Texto 2 - CATTANI - Dicionário Crítico Sobre Trabalho
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Texto 2 - CATTANI - Dicionário Crítico Sobre Trabalho
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CDU 331.03
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com base nas grandes empresas in- aumento da produtividade pela ele-
dustriais. Os padrões de produção vação constante dos ritmos de tra-
de tais organizações distinguiam- balho. A resistência dos trabalha-
se por aspectos como: a produção dores ao trabalho parcelado e repe-
em massa, principalmente de bens titivo, ao ritmo acelerado e aos bai-
de baixa diferenciação; a produção xos salários causados pela depre-
em linha de montagem, na qual os ciação do valor da força de traba-
produtos eram programados em lho, princípios norteadores dessa
um setor específico e "empurra- forma de organização, que origina-
dos" para as vendas; a mecaniza- ram vários movimentos sociais,
ção do fluxo de produção; a pre- também contribuíram, de forma
sença de estoques, etc. Havia, as- marcante, para o agravamento da
sim, uma padronização do maqui- crise existente (LEITE, 1994).
nário e do equipamento, da mão- Neste quadro de crise, como
de-obra e de materiaprimas. soluções alternativas para o proble-
Porém, com o acirramento da ma da qualidade e da produtivida-
concorrência internacional e com a de, passaram a ser tomados como
globalização da economia, a partir da modelos especialmente o caso ja-
década de 70, em nível mundial, e ponês, o caso sueco na produção
em fins dos anos 80, no Brasil, esse em média série, o caso italiano e o
padrão de acumulação de capital en- alemão. Estes modelos trouxeram
trou em crise devido a fatores como novas estratégias de sobrevivência
a saturação do mercado de bens du- no mercado, por serem capazes de
ráveis, a perda do poder aquisitivo, produzir a baixos custos, com qua-
a entrada de novos países produtores, lidade assegurada e flexibilidade
a formação de blocos regionais. Com de oferta (diversidade e rapidez).
isso, começou-se a buscar novos pa- Porém, observou-se que, para que
drões e modelos de organizações, a tais países servissem de exemplo
fim de se fazer frente a esses novos para outras economias, seriam ne-
desafios de competitividade, por cessárias não apenas mudanças de
meio dos quais as empresas pudes- nível tecnológico, mas, principal-
sem sobreviver. mente, exigir-se-iam novas formas
Além disso, a partir dos anos de organização do trabalho, novas
- 60, a "organização científica do estruturas organizacionais e novos
trabalho", enquanto técnica de do- padrões de relações inter-firmas.
minação do capital sobre o proces- A empresas sentiram, então, a
so de trabalho, deixou de ser eficaz necessidade de passar por um pro-
em seu objetivo fundamental: o cesso de reestruturação produtiva.
140 GESTÃO PARTICIPATIVA
GESTÃO PARTICIPATIVA
Antonio David Cattani
ção de trabalho, revelando a rela- controle que passa a ser cada vez
ção entre controle e produtividade mais um autocontrole (desde o
de uma dada empresa. Esta coerên- controle de sua performance pro-
cia tem que ser assegurada por um dutiva, até o controle de seus esta-
conjunto de princípios e axiomas, dos emocionais), ou seja, o contro-
que vão orientar os métodos e as le de sua subjetividade. A mobili-
técnicas de mobilização e de impli- zação da subjetividade, às habili-
cação/engajamento da força de tra- dades ditas atitudinais e relacionais
balho na empresa. A Gestão, neste são incorporadas então a atividades
sentido, passa a ser uma "tecnolo- de gestão. A capacidade de auto-
gia", tão ou mais importante que a gestão é apreendida pela organiza-
"tecnologia" (hardware) stricto ção e utilizada pela produção. Um
sensu. Neste sentido, as NTG's exemplo dentro desta perspectiva
podem ser entendidas como a "sín- de uma NTG são os Emociogra-
tese" otimizada entre os processos mas, também chamados Kanbans
softwares (leves) e hardwares (du- Emocionais. Trata-se de um painel
ros), como por exemplo sistemas em cada célula produtiva com as
integrados de gerenciamento, do fotos de cada trabalhador, com si-
ponto de vista humano e maquinal, nalizadores em verde, significando
em termos de produtividade. Numa "eu estou OK", em amarelo, "aten-
outra acepção, as NTG's são sobre- ção comigo" e vermelho, signifi-
tudo a transformação do trabalho cando "eu estou precisando de aju-
em atividade de gestão (ALVES da". Cada trabalhador deve então
DE CARVALHO, 1998). sinalizar seu estado emocional, as-
Em princípios da década de 90, sim que chega para trabalhar.
esta nova terminologia começa a As NTG's devem ser, sobretu-
ser adotada. A Gestão torna-se, do, compreendidas como mais uma
então, o 'epicentro' dos processos estratégia do capital na direção de
organizacionais, onde as NTG's cada vez mais aperfeiçoar seus
unificariam a gestão do trabalho, métodos de controle e exploração
de um lado e a gestão do trabalha- da classe trabalhadora.
dor, de outro, antes atividades se-
Bibliografia
paradas. Quanto à gestão do traba-
lhador, este deverá, a partir das ALVES DE CARVALHO, Ricardo. Les
nouvelles technologies de gesUon et la
NTG's, gerir a si próprio (ALVES
mobílisation de la subjectivité dans une
DE CARVALHO, 1997). Nesta usine automobile au Brèsil, Editions du
perspectiva, as NTG's objetivam o Septentrion, Lille, 1997
controle do trabalhador, mas um ALVES DE CARVALHO, Ricardo. As
230 NOVAS TECNOLOGIAS DE GESTÃO -NTG 's
SAÚDE DO TRABALHADOR
Henrique Caetano Nardi
das várias profissões que não esta- Não é uma atividade liberal, pois
belece uma interlocução como, tra- a grande parte dos profissionais é
dicionalmente, tem se dado na Me- empregada de empresas, sindicatos
dicina do Trabalho e na Saúde Ocu- e/ou faz parte do sistema de saúde
pacional, respectivamente. pública e da burocracia do Estado
O contraponto entre a Medici- e, portanto, vai espelhar as práticas
na do Trabalho e a Saúde do Tra- institucionais. Isto, por sua vez,
balhador se explica pela história da aniquila a possibilidade de uma
Medicina do Trabalho no Brasil. suposta neutralidade afetiva com
Pois esta história nos mostra que relação ao trabalhador. Ainda com
ela se diferencia, radicalmente, das referência à análise estrutural-fun-
características da profissão médi- cionalista de Parsons e Freidson, a
ca tal como definidas por Parsons legitimidade do exercício da Medi-
(apud Oliveira, 1995) e Freidson cina do Trabalho não se constrói a
(1988), que estabelecem como o partir de um consenso social de que
objetivo da profissão o bem estar esse conhecimento seja legítimo e,
do paciente e a cura da doença, a desta forma, a procura pelo profis-
partir do modelo de prática liberal sional seja espontânea, uma vez
autónoma e dotada de neutralida- que o trabalhador é obrigado a pas-
de afetiva. A Medicina do Trabalho sar pelo crivo e julgamento de ap-
surge no contexto brasileiro e mun- tidão para o trabalho. O exame
dial a partir da necessidade de o médico é uma exigência legal para
Estado intervir nas relações capi- o acesso ao posto de trabalho e se
tal-trabalho e regulamentar os am- constitui na tarefa principal do
bientes de trabalho. O foco central médico, ou seja, ser o "juiz" dos
dessa Medicina, como o próprio mais aptos, para que a produção
nome denota, é a "saúde" do traba- seja mais "saudável". Este objeti-
lho, da produção e, portanto, não é vo da Medicina do Trabalho en-
a saúde do trabalhador. Esta espe- contra-se explicitado em livros tex-
cialidade médica nasce e se cons- tos básicos para o exercício profis-
titui a partir da regulação de um sional (Schuller Sobrinho, 1995).
corpo de normas legais que define A construção do campo da Saúde
sua prática. Não é autónoma, pois do Trabalhador, como uma reivin-
depende desse corpo de leis, que, dicação do movimento sindical e
por sua vez, expressam, como todo dos técnicos de saúde ligados à re-
corpo legal, as relações de poder forma sanitária, expressando uma
em uma determinada sociedade e, profunda discordância com o mo-
portanto, as relações de classe. delo da prática da Medicina do
286 SA ÚDE DO TRABALHADOR