REABILITAcaO NEUROPSICOLoGICA 1
REABILITAcaO NEUROPSICOLoGICA 1
REABILITAcaO NEUROPSICOLoGICA 1
Parte I
Conteudista
Prof.ª Dr.ª PAULA DE OLIVEIRA MORA
1. DEFINIÇÃO
A reabilitação cognitiva é um campo novo de atuação que tem se
desenvolvido bastante nas últimas décadas. Diz respeito aos esforços
terapêuticos para amenizar os déficits cognitivos, emocionais, psicossociais e
comportamentais causados por um dano no cérebro.
O cérebro humano é um órgão que precisa estar bem protegido, haja
vista suas funções. É responsável pelo controle das funções vitais, execução
de movimentos e sensações. Sem falar que é a sede do comando das funções
superiores, isto é, nossa capacidade de perceber, aprender, memorizar, tomar
consciência, comunicar-se e emocionar-se.
Apesar dos mecanismos de proteção, está eventualmente sujeito a um
grande número de afecções. Segundo KUSHNER (2003) estas podem ser
devidas aos seguintes fatores:
Erros do desenvolvimento;
Podem ter origem hereditária, como alguns casos de epilepsia;
Infecciosa como, por exemplo, as sequelas de meningite, encefalite e
sífilis;
Degenerativa, como nas demências, doença de Parkinson;
Traumática, como nos casos de traumatismo craniano decorrentes de
acidentes automobilísticos;
Outros.
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(GAZZANIGA et al. 2006,). A reabilitação diz respeito a intervenção terapêutica
em decorrência da injúria, conforme afirmamos anteriormente.
O prejuízo, a evolução e o prognóstico poderão apresentar intensidades e
padrões diferentes de um indivíduo para outro, em função da patologia e da
área atingida. Diante de tal cenário, certamente a pessoa acometida precisará
de intervenção terapêutica que vai além da prescrição de medicamentos ou
restrito ao funcionamento neural.
Em se tratando de intervenção terapêutica, é preciso considerar o
indivíduo como um todo, seus aspectos individuais, emocionais, as
circunstâncias de sua vida profissional, familiar e social.
O prejuízo das funções mentais acarretam comprometimento da vida
cotidiana, desde os cuidados pessoais até atividades mais complexas,
afetando a qualidade de vida não só da pessoa acometida como de familiares
e/ou cuidadores.
A proposta de se realizar um plano terapêutico de intervenção diante de
tais circunstâncias não é nova (existem descrições de trabalhos deste tipo
desde o século XIX), apesar de nas últimas décadas estar se definindo e se
caracterizando de forma mais clara.
2. UM POUCO DE HISTÓRIA
GINDRI et al (2012) ao abordar aspectos conceituais e metodológicos da
reabilitação psicológica descreve alguns trabalhos que podem ser
considerados os precursores deste tipo de intervenção.
Em 1833 Jonathan Osborne descreve um procedimento sistemático de
repetição de palavras com o objetivo de melhorar o déficit linguístico de um
paciente afásico. Esse trabalho foi importante, pois sugeria a possibilidade de
ensinar uma função residual que estava prejudicada.
Durante a primeira guerra mundial, foram publicadas as descrições dos
primeiros programas sistemáticos: Walter Poppelreuter (1886-1939) e Kurt
Goldestein publicaram livro contendo descrições das intervenções realizadas
com soldados que perderam algumas funções e buscavam novas
possibilidades de trabalho apesar das deficiências adquiridas. Incluíam não só
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as intervenções sobre aspectos cognitivos, mas também as reações
emocionais e os impactos sociais diante das deficiências adquiridas.
Durante a segunda guerra, foram desenvolvidos programas de
reabilitação melhores sistematizados, tanto nos Estados Unidos quanto na
União soviética, destacando-se aí os trabalhos de Alexander Romanovick Luria
(1902-1977). Além dos programa de reabilitação, Luria contribui para a
formulação do conceito de reorganização funcional, o qual fundamenta os
modelos mais modernos de reabilitação neurospicológica.
Mais recentemente, os avanços tecnológicos e a descrição através de
estudos publicados tem contribuído para o avanço na área.
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Um pressuposto importante na reabilitação neuropsicológica refere-se à
neuroplasticidade, que diz respeito à capacidade do cérebro apresentar
modificações morfológicas e funcionais em função da relação existente entre o
organismo e o ambiente que o cerca.
Acreditava-se há bem pouco tempo que finalizado o processo de
maturação e desenvolvimento do sistema nervoso (por volta dos 2 anos de
idade), não mais haveria modificação no sistema nervoso.
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Atualmente, tem sido demonstrado que o ambiente rico em estimulação é
capaz de proporcionar modificações no funcionamento cerebral até mesmo de
pessoas idosas.
Como estas modificações são possíveis?
Alguns trabalhos de pesquisa realizadas em neurônios de animais
invertebrados mostram alterações nas sinapses e na neurotransmissão
decorrentes da estimulação intensa e duradoura nessas células. Foi
demonstrado que esse processo é subjacente à modificação comportamental
observada nos animais (reflexo condicionado, habituação, etc.). Se existe
alteração funcional numa célula nervosa em função da estimulação, é possível
supor que também existam mudanças no funcionamento das células nervosas
de nosso cérebro em função das estimulação ambiental. Mais do que isso,
alguns pesquisadores sugerem que as alterações nas células nervosas sejam
um registro celular nossas experiências, isto é, de nossas memórias (LENT,
2005). De fato, essa hipótese constitui um modelo de estudo para o substrato
molecular da formação da memória. As descobertas deste trabalho foram tão
importantes que deram o prêmio Nobel para um renomado neurocientista
norte-americano, chamado Eric Kandel.
Outra linha de pesquisa em neuroplasticidade mostra que as células
nervosas do sistema nervoso periférico podem se regenerar dependendo das
circunstâncias da lesão. Quando, por exemplo, sofremos um corte profundo no
dedo, tendo atingido o nervo, é possível recuperar sua função através de
procedimento cirúrgico em que é feita a ligação do nervo. Ocorre um tipo de
cicatrização capaz de regenerar a célula. Será que este mesmo fenômeno
poderia ocorrer nas células que constituem o cérebro? A resposta é negativa.
Esse tipo de regeneração, não ocorre nas células nervosa do sistema nervoso
central. Apesar disso, verifica-se que quando uma região do sistema nervoso
central sofre uma lesão, ocorre crescimento da ramificação dos axônios e
dendritos das células vizinhas e formação de novas sinapses (IZQUIERDO,
2011).
A proliferação dos axônios e dendritos da células vizinhas permitiu a
compreensão de um fenômeno conhecido como dor do membro fantasma. Isso
ocorre quando uma pessoa tem um dos membros amputados, como o braço ou
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parte da perna. Algum tempo após a retirada do membro, a pessoa relata sentir
dor ou sensações na região que não existe mais. Isso ocorre porque a parte do
cérebro que contém a representação daquela área, isto é, que recebia as
informações correspondentes àquele membro, sofre um rearranjo celular e
passa a ser utilizadas por outras áreas. Assim, as sensações permanecem.
Novamente temos um exemplo de plasticidade neural, ou modificação da
estrutura do cérebro em função do contato com o ambiente.
Esse mesmo processo indica a possibilidade de reorganização do cérebro
quando alguma região é danificada, seja por lesão, derrames ou outras formas
de injúria. Assim, as funções cognitivas poderiam ser, em alguma medida,
restabelecidas. LENT (2005) considera que diante de uma injúria sofrida no
cérebro, poderiam ocorrer: a) circuitos previamente existentes, mas silenciosos
entrariam em funcionamento em decorrência do dano cerebral; b) estabilização
de conexões transitórias, que desapareceriam em circunstâncias normais, c)
brotamento colateral de axônios vizinhos às regiões lesadas ou inativas.
4. DIVERGÊNCIAS TEÓRICAS
A reabilitação neuropsicológica é um campo novo de atuação estando
sujeito a debate e divergências teóricas no que se refere à sua definição,
abrangência, métodos utilizados.
Vamos conhecer algumas destas divergências. Para tanto, vamos
examinar as definições apresentadas por diferentes autores:
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Wilson (2008) define a reabilitação neuropsicológica como: a melhoria das
capacidades cognitivas, déficits emocionais, psicossociais e comportamentais
causadas por um insulto ao cérebro. Grandes mudanças na reabilitação
neuropsicológica têm ocorrido ao longo da última década. Atualmente baseia-
se principalmente numa abordagem direcionada a objetivos planejados em
parceria tanto com o cliente que sofreu a lesão cerebral, como seus familiares
e profissionais que negociam e seleciona os objetivos a serem alcançados. Há
um reconhecimento generalizado de que a cognição, emoção e funcionamento
psicossocial estão interligados, e todos devem ser alvo de reabilitação.
Gindri et al (2012, p. 343 ) afirma que reabilitação neuropsicológica:
Corresponde a complexo conjunto de procedimentos e tecnicas aplicados
em busca de melhorar a qualidade funcional do paciente em seu cotidiano, à
luz de pressupostos teóricos e abordagens metodológicas das neurociências e
áreas afins. Estão envolvidos neuropsicólogo e paciente, demais profissionais
da equipe interdisciplinar e cuidadores/familiares
Nestas definições fica claro que a intervenção preocupa-se com o
restabelecimento da qualidade de vida do cliente e seus familiares. A ênfase
não recai somente sobre a recuperação das funções cognitivas, mas no
indivíduo como um todo. Alguns autores diferenciam a reabilitação cognitiva da
reabilitação neuropsicológica. A primeira busca recursos e estratégias seja
para recuperar a função cognitiva, seja para amenizar o impacto deste prejuízo,
utilizando-se de estratégias compensatórias.
Cappa et al (2005 apud Macedo e Bagio, 2008, p. 399) colocam:
A reabilitação cognitiva é uma área clínica de atuação interdisciplinar que
busca tanto a recuperação quanto a compensação de funções cognitivas
alteradas decorrentes de dano encefálico.
Já a reabilitação neuropsicológica é mais abrangente, incluindo não só os
aspectos cognitivos, como também os aspectos emocionais, sociais, familiares
(PONTES; HUBNER, 2008), como podemos observar nas definições propostas
por Wilson (2008) e Gindri et al. (2012).
Também pode-se diferenciar entre reabilitação e habilitação. Esta última
denominação seria mais adequada à intervenção realizada com crianças e
adolescentes que ainda não adquiriram a função em questão. Neste caso, o
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que parece prejudicado é o processo de desenvolvimento, sendo importante
estimular o desenvolvimento destas funções.
Esse tipo de intervenção se diferencia dos casos em que houve perda de
uma função que foi desenvolvida normalmente, mas que tornou-se deficiente
em função de um dano cerebral adquirido tardiamente. Nesse caso, a
denominação mais adequada é reabilitação. (GINARTE ARIAS, 2002)
Apesar deste contraponto, o termo reabilitação costuma ser empregado
para ambos os tipos de intervenção. Estende-se, inclusive aos casos de
crianças que sofreram danos cerebrais tardios e às intervenções feitas com
adultos que procuram aprimorar suas capacidades cognitivas para melhor
desempenho ocupacional. (GINDRI et al, 2012)
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Já pelo segundo enfoque, a função não pode ser recuperada. Nesse
caso, emprega-se mecanismos alternativos para compensá-la ou potencializar
habilidades preservadas. Entre as estratégias estão o uso de sinalizadores
externos, mudança no ambiente, reinserção social, reaprendizagem.
No que se refere aos objetivos da intervenção, cabe estabelecer o
alcance da melhora em função do quadro patológico, dos critérios e
características do cliente, familiares e equipe de trabalho.
O foco da intervenção, diferenciam-se em dois tipos: aquelas que
enfatizam os aspectos cognitivos, emocionais e psicossociais, e outras que
restringem-se aos aspectos cognitivos, enfatizando o uso de treino específico
de habilidades. O primeiro tipo é denominada abordagem holística.
No que diz respeito ao ponto de início, considera-se aquelas que buscam
primeiramente aprimorar as habilidades preservadas e aquelas que procuram
recuperar a habilidade perdida.
Os aspectos mencionados acima devem ser esclarecidos a fim de se
definir as etapas do programa de reabilitação.
De um modo geral, as etapas do processo de reabilitação incluem: (DE
ANDRADE, 2008):
1- Encaminhamento;
2- Avaliação: há protocolos de avaliação no mercado que cobrem um
amplo aspecto das funções cognitivas e operacionais. Servem para
estabelecimento de linha de base para a reabilitação;
3- Identificação e negociação dos objetivos;
4- Seleção de abordagens e métodos de intervenção;
5- Estabelecimento de cronograma;
6- Plano de ações;
7- Implantação das intervenções;
8- Avaliação dos resultados.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAIXETA, Leonardo; FERREIRA, Sandra Barboza. Manual de
neuropsicologia: dos princípios à reabilitação. São Paulo: Atheneu, 2012
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Leandro; CAMARGO, Cândida H. Pires; COSENZA, Ramon M. et al.
Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008.
MIOTTO, Eliane C.; de LUCIA, Mara Cristina S.; SCAFF, Milberto (org).
Neuropsicologia Clínica. São Paulo: Rocca, 2012.
PONTES, L.M.M.; HUBNER, M.M.C. Rev. Psiq. Clín, vol 35, n. 1, pp.: 6-
12, 2008.
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