapas de cadastro e administrativos, Sentimentos de satisfação em torno
Absoluto edifícios, cidades, montanhas, geometria euclidiana, descrição da do círculo familiar, sentimento de
continentes, reservatórios de paisagem, metáforas do confinamento, segurança ou encerramento devido a
água, delimitações territoriais, espaço aberto, localização, ordenamento e confinamento, sentimento de poder
fronteiras e barreiras físicas, localização. conferido pela propriedade, comando
condomínios fechados. e dominação sobre o espaço; medo
de outros (não pertencentes ao
mesmo espaço físico)
Espaço Circulação e fluxo de energia, Cartas temáticas topológicas; geometrias e Ansiedade por não chegar a horas;
(tempo) água, ar mercadorias, pessoas, tipologias não euclidianas; desenhos de atração pela experiência do
Relativo dinheiro; aumento ou perspetiva; metáforas de saberes localizados, desconhecido; frustração no trânsito;
diminuição das distâncias. de movimento , de mobilidade, deslocação, tensões ou divertimentos resultantes
aumento ou compressão dos espaço-tempo) da compressão espaço-tempo, da
velocidade, do movimento.
Há, portanto, uma liminalidade acerca da espacialidade resultante de nos situarmos nas
três dimensões de compreensão do espaço. A identidade é um conceito claro quando nos
situamos no espaço absoluto, mas complica-se no espaço relativo e no espaço relacional
(CORRÊA, e ROSENDAHL, 2012, p.146). Os espaços materiais (espaços conceptuais
em palavras, gráficos, mapas, fotografias, em tentativas de se chegar a representações
mais ou menos apropriadas e precisas) e os espaços representação (imaginações, medos,
emoções, fantasias, e sonhos constituintes da forma como vivemos o espaço) também não
são hierarquizados, estando igualmente em tensão dialética.
Harvey, e outros geógrafos culturais, defendem que apesar da abstração que caracteriza
as representações das paisagens de determinados lugares, os seus diferentes significados
devem ser encontrados no conjunto, diversificado de relações sociais, que possam ali
existir. Com o cultural turn, e até um post-modern turn, focam demasiadamente o
relacional e o vivido, como se o material e o absoluto não interessassem. A ideia de
paisagem da acumulação material leva claramente a um conceito e a uma experiência
De acordo com ARENDT, citada por SAHR, 2008, a Geografia Cultural passa a ser
analisada e entendida como geografia da ação. No seguimento desta ideia, o autor
subdividida-a em três elementos:
Assim começa a existir, não só por parte dos geógrafos um interesse alargado em
compreender e explicar os diferentes aspetos processuais e performativos da vida
quotidiana, criando desta forma uma Geografia do que acontece (THRIFT, 2008).
papel dos símbolos e dos discursos (SOJA,1996), o interesse das teorias não
(…) existem duas percepções que justificam esta intenção, por um lado a ideia
que a vida é constituída por movimento, que se tem estabelecido por via da
envolvidos, como por via da ecologia política. Que tem apresentado a vida social
biológicos na ação social. Por outro lado, a perceção de que no mundo atual os
movimentos de pessoas bens e informação aumentam cada vez mais, e que muitos
O objeto de estudo desta teoria suporta-se na noção de que o conhecimento não se pode
separar da realidade a partir da qual emerge, contrariando a clássica visão cartesiana entre
representação e realidade, ou entre mente e corpo.
Neste sentido a preocupação passa não apenas com as representações mentais da realidade
(significados, sentimentos, discursos, estruturas), mas também com o modo como essas
representações são produzidas corporeamente no decorrer das ações e interações de que
o mundo é constituído (incluindo práticas, afetos, hábitos). (PAIVA, 2018).
Em primeiro lugar, esta perspetiva teórica procura trazer o investigador para o centro da
ação social, para possibilitar uma compreensão na prática dos fenómenos geográficos.
resistência. Para essa “nova” Geografia a cultura não é uma categoria residual,
A Geografia Cultural tem um campo de pesquisa heterogéneo, mas que não foi
A análise epistemológica permite-nos afirmar que deve existir, de forma permanente, uma
análise crítica da cultura. Paul Claval defende a existência de diversos níveis de realidades
culturais de estrema complexidade, tal como complexas são as sociedades. O autor
sintetiza três conceções de cultura:
DI Meo (2008) afirma que quando falamos em cultura estamos a referir-nos a uma
produção social e histórica, a crenças, ideias e valores consubstancial à realidade material,
com contextos objetivos da existência humana e com representações mentais mais
abstratas. É uma construção coletiva, ideal e material, uma ideologia desenvolvida dentro
de uma determinada sociedade, baseada nas suas especificidades internas e ambientais,
mas também nos valores mais amplos que necessariamente compartilha com o resto do
mundo. É um sistema de representações.
Para Sauer a paisagem cultural é modelada a partir de uma paisagem natural por um grupo
cultural. Nesta equação a cultura é agente, á área natural é o meio, a paisagem cultural
o resultado, (SAUER, 1998), Figura 11.
POPULAÇÃO
- densidade
- mobilidade
- estrutura
PRODUÇÃO
COMUNICAÇÃO
XX
A partir da análise da figura anterior, percebemos que SAUER defende a paisagem natural
como elemento de extrema importância na formação da paisagem cultural. As
componentes naturais e históricas condicionam amplamente o tipo de paisagem cultural,
que para o autor resulta da adaptação dos grupos humanos ao meio físico, de acordo com
a resposta às suas necessidades.
uma cultura, da sua área cultural e da sua paisagem cultural, o que ultrapassa a
análise simples sobre os atores culturais e as suas ações. As ações dos diferentes
Destacamos a importância e o cuidado que deve ser tido ao anlisar as relações existentes
condicinantes históricas.
(WAGNER & MIKESELL, 2003, p.50) defendem que qualquer ação humana na
paisagem implica uma cultura, materializa uma história e exige uma interpretação
ecológica; a história do seu povo evoca a sua fixação na paisagem, os seus problemas
ecológicos e concomitantes culturais, e o reconhecimento da cultura exige a descoberta
de traços que a mesma deixou na superfície terrestre.
De acordo com CASTROGIOVANNI (2002, p.65), (…) paisagem é uma unidade visível
do território, possui uma identidade visual, caracterizada por fatores de ordem social,
cultural e natural, contém espaço e tempos distintos, o passado e o presente, ou seja, uma
acumulação de tempos desiguais.
Para além das definições apresentadas, que apresentam a paisagem cultural como o
resultado da conjugação de fatores, de natureza diversa, ao longo do tempo cronológico,
fica subjacente a ideia de que as paisagens estão em constante movimento, tal como estão
MEINING (2003) concebeu a paisagem como uma cena cuja interpretação é feita por
cada pessoa enquanto: natureza, habitat, artefacto, sistema, problema, riqueza, ideologia,
história, lugar e estética.
Autores como Gaston Bachelard em 1957, na sua obra “A Poética do Espaço”, analisa o
modo como o Ser Humano se relaciona com o lugar habitado discutindo ainda as
repercussões simbólicas das imagens dos lugares no seu subconsciente. Y-Fu Tuan em
1980 define como topofilia a atração que o Ser Humano sente por características do meio
“espaço de nossa felicidade”. Em 2001 Eric Dardel designa por geograficidade, ou seja,
a essência geográfica do ser-e-estar-no-mundo, enquanto base da existência e da
experiência geográfica (fenomenológica) da paisagem e do lugar.
Os geossimbolos fazem assim, parte da paisagem cultural que nos anos 90 do século XX,
são enfatizadas relativamente aos processos socioculturais e políticos que permitem a sua
interpretação. Este conceito, de acordo com (DOMINGUES, 2001) passa a incluir outras
manifestações de paisagem, interpretando o tempo, o meio ambiente e as forças culturais
que as modelam. De acordo com a UNESCO (2017, p.19) as paisagens culturais são
ilustrativas da evolução da sociedade humana e dos ajustamentos que decorrem ao longo
(…) especialmente nas paisagens de interior, que sofreram com o êxodo rural e
Estas memórias impressas nas paisagens e com significado para uma determinada
comunidade ou grupo de pessoas pode tornar-se um geossímbolo. Por meio destes é que
nos é possível identificar, singularizar e distinguir, nas suas particularidades uma
paisagem em relação às demais. A razão dos geossímbolos não é algum atributo físico
intrínseco, mas a sua eficácia, articulando e simbolizando os verdadeiros sentimentos
históricos de uma comunidade (DELGADO,2005, p.68).
Estes elementos podem, portanto, constituir-se como importantes atrativos que chamam
atenção de quem as observa pelas representações e significados de que são revestidas.
Nos finais dos anos 70 do século XX, foram apresentadas em Toronto, pelo geógrafo de
origem chinesa YI-FU-TUAN, uma série de preocupações relacionadas com as relações
existentes entre o espaço geográfico e os indivíduos (MOYA, 2004). Este autor
inquietava-se com o estudo e análise das relações de afetividade e pertença que os
indivíduos tinham com o seu espaço geográfico. Na segunda metade dos anos 70, YI-FU-
TUAN denominou de “aproximação humanista” esta nova corrente cujo principal objeto
é perceber o sentido dos lugares, a importância das vivências, realidade que torna
indispensável e incontornável a realização de estudos aprofundados das realidades
culturais (CLAVAL, 1995, p. 35, citado por MOYA, 2004).
Na década de 80, VILAGRASA (1988) defendeu que a leitura geográfica das obras
literárias deveria centra-se, acima de tudo, nas questões que reportam para as relações
existentes entre os indivíduos e o seu entorno natural e social. Interessava, portanto, a
descrição da transformação dos lugares ao longo do tempo e a sua materialização nas
paisagens. VILAGRASA (1988) assumia as obras literárias como uma biografia do
espaço.
Mais tarde, CARRERAS (1988) sintetiza em três fases a análise dos textos literários em
Geografia: primeiro, a leitura geográfica das fontes literárias, através da localização dos
lugares onde decorre o enredo; segundo, a organização sistemática, através da produção
de cartografia, desses mesmos lugares, dos itinerários, e de outros elementos
georreferenciáveis; e, por fim, análise espacial através de um estudo geográfico que,
Alguns escritores, nas suas narrativas, reportam-se à descrição de lugares nos quais se
desenvolve a ação dos protagonistas das suas obras. Esta aproximação da realidade
conduz a sentimentos de identificação e pertença junto daqueles que comparam os textos
ficcionados e o seu espaço, com o espaço geográfico. Através da análise de algumas
obras literárias descobrimos o ajustamento ficcional entre os lugares narrados e aquilo
que na realidade existe (MACHADO A., 2013, p. 103), permitindo-nos a construção de
imagens mentais que por vezes podem ou não coincidir com o território.
Para CLAVAL (s/d), os textos literários podem ser considerados importantes fontes do
conhecimento do espaço geográfico.
tradições que compõem o património histórico e cultural dos locais que inspira,
p. 79).
Estes territórios literários encontram-se conotados com algum ou alguns autores que
partem dos territórios reais para apresentarem as suas obras (HERBERT, 1996). Estes
territórios podem ser utilizados como forma de valorização e promoção do turismo
literário como valência do turismo cultural.
De acordo com (LANDO, 1993) as obras literárias possibilitam uma outra perspetiva de
análise de um facto geográfico, uma paisagem, um lugar, uma região ou um elemento
físico. Para além disto assumem-se como testemunhos das raízes culturais e dos vínculos
No entanto, não podemos deixar de enfatizar o caráter subjetivo das paisagens, no geral,
em particular das paisagens literárias. Ao lermos uma obra criamos um imaginário do
lugar, que é induzido por fatores de ordem diverso e que não se resumem à leitura em si
mesma. Criamos ou recriamos cenários que nem sempre vão ao encontro da realidade. A
própria observação das paisagens, in loco, e a sensações que estas provocam não são
lineares. A este respeito, Jean Pierre Paulet apresenta-nos alguns filtros que condicionam
a observação das paisagens, Figura 13.
Desde logo a forma como vemos, analisamos e sentimos a paisagem varia de indivíduo
para individuo. Cada pessoa é única e a esta unicidade acresce uma multiplicidade de
“filtros”, que podem ser circunstanciais ou duradouros. Se ao sistema apresentado pelo
autor inserirmos a leitura de obras literárias abrem-se uma infinidade de outros caminhos
de observação.
simbólica, em que mais do que discernir acerca da descoberta de lugares reais, revela-
sentimentais (MARTINS, 2004, p.9, citado por MACHADO, 2019,p.191), pelo turista
que as visita.
PILLET (2001, p.28), citado por MOYA (2004), delimita La Mancha como um território
com uma planura quase perfeita, originada na Era Terciária. Administrativamente
corresponderá a quatro províncias castelhanas: Toledo, Cidade Real, Cuenca e Albacete
(MOYA, 2004, p. 479). Têm sido publicados inúmeros trabalhos que refletem a
caracterização da paisagem descrita por Miguel de Cervantes e a sua interpretação a partir
do período em que a obra foi publicada.
Aquilino Ribeiro foi considerado um escritor regionalista e a sua obra Terras do Demo, a
primeira obra regionalista do séc. XX. Alguns autores referem que Aquilino era um
escritor provinciano que se limitava a descrever a realidade física e humana ao alcance
dos seus olhos, o que o autor de certo modo autorizava ao declarar: sou mais cronista do
que carpinteiro de romance. Segundo ALMEIDA (1993), uma das leituras que podemos
fazer das obras de Aquilino Ribeiro são as leituras culturais. A dimensão da obra
apresenta a manifestação de outras dimensões que se projetam a partir do texto literário
nomeadamente as dicotomias: aldeia-cidade; civilização-primitivismo; instinto-razão;
aldeia como entidade real-entidade idealizada; religiosidade-crença; relação Ser Humano-
natureza; relação homem-mulher; ou ainda o desenvolvimento de temas como: a relação
familiar do ponto de vista psicológico, ético e económico; coordenadas sócio-espaciais
da comunidade rural; o adagiário popular; religiosidade popular; entre outros.
social e rural portuguesa, podendo alguns dos seus livros ser lidos como se um
Com base na análise da obra de Aquilino, podemos afirmar que, não estamos perante uma
realidade indefinida, mas ficamos a conhecer uma certa realidade da sociedade rural
portuguesa, predominantemente regional, à qual se aliam repercussões económicas,
sociais e culturais. Daí pretenderem alguns críticos uma reconstituição linear do ambiente
rural da Beira serrana dos princípios do século, através da obra do autor.
Neste contexto, algumas obras apresentam-se como paradigmáticas, como sejam Arcas
Encoiradas, de 1953; Geografia Sentimental, de 1951; Aldeia, de 1946; o Homem da
Nave, de 1954; entre outras, algumas das quais foram designadas por “livros rústicos”.
Em relação à presença regionalista, também o autor procurou ultrapassar o mero propósito
de descrever a região e os costumes da Beira Alta. O regionalismo beirão entrou na
literatura portuguesa porque ele nos remete para conceções mais profundas do que a
simples descrição ambiental. Digamos que ele serve duas concepções básicas,
sinteticamente ditas do seguinte modo: a primeira leva-nos a considerar a aldeia como a
unidade mínima de organização social, assim se explicando melhor a importância
concedida às relações entre a unidade familiar e a unidade aldeã, aspetos relevantes em
qualquer narrativa aquiliniana; a segunda permite explicar que a aldeia é como que um
laboratório de experiências humanas ou um centro vital da cosmovisão do mundo por
parte do autor. É ainda no sentido do mundo da aldeia, do mundo rural, do mundo do
artefacto, que converge a maior parte das referências textuais, das imagens, dos termos
de comparação e da linguagem metafórica, tão poderosamente trabalhada pelo mestre
Aquilino. Com efeito, a imagem que Aquilino elaborou do mundo rural é a que provém
da força da terra e do conhecimento profundo que tinha do modo de vida da comunidade
serrana e beirã. Ele próprio se incorporou nas andanças dos camponeses, o que lhe dava
um gozo espiritual, assim confessado:
bandeando em suas maltas. Levei tão longe o meu aldeanismo que nos desdiques
3. Lugar
(…) partindo do conceito de lugar, foi definido por Platão como um local de
ligação entre o espaço e aquilo que o ocupa e nenhum dos dois poderá ser
Para o autor o lugar não é apenas uma entidade material, é um espaço de vivências,
experiências e, consequentemente, sentimentos. Sendo assim podemos afirmar, que os
lugares fazem parte do Ser Humano enquanto representações simbólicas de determinadas
situações afetas a um espaço geográfico. ZUKIN (1992, p.12), numa perspetiva
sociológica, afirma que o lugar é um território, uma concentração de pessoas e atividades
económicas, um artefacto cultural de conflitos e coesões sociais. O lugar pode constituir-
se assim como a apropriação de um espaço por um indivíduo ou um determinado grupo
de indivíduos. CRESSWELL (2004) afirma que o lugar está em qualquer parte, desde que
lhe tenha sido atribuído um determinado significado. TUAN (1980), define o lugar como
uma unidade de espaço organizada mentalmente e materialmente para satisfazer as
necessidades biossociais básicas, reais ou percebidas, de um povo.
assim;
enquanto vivem;
sociais e políticos;
WALTER (1998), defende que os lugares têm um significado cultural e são alteráveis
pelo modo como as pessoas os constroem e materializam a sua representação.
TUAN (1974), afirma que os lugares têm uma personalidade, sendo esta uma
característica própria dos seres humanos. Já RELPH (1976), valoriza o lugar pela
importância que este tem na vida dos grupos humanos, na forma como eles o
experienciaram e utilizaram ao longo do tempo.
Espaço, território e lugar são conceitos muito caros à ciência geográfica mas que, em
última análise, podemos afirmar que só o são porque os grupos humanos dependem deles
e, transformam-nos, de acordo com os seus modos de vida. A transformação do espaço
em território e este em lugar só pode acontecer se existirem significados e pessoas que os
experienciem como seus.
A oposição entre o rural e o urbano é histórica no nosso país e caracteriza-se por um longo
processo de transformações lentas até ao século XX.
FERRÃO (2000) define quatro fases marcantes desta relação simbiótica inicialmente e
antagónica hodiernamente (Quadro 4).
Estas relações resultam dos processos evolutivos dos próprios territórios que conduziram
a uma alteração profunda das suas características. O mundo rural agrícola transformou-
se num rural “não agrícola”, mas que, na realidade, continua a ter na agricultura e nas
suas características, o suporte para a mercantilização das suas paisagens. Uma das bases
da estratégia de turismo em espaço rural é também um fator de diferenciação.
O espaço rural surge quase sempre em oposição ao espaço urbano, no entanto, o rural
apresenta características muito mais profundas e marcantes e um processo evolutivo
muito mais complexo, que apenas o que expressa esta oposição textual.
(…) é preciso ter em consideração que a relação entre urbano e rural é uma
relação desigual. Os urbanitas criam o seu próprio meio rural, idílico e atrativo,
De acordo com MÓNICA (2018, p. 55), Portugal destaca-se pelo ritmo dos
acontecimentos da transformação do espaço rural que tiveram como principais
consequências: a liquidação do campesinato; alteração das taxas de fecundidade;
mudança, significativa, nos padrões de consumo; diminuição da taxa de mortalidade
infantil; instauração do sufrágio universal; transformação nas relações Estado-Igreja;
criação de uma classe média; abertura das fronteiras a pessoas e bens; escolarização da
população diminuindo os níveis de analfabetismo e qualificando a população; liquidação
de um império além-mar.
SOUSA (1995) defende que na década de 60/70 existiram três grandes acontecimentos
que marcaram para sempre a trajetória do nosso país em geral e, do espaço rural, em
particular: adesão à EFTA através da assinatura do tratado de Estocolmo, que permitiu o
seu desenvolvimento económico e a alteração da imagem externa do país. Com este
acordo, Portugal viu-se obrigado a cumprir regras de mercado, para satisfazer a procura
de novos consumidores; e o facto de contactar com realidades europeias de regime
democrático, também teve impactos na melhoria e desenvolvimento do nosso país,
subjugado à ditadura. A EFTA teve um papel muito importante para Portugal, no sentido
político, na internacionalização da nossa economia e na ajuda ao desenvolvimento.
A Guerra Colonial, foi outro fator de transformação. O aumento dos impostos devido à
necessidade de dinheiro para mantar o confronto bélico, conduziu à diminuição do
investimento público no país, nomeadamente no que diz respeito às obras públicas,
estradas, alojamento e comunicações. Para além do impacto económico, o impacto
demográfico fez-se sentir. Chegámos a ter na linha de batalha cerca de 250 000 homens
para uma população do 9 000 000 de habitantes. Associada à diminuição da natalidade, a
maioria dos nossos emigrantes que saiam das zonas rurais onde existiam estruturas sociais
e económicas mais repulsoras, nomeadamente devido ao sistema de propriedade
existente, ausência de tecido industrial, de serviços.
O autor apresenta ainda dois critérios para a sua definição: a densidade populacional e a
percentagem de população que trabalha na agricultura.
Da aplicação destes critérios, resultam quatro zonas, duas das quais polarizam
população e um sexto da sua área). Entre estes dois extermos situam-se o rural
Excetuando as sedes de concelho, a maior parte das freguesias não se enquadram nas
tipologias de áreas predominantemente urbanas e Áreas Medianamente Urbanas (Figura
16).
5. Síntese
De destacar o facto de que, quando o abandono dos campos “não implica a saída de
pessoas a ruralidade transforma-se por dentro ou é absorvida pelo que dá o nome de
urbanização. (…) São paisagens transgénicas, novos territórios que tal como os OMG
O rural reinventa-se a cada dia e uma das principais formas da sua (re)invenção passa
pela turistificação das suas paisagens e pela valorização do seu património e dos seus
recursos endógenos.
ou seja a maior parte do território português - tem adquirido uma nova vida (…).
A Beira tem que ver e meditar. Castelos de torva catadura pelos altos e conventos
É um agricultor que vai o seu trator e pelo cair da tarde volta para casa com a
toura presa pela corda. Pelo caminho, passa por um muro em granito que segura
se ouve nada. É uma casa com uma larga varanda e com umas escadas e colunas
pintura é um amarelo muito claro e o telhado é em telha aba e canudo com largos
beirais e caleiras pintadas de verde. No Jardim cresce uma planta exótica. Daqui
Na figura podemos fazer uma paisagem de matriz rural, com os campos agrícolas
escola embora pintada, dentro dela nada existe, porque há muito as crianças deixaram de
colorir a paisagem, que deu lugar à revolução grisalha. Salta à vista a presença de
emigrantes, nas diferentes que casas que pela sua dimensão, fisionomia e cor contrastam
Escola
Gado
Casa Emigrante
Tal como defende o mesmo autor, e com o qual concordamos, não existem paisagem
estáticas e para sempre. A paisagem reflete um determinado momento, os acontecimentos
internos e externos que se materializam em políticas, que posteriormente poderão ter
impactos nestas mesmas paisagens. O friso cronológico da história fica
incontornavelmente marcado na paisagem. Alguns dos seus símbolos vão-se mantendo,
outros caem no esquecimento, mas cada vez mais, e ainda bem que assim acontece, as
políticas de desenvolvimento, particularmente dos espaços rurais, como o da pressente
análise, convergem na tónica de recriar, revalorizar, preservar e potenciar estes mesmos
elementos, como garante da manutenção da identidade dos territórios e do mosaico
cultural português cuja riqueza e valor não é discutível.
Das muitas estradas que partem de Viseu, por nalgumas das quais o viajante
e repousadas, dado que goste de pisar a terra negra, terra de suor e de cobras, e
gastavam-se umas quatro horas. Os cavalos dançavam. (…). (…) sempre havia
das vias de belo piso. Aqui o que encontra vai deixando às bandas é penedia,
p.55).
locais diferentes dos seus locais habituais de residência, motivada pelo desejo
de práticas de lazer;
ii. um sistema complexo de relações entre as pessoas (as que visitam e as que
são visitadas);
iv. uma atividade económica ou uma indústria com um enorme impacto na vida
A análise de azulejos, placas, vasos e mapas, revelaram que o povo romano ia à praia e a
centros de rejuvenescimento e tratamento de corpo, à procura do divertimento e do
relaxamento. Era a viagem pelo prazer e pelo deleite de viajar de conhecer e de tratar, o
corpo e a alma (QUINTEIRO & BALEIRO, 2017).
De acordo com FEIFER (1985, p. 8), o primeiro turista da história terá sido Heródoto,
geógrafo e historiador grego do século V a.C., tratando-se do primeiro exemplo de alguém
que deslocou apenas para contemplar o que o rodeava, um fenómeno isolado que, só se
repetiria anos mais tarde.
Na Idade Média, devido à importância da Igreja, as viagens passam a ter um cunho cada
vez mais religioso. O propósito de viajar resultava da vontade de ir conhecer grandes
Ainda a este propósito não podemos deixar de destacar a importância que teve a
descoberta da sepultura de Santiago de Compostela, em Compostela, que ainda hoje
movimenta mundialmente milhares de católicos ou católicos turistas.
Aqui começaram a surgir as primeiras excurssões pagas. Estas contavam com líderes
(guias) que conheciam os diferentes pontos do caminho, organizavam os grupos e
estipulavam as horas de alimentação, de descanso e de oração, ao longo do caminho,
(BARRETO, 2001).
Nos Séculos XIV a XVI, o Renascimento aporta uma intensa produção artística e
científica, dando a conhecer novos mundos ao mundo. Viajar passou a ser uma ambição
cultural e económica, demonstrativa de poder económico e de afirmação social. Aprender
línguas, contactar com novas culturas, vivenciar novas experiências e hábitos culturais,
era um dos objetivos do público alvo destas viagens, essencialmente o clero e os homens
da nobreza. Ficava esta atividade restrita apenas ao sexo masculino. Florença e Roma
despontaram como destinos culturais, pela vasta história e pelo património existente.
1
Na lei XXVII da Primeira Partida, integralmente dedicado a tratar de romeiros e peregrinos, esclarece que
romeiros, em sentido estrito, são aqueles que vão a Roma visitar “os santos lugares”, onde estão os corpos
de S. Pedro e S. Paulo e outros santos aí martirizados, e que o termo peregrino tanto podia aplicar-se aos
que iam visitar o Santo Sepulcro em Jerusalém e outros lugares santificados pela presença de Jesus, durante
a sua vida terrestre, como os que iam em Romaria ou peregrinação a Santiago de Compostela ou outros
santuários de peregrinação.
Em Portugal, nos últimos séculos da Idade Média, os peregrinos que regressavam da Palestina passaram a
ser designados palmeiros, vocábulo alusivo à pequena palma ou ramo pequeno de palmeira, que à 101
semelhança da vieira, que os peregrinos jacobeus ostentavam, no seu regresso de Compostela, tinha a
função de identificar como peregrinos dos Lugares Santos de Jerusalém e de outros pontos da Palestina.
Com a Revolução Industrial, entre os séculos XVII e XIX, as grandes mudanças ocorridas
nos diferentes setores da sociedade e no mercado de trabalho, nomeadamente a
possibilidade de gozo de férias, a generalização do pagamento de um salário mensal, a
melhoria dos meios e vias de transporte, nomeadamente a ferrovia.
Thomas Cook, um nome para sempre ligado a esta atividade económica, organizou a
primeira volta ao mundo, promovendo a vontade da descoberta da sociedade da época. A
partir daí, a atividade turística generalizou- se e massificou-se com avanços e recuos, fruto
da própria História, mas o desejo de viajar por conhecimento e por lazer nunca mais parou
(Quadro 7).
diferenciadas aos viajantes. Esta é, por isso mesmo, uma procura central na
Após termos apresentado uma síntese dos principais momentos da evolução do turismo e
das suas motivações este teve como objetivo demonstrar o papel da cultura, como uma
das principais motivações para as dinâmicas, cada vez mais acrescentes desta atividade.
À medida que o número de turistas aumenta e os territórios turísticos também, existe uma
complexificação da sua análise, sendo necessário recorreu, frequentemente a várias
ciências para proceder à análise do seu comportamento, quer em termos de motivações,
impactos económicos e sociais, entre outros.
O turismo não tendo um quadro conceptual próprio e bem definido resulta do entrecruzar
de múltiplas áreas do conhecimento científico nomeadamente: a Economia, a Gestão, a
Geografia, a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, o Direito, o Planeamento, o
Ordenamento do Território e o Marketing, entre outras (QUINTEIRO & BALEIRO,
2017).
JAFARI & RITCHIE (1981) apresentam um modelo de estudo do turismo que ajuda a
ilustrar a multidisciplinaridade da natureza dos estudos, (Figura 19).
Educação Economia
Hotelaria e Sociologia
Psicologia
Restauração Educação
do Turismo
Impactos
para o Económicos
Turismo do turismo
Papel da
Hospitalida Motivações
de em do Turismo
Turismo
Transportes Antropologia
Relações
Fundamento
sociais entre
s dos
turista e
Transportes
visitante
Estudos
Estudos
Negócio
Gestão do
Turismo em
em
Mundo sem
fronteiras
Ciências
Políticas
Tuismo
Direito do
Turismo Geografia
Turismo do Turismo
Direito Geografia
Simbiose
Marketing
com a
do Turismo
paisagem
Planeament
o do
Tensões
Turismo e
Rurais
Desenvolvi
mento Animação
Marketing Ecologia
Planeamento
Regional e Agricultura Figura 19 - Multidisciplinariedade dos estudos em
Urbano
Recriação e
Parques
turismo
Fonte - Adaptado de JAFARI & RITCHIE (1981)
A partir do momento em que o turismo passou a ser objeto de estudo nas suas variáveis
espaciais e culturais, as categorias de espaço e território têm sido utilizadas com maior
destaque, pois a Geografia, a Sociologia, a Antropologia, e o Urbanismo, são ciências que
nos permitem conhecer e compreender este fenómeno que tem ganho uma escala cada
vez maior, quer em número de turistas, quer em riqueza que gera (FRATUCCI, 2000).
Assim o estudo do turismo, ao longo do tempo, através das ciências sociais e económicas,
permitiu-nos ter uma visão mais realista da complexidade de fenómenos que o constituem
como fenómeno maior, que acrescenta valor pecuniário às economias, transforma
patrimónios em atrações turísticas e promove o desenvolvimento de experiências e
conhecimento de outras realidades culturais, sociais e políticas a visitantes e populações
locais.
Pela sua dimensão em termos económicos, o turismo é uma das áreas mais estudadas
atualmente e, também, uma das atividades mais apetecíveis de implementação em
territórios de características rurais ou urbanas.
Cada vez mais os turistas procuram experiências autênticas que vão contra a massificação
do turismo, em que se recriavam cenários e contextos para criar também experiências.
Atualmente, a valorização da(s) identidade(s) local(ais) do(s) seu(s) património(s) e da(s)
sua(s) população(ões), estão a ganhar um novo posicionamento no mercado da oferta e
da procura, no fundo podemos afirmar que estamos a voltar à essência do turismo com o
seu aparecimento associado ao Grand Tour, a viagem pela vontade de conhecer, de
descobrir novas realidades e experienciar aquilo que apenas era estudado em termos
teóricos e contextuais.
e para fora das fronteiras dos seus países, dos seus locais de residência e
Que o espaço rural é, foi, e sempre será, diferente do espaço urbano é uma realidade
inegável. No entanto, atualmente, dada a concentração da população nas cidades de
grande e média dimensão, por oposição ao esvaziamento dos espaços das cidades de
pequena dimensão e outros lugares do interior rural do país, esta preocupação de sempre
está cada vez mais na ordem do dia. As soluções que acompanham a celeridade dos
processos de degradação são difíceis e complexas e passam pela(o): redução e, em
algumas situações, extinção completa da agricultura no tecido económico dos espaços
rurais, que sempre dela dependeram para subsistir; fraca capacidade de atração de
investimentos para outros setores de atividade; fraca atratividade social e ausência de
mercado de trabalho, suficientemente capaz de captar e fixar populações; abandono rural
generalizado, acompanhado de despovoamento, erosão, desertificação e incêndios, com
consequente perda de diversidade ecossistémica natural e humana (CAVACO, 2005).
COSTA (2014) defende que um território é uma produção relacional, que envolve
diversos aspetos da vida humana, material e cultural. Assim o conceito de territorialidade,
utilizado, por SACK (1986), para elaborar uma classificação de área que faz de um
território um instrumento para a padronização interna e comparação com as
territorialidades externas. Podemos afirmar que o conceito de territorialidade diz respeito
às características inatas dos diferentes territórios e que os distinguem dos demais.
Estas políticas que passaram do plano nacional para o plano local, permitiram uma
revalorização do território e da dimensão espacial do desenvolvimento, no entanto,
reforçou-se a ideia romântica associada a estes espaços, fruto da presença de dinâmicas
Qualquer política de base territorial, não pode ser entendida como tal, se não considerar
os princípios bases da sustentabilidade do território. A sustentabilidade do
desenvolvimento e do nível de intervenção local são centrais nas políticas de
desenvolvimento, de modo particular dos espaços rurais, cujas fragilidades são de
natureza diversa que se conjugam nomeadamente nas dimensões económica (eficiência,
crescimento, estabilidade), social (equidade, solidariedade) e ecológica
(reprodutibilidade dos recursos naturais) (MELA et al, 2001 citado por CRAVIDÃO,
CUNHA, & SANTOS, 2010), de forma a conseguir intervenções equilibradas e eficazes
(Figura 21).
A expressão simbólica dos lugares e as imagens que lhes estão associadas que resultam
da identidade territorial e cultural e que, em função da sua capacidade de divulgação e
propagação, poderão servir de mote à fixação de externalidades diversas, suporte da
inovação destes territórios. Estes encontram nas paisagens a cristalização máxima dos
seculares modos de vida, que são transformados em novos produtos e novas atrações
turísticas de base tradicional, mas de cunho moderno e inovador. Desta forma, ganham a
capacidade de dar resposta às necessidades dos públicos que, atualmente, são cada vez
mais exigentes. Todavia, isto só é possível se conhecermos com a profundidade
necessária as populações, os lugares e os seus modos de vida.
Acreditamos que a paisagem constitui a imagem que nós percecionamos do território que
visitamos. É a materialização das vivências e a reflexão da ação do Ser Humano sobre o
substrato que habita. De acordo com ALMEIDA (2006),
As paisagens rurais, particularmente, têm vindo aumentar, por parte das populações
citadinas, a sua procura e o interesse cada vez maior em participar e vivenciar
experiências nestes territórios. De acordo com ALMEIDA (2006), estas constituem-se
como verdadeiros museus vivos a céu aberto, que tentam a todo o custo subsistir após as
sucessivas vagas de emigração que as fustigam tanto hoje como outrora. As novas
procuras dos espaços rurais são baseadas no imaginário das representações das
comunidades urbanas, algo bucólicas e românticas desta realidade. Muitas destas imagens
derivam inclusivamente dos retratos literários que são feitos dos espaços geográficos por
autores de referência. Surge-nos assim uma nova tipologia turística que designamos por
turismo literário, do qual adiante falaremos.
A procura do turismo em espaço rural de base cultural deve-se também, em larga medida,
à reorganização dos tempos sociais. Quando falamos em tempos sociais estamos a
reportar-nos ao tempo de trabalho, tempo livre, tempo de lazer e tempos obrigatórios,
relativos à satisfação das nossas necessidades fisiológicas (SANTOS, 2015).
Através da atividade turística, muitos elementos podem ser valorizados e resgatados numa
sociedade. Para além de proporcionar à população local o reconhecimento dos seus
valores e da sua identidade perpetuando-os através da sua transmissão.
O turismo cultural surge como um dos segmentos da atividade turística que mais tem
crescido e aborda as vivências dos visitantes, relacionadas com o património material e
imaterial pertencentes ao conjunto histórico, social, cultural, artístico e antropológico de
um povo (SALVADOR & BAPTISTA, s/d).
De acordo com LANE (2009), citado por AYAZLAR & AYAZLAR (2015), o verdadeiro
turismo rural define-se como o tipo de turismo que é praticado ou se encontra localizado
nas áreas rurais. O turismo rural apresenta como fatores diferenciadores a escala, a função
e o carácter (SHARPLEY & ROBERTS, 2004, citado por AYAZLAR & AYAZLAR,
2015).
Assim o turismo rural: está localizado nas áreas rurais; deve ser baseado nos recursos
existentes no espaço rural; ter edifícios típicos da cultura vernacular inseridos no contexto
paisagístico e cultural; as atividades desenvolvidas têm de estar conectadas com as
comunidades locais, baseadas nas vilas ou aldeias; representar padrões complexos da
economia, do ambiente e da história dos lugares (LANE, 2009, citado por (AYAZLAR
& AYAZLAR, 2015).
Autor Definição
Bramwell & Lane, A educação, as artes e o património que ocorrem no espaço rural não
1994 citado em Su, apenas suportadas pelas atividades agrícolas, mas também outras
2011, 1438. atividades multifacetadas.
Pedford, 1996
O conceito inclui os modos de vida rurais, o folclore, as tradições, os
citado em Su, 2011,
valores as crenças e o património intrínseco à comunidade.
1438.
McKercher & Este tipo de turismo sai dos esteriótipos do turismo tradicional
Robbins, 1998, 173. massificado e é desenvolvido a uma escala local ou regional.
Reichel et al., 2000, O turismo rural baseia-se nos princípios rurais e da sustentabilidade, com
451. empreendimentos de pequena escala em territórios rurais.
Corresponde a uma prática desenvolvida numa comunidade rural, com
MacDonald &
tradições próprias e distintas, com modos de vida e valores patrimoniais
Jolliffe, 2003, 308.
passados de geração em geração.
O turismo rural pode ser tanto um complemento ao turismo de massa na
Sharpley &
maioria dos países que têm climas quentes e também uma iniciativa
Roberts, 2004, 122.
pioneira num lugar onde o turismo é baixo.
É entendido como sendo uma forma de turismo proporcionada pela
Negrusa et al.,
população local, em territórios de características rurais, com alojamento
2007, 1.
de pequena escala, modos de vida e atividades rurais.
Daugstad, 2007, O turismo rural é uma arena onde turistas e agricultores se reúnem. Isso
404. fornece algumas mudanças físicas e/ou estéticas na área.
Aref & Gill, 2009, Uma experiência orientada, a área rural é escassamente povoada e
68. baseada na preservação da cultura, património e tradições.
Lo et al., 2012, 59. Turismo rural oferece produtos diferenciados para a indústria.
Melhoria das As férias são uma oportunidade para reunir familiares e enriquecer as
Relações relações entre eles. A viagem e a estadia significam um aumento de
Familiares proximidade física e um aumento das possibilidades de interação.
Fonte - Adaptado de BLANCO, SÁEZ, DAUDER, & DIAZ (2003, pp. 19/20)
Os atributos elencados são apenas uma pequena amostra do potencial diferenciador entre
o turismo praticado nos espaços rurais e o turismo em espaço urbano. São estes atributos
que motivam ao longo do tempo o desenvolvimento e o crescimento desta prática
turística.
Fonte - AYAZLAR & AYAZLAR (2015, p. 180), adaptado de MacDonald e Jolliffe (2003,
p.309)
O turismo rural, como afirma SMITH (2009) refere-se a uma prática turística que se insere
na oferta do turismo cultural. A autora indica a existência de uma prática turística cultural
em áreas rurais. Noutra perspetiva temos REAL (2001) que expõe uma variedade de
tipologias de turismo rural. Dentro desta oferta destaca-se um tipo de turismo baseado no
património e nas visitas históricas, ou seja, o turismo rural pode incorporar o património
cultural e natural no mesmo espaço. Assim, para além dos rios, das áreas florestais, das
paisagens verdes e das montanhas, pode conter vestígios arqueológicos, monumentos
históricos e tradições (REAL, 2001). A ligação entre temáticas é visível, várias atividades
rurais podem ser combinadas com experiências culturais proporcionando um estilo de
vida que atrai a atenção dos turistas (TURNOCK, 2002). No estudo de RICHARDS
(1996) verifica-se um aumento pela procura de destinos com características rurais e
culturais, as novas tendências estão a emergir e apontam para um crescimento no interesse
do turismo “cultural-rural” em Portugal devido às várias regiões montanhosas que
formam uma base natural para os diversos recursos culturais.
Sob este contexto, é possível afirmar que o turismo cultural, através da salvaguarda da
identidade e da cultura locais, pode constituir-se como o garante da recuperação,
preservação e afirmação dos valores que distinguem e caracterizam as diferentes
comunidades, afirmando-se como uma força inibidora dos efeitos da homogeneização
cultural resultantes dos processos de globalização (TOSELLI, 2006, citado por
MARUJO, 2015). Logo, o turismo cultural, pode contribuir para gerar uma tomada de
consciência em relação à preservação do património, tanto tangível, como intangível,
compreendendo que este é a herança que o distingue e afirma individualmente
(MARUJO, pp. 6-7).
O turismo literário permite, através da valorização dos escritores e das suas obras, a
valorização de paisagens turístico-literárias veiculadas pelos próprios autores e
resultantes da interseção existente entre a literatura e o turismo (XICATTO, 2008).
A relação empática que se vai estabelecendo entre a natureza e a cultura é cada vez mais
dinâmica e intuitiva. Os valores que hoje são expressos pelo mundo científico, pelo senso
comum e pela econonomia, tradicionalmente em desacordo, parecem ter conseguido
alguma sintonia, dando expressão a intervenções, comportamentos e investigações que a
política quer, também, assumir como seus, neste último caso, porque estas questões
passaram a estar integradas nas agendas como assuntos prioritários na tomada de decisão
dos eleitores.
RICHARDS (1996), em Cultural Tourism in Europe afirma que o turismo e a cultura são
inseparáveis e que o património cultural Europeu é um dos mais antigos e maiores
geradores da atividade turística na Europa e responsável pela deslocação de milhões de
turistas de todo o mundo. De acordo com a União Europeia, o turismo e, em particular, o
turismo cultural, merece prioridade em termos das políticas de desenvolvimento. Assim,
o Conselho da Europa, em 1987, implementou o conceito de Rota Cultural, de modo a
potenciar os valores patrimoniais culturais das diferentes regiões da União Europeia,
promovendo o conhecimento deste imenso espólio de identidade para os diferentes
turistas dos quatro cantos do mundo.
4- O Turismo Criativo
Na realidade uma das grandes diferenças que podemos apontar entre o turismo cultural e
o turismo criativo é a capacidade que este último tem em oferecer ao turista o ver pelo
envolver, ou seja a possibilidade que o turista tem fazer parte dos processos, das
atividades sociais, religiosas, agrícolas, da própria comunidade, desenvolve3ndo, assim a
sua criatividade e valorizando exponencial a sua experiência pelo contacto.
A imagem das regiões baseia-se em elementos físicos, mas também se desenvolve a partir
de experiências construídas em torno desses elementos, que geralmente se estendem à
“cultura viva” e à atmosfera dos locais.
Num mundo cada vez mais globalizado, onde as pessoas através de um ligação à internet
conseguem ter acesso a locais distantes, a descobrir a sua história, a sua cultura, as suas
paisagens, a sua realidade, tonar-se uma tarefa cada vez mais complexa encontrar novos
modelos, novos produtos, novas reconfigurações do real, algumas das vezes em processo
de regressão, como já tivemos oportunidade de referir, pugnando por diferenciação
autêntica suportada numa estratégias que deverá ser suficientemente autentica para
promover a competitividade e a sua diferenciação.
Cada vez mais o turista opta por destinos que lhes possibilite um turismo de sensações
experimentar cheiros, sabores, sons, o toque, o convívio com as populações locais, pois
só assim consegue contactar com a autenticidade real e não com cenários que são
recriados na expectativa de mostrar aquilo que o turista procura, como são o caso dos
parques temáticos, que não são mais que a recreação num espaço delimitado de um
cenário, mais ou menos ficcionado.
maior potencial para criar valor pela sua escassez; a criatividade permite aos
virtual em qualquer local, sem que tenha que coexistir um número concentrado
de recursos patrimoniais.
Numa sociedade de experiências o consumo passivo tenderá a dar lugar a estas novas
um grupo cada vez mais informado, e seletivo de turistas que procura a sua valorização e
Criatividade Criatividade
enquanto enquanto cenário
atividade
Experiências e Produtos
Envolvimento Crescente
Transmissores de Criatividade
Como síntese encontramos, quer o turismo criativo, quer outras tipologias turísticas, que
têm o seu palco em territórios rurais, com pequenas comunidades, mas com um potencial
imenso a ser revitalizado, características únicas: são formas de turismo cultural;
pressupõe o relacionamento e a interação, quer com o espaço, quer com as comunidades
locais; é uma forma de promoção de estratégia de auto-desenvolvimento e de
desenvolvimento comunitário, numa perspetiva de sustentabilidade económica e social;
é o suporte da criatividade; valoriza e apoia a identidade local; entre outras (RICHARDS,
2015).
Embora o turismo rural seja visto como uma estratégia, relativamente simples de
implementar nos territórios rurais, com vista à dinamização do seu potencial, não a
podemos transformar numa estratégia vulgar e simplista, porque na realidade o seu
sucesso a longo prazo dependerá de um conjunto de condicionantes que deverão estar
presentes em todo o processo da sua implementação.
Só assim poderemos alcançar os tão desejados benefícios que, obviamente, não são
lineares nem se concretizam numa escala temporal reduzida.
recursos naturais (praias fluviais, termas), quer atividades rurais mais ou menos
Numa sociedade cada vez mais global procura-se a singularidade cultural. (Re)encontra-
se a viagem, (Re)inventam-se os itinerários, (Re)centram-se os lugares. Emergem novas
identidades territoriais (CRAVIDÃO, 2011, p. 39).
Figura 28 - Praia Fluvial de Segões; Festival Gastronómico da Truta (Vila Nova de Paiva)
Esta província, que conta nobres e antigas cidades, mar e montanha, grandes
e farta. No século XVIII era o jardim de Portugal. Cidades, vilas e aldeias estão
1. A Geografia e a Literatura
p. 78).
GIRÃO (1952), introduziu pela primeira vez a discussão da relação da Geografia com a
Literatura, na Geografia portuguesa:
literária” mais ou menos no mesmo sentido (GIRÃO, 1952, citado por JACINTO,
2015, p. 11).
Atualmente existem duas correntes que trabalham a relação que existe entre a Geografia
e a Literatura. Por um lado, uma corrente que destaca a espacialização dos fenómenos
históricos, o ambiente físico, as estruturas sociais, os modos de vida, os costumes e a sua
materialização, nomeadamente na paisagem e no património visível.
Convém salvaguardar, que a realidade é transcrita pelo autor através daquilo que é a sua
visão e perceção, o momento histórico, económico e social em que se encontra. A escrita
não é alheia aos fenómenos sociais, políticos, económicos, culturais e naturais, que
ajudam o autor a criar o seu enredo.
A obra literária, parte de uma realidade pré-existente, e o seu objetivo é comunicar aos
leitores essa mesma realidade, de modo mais ou menos ficcionado. Esta representa o
mundo, mas é também uma visão do mundo e, finalmente, uma tomada de posição sobre
o mundo. A linguagem literária comunica, pois, aspetos da realidade ou factos, e tempos
da experiência humana. Ela revela a visão e o posicionamento do escritor perante o mundo
(LEFEBVRE, 1991, pp. 17 -18).
A partir dos relatos literários que são feitos é possível concluir acerca dos modos de vida
das populações locais e do modo como a sua evolução, decorrente da adaptação ao meio
físico, se foi transformando ao longo da História. Obviamente que esta evolução deixou
marcas, quer nas paisagens, quer nos patrimónios existentes, quer nos valores culturais,
assim como nos modos de ser e de estar e no saber fazer, que conferem identidade às
comunidades e, consequentemente, aos territórios.
As obras literárias são o garante da salvaguarda, através da escrita, das relações e dos
vínculos estabelecidos entre o Ser Humano e a Terra. A obra faz do objeto uma leitura
existencial que se liga aos enunciados que exprimem a qualidade, a variedade, a
generalidade dos sentimentos, das representações, das imagens que se elaboram entre o
Ser Humano e o Mundo (TISSIER, 1991, p. 237).
LIMA (2000), destaca que existem obras impregnadas de caráter geográfico, ao relatarem
os modos de vida, as características socioculturais, as estruturas económicas, agrárias,
como a diversificação do meio físico de um país ao longo dos diferentes momentos de
sua história.
MONTEIRO (2002) esclarece que, tanto as paisagens para o geógrafo, como a escrita
para o escritor, convergem para a “condição humana”. Se por um lado, a Literatura reflete
a realidade social e contextual, por meio da dinâmica da História; por outro, a abordagem
cultural na Geografia coloca a cultura e o Ser Humano como centro, para compreender a
construção do meio, repleto de significados e de processos que criam identidades. Vemo-
nos assim diante de outro dos elos entre a Geografia e a Literatura.
Para uma incursão nas relações entre a Geografia e a Literatura temos de considerar como
premissas que os aspetos geográficos se revelam na história, constituindo-se como uma
representação da realidade transcrita pelo autor, através das personagens que criou. Pela
leitura, interpretação e contextualização da obra literária, a partir das ideias e imagens
contidas nos factos, cenários e nos personagens da narrativa, é possível associar e
conjeturar todos os elementos revelados na obra literária e descortinar aspetos socio
espaciais, históricos e culturais da sociedade nele representada. Na perspetiva da
abordagem cultural, entende-se que o ponto convergente entre ambas é o lugar e o Ser
Humano sendo possível aproximá-las e, por conseguinte, tornar a Literatura uma fonte
enriquecedora da investigação geográfica.
TUAN (1983) no seu trabalho Espaço e Lugar: a perspetiva da experiência, faz alusão à
utilização da Literatura pelos geógrafos dividindo o processo em três fases: a) a Literatura
dá a possibilidade de fazer reflexões sobre a vida e experiência humanas, juntamente com
as suas relações, oferecendo assim, sugestões para compreensão do espaço social; b)
revela-nos a existência de uma suprarrealidade que mostra as diferentes perceções
ambientais e os valores de uma cultura, oferecendo ao geógrafo, enquanto historiador, o
conhecimento; c) uma audaciosa tentativa de obter um equilíbrio entre o subjetivo e o
objetivo, como um modo de síntese geográfica (TUAN, 1983).
Um dos exemplos mais paradigmáticos, desta relação na literatura portuguesa, faz-se com
os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, que promoveu a expansão da cartografia Literária,
e o mapeamento etnográfico e político, do além- mar. A obra que narra a viagem de Vasco
da Gama à Índia, constitui-se como um excelente documento de trabalho para a Geografia
e a Cartografia Históricas (SACRAMENTO, 2004).
2. A Literatura de Viagens
Atualmente, é com relativa facilidade, através dos meios de comunicação e das novas
tecnologias, que conseguimos obter informações acerca do mundo que nos rodeia.
Admiramos e ficamos estarrecidos com paisagens maravilhosas, ou com imagens de
degradação ambiental, social ou económica, com culturas distantes mais ou menos
exóticas; temos imensas informações de acontecimentos culturais, naturais, políticos e
sociais que nos deixam com vontade de partir, e sentir no local os aromas, os sons e
sabores. Ir significa imergir num outro local, com todos os nossos sentidos e passar para
uma outra dimensão, tal como fez Alice no País das Maravilhas.
Este lugar é um espaço que resulta da vida das pessoas, dos grupos que nele vivem, do
modo como se organizam, como trabalham, como o usufruem e o fruem simultaneamente.
É um espaço vivido, de experiências quotidianamente renovadas, e que constituem o fio
da memória do lugar e das pessoas. Esta consciência valoriza os sentimentos de
identidade e de pertença àquele lugar e a mais nenhum outro (CALLAI, 2003).
ou imaginária (por mar, terra e ar) temas, motivos e formas. E não só à viagem
MATOS (2001), citado por (FRANCO, 2007, p. 5), define literatura de viagem como a
descrição de um percurso concreto, realizado por um/a viajante, normalmente
solitário/a, que se baseia na observação empírica do real (…).
Existem outros autores, nomeadamente QUEIROZ (2006), que defende que a literatura
de viagens se constitui, dentro da literatura como um género próprio, com características
específicas, formado pelas impressões deixadas pelos viajantes dos lugares que visitaram
em forma de relato, diário, compêndio, memórias, cartas, entre outros, responsável pela
criação de representações sociais, condicionadas pelo tipo de experiência específica que
é a viagem (FRANCO, 2007).
Mais recentemente, a literatura de viagens, que já tem muito do cunho do seu narrador,
ou seja, é o escritor que nos conduz nas observações e no modo como descreve a realidade
que ele seleciona ver. O acaso, como anteriormente acontecia, não tem aqui grande
margem para se espraiar no imaginário dos leitores que é induzido pelo percurso de quem
escreve.
Os livros podem transportar os seus leitores a lugares que vão além do que é concreto e a
partir dessa vivência imaginária, estes tornam-se veículos de propagação de destinos
turísticos já estabelecidos ou então de lugares menos conhecidos, como casas, paisagens
ou elementos do património material e imaterial de um lugar, ou região). Este é um dos
princípios do turismo literário, partir de uma obra ou de um autor ir procurar aquilo que
é relatado (SANTOS, 2009).
O relato tem de ter um escritor “relator”, um leitor, que lê e interpreta, de acordo com as
suas características, aquilo que está a ler; um tempo histórico e um tempo contabilizado
a partir do momento em que a viagem foi feita e o relato foi escrito, que pode condicionar
completamente a escrita.
A viagem ao ser encarada como um percurso realizado entre um lugar conhecido para
outro (que não o é necessariamente) e, o consequente regresso, passando por um território
inexplorado pelo viajante, consideramo-la um processo de conhecimento, de novos
lugares, saberes e culturas (RITA, 2013).
Contudo, é o seu relato que deixa perceber qual ou quais os sentimentos provocados pelos
lugares no viajante, a forma como este se deixa ou não influenciar por culturas que
diferem da sua e o maior ou menor grau de intimismo que deixa antever na sua escrita.
A viagem é o tema aglutinador, na realidade acaba por ser o mote que origina ambas as
modalidades, anteriormente referidas. Não podemos, contudo, assumir a viagem apenas
como a deslocação no espaço e a alteração do campo de ação das personagens que o
escritor cria. Ao termos apenas esta conceção iríamos, com certeza empobrecer o carácter
da história, o real e o imaginário criado pelo ato de viajar pela mão do autor. A viagem
per si depende de um comportamento humano intencional e temporário, pois implica uma
partida e um regresso ao mesmo espaço geográfico, numa perspetiva física e material.
Um dos fatores que mais impele este movimento é a ânsia de conhecimento, a necessidade
de experienciar novas culturas, novos espaços, novos lugares, quer seja através da
efetivação da mesma, quer seja a viagem que muitas vezes a literatura nos convida a fazer
pela mão do seu autor, através dos seus olhos e das suas emoções, criando o leitor a sua
Já na Idade Média, existem inúmeros relatos de textos que, pela sua escrita realista,
possibilitavam contactar com outras culturas e com outros povos sem sairmos do local
onde nos encontrávamos.
Perante novas terras e povos até então desconhecidos, o espírito da cruzada dos viajantes
fê-los reconhecer novos territórios e novas coordenadas bíblicas. Estabelecia-se desta
forma uma nova configuração do universo e, com ela, a necessidade de redescobrir novos
instrumentos capazes de comprovar e validar as descobertas.
Esta alteração provocou também novas características nos turistas que viajavam com
vontade de conhecer novas realidades, mas acima de tudo que procuravam a recriação e
o lazer.
Com efeito, a literatura de viagens tem uma natureza compósita e comunica com outros
géneros, o que faz dela um género híbrido (NUCERA, 2002, p. 242).
Face ao exposto, três observações gerais sobre a literatura de viagens podem ser
sintetizadas: a) a existência de um leitor imaginado que acompanha sempre os viajantes
(escritores) e para o qual ele pensa a sua escrita; b) todos os escritores de viagens têm um
discurso próprio, que transporta sistemas de conhecimento internacionalmente
compartilhados ligados a sinais em todas as partes do mundo conhecido e desconhecido,
bem como a visão, os sons e os cheiros; c) uma frequência característica subestimada é a
existência de uma rede internacional de escritores e editores desde o início dos tempos
modernos que foi interligada a nível europeu bem como para além da Europa,
especialmente para a América. A literatura de viagens é um género internacional
(SCHULZ - FORBERG, 2005, p. 30).
O que me preocupava era escrever bem, semana, após semana. Captar o leitor,
dar uma dimensão literária à minha volta ao mundo. O objetivo final, para mim,
não era terminar a viagem – era editá-la em livro. (...) Não estão aqui todas as
desnecessárias. Deitei-as fora. (...). No livro figura ainda uma terceira situação,
Através da sua extensa obra, o autor dá-nos a conhecer a realidade da sociedade rural
portuguesa, através das suas personagens que nos transmitem os problemas económicos,
sociais e culturais vividos e, simultaneamente, dão-nos a capacidade de, mentalmente,
reconstruir de forma realista o ambiente rural da Beira serrana do início do século XX
(ALMEIDA,1993).
3. O Turismo Literário
produtos onde a escala limitada da procura tende a ser um dos critérios, ainda
que subjetivos, de identificação” (MARQUES, 2013, p.28, citado por COSTA &
A literatura pode assumir assim um papel de destaque enquanto veículo transmissor desta
cultura e, simultaneamente, perpetuá-la ao longo do tempo, nos registos de um escritor,
tal como aconteceu durante séculos com a literatura de viagens.
(…) existir uma relação entre a literatura e o turismo que passa não só pela
O Turismo Literário é uma modalidade recente que tem como pressuposto a atração de
turistas que buscam vivenciar sentimentos e emoções gerados por textos literários,
extrapolar as limitações da imaginação e visitar fisicamente lugares e paisagens que
inspiraram, atuaram como cenário, ou fizeram parte da vida de seus autores preferidos,
entre outros. Essa modalidade de turismo atribui tanto para a identidade cultural local
quanto para despertar (ou fortalecer) o sentimento de pertencimento a um povo. Isso
ocorre porque a literatura enquanto obra de arte atua como símbolo e imagem duradouros,
não apenas evidenciando lugares e paisagens, mas também registando o histórico
emocional, humano e pessoal da população local.
Ao ser objeto desta análise, o Turismo Literário, surge como uma modalidade que se
enquadra no segmento de Turismo Cultural. Segundo ROBINSON & ANDERSEN
(2002), o Turismo Literário é cultural por ser baseado em arte criativa ou porque, na
verdade, dificilmente o turismo não é cultural.
A arte que inspira e atua como fonte de motivação para o Turismo Literário é a Literatura
que, como visto anteriormente, se constitui como parte do património cultural de
determinado destino. Portanto, é necessário considerar a Literatura, em termos turísticos,
Ele não se restringe apenas a “literatura de viagens”, ou seja, relatos de viajantes que
possam inspirar turistas. O texto literário vai além de relatos, ele é capaz de “ressignificar”
lugares, sejam esses ficcionais ou não, e assim impulsiona leitores a visitar, conviver com
a população local, perceber a cultura, possibilitando ao turista sentir e vivenciar, através
de sua perspetiva de leitor, determinado destino.
MENDES (2007) defende ainda que, para que seja considerado como Turismo Literário
a literatura (textos literários) deve cumprir o papel de motivar a viagem, possuindo cunho
decisivo no momento da escolha do destino a ser visitado. Relacionado, quer com o
turismo cultural, quer com o turismo literário que, a partir deste momento vamos integrar
no anterior, temos a questão das experiências ou experiência que o turista/leitor quer
vivenciar. Este conceito está diretamente relacionado com o de autenticidade, cultura,
identidade, território e população.
VEGA (2011) identifica três principais aspetos dos elementos que compõe a imaginação
e criação de imaginários, sendo eles: a) expressões visuais, “a imagem”, como
fotografias, pinturas, mapas, reais ou imaginários; b) dimensões linguísticas (história,
mito, novelas, resumindo: transmissão oral e escrita), que acompanham as imagens,
mesmo que nem todos imaginários sejam acompanhados de imagens; c) os processos de
pensamento - na formação de ideias, fantasias, ideologias, - que estas imagens e discursos
evocam. Esses aspetos devem ser considerados já que se relacionam diretamente ao
imaginário turístico e com a modalidade de Turismo Literário.
(…) um sítio literário pode ser uma atração turística por si só, ou uma parte da
que são as que fazem determinado sítio um sitio literário (Ex: relação do local
com o autor e a sua obra), ou características gerais, tais como uma paisagem
questão.
Estes podem ser percorridos de forma independente pelos turistas ou podem estar
integrados num pacote turístico (…). Os itinerários podem ainda funcionar com
base numa rede que une um conjunto de entidades que, embora de natureza
4. Síntese
Nos últimos anos as obras literárias, têm sido um importante instrumento de trabalho para
a geografia humana e cultural, pois através delas é possível obter informação acerca dos
A leitura pode ser uma motivação para viajar, conhecer novos lugares e entrar em contacto
com novas realidades. Esta viagem inicia-se com um processo de viagem “virtual” em
que nos transpomos para a ficção do que estamos a ler e frequentemente somos
convidados a ser um dos personagens da estória.
O Turismo Literário surge, então, como a corporização das palavras do autor, existindo a
primazia do lugar sobre a escrita. O leitor passa a ser um viajante e desloca-se ao espaço
geográfico em que as suas personagens estiveram e viveram. Transforma-se ele próprio
no ator e autor da sua história.
A simbiose com os lugares e com as suas populações locais transforma-se numa mais
valia que pode enriquecer o viajante e fazê-lo perceber, ou não, o espaço de uma maneira
diferente daquela que a leitura lhe deu. Simultaneamente os territórios ganham uma nova
vida, de modo particular quando nos reportamos a territórios rurais de baixa densidade,
vendo os seus patrimónios valorizados (Figura 29).
Demo (…). São-no de facto? Suponho que sim, tanto pelo agreste do meio como
(RIBEIRO A. , 1955, p. 5)
1. Aspetos Naturais
A expressão Terras do Demo, tal como Aquilino Ribeiro emprega no romance com o
mesmo nome, diz respeito à área planáltica da Beira que fica ligeiramente a norte da
Cordilheira Central e que tem a sudoeste a Serra do Caramulo. Para norte deste situam-
se outros relevos normalmente designados, pelos geógrafos por Maciço da Gralheira, que
a separam do litoral. No limite norte do Douro,
No que diz respeito à evolução geomorfológica, que conduziu à atual disposição das
massas de relevo, esta parece ter tido origem numa superfície de aplanamento elaborada
sobretudo ao longo do Paleogénico, ou seja, da primeira parte da era Terciária
(Cenozoico). Esta superfície foi depois deformada pelos movimentos tectónicos alpinos
e com o soerguimento dos terrenos, outras aplanações se desenvolveram, mais recentes e
mais incompletas, encontrando-se hoje a altitudes menores.
Os Planaltos Centrais são constituídos pelo Planalto da Nave, pelo contacto entre o
Planalto da Nave com a Plataforma do Mondego, que se dá a oeste da Ribeira de Sátão;
entre a Ribeira de Sátão e o Mondego; e pela fragmentação dos planaltos a este e a norte
da Nave, onde se encontram retalhos da superfície de aplanamento, ainda terciária, que
existe no Alto Paiva, balizando-se entre os 7520 e os 900 metros de altitude (FERREIRA
A. B., 1978).
As rochas mais antigas da área em questão, que ocupam uma porção do território
consideravelmente extensa, pertencem ao complexo xisto-grauváquico. São constituídas
por xistos e grauvaques finos, com intercalações de grauvaques grosseiros,
conglomerados quartzosos e xistos anfibólicos. A xistosidade nestas rochas é geralmente
paralela à estratificação e a inclinação é muito forte. Estes terrenos estão afetados por um
metamorfismo regional, que vai da zona da clorite até à zona da silimanite, e por um
metamorfismo de contacto, sobreposto ao metamorfismo regional, definido pelo
aparecimento de cordierite. Envolvendo os largos afloramentos de granitos porfiróides
grosseiros, a auréola de metamorfismo atinge uma largura de 900 metros quando o
contacto é aproximadamente vertical. Esta auréola encontra-se melhor desenvolvida nos
xistos das zonas da clorite e da biotite: depois de uma fraca espessura de xistos
mosqueados, estes tornam-se nodulosos, transformando-se, por sua vez, em corneanas, a
distâncias compreendidas entre os 90 e 150 metros.
Assim podemos destacar na área de estudo duas unidades litológicas principais pela
extensão que ocupam. Por um lado, os Metassedimentos Paleozoicos da idade Câmbrica
do supergrupo. Dúrico-Beirão (SCHERMERHORN,1980, citado por VIEIRA, 2004), e
outro de rochas Granitoides hercínicas. Dentro destas salientamos, segundo Brum
Ferreira (1978), duas séries de rochas graníticas: a série dos granitos hercínicos mais
antigos e a série de granitos hercínicos mais jovens. Os primeiros são sintectónicos
tardios, dispondo-se em faixas paralelas às dobras hercínicas, sendo os segundos
discordantes em relação às estruturas hercínicas. É comum encontrarmos microformas
graníticas, da ordem dos centímetros, as designadas pias (Figura 25), que proliferam um
pouco por toda a área de estudo considerada, e blocos graníticos de grandes dimensões
arredondados, alguns dos quais fraturados, como o que originou a crença religiosa do
Santuário da Lapa (Figuras 32 e 33).
Os granitos hercínicos são as rochas mais representadas em toda esta área, conforme já
referimos anteriormente, sendo divididas em dois grupos: os ante vestefalianos que são
granitos principalmente alcalinos de duas micas, raramente porfiróides, e os pós-
estefanianos que são predominantemente calco-alcalinos, biotíticos e, em geral,
porfiróides (FERREIRA A. B., 1978). Uma outra classificação dos granitos hercínicos
subdivide-os em dois grupos, consoante as suas relações com as rochas encaixantes: por
um lado, os granitos jovens, discordantes e pós tectónicos, por outro, os granitos antigos,
concordantes e sintectónicos tardios (Figura 35). Apesar da distinção entre as duas
nomenclaturas para o mesmo tipo de rocha, há uma aproximação do ponto de vista
Figura 37 - Pedreira de Ariz (Moimenta da Beira - Pêra Velha) e Pedreira da Lapa (Aguiar da
Beira - Gradiz)
Para oeste do rebordo da Meseta, o relevo torna-se mais acidentado e é possível distinguir
três superfícies de aplanamento, sendo que as mais visíveis são as superfícies poligénicas
e as superfícies escalonadas. Relativamente às primeiras, podemos afirmar que se
formaram em áreas relativamente estáveis do ponto de vista tectónico, em que
deformações de fraca amplitude seriam sucessivamente anuladas pela erosão, mantendo-
se o perfil geral da superfície de aplanamento. Nas áreas onde a deformação tectónica foi
acentuada, as várias fases de aplanamento não conseguiram eliminar todo o relevo
entretanto formado, originando-se sucessivos níveis de aplanamento, que se conservaram
a altitudes cada vez mais baixas. Estes dois tipos de superfícies de aplanamento estão
representados no relevo do Norte da Beira: as superfícies poligénicas são exemplificadas
pela Superfície da Meseta e pela Plataforma do Mondego, enquanto que as superfícies
escalonadas podem observar-se nos Planaltos Centrais e nas Montanhas Ocidentais
(FERREIRA A. B., 1978).
O Planalto da Nave corresponde a um plaino inclinado para sudoeste, que, partindo das
serras de Santa Helena (1102 metros) e da Lapa (955 metros), se prolonga até às
imediações do vale do Vouga. Neste sector podemos destacar uma superfície de
aplanamento bem conservada que se estende desde Vila Nova de Paiva até Caria. A
platitude geral só é cortada pelos córregos de água que correm em valeiros de fundo plano
aproveitando o lameiro ou campo prado e com vertentes baixas (5-20 metros) mas
geralmente abruptas e rochosas, frequentemente cobertas por pinhal. Contudo, a maior
perfeição é atingida nos interflúvios entre o Paiva e o seu afluente Rio Touro e, entre este
rio e o vale de fratura do Rio Vouga. Ao longo do Rio Paiva reconhece-se um nível
ligeiramente embutido na superfície geral, prolongando-se para jusante até Vila Nova de
Paiva. A passagem daquele para esta é por vezes bastante nítida, como sucede no sector
Noroeste entre Alhais e Ariz, criando um desnível da ordem dos 50 metros e um declive
que atinge 8%-10% A evolução da Serra da Nave crê-se em tudo semelhante à evolução
da Serra da Malcata: deslocamento tectónico de uma superfície de aplanamento única,
novo retoque da atual superfície fundamental, que não consegue arrasar a Serra da Nave,
mas apenas desenvolver nela corredores mais ou menos largos (FERREIRA, 1978, p. 92).
Ao atingir o vale do Paiva, entre Vila Nova de Paiva e Castro Daire, a topografia torna-
se movimentada e complexa, mantendo-se assim para sul até ao vale do Vouga. Nesta
área é geralmente difícil identificar a que fases de aplanamento pertencem os diferentes
níveis, por vezes bastante exíguos.
Para leste e norte do Planalto da Nave, a superfície fundamental está representada por
retalhos bastante descontínuos, salientando-se, no entanto, pela extensão e pelo estado de
conservação, os níveis de Guilheiro e de Chavães (Figura 38).
Para norte do nível de Guilheiro o Planalto apresenta-se muito fragmentado, mas os vários
retalhos aplanados situam-se entre os 900 e os 950 metros, nomeadamente em Penedono
e na Serra de Sampaio.
Na obra O Homem da Nave, Aquilino Ribeiro elabora uma síntese do relevo, para explicar
e justificar os modos de vida, reportando-se especificamente à Serra da Nave:
Relevo oblongo e alto de mil e tal metros, encontra-se nas cartas tirando uma
como um dos contrafortes da cordilheira. (…). Esta serra é uma união de montes
altos que se vão abraçando uns aos outros. Consente que o Rio Douto a atravesse
da Estrela. (…) A dita Serra da Nave que formada pelas subserras de Almofala,
Cardoso, foi investida nos mapas elaborados depois de 1860 com o nome de Serra
Embora não haja uma perfeita coincidência, existe também uma influência nítida da
litologia na conservação ou mesmo no desenvolvimento dos diferentes níveis de
aplanamento e nas suas características: a superfície fundamental encontra-se bem
conservada nos granitos de tendência alcalina, de duas micas, enquanto tende a degradar-
se ou a ser substituída por um aplanamento mais recente, nos granitos monzoníticos e
granodioritos biotíticos e de grão grosseiro. Por sua vez, os níveis inferiores são, em regra,
talhados em metassedimentos. A área a Oeste de Queiriga entre o Paiva e o Vouga, onde
existe um relevo bastante acidentado, é aquela em que se verifica a influência da litologia
na evolução geomorfológica dos Planaltos do Norte da Beira e consequentemente da área
à qual se refere o objeto de estudo do presente trabalho (FERREIRA, 2006). A feição
planáltica do relevo domina toda a área, cuja constituição geológica compreende, na sua
maioria, granitos, a que se juntam xistos intercalados com arenitos (formação conhecida,
entre outros, pelo nome de complexo xisto-grauváquico).
Ainda próximo dos limites do Alto Paiva, mas na parte norte, a sul de Várzea da Serra,
na zona de Covas de Estanho, tal como o próprio topónimo indica, assinalam-se seis
minas de estanho (MEDEIROS, 1985).
Destaca-se também o Couto Mineiro de Vila Nova de Paiva, neste momento considerado
como espaço mineiro devoluto, que pode ser definido como uma porção de território
(substrato e superfície), com maior ou menor exuberância natural e industrial, onde
existiu o aproveitamento dos seus recursos minerais, constituindo-se como importantes
vestígios documentais, sociais, topográficos, tectónicos, geoestruturais e paragenéticos
relacionados com esta atividade. O espaço mineiro devoluto situa-se no termo SE da
zona de cisalhamento do Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão (IGLÉSIAS e RIBEIRO,
1981, citado por VIEIRA, 2004). No que diz respeito à tectónica, a estruturação varisca
no sector é polifásica, sendo possível distinguir dois episódios de deformação dúctil e a
atuação da deformação frágil e tardia (RODRIGUES, 1997). A grande diversidade de
elementos geoestruturais peculiares e bem expressos, concentrados num estreito
corredor entre stocks de granitoides, determinam interesse geológico relevante para a
totalidade da área do couto mineiro e dos domínios adjacentes (ALVES, GOMES, &
VALENTE, 2012, p. 195).
(...) baixando a serra, entrou no braço de estrada que conduzia à exploração. (…)
petisco e o resto. (…) chegou a um dédalo de caminhos, por um dos quais rolavam
técnicos, com vivendas muito senhoris. (...) Até bem longe se viam mulheres que
arremangados, pés descalços, saia colhida entre os joelhos (…) rapazotes, com
boinas de homem, sem cor à força de usadas, a carne tenra a espreitar das
descarga. (…) à superfície era um arraial. Por cima dos gritos, comandos, falas
Em termos hidrográficos destacamos nesta área os rios Paiva, Vouga, Torto e o Rio
Távora. O aspeto mais relevante no que se refere à rede de drenagem é a adaptação dos
cursos de água à rede de fraturas existente (FERREIRA A. B., 1978).
A adaptação dos cursos de água a fraturas, sobretudo dos afluentes e subafluentes dos rios
principais da área, é um fenómeno quase geral. O mais importante sistema de fraturas
sublinhadas pela rede hidrográfica apresenta uma direção NNE-SSW e ocorre com maior
nitidez e densidade junto dos dois grandes desligamentos tardi-hercínicos, sobretudo nas
proximidades do mais oriental. A instalação dos cursos de água nas fraturas principais
impede, de certo modo, o desenvolvimento harmonioso da rede hidrográfica (FERREIRA
A. B., 1978).
O Rio Paiva é um curso de água afluente do rio Douro, que nasce na Serra da Nave, no
lugar do Carapito, no concelho de Vila Nova de Paiva, a uma altitude de 928 metros. Tem
uma extensão de noventa e sete quilómetros e desagua no Rio Douro, já no concelho de
Castelo de Paiva. Aquilino caracterizava o vigor deste rio, não raras vezes ao longo da
obra analisada:
(…) leva que leva, chegou teso donde a vista alcançava a folha toda, passante o
Paiva. Grosso de enchentes, o rio descia surdo das alturas de Peravelha para
estoirar de rópia nos três arcos da ponte nova, assim chamada desde á trezentos
anos quando a construíram para vau dos romeiros que se dirigiam da Terra Fria
à Senhora da Lapa; (…) Pelo corgo do Aris, atufado no solo amarujento, a água
O rio Távora tem a sua nascente na Serra de Prisco no Concelho de Trancoso. Atravessa
os concelhos de Sernancelhe, São João da Pesqueira, Aguiar da Beira, Moimenta da Beira
e Tabuaço. No concelho de Moimenta da Beira encontramos a Barragem de Vilar, que
resulta do aproveitamento do caudal das águas do rio Távora e, cujo objetivo, segundo o
Instituto Nacional da Água, é o abastecimento de água às populações locais.
Durante décadas estes cursos de água tiveram um papel crucial nos modos de vida das
populações locais. Esta realidade é comprovada através da existência de dezenas de
moinhos, de água, a maior parte deles abandonados, nas margens do Rio Paiva e do Rio
Távora. Era aqui que se moía o cereal, que depois de transformado em farinha servia não
só para alimentar o gado, mas essencialmente para o fabrico do pão, sustento de muitas
famílias (Figura 41).
Ao interferir de forma tão marcante nos diversos aspetos da vida humana, o clima e o seu
estudo, revelam-se de uma importância extrema. No caso do planeamento este estudo
justifica-se, por si só, pela grande influência que exerce sobre o tipo de solo e,
consequentemente, a sua utilização (SEAMANN, 1979).
(…) O Inverno zurrava nos pinhais que parecia uma estropeda2 de mil demónios
a caminho do Inferno. A sineta, com sacolões do vento, toava dlam… e mais dlam
a um enterro que não tem fim. Sobre as telhas ia grande estreloiçada3, chuva,
jogassem para lá com areais às mãos fartas, para tormentina das almas…. Ia um
Dezembro muito rijo e custava já a passar nas pontes (…) (RIBEIRO, 1983, p.
36).
Tal como acontece no resto do país, área de estudo está sujeita a um clima que, no geral,
se explica pelas suas características mediterrâneas manifestada pelos meses secos no
2
Estropeada – Fazer barulho.
3
Estreloiçada – Barulho semelhante ao da loiça a partir.
180
Terras do Demo – Turismo e Desenvolvimento num Território Literário
Verão e por um Inverno pluvioso e de relativa suavidade térmica, embora com
importantes contrastes, fruto da sua posição latitudinal e longitudinal. Praticamente a
totalidade das estações meteorológicas do país registam pelo menos dois meses secos
(precipitação em mm, inferior a duas vezes o valor da temperatura média mensal em graus
centigrados), condição para, segundo Gaussen, se lhes atribuir esta, característica
fundamental deste tipo de clima (ALMEIDA H. , 1993).
A caracterização climática da área de estudo foi realizada com base nos valores das
Normais Climatológicas do Instituto de Meteorologia referentes à estação de Moimenta
da Beira (período de 1961/1985) e à estação meteorológica de Viseu (1961/1990), devido
à inexistência de outras estações dentro da área de estudo. De entre o complexo conjunto
de fenómenos, processos e características que definem o clima, foram caracterizados os
seguintes: temperatura e precipitação, para além de alguns dados relativos ao número de
dias com a ocorrência de nevoeiro, geada ou precipitação nivosa.
Atendendo aos valores médios mensais de temperatura e precipitação nas duas estações
meteorológicas da área, podemos perceber, de modo mais pormenorizado, as grandes
tendências que estas variáveis climáticas apresentam (Figura 42).
Desta forma, podemos observar a existência de dois meses secos bem definidos, em
ambas as estações, julho e agosto, apresentando precipitações inferiores a 20 mm e uma
temperatura média superior a 20ºC. Nas duas estações consideradas, os meses mais
uma aragem murmurinha que penetrava como alfinetes. Na Lapa, erguida em tão
Zabana batia o pé, apitava, punha os queixos a bater como castanhetas. No seu
corpo bem feito, mal coberto do xaile franzino, Glorinhas começara também a
(…) Seria obra de dez horas e caía uma geada muito forte que sobradava5 os
agros e metia pela terra dento suas agulhas de gelo. No céu, adiante de cirros, ia
de jornada uma lua bochechuda, (…) para mais veio logo o Inverno, cedo saindo
das profundas, onde o Diabo o gerou para tormento da Serra, com borrifos,
4
Escampo – livre de nuvens.
5
Sobradar – assoalhar.
182
Terras do Demo – Turismo e Desenvolvimento num Território Literário
ventania e carujo6 lá em cima, (…) às vezes vinha um nevão e ali que davam os
almocreves, bem agasalhados, comendo e bebendo á tripa forra com torgo7 rijo
na lareira e moças que era um regalo de ver e palpar (…) (RIBEIRO, 1983, pp.
18, 47 e 49).
Aquilino Ribeiro, conhecedor das terras que o viram nascer, descreveu em várias obras,
nomeadamente: O Homem da Nave, Aldeia, Terra, Gente e Bichos, Arcas Encoiradas,
Terras do Demo, os impactos das características físicas do meio, nos modos de vida das
populações.
(…) A serra da Nave, espaço planáltico sito na Beira Alta, na parte norte do
6
Carujo – nevoeiro.
7
Torgo – pau.
183
Terras do Demo – Turismo e Desenvolvimento num Território Literário
ibérica, de acesso muito tempo difícil. Terras altas, de pão de centeio, de
castanheiros, com algum milho e batata, pouco vinho e azeite, produtos que
necessitam de clima mais ameno. A serra foi terra de matos e pasto de gados-
ovelhas, cabras, mesmo porco – antes de aos povos ter sido tirado o controlo do
cinquenta do século XX. Território pobre, pelo seu carácter “bárbaro e agreste”,
grande madre que a todos amamenta na sua fome. (…) A maternal e boa serra é
de todos, dos roçadores que chegam primeiro, dos gados que todas as manhãs
aqui, o sargaço além, a carqueja mais nos altos. Através dos seus desdobres há
(Figura 44).
A especificidade da área de estudo não depende apenas dos aspetos do meio, isto é, do
elementos físicos da paisagem natural e dos seus condicionalismos, mas também da ação
do Ser Humano, que tem um papel decisivo nas características deste território, tornando-
Um dos principais indicadores que nos permitem ter uma visão demográfica global de um
território é a evolução da respetiva população, ao longo de um determinado período de
tempo. Com vista a alcançar este objetivo, optámos por analisar a evolução da população
residente desde o início do século XX (1911) até à segunda década do século XXI (2011),
através dos dados recolhidos nos Recenseamentos Gerais da População de 1911 e 2011,
do Instituto Nacional de Estatística.
Para além destes fatores de carácter mais geral, há que levar em consideração os
designados constrangimentos regionais ou locais que podem influenciar a forma como a
população de uma determinada região evolui, o que leva a que, no mesmo período de
tempo, encontremos resultados diferenciados, seja de freguesia para freguesia, de
concelho para concelho ou de distrito para distrito.
Ao analisarmos os valores relativos aos totais de população para 2001, verificamos que
os concelhos com maiores quantitativos populacionais absolutos são os concelhos de
Sátão (13 144 habitantes) e Moimenta da Beira (11 074 habitantes), sendo que Penedono
é o concelho com os valores de população mais reduzidos (3445 habitantes), e cujas
perdas populacionais são mais acentuadas para o período temporal considerado.
No entanto, a partir dos resultados relativos aos totais de população residente para os
concelhos em análise constatamos que estes apresentam valores muito reduzidos de
população residente, comparando com os restantes concelhos das respetivas sub-regiões:
Moimenta da Beira, Penedono e Sernancelhe, quando comparado com os valores relativos
à sub-região do Douro, na qual se enquadram para fins estatísticos, contribuem apenas
com o total de 9%, para o valor total de população da sub-região em questão. Vila Nova
de Paiva, Sátão e Aguiar da Beira representam, em conjunto, sensivelmente 8% do total
de população residente em 2001 da sub-região da qual fazem parte, ou seja, Dão-Lafões.
Esta realidade que à escala do concelho parece uniforme, no que diz respeito à evolução
da população residente, quando analisada a nível da freguesia, assume comportamentos
díspares, destacando-se uma maior concentração populacional nas sedes de concelho e
uma perda exponencial de população nas freguesias rurais.
Os movimentos migratórios internos e externos não são alheios a esta situação e desde
sempre foram um dos principais fatores de perdas populacionais, das regiões do interior
no geral e, das Terras do Demo, em particular.
Num trabalho realizado por Trindade, a autora refere que se ia por dez meses – um período
designado por invernada – e com quem pagava melhor. O restante do ano era passado
na terra, junto das famílias; no mês de Setembro, o ciclo recomeçava num verdadeiro
movimento pendular (TRINDADE, 1976, p. 991).
(…) àquela altura já se havia de andar a semear o milho nas terras de sequeiro,
mas o codo não permitia. O calendário há muito que não regulava. Noutros
Portugal a nação das sete sementes como ao mundo do Cristo o mundo dos sete
Numa primeira fase até à década de 50 do século XX, fluxos intercontinentais para países
como o Brasil e os Estados Unidos, numa segunda fase a partir da década de 60 para a
Europa em que países como Suíça, a França e o Luxemburgo se destacam.
Queiriga, no concelho de Vila Nova de Paiva, foi um case study, porque nas
trabalhavam de sol a sol, duramente e de forma mal paga com terríveis condições
de trabalho.
Avara, a terra, madrasta, a Pátria, os seus filhos partiram, um a um, a salto para
a longínqua França.
por toda a parte, proibiu a emissão de passaportes pelos governos civis, levando
este povo humilde e em massa a entregar-se nas mãos dos “passadores”, que os
das Peugeot 203 até às faldas dos Pirenéus onde eram despejados, a tiritar de
perante o dedo apontado que dizia “É ali, a França!” lá desciam, aos tropeções,
por aquela agreste montanha, até Pau onde, em geral, iam trabalhar para os mais
Edouard Fournier, Paris XVIè) para, em filas intermináveis, na longa e fria noite
autorização de permanência.
Vieram os emigrantes da 2ª, da 3ª geração… Mas essa História está por contar.
busca da vida que Portugal lhes negou… viveram uma imensa e heroica saga
(…) cerca de 1000 pessoas deixam Queiriga, sobretudo com destino a Pau e
1976).
Em Queiriga a casa dos “franceses” (Figura 48) permitiu que o território perdesse
parcialmente o seu cariz rural, como forma de ostentação e poder económico, no entanto,
apenas em agosto a aldeia ganha vida e as casas abrem portas e janelas para que todos
possam entrar.
A perda populacional da maior parte destes concelhos pode também ser justificada por
dinâmicas relacionadas com movimentos migratórios. O fenómeno migratório fustiga
estes territórios desde a década de 60 - 70, numa primeira fase, num fluxo transoceânico;
numa segunda em movimentos que se espacializam em êxodos rurais, quer para as
cidades do litoral, quer para os núcleos urbanos contíguos, muitas vezes apenas para
trabalhar, originando movimentos pendulares diários.
Já na década de 60, Aquilino, na sua obra Terras do Demo, colocava em evidência esta
situação de abandono e de fuga destes territórios em busca de melhores condições de vida,
quer para o estrangeiro quer para outros locais dentro do território nacional: (...) andou
com a arte debaixo do braço por França e Aragança, Lamego, Pinhel, Guarda (...), (...)
ali na bruta serra, sem andar de taleiga às costas Brasil vai, Brasil vem, se fez ricaço
(...), (RIBEIRO A. , 1983, p. 16).
Como podemos verificar, pela análise dos dados presentes no Quadro 12, o
envelhecimento demográfico é uma realidade nas Terras do Demo. Não é um fenómeno
recente, mas que se tem vindo a agravar a cada período censitário que passa. Aguiar da
Beira apresenta 304% de Índice de Envelhecimento e todos os outros concelhos, valores
superiores a 200%, acompanhados de um saldo natural negativo, é uma situação que a
curto e médio prazo, se não forem tomadas medidas de promoção de fixação de
população, nomeadamente através da criação de emprego, as marcas do despovoamento
pintalgadas em algumas das freguesias serão o quadro que teremos em todo o território
analisado.
Figura 50 - Variação da população por grupos etários 2001-2011, nas Terras do Demo
Pela análise da Figura 43 verificamos que os grupos etários, dos 0 aos 14 nos, dos 15 aos
24 anos, dos 25 aos 64 anos, tiveram variações negativas, no período intercensitário, em
todos os concelhos. Os idosos aumentaram em todos os concelhos à exceção de Penedono
e Vila Nova de Paiva.
As idades registadas por uma determinada população são indicadores que nos podem
auxiliar na compreensão das dinâmicas sociais e económicas existentes e, paralelamente,
das suas necessidades mais prementes ao nível da resolução de alguns problemas. Assim
as pirâmides etárias constituem um importante instrumento de análise da população
quando nos estamos a referir à distribuição da população por classes etárias.
O processo de envelhecimento a que assistimos a elevadas taxas de analfabetismo, uma vez que
a população mais idosa, na sua maioria, não possui sequer o ensino básico (Figura 52).
A estrutura etária da população é um dos fatores que contribui para o quadro económico de uma
região. Nas Terras do Demo a situação não é diferente.
Após termos feito uma breve caracterização demográfica dos concelhos do presente trabalho,
que nos permitiu chegar a algumas conclusões importantes, torna-se agora necessário
complementar esta informação com uma análise essencialmente económica. Desta forma,
procederemos à observação da distribuição da população por sector de atividade económica.
Nestes territórios, o sector primário desde sempre assumiu um peso preponderante, impondo-
se como a base estruturante da economia regional e local,
(...) ano abundante de chuva, nabais, não podendo digerir a água muita, estavam
derrancados com a potra. Os codos8 tinham também crestado as hortas, mas, vá que
escape, os centeios lá iam pulando menos maus. Nos leiteiros fartos de beber, a erva
torcia de sôfrega, podia cantar a seitoira. Bons princípios para os fenos, se o Abril
moreia, que a terra ensopada tem duas vezes fome e não há esterco que a farte
Estas populações eram autossuficientes pois o progresso estava longe e os rendimentos eram
escassos.
A agricultura sempre teve uma importância muito grande, porque para além da ausência de
outras atividades económicas, as populações também não tinham conhecimentos suficientes
para exercer outro tipo de atividade mais complexa, do ponto de vista tecnológico,
(...) tenha ou não tenha vida deficitária, está preso em seu cepo de escravo ao primeiro
elemento da alimentação, que lhe custa 100 escudos e orça no mercado a 30 escudos,
pela mão de ferro de uma realidade irrefragável: é que não sabe fazer outra coisa. (…)
8
Codos – geada.
211
Terras do Demo – Turismo e Desenvolvimento num Território Literário
burel em que talhava a andaina, a capucha, barrete e meiotes (…) confecionavam ainda
A agricultura era muito pobre e arcaica não só no que se refere à produção, mas também aos
equipamentos utilizados. A escassez e a fome faziam parte do quotidiano destas populações:
(…) o Gil traz à tona da pele, nas centelhas que dadejam seus olhos zarcos, na polpa
dos lábios trementes, apetite de lobo, filho da sua fome ancestral. (…) esfomeado o
aldeão faz promessas a Santo António para ter caça, a rola, o gaio, o pombo bravo, o
melro, o pato, todos em suma que ofereçam pábulo à dentuça. Se são pais ou a ninhada,
adubam a panela; ovos, frigideira com eles (RIBEIRO, 1981, p. 192), (Figura 53).
2001 2011
O sector primário tem vindo a decrescer progressivamente desde a década de 80, com uma
descida mais acentuada na década de 90, em todos os concelhos considerados. Paralelamente à
agricultura, a silvicultura e a pecuária eram os sectores que detinham uma maior percentagem
Dos concelhos considerados, Moimenta da Beira é o que apresenta uma maior percentagem de
população no sector terciário e, em contrapartida, o concelho de Penedono é aquele cuja
percentagem de população ao serviço do sector primário é mais relevante dentro do contexto
em análise. Contudo, é necessário tecer algumas considerações no que concerne a esta realidade
que, quando analisada à escala do concelho, pode mascarar as dissimetrias existentes, uma vez
que, em todos os concelhos, apenas as freguesias correspondentes à sua sede assumam estes
valores percentuais de população afeta ao sector terciário e secundário (Figura 54).
Figura 54 - População Empregada por Sectores de Atividade (2011), nas Terras do Demo
A análise social de um território tem de entrar obrigatoriamente em linha de conta com as fontes
de rendimento das populações, já que é através do seu rendimento que podem ou não auferir de
bens e serviços que lhes permite aumentar o seu bem-estar e a sua qualidade de vida.
3. Síntese
No contexto do território europeu, a paisagem caracteriza-se pelo seu aspeto cultural, expressão
dos diversos recursos naturais existentes, mas também da ação humana sobre esses mesmos
recursos (D'ABREU, CORREIA, & OLIVEIRA, 2004). A paisagem portuguesa apresenta uma
forte diversidade, marcada por um conjunto de fatores, naturais e culturais que, em conjunto,
incutem no território um mosaico paisagístico relevante (D'ABREU, CORREIA, &
OLIVEIRA, 2004), do qual se salientam e particularizam determinados aspetos únicos apenas
identificáveis a uma escala local ou regional.
Estes socalcos ainda hoje se encontram cultivados e mantêm-se com usos agrícolas intensivos
e variados: cereais, pastagens, milho alguma vinha e árvores de fruto, por exemplo pomares de
maçã de Bravo Esmolfe e os Castanheiros da Lapa, classificados como de qualidade pelo
Ministério da Agricultura (D'ABREU, CORREIA, & OLIVEIRA, 2004, p. 51). Por vezes ao
longo dos vales ou nas encostas, destacam-se inesperados afloramentos rochosos, normalmente
grandes blocos graníticos.
As aldeias mantêm o traçado tradicional, são densas e concentradas, ainda com muitas casas e
dependências de granito, bem conservadas com ruas empedradas também em granito,
concebendo-lhes um aspeto bucólico ao mesmo tempo parado no tempo, alheio à
modernização.
A segunda correspondente às serras da Lapa (955 metros) e Leomil (1009 metros), os traços
predominantes em termos da paisagem prendem-se com características serranas relativamente
atenuadas. As serras da Lapa e Leomil constituem maciços com altitudes significativas, contudo
com formas pouco vigorosas, geralmente arredondados típicos dos relevos graníticos antigos.
A paisagem encontra-se salpicada por pequenas povoações de aspeto humilde ou mesmo pobre,
a partir das quais ainda se verifica um tradicional pastoreio de cabras e ovelhas.
Trata-se essencialmente de paisagens que evidenciam uma forte ruralidade determinada pela
sua situação periférica e de interioridade, condicionada fortemente pelas dificuldades de acesso,
com particular relevância nas aldeias. Associado a este fator encontramos situações
generalizadas de fraco dinamismo económico, relacionado com as baixas densidades
populacionais verificadas.
A população não deve ser encarada apenas como um fator de formação, transformação e
conservação da paisagem, mas também como um dos elementos essenciais das paisagens
culturais (agrícolas, industriais, rurais, urbanas e mistas). Assim, se por um lado, a paisagem
urbana é marcada fortemente pela presença de população (no trabalho ou lazer) e não só pelos
elementos materiais que foram criados por ela. Por outro lado, a paisagem dos espaços rurais
profundos caracteriza-se pela importância decrescente ou mesmo pela ausência da população,
o que pode dar origem à paisagem de despovoamento, onde sobressaem as terras incultas, as
alfaias e os prédios agrícolas abandonados (ROCA, 2005).
Nas últimas décadas, a sustentabilidade das paisagens agrícolas portuguesas, está em risco: por
um lado, nas áreas rurais mais próximas às cidades de grandes e médias dimensões, devido à
expansão urbana difusa, o uso agrícola tem de competir cada vez mais com outros usos do solo;
a própria atividade, para se tornar mais rentável, torna-se mais especializada; a população
natural dessas áreas passa a dedicar a maior parte do seu tempo a atividades fora da agricultura
ou mesmo abandona essa atividade. Estes factos combinados podem conduzir à
descaracterização da paisagem rural. Por outro lado, nos vastos espaços rurais profundos
(CAVACO, 2004), o despovoamento e/ou envelhecimento da população agrícola ou mesmo no
abandono dos campos. Fica assim evidente que as dinâmicas populacionais têm um papel
primordial na transformação das paisagens agrícolas. Nestes territórios a atividade agrícola é
abandonada, há poucas ou nenhumas alternativas à agricultura e assim a população mais jovem
opta por partir para os centros urbanos nessas áreas ou litoral conforme já anteriormente
referido.
O que acontece frequentemente, e neste caso em concreto, é que dos campos agrícolas apenas
subsistem os muros e as ruínas das casas que serviam de albergue às alfaias agrícolas ou à
criação de gado. (Figuras 55 e 56).
Circunscrito, adivinha-se, a indivíduos rudes, teve em mira este trabalho pintar dessas
aldeias montesinhas que moravam nos picotos da Beira, olham a Estrela, o Caramulo,
a cernelha do Douro e, a norte, lhes parece gamela emborcada o Monte Marão. O vale,
que as explora, trata-as despicientemente por Terras do Demo. Sem dúvida, nunca
Cristo ali rompeu as sandálias, passou el- rei a caçar, ou os apóstolos da Igualdade
(RIBEIRO A. , 1992)
Desde o aparecimento da Carta de Atenas, em 1932, que assistimos, em grande parte graças ao
papel interventivo da Unesco, à classificação de monumentos, de sítios, e de paisagens, como
património da Humanidade.
Cultural Imaterial no decurso da 32ª Conferência Geral das Nações Unidas para a
culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, sendo o caso,
Em Portugal, já são vários os exemplos de elementos inscritos nesta lista da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), nomeadamente: a Dieta
Mediterrânica, o Cante Alentejano, a Falcoaria e a Produção de Figurado em Barro de
Estremoz.
Esta classificação, atribuída por uma Instituição como a UNESCO, fez com que houvesse um
crescimento da valorização do património cultural, quer seja popular quer seja erudito. Assim
as paisagens rurais e urbanas, pelas suas especificidades, começaram a ser entendidas como um
produto turístico, sendo promovidas através da sua visita com Rotas e Circuitos, adaptados à
procura e às necessidades do mercado.
ajudar a afirmar o país no quadro internacional, ele será também o motor para
Não é recente a preocupação com a utilização dos territórios literários como estratégia de
desenvolvimento e promoção local.
A delimitação de territórios literários constitui-se como uma mais valia na promoção de novas
atrações turísticas. A confirmar esta realidade, o Conselho da Europa em 2005 reforça a sua
relevância ao integrar estes territórios em projetos de desenvolvimento sustentado, dedicando
um número da revista NATUROPA apenas a esta temática, A Paisagem através da Literatura,
nº 103.
Ao longo dos tempos e em todo o vasto continente europeu, os Seres Humanos perceberam o
território em que viveram ou por onde passaram e, assim, gravaram as emoções que sentiram
através da escrita. Esses poemas e textos mostram-nos que compartilhamos sentimentos que
transcendem fronteiras. Projetada como um ambiente de vida diário para as pessoas e, se
necessário, para a realização dos seres humanos, a paisagem é reconhecida como uma
componente chave do desenvolvimento sustentável.
cenários literários. Essa identificação está subjacente em muitas das suas obras
2007, p. 17 e 18).
É então possível afirmar que existe uma relação de reciprocidade entre a Geografia e a
Literatura de modo particular quando nos estamos a referir a textos literários que nos falam de
lugares, viagens, paisagens e que, consequentemente, nos permitem a (re)construção de espaços
ou imaginários.
A casa onde cresceu, permanece na humildade do lugar, é uma habitação de granito, perdida no
meio de tantas casas, com as mesmas características, típicas das aldeias beirãs. O que a
distingue, no silêncio e na ausência de alguém a quem perguntar, é a placa, cujas letras se vão
apagando com o tempo, que nos dá indicação que foi aquela a sua casa, onde Aquilino viveu
durante dez anos até ir estudar para o Colégio da Lapa.
Ao que se sabe, teve uma infância de miúdo um pouco mais que travesso, a tal ponto que ainda
hoje é possível encontrar na zona quem tenha ouvido contar histórias pitorescas de um menino
destinado pela família à vida do sacerdócio.
Viveu em Soutosa, onde se encontra a Fundação Aquilino Ribeiro, e onde escreveu algumas
das suas obras (Figura 58).
A indicação vê-se da estrada, e raramente o portão está aberto, mas quando está podemos entrar,
a mesa está posta. Os convidados são muitos, mas são poucos os que aceitam o convite.
Subimos as escadas e entramos na esfera privada do autor.
Quando nos dirigimos para a biblioteca, encontramos o mestre Aquilino a receber-nos com o
traço facial que lhe era típico, pois poucos foram os registos em que aparece a sorrir, no entanto
entristece-nos a plenitude do conhecimento e o vazio de quem queira aprender, folheando as
obras do autor, perdidas nas prateleiras inertes.
Foi o escritor que melhor desenhou com palavras a Beira, as suas paisagens, os seus bichedos,
as suas gentes, esses seres rudes que se arrastam na sombra pesada das pedras, e os seus modos
de falar, lendas e costumes. Publicou em vida mais de sete dezenas de livros distribuídos por
áreas tão diversas como a ficção, jornalismo, crónica, memórias, ensaio, estudos de etnologia e
história, biografias, crítica literária, teatro, literatura infantil, polémicas, a que nunca se furtava,
No quadro da literatura, importa neste trabalho destacar o papel que Aquilino Ribeiro, teve é
terá para sempre, nos registos que deixou, através da sua escrita, da Beira- Alta, das suas gentes
e dos seus costumes. De acordo com ALMEIDA H. (2003), Aquilino na sua obra, apresenta-
nos duas conceções principais:
a) A aldeia, enquanto unidade básica e nuclear das relações sociais, motor das relações
familiares do desenvolvimento e transmissão do espírito comunitário, que se manifesta
pela defesa o grupo e da terra, seja contra quem for utilizando todo o tipo de argumentos,
quando necessário fosse;
b) A aldeia como laboratório privilegiado das experiências humanas, é ela a raiz das
origens do Ser Humano, do mundo rural (1993).
O autor corporizou estes modos de vida que conhecia como ninguém, e de que ele próprio fazia
questão ter honra e orgulho de pertencer e de fazer parte:
(…) ia às festas, às feiras e às romarias com eles, bailava nos terreiros, frequentando
serões estabulares, tomava parte das zaragatas, bodeganas, bandeado em suas maltas.
Levei tão longe o meu aldeanismo que nos despiques de povo para povo, últimos
vestígios ou últimos reflexos das antigas guerras tribais, vislumbráveis nestas rixas, eu
Ao lermos Aquilino Ribeiro e o retrato que faz das Terras do Demo, nem sempre nos é
apresentada uma visão romântica do espaço, e os adjetivos utilizados são caracterizados por
uma certa frieza e um carácter rudimentar, que na realidade é uma escrita muito pouco
romanceada e floreada apenas para agradar ao leitor. Conseguimo-nos facilmente transpor para
os lugares e encarnar os personagens, dado o realismo, por vez cruel até, com que escreve.
Os textos regionalistas, por vezes limitam-se a localizar a ação de uma determinada história no
seu território geográfico, sem apresentar características que vão além do enredo. Por outro lado,
temos textos regionalistas em que os autores se fundem com a terra, com as ligações sociais e
161).
Os objetivos deste Atlas são: (1) ligar a literatura ao território, potenciando a recíproca
valorização das obras literárias e das paisagens nelas representadas; (2) contribuir para o
conhecimento do património natural e cultural, elementos-chave das identidades locais e
regionais; (3) concorrer para a literacia ambiental, sobretudo no âmbito dos padrões e processos
ecológicos associados às paisagens atuais; (4) ajudar a implementar a Convenção Europeia da
Para este Atlas, do autor Aquilino Ribeiro foram analisadas dezoito obras: A Via Sinuosa
(1918), Terras do Demo (1919), Andam Faunos pelos Bosques (1926), O Homem que Matou o
Diabo (1930), A Batalha sem fim (1931), Quando ao Gavião Cai a Pena (1935), Oeiras (1940),
Volfrâmio (1943), Lápides Partidas (1945), Aldeia Terra, Gente e Bichos (1946), O Arcanjo
Negro (1947), Cinco Reis de Gente (1948), Uma Luz ao Longe ( 1948), O Malhadinhas (1949),
Geografia Sentimental (1951), O Homem da Nave (1954), A Casa Grande de Romarigães
(1957) e Quando os Lobos Uivam (1958).
De acordo com os excertos analisados das obras indicadas surge a seguinte espacialização por
NUT III (Figura 59).
Para além do livro Terras do Demo, e uma vez que a obra do autor é muito extensa e nem toda
ela remete para esta região, partimos para a delimitação literária feita por MACHADO (2013),
que considera o território conhecido como Terras do Demo assente nos seguintes livros de
Aquilino Ribeiro: A Via Sinuosa – Romance (1918); Terras do Demo – Romance (1919);
Andam Faunos pelos Bosques – Romance (1926); Volfrâmio – Romance (1944); Aldeia Terra
Gente e Bichos – Crónicas (1946); Cinco Reis de Gente – Novela (1948); O Malhadinhas –
Novela (1949); Geografia Sentimental – Crónicas (1951); Arcas Encoiradas (1953); O Homem
da Nave, Crónicas (1954); Quando os Lobos Uivam – Romance (1958) e Minas de Diamantes–
Novela (1958).
No livro Terras do Demo (1919) que, para além da designação do livro, é responsável pela
denominação destes territórios.
Aquilino faz o estudo de um mundo pitoresco e primário, com as suas figuras típicas,
quotidianos ricos de histórias que se entrecruzam com modos de ser e pensar do povo. Ainda
nesta obra o autor descreve:
(…) A aldeia serrana, como aquela em que fui nado e batizado e me criei são e
escorreito, é assim mesmo: barulhenta, valerosa, suja, sensual, avara, honrada, com
ali Abraão e os santos vêm à fala com os zagais nos silenciosos montes. É pagã e crê
em sua religiosidade toda exterior a adorar a Deus de S. Tomás. Conta pelo calendário
gregoriano estes terríveis dias de peste, fome e guerra, e está imersa nos nebulosos
tempos do rei Vamba. Em tais condições de primitividade, a pena descreve, mas tornar-
se-ia ridícula analisando. Para dar a verdade local tem de se abstrair da linguagem
e são de socorro tão prestimoso ao escritor, ficam fora se a técnica é severa (…)
(RIBEIRO A. , 1992).
Para muitos autores foi a obra Terras do Demo que confirmou Aquilino Ribeiro como escritor
regionalista.
Em 1918, Aquilino Ribeiro na dedicatória do Terras do Demo a Carlos Malheiro Dias, refere:
Meu querido amigo e príncipe das letras: dê-me licença que lhe ofereça este livro. (…)
A ação decorre naqueles lugares onde a lenda se exprime ainda deste jeito:. Uma vez
até que foi dar a uma terra de que ninguém faz ideia: a gente comia calhaus e ladrava
como os cães. Circunscrito, adivinha-se, a indivíduos rudes, teve em mira este trabalho
pintar essas aldeias montesinhas que moram nos picotos da Beira, olham a Estrela, o
Marão. O vale, que as explora, trata-as despicientemente por Terras do Demo, (Figura
61). Sem dúvida, nunca Cristo ali rompeu as sandálias, passou el-rei a caçar, ou os
(RIBEIRO A. , 1992).
Por exemplo: (…) o ferreiro de Segões, o Gonçalo, lhe ferrara tanto para aturar no monte
como para levar os carretos à Régua (RIBEIRO A. , 1992, p. 104); Olha Cigarros de lorda!
São do Rio? Ná, estes comprei-os em Viseu (RIBEIRO A. , 1992, p. 151).
Terras do Demo são como um auto de vita et moribus duma fração da humanidade
(…) As Terras do Demo fizeram escola. (…) Desde esse dia, os bons campónios, vítimas
vagas, a estalar de felícia e lirismo, entraram na história consagrados como quem são:
mortais que se prezam, e, aqui para nós, mais propensos ao mal que ao bem. (…) O
melhor galardão que o meu livro teve foi que desse o nome à corda dos Distritos, mas
No romance Via Sinuosa (1918), Aquilino Ribeiro conta-nos a história de Libório que decorre
entre Caria e Barrelas (Vila Nova de Paiva).
dormentes e desdobres de suaves colinas. Descendo para o Távora num cachão verde,
a terra crescia depois em escalada cinzenta até ao rebordo violáceo das montanhas do
Douro. (…); (….) À direita, ao invés das serranias, coavam-se as ocas baças dos
dobra funda do rio; Antas de Penedono (Figura 62), em chão batido dos ventos, de
dias soalheiros enchiam o deslumbrante infinito. O sol tinha rebentado duma hóstia
cabras. (…) a água de presa, corre pela valeta abaixo muito atarefada e taramela,
direita às hortas a matar a sede aos batatais. O ar começa a aquecer. No céu não há
tição de uma nuvem e os nimbos que, ao longe, bailam sobre a serra, são como velo de
ovelha branca, fugindo com o vento. Um maranteio canta para os soutos e a sua voz
tão modulada, tão cheia de cor, faz lembrar um arauto, vestido de amarelo, pregoando
em gama amarela: Arraial! Arraial pela rainha primavera avivou! Na terra palpita o
flores as orlas dos caminhos; no monte os rosmanos erguem ainda, com firmeza, as
suas pequeninas massas de Hércules apendoadas, as estevas têm ainda bem abertas ao
alto a sua sombrinha indiana, duma brancura imaculada de neve - enquanto se vão
extinguindo as lantejolas dos sargaços, as lágrimas do tojo, a farfalha iriada das urzes,
essa cópia de flores que dão ideia, ao lance dos olhos, que na serra choveu oiro,
estrelas de oiro, um grande dilúvio de oiro – à medida que, tomando a sua vez, vai
No romance Andam Faunos pelos Bosques (1926) a ação decorre no seu espaço de eleição, a
Serra da Nave, e as personagens são os habitantes das aldeias montesinhas, (Figura 64), que se
reúnem para apanhar o Papa Moças. No desenrolar da história, o autor proporciona-nos a
observação das suas vivências e tradições, hábitos e crenças de várias aldeias. (…) À sua ilharga
alinhavam Pendilhe, S. Joaninho, Vila Cova-à-Coelheira, Touro (…), (…) À mão esquerda,
das plagas em que Pedro Jirigodes erguia pendão e caldeira, Queiriga, Fráguas, Barrelas,
Alhais, Peva (…), (RIBEIRO, 1962, p. 53 e 54).
As cem e uma aldeias, que formavam cordão em torno da Serra da Nave eram terras
A. , 1962, p. 189). (…) a serra num redondo de muitas léguas, começou a secar, a secar
como se fosse alma cristã a que tivesse pegado a morrinha. Secaram sargaços, secou
embora. Sabe vomecê?! Veio a Primavera e não desabrochou ali flor, nem vingou
verde. Era como se tivessem salgado o chão. Sete anos levou a serra neste castigo, sete
anos, e as aldeias quase morreram de fome (RIBEIRO A. , 1962, p. 175 e 176). Estas
terras no calcanhar do mundo, que viviam ainda na era do rei que rabiou (RIBEIRO,
1962, p. 213).
O volfrâmio foi para as populações do Norte, deserdadas de Deus, o que o maná foi
(…), (…) o homem lá se foi de mão sempre na carapuça de Alvite (…), ( (RIBEIRO
(...) a serra está no osso, esburgadinha até mais não poder. O que se encontra à farta
por essas famílias é fome e lêndeas. Assim mesmo, e não é fácil que possa ser de outra
maneira, quer ouvir porquê? Porque há gente a mais. O povinho cresce à desmedida,
de tal jeito que quando se quer fazer uma novena aparece miudagem para uma
procissão. Gostava que visse o inçadoiro que vai por essas aldeias!
- Qual, largam pelo mundo! O Brasil fechou-se; Lisboa e Porto estão à cunha. Quem
tem calças mexe-se como Deus é servido. Não é assim as saias. Lá vão cirandando por
aqui, por ali, pelas casas fidalgas, pelo Alentejo, e umas lá se arrumam, lá se ganham
par de sapatos e a meia sainha com que uns anos por outros vêm embasbacar os
palonsos; outras voltam, como as filhas da Olinda, cada uma com seu nino. Maior dor
de alma ainda são aquelas que vão acabar no hospital, baldeadas pelo negro fado. A
Serra, se Deus não acode, está a dar cadilho. Foi praga que nos rogaram (RIBEIRO
Como afirma QUINTINHA (1974), este romance de Aquilino mostra a passagem da pobreza
extrema de milhares de pobretões que, por esses campos das Beiras, do Douro, Minho e Trás-
os-Montes, não passavam da “cepa-torta”, levantaram a cabeça com o volfrâmio, e passaram a
andar calçados e de correntes de ouro, alguns com meia dúzia de canetas de tinta permanente
saindo dos bolsos (…) embora continuassem analfabetos chapados. Por causa do volfrâmio
roubou-se, matou-se, fizeram-se as piores traquibérnias e malandrices e até pessoas das
melhores maneiras e das mais variadas categorias sociais perderam o juízo, alucinadas com a
possível posse de hipotéticas minas de volfrâmio. Aquilino Ribeiro, quase sem despegar os
No romance Aldeia, Terra, Gente e Bichos (1946) (Figura 66) é apresentado um retrato fiel
do fenómeno rural e a denúncia às condições de vida, entre outros, dos (…) povos feudatários
de Granjal, Vila da Ponte, Sernancelhe, Freixinho e Faia, (RIBEIRO A. , Aldeia:Terra, gente
e bichos, 1995, p. 61), (…) que viviam em casas parentas das orcas, sem frestas, sem chaminés,
com portal baixo, piso térreo, colmadas umas, cobertas outras com telha mourisca (…)
(RIBEIRO A. , 1995, p. 9)
No livro Cinco Reis de Gente (1948), Aquilino Ribeiro, conta as aventuras e desventuras de
Amadeu Magalhães, personagem autobiográfica, que ficciona a infância, desvendando o lugar,
a igreja, o pátio, os ciprestes, as gentes, os ritos e os rituais dos primeiros dez anos de vida do
autor, onde nos apresenta a sua Beira natal e as Terras do Demo que poderia ter no escritor um
ponto de união capaz de dar riqueza a um chão pobre (ARAÚJO, 2016). Começa por descrever
a casa em que viveu,
Vejo no grande e desmantelado pátio fidalgo a nossa casa, de lojas para animais e
atónito nas vidraças, que deitavam a par o povo, sempre que o Suão, soprasse mais
Na aldeia, para acariciar, não passeiam as mãos pela cara das pessoas queridas.
camponês o rosto é sagrado, tabu; não se lhe toca. Sempre assim foi, de resto através
No Senhor da Neves (…) o banquete deitou para tarde, mas uma vez à mesa os pratos
rodos, tudo a meu ver tão requintado e puxado à substância que as grandes cisternas
À noite aramaram a banca do jogo, como era estilo da província sempre que se
encontravam numa sala mais de duas pessoas de distinção; ao outro lado dançou-se
Descreve também o modo como a sua casa era sustentada, através da agricultura:
pé quedo, abastecia a casa e sobejava. Meu pai ali se entretinha de sol a sol com ou
sem trabalhadores. Domingos e Dias Santos, quando não era preciso madrugar, fazia-
lhe eu companhia. Soutos duma banda, soutos doutra, entrávamos para o Codessal por
uma cancela de dois batentes, pintada a zarcão, num ressalto do caminho velho (…)
Além de vinha nas vertentes expostas ao meio dia, cultivávamos milho pelos calços
contíguos ao corgo, com seu feijoeiro e até abóboras à mistura. O milho atingia uma
fortaleza descomunal; assim, porém que a espiga começava a apojar, dava nele a
raposa e fazia grande desbarato. Debalde meu pai içava pelo meio espantalhos
Desde cedo foi dada importância à castanha. Aquilino faz uma descrição, quase poética deste
fruto nas páginas da obra:
tamanho dos frutos que produz. Mas as castanhas são tão bonitas com sua oval
fantasiosa, seu sépia de veludo, tão ternas quando espreitam juntinhas às duas, às três
e até às quatro, inclusa a boneca, do ouriço arreganhado, tão bonitas até mesmo no
chão, uma das faces plana, outra convexa à semelhança da broa no açafate, que o
─ pão partido em pequeninos ─ a pompa que põe em seu amanho constitui um ciclo de
(…) No Codessal havia desses colossos, patriarcas seguramente do reino vegetal nas
redondezas. Um, reboliço e velhinho, tinha no toro uma toca tão vasta que meu pai
mandou armar ao centro uma mó de moinho em que nos serviam as refeições. Quando
os seus ouriços começavam a dourar, era esplêndido como uma catedral ao sol. Eu,
sempre que ia à fazenda, o meu primeiro acto era dar-lhe: os bons dias. Mentalmente,
já se deixa ver, quando não meu pai, que não tinha nada de poético nem de metafísico,
O Malhadinhas (1949) (…) entreluz a vida duma grossa e laboriosa aldeia, por avatares
políticos, tornada vila, mas ora e sempre gótica, fera, e eucrasiamente intacta. Através das
andanças e aventuras do almocreve, perpassa ela, a velha Barrela, em seus costumes e lida
quotidiana (RIBEIRO A. , 1958, p. 8) (Figura 71).
A personagem principal vivia em Barrelas (atualmente Vila Nova de Paiva) e desenvolve a sua
atividade por Touro, Pera Velha, Ariz, Granjal, Tabosa e Lamas, entre outros: Boa rota deixara
ao sair de Barrelas – Pendilhe, Meijinhos, Penude, serra, sempre serra - mas quê, não tocava
em nenhum Adomingueiros, (RIBEIRO, 1958, p. 58).
Arranjei carga. Vieram-me três presuntos de Ariz, dois de Granjal e outros dois de penso. Com
os que eu tinha, estava na conta. No dia de feira, saímos com as estrelas e tupa, tupa, os
caminhos estavam enxutos, foi-nos nascer o sol para lá de Rio Moinhos, (RIBEIRO A. , 1958,
p. 75). E assim foi. Tratei de pôr a vidinha em ordem, e na véspera de Lamas (…); A cavalinho
no macho, trupe, trupe, foi-me alvorecer para lá do Vouga, à vista dos Carvalhais de Lamas
(RIBEIRO, 1958, p. 82 e 83).
A par da história do almocreve, o autor faz o relato da vida na aldeia de Barrelas: “Barrelas
vestia-se de estopa e linho dos seus linhares de burel apisoado das próprias ovelhas. Uma
capucha de marca durava duas vidas (Figura 72).
A lã era caseira, das ovelhas tosquiadas quando vinha o S. João. Churra, era lavada. Depois
vinham as cardas num demorado pentear e, armada em velos, demorava um inverno inteiro a
fiar. Urdida a teia, bate-que-bate, luz de candeia, o sono esquecido ao cantar, iam crescendo as
varas de pano no tear. Só depois vinha a pisão. No rio Vouga, em Ribafeita, no rio Dão, em
Povolide e em Fail, no rio Pavia, em Torredeita, na ribeira de Água d’Alte, a força dos seus
maços a bater, uma dona a sair com a trouxa de pano à cabeça, caminhos velhos até ao adro da
igreja e o manso bater à porta de uma costureira. E a capucha nova para estrear (CORREIA,
2014).
recolhia-se à toca. Lar bem sortido de lenha, porco na salgadeira, pipinha com espicho
a compasso, o boizana do temporal podia bufar. Seroava-se nas lojas das vacas e aos
inteiriços como os dos lagartos. Mas, ah, logo que se ouvia a corcolher: tem-te lá. Tem-
te lá, Barrelas vazava-se por esses caminhos de Cristo em votos e romarias. Ia-se à
O relato da vida dura do campo, a necessidade de ir para outras paragens também aqui é
descrita:
Pois é verdade, ainda não me picava a barba e já eu, desta Barrelas de cara direita,
perdida no calcanhar do mundo atrás dos caminhos excomungados, batia até á Costa
Nova, à cata do sal, de sardinha e doutros géneros daquelas paragens, que ao tempo
se vendiam mais caros que as “poses” da botica. E ia trocá-los pelo azeite, a azeitona,
pela frente, nem a noite nem as invernias, nem os ladrões das estradas (RIBEIRO,
1958, p. 17).
(…) a aldeia com os tugúrios miseráveis, sem claridade, amparados uns aos outros (…). Sim,
o aldeão enterrou-se naqueles imundos casebres, que ainda hoje abundam no interior, pela
mesma razão por que a raposa se mete nos covis (…). E destaca a resistência do aldeão a todas
as injustiças: (…) Mas há nada mais tenaz que a erva espezinhada dos caminhos? Assim o é o
aldeão (RIBEIRO A. , 1958, p. 64 e 65), (Figura 73).
Neste livro surge-nos ainda a Novela Mina de Diamantes onde o autor relata a vinda de um ex-
emigrante brasileiro, Diamantino Dores, de alcunha Dêdê, para Barrelas. A personagem faz
uma descrição das condições de vida na aldeia, diferentes daquelas a que se habituara no Rio
de Janeiro, onde esteve emigrado.
As cardenhas térreas, de colmo e pedra solta, ou, quando o telhado, mais cacos que
telhas inteiras, sucediam-se por ali abaixo cavernosas e negras, a jogarem fora de
qualquer linha a cabra-cega umas com as outras. Moradia ou loja de animais, nenhuma
delas sabia o que era reboco, não falando nos laivos de cal acima da torça duma
pocilga, é provável que por se haver assoado ali um pincel de trolha tão casual como
assentamento da alvenaria executado pelo processo que se usava no tempo das citânias
A calçada, posto não houvesse a certeza que a houvera, acusava mais poças, saltos,
pedras vadias, pedras tropeçantes que uma paisagem lunar. Passara pela valeta
um menino e uma menina descalços e em camisa. (…). Uma junta de vacas veio quebrar
segundos pasmado na soleira, e rompeu upas rua abaixo (RIBEIRO, 1958, p. 228 e
(…) A vida familiar do serrano definha, pode dizer-se, à lareira; a social, se é legítimo
crismar com este palavrão as relações do Homem com o Homem na sua base elementar
de convívio, nos serões, no adro, no terreiro da fonte e à porta do forno (…) (RIBEIRO,
1983, p. 15).
Descreve também o espírito comunitário que caracteriza os modos de vida quotidianos das
populações serranas:
(…) O forno é outra das regalias comunais. Rodoiro é a vara com que introduzem a
rio, com o seu rodízio de penas, o seu telhado a alvejar, dois côvados de relva à frente
para pastar o burro. A chave anda de mão-em-mão e como a roda do ano é larga e
À volta da serra, por suas faldas e côncavos, negrejam aldeias de capucha, burel e tamancos
de amieiro, S.Martinho, Soutosa, Ariz, Peravelha, Carapito, Semitela, Sever, Vila Chã, Alvite
e a fechar o aro, Pinheiro, Touro, Cerdeira, Póvoa, Alhais (…), (RIBEIRO, 1983, p. 333). Para
A Norte da serra da Lapa fica Mondim da Beira, terra de meiotes, e mais adiante
Ucanha com a sua Torre Medieval debruçada para o Varosa, cujas trutas Leite de
Vasconcelos celebrava a papa fina. A Sul da Serra da Lapa, a descer para o Távora,
pequenez sobre a imensidade e o mistério da distância, um sentimento que tanto pode ser de
Em Portugal, mais que uma santa mania, chega a ser uma ocupação rendosa ajoelhar
perante o passado. Poderia mesmo julgar-se que o sol nos nasce sempre às espaldas.
Ter-se-á também de convir que é ao inverso do que sucede pelos infinitos mundos de
Cristo que os nossos hierofantes fazem as suas rogações nacionais, (RIBEIRO, 1974,
p. 7).
Aquilino reforça novamente, o papel que os constrangimentos geográficos assumem nos modos
de vida rurais:
que o irmão da planície (RIBEIRO; 1974, p. 115); (…) aqui e além, nos largos e
desabridos planaltos a Serra da Nave, ergue-se uma orca solitária. (…) Quando se ia
das aldeias do sul para Alvite ou Almofala, ali pereceram na era do volfrâmio, uns
pobres de cristo, enterrados na neve. (…) o gentio das aldeias serranas, Alvite e
Carapito (…) ali perto Ariz (...) (RIBEIRO, 1974, p. 62), (Figura 79).
Ainda hoje nas aldeias beiroas o Manel que é de fora e empalma a moçoila não desperta
menos furor e hostilidade que o lobo que assaltou o redil e abarbatou a borrega. Em
Alvite, o povo mais cimeiro da serra da Nave, casar for da terra é um delito imperdoável
No Homem da Nave (1954), Aquilino descreve a Serra da Nave e as suas populações numa
linguagem real e não ficcional envolta em personagens, (Figura 80).
(…). Esta serra é uma união de montes altos que se vão abraçando uns aos outros.
Consente que o rio Douro a atravesse e, posta já na província da Beira, se chama serra
Apenas uma aldeia, das aldeias mais estranhas do distrito, negra como um kral e
com as suas hortas cercadas de paredes que são renda, e as suas courelas de pão e
feições delicadas, e casam a partir dos doze anos. A montanha criou, pois, o rebelde
pulso, outo cebolão com pinto à dependura. Ainda se encontra também falperras
O castanheiro, além de celeiro dos nossos avós púnicos e celtibéricos, era por vezes a
sua casamata e almenara e, quando enfolhado, a abóbada verde sob que armavam
festas e arraiais. A neve só lhe faz bem, e as raízes vão incoercivelmente através dos
lesins nunca violados do granito à busca da veia, que passa recôndita, pedir-lhe uma
e veneravam-no como a uma divindade exclusivamente benigna não era nos seus galhos
Em 1960, na obra Um Escritor Confessa-se, já noutra fase da sua vida, Aquilino Ribeiro a
partir da cidade faz uma reflexão acerca das gentes da Serra da sua Serra, descrevendo a sua
forma peculiar de fazer justiça.
(…) Em Segões, também, uma facada ou uma sacholada à cabeça eram formas
correntes de desforço, por dá cá aquela palha. E Alvite, que se encontra nos coutos da
Serra da Nave, sobre o caminho velho para Lamego, coroava todas estas façanhas
homicidas. O serrano é mais cruel, também mais dado à vingança que valoroso. (…).
Nas aldeias é hábito andarem pelas ruas com a capucha traçada e o sacholo ao ombro,
a cara tão adentro do sioco, que não se distinguem uns dos outros (…), (RIBEIRO,
Em função dos livros analisados, concluímos que o autor apresenta um vasto território de difícil
delimitação exata. Esta cinge-se a um conjunto de lugares que não podem, de modo algum, ser
analisados fora do seu contexto geográfico mais alargado. Da sobreposição de todas as obras
chegámos à seguinte delimitação espacial (Figura 83).
Da análise da figura anterior, podemos afirmar que surgem referências espaciais nos concelhos
de Aguiar da Beira, Moimenta da Beira, Penedono, Sátão, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva,
ou seja, nos concelhos mais setentrionais, correspondendo estes ao território literário por
excelência de Aquilino Ribeiro. É este que o autor descreve com maior precisão e
exaustivamente ao longo dos diferentes contos. De salientar, novamente, que nas obras
analisadas, surgem-nos outras referências espaciais, mas apenas como ponto de passagem ou
então como alusão a algum acontecimento importante para a história das personagens que o
autor está a narrar.
Estes são apenas alguns exemplos dos relatos encontrados na obra Aquiliniana que refletem as
características vincadamente rurais destes territórios. No trabalho que estamos a desenvolver,
impõe-se uma análise criteriosa às descrições feitas e à sua relação com as dinâmicas atuais. De
acordo com Carlos Alberto Medeiros (1985),
nome, refere-se à área planáltica da Beira que fica um pouco a Norte da Cordilheira
indispensáveis um breve esboço geográfico da área, haverá que tomar como base
da Beira (este na sua parte mais elevada e mais a norte); um tanto marginais, em maior
No entanto, mencionado na obra Terras do Demo surgem apenas lugares ou freguesias dos
concelhos de Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira, Sátão, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca
e Vila Nova de Paiva, conforme já tivemos oportunidade de referir.
(como diz num dos títulos dos seus livros), tributárias de uma região mais vasta e
Beira, do Portugal ameno e fácil dos vales Atlânticos e do Portugal montesino e dos
Em 1994, no Guia de Portugal publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª edição, surge
a referência “confins das Terras do Demo” como os concelhos de: Vila Nova de Paiva, que se
encontra destacada por ser uma modesta vila de 901 habitantes elevada a sede de concelho em
1883, que até então era uma pequena vila com o topónimo de Barrelas. Em termos
administrativos faz parte do distrito de Viseu, em termos eclesiásticos faz parte do bispado de
Lamego, daí as inúmeras referências produzidas por Aquilino Ribeiro em quase todas as suas
obras à sede do bispado. Diz-se ainda que se trata de uma região relativamente abundante em
vestígios da ocupação humana pré-histórica. São de menção alguns dólmens vulgarmente
apelidados de orcas, nas freguesias de Touro, Pendilhe e Queiriga. No concelho subsistem
também algumas ruínas castrenses, que assumem, num cerro vizinho de Vila Cova, a
envergadura e configuração de verdadeira citânia. Da época da romanização, presume-se que
seja um ou outro troço de caminho velho de Fráguas. O Paiva ainda é ali transposto por uma
ponte medieval de pedra. As povoações de Vila Cova, Alhais (freguesia de batismo de Aquilino
Ribeiro) e Pendilhe, hoje aldeias, possuíram também antigos túmulos de vila, mas perderam-
nos quando Barrelas foi elevada a essa categoria. Outro lugar com destaque é Touro. Nesta
região destaca-se:
(…) A serra da Lapa, com o seu afamado santuário no alto, desanda e muda de feição.
Nave (esta também conhecida como serra de Leomil). Como pano de fundo, a nascente,
a Serra da Estrela. Depois da ponte da Granja (29 m), entra-se abertamente no pendor
curtida por geadas e nevões dignos da Sibéria (GULBENKIAN, 1994, pp. 96 - 97).
Neste Guia é também feita a caracterização dos restantes concelhos escolhidos para o presente
estudo, no entanto, apenas se referem ao de Vila Nova de Paiva como sendo “Os confins das
Terras do Demo (Figura 85).
A expressão Terras do Demo foi usada por Aquilino no título do seu romance de 1919,
e não mais deixou de estar ligada a uma zona que constitui o cerne da Beira mais
Beira, e parte dos de Sernancelhe e Sátão (este sobretudo na sua fatia norte)
Na mesma obra, Henrique Almeida, refere-se às Terras do Demo, como as Terras dos Homens,
um pecado original que as tocou entre o rio Vouga e o rio Távora, penedias adustas, a serra-
madre, plainos expostos aos ventos, enormes rochedos, redondos, ciclopes despejados de
fabulosas naves, as orcas, repouso de mortos que arqueologia faz reviver, cruzeiros pontuando
a serra, testemunhos da espantosa fé de um povo (ALMEIDA H. , 1997). A descrição continua
e acompanhá-la surge uma imagem, cujo objetivo é delimitar o território das Terras do Demo,
mas não há qualquer delimitação exata.
O itinerário tem como pontos principais Viseu, Sátão, Moimenta da Beira, Lapa, Tabosa,
Carregal, Vila da Rua, Convento de S. Francisco, cruzamento do senhor dos Aflitos, Soutosa,
Aquilino Ribeiro Machado, filho de Aquilino Ribeiro, relata que alguns dos habitantes de Vila
Nova de Paiva e das relações de Aquilino Ribeiro o questionavam pelo facto de ter apelidado
aquelas terras de Terras do Demo:
Era eu ainda miúdo, já lá vão bem mais de quarenta anos, quando ouvi a Senhora
Arminda Natário, mulher do Mestre Zé Veleira, de Soutosa, censurar meu pai num tom
meio sério meio risonho “Que ideia foi a sua Senhor Doutor, de andar para aí a
Estava eu no passado verão em Vila Nova de Paiva, ao balcão de um café, quando dois
forasteiros abancam ao meu lado e um deles pergunta a uma rapariga de mini-saia que
Demo?” - “As Terras do Demo, respondeu ela com um largo sorriso, mas as Terras
Mais tarde, em 2003, no livro da coleção Rota dos Escritores: Aquilino Ribeiro - o Fascínio e
a Escrita da Terra, Henrique Almeida refere que o autor apresenta na obra Terras do Demo,
como sendo:
(...) um auto de vita e moribus duma fração da humanidade portuguesa, ignota, terrível,
heroica e mesquinha, pungida pelo drama da existência. Como era explorar um filão
estupendo, breve se esgotou a primeira tiragem (…). O melhor galardão que o meu
livro teve foi que desse o nome à corda dos povos romanceados. Não só para as demais
terras do distrito, mas para aqueles lugares incrustados na Serra da Nave, passaram a
ser as Terras do Demo.” “Pela primeira vez, a vitalidade dos habitantes serranos – de
O site de viagens Lifecooller, em 2005 propõe num artigo de Élia Rodrigues, um Roteiro nas
Terras do Demo. Esta passa pelos seguintes lugares: Barrelas (Vila Nova de Paiva); Queiriga
(Vila Nova de Paiva), Soutosa (Sernancelhe), Serra da Lapa (Sernancelhe), Carregal
(Sernancelhe); Aguiar da Beira; Vila da Ponte (Sernancelhe); Barragem de Vilar (Moimenta da
Beira); Freixinho (Sernancelhe), Vila da Rua (Moimenta da Beira); Moimenta da Beira. Os
lugares apresentados são justificados a partir da sua referência em algumas das obras de
Aquilino Ribeiro (ÉLIA, 2005) (Figura 87).
Cheguei mesmo a escalar a zona chã da Serra da Nave, chamada lameira branca.
Alcançava-se dali o grande círculo de relevos que demarcam o planalto beirão, uns
atrás dos outros, a girar como um carrossel à desfilada, desde a Estrela até ao Açor,
chamaria Terras do Demo seria determinante. Nele a Serra da Nave figura como
espiritual da região. O Santuário, com toda a sua legenda sacra e profana impregnou
Mais recentemente Ana Isabel Queiroz (2007) refere-se às Terras do Demo como a
materialização de uma paisagem literária. Segunda a autora:
remanescem das suas vivências e têm com a realidade uma ligação de verosimilhança
capaz de criar nos leitores uma ilusão de conhecimento e uma identificação territorial,
Num artigo publicado, em 2006, a autora delimita geograficamente as Terras do Demo como
o território que tem como limites externos: Peva, Ariz, Pera Velha, Caria, pertencentes ao
concelho de Moimenta da Beira e Carregal, Lamosa e Quintela, freguesias do concelho de
Sernancelhe (Figura 88).
(…) como uma zona da Beira Alta, compreendida entre os concelhos de Vila Nova de
na zona da Serra da Nave. A vida dos serranos está com efeito fortemente dependente
do meio geográfico agreste e avaro (LOPES, 2008, pp. 177-178) (Figura 89).
veigas e vales dos rios Varosa, Paiva, Távora e Torto bem como as Serras de Leomil e
mas por serem duras e indomáveis, que transmitiram às suas gentes, aos seus mundos
(Figura 90).
No Guia Turístico Aldeias do Norte de Portugal - Porto e Norte (2014), publicado pelo Turismo
do Porto e Norte de Portugal, identifica como Terras do Demo as paisagens da Serra da Lapa,
de modo particular o Lugar da Lapa em Sernancelhe,
(…) importante lugar de peregrinação onde as grandes pedras graníticas são marcas
da rudeza e da aridez local. A Lapa é, aliás, uma pedra de granito, formando uma
Consciente do cada vez maior interesse que o turismo literário desperta na população nacional
e estrangeira, a Direção Regional de Cultura do Norte, reuniu uma série de espaços dedicados
aos autores nacionais e desenvolveu o projeto Escritores a Norte, apresentado em 21 de julho
2015. Trata-se de um projeto que encerra um conjunto de destinos, rotas e materiais com o
objetivo de dinamizar os territórios e ao mesmo tempo educar os visitantes. Um dos autores que
integram este projeto é Aquilino Ribeiro (NORTE, 2015).
Ainda em 2015, Lino Ramos, da Revista Descla, apresenta um roteiro designado por Amor nas
Terras do Demo, delimitando este território como: As Terras do Demo são um vasto território
que sai de Viseu, capital de distrito, seguindo em direção a Vila Nova de Paiva, Moimenta da
Beira e aldeia de Soutosa, passando por Sernancelhe (RAMOS L. , 2015) Em novembro do
mesmo ano, o mesmo autor apresenta Na Rota de Aquilino, um beirão de honra. Começa a rota
em Carregal, Sernancelhe, passa pela Lapa, Lamego, Paris, Lisboa, Soutosa (Moimenta da
Beira). De forma sumária passa pelos lugares mais marcantes da vida de Aquilino Ribeiro
(Figura 93).
Em fevereiro de 2015, no Jornal Digital Mapa, o autor NUNES F. (2015), apresenta num artigo
intitulado:
elenca os seguintes lugares: Soutos, Segões, vale do rio Paiva, Serra da Lapa, Serra de
Leomil; Barragem de Vilar, Vale do Távora, Vilar, Vide e Rua, e Prados. Apresenta
ainda uma justificação para a designação destas serranias Terras do Demo, que não
daímon, génio natural bom ou mau, tal qual as gentes e os lugares; ou talvez mais
acertadamente, Terras do grego dêmos, que exprime a noção do povo. O povo que
Aquilino está ali, na obra, de corpo inteiro, sempre, Aquilino, nado e criado nas Terras
do Demo, pátria de fronteira incerta, arredios caminhos que El Rei nunca trilhou mas
onde os seus ministros quebravam foros, chão onde o seu numinoso céu se revelava em
penedais que era abrigo de pastoras ou em capelinhas erguidas no viso dos montes ou
desde as antas, as orcas, das suas legendas, terras que regaram de sangue e suor para
delas arrancar fruto cainho, pouso sagrado das cinzas que sempre ali quiseram deixar
sempre como cenário de retrato, não fantasioso cenário armado no vão de uma porta
por esses fotógrafos, andarilhos com alma de poeta, vagabundeando no verão por
vestindo de azul ou com traje de caqui marinheiros e soldados, lavando num traje
emprestado a riqueza que não tinham os emigrantes que nem sempre voltavam do
NETO (2017), Diretor da Revista Literária Aquilino, numa entrevista realizada em novembro
de 2017, diz que:
entre a "velha Barrelas de um sino" e a Lapa, num cenário telúrico e com alguma
da Beira e Vila Nova de Paiva. De certa forma, os topos atravessados pelos planaltos
da Nave e Lapa. Sernancelhe onde nasce (Carregal), Alhais (Vila Nova de Paiva) onde
"mafarrico" por ali andasse, mas por Cristo não ter por lá gastado sandália...
Como podemos verificar torna-se complexa a delimitação territorial das Terras do Demo, não
só a partir dos trabalhos já realizados, que não são consensuais em termos dos limites como a
partir da obra literária de Aquilino Ribeiro, que também não é claro em relação à sua efetiva
delimitação. Se acrescentarmos a esta discussão a opinião da população local, mais complexa
se torna esta delimitação. No entanto, considerámos de extrema importância perceber que
territórios pertencem às Terras do Demo de acordo com a perceção popular.
A partir da delimitação apresentada por Carlos Alberto Medeiros, no seu trabalho Terras do
Demo – Aspetos Geográficos – 1985, optámos por considerar os concelhos de Aguiar da Beira,
Moimenta da Beira, Penedono, Sátão, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva. Acresce ainda o facto
A delimitação de um território literário não pode ser feita sem entramos em consideração com
a opinião das populações locais.
Para recolhermos a informação tivemos como base o trabalho elaborado por CRAVIDÃO
(1988), aplicado às Terras da Gândara. O inquérito foi adaptado, com vista à recolha da
perceção da população das Terras do Demo relativamente ao conhecimento que estas têm da
designação e do autor Aquilino Ribeiro (Figura 97).
Os dados recolhidos foram analisados com recurso ao programa Statistical Package for the
Social Sciences (SPSS), versão 25, com um nível de significância definido para p<0.05. A
normalidade das distribuições foi analisada através do teste Shapiro-Wilk.
Características
Sexo, %
Feminino 62,2
Masculino 37,8
Idade (anos)* 43,1±19,7 [12,0-87,0]
Habilitações literárias, %
Ensino Básico 54,1
Ensino Secundário 8,1
Licenciatura 27,0
Mestrado 5,4
Estudante 5,4
Profissão, %
Estudante 13,5
Reformado/a 10,8
Comerciante 10,8
Agricultor 8,1
Professor 5,4
Motorista 5,4
Funcionário Público 5,4
Técnica de Turismo 2,7
Taxista 2,7
Outra 35,2
*média±desvio-padrão [mínimo-máximo]
Da análise dos resultados destacamos as seguintes conclusões: 62,2 % dos inquiridos são do
sexo feminino e, 37,8 % do sexo masculino; 70,8% da população inquirida pertence ao grupo
etário dos adultos e, 22,5% da amostra ao grupo etário dos idosos (Figura 98).
A idade da amostra foi, em média, 43,1 ± 19,7 anos (intervalo de confiança de 95%) e a maior
parte (54,1%) tinha apenas o Ensino Básico. As profissões mais frequentes verificadas na
amostra em estudo enquadram-se na população não ativa (Figura 99).
Figura 100 - Conhecimento do livro Terras do Demo e residência nas Terras do Demo
Fonte - Própria (2019)
A Figura 101 representa as respostas afirmativas dos entrevistados sobre quais as regiões sabia
pertencer às Terras do Demo. Moimenta da Beira foi a região mais frequente identificada com
parte integrante (91,2%), seguida de Sernancelhe (70,6%), enquanto que São João da Pesqueira
e Meda foram apenas identificadas em 2,9% das respostas.
A Figura 102 representa a comparação da perceção das regiões que pertencem às Terras do
Demo de acordo com o conhecimento da obra de Aquilino Ribeiro. O conhecimento deste livro
está significativamente associado à perceção de Vila Nova de Paiva com parte integrante das
Terras (χ2=12,099; p= 0,001).
Da análise dos resultados podemos verificar que para além dos concelhos de Aguiar da Beira,
Moimenta da Beira, Penedono, Sátão, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva, os concelhos
limítrofes também assumem alguma representatividade. No entanto, esta realidade pode ser
justificada pela proximidade/contiguidade geográfica e pelas ligações existentes entre as
comunidades. Destacamos desta situação, o concelho de Lamego, pois biograficamente foi um
espaço vivido por Aquilino e a sua associação ao território é comum. Aquilino Ribeiro depois
de frequentar o Colégio Jesuíta da Lapa, a 1 de julho de 1900, passa a frequentar o Colégio
Roseira, atual Colégio da Ortigosa, em Lamego. A Obra Arcas Encoiradas, de 1953, faz várias
referências a Lamego e ao percurso, que tantas vezes fez com o pai, a partir de Soutosa, para ir
fazer os exames escolares.
identificação está subjacente em muitas das suas obras literárias, sobretudo nas de
Os territórios literários correspondem assim ao somatório dos lugares que se relacionam com a
vida do autor e os espaços ficcionados onde decorrem os enredos dos seus personagens.
A recolha dos dados foi um processo longo e moroso, por vezes inglório, devido à ausência de
população que respondesse. Nas sedes de concelho, pela maior dinâmica demográfica o
processo decorreu, com a normalidade inerente a estes trabalhos.
Nos concelhos de Sernancelhe e Moimenta da Beira, principalmente, nas suas freguesias rurais,
onde Aquilino passou parte da sua infância, juventude e posteriormente, na idade adulta, se
recolheu e viveu com a esposa e os filhos, existem ainda muitos geosímbolos construídos, que
não deixam esquecer e marcam na paisagem a presença do autor. Destacamos, por exemplo, na
freguesia do Carregal, ainda existe a casa onde nasceu, na Lapa, o santuário mantém a sua
imponência, paredes meias com o Colégio Jesuíta que o autor frequentou e em Soutosa, a casa
senhorial, datada do século XIX onde viveu com os pais e herdou em 1918, seu refúgio em
muitas situações e atualmente sede da Fundação Aquilino Ribeiro. Também não é raro
encontramos ruas, ou equipamentos públicos com a toponímia do autor.
Não podemos deixar de referir, e isto foi algo que surgiu pelas longas conversas que fomos
tendo, com quem tinha todo o “tempo do mundo para falar”, porque ali o tempo passa devagar
ao sabor do nascer e por do sol e dos ciclos agrícolas e das necessidades do gado, que apesar
de irem acontecendo algumas iniciativas subjacentes a Aquilino, estas são muito mais para
quem vem de fora do que para quem la permanece. Há uma certa mágoa em relação à conotação
Terras do Demo, pois as” terras e os habitantes são de Deus”. Também foi notário o
descontentamento em relação à ausência de estratégias de articulação entre os diferentes
territórios.
Encontrámos pessoas generosas, muito humildes, ávidas de transmitir aquilo que são os seus
saberes e práticas e de contar as suas estórias de vida comunitária, de interajuda e sedentas de
poder voltar a ver vida naqueles espaços. Além do património catalogado, porque material e
visível, existe um filão prestes a apagar-se com o tempo, de saberes e práticas que não têm
registo ou continuidade, nomeadamente no que diz respeito à gastronomia, cultura, alguma dela
representativa da simbiose perfeita entre o sagrado e o profano, entre a ciência e o oculto.
No nosso caminho topávamos Alvite, povo de repululamento larvar, tudo gente miúda
casario pelo halo humano, o cantar dos galos e o empilhamento dos volumes. Uma
rara telha vermelha chamejava a nossos olhos. Cal ignorava aquele acervo de pedra
solta o que fosse. Nós passávamos à debanda, seguidos pelo olhar curioso de uma
alvitana negra e olhar rapa, que lidava nas hortas, como gente do outro planeta
1. O Património Literário
O património rural ficará para sempre imortalizado na escrita regionalista de alguns escritores
portugueses. São deste exemplo, Eça de Queiroz, Alexandre Herculano, Miguel Torga, e no
caso do presente estudo, Aquilino Ribeiro, conforme já tivemos oportunidade de referir.
Estes autores, através dos seus romances e novelas, colocaram nas páginas dos livros as
descrições dos costumes populares, a descrição dos comportamentos das comunidades locais,
os seus modos de vida, a sua gastronomia, as vestimentas, as profissões, as características
linguísticas, as relações sociais, as superstições, a religião, as alegrias que sentiam e os
tormentos porque passavam.
Nos espaços rurais a perspetiva de salvaguarda patrimonial tem como maior preocupação a
conservação da paisagem no seu conceito holístico e não a valorização de elementos materiais
isolados, que muitas vezes são retirados do seu contexto natural e colocados em museus para
que a sua existência continue a ser uma realidade, acessível a todos, sendo este um trabalho de
grande relevância e importante para a preservação de elementos culturais e formas de fazer e
saber fazer mais tradicionais.
É inevitável a referência à relação que existe entre o património e o seu contexto temporal. Com
os processos de patrimonialização aquilo que se pretende não é a mumificação dos espaços e
do seu património, mas a sua revitalização, sem, contudo, perder a sua essência, a matriz
cultural dos territórios.
Assim devemos entender o património numa perspetiva integral e cultural, porque na realidade
os elementos patrimoniais resultam das criações dos grupos humanos no espaço e no tempo.
herança que pode ser legada e que convida ao nosso reconhecimento e à nossa
participação. O património não se limita a um tempo, nem passado nem futuro. Usamos
1982).
O património cultural, por sua vez constitui um conjunto de recursos herdados do passado que
as pessoas identificam como seus, independentemente do regime de propriedade dos bens,
como reflexo e expressão dos seus valores, crenças, saberes e tradições em permanente
evolução. Inclui todos os aspetos do ambiente resultantes da interação entre as pessoas e os
lugares bem como a sua evolução ao longo do tempo (EUROPA, 2005, artigo 2.º).
Com o surgimento desta preocupação, que não é recente, na classificação e inventariação dos
recursos patrimoniais de valor simbólico, geossimbolos, foi surgindo uma nova tipologia de
grupos humanos, coletivos ou pessoas relevantes que aqui escreveram, ali viveram e
espaciais lineares, aqueles que se consomem em movimento, como um rio, uma estrada
A literatura pode ser apropriada nos seus aspetos materiais, livros do escrito, como imaterial,
os lugares imaginários de uma obra literária, as paisagens, os ambientes descritos de uma forma
tão real e pormenorizada, que nos conseguem transportar, mentalmente, para os lugares.
Um dos elementos que condiciona a escrita e os modos de vida dos aldeãos é a Serra da Nave.
O homem serrano é rude pois teve de conseguir adaptar-se às agruras do relevo e do clima. As
vidas que descreve são agrestes e duras como as rochas que povoam o planalto da Nave. Vidas
difíceis, empregos pouco variados, ausência de médicos e curas milagrosas das moléstias, que
só um corpo aberto poderia sarar, assim como os esconjuros das maldições. E a par do
paganismo, descreve-se a visita pascal na aldeia com os seus hábitos. Costumes e tradições
religiosamente comprimidas, passadas de geração em geração (LOPES A. M., s/d).
Nas províncias do Norte os terrenos são de fraca cultura, muito parceladose, mesmo
assim, pomposamente se intitula de lavrador o pobre que traz uma vaca ao ganho e ao
maneira se intitula proprietário quem tem meia dúzia de barreiras que, à força dos
cuidados e do labor intensivo, dão escasso passadio de uma casa de gente (RIBEIRO,
1995, p. 124).
A família camponesa é quase sempre o núcleo central das obras analisadas. A superioridade do
homem e a submissão da mulher; os casamentos entre casais da mesma classe social, porque os
ricos e os pobres não se misturavam, entre outras façanhas das histórias.
É um tipo alto, de cabeça e face sobre o comprido, mento saliente, prima entre outras
o que mais lhe convém. (…) O minhoto consulta a Maria o serrano os seus botões.
Debulha vagem a vagem, a sua colheita de feijoal. No tempo dos ninhos passa a manhã
à espreita de um ninho para lhe roubar os ovos. Entra pela mina para lhe sangrar a
veia, que lhe há-de encher a poça para regar quatro vezes o milho e sachar três vezes
As casas eram parentas (…) da orca, sem frestas, sem chaminé, com portal baixo, piso
térreo, colmadas umas, cobertas outras com telha mourisca. (…) A sua armação é tudo
o que há de primitivo: um carvalho deitado sobre o vértice das duas empenas; sobre
essa trave vinham articular-se os caibros, que por sua vez ofereciam apoio às latas do
excelência da casa serrana.(…) Algumas afundiam-se no solo o bastante par o piso que
O património literário de Aquilino não se confina a um lugar, a uma igreja, à serra, ao Rio
Paiva, Távora e seus afluentes, à alimentação escassa e pobre, onde a carne entrava apenas em
casa dos mais abastados, na casa dos doentes ou então em dias de festa.
A religiosidade é outro dos elementos que se destaca. Surgem frequentemente descrições das
romarias que eram feitas à Senhora da Lapa e as promessas a todos os santos que os salvem das
aflições, ou dos maus anos agrícolas, carregados de miséria e de fome.
(…) Ó meus senhores, eu cá não nego o berço; sou de uma terrinha par riba de Viseu,
fria e feia, onde não vinga oliveira, nem laranjeira, nem uva de lagar. Pior não haverá,
mas nós todos vivemos na lei e graça de Deus. Não é a primeira vez que a Nossa
Senhora aparece aos pastorinhos nos nossos montes(...) (RIBEIRO A. , 1958, p. 107).
(…) quando o seu pai estivera a dar cadilho com o falto, sim, tinham feito uma promessa
à Senhora das Necessidades, mas naja à Senhora da Lapa. Bem-haja tia Teresa que
não arredara do pé do seu velho, bem-haja. Agora esta na ideia de que o voto fora à
- Não, menina, foi à Senhora da Lapa. Estou bem lembrada. Olha, prometemos seis
(…) Das aldeias serranas desciam ranchos de romeiros. (…) A Lapa aparecia em baixo,
e alegre (…). Pelo braço fora, de estrada fora rompiam ranchos em algazarra, bestas
rinchonas caracolando e maltas de varapaus leva que leva. (…). Tropicavam azeméis
com velhos de capote e chapéu braguês para a nuca, e éguas de albarda com matronas
de lenço de seda, peito coberto de oiro e tamanquinhas de Viseu no bico do pé. Para
aguentar o passo, outras mulheres tinham tirado as chinelas e com elas na mão, a par
do sombreiro, ou à cabeça sobre o xaile, desunhavam-se todas tep, tep. E lá seguia tudo
a catrapós, no frenesi de metro com o sol à festa que o mês de agosto c’os seus santos
ao pescoço não tinha melhor que a Senhora da Lapa, a rica Senhora da Lapinha
Este património dissemina-se por um território onde as fronteiras administrativas não têm lugar
e o elo de ligação e união dos territórios é o autor, e a paixão com que os descreve.
Assim acreditamos que apenas da junção de vontades se podem encontrar estratégias em rede
de valorização dos patrimónios territoriais, assentes em Aquilino e onde os itinerários literários
poderão ser, uma das muitas estratégias a implementar na promoção do turismo literário
aquiliano.
A leitura de obras literárias resulta muitas vezes na vontade, por parte do leitor, que se
transforma em viajante e turista, em conhecer as geografias dos lugares que estiveram na origem
das obras ficcionadas.
PRADA (2018) definiu recentemente o turismo literário como aquele que está relacionado com
a obra, vida e os lugares mencionados na obra do autor. Este conjunto juntamente com a vontade
de os visitar podemos designar por turismo literário. Um dos objetivos passa por conhecer de
perto a obra do autor. De acordo ainda com a mesma autora, o turista literário tem uma
motivação mais intelectual e procura a autenticidade.
Portugal é um país perfeito para apostar no turismo literário, porque sempre conservou
muito o seu património e o Turismo Literário segue as vidas dos autores, das suas
mencionados, nas obras, pelo que é muito fácil realizar rotas autênticas, onde os
turistas podem, não só viajar pelas obras literárias, mas também pelo tempo. Como nas
rotas dos vinhos, é possível criar rotas literárias, em que as pessoas vão parando e
podem tomar um café num local que era frequentado pelo autor ou que era mencionado
na sua obra, depois de fazer uma refeição num restaurante que também estava ligado
a um autor e por aí adiante, porque o turismo literário segue o autor a e sua obra.,
(PRADA, 2018)
turismo literário terá que contar com um conjunto de parcerias das diversas ciências,
realidade literária, tantas vezes ficcionada e cujas formas de interpretação nem sempre são as
mais corretas.
Simultaneamente a vida do autor, os espaços onde desenvolveu a sua atividade são muitas vezes
motivo de curiosidade, por parte dos leitores mais aficionados.
cultural, quer na sua dimensão estética, quer na sua dimensão antropológica. Estética,
pessoas que habitam os lugares visitados e os seus valores culturais e com as pessoas
que se tornaram parte das mitologias culturais dos lugares (QUINTEIRO &
Segundo BEIGI (2014), os lugares onde existem atrações turísticas de âmbito literário podem
ser agrupados três grandes grupos: os lugares existentes na vida do autor- o local onde ele
nasceu, a casa em que viveu, escreveu as suas obras, morreu ou está enterrado; os lugares que
serviram de inspiração às obras e onde a ação decorre - estes são a expressão física ou
manifestação dos lugares do romance de um escritor e que fazem parte das suas obras, como
uma rua, a casa das personagens, uma cidade, entre outros e os locais construídos
especificamente para atrair turistas – estes lugares são construídos com base, por exemplo,
numa personagem, no entanto nesta categoria perdemos um dos vetores, mais importantes do
turismo literário que é a autenticidade e o realismo.
Neste sentido, GALEANO (2017) afirma que como lugares literários podemos encontrar o
lugar onde nasceu, viveu, escreveu e morreu o escritor; as casas museu; os túmulos; as casas
onde viveram; os espaços e os contextos que possibilitaram a escrita das obras; os monumentos
Assim, entendemos por lugares literários, aqueles que se encontram diretamente relacionados,
ou com o autor ou com a sua produção literária. Estes podem ser tangíveis ou intangíveis. De
acordo com HERBERT (1996) existem características intrínsecas a estes lugares: devem ser
lugares agradáveis e atrativos; que ofereça uma variedade de serviços e infraestruturas, capazes
de dar resposta às necessidades básicas do turista; que se encontrem numa localização
geográfica acessível e conhecida, incluindo por exemplo um itinerário; que estejam
relacionados com a vida do autor; que sejam associados à geografia da literatura do autor; que
materializem valores afetivos, de nostalgia simbolismo e memória.
Os mapas de palavras, quando colocados sobre o mapa físico, permitem delinear itinerários,
nos quais os lugares literários (por vezes, construídos, amplificados e, até mesmo, criados e
encenados para atrair os turistas) assumem um papel central.
Neste sentido apresentamos, agora uma proposta de dois itinerários literários aquilinianos:
itinerário biográfico e itinerário literário nas Terras do Demo, baseado nas obras analisadas.
Queremos reforçar a ideia de que se tratam apenas, de dois exemplos dos muitos que se podem
realizar a partir das obras do autor, no entanto, em função da escala dos territórios, estes
itinerários ou outros que venham a realizar-se só terão sustentabilidade se houver coesão entre
os agentes locais e a diluição das fronteiras administrativas, através da criação de um Plano de
Desenvolvimento Turístico Integrado, para as Terras do Demo.
Figura 112 - Casa de Soutosa, Moimenta da Beira, atual Fundação Aquilino Ribeiro
Fonte - Própria (2019)
Até aos 15 anos, estudou no colégio da Lapa, um colégio jesuíta, onde se matriculou a 10 de
julho de 1892.
habitar com ele, no romance, quando o lemos. O desmedido peso de uma arquitetura
que nasceu, como os rochedos, para durar para a eternidade, o dia-a-dia vencido
gente que vinha pelo Espírito Santo, pela festa de S. Barnabé, pela Senhora do mês de
agosto, e esse olhar compassivo e sagaz sobre essa humana cobertura das Terras do
Demo de que não inventara ainda letra de forma, gente que corria em busca dos
milagres que ali aconteciam como ao tempo se via nos quadrinhos de votos pendurados
Figura 113 - Aquilino Machado Filho no quarto do Colégio onde o pai estudou
Fonte - Brevitasblogspot.com (2008)
Com 15 anos Aquilino foi para Lamego onde frequentou o colégio Roseira, atual Colégio
Ortigosa (Figura 114).
Aquilino vai depois para Viseu, onde acabou os seus estudos. Ingressou no seminário
de Beja em 1903, sai do seminário e vai para Lisboa. No final desse ano regressa a
Soutosa, por vontade do pai. Em 1904 regressa a Lisboa, ao terceiro andar da pensão
da Sorbonne. Também em Paris, conhece Grete Tiedemann, sua primeira mulher e mãe
regressar ao seu país com a família (volta em 1914). Já em Portugal, ocupam-no, para
atividade que desenvolverá com enorme regularidade ao longo de toda a sua vida), o
trabalho de professor no Liceu Camões, onde fica durante três anos, e, posteriormente,
Raul Proença.
A sua faceta de "homem de ação", como já se viu, deu frutos ainda nos anos finais da
monarquia (ainda hoje há quem se interrogue se no dia do regicídio Aquilino terá sido
frustrada contra a ditadura militar sequente ao golpe de 28 de maio de 1926, sendo por
levado para a prisão do Fontelo, em Viseu (um edifício que ainda hoje se pode ver nesta
cidade). Foge também desta vez, esconde-se pelas serranias beirãs e enceta uma difícil
jornada que de novo o levará até Paris; destas experiências de ativista político.
presidente da República deposto por Sidónio Pais. O único filho do casal, segundo de
Aquilino, nasce em 1930, ainda fora do país. Também em 1932, é amnistiado (tinha
sido julgado e condenado à revelia em 1929), o que lhe permite regressar à capital
Morre em 1963 e em 2007 é transladado para o Panteão Nacional em 2007 (Figura 115).
A proposta de itinerário que agora apresentamos, teve como princípio abarcar todas as
tipologias patrimoniais, e passar por todos os concelhos da área de estudo. Deste modo,
retiramos excertos das diferentes obras que passam pelos concelhos da área de estudo e
elencamos alguns elementos que podem constituir-se como atrações turísticas complementares
ao turismo literário. O espaço e os lugares já os apresentámos no Capítulo VI, Tal como
dissemos existem muitos outros que poderiam ser realizados.
Este itinerário tem como principal linha de orientação os acontecimentos biográficos do autor
nos territórios das Terras do Demo, pois tal como sabemos a sua bibliografia extrapolou estas
fronteiras
É nosso entendimento que as paisagens literárias, descritas por Aquilino, quase um século
passado mantém, na sua essência as características descritas pelo autor. Os sons, os cheiros, o
seu caráter agreste silencia sepulcral que se ouve no Santuário da Lapa, apenas quebrado
quendo alguém chega e vai comprar o pão da Lapa, que à altura era produzido nos formos
comunitários para ser o garante do sustento das famílias, o carácter rude e agreste, são cenários
que ao ler ficcionamos e imaginamos, mas que na realidade quendo chegamos aos locais raros
são aqueles que não correspondem à realidade.
O Solar é uma construção do final do século XVII e princípios do século XVIII, de silharia
lisa, com decoração rococó visível na cercadura das janelas de avental da fachada principal.
Por cima pode ver-se o brasão nobiliárquico estrelado. O atual solar foi edificado no local e
sobre ruínas do primitivo. Segundo a tradição, por lá se hospedou D. Dinis, em 1310. O
proprietário era um rico lavrador, a quem D. Dinis, mais tarde, atribuiu o título de nobre por
tamanha amabilidade. A Casa de A-de-Barros é um símbolo da aliança da realeza com o
povo. Foi uma das mais ricas e nobre da beira, neste momento transformado em Hotel de
Turismo Rural, depois de décadas de abandono, encontra-se à venda.
A Torre da Ameada, a Fonte das Ameias e o Pelourinho situam-se no Largo dos Monumentos
Nacionais em Aguiar da Beira e datam do século XV. Acede-se à fonte de mergulho, coberta,
semienterrada, descendo três degraus. A torre deve ter sido construída no século XIV e faz
parte do sistema de defesa da povoação, talvez para servir de atalaia. O pelourinho é uma
obra quinhentista, assente num soco constituído por quatro degraus ortogonais.
A antiga casa da cadeia de Rio de Moinhos, e edifício dos paços do concelho é agora um
Museu Etnográfico, fechado, a maior parte dos dias do ano.
Localizado à beira da antiga EN 229, no cruzamento da estrada municipal que liga ao centro
de Contige, esta árvore, cuja plantação remonta, segundo aquela universidade,
“provavelmente, a 1878, quando se abriu a Estrada das Donárias, é um dos maiores
eucaliptos classificados até ao momento em Portugal” sendo mesmo “recordista, com 11 m
de perímetro à altura do peito”.
O convento franciscano, que possuía um recheio cultual notável, era um foco de onde
irradiava religiosidade, aí se realizando várias celebrações litúrgicas bastante concorridas.
Era, também, o lugar preferido para último repouso das famílias principais, a que nem
sempre reagiu com agrado o reitor da paróquia ruense. Pouco se sabe acerca dos
quantitativos da comunidade franciscana de Caria. Neste particular, sabe-se apenas que em
1587 o abade de Alcobaça, frei Guilherme da Paixão, visitou a Terceira Ordem de S.
Francisco, encontrando no convento de Caria 17 frades.
4- Estratégia
De acordo com IGNARRA (2014) o planeamento pode ser indicativo das diretrizes que
sustentam, ação dos atores que fazem parte do processo. Assim o autor sintetiza algumas
perguntas básicas que podem servir de linha orientadora à ação (Quadro 18).
dos laços que entre si se estabelecem e das influências que exercem sobre o conjunto.
considerar que o sistema funcional do turismo, isto é, o conjunto dos elementos que
1. Económico: 2. Social:
comportamentos 3. Ambiental: 4. Político:
desenvolvimento
coletivos; estrutura condições naturais; liberdade de
económico;
familiar; propensão deslocação;
produção de meio urbano;
à viagem; objetivos do
riqueza;
intercâmbio de recursos naturais; Estado; tensões
dinamização de
valores; políticas; conflitos
outras atividades; poluição.
informação e laborais.
emprego.
comunicação.
9. Tecnológico: 5. Institucional/
transportes; Jurídico:
materiais de SISTEMA facilidades à
construção; viagem; duração
telecomunicações; TURÍSTICO das férias; despesa
informática; meios do consumidor;
de transporte. regulamentação
turística.
atores locais, a complexificação extrapola para um nível, em que é necessário ter linhas
implementando políticas avulsas, que não convergem para a sustentabilidade dos territórios
contudo não podemos deixar expor a nossa preocupação em relação a certas realidades
Apesar de naqueles espaços estar impressa a vida do autor e as suas obras, elas não falam
por si. Não existe uma preocupação, por parte das entidades que a gerem em reconverter
aquela casa num espaço vivo, aberto à comunidade e aos turistas. A porta abre-se, quando
nos e a sua pena continua pousada na secretária, sedenta de outras mãos que lhe peguem e
interpretações e leituras que cada um fará quando lá entra, mas não existem atividades, para
além de algumas de caráter mais elitistas, que possam valorização e glorificar um tão grande
legado, que dia após dia vê as janelas serem fechadas à espero do amanhã, em que os atores
Fonte – Própria,2019
Desenvolver um conjunto de ações, que permitam aos jovens existentes, em menor número do
que é desejado, iniciativas, em contexto formal e não formal, conhecer a obra e conhecer o
autor, inclusivamente perceber o branding utilizado por tantas empresas, Terras do Demo,
como forma de captar mercados;
Envolver e ouvir as comunidades locais, através de fóruns participativos, nas dinâmicas a criar
num território, que o autor baptizou, mas que é seu;
Valorizar a gastronomia local, de qualidade, associada aos produtos endógenos como um novo
produto de valor acrescido, na prática do turismo
Mercado Interno
Estabater as fronteiras administrativas e entender o território como uno, pois só assim este
conseguirá ganhar escala.
Integrar as comunidades nas atividades que se desenvolvem e cujo mote é Aquilino Ribeiro;
Mercado Externo
Promover estratégias de divulgação da História destes territórios;
Potenciar os geossimbolos, tornado-os conhecidos para o exterior, uma vez que estes
territórios não são apenas o retrato de Aquilino. Aquilino transmitiu deixou a sua marca mas
existentem tantos lugares ligados a marques incontornáveis da História de Portugal, que tem
as suas raizes aqui e que não são conhecidos. Damos como exemplo, o Marquês de Pombal,
ordens religiosas, nomeadmente os templarios, entre outros;
O conceito de território literário pode ser especialmente atrativo numa proposta que pretenda
território, possibilitar uma maior competitividade dos agentes económicos ligados a estes
mercados e priorizar o tipo de investimento a ser feito. Para que isso seja possível, devemos
caminhar para um modelo de apresentação do território relacionado com uma ideia integral
inteligente para o desenvolvimento local dos lugares e das comunidades. Não podemos
deixar aqui de apontar que este desenvolvimento necessita de ser pontuado pela
sustentabilidade para não se extinguir, pois quando falamos em património vivo, preservado
significado.
5-Síntese
Pela análise feita ao território e pelo trabalho de campo desenvolvido durante a realização
do presente trabalho verificámos que existem potencialidades e recursos que o podem
transformar num território literário de reconhecimento nacional e internacional, no entanto
faltam pessoas.
O levantamento dos recursos está feito, por vários autores, nomeadamente Ana Isabel
Queiroz, Álvaro Almeida e Duarte Belo, Henrique Almeida, e tantos outros, no entanto falta
a vontade política de encontrar soluções conjuntas para a revitalização destes lugares
literários e consequentemente a valorização do potencial existente.
As transformações recentes do mundo rural, no caso concreto dos concelhos que integram
as Terras do Demo, passaram pelo abandono das atividades tradicionais como a agricultura
e aliada a si a perda de elementos de identidade e de construções características destes
territórios, onde é necessário captar população ou visitantes, atividades económicas e
mercados externos que possam absorver os produtos locais existentes, transformando esta
marca num verdadeiro produto turístico (Figura 119).
Aquilino
Comunidade
Ribeiro
Turismo
Literário
Património Sustentabilidad
Literário e
Geossimbolos Governança
pela pedantaria, a sua paralipomena. Poderia dizer para definir melhor: a minha
pena foi até onde chegam as ondas sonoras de tal sino rachado. Por essa razão
chamei sentimental ao roteiro, com mil perdões desta feita de nossa mãe Eva
1. Reflexão Final
Quando acedemos aos mais diversos meios de comunicação social diariamente ouvimos ou
lemos que na agenda social, política e económica, pública ou privada, nacional, europeia ou
mundial uma das maiores preocupações é a sustentabilidade dos territórios. Os territórios
urbanos, pelo aumento exponencial de população e pela redução do espaço físico, que
conduz à especulação imobiliária tornando a vida nas cidades inacessível para um grande
número de famílias. Simultaneamente confrontamo-nos com o desaparecimento das relações
sociais e interpessoais, fruto dos ritmos de vida alucinantes e pela generalização das novas
tecnologias. Existe também uma alteração das paisagens, principalmente dos núcleos
históricos, para dar resposta à crescente procura turística. O facto de se terem transformado
em atrações turísticas converte-se numa dupla situação: por um lado aumento da atividade
económica do turismo e todos os serviços que dele dependem e o suportam, por outro a
necessidade de corresponder à procura, cada vez mais exigente e diferenciada, que não se
coaduna com a manutenção das populações envelhecidas que habitam esses espaços, cujos
recursos económicos são escassos e que, através de políticas urbanística se vêm confrontados
com a necessidade de abandonar as casas que os viram nascer, viver e morrer gerações.
Sucumbe com estas políticas, a autenticidade características destes lugares, pelo
desaparecimento dos seus protagonistas.
Recentemente o rural está associado à baixa densidade. É comum já não falarmos em espaços
rurais, mas em espaços de baixa densidade, cujas características responsáveis pela sua
designação, assumem um comportamento circular, que parece não ter fim à vista, (Figura
120).
O turismo literário por si só se apresenta como uma forma sustentável de turismo, pois
A capacidade acutilante de observação de Aquilino Ribeiro, faz das suas obras descrições
impregnadas de realismo que imortalizam as paisagens e que por si mesmas são fator
motivacional de ir aos lugares apresentados.
Não é fácil ficar indiferente ao cenário que encontramos, principalmente quando existem
potencialidades e vontade das populações de mostrar o que têm de mais valioso: a sua cultura
e o seu património.
Os itinerários literários, só fazem sentido nesta realidade geográfica se pensados à escala das
Terras do Demo (Aguiar da Beira, Moimenta da Beira, Penedono, Sátão, Sernancelhe e
Vila Nova de Paiva).
mundo rural despontam ou ressurgem novas polos de lazer utilizando quer recursos
naturais, quer atividades rurais mais ou menos tradicionais (SANTOS & CUNHA,
2009, p. 17).
Ao concluirmos este trabalho sabemos que apenas se pode constituir com um contributo para
algo muito mais amplo que terá que entrar em consideração com o saber científico e a sua
aplicação.
Existem, ainda trabalhos de carácter mais específico e regionalista, feitos por autores locais,
mas que podem ser o suporto do desenvolvimento de um Plano de Desenvolvimento
Turístico Integrado.
Toda e qualquer intervenção patrimonial deve ser desenvolvida a uma escala local,
promovendo a participação ativa de todos os agentes, uma vez que para se alcançar o
Na conjuntura atual, a distinção do rural não pode ter por base apenas o desenvolvimento de
potencialidades, hoje valorizadas e recriadas no imaginário urbano, que tendem a reduzi-lo
a uma definição de depositário de tradições, culturas e modos de vida, mas sim investir nessa
autenticidade rural mediante apoios e incentivos ao aproveitamento de recursos naturais e
existentes e potencialidades produtivas (LOURENÇO, 2002).
Desta forma, torna-se urgente inverter este cenário sob pena de, a curto prazo, assistirmos a
processos de despovoamento irreversíveis com consequências ao nível da desertificação
física do solo e da degradação daquilo que são as marcas que o Homem foi construindo no
espaço e que revelam uma cultura de comportamento. Neste sentido, a valorização endógena
e exógena é fundamental, como um princípio e não um fim em si mesmo, na tentativa de
contrariar esta realidade cada vez mais próxima.
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