Portugal e A Europa Nos Séculos XV e XVI - Olhares Relações Identidade(s) - Paulo Catarino Lopes
Portugal e A Europa Nos Séculos XV e XVI - Olhares Relações Identidade(s) - Paulo Catarino Lopes
Portugal e A Europa Nos Séculos XV e XVI - Olhares Relações Identidade(s) - Paulo Catarino Lopes
Coleção ESTUDOS 21
PORTUGAL E A EUROPA
NOS SÉCULOS XV E XVI.
OLHARES, RELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Lisboa 2019
O IEM – Instituto de Estudos Medievais e o CHAM – Centro de Humanidades, ambos Unidades
de Investigação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
(NOVA FCSH), são financiados pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., pelos
projectos estratégicos UID/HIS/00749/2019 e UID/HIS/04666/2019, respectivamente.
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., no âmbito da Norma Transitória – DL 57/2016/CP1453/CT0015.
Colecção Estudos 21
Paginação e execução Ricardo Naito / IEM – Instituto de Estudos Medievais, com base no design de Ana Pacheco
PARTE I
Alteridades e Construções Identitárias................................................... 15
Imagens culturais do Eu e do Outro: Identidade e alteridade em relatos de
viagens dos séculos XV e XVI, entre outros, do Códice Valentim Fernandes....... 17
Yvonne Hendrich
PARTE II
Intercâmbios e Interculturalidade............................................................... 83
Portugal and the Hanseatic League: ca. 1450-1550................................................... 85
Torsten dos Santos Arnold
PARTE III
Olhares e Representações................................................................................ 151
A imagem dos europeus nas crónicas portuguesas do século XV........................ 153
Francisco José Díaz Marcilla
Os portugueses de Quinhentos vistos pelo flamengo
Jan Taccoen de Zillebeke..............................................................................................175
Jorge Fonseca
PARTE IV
Fronteiras e Europeização..............................................................................263
Amigos para a vida? Solidariedades dos estudantes portugueses
na Península Itálica (finais do séc. XIV – inícios do séc. XV)...............................265
Mário Farelo
Os séculos XV e XVI são cruciais nas relações entre Portugal e a Europa, mas
também no percurso individual de cada uma destas entidades, uma nacional
e outra supranacional. Uma ideia há a reter: são duas centúrias impossíveis de
desligar uma da outra, independentemente de tratar-se do campo da política, da
cultura ou da religião. Por isso, preferimos ousar a afirmação os “longos séculos
XV e XVI” à sentença mais tradicional e limitadora do “longo século XVI”1.
Em termos da Europa propriamente dita, trata-se de duzentos anos de
redefinição, sem dúvida – basta pensarmos na Reforma protestante ou na presença
otomana efectiva em solo europeu –; mas de uma redefinição sempre no sentido
das continuidades, isto é, pautada a cada momento por estas. Os dois exemplos
acima referidos bastam para demonstrá-lo: nem a Reforma surgiu despegada do
que a antecedeu (pensemos, por exemplo, em John Wycliffe, c.1328-1384, João
Huss, 1369-1415, ou no próprio movimento da devotio moderna, que, iniciado
na segunda metade de Trezentos, tem largas e impactantes repercussões no
continente europeu); nem a presença otomana teve início na segunda metade do
século XV, mas sim muito antes.
1
Veja-se sobre esta temática John Rigby HALE, A Civilização Europeia no Renascimento, Lisboa,
Editorial Presença, 2000, pp. 19-20 e 23-100.
10 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
2
Como poderia tal ter acontecido sendo a Cristandade tão elástica desde a sua fundação.
3
Jacques LE GOFF, O Imaginário Medieval, Lisboa, Editorial Estampa, 1994, p. 20.
INTRODUÇÃO 11
enraizado nesta sociedade de charneira, pelo que é impossível que novas práticas e
orientações, quer políticas quer culturais e religiosas, se manifestem sem o peso
da herança dos séculos anteriores. É um facto a coexistência de técnicas, ideias,
estilos, modelos e gostos4.
Partindo da análise de fontes tipologicamente muito diferentes (cronísticas,
documentais, epistolares, iconográficas, entre outras), quer portuguesas quer es-
trangeiras, é objectivo desta antologia reflectir de forma crítica sobre a composição
e descrição de paisagens5 europeias no período em questão. Naturalmente, uma
atenção especial é dada à relação entre Portugal e o continente de que faz parte:
se por um lado se visa indagar sobre a forma como em Portugal, nos séculos XV
e XVI, se projectava o espaço europeu, por outro ambiciona-se identificar a natu-
reza das representações construídas entre Portugal e a Europa. Noutra vertente,
buscam-se respostas válidas para questões centrais como o carácter e a constância
das relações mantidas com os diversos territórios europeus.
As representações que suportavam as figurações desenvolvidas denunciavam
identidades cada vez mais marcadas, mas também traziam consigo, ainda que na
maioria das vezes de forma pouco declarada, evocações de uma consciência relati-
vamente a um espaço e uma herança cultural comuns. Um sentimento precursor
(ainda que, como destacámos, em continuidade, pois, os seus fundamentos locali-
zam-se num “longo” tempo anterior), que não se identifica já exclusivamente com
o conceito de Cristandade ou com a ideia imperial, mas que respeita à definição de
uma “outra” identidade europeia6 fundada especialmente no contacto com o Turco
e com as novidades oriundas dos territórios longínquos recentemente alcançados
pelos reinos ibéricos (o Eu-civilizacional literalmente explode e expande-se neste
4
A história é contínua como salienta António José Saraiva: “Não que novas e miraculosas entidades
tivessem descido ao palco ou mudado a substância das coisas. Na verdade, nenhum dos factos que
apontamos pode considerar-se sem precedentes. (…) O renascimento é o resultado de um processo histórico
iniciado no seio do mundo feudal. (…) Seria, pois, um erro pensar que o Renascimento é uma irrupção
miraculosa de forças nascidas do nada; e seria um erro também considerá-la como uma entidade feita,
uniforme, acabada, independente do espaço e do tempo”. O mesmo realça Jean Delumeau para quem é
profundamente errónea a ideia de que “um corte brutal terá separado um tempo de trevas de uma época
de luz”. António José SARAIVA, História da Cultura em Portugal, vol. II, Lisboa, Jornal do Fôro, 1953,
pp. 16-17; Jean DELUMEAU, A Civilização do Renascimento, Lisboa, Edições 70, 2004, p. 9.
5
Preferimos o conceito de paisagem às noções de espaço ou território devido à maior abrangência
e amplitude interpretativa do mesmo. É uma opção metodológica importante ao nível da análise, pois a
paisagem consiste no resultado da interacção dos elementos físicos (formações geológicas), naturais (fauna
e flora) e culturais, ou seja, fruto da intervenção humana (por exemplo, obras de arquitectura, urbanismo
e paisagismo). Estamos, assim, perante um conceito bastante flexível que decorre das correlações entre
elementos antrópicos, biológicos e físicos. Entre a natureza e a sociedade. De tal combinação resulta que as
paisagens constituem uma síntese viva de pessoas e lugares, sendo por isso vitais para qualquer construção
identitária (local, regional e/ou nacional). É esta, afinal, a essência do que faz diferenciar uma região
de outras regiões. Noutra vertente, o conceito de paisagem implica logo à partida uma dimensão viva e
diacrónica, que tem em conta a evolução e o desenvolvimento.
6
Ou, se preferirmos, protoidentidade.
12 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
7
Patrick J. GEARY, O mito das nações. A invenção do nacionalismo, Lisboa, Gradiva, 2008, p. 19.
8
Aqui é forçoso realçar a contribuição, ainda que muito lenta e diversificada, dos relatos tardo-medievais
de viagens. Veja-se Paulo Catarino LOPES, “Os livros de viagens medievais”, Medievalista (on-line), Instituto
de Estudos Medievais (IEM), ano 2, número 2, 2006.
9
Fernand BRAUDEL, História e Ciências Sociais, Lisboa, Editorial Presença, 1990, p. 10.
10
Idem, Gramática das Civilizações, Teorema, Lisboa, 1989, p. 42.
11
BRAUDEL (1990), 10.
12
Fernand Braudel designa-o de “tempo breve, à medida dos indivíduos, da vida quotidiana, das
nossas ilusões, das nossas rápidas tomadas de consciência.” BRAUDEL (1990), 10.
INTRODUÇÃO 13
13
Ibidem, p. 12.
14
A este respeito é importante a contribuição de Georges Duby quando realça que “convém com efeito
aplicar ao estudo das mentalidades o esquema proposto por Fernand Braudel, que convida a distinguir no
tempo passado diferentes patamares e especialmente três grandes ritmos de duração – dito de outro modo,
três histórias […]. Micro-história, ‘atenta ao tempo breve, ao indivíduo, ao acontecimento’, a das pequenas
notícias e do drama, a da superfície; história com oscilações de média amplitude, escandidas por fases
de alguns decénios, que poderíamos chamar ‘conjuntural’ […]; história mais profunda, ‘de longa, mesmo
muito longa duração’, que, ela, conta por séculos.” Georges Duby, Para uma História das Mentalidades,
Lisboa, Terramar, 1999, pp. 34-35.
14 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
15
Martim de ALBUQUERQUE, A ideia de Europa no pensamento português, Lisboa, Verbo, 2014,
pp. 11-18.
16
Idem, ibidem.
17
Idem, ibidem.
Parte I
Alteridades e
Construções Identitárias
Imagens culturais do Eu e do Outro:
Identidade e alteridade em relatos de
viagens dos séculos XV e XVI, entre
outros, do Códice Valentim Fernandes
Yvonne Hendrich1
Resumo
Palavras-chave
Abstract
Keywords
confronto com o Outro. Visto que a contraposição para com o Outro – e assim a
perceção, avaliação e categorização pelos europeus – faz com que se evidenciem
determinados modelos de interpretação e disposições comportamentais que,
portanto, determinam a construção do próprio Eu. Neste enquadramento “os
Descobrimentos Portugueses contribuíram não só para que a Europa descobrisse
um novo mundo, mas também para que a Europa se descobrisse a si própria”2.
Os viajantes europeus – como é visível nos relatos mais conhecidos, p. ex., de
Cristóvão Colombo, Pêro Vaz de Caminha ou Amérigo Vespucci – avaliavam o
Outro sob uma lógica preestabelecida e modulada pelos seus referenciais culturais,
que iria desembocar numa visão e apropriação etnocêntrica dos Novos Mundos.
Essencialmente, o presente artigo debruçar-se-á sobre o discurso estabelecido
pelo lado europeu com base no seu próprio sistema de valores, códigos referenciais
e modelos de conduta perante a diversidade cultural encontrada nos Novos Mundos
e a subsequente construção da alteridade. Este discurso revela-se caraterístico
para a maioria dos relatos de viagens que testemunham os primeiros contactos
dos europeus com os seres humanos, fauna e flora das terras e dos mares nunca
dantes navegados. Neste contexto, o artigo pretende expor de que maneira as
informações antropológicas, geográficas e etnográficas sobre as regiões recém-
-descobertas eram processadas e transmitidas através do prisma europeu pelos
viajantes e cronistas. A este respeito, a análise textual focará alguns excertos do
assim chamado Códice Valentim Fernandes, uma coletânea de cerca de 350 folhas
de cópias de diários de bordo e relatos de navegações portuguesas para a África e a
Ásia durante o século XV e o início do século XVI. Este convoluto de manuscritos
contém documentos redigidos em latim e em português, coligidos por Valentim
Fernandes no segundo quinquénio do século XVI.
Valentim Fernandes, célebre tipógrafo oriundo da Morávia (no sudeste da
atual República Checa), que viveu em Portugal a partir dos anos 90 do século
XV até à sua morte, ocorrida em 1518 ou 1519, desempenhava um importante
papel de intermediário nas relações luso-alemãs no início do século XVI e exercia
também funções de corretor e tabelião dos mercadores alemães residentes em
Lisboa e envolvidos no comércio de especiarias3. O próprio Valentim Fernandes
tinha um notável interesse nas viagens marítimas portuguesas, como demonstra
2
Marília dos Santos LOPES, “Os descobrimentos portugueses e a Europa”, Mathésis, Vol. 9 (2000),
p. 234.
Ver também Yvonne HENDRICH, Valentim Fernandes – Ein deutscher Buchdrucker in Portugal um
3
die Wende vom 15. zum 16. Jahrhundert und sein Umkreis, Frankfurt/Main, Peter Lang, 2007, pp. 179-217;
Idem, “De insulis et peregrinatione lusitanorum – Valentim Fernandes als Vermittler von Informationen
zwischen Portugal und Oberdeutschland zu Beginn des 16. Jahrhunderts”, in Thomas Horst, Marília
dos Santos Lopes e Henrique Leitão (eds.), Renaissance craftsmen and humanistic scholars: circulation of
knowledge between Portugal and Germany, Frankfurt/Main, Peter Lang, 2017, pp. 102-120.
20 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
4
No início do séc. XIX, a compilação foi adquirida pela Biblioteca de Munique. Na Biblioteca
Nacional de Lisboa existe uma cópia datada de 1848 (Manuscritos Iluminados [IL], 154). O Códice tornou-
se conhecido devido à descrição minuciosa em Johann Andreas SCHMELLER, Über Valentim Fernandez
Alemão und seine Sammlung von Nachrichten über die Entdeckungen und Besitzungen der Portugiesen
in Afrika und Asien bis zum Jahre 1508, enthalten in einer portugiesischen Handschrift der königl. Hof-
und Staats-Bibliothek zu München (Abhandlungen der K. Bayerischen Akademie der Wissenschaften,
Philosophisch-philologische und Historische Klasse; 4, 3), München, Verlag der K. Akademie, 1847.
Existem duas edições críticas publicadas pela Academia Portuguesa da História: O manuscrito “Valentim
Fernandes”, oferecido à Academia por Joaquim Bensaúde. Leitura e revisão das provas por António Baião,
Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1940; Códice Valentim Fernandes, oferecido pelo académico
titular fundador Joaquim Bensaúde. Leitura paleográfica, notas e índice pelo académico José Pereira da
Costa, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1997. As citações serão feitas tendo como referência a
edição de 1997. Por sua vez, as notas da autora serão assinaladas entre parênteses retos.
5
Códice Valentim Fernandes (1997), 123.
6
HENDRICH (2007), 201-202; HENDRICH (2017), 109-110.
7
Damião de Góis citado por Amadeu TORRES (ed.), Noese e crise na epistolografia latina Goisiana,
vol. 1: As cartas latinas de Damião de Góis, Amadeu Torres (Introdução, texto crítico e edição), José V. de
Pina Martins (Prefácio), Paris, Fundação Calouste Gulbenkian / Centro Cultural Português, 1982, p. 188.
IMAGENS CULTURAIS DO EU E DO OUTRO – IDENTIDADE E ALTERIDADE EM RELATOS DE [...] 21
8
António A. Banha de ANDRADE, Mundos Novos do Mundo. Panorama da difusão, pela Europa, de
notícias dos Descobrimentos Geográficos Portugueses, 2 vols., Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar,
1972, pp. 532-555, 484-488. Ver também Maria Isabel Tavares RODRIGUES, O Códice de Valentim
Fernandes. Um texto de discursos marcados pela alteridade, Tese Mestrado Interdisciplinar em Estudos
Portugueses apresentada à Universidade Aberta, Lisboa, [s.n.], 2000, pp. 66-76.
9
Alguns excertos tinham sido publicados pela primeira vez por Friedrich Kunstmann em meados
do séc. XIX. Friedrich KUNSTMANN, Valentin Ferdinand’s Beschreibung der Westküste Afrika’s bis
zum Senegal (Abhandlungen der Historischen Classe d. Königl. Bayer. Akademie der Wissenschaften; 8,
1), München, Verlag der K. Akademie, 1856, pp. 221-285; Idem, Valentin Ferdinand’s Beschreibung der
Westküste Afrika’s vom Senegal bis zur Serra Leoa (Abhandlungen der Historischen Classe d. Königl. Bayer.
Akademie der Wissenschaften; 8, 3), München, Verlag der K. Akademie, 1860, pp. 784-825; Idem, Valentin
Ferdinand’s Beschreibung der Serra Leoa mit einer Einleitung über die Seefahrten nach der Westküste Afrika’s
im vierzehnten Jahrhunderte (Abhandlungen der Historischen Classe d. Königl. Bayer. Akademie der
Wissenschaften; 9, 1), München, Verlag der K. Akademie, 1862, pp. 111-142. Ver também Abel Fontoura
da COSTA, Cartas das Ilhas de Cabo Verde de Valentim Fernandes (1506-1508), Lisboa, Div. de Publ. e
Biblioteca, Agência Geral das Colónias, 1939.
10
Ver também Diogo Gomes de SINTRA, Descobrimento primeiro da Guiné, Aires A. Nascimento
(ed.), Henrique Pinto Rema (introd. hist.), Lisboa, Colibri, 2002.
22 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
11
Temos conhecimento de um ato notarial de Valentim Fernandes de 1503 sobre uma expedição ao
Brasil. Fernandes redigiu o texto que contém também descrições etnográficos dos indígenas e da fauna e
flora exóticas segundo o testemunho dos viajantes regressados: “Et/Ego Valentinus fernandi de marouia/
auctoritate eiusdem inuictissimi regis portugallie/ publicus Tabello has presentes Litteras legi coram/regia
Maiestate et suis Baronibus atque supremis/ capitaneis et pilotis seu nauium guberna-/toribus terre supra-
dicte Antipodum nomine/nouo Terra Sancte crucis, (...)”. O original infelizmente já não existe, mas há uma
versão de 1504 em latim denominada Navigatio Portugallensium ultra aequinoctialem circulum, traduzida
e autenticada pelo clérigo e tabelião Silverius Wyenhorst em Colónia. O documento, que faz parte do Codex
Peutingerianus, i.e., uma coleção de manuscritos na posse de Konrad Peutinger, encontra-se na Biblioteca
Estatal de Estugarda (Württembergische Landesbibliothek, Cod. hist. 2° 248, fls. 54-55); HENDRICH
(2007), 192-196.
12
Códice Valentim Fernandes (1997), 19 e 162. Também na carta ao mercador alemão Stefan Gabler
em Nuremberga (26 de junho de 1510), Valentim Fernandes afirma que “até agora os pilotos estão ainda
todos em casa do rei e têm que fazer. Depois também sou informado”. A citação provém da tradução
portuguesa da carta, feita por António BRÁSIO, “Uma carta inédita de Valentim Fernandes”, Boletim da
Biblioteca da Universidade de Coimbra, vol. 24 (1960), p. 358. O original da carta encontra-se no arquivo
do Museu Nacional Germânico em Nuremberga. Germanisches Nationalmuseum – Historisches Archiv
IMAGENS CULTURAIS DO EU E DO OUTRO – IDENTIDADE E ALTERIDADE EM RELATOS DE [...] 23
(GNMN, HistA)/ Nürnberg: RSt Nürnberg XI, 1d, fol. 3v: “(…) wen biß her sayn die pylotñ noch alle bay
dem konig vnd habñ zu schaffñ dornoch werñ sie mir auch zu tayl”.
13
José da Silva HORTA, “A representação do africano na literatura de viagens, do Senegal à Serra
Leoa (1453-1508)”, Mare Liberum, N° 2 (1991), pp. 209-339 (p. 325).
14
Edward E. JONES, George C. WOOD e George A. QUATTRONE, “Perceived Variability of
Personal Characteristics in In-Groups and Out-Groups. The Role of Knowledge and Evaluation”, Journal of
Personality and Social Psychology, N° 38 (1981), pp. 141-152.
24 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
15
Tzvetan TODOROV, A conquista da América: a questão do outro, Beatriz Perrone Moíses (trad.),
São Paulo, Martin Fontes, 1999, p. 223.
16
TODOROV (1999), 41.
IMAGENS CULTURAIS DO EU E DO OUTRO – IDENTIDADE E ALTERIDADE EM RELATOS DE [...] 25
“A América não é descoberta como algo que resiste distinta, como o Outro,
mas como a matéria onde é projetado o si-mesmo. Então não é o aparecimento
do Outro, mas a projeção do si-mesmo: encobrimento. (...) a terra tinha sido
des-coberta como o lugar da história mundial; pela primeira vez aparece
uma quarta parte (América) que se separa da quarta península asiática, onde
uma Europa se autointerpreta, também, pela primeira vez, como centro do
17
Carta de P. Vaz de Caminha (1500) citada por Paulo Roberto PEREIRA (org.), Os três únicos
testemunhos do descobrimento do Brasil: Carta de Pero Vaz de Caminha, Carta de Mestre João Faras, Relação
do Piloto Anônimo, Rio de Janeiro, Lacerda, 1999, p. 54.
26 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
18
Enrique DUSSEL, 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Conferências
de Frankfurt, Jaime A. Clasen (trad.), Petrópolis, Vozes, 1993, pp. 35-36.
19
Trata-se, nomeadamente, das descrições da costa noroeste africana até à Serra Leoa, das ilhas
atlânticas e da Guiné. A origem do topónimo Guiné é explicada da seguinte maneira: “A gente desta terra
chamam guyneus que quer dizer como negros E por esso os portugueses poseram nome a toda esta terra
Guynee.” Códice Valentim Fernandes (1997), 56.
20
Marília dos Santos LOPES, Da Descoberta ao Saber. Os Conhecimentos sobre África na Europa dos
séculos XVI e XVII, Viseu, Passagem Editores, 2002, p. 69.
21
Hendrich (2007), 203-205.
IMAGENS CULTURAIS DO EU E DO OUTRO – IDENTIDADE E ALTERIDADE EM RELATOS DE [...] 27
Esta tendência comum, como salienta Marília dos Santos Lopes acima citada,
de recorrer à comparação com animais ou plantas conhecidos para conseguir dar
expressão àquilo que é considerado alheio, apresenta-se nitidamente ilustrada nos
seguintes excertos:
“Papagayos verdes e muytos (...) ha nesta terra E muytas outras aues differentes
aas nossas em coores e feyções / papagayos pardos com rabo roxo. (...) E
junto com esta ylha ha outra ylha a qual tambem criam pellicanos e muytas
outras aues. (...) Estes pellicanos som tam grandes (...) / ho pescoço alto e
direito / os pees como de cyrne se nom que sam brancos e nadam tambem
(...) / E ho bico longo açerca de couodo e gordo e muy feo / E debaixo do bico
tem hũu papo muy grande que delles fazem hũu barrete de orelhas. Estes
pellicanos nom som aquelles de que os livros rezam que criam seus filhos de
sua sangue se nom os portugueses poserom nome a estas aues pelicano por
respecto da pelle que lhe tiram e esfollam com suas penas.”23
“Ha nesta ilha [São Tomé] hũas aruores que pareçem que cheguam ao ceo e
todas lijas se nom hũas ramas no mais alto como hũu pinheyro cortado e se
alimpa de sy mesmo sem nenguem cortar / E destas aruores som tam grossas
que podem fazer tauoa de 25 palmos / E dixe Gonçalo Piriz que vira XV
homens cortar em hũa aruore sem verem hũus a outros (...)”24
“E aquela terra meridional [Guiné] está cheia de árvores de frutos, mas outra
espécie de frutos, e as árvores são tão grossas e de tamanha altura que só
22
LOPES (2002), 70.
23
Códice Valentim Fernandes (1997), 84, 25-26. Na respetiva folha no manuscrito encontra-se, à
esquerda, um rascunho do dito pelicano desenhado por Valentim Fernandes.
24
Códice Valentim Fernandes (1997), 173-174.
28 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
vendo se pode crer. E eu digo com verdade que vi grande parte do mundo,
mas não vi coisa parecida.”25
“[Gran Canária] Nom tem ouro nem prata nem dinheyros nem joyas nem
artelharia se nom pedras fazem de que se aproueitam em lugar de cuytellos
com que fazem as casas em que viuem (...).”27
“[Teneriffa] Nom tem armas saluo pedras e (...) varas a maneyra de dardos.
E algũus lhe chentam hũu corno agudo a maneyra de ferro, porque nom tem
ferro nem aço. (...) Nom tem casas de paredes nem de palha. E moram em
lapas e couas de montanhas.”28
25
Martin BEHAIM, “Do Primeiro Descobrimento da Guiné, Segundo Relato de Diogo Gomes”, in
José Manuel Garcia (org.), Viagens dos Descobrimentos, Lisboa, Presença, 1983, pp. 25-54 (p. 35).
26
Relação do Piloto Anônimo (1500), citado por PEREIRA (1999), 77.
27
Códice Valentim Fernandes (1997), 124.
28
Códice Valentim Fernandes (1997), 185.
29
Cadamosto citado por LOPES (2002), 71.
IMAGENS CULTURAIS DO EU E DO OUTRO – IDENTIDADE E ALTERIDADE EM RELATOS DE [...] 29
“Eles não lavram nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem
ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao
viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e
dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam.”30
“Nesta terra não vimos ferro e faltam-lhes outros metais. E cortam a madeira
com pedras (...).”31
“Todos [em Gran Canária] andarom nuus e soomente traziam hũa forcadura
de palmas de cores derrador por bragas que lhe cobrem sua vergonha E
muytos som que as nom trazem (...). [Teneriffa] Elles andam nuus saluo a
vergonha cuberta com pelle de cabrito. E pello frio trazem hũa pelle de cabra
diante, outra detras ate ho cuu (...).”33
“[Serra Leoa, povo dos Mandingas] As moças virgeens e que nom som
corruptas por sua gloria e honrra andam de todo nuas sem cubrir sua
vergonha (...). [povo dos Banhuns] As moças virgeens trazem hũu panno
pequeno por de tras ho cuu coberto E por diante anda descoberta e nuu que
lhe pareçe todo ata que he corrupta emtam cobre sua vergonha.”34
30
Carta de P. Vaz de Caminha (1500), citada por PEREIRA (1999), 54.
31
Relação do Piloto Anônimo (1500), citado por PEREIRA (1999), 77.
32
HORTA (1991), 305, ênfase no original.
33
Códice Valentim Fernandes (1997), 124, 185.
34
Códice Valentim Fernandes (1997), 82, 95.
30 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
“De aspecto, esta gente são homens pardos, e andam nus sem vergonha e os
seus cabelos são compridos. E têm a barba pelada. (...) As mulheres andam
do mesmo modo sem vergonha e são belas de corpo, os cabelos compridos.”38
“E assy que onde ante vivyam em perdiçom das almas e dos corpos, viinham
de todo receber o contrairo; das almas, em quanto eram pagaãos, sem
claridade e sem lume da sancta fe; e dos corpos, por viverem assy como
bestas, sem alguna ordenança de criaturas rezoavees, ca elles nom sabyam
que era pam nem vinho, nem cobertura de pano, nem allojamento de casa,
e o que peor era, a grande ignorancia que em elles avya, pella qual nom
avyam alguun conhecimento de bem, soomente viver em huna occiosidade
bestial.”39
35
Códice Valentim Fernandes (1997), 70, 73.
36
HORTA (1991), 326.
37
Carta de P. Vaz de Caminha (1500) citado por PEREIRA (1999), 35.
38
Relação do Piloto Anônimo (1500) citado por PEREIRA (1999), 77.
39
Gomes Eanes de ZURARA, Crónica dos Feitos da Guiné, António J. Dias Dinis (ed.), Lisboa,
Agência Geral das Colónias, 1949, p. 129.
IMAGENS CULTURAIS DO EU E DO OUTRO – IDENTIDADE E ALTERIDADE EM RELATOS DE [...] 31
“[Teneriffa] Nom tem ffe algũma nem conheçem a Deus, hũus adoram o Sol,
outros a lua, outros outras estrellas, e tem ix maneyras de ydolatrias.”41
“Todas aldeas da Serra Lyoa teem hũa ffe e som ydolatras E creem que os
ydolos lhes podem ajudar e socorrer em suas necessidades E tem muytos
ydolos porem cada aldea tem hũu ydolo geeral a todos a quem elles chamam
Cru. (...) E esta aruore por todas aldeas tem por seu deus Cru. (...) assim
que o seu ydolo Cruu sempre tem no lugar antijgo de seus antecessores
que a nenhũu lembra se nom alli. (...) se algũa pessoa adoeçe vam se aos
feyticeyros que lhes deyte sortes proque he doente ho qual sempre acha que
os ydolos lhe fazem aquella doença e mandam que lhe matem uma cabra ou
galinha porque destas cousas acustumam de sacrificar.”42
“Os negros deste ryo cõtra ho cabo verde som pella maior parte maffometanos
ajinda que muytos ydolatras antre elles porem deste ryo auante todos som
ydolatras E em aquello que tomam vontade em aquello creem e adoram
fazer ydolos de paus e pedras e adoram aruores e formigueyros (...) e delles
chamam a seu deus Cru E quando juram dizem Cru Cru bissa contenteryn
e aquella he a maior jura que elles fazem.”43
40
Sobre as crenças do Senegal à Serra Leoa descritas nos relatos quatrocentistas ver também HORTA
(1991), 255-284.
41
Códice Valentim Fernandes (1997), 186.
42
Códice Valentim Fernandes (1997), 102-103, 105.
43
Códice Valentim Fernandes (1997), 97-98.
32 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Considerações finais
44
HORTA (1991), 276-277.
45
HORTA (1991), 326.
IMAGENS CULTURAIS DO EU E DO OUTRO – IDENTIDADE E ALTERIDADE EM RELATOS DE [...] 33
“(...) os autores transmitiam, sem dúvida, factos objetivos sobre a nudez, (...)
as religiões pagãs e sociedades muito distintas; factos que, contudo, viriam a
ser simultaneamente critérios de avaliação em conformidade com os valores
europeu-cristãos (...). Estes critérios de avaliação morais e sociopolíticos,
enraizados na consciência da própria superioridade europeia, bem como a
absolutização da própria cultura e ordem social distorciam a imagem (...), e
levavam a traços imprecisos e indiferenciados (...).”47
46
HORTA (1991), 324.
47
Citação traduzida pela autora. Original: “(…) dann übermittelten die Autoren zweifellos
objektive Tatbestände über Nacktheit, (…) heidnische Religionen sowie über andersartige Gesellschaften;
Tatbestände, die allerdings zugleich entsprechend den europäischen und christlichen Wertvorstellungen
zu Bewertungskriterien wurden. (…) Moralische und sozialpolitische Beurteilungskriterien, die im
Bewusstsein der eigenen europäischen Überlegenheit wurzelten, die Verabsolutierung der eigenen Kultur
und der eigenen gesellschaftlichen Ordnung verzerrten das Bild (…) und führten zu (…) grobgezeichneten,
undifferenzierten Zügen (…)”. Hans-Joachim KÖNIG, “Vielfalt der Kulturen oder europäisches Muster?
Amerika und Indios in frühen deutschen Schriftzeugnissen”, in Adriano Prosperi e Wolfgang Reinhard
(eds.), Die Neue Welt im Bewußtsein der Italiener und Deutschen des 16. Jahrhunderts, Berlin, Duncker &
Humblot, 1993, pp. 175-213 (p. 194).
34 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
48
Marília dos Santos LOPES, “Portugal: uma fonte de novos dados. A recepção dos conhecimentos
portugueses sobre África nos discursos alemães dos séculos XVI e XVII”, Mare Liberum, N° 1 (1990), p. 212.
IMAGENS CULTURAIS DO EU E DO OUTRO – IDENTIDADE E ALTERIDADE EM RELATOS DE [...] 35
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Views of alterity:
the construction of an idea of Europe
by “non-Europeans”
Amélia Polónia1
Abstract
Assuming that there was no concept of Europe in the early modern period,
less yet among the “Europeans”, this paper intends to show that the visions
of the non-Europeans mostly contributed to the creation of an image of
Europe and even more of the Europeans. Assuming that identity processes
are fueled by mechanisms of representation and self-representation, this
hypothesis will be tested in the analysis of the relationship of the Portuguese
and Europeans with “other” spaces, cultures and peoples, departing from the
East and Far East.
Keywords
1
Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» – Faculdade de Letras da
Universidade do Porto (CITCEM-FLUP).
40 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Resumo
Palavras-chave
This contribution will try to present some notes on just two main topics:
− How historical “outside views”, and “outside historiography” contributed to
the vision of an in fact inexistent “Europe”, in the Early Modern Age;
− How “other” discourses, sources and historiographies are called to the
building of new perspectives on the history of European colonial empires;
The paper hypothesizes, beginning with the idea that Europe as such was a
reality and a concept not at all consolidated in the Early Modern Age, less yet by the
“European” agents and powers, that, to some extent, the vision of non-Europeans
reinforced the construction of a vision of “Europe” or, more accurately, of the
“European”. In India, Europeans were referred to as ‘firinghi’, meaning foreigner,
but also as ‘topiwala’, “the heat men”. They became object of historiographic
analysis as European colonizers – again a category defined by their position
towards third parties. Such categories are obviously heterogeneous. However, the
term subsumes people, cultures, and political projects under the same status. This
is not new: in Early Modern Lisbon or Seville, the concept of “Italian nation” or
“German nation” is applied to groups or communities, thus aggregates, when those
sets of people are in fact, inside, quite fragmented, heterogeneous and frequently
conflictive. The same happens overseas with the “European colonizers”.
VIEWS OF ALTERITY: THE CONSTRUCTION OF AN IDEA OF EUROPE BY “NON-EUROPEANS” 41
2
Amélia POLÓNIA, The power of the commoners. Crown versus individuals in the Portuguese Overseas
Expansion [Forthcoming].
42 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
tors simply did not understand the complex cultural patterns and societies the
European encountered.
Summing up, a more global, transnational and transcultural approach to
colonial dynamics, as well as a more complex analysis based on mechanism of
cooperation and on the role of brokers and go-betweens (both European and
non-European) requires cross-regards. And it applies, in the Portuguese case, to
Africa, Brazil, and with even more evidence, to Asia.
As for Portuguese studies on early modern colonialism in the East, the
need and the benefits of such non-European contributions are quite clear. Can
we imagine the state of the art on the Portuguese presence in the Indian Ocean
without the works of Michael Pearson, Sanjay Subrahmanyam, without the
contributions of Kirti Chaudhuri (co-editor, with Francisco Bethencourt, of a
History of Portuguese Overseas Expansion)? We should also acknowledge the
influence of Ashin Das Gupta10 and Arasaratnam11 or of Chakrabarty12, whose
works are basic reading in most Indian universities.
Transcultural and transimperial approaches to the European presence are
also abundant in Indian historiography, mostly on the Coromandel Coast. Apart
from the numerous works edited by Om Prakash, namely The Trading World of
India and Southeast Asia in the Early Modern Period13, we could also mention
Radhika Seshan’s14 work on the same topic. Journals on World History and
research centers on Asian maritime studies are prolific and provide studies on the
Portuguese and the European in the Indian Ocean. The more recently concept of
“Connected worlds” by proposed by Sanjay Subrahmanyam is already common
place in Portuguese historiography, by showing how the different colonial
territories were connected, and a merely regional history does not provide a
critical analysis of the real functioning of empires.
There is another new trend – or, if not new, it is certain to generate much
future mutual benefit. I am referring to the joint editions of European and non-
European authors, on subjects that simultaneously affect different worlds and
from which studies on the Portuguese expansion in Asia highly benefit: I could
10
A. Das GUPTA, Malabar in Asian Trade, 1740-1800, Cambridge, Cambridge University Press, 1967;
Idem, Indian Merchants and the Decline of Surat: c. 1700-1750, in collection Beitrage zur Sudasienforschung,
Wiesbaden, Steiner, 1978 [reprinted in India by Manohar Publishers, Delhi, 1994].
11
Sinnappah ARASARATNAM, Merchants Companies and Commerce on the Coromandel Coast,
1650-1750, Delhi, Oxford University Press, 1986.
12
Dipesh CHAKRABARTY, Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference,
Princeton, Princeton University Press, 2000.
13
Om PRAKASH, “The Trading World of India and Southeast Asia in the Early Modern Period”,
Archipel, vol. 56 (1998), pp. 31-42.
14
Radhika SESHAN, Trade and Politics on the Coromandel Coast, seventeenth and early eighteenth
centuries, Delhi, Primus Books, 2012.
VIEWS OF ALTERITY: THE CONSTRUCTION OF AN IDEA OF EUROPE BY “NON-EUROPEANS” 45
15
Rila MUKHERJEE, Vanguards of Globalization. Port Cities from the Classical to the Modern, Delhi,
Primus Books, 2014; Idem, Ocean Connect. Reflection on Water Worlds across time and space, Delhi, Primus
Books, 2013; Idem, Networks in the First Global Age, 1400-1800, Delhi, Primus Books, 2011.
16
Tang KAIJIAN, Setting off from Macau. Essays on Jesuit History during the Ming and Qing
Dynasties, Leiden, Brill, 2016.
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17
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18
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19
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Sangre y heráldica en el siglo XVI:
las noblezas ibéricas y su identidad en
una perspectiva europea. Unas notas
José Antonio Guillén Berrendero1
Resumo
Con este título, pretendemos ofrecer una visión desde la óptica de la historia
cultural, del papel representativo que tuvo la heráldica para identificar a los
honrados de los no honrados en el siglo XVI, momento de especial sensibilidad
por la penetración en ambos reinos de los Estatutos de Limpieza de Sangre.
La relación directa entre sangre como factor biológico discriminatorio, la
heráldica como patrimonio exclusivo de la nobleza y la dimensión cosmopolita
que estas realidades trazaron en la Europa post-tridentina, son los ejes de
nuestra ponencia. Analizar, cómo en la heráldica, podemos encontrar todo
un discurso sobre la sangre y la nobleza, relato además, que representó un
factor indudable de transformación del discurso social hegemónico hasta ese
momento.
Palavras-chave
Abstract
With this title, we intend to offer a vision from the perspective of cultural
history, of the representative role that heraldry had to identify the honored
of those not honored in the 16th century, a moment of special sensitivity for
penetration in both kingdoms of the Statutes of Cleaning of Blood. The direct
relationship between blood as a discriminatory biological factor, heraldry as
exclusive patrimony of the nobility and the cosmopolitan dimension that
these realities traced in post-Tridentine Europe, are the axes of our paper.
Analyze, how in heraldry, we can find a whole discourse on the blood and
nobility, story also, which represented an undoubted factor of transformation
of the hegemonic social discourse until then.
Keywords
2
Barthelemey de CHASSANEAU, Catalogus gloriae mundi, laudes, honores, excellentias ac
preeminentias omnium fere statuum, Lugduni, 1546.
3
Elena VARELA MERINO, Los galicismos en el español de los siglos XVI-XVII, vol. I, Madrid,
Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2009, p. 111,
SANGRE Y HERÁLDICA EN EL SIGLO XVI: LAS NOBLEZAS IBÉRICAS Y SU IDENTIDAD EN UNA [...] 51
4
Antonio de Sousa de MACEDO, Flores de España, excelencias de Portugal, Lisboa, Jorge Rodriguez,
1631, f. 465 v.
52 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Primero de todo debemos partir de la génesis del sistema heráldico y sus primeros
agentes, a pesar de que no serán los Reyes de armas ni tan siquiera los heraldos,
Con independencia de este hecho, debemos considerarlos como agentes del
honor, como verdaderos artífices de un sistema de comunicación del honor y la
reputación. Sí, como se indica en el caso castellano5, el primer armorial conocido
es el Libro de la cofradía de Santiago de Burgos, del siglo XIV, en el ámbito europeo
podemos destacar el Grand armorial équestre de la Toison d´Or (1433-1435) y el
célebre Armorial de Berry del siglo XV. Por tanto, fue este mundo medieval el que
asistió a la aparición de los primeros tratados sistemáticos de heráldica, como el
de Bartolo de Sassoferrato (1313-1359), Tractatus de insigniis et armis, o la obra
más representativa del lado francés, De Heraudie (1341-1345), a los que siguieron
los trabajos de Jean Courtois, autor del conocidísimo, Recueil des armas des roys,
pairs et signeurs de France et autres roys et seigneurs, o la específica sobre el oficio
de rey de armas, Traité du noble office d´armes (1434), obras impresas ya durante el
siglo XVI y que resultaron especialmente influyentes en el ámbito mediterráneo.
Por su parte Clément Prinsault fue autor de su Traité du Blasón o Blason d´armes
(1465), obteniendo igualmente una gran difusión en el mundo meridional. El otro
vértice de los autores que llegaron a influir en el contexto geográfico del mare
nostrum fue Oliver de la Marche con su L´estat de la maison du duc Charles de
Bourgogne. En el caso español, el introductor de todos estos estudios fue Garci
Alonso de Torres, Aragón Rey de armas6.
Si nos acercamos a Sancho Busto de Villegas, autor al que volveremos a
recurrir en estas páginas, al tratar sobre el origen de las armerías indica que
“Júpiter fue el primero que usó dellas en la batalla que con Saturno, su padre,
ovo como della más largo se dirá en el capítulo siguiente. Éstas dexadas, como
cosa que va fuera de nuestro propósito pues lo que se a dicho a sido porque
ellas son la fuente de donde proçedieron aquéllas de las que se quiere hablar,
las quales se dizen armas que con armas se ganaron o defendieron. Esto pareçe
confirmar Casaneo en su Catalogo glorie mundi diçiendo que esta manera
de armas engendra armas como Ovidio dize en el Metamorphoseos, el paués
mueue las batallas de las armas. Las armas son traýdas como si dixera de los
hechos bellicosos de memoria dignos. Acostumbraron los antiguos a poner
5
Ver a este respecto Faustino MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS, Heráldica Medieval Española,
I: La Casa Real de Castilla y León, Madrid, Hidalguía, 1982.
6
Esta es la opinión que mantiene Martín de RIQUER, Heráldica castellana en tiempos de los Reyes
Católicos, Madrid, Quaderns Crema, 1986, pp. 69 y 172.
SANGRE Y HERÁLDICA EN EL SIGLO XVI: LAS NOBLEZAS IBÉRICAS Y SU IDENTIDAD EN UNA [...] 53
9
Sobre el tema de la apariencia, el engaño en el arte barroco ver, Stuart CLARK, Vanities of the Eye.
Vision in Early Modern European Culture, Oxford, Oxford University Press, 2007.
10
Catherine E. KING, Representing Renaissance Art, c.1500-c.1600, Manchester, Manchester University
Press, 2007, pp. 191-236.
SANGRE Y HERÁLDICA EN EL SIGLO XVI: LAS NOBLEZAS IBÉRICAS Y SU IDENTIDAD EN UNA [...] 55
Su espacio de comunicación
La heráldica es un relato, una comunicación visual sobre el honor que utiliza todos
los soportes a su alcance para expresarse. Virreyes, nobles titulados, nobles sin
título y toda suerte de hombres de honor buscaron en el blasón una certificación
de su pasado y su presencia. Libros de familias, historias de ciudades, cartas
de blasón de armas, certificaciones de nobleza, pleitos de hidalguía, capillas,
fachadas, cubiertos, vajillas, reposteros y un largo etcétera de artefactos son los
lugares de preeminencia en los que podemos encontrar estos objetos, en apariencia
inanimados, pero que son materialidades discursivas de un tiempo y de la victoria
de la condición nobiliaria sobre éste.
Su presencia es esencial en la arquitectura nobiliaria y en la decoración
material, cuya finalidad es manifestar esa condición social preeminente. Las salas
de los linajes de los palacios nobiliarios son un ámbito íntimo de representación
de su ser, pero también lugar de recepción. Bastaría darse un paseo por la Sala dei
vicerè del Palazzo Reale de Palermo o por el de Nápoles11 o la inconmensurable y
panóptica sala de los Blasones del Palacio Real de Sintra. Esos conjuntos heráldicos
que gobiernan las arquitecturas del poder deben ser comprendidas como una
vinculación, también, a la existencia de una literatura nobiliaria que justifique y
explique la utilidad de esos discursos.
Un elemento común de los usos heráldicos meridionales es la presencia
reglamentada de los blasones en las fachadas de los palacios. Stemmi araldici
y blasones presiden, como evidencia de la cultura visual, todos los espacios
públicos (si por público entendemos lo que es visto por la sociedad). Esta suerte
de evidencia del dominio territorial se puede percibir como una práctica cultural
de las noblezas mediterráneas con la finalidad de revivir viejas hazañas12 que
justifican la presencia distintiva de un blasón en el Palacio o en la Casa Solar.
El presente busca una permanente forma de restauración de un heroico pasado
que es aplaudido y reconocido por toda la sociedad. Cuando definimos el blasón
como una segunda piel del noble, del excelente, queremos decir que se trata de
un medio expresivo que reforzará los lazos entre los miembros de la nobleza y
11
Una visión sobre el relato visual del poder español en Nápoles en Joan Lluís PALOS, La mirada
italiana. Un relato visual del imperio español en la corte de sus virreyes en Nápoles (1600-1700), Valencia,
Publicacions de la Universitat de València, 2010. Y específicamente sobre el gobierno del Conde de Lemos,
ver Isabel ENCISO ALONSO-MUÑUMER, Nobleza, poder y mecenazgo en tiempos de Felipe III. Nápoles
y el Conde de Lemos, Madrid, Actas Editorial, 2007. Y sobre el gobierno del Conde de Oñate ver Ana
MINGUITO PALOMARES, Nápoles y el virrey conde de Oñate. La estrategia del poder y el resurgir del reino
(1648-1653), Madrid, Sílex, 2011.
12
Fernando BOUZA, Palabra e imagen en la corte. Cultura de la nobleza en el Siglo de Oro, Madrid,
ABADA, 2003, p. 14.
56 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
13
Ver la obra de Esther ALEGRE CARVAJAL, Las villas ducales como tipología urbana, Madrid,
UNED, 2004.
14
Nos viene ahora a la cabeza los maravillosos blasones que decoran los techos de la biblioteca de
Palazzo del Archiginnassio. Ver el trabajo de Valeria RONCUZZI ROVERSI y Sandra SACCONE “La
Spagna nell`Archiginnasio di Bologna: In un Palazzo, in una Biblioteca” in Amadeo Serra y José Luis
Colomer (ed.), España y Bolonia. Siete siglos de relaciones artísticas y culturales, Madrid, CEEH y Fundación
Carolina, 2006, pp.163-196.
15
Amedeo QUONDAM, Cavallo e Cavaliere. L´armatura come seconda pelle del gentiluomo moderno,
Roma, Donzelli Editore, 2003.
16
Todavía sigue siendo válida la obra de Julián VELARDE LOMBRAÑA, Juan Caramuel. Vida y
obra. Oviedo, PENTALFA,1989.
SANGRE Y HERÁLDICA EN EL SIGLO XVI: LAS NOBLEZAS IBÉRICAS Y SU IDENTIDAD EN UNA [...] 57
Pocos son los grabados, pinturas y todo género de artefactos iconográficos de las
personas honradas de la Europa Meridional en los que no aparezca, junto a la
figura del representado, un blasón como muestra de su fama y su reputación. Los
virreyes ibéricos de los territorios italianos bien nos pueden hacer comprender
las lógicas de esta realidad. No se trataría tanto de un triunfo de las imágenes,
sino que además, nos encontramos ante la representación de la representación.
Imaginando ahora el grabado que preside el frontispicio del texto Leone armeno
del jesuita Francesco Zuccarone podemos admirar a Pascual de Aragón a caballo,
con un imponente blasón que cuelga de un árbol, sobre un segundo plano de
una batalla. Lo mismo podemos decir del grabado que representa a don Pedro
Antonio de Aragón, virrey napolitano, que ejerció con brillantez su gobierno y
17
Fernando RODRIGUEZ DE LA FLOR, Imago. La cultura visual y figurativa del Barroco, Madrid,
Abada, 2009, p. 128.
SANGRE Y HERÁLDICA EN EL SIGLO XVI: LAS NOBLEZAS IBÉRICAS Y SU IDENTIDAD EN UNA [...] 59
que favoreció a la aristocracia napolitana18. El blasón de los Aragón, del que sale la
divisa, parcere bubiectis debellares superbos, axioma de Virgilio que rememora la
idea romana del gobierno español, fue usado con cierta persistencia en dentro de
la tratadística política de su tiempo19.
Sin ninguna duda, la capacidad comunicativa del blasón como trasunto de la
honra, del poder y de la fama es un tópico recurrente en la cultura europea desde
los siglos XIV en adelante. La nobleza de la Monarquía de España en su progresiva
implantación en la Europa Meridional comenzará a fusionar sus usos heráldicos
con los de los territorios italianos, permitiendo la asimilación de los diferentes
prestigios asociados a cada una de estas realidades.
La literatura genealógica sobre los diferentes virreyes y sus casas y linajes
aborda el uso del blasón como discurso cerrado en torno de sus virtudes y el modo
en el que estos nobles se han ido asentando en el territorio. Se intentarán construir
historias familiares articulando buena parte de esos discursos en la lógica impuesta
por la estructura discursiva del Blasón. Cuando Luigi Guglielmo Ferdinando
Moncada, virrey en Cerdeña, comisionó a Domenico Brignone e Cardela para
escribir una historia de la familia Moncada, tal y como indica la profesora
Scalisi20, parece que la familia Moncada tuvo una intensa labor de escritura sobre
el valor e historia de sus linaje, como quedó atestiguado por el propio Salazar y
Castro quién recoge la noticia en su Bibliografía Genealógica española21. El valor
hagiográfico y la tentativa positivista de narración de los acontecimientos vitales,
que toda la literatura genealógica de este tipo encierra, no disminuye en absoluto
el factor y la capacidad performativa de los textos; de hecho, buena parte del valor
que estos textos tienen radica en que debemos comprenderlos como una parte
esencial de la política cultural y de representación del poder que poseen. No
solamente son meros artefactos decorativos más o menos bien sucedidos; sino que
el conocimiento y la fijación de un modelo de comportamiento y su plasmación
en un blasón, tienen mucho que ver con las necesidades que revelaban las propias
manifestaciones del poder. El recurso heráldico es, en este caso, el complemento
perfecto e indiscutible para singularizar al individuo.
18
Diana CARRIÓ-INVERNIZZI, El gobierno de las imágenes, Ceremonial y mecenazgo en la Italia
española de la segunda mitad del siglo XVII, Madrid, Iberoamericana Editorial, 2008, p. 248.
19
José Luis BERMEJO CABRERO, De Virgilio a Espronceda, Madrid, CSIC, 2009, p. 25.
20
Lina SCALISI, La Sicilia degli Heroi. Sotirue di arte e di potere tra Sicilia e Spagna, Catania,
Domenico Sanfilippo, 2008, p. 93.
21
Enrique SORIA MESA, La biblioteca genealógica de don Luis Salazar y Castro, Córdoba,
Universidad de Córdoba, 1998; SCALISI (2008), 95.
60 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Por tanto, un blasón es un medio expresivo ligado a todas las convenciones sociales
sobre el honor y se vincula con una tradición discursiva que interpretan todos los
actores sociales de su tiempo. Desde los orígenes del escudo como arma defensiva
y expresiva del espacio del guerrero en el mundo medieval le confiere un valor casi
mágico.
Un escudo de armas lleva la presencia física del honrado a todos los lugares y
convertía a sus poseedores en sujetos políticos y jurídicos de cara a la comunidad
social que los contempla. Se trataba de un símbolo de carácter articulado22 que
dispone de una identidad propia frente a los que lo miran. Es un símbolo que se
determina rápidamente ante la idea que pretende reflejar de manera extrínseca
a su propia naturaleza de dibujo o relieve en piedra. Sus propiedades internas
no pretenden dar respuesta a otro asunto distinto del de definir lo que significa
ser noble mediante un lenguaje cerrado que es ofrecido a la sociedad con una
innegable densidad semántica.
Se nos presentaría aquí una duda central sobre el testimonio visual-discursivo
que constituye un blasón y no sería otra que la de cómo interrogarlo dentro de la
explicación de una particular forma luso-castellana de ser y parecer noble. Por lo
dicho hasta ahora, parece obvio que la heráldica y sus artefactos discursivos, el
blasón, conformaban una suerte de imágenes realizadas en un contexto histórico
concreto, pero que no obedecen estrictamente a ese momento, sino que forman
parte de una cultura y estructura de acción de mayor duración. Por tanto, la
importancia no radica únicamente en el momento en que las armas heráldicas se
conceden, sino a todo el espacio discursivo al que remiten.
Del mismo modo, pensamos que en la arquitectura visual de la nobleza
peninsular y su influencia europea, el elemento esencial de su distinción gravitaba
en torno a una particular forma de ser representado. Una especial anexión de la
antigüedad vertebrada por particulares procesos sociales y burocráticos sobre la
nobleza. No se trataba de evidenciar el factor fabuloso del pasado familiar; ni
representar las casualidades que componían los méritos de tal o cual linaje; era un
discurso estético y político que obedecía a cuestiones simples relativas al modo en
el que las noblezas ibéricas prefiguraban un modo concreto de ser y de poseer una
identidad específica.
El embellecimiento del pasado nobiliario castellano y portugués, partía de
una diferente consideración inicial de los orígenes de la propia condición de noble.
22
Utilizamos aquí la terminología acuñada por Nelson Goodman. No se trata de un uso literal, sino
que nos apropiamos de su sentido para aplicarlo a la descripción de la capacidad comunicativa del blasón.
SANGRE Y HERÁLDICA EN EL SIGLO XVI: LAS NOBLEZAS IBÉRICAS Y SU IDENTIDAD EN UNA [...] 61
Para la nobleza castellana, incluso en el siglo XVI, ser noble constituyó una forma
de “nación”, de natura que compartía un pasado heroico, ideales virtuosos y la
constante presencia de la fortuna y la gloria como aliadas. En el caso lusitano, la
vinculación de la nobleza con el pasado, también pasaba, forzosamente, por una
clara adhesión a la monarquía. No hay pues una misteriosa identidad nobiliaria
ibérica, pero sí una personal forma, poco fragmentada, de construir su identidad
estética.
En definitiva, el sistema heráldico y la sangre, como elementos culturales
específicos de lo nobiliario, constituyeron una imagen que se identificaba con una
forma de ser, la de la nobleza, como medio de expresión del honor, de las virtudes,
del poder y de la fama. Se trata de una representación visual, una metáfora que
sirvió para expresar qué era la excelencia de las noblezas peninsulares.
BIBLIOGRAFÍA
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VARELA MERINO, Elena, Los galicismos en el español de los siglos XVI-XVII, 2 vols.,
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Resumo
Palavras-chave
1
CHAM – Centro de Humanidades, FCSH, Universidade Nova de Lisboa; Universidade Aberta; CEC
– Centro de Estudos Comparatistas e CH – Centro de História, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa.
66 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Abstract
The concept of alterity stands at the core of our analyzis of the way 16th cen-
tury Portuguese chronicles understood the European space and represented
the Other. After briefly reflecting on the Portuguese historiography of the
16th century, we analyze the narratives that described Portugal as a departure
port. Anchored inbrief examples, we examine the image those chroniclesin-
formed European readers about previously unknown spaces. Eventually we
contrast Jerónimo Münzer´s and Jorge de Ehingen’s discursive images, since
they were in Lisbon in the 16th century and wrote about those journeys.
Keywords
2
Como Stephen Greenblatt define: “The voices of the other do not reach us in pure or uncontami-
nated form-as if such a condition were ever possible! Indeed the whole European project of writing about
the New World rests upon the absence of the object-landscape, people, voice, culture-that has fascinated,
repelled, or ravished the writer.” Stephen GREENBLATT, The New World Encounters, London, University
of California Press, 1993, p. XVII.
MODELAÇÕES DE ESCRITAS SOBRE UM PORTUGAL DE PARTIDA PARA OS ESPAÇOS [...] 67
9
Tenha-se em atenção que no séc. XV memorativo é entendido como: “( …) a memoria he dita quando
a imagem vista ouvida dalguum cousa do homem he sempre presemte na virtude memorativa.” José Pedro
MACHADO, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, IV, Lisboa, Livros Horizonte, 2003, p. 100.
10
Agnes HELLER, O Homem do Renascimento, Lisboa, Editorial Presença, 1982, p. 9.
11
Pierre KAUFMANN, L’experience émotionelle de l’espace, Paris, Libraire Philosophique J. Vrin,
1967.
MODELAÇÕES DE ESCRITAS SOBRE UM PORTUGAL DE PARTIDA PARA OS ESPAÇOS [...] 69
Fig. 1 – Mapa da Europa como Rainha in Sebastian Münster, Cosmographey Oder beschreibung
Aller Länder herrschafftenn vnd fürnemesten Stetten des gantzen Erdbodens, Basel, 1588
(Bayerische Staatsbibliothek, VD16 M 6704, p. xli, urn:nbn:de:bvb:12-bsb00074488-4)
12
Euan CAMERON, Early Modern Europe –An Oxford History, Oxford, Oxford University Press,
2001, pp. 1-4.
70 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
“If ‘Europe’ had, or came to acquire, an identity as a place, it was always one
wich lived in the uneasy realization that not only were Europe’s origins non-
-European, but that no one could establish with any precision where Europe
stopped and Asia and Africa began.”13
13
Ibidem, 4.
MODELAÇÕES DE ESCRITAS SOBRE UM PORTUGAL DE PARTIDA PARA OS ESPAÇOS [...] 71
14
Vladimir JANKÉLÉVITCH, L’irréversibleet la nostalgie, Paris, Flammarion, 1974, p. 27.
15
Damião de GÓIS, Opúsculos Históricos, Porto, Livraria Civilização, 1945, p. 205.
16
Ana Paula AVELAR, “Damião de Góis ou como a escrita da História é revisitada pela pena de
um ‘Diplomata’”, in Maria João Pacheco Pereira e Teresa Leonor M. Vale (ed.), Diplomacia e Transmissão
Cultural, Lisboa, Fundação das Casas de Fronteira-Althum.com, 2018, pp. 47-58.
17
Citado por Elisabeth Feist HIRSCH, Damião de Góis, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,
1987, p. 32.
18
Francisco Maria PEREIRA (ed), Marco Paulo, Lisboa, Imprensa Nacional, 1922, I, Cap. LXI.
72 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
negros como etíopes”, para o pungente infortúnio de se ver “apartar os filhos dos
pais, as mulheres dos maridos os irmãos uns dos outros”19. Zurara descreve os
sentimentos, convocando os olhares, e as vozes:
“Que uns tinham as caras baixas e os rostos lavados com lagrimas, olhando
uns contra os outros; outros estavam gemendo mui dolorosamente, esguar-
dando a altura dos ceus, firmando os olhos em eles, bradando altamente,
como se pedissem acorro ao Padre da natureza; outros feriam seu rostro
com as palmas, lançando-se tendidos no meio do chão; outros faziam suas
lamentações em maneira de canto, segundo o costume de sua terra, nas
quaes, posto que as palavras da linguagem aos nossos não podesse ser en-
tendida, bem correspondia ao grau de sua tristeza.”20
19
Gomes Eanes de ZURARA, Crónica da Guiné, Porto, Livraria Civilização, 1973, p. 122.
20
Ibidem.
21
Jerónimo MÜNZER, Viaje por España y Portugal(1494-1495), Madrid, Ediciones Polifemo, 1991,
p. 177.
22
Ibidem, 185.
MODELAÇÕES DE ESCRITAS SOBRE UM PORTUGAL DE PARTIDA PARA OS ESPAÇOS [...] 73
Fig. 2 – Georg Braun, Frans Hogenberg, Civitates Orbis Terrarum, 1572, vol. 1,
p. [18] (in http://objects.library.uu.nl/reader/index.php?obj=1874-357397&lan
=en#page//56/59/88/56598856355747173674421691955164215407.jpg)
“Todos estes, além de alguns mais que por ainda viverem, passo em silêncio,
foram da Espanha [Hispânia]. Donde se vê que os nossos nem aprendem tão
mal, nem ostentam ciência com palavras e simulação, ou vivem na bárbarie,
como no seu “Novo Ptolomeu” [1540] afirma Munstero, que à imitação de
Miguel Villanovano, meu desconhecido e neste assunto bastante deficiente,
pôs em comparação hispanos e gauleses.
Cuido, porém, que como ensina em Basileia, quis agradar aos franceses
de preferência aos [hispanos], pois esta cidade olha a França de todos os
lados.”23
23
GÓIS (1945), 106.
74 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
24
Damião de GÓIS, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1949, I, pp. 131-132.
25
Luis de FRÓIS et all, Europa Japão: um diálogo civilizacional no século XVI, Lisboa, Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1993, p. 149.
MODELAÇÕES DE ESCRITAS SOBRE UM PORTUGAL DE PARTIDA PARA OS ESPAÇOS [...] 75
26
Arjun APPADURAI, Modernity at Large – Cultural Dimensions of Globalization, Minnesota,
University of Minnesota, 1996, p. 33.
27
Luís Filipe BARRETO, Damião de Goes-Oscaminhos de um Humanista, Lisboa, CTT-Correios de
Portugal, 2002, p. 50.
28
GÓIS (1945), 114.
29
Ibidem.
76 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
33
MÜNZER (1991), 187.
34
MARÍA FABIÉ (1879), 155-190.
35
Malcolm Henry Ikin LETTS (ed). The travels of Leo of Rozmital through Germany, Flanders,
England, France, Spain, Portugal, and Italy, 1465-1467, London, Hakluyt Society, 1957, pp. 109-118.
36
MÜNZER (1991), 167-169.
78 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Fig. 3 – Georg Braun, Frans Hogenberg, Civitates Orbis Terrarum, 1572, vol. 1,
p. [123] (in http://objects.library.uu.nl/reader/index.php?obj=1874-357397&lan
=en#page//29/23/56/29235626428632056022163679823183078345.jpg)
37
Andrea McKenzie SATTERFIELD, The assimilation of the marvelous other: Reading Christoph
Weiditz’s Trachtenbuch (1529) as an ethnographic document, Graduate Theses and Dissertations, 2007. In
http://scholarcommons.usf.edu/etd/2353 (consultado a 24/04/2019), p. 26.
38
MÜNZER (1991), 183.
39
Ibidem, 171.
MODELAÇÕES DE ESCRITAS SOBRE UM PORTUGAL DE PARTIDA PARA OS ESPAÇOS [...] 79
BIBLIOGRAFIA
40
Ibidem, 165-167.
41
Michel FOUCAULT, L’archeologie du Savoir, Paris, Éditions Gallimard, 1969, p. 269.
80 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
AVELAR, Ana Paula “Damião de Góis ou como a escrita da História é revisitada pela
pena de um ‘Diplomata’”, in Maria João Pacheco Pereira e Teresa Leonor M.
Vale (ed.), Diplomacia e Transmissão Cultural, Lisboa, Fundação das Casas de
Fronteira-Althum.com, 2018, pp. 47-58.
FRÓIS Luis de, et all, Europa Japão: um diálogo civilizacional no século XVI, Lisboa,
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,
1993.
LETTS, Malcolm Henry Ikin (ed), The travels of Leo of Rozmital through Germany,
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MARÍA FABIÉ, António (ed.), Libros de Antaño. Viajes por España de Jorge de Einghen,
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Navajero, Madrid, Fernando Fe, 1879.
PEREIRA, Francisco Maria Esteves (ed), Marco Paulo, Lisboa, Imprensa Nacional,
1922.
ZURARA, Gomes Eanes de, Crónica da Guiné, Porto, Livraria Civilização, 1973.
Parte II
Intercâmbios e Interculturalidade
Portugal and the Hanseatic League:
ca. 1450-1550
Torsten dos Santos Arnold1
Abstract
This article examines the socio-economic relations between two distinct trade
partners over a time span of a hundred years: the Kingdom of Portugal on
the one hand and the Hanseatic League on the other hand. By reconsidering
the legal conditions of long distance trade at the end of the Late Middle
Ages and the beginning of the Renaissance Period, the study also aims to
define the Hanseatic League as one of Portugal’s trade partners by looking
at its characteristics along with two of the most important commodities of
exchange: salt and timber.
Keywords
Portugal, Hanseatic League, privileges, salt trade, timber trade, 15th to 16th
centuries.
1
Justus-Liebig-Universität Gießen. History Department. Early Modern History.
86 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Resumo
Palavras-chave
Economic relations between Central Eastern Europe and Western Europe are
documented since the Late Middle Ages. Peripheral regions of the Baltic Sea
were linked with Central European marketplaces such as Bruges, Antwerp and
London by a network of maritime trade routes and trade offices (kontor) operated
by merchants of the Hanseatic League. These relations were mainly based on the
exports of grain and timber to the West and salt to the East. In this paper, we shall
observe and analyze the development of the trade relations between Portugal and
merchants of the Hanseatic League as a selective example of European economic
history in the Age of Maritime Discoveries and Expansion. Not only do they
represent an example of two particular peripheral regions linked by maritime
trade, they also illustrate patterns and mechanisms between two distinctive
political and socio-economic entities, the kingdom of Portugal and merchants of
the Hanseatic port towns in the Baltic such as Danzig (Gdansk), Reval (Tallinn)
and Lübeck, the latercommonly grouped as the Hanseatic trade organization
between 1450 and 1550.
Contemporary historiography on the Hanseatic League continues to
rather focus on trade between the Baltic Sea port towns and Bruges or London
and only marginally deal with the economic relations of Northern and Central
Europe with Southern Europe (Philipp Dollinger, 2012; Rolf Hammel-Kiesow,
2008). Detailed research of the relations between Portugal and merchants of the
Hanseatic League dates back to the dissertations of Ingrid Dürrer (1953) and A. H.
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 87
de Oliveira Marques (1959), both Portuguese. Their research findings have been
addressed in a wider context by Jürgen Pohle (2000) and Jorun Poettering (2013),
both German. Whereas Virgínia Rau (1951) shows the importance of the Setúbal
sea salt for the local economy and the purchase by merchants of the Hanseatic
League, Leonor Freire Costa (1997) demonstrates the importance of Baltic timber
for the Portuguese shipbuilding industry at the turn of the 15th century2. As a
common feature, all of these studies have either focused on a Northern European
or Southern European perspective without a deeper analysis of the exchange of
commodities for both sides, Portugal and the Hanse.
This article argues that both, Portugal and the Hanseatic League, were partners
of equal terms who benefitted from the exchange of mostly agricultural produce,
that, on the one side existed in a relative abundance and, on the other side, was in
relative demand. To illustrate this line of argumentation, we shall start our survey by
defining general patterns and legal conditions of Portugal’s external trade, followed
by a definition of the Hanseatic League. Commodity flows will be illustrated by two
examples, salt and timber. Lastly we shall summarize the findings with an overall
view on the importance of Hanseatic shipping between Northern and Central
Europe and the Iberian Peninsula during our time period of observation.
Economic relations between the kingdom of Portugal and foreign merchants were
organized and standardized by royal privileges. These charters were granted by the
king as the highest political and juridical entity regulating economic affairs. The
privileges included the regulations on the duration, the merchants and merchandizes,
the payment of customs, among other duties and rights. They were either grantes
to individuals, companies or were even granted to towns and kingdoms. Royal
Portuguese privileges were either written in Portuguese or, more commonly, in
Latin. Existing archival documentation shows that these charters were translated
into languages such as English or Middle Low German, the lingua franca used
by the merchants of the Hanseatic League between the regions of Antwerp in
Belgium and Lübeck, Danzig (Gdansk) and Reval (Tallinn) in the Baltic3.
2
For a general overview on the German-Portuguese economic relations during the 16th century see
also my upcoming publication: “Hermann Kellenbenz and the German-Portuguese economic relationships
during the 16th century”, in Renaissance Craftsmen and Humanistic Scholars. Circulation of Knowledge
between Portugal and Germany, s.l., Peter Lang Verlag, 2016.
3
For a general overview on the Portuguese privileges: Ruy d’Abreu TORRES, “Privilégios”, in Joel
Serrão (dir.), Dicionário de História de Portugal, vol. V, Porto, Livraria Figueirinhas, 1992, pp. 186, f.
88 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
“[...] And further because the said Simão Seyes has not only asked for these
immunities and privileges for his company alone but for any other German
company who, for the purpose of our commercial relations wish to establish
a trading house in our town of Lisbon we henceforth grant the content of
these letters of our privileges and immunities to any other company of
German merchants or individual German merchant who by his own wishes
to trade here by his own contingencies.[…]”6
There were two ways in which Portugal’s external trade was conducted during
the 15th and 16th centuries. Foreign merchants either directly purchased or sold
merchandize in Portuguese port towns such as Oporto, Vianna do Castelo and
Lisbon. Besides the trade of foreign merchants within the Portuguese kingdom,
In order to conduct commercial activities inside the territory of the Portuguese
kingdom, foreign merchants commonly had to have a residence or trade post
(feitoria or kontor) in one of the Portuguese port towns.
These trade posts were administrated by a representative (feitor) who dealt
with the everyday affairs of one or several foreign merchants. Historical docu-
mentation of the 15th century attests to the existence of a persecutor (procurador)
4
Ingrid DÜRRER, As Relações Económicas entre Portugal e a Liga Hanseática desde os últimos anos
do Séc. XIV até 1640, Coimbra, Ed. Autor, 1953, pp. 30, f, especially footnote 1, p. 30.
5
DÜRRER (1953), 33-39; Luís SILVEIRA, Privilégios concedidos a Alemães em Portugal, Lisboa,
Instituto Superior de Arquivos e Bibliotecas, 1958, pp. 16-19.
6
Translation of SILVEIRA (1958), 23.
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 89
or judge (juiz privativo) who was in charge of the interests, petitions, and concerns
of foreign merchants towards the officials of the Portuguese crown. One of the
first persecutors who was nominated to represent a foreign merchant community
was the judge of the customs and tolls of Lisbon (Alfandega de Lisboa), who was
appointed to deal with affairs of English merchants in 14057A hundred years later,
João Cotrim was nominated to represent the German merchants in 1504 and was
followed by Bras Affonso in 15118.
Since the 13th century, Bruges had become one of the most important
market places in North Western Europe. Attracted by favorable policies to
foreign merchant colonies, traders and businessmen from all over Europe settled
in Flanders to conduct their businesses. For many years, Hanse merchants
channeled their trade through several warehouses (Kontore). Since 1445, the
Oosterlingehuis or House of the Easterlings functioned as the joint physical
and political representation of the Wendish-Saxon, Westphalian-Prussian and
Gotland-Livonian towns and merchants was built in 1445 and known as. With
the foundation of the Portuguese trade office, the Feitoria da Flandres in Bruges
1445, bilateral trade relations between Central Europe and Portugal entered a new
phase as the Portuguese trade office not only fulfilled the purpose of a pre modern
consulate with an annual election of official crown representatives, it also served
the purpose of purchasing and selling commodities for the non-private trade
operated by the Portuguese crown itself. Due to political changes at the turn of
the 15th century many foreign merchant colonies decided to translocate their trade
offices from Bruges to Antwerp, including the merchants of the Hansa towns and
the Portuguese nation9.
Until today, there is no exact definition of the Hanseatic League due to its quite
multilayered nature. The Hanseatic League or Hansa was rather an economic
organization of merchants and towns than a political entity or league. Existing as
a body between the mid-twelve centuries until 1669, the year of the last parliament
7
Vitor RIBEIRO, Privilégios de Estrangeiros em Portugal: Ingleses, Franceses, Alemães, Flamengos e
Italianos, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1917, p. 9.
8
SILVEIRA (1958), 23-25, 37-39.
9
For a general overview on the Portuguese in Bruges and Antwerp: Hans POHL, “Die Portugiesen
in Antwerpen (1567-1648) – Zur Geschichte einer Minderheit”, Vierteljahresschrift für Sozial- und
Wirtschaftsgeschichte, nº 63, Wiesbaden, Franz Steiner Verlag, 1977; A. A. Marques de ALMEIDA, Capitais
e Capitalistas no Comércio de Especiarias – O Eixo Lisboa-Antuérpia (1501-1549). Aproximação a um Estudo
de Geofinança, Lisboa, Edições Cosmos, 1993.
90 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
of the Hansa towns in Lübeck, the Hanseatic League was not regulated by a strict
corpus of laws nor by a continuous number of members. The Hansa not only
represented the interests of merchants and merchant groups (Kaufmannshanse)
but also the interests of port towns and hinterland regions of Central Europe
(Städtehanse). Members of the Hanse included towns such as Cologne along with
free imperial towns (Freie Reichsstädte) as part of the Holy Roman Empire such
as Lübeck. Towns such as Danzig (Gdansk) or Reval (Tallinn) that were not part
of the political power structure of the Hold Roman Empire were also important
members of the Hansa. The Hanseatic League did not have a permanent seat of
parliament nor were the meetings of an annual nature. It can still be confirmed
that the majority of parliaments took place in the town of Lübeck, situated at
the estuary of the Trave into the Baltic Sea. Merchants of the Hanseatic League
were educated free men, citizens of their respective towns and sometimes owned
the social status of a patrician. Maritime trade of the Kaufmannshanse was
characterized as follows: First, the master or captain of the ship was the owner
of the vessel and traded onfor his own account and on his own risk. Second, one
or several merchants leased a ship and shared the costs of the outfitting and the
voyage of the ship. In this case, the master or captain of the vessel received a
percentage of the value of the cargo as a payment for his transport services10.
Although Hanse merchants and towns conducted their businesses for their own
interests, they referred to themselves asto be part of a greater corporation, the
Hanse or Hanseatic League, in order to gain trade privileges for their common
good11.
The first documented voyages of merchants from the Hanseatic League to Portugal
date back to the last quarter of the 14th century. In the year 1373, the Danzig
captain J. Westvale of the ship “Santo Espiríto de Prússia” (most likely not the
original name of the ship as it is given in Portuguese), received a loan of 230 francs
in order to repair his cog and sail for Lisbon. The next year, the same captain
10
A. H. de Oliveira MARQUES, Hansa e Portugal na Idade Média, Lisboa, Presença, 1959, pp. 84-87.
11
For a general overview on the Hanseatic League: Rolf HAMMEL-KIESOW, “Hanseatic League”,
in Joel Mokyr (ed.), The Oxford Encyclopedia of Economic History, vol. 2, Oxford, Oxford University
Press, 2003, pp. 495-498; Margrit SCHULTE BEERBÜHL, Networks of the Hanseatic League, [Read on
23/03/2016]. Availaible at http://ieg-ego.eu/en/threads/european-networks/economic-networks/margrit-
-schulte-beerbuehl-networks-of-the-hanseatic-league; Torsten dos Santos ARNOLD, “Hansa”, in Francisco
Contente Domingues (coord.), Dicionário da Expansão Portuguesa (1415-1660), vol. I, Lisboa, Círculo de
Leitores, pp. 493-494.
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 91
received another loan for the same purpose12. Sources regarding Hansa shipping
from and towards Portugal during the 16th century mainly consist of protests or
juridical complaints of piracy and captures of ships either in the English Channel
or in the Bay of Biscay. However, these documents contain valuable information
of the origins of the ships and their destinations (in the majority of the cases
Danzig in the Baltic and Lisbon on the Iberian Peninsula) as well as the types and
volumes of merchandise. Voyages between Baltic port towns, namely Danzig, and
Lisbon continued during the following years, which we shall deal with in more
detail in the following sections on the salt and timber trade. The “Westfahrten”
of the Hanse to the west were voyages of a convoy of several fleets. Departing in
spring, these convoys passed through the Sound and subsequently separated as
they continued their voyages towards port towns in Flanders, England, France,
Spain and Portugal. Nevertheless, the existing documents do not permit us
to establish of a general calendar of departure and arrival. Navigation in the
Baltic Sea was restricted during the winter months due to unfavorable weather
conditions including ice formation. Only the “Westfahrten” were exempt from
this regulations.
Although both trade partners had established their trade offices and political
representations in the intermediary ports of Bruges and Antwerp, Hanseatic
merchants preferred the direct shipping between both peripheral regions even
though it took longer to complete a round trip and shipping costs were higher.
During the 15th and 16th centuries, a voyage between Danzig and Lisbon took an
average of 38 days while it was commonly possible to cover the distance between
Lisbon and Antwerp in 2 weeks13. Until the second half of the 16th century,
the majority of Hanseatic merchants that operated in the trade with Portugal
originated from the Baltic Sea regions and port towns such as Reval, Riga,
Danzig, Stralsund, Wismar, Rostock and Lübeck. It was only at the turn of the
17th century that the majority of Hansa traders originated from port towns such
as Hamburg or Bremen rather than from the Baltic Sea. During the time period
under investigation, all ships passing the Sound, the passage between Baltic and
North Sea, had to pay a transit duty known as the Sound Toll. However, the Hanse
towns were exempt of paying this duty that, since the 15th century, also included
taxes on copper, wine and salt.
As we have seen above, the Hanseatic League or Hanse was a joint trade
organization that, at the same time, represented the interest of merchants
(Kaufmannshanse) and towns (Städtehanse). Portuguese privileges were granted
12
MARQUES (1959), 56, f; DÜRRER (1953), 27.
13
MARQUES (1959), 45, f, 56-60; ALMEIDA (1993), 33.
92 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
to merchants or merchant groups of certain nations. The legal status of the Hansa
due to its twofold nature was clarified by the Portuguese during the early 16th
century. The royal Portuguese privilege of 1528, granted by King João III, was a
confirmation of the privilege by King Manuel I, granted in 1517. It states that the
“Hanseatics” and “Easterlings” as well as the Hanse towns such as Lübeck were
part of the Holy Roman Empire and therefore to be considered Germans:
“We the King declare to everybody to whom our charter is addressed, that
the towns of Lübeck and of the Hanse came to us and that these towns and
their merchants would like to trade in our kingdoms. They have been subject
of doubt or embargo within our kingdom because their name is Easterlings
or Hanseatics because they have been granted the same privileges as the
have been granted to the Germans. [But] because these towns are imperial
[towns] and of the Emperor of Germany and Easterlings by their nature,
they have come to us and asked us to declare that they are Germans and
subjects and vassals of the German Empire. We declare that we consider the
information as the truth and that we henceforth declare that the Easterlings
and Hanses are subjects of the emperorship of the German Empire. We
would like to express that we entirely interpret the same privileges granted
by us to the Germans on equal terms as if the same privilege was addressed
to the Easterlings and Hanseatics.[…]”14
During the 15th and 16th centuries, the range of commodities mainly
comprised agricultural produce and manufactured metal wares. While Portugal
had a relative high demand for cereals, timber and metal wares, the Hanseats had
a relative high demand for salt and sugar, among other commodities.
With the continuous expansion of the Portuguese into the Atlantic Basin as
well as into the Indian Ocean, Hanseatic shipping between Portugal and Central
Europe gained yet another dimension. Commodities destined for the Luso-
-African and Indo-Portuguese commerce (f.e. copper and brass ware from
Sweden, Hungary and Germany) were transported to Lisbon. In return, sugar
from the Madeira Archipelago, spices from Western Arfica and from Southeast
Asia were added as shiploads for the Central and North Western European mar-
kets. Hansa traders fulfilled two distinct functions during the late 15th and early
16th centuries: First, they traded important produce and merchandise, mainly salt,
fruits and wine along with cereals, timber and shipbuilding material between the
Baltic Sea and Portugal by their own economic interests and costs. Second, their
14
SILVEIRA (1958), 14, f.
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 93
4. Salt trade
The main mercantile interest in the “Westfahrten” by the Hanse was to purchase
salt from the Setúbal salines, south of Lisbon. Supply for the Baltic Sea regions
and Scandinavia had commonly been covered through the natural deposits and
production areas in Lüneburg, Halle (Saale), Tyrol or the Rhineland, from where
the salt was transported towards Lübeck and further distributed to Reval, Riga
or Danzig. Demographic changes and continuous population growth caused a
steady growing demand for salt. The lack of natural salt deposits in Northern
Europe resulted in a growing dependency on Lübeck fas a salt market. Hanse
towns and merchants faced a kind of bottle-neck situation to satisfy the demands
and to overcome the rising prices by looking for opportunities to purchase salt
in higher quantities and for a cheaper price15. As early as the 13th century the
“Easterlings” initiated their voyages to the West and established continuous trade
relations with Western France, where they purchased the so-called Baie salt from
the Bourgneuf Bay, near La Rochelle. Simultaneously, Portuguese merchants sold
their salt that originated from salines around Tavira in the Algarves, the Setúbal
region as well as from the Aveiro salines, at the Bourgneuf market. It is possible
that first direct contacts between Portuguese and “Easterlings” merchants were
established in Bourgneuf at this time16.
The reasons for deciding to extend the “Westfahrten” as far as the Iberian
Peninsula, and Portugal in particular, were of an economic and political nature:
Regarding the price, Lisbon salt did not differ much from the Bourgneuf salt.
Portuguese salt was nevertheless dryer and had a higher anhydride capacity
than French salt that could easily loose a quarter of its original weight and turn
black during long-distance voyages17. In times of political crises provoked by the
15
MARQUES (1959), 91, f.
16
Idem, ibidem, 100, f.
17
Idem, ibidem, 96, f.
94 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Hundred Years’ War between England and France (1337-1453), the Lisbon market
represented a rather safe and stable opportunity for the Hanseats to purchase salt
and to intensify even further economic relations during the 15th century.18
The surviving historical documentation on the Hanseatic on the Hanseatic
voyages to the Iberian Peninsula attest to the continuous travels of cogs and hulks
carrying Portuguese salt such as the 1426 voyages of Heinrich Buck (citizen of
Danzig) and Clais Rechow (citizen of Rostock), the 1438 fleet of Johan Stenort
(from Prussia), Ludecke Grotewale, Hermann Bole, Johann von Rostocke and
Gyse van Wollen until 1456 when a fleet of 20 hulks anchored in Lisbon harbor19.
These merchants not only purchased salt but their ships were laden with other
merchandize such as fruits (figs for example), cork and animal fur (rabbit and
leopard)20. Selling sea salt soon became one of the crown´s revenues from European
trade. As early as 1446, king Afonso V of Portugal passed a legislation regulating
the process of ships loading salt by which he declared that the months of “free
loading” (livre carregamento) should be between December 1st and August 1st 21.
Unfortunately, sources regarding the continuation of hanseatic voyages
towards and from Portugal, and Lisbon in particular, appear to be incomplete22
and almost no firsthand information survived. But we should not underrate the
“Westfahrten” of the Hanse by stating that existing records between 1460 and
1500 name only one ship that came from Lisbon and arrived in Danzig 23. Rather
by the contrary; in 1456, King Afonso V granted them the right of having two
German persecutors instead of being represented by two Portuguese crown
officials.24 Additionally it should be remembered that the Sound Toll, the obligatory
payment of the passage between Denmark and Sweden was introduced in 1429 but
surviving records only cover the years from 1497 to 185725.
Therefore, we shall observe the development of the political situation under
the reign of king João II and for the decade of the 1490s. During the last years of
his reign, João II issued two privileges to the merchants of the Hanseatic League
that were specially addressed to and to the “Easterlings” from Danzig Likewise the
privilege of March 9 1494, these charters are only known to exist as a translation
into Middle Low German preserved in the Gdansk States Archives. Although these
18
Jürgen POHLE, Deutschland und die überseeische Expansion Portugals im 15. und 16. Jahrhundert,
Münster, Lit Verlag, 2000, pp. 18, f.
19
DÜRRER (1953), 30-44, especially 30, 31 and 38.
20
Idem, ibidem, 38.
21
MARQUES (1959), 82.
22
DÜRRER (1953), 43.
23
Philipp DOLLINGER, Die Hanse, 6th edition, Stuttgart, Kröner, 2012, p. 337.
24
Idem, ibidem, 336.
25
J. W. VELUWENKAMP, Sound Toll Registers – Concise source criticism, [Read on 05.05.2016].
Available on http://www.soundtoll.nl/images/files/STRpdf.pdf.
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 95
privileges do not offer a specific date of issue, the royal title of João II as “Johannes
dei gratia. Rex Portogalis et Algarbiorum citra et ultra mare Affrica” (John, by the
Grace of God. King of Portugal, the Algarves and of either side of Africa) suggests
a date between 1490 and 1494, i.e. shortly after the successful circumnavigation of
the Cape of Good Hope by Bartholomew Dias in 148826. The first privilege is of a
rather general nature: the King declared that Danzig merchants would only have
to pay the import duty for their merchandise and no further customs or duties
such as the Tenth:
“John, by the grace of god, king of Portugal and the Algarves, of either side
of Africa, We send our goodwill and friendship to the mayor and council
of the honorable town of Danzig. We solicit you to announce our grace and
favor to the inhabitants of your city and council that those who are willing
to trade in our kingdom shall only have to pay the incoming custom duties
and thereafter shall be allowed to trade with their goods exempting them of
paying of any further customs.”27
“John, by the Grace of God, King of Portugal and the Algarves, of either side
in Africa, Our grace. The honorable German merchants who shall recognize
our grace and favor towards them: we further exempt all their trade goods
in our kingdom, these are salt, wine, olives, sugar, sheep wool, cotton, wax,
honey, spices and other merchandize, after having have paid the customs
in our kingdom are allowed to staple their trade goods without paying any
further customs. By our grace to the town of Danzig and their merchants,
we declare these exemptions for a term of three years. By our grace and their
willingness, they shall come to trade in our kingdom.”28
26
DÜRRER (1953), 44.
27
Translation of: Gdansk States Archives, APG 300,D_17C_3, (royal Portuguese privilege, ca. 1490);
Walther STEIN (ed.), Hansisches Urkundenbuch, vol. 11, Verlag von Duncker und Humblot, Munich and
Leipzig, 1916, p. 292.
28
Translation of: Gdansk States Archives, APG 300,D_17C_4, (royal Portuguese privilege, ca. 1490);
STEIN (1916), 292-293.
96 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
markets: domestic salt and wine as well as overseas spices and sugar from the
Madeira Archipelago. We shall remember that, apart from colonial merchandise
from Western Africa, salt, cork, wine, olive oil, honey and fruits were Portugal’s
most important domestic export merchandise during this particular time
period 29. King João II also included the exemption of trade customs on spices and
continental and overseas sugar, the former initially originating from the Cape
Verde islands and the latter from the Madeira archipelago. It appears to be that
the Portuguese crown tried to intensify their commercial relations with Central
Europe by promoting continental but also new overseas products by means of
the Guinea trade house (Casa de Guiné). Sources indicate that several Danzig
merchants had returned to the Baltic Sea from their “Westfahrt” to Lisbon soon
after these two privileges were granted and issued.30
Although we have no details about the “Westfahrten” and the actual cargo of
voyages after 1490, we can still observe that the privileges granted to “Easterling”
merchants from Danzig and other towns must have been quite appealing and
provided several advantages for merchants and towns of the Hanseatic League.
During the reigns of King Manuel I and João III, and as observed above, merchants
of the Hanseatic League received the same privileges as Upper German merchants
such as the Fuggers and Welsers. Apart from political and diplomatic occurrences
such as the Hanseatic-Dutch war or “State of War” between the two parties around
the 1530s, Hanseatic voyages towards and from Portugal continued including the
deliveries of several shiploads of cereals to Portugal.
29
Henrique da Gama BARROS, História da Administração Pública em Portugal nos Séculos XII a XV,
Torquato de Sousa Soares (ed.), 2nd edition, Tomo X, Lisboa, Sá da Costa, 1956, pp. 171-196.
30
DÜRRER (1953), 44; MARQUES (1959), 81.
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 97
5. Timber trade
During the 15th and 16th centuries, timber for masts and planks were some of the,
if not the, most important merchandize of the Hansa’s outward bound voyages. As
early as 1437, the Danzig merchant Hinrich von Werden gave orders to the ship’s
master Lambert Lemmeke to deliver a certain amount of timber (most likely logs
of a certain length) to Lisbon and to hand them over to Hermann Wollyn, his
representative or feitor in Lisbon31. Despite the relative silence in documentation
on the development of the timber trade during the following decades, it should be
assumed that there was a regular continuation of supplies, a situation similar to
the observation on the salt trade.
The year 1494 represents a quite remarkable turning point in the history of
Portuguese-German and Portuguese Hanseatic relations. During the last years of
King João II’s reign, a royal privilege to foreign merchants was issued and granted
of which the only existing copy in form of a translation in Middle Low German
is known to exist in the Gdansk States Archives in Poland. In this privilege,
originally written in Latin, and issued on March 9th 1494, King João II granted the
exemption of all trade customs to all merchants from any country if they would
deliver masts and timber (logs) that measured at least 10 fathoms or cubits. The
privilege of liberation from all taxes and customs, including the Tenth (Dízima),
was granted for the next ten years:
[…]”John, by the grace of God, King of Portugal and the Algarves, of either
side of the sea in Africa, Lord of Guinea, we declare to all [persons] to whom
our letter will be handed over, that we have recognized and realized that we
have shortage of ship masts and timber in our kingdom.[…]
We have decided to give freedom upon the said timber and masts that will
be brought to our prior named kingdom in the stated manner for the term
of ten years. The above stated timber and masts, from whatever lands they
come from and will be transported to our kingdom, should be of a length
of ten fathoms or cubits. Neither incoming nor outgoing customs, nor trade
customs and other freight charges are due to be paid.[…]”32
31
DÜRRER (1953), 32.
32
Translation of: Gdansk States Archives, APG 300,D_17C_2, (royal Portuguese privilege, Lisbon,
09.03.1494); STEIN (1916), 462-463.
98 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Differing from the common forms of privileges, this particular one is embed-
ded in a rather formal and explanatory letter. Bras Affonso Correa, the Corregidor
of the Lisbon court who had written the privilege states that the same was granted
and issued to a João Benaao or Johannes Benao. The first part of the original docu-
ment reads as following:
In the year of birth of our Lord Jesus Christ 1494 on December 15, it
happened in the house of the public clerks of the honorable town of Lisbon
that all who will see the announcement of our present public concession
shall know that in the presence of my public Corregidor and witness signed
that the cautious and honest merchant Johannes Benaao, citizen of the prior
named town of Lisbon has personally come to us and answered that the
same announcement written in the Portuguese language, signed with the
handwriting of our patriarchal and honorable king and sealed with the
royal seal fixed by wax, is, as following, set into the Latin language word by
word:”33
After the first declarations, the “actual privilege” follow and Bras Afonso
Correa, the royal Portuguese Corregidor in charge, further states:
And I, Blasius Wantages Alfonsi (Bras Afonso Correa), by the grace of the king
public corregidor of the town of Lisbon, have read the said announcement
and proved the content for any misunderstandings or harm, and thereafter,
for the sake of the affair have translated the public announcement from our
33
Translation of: Gdansk States Archives, APG 300,D_17C_2, (royal Portuguese privilege), Lisbon,
09.03.1494; STEIN (1916), 507-508.
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 99
language into the Latin language and have set it into the public form. And
I have written the present concession with my own hand and, as common
practice, I have sealed it with my commonly used seal and made it official
and have put it into an envelope.”34
Another historical source offers the information that at the same time as
this privilege was granted and issued, a Hanse merchant laid at anchor in Lisbon.
Hieronymus Münzer, the German medic, geographer and humanist, stated in his
travel diary of visiting Portugal and Spain in late 1493 and early 1494, that he went
on board of the ship owned by Bernhard Fechter, a ship’s master from Danzig on
the last day of November 149435.
The discharge letters (Cartas de Quitação) of the Lisbon shipyard “Ribeira
das Naus” and the royal Portuguese trade post in Antwerp offer a continuous
series of important documents on the Hanseatic Portuguese trade with masts,
logs and planks. As analyzed by Leonor Freire Costa, these discharge letters give
witness to the exchange and purchase of masts and “antennas” at the Antwerp
market during the first two decades of the 16th century36. Especially for the time
period between 1495 and 1498 (shortly after the privilege of King João II was
issued), the Antwerp factory registered the supply of at least ten masts, most likely
of Baltic origins37.
After the voyage of Bartolommeo Dias (1488), the first European who
circumnavigated the Cape of Good Hope, the Portuguese had come to realize
that a new ship type would be needed in order to continue the voyoages into the
Indian Ocean, as the prior used caravels had reached their limits concerning the
storage offood supplies as well as cargo space. We do not know if the ships of the
first India fleets of Vasco da Gama were naus but we do know that, in comparison
to the caravels, they were ships of a high side board (navios do alto bordo) and of
a high cargo capacity38.
Unfortunately we are not able to establish an exact and direct link between
the documents presented above, but one could conclude the following: Shortly
after the return of Bartolommeo Dias, the Portuguese crown had come to realize
34
Idem, ibidem.
35
Manuel GOMEZ.MORENO, José LÓPES TORO, Jerónymo Münzer – Viaje por España y Portugal
(1494-1495), Madrid, Talleres Alduc, 1951, pp. 71, f.
36
Leonor Freire COSTA, Naus e Galeões na Ribeira das Naus – A construção naval no século XVI para
a Rota do Cabo, Cascais, Patrimonia Historica, 1997, pp. 326, f.
37
Idem, ibidem, 326.
38
Francisco Contente DOMINGUES, Os Navios do Mar Oceano - Teoria e empiria na arquitectura naval
portuguesa dos séculos XVI e XVII, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 243-252,
especially pp. 243-247.
100 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
that they needed a different type of ship for the scheduled India voyage in 1495.
As King João II died the same year, the voyage was delayed and only took place
in 1497 when Vasco da Gama set sail for India. At the same time as Hieronymus
Münzer visited Lisbon in November 1494, a Danzig merchant named Bernhard
Fechter was anchoring in the harbor of Lisbon and he might have delivered the
royal privilege, issued on March 9th the same year, to Danzig on his return voyage.
During the following years, at least ten masts were delivered to the Portuguese
Antwerp trade office.
The timber trade continued during the following decades of the 16th century.
As stated in the privilege granted by King Manuel to the Welser-Vöhlin company
in 1503, and subsequently granted to all merchants of German origin in 1504
and 1510, shipbuilding material and timber (masts of naus and “antennas” for the
foremasts and mizzenmasts) are mentioned as some of the preferred merchandize
on the Portuguese side39. Lastly, in 1528, King João III reconfirmed the royal
privilege of King Manuel I, issued in 1517 by which the “Easterlings” would deliver
to the city of Lisbon40:
Following the analyses of Leonor Freire Costa and João da Gama Pimentel
Barata on Portuguese shipbuilding during the period of observation we actually
can establish a direct relationship, even dependency, between the Portuguese East
Indiamen shipbuilding and the Hanseatic League. On the one hand, national
Portuguese tree species were not suitable for the use as masts of trans-oceanic
ships such as the naus42. On the other hand, the length of ship masts, either of
the mainmasts, the foremasts or the mizzenmasts stood in direct relation with
the cargo capacity of the Portuguese East Indiamen, the naus. As Freire Costa
39
DÜRRER (1953), 47-49; SILVEIRA (1958), 19-25, especially 19, 33-39, especially 39.
40
DÜRRER (1953), 51, f.
41
SILVEIRA (1958), 39.
42
COSTA (1997), 310.
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 101
states, the ratio between the lengths of the mainmast was equal to the keel length
of which the later was the major variable for calculating the maximum capacity of
the naus43. Observing this fact combined with the deliveries of timber and masts in
particular, we can actually observe the morphological evolution of the Portuguese
naus by the supply of raw material for the shipyards. Confirming the affirmation
of Costa Freire, the length of masts and logs delivered to the Antwerp factory and
subsequently to the Lisbon Ribeira das Naus shipyards increased during the early
16th century, and the maximum capacity of the naus had seen an augmentation
as well44. During the first two decades of the 16th century of which the majority
of discharge letters from the Antwerp factory has survived, we can conclude that
several hundred masts and “Antenas”, either for the use as mainmasts, foremasts
or mizzenmasts of East Indiamen varying between 300 and 800 toneladas capacity
were delivered by Hanseatic merchants45.
6. Final considerations
During the Late Middle Ages and Early Modern Period, Portugal’s economic
relations with the Hanseatic League were of a different nature than those with
other foreign nations and merchants. The Hansa was a joint trade organization
that comprised interests of merchants (Kaufmannshanse) and towns (Städtehanse)
within and outside the territory of the Holy Roman Empire, some of which (like
Lübeck) held a specific status as free imperial towns. Trade between Portugal and
the Hanse existed since the late 14th century and intensified over the following
decades and centuries. Commerce between both parties was based on the
exchange of agricultural commodities that existed in a relative surplus on the
one hand and were in demand on the other. Initiated by the procurement of sea
salt supplies for the Baltic Sea market, merchants of the Hansa towns known
as Easterlings set sail for the Bourgneuf Bay in Western France and soon after
extended their “Westfahrten” towards Lisbon where they purchased the Setúbal
salt. With its expanding maritime exploration into the Atlantic Basin, Portugal
was in demand of timber, as well as cereals, that were delivered by the Hanse
merchants. As Portuguese maritime exploration advanced, a new ship type, the
nau was constructed for the India trade shipping. But as natural Portuguese tree
species were not suitable to be used as masts, Northern and Central European logs
43
Idem, ibidem, 141; João da Gama Pimentel BARATA, Estudos de Arqueologia Naval, vol. 1, Lisboa,
Banco de Fomento e Exterior / Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989, p. 163.
44
DOMINGUES (2004), 247.
45
COSTA (1997), 141, ff, 326, f.
102 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
were purchased from the Hanse. Hanse merchants and Portugal were equal trade
partners with an even balance. Timber and sea salt continued to be one of the
most important commodities that were traded between Portugal and the Baltic
Sea for the next four centuries.
The Hanse merchants accompanied the Portuguese maritime explorations
and played an important role in the distribution of overseas commodities between
European marketplaces located at the Atlantic, North Sea and Baltic Sea. Since
the Late Middle Ages and until the mid-17th century, intra-European shipping
between far away marketplaces and seaports was mostly carried out by Hanse
merchants and ships. They were the means of transport of merchandise as well
as communication between Lisbon, Antwerp, Amsterdam, Hamburg or Danzig
only to be replaced by the Dutch during the course of the late 16th and early 17th
centuries.
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 103
APPENDIX
Fig. 1 – Gdansk States Archives, APG 300,D_17C_3, (royal Portuguese privilege, ca. 1490).
104 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Fig. 2 – Gdansk States Archives, APG 300,D_17C_4, (royal Portuguese privilege, ca. 1490).
PORTUGAL AND THE HANSEATIC LEAGUE CA. 1450-1550 105
Archival sources
Printed sources
FERREIRA, J. A. Privilégios concedidos pelos Reis de Portugal aos Alemães nos Séculos
XV e XVI: Documentos arquivados no Gabinete de História da Cidade, Porto, s.n.,
1969.
STEIN, Walther (ed.), Hansisches Urkundenbuch, vol. 11, Munich and Leipzig, Verlag
von Duncker und Humblot, 1916.
Studies
BARATA, João da Gama Pimentel, Estudos de Arqueologia Naval, vol. 1, Lisboa, Banco
de Fomento e Exterior / Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989.
COSTA, Leonor Freire, Naus e Galeões na Ribeira das Naus – A construção naval no
século XVI para a Rota do Cabo, Cascais, Patrimonia Historica, 1997.
GOMEZ MORENO, Manuel, LÓPES TORO, José, Jerónymo Münzer – Viaje por
España y Portugal (1494-1495), Madrid, Talleres Alduc, 1951.
KELLENBENZ, Hermann (ed.), Fremde Kaufleute auf der Ibersichen Halbinsel, Köln,
Wien, Böhlau Verlag, 1970.
108 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
POETTERING, Jorun, Handel, Nation und Religion. Kaufleute zwischen Hamburg und
Portugal im 17. Jahrhundert, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2013.
POHLE, Jürgen, Deutschland und die überseeische Expansion Portugals im 15. und 16.
Jahrhundert, Münster, Lit Verlag, 2000.
RAU, Virgínia, Estudos sobre História Económica e Social do Antigo Regime, Lisboa,
Presença, 1984.
Resumo
Palavras-chave
1
CHAM – Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova
de Lisboa. Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., no âmbito da Norma Transitória – DL 57/2016/CP1453/CT0034.
110 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Abstract
In the first two decades of the 16th century, the Portuguese-German trade in-
tensified considerably. Powerful trade houses of Augsburg and Nuremberg,
attracted by spices and other oriental riches, settled in Lisbon. These German
companies had a special relevance for the Portuguese Crown because they
occupied a dominant role in Europe as suppliers of silver and copper, two
essential metals for trade in the Indian Ocean. In this way, they became,
temporarily, the most important trading partners of King Manuel, who con-
ceded them the most advantageous privileges granted to foreign merchants
in Portugal in the 16th century.
Keywords
2
Hedwig KÖMMERLING-FITZLER, “Der Nürnberger Kaufmann Georg Pock († 1528/29) in
Portugiesisch-Indien und im Edelsteinland Vijayanagara”, Mitteilungen des Vereins für Geschichte der Stadt
Nürnberg, Vol. 55 (1967/68), pp. 137-184.
3
Idem, ibidem, 139.
4
Mark HÄBERLEIN, Aufbruch ins globale Zeitalter. Die Handelswelt der Fugger und Welser,
Darmstadt, Theiss, 2016.
“SEM COBRE E PRATA NADA DE ESPECIARIAS”: NOTAS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE METAIS [...] 111
não teria sido possível sem o cobre e a prata dos Fugger. Fala expressis verbis de
uma “simbiose” entre o comércio ultramarino português e o comércio de prata e
de cobre das companhias do Sul da Alemanha5.
A importância dos metais que os mercadores-banqueiros-industriais alemães
forneceram a Portugal foi também várias vezes destacada na historiografia
de língua portuguesa. Vitorino Magalhães Godinho6 e Manuel Nunes Dias7
sublinham “o enorme papel representado por aqueles metais alemães”8 na rota do
Cabo.
Foi sobretudo no reinado de D. Manuel I, que Portugal procurou adquirir
grandes quantidades de prata e cobre para garantir a continuidade das trocas
comerciais no além-mar. O governo português caiu, no entanto, segundo A. A.
Marques de Almeida, numa dupla dependência:
5
Idem, ibidem, 72.
6
Vitorino Magalhães GODINHO, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, 2.ª ed., 4 Vols., Lisboa,
1982-1985.
7
Manuel Nunes DIAS, O Capitalismo Monárquico Português (1415-1549). Contribuição para o estudo
das origens do capitalismo moderno, 2 Vols., Coimbra, Instituto de Estudos Históricos Dr. António de
Vasconcelos, 1963-1964.
8
Idem, “Dinâmica dos metais alemães na Rota do Cabo”, in Congresso internacional ‘Bartolomeu
Dias e a sua época’. Actas, vol. 3, Porto, Universidade do Porto / CNCDP, 1989, p. 563.
9
A. A. Marques de ALMEIDA, Capitais e Capitalistas no Comércio da Especiaria. O Eixo Lisboa-
-Antuérpia (1501-1549). Aproximação a um Estudo de Geofinança, Lisboa, Edições Cosmos, 1993, p. 55.
10
Sobre o estabelecimento das grandes casas comerciais da Alta Alemanha em Lisboa, vd. Jürgen POHLE,
Os mercadores-banqueiros alemães e a Expansão Portuguesa no reinado de D. Manuel I, Lisboa, CHAM,
2017, pp. 115-172 [Consultado em 20/06/2018. Disponível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/38843/2/
MercadoresAlemaes.pdf]; idem, “Rivalidade e cooperação: algumas notas sobre as casas comerciais
alemãs em Lisboa no início de Quinhentos”, Cadernos do Arquivo Municipal, 2.ª série, Nº 3 (2015),
pp. 19-38 [Consultado em 24/09/2016. Disponível em http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/fotos/editor2/
Cadernos/2serie/3/03_alema.pdf]; idem, Deutschland und die überseeische Expansion Portugals im 15. und
16. Jahrhundert, Münster, Lit Verlag, 2000, pp. 97-134; Walter GROSSHAUPT, “Commercial Relations
between Portugal and the Merchants of Augsburg and Nuremberg”, in Jean Aubin (ed.), La découverte, le
Portugal, et l’Europe: actes du colloque, Paris, Fondation Calouste Gulbenkian/ Centre Culturel Portugais,
1990, pp. 359-397.
112 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
11
Virgínia RAU, “Privilégios e legislação portuguesa referentes a mercadores estrangeiros (séculos
XV e XVI)”, in Hermann Kellenbenz (ed.), Fremde Kaufleute auf der Iberischen Halbinsel, Köln/Wien,
Böhlau, 1970, pp. 15-30.
12
Maria Valentina Cotta do AMARAL, Privilégios de mercadores estrangeiros no reinado de D. João III,
Lisboa, Instituto de Alta Cultura, 1965.
13
Idem, ibidem, 22.
14
Idem, ibidem, 31.
“SEM COBRE E PRATA NADA DE ESPECIARIAS”: NOTAS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE METAIS [...] 113
cruzados, sendo que 75% da soma tinha de ser paga em dinheiro e 25% em metais
preciosos21.
A prata
princípio que, nas primeiras duas décadas do século XVI, mais do que dois terços
de toda a prata da Europa Central encontraram, via Lisboa, o caminho para o
Espaço Índico. O escoamento dos metais pesou na economia alemã e causou fortes
críticas dentro do Sacro Império. Na terceira década de Quinhentos, as grandes
casas comerciais da Alta Alemanha foram, várias vezes, publicamente acusadas
de “desvio e desperdício de bom dinheiro e moeda (...), o que muito prejudicava o
bem comum”.28 Esta queixa por parte do fiscal imperial encontrava-se no contexto
de processos jurídicos contra as poderosas companhias alemãs acusadas de usura,
resultante da criação de monopólios no que se referia à distribuição e venda de
especiarias no Sacro Império. Chegaram notícias à Alemanha de que algumas
grandes empresas adquiriam as especiarias ao rei de Portugal a qualquer preço
para poderem, posteriormente, vendê-las a um preço excessivo.
Infelizmente, não é possível saber que quantidades exactas de prata eram
fornecidas pelas respectivas casas comerciais alemãs à Coroa de Portugal no
reinado de D. Manuel I29. Apenas no que diz respeito aos anos de 1517, 1518 e
1521, existem registos da Casa da Moeda que iluminam este aspecto30. Em 1517,
os representantes dos Welser, Imhoff e Hirschvogel e alguns mercadores alemães,
que possivelmente fizeram negócios em Portugal por conta própria, como Jörg
Herwart, entregaram na Casa da Moeda no mínimo 9.400 marcos de prata. No
ano seguinte foram aproximadamente 7.300 marcos. E em 1521, os mercadores
alemães forneceram cerca de 1.600 marcos. É de notar, portanto, em finais do
reinado do Venturoso, uma redução significativa tanto em relação ao número de
fornecedores alemães, como no que se refere ao total das suas entregas de prata
na Casa da Moeda. É uma altura em que algumas firmas alemãs se retiraram,
temporária ou mesmo definitivamente, de Lisboa preferindo fazer negócios com a
Coroa portuguesa em Antuérpia.
Na cidade do Escalda os Portugueses adquiriram quantidades consideráveis
de prata. Philipp R. Rössner estima que, no primeiro quartel do século XVI
mais do que 5 toneladas de prata foram transferidas anualmente, via Antuérpia,
1490 und 1520”, Montánna história, Vol. 4 (2011), pp. 8-21; idem, “Die versunkenen Schätze der „Bom Jesus“ von
1533. Die Bedeutung der Fracht des portugiesischen Indienseglers für die internationale Handelsgeschichte
– Würdigung und Kritik”, Vierteljahresschrift für Sozial- und Wirtschaftsgeschichte, Vol. 100 (2013), p. 471.
28
Paul HECKER, “Ein Gutachten Conrad Peutingers in Sachen der Handelsgesellschaften. Ende
1522”, Zeitschrift des Historischen Vereins für Schwaben und Neuburg, Vol. 2 (1875), p. 197: “Wie die grossen
geselschafft gut gelt und müntz zu gemeins nutz grossem nachteil verfüren und verschwenden”.
29
DIAS (1963/64), II, 325; P. R. RÖSSNER, “Geld- und währungspolitische Probleme in Deutschland
am Vorabend der „Preisrevolution“ (1470-1540). Quellenbefund und Forschungshypothesen”, in Angelika
Westermann/ Stefanie von Welser (eds.), Beschaffungs- und Absatzmärkte oberdeutscher Firmen im Zeitalter
der Welser und Fugger, Husum, 2011, pp. 289-293.
30
Apontamentos para a História da Moeda em Portugal, Lisboa, Casa da Moeda e Papel Sellado, 1878,
Mappa demonstrativo, n.º 7/1517, n.º 5/1518 e n.º 7/1521. Veja-se RÖSSNER (2012), 271-290.
116 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
O cobre
Tão ou ainda mais importante do que a prata foi para a Coroa portuguesa a
aquisição de cobre. No que toca à importação deste metal, Portugal tornou-se no
século XVI, temporariamente, o maior cliente no mercado europeu34. A maior
parte do cobre era proveniente das minas que os Fugger exploravam na Hungria
e que a Coroa importava através da Feitoria de Flandres. Já em 1503, chegaram
a Antuérpia 41 navios vindos de Danzig, carregados com o cobre dos Fugger.
A poderosa firma de Augsburgo comercializou na cidade do Escalda, no período
compreendido entre 1507 e 1526, cerca de metade do cobre das suas minas
húngaras35. Nesta fase, os lucros anuais da companhia superaram os 54%.
A correspondência trocada entre D. Manuel I e os funcionários reais da
feitoria de Antuérpia revela que a aquisição de cobre teve a mais alta prioridade,
embora se note também um aumento nas compras de prata e latão efectuadas
pelos feitores portugueses36. De acordo com a correspondência trocada entre
D. Manuel I e os funcionários da feitoria de Antuérpia, sabemos que o rei
necessitava geralmente de 4 a 8 mil quintais deste metal para equipar as armadas
31
P. R. RÖSSNER (2012), 305.
32
ANTT, CC, I-17-130 apud Anselmo Braamcamp FREIRE, Notícias da Feitoria de Flandres, Lisboa,
Arquivo Histórico Português, 1920, p. 105.
33
RÖSSNER (2012), 251.
34
KELLENBENZ (1977), 337; E. WESTERMANN, “Über Wirkungen des europäischen Ausgriffs
nach Übersee auf den europäischen Silber- und Kupfermarkt des 16. Jahrhunderts”, in Armin Reese (ed.),
Columbus: Tradition und Neuerung, Idstein, Schulz-Kircher, 1992, pp. 52-61.
35
M. HÄBERLEIN, Die Fugger. Geschichte einer Augsburger Familie (1367-1650), Stuttgart, Kohlhammer,
2006, p. 55; Peter FELDBAUER, Die Portugiesen in Asien 1498-1620, Essen, Magnus, 2005, p. 155.
36
A correspondência entre D. Manuel I e Silvestre Nunes, em 1515/16 (ANTT, CC, I-18-122; I-19-111), e
as cartas que o Venturoso trocou com Tomé Lopes e Rui Fernandes de Almada no período compreendido
entre 1515 e 1521 (Maria do Rosário Themudo BARATA, Rui Fernandes de Almada: Diplomata português
do século XVI, Lisboa, Centro de Estudos Históricos, 1971).
“SEM COBRE E PRATA NADA DE ESPECIARIAS”: NOTAS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE METAIS [...] 117
que enviava todos os anos à Ásia 37. Segundo Vitorino Magalhães Godinho, foram
importados em Portugal, no reinado de D. Manuel I, anualmente, cerca de 10.000
quintais de cobre bruto ou lavrado por intermédio da Feitoria de Flandres38. De
acordo com este historiador, “um rio de cobre alemão corre assim de Bruges ou de
Antuérpia para os portos portugueses”39. Uma parte das importações alimentou
a indústria portuguesa, mas a grande parte restante foi enviada para a África
Ocidental e para a Índia.
As maiores reservas de cobre encontravam-se na Europa Central40, no
centro-leste do Império (Harz), na Boémia (Kutná Hora), nos Alpes (Schwaz)
e na Hungria, onde se destacaram as célebres minas de Neusohl41. É de saber
que cerca de 80% da produção europeia de cobre encontrava-se nas mãos dos
mercadores-banqueiros-industriais alemães42. A maior parte provinha, como
já referido, das minas exploradas pelos Fugger. Esta companhia concentrou-se,
como nenhuma outra firma da Alta Alemanha, nos negócios mineiros, tornando-
se, assim, o grande parceiro comercial de Portugal neste sector económico43. Os
documentos referentes às negociações conduzidas com a Coroa portuguesa, no
reinado de D. Manuel I, não deixam dúvidas sobre o volume extraordinário das
vendas de cobre. Em 1515, a Coroa pretendia comprar aos Fugger anualmente
5.000 quintais daquele metal. Este montante subiu para 6.000 quintais por volta
de 1520. Nesta altura, o preço variava, geralmente, entre os 27 e 28 soldos o quintal
com tendência crescente. Já em 1519, Jacob Fugger tinha declarado que poderia
fornecer futuramente ainda mais cobre, desde que se acordasse um valor de 28
soldos o quintal.
O problema para a Coroa portuguesa era que Jacob Fugger havia perdido
sucessivamente, a partir de meados da segunda década de Quinhentos, o interesse
na pimenta. Queria ser pago em dinheiro e não em especiarias. Isso ficou bem
claro nas negociações que os funcionários reais da feitoria de Antuérpia, Tomé
Lopes e Rui Fernandes de Almada, tiveram em Augsburgo nos anos de 1515 e
1519/1520, respectivamente44. O último mencionado procurou também os
Höchstetter e outras companhias alemãs para negociar contratos referentes ao
cobre. Mas a única empresa que se encontrava em condições de fornecer, a longo
37
H. KELLENBENZ, Die Fugger in Spanien und Portugal bis 1560: ein Großunternehmen des 16.
Jahrhunderts, vol. 1, München, Vögel, 1990, pp. 54-55 e 60-61.
38
GODINHO (1982-1985), II, 11.
39
Idem, ibidem, 10.
40
KELLENBENZ (1977), 292; E. WESTERMANN, Silberrausch und Kanonendonner. Deutsches Silber und
Kupfer an der Wiege der europäischen Weltherrschaft, Lübeck, Schmidt-Römhild, 2001, pp. 32-36.
41
Banská Bystrica, uma cidade na actual Eslováquia.
42
WESTERMANN (2001), 35.
43
HÄBERLEIN (2006), 57.
44
Supra, nota 36.
118 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
prazo, as quantidades desejadas deste metal era a dos Fugger. D. Manuel I poderia
adquirir cobre através de outras empresas alemãs, mas temia uma ruptura nas
relações com os Fugger, que, no futuro, lhe pareciam dar mais garantias. Este
foi o dilema dos “negócios alemães” do Venturoso nos finais do seu reinado.
Enquanto Rui Fernandes de Almada recomendou que se concluíssem contratos
com várias empresas alemãs, que até estavam dispostas a aceitar pimenta e outras
especiarias em troca do cobre, D. Manuel I, por seu turno, insistiu na sua decisão
de primeiramente aguardar, fechando por fim o negócio somente com a casa dos
Fugger. Tal aconteceu nos primeiros meses de 1521. Em Abril desse ano, chegava
aos Países Baixos a notícia de que o rei tinha acertado um contrato com os Fugger
por intermédio do qual a Coroa iria adquirir cobre, nos próximos três anos, ao
preço de 28 soldos o quintal.
Na costa do Malabar, os negócios com cobre revelaram-se altamente rentáveis
para Portugal. A venda ou troca do cobre europeu deu um lucro mínimo de cinco
cruzados o quintal. Tendo em consideração que os Portugueses importaram na
Índia, nas primeiras duas décadas de Quinhentos, em média 5.000 a 6.000 quintais
de cobre por ano, o lucro anual superava os 25.000 cruzados com tendência
crescente45.
Notas finais
45
K. S. MATHEW, Indo-Portuguese Trade, New Delhi, Manohar, 1999, p. 166; Markus A. DENZEL,
“Zur Finanzierung des europäischen Asienhandels in der Frühen Neuzeit: Vom Zahlungsausgleich im
Gewürzhandel zum bargeldlosen Zahlungsverkehr”, in Markus A. Denzel (ed.), Gewürze: Produktion,
Handel und Konsum in der Frühen Neuzeit, St. Katharinen, Scripta Mercaturae Verlag, 1999, p. 40.
46
HÄBERLEIN (2016), 72-77.
“SEM COBRE E PRATA NADA DE ESPECIARIAS”: NOTAS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE METAIS [...] 119
ANEXO
Nomes de mercadores alemães que apareceram na Casa da Moeda
entre 1517 e 1524 47:
47
Apontamentos (1878), Mappa demonstrativo, n.º 7/1517, n.º 5/1518, n.º 7/1521, n.º 4/1523, n.º 6/1524.
48
Sobre Jörg Herwart, vd. POHLE (2017), 147, 155-159, 167, 179-180, 186-187, 222-223, 251-255.
49
Idem, ibidem, 126-127, 163.
50
Idem, ibidem, 124-126, 147.
51
Idem, ibidem, 126, 185, 251
52
Idem, ibidem, 140-142, 167-168.
53
Idem, ibidem, 136-141.
54
Idem, ibidem, 130, 251-252.
55
Idem, ibidem, 131-132.
56
Idem, ibidem, 75 (nota 61), 124 (nota 48), 150, 152 (nota 219), 156, 166-167, 178 (nota 18), 255.
57
Idem, ibidem, 159, 255.
58
Idem, ibidem, 156, 251-253.
59
Idem, ibidem, 132.
60
Idem, ibidem, 185 (nota 48).
61
Idem, ibidem, 110-114, 130-132 e passim.
62
Cf. supra, nota 48.
63
Cf. supra, nota 55.
“SEM COBRE E PRATA NADA DE ESPECIARIAS”: NOTAS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE METAIS [...] 121
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes Manuscritas
Fontes Impressas
“Briefe und Berichte über die frühesten Reisen nach Amerika und Ostindien aus
den Jahren 1497 bis 1506 aus Dr. Conrad Peutingers Nachlass”, in B. Greiff
(ed.), Tagebuch des Lucas Rem aus den Jahren 1494-1541. Ein Beitrag zur
Handelsgeschichte der Stadt Augsburg, Augsburg, Hartmann’sche Bruchdruckerei,
1861, pp. 112-172.
DENUCÉ, Jean, “Privilèges commerciaux accordés par les rois de Portugal aux
Flamands et aux Allemands (XVe et XVIe siècles). Document”, Archivo Historico
Portuguez, vol. 7 (1909), pp. 310-319 e 377-392.
GREIFF, Benedikt (ed.), Tagebuch des Lucas Rem aus den Jahren 1494-1541. Ein
Beitrag zur Handelsgeschichte der Stadt Augsburg, Augsburg, Hartmann’sche
Bruchdruckerei, 1861.
Estudos
DIAS, Manuel Nunes, “Dinâmica dos metais alemães na Rota do Cabo”, in Congresso
internacional ‘Bartolomeu Dias e a sua época’. Actas, vol. 3, Porto, Universidade
do Porto / CNCDP, 1989, pp. 563-584.
HÄBERLEIN, Mark, Aufbruch ins globale Zeitalter. Die Handelswelt der Fugger und
Welser, Darmstadt, Theiss, 2016.
HÜMMERICH, Franz, Quellen und Untersuchungen zur Fahrt der ersten Deutschen
nach dem portugiesischen Indien 1505/6, München, Verlag der Königlich
Bayerischen Akademie der Wissenschaften, 1918.
KELLENBENZ, Hermann, “Europäisches Kupfer, Ende 15. bis Mitte 17. Jahrhundert.
Ergebnisse eines Kolloquiums”, in Hermann Kellenbenz (ed.), Schwerpunkte
der Kupferproduktion und des Kupferhandels in Europa: 1500-1650, Köln/Wien,
Böhlau, 1977, pp. 290-351.
KELLENBENZ, Hermann, “The Portuguese Discoveries and the Italian and German
Initiatives in the Indian Trade in the first two Decades on the 16th Century”,
in Congresso internacional ‘Bartolomeu Dias e a sua época’. Actas, vol. 3, Porto,
Universidade do Porto/ CNCDP, 1989, pp. 609-623.
KELLENBENZ, Hermann, Die Fugger in Spanien und Portugal bis 1560: ein
Großunternehmen des 16. Jahrhunderts, 3 vols., München, Vögel, 1990.
POHLE, Jürgen, Deutschland und die überseeische Expansion Portugals im 15. und 16.
Jahrhundert, Münster, Lit Verlag, 2000.
POHLE, Jürgen, “Lucas Rem e Sebald Kneussel: due agenti commerciali tedeschi a
Lisbona all’inizio del secolo XVI e le loro testmonianze”, Storia Economica,
vol. XVIII, Nº 2 (2015), pp. 315-329.
WESTERMANN, Ekkehard, “Die versunkenen Schätze der „Bom Jesus“ von 1533. Die
Bedeutung der Fracht des portugiesischen Indienseglers für die internationale
Handelsgeschichte – Würdigung und Kritik”, Vierteljahresschrift für Sozial- und
Wirtschaftsgeschichte, vol. 100 (2013), pp. 459-478.
Tópicos, histórias e vivências do
Portugal mercantil e marítimo
na Alemanha do século XVI
Marília dos Santos Lopes1
Resumo
Palavras-chave
Abstract
The Portuguese voyages and experiences did not go unnoticed in 15th and
16th century Europe, namely in the Holy Roman-Germanic Empire. The
narratives about the initiatives and endeavours of the Portuguese Crown in
new worlds aroused curiosity and interest, giving rise to new fictional and
‘possibly true’ narratives. In the wake of the fictious traveller and emissary
Rafael Hitlodaeus in Thomas Morus’ Utopia, also German scholars will
forge new stories and characters. With particular attention to a novel by Jörg
Wickram, the article discusses the early modern appearance of merchants in
art and literature in the context of how Portugal was seen and represented in
lands beyond the Pyrenees.
Keywords
2
Marília dos Santos LOPES, “Os Descobrimentos Portugueses e os novos horizontes do saber nos
discursos alemães dos séculos XVI e XVII”, Revista do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, ICALP,
1987, 7/8, pp. 28-40; Idem, “Portugal. Uma fonte de novos dados. A recepção dos conhecimentos portugueses
sobre África nos discursos alemães dos séculos XVI e XVII”, Mare Liberum, 1, 1990, pp. 205-308; Idem,
“Os Descobrimentos Portugueses e a Alemanha”, in Portugal-Alemanha, Memórias e Imaginários, Maria
Manuela G. Delille (ed.), Coimbra, Minerva Coimbra, 2007, pp. 267-273; Idem, “‘Fomos muito bem tratados’.
Portugal e os Portugueses nos Escritos Alemães dos séculos XV e XVI”, ed. no presente volume, pp. 211-227.
3
Lorenz FRIES, Aslegung der Mercarthen oder Cartha Marina: darin man sehen mag, wo einer in der
Wellt sey ... das alles in dem Büchlin zu finden, Straßburg, Johannes Grienninger, 1527.
TÓPICOS, HISTÓRIAS E VIVÊNCIAS DO PORTUGAL MERCANTIL E MARÍTIMO NA ALEMANHA [...] 129
4
Amerigo VESPUCCI, Von der neü gefunden Region, so wol ein welt genempt mag werden durch den
Christenlichen Künig, von Portigal, wunderbarlich erfunden. Basel, Michale Furter, 1505.
5
Geschichte kurtzlich durch die von Portugalien jn Jndia Morenland vnd andern erdtrich…, Nürnberg
1507.
6
D. Manuel I, Ein abschrifft eines sandtbriefes so vnserm allerheyligisten vater dem Bapst Julio dem
andern gestant ist von dem allerdurchleuchtigsten Fursten vnd herren, herren Emanuel Kunig zu Porthogal
&c. an dem zwelffen tag des Brachmonds, jm .M.ccccc.viij. jare, von wunderbarlichen raysen vnd schieffarten,
vnd eroberung landt, stet, vnd merckt, auch grosser manschlachtung der hayden. Nürnberg, Georg Stucs,1508.
7
Já, em 1493, na famosa e célebre crónica-mundo de Hartman Schedel, se mencionam as viagens
dos portugueses, bem como a produção de açúcar na Madeira, produto tão apreciado nas grandes capitais
europeias, como o podemos constatar no diário do pintor alemão Albrecht Dürer quando menciona a sua
visita aos feitores portugueses em Antuérpia. Veja-se Hartmann SCHEDEL, Liber Chronicarum, Nürnberg,
Koberger, 1493 e Albrecht DÜRER, “Tagebuch der Reise in die Niederlande”, in Schriften und Briefe,
Leipzig, Philipp Reclam, 1982, pp. 55-99.
8
Sobre a recepção das novidades no Império, veja-se António Alberto Banha de ANDRADE, Mundos
Novos do Mundo. Panorama da difusão, pela Europa, de notícias dos Descobrimentos Geográficos Portugueses,
Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1972; Dieter WUTTKE, German humanist perspectives on the
history of discovery, 1493-1534, Marília dos Santos Lopes (Foreword), Coimbra, Centro Interuniversitário
de Estudos Germanísticos, 2007; Jürgen POHLE, Deutschland und die überseeische Expansion Portugals im
15. Und 16. Jahrhundert, Münster, Lit Verlag, 2000; K. S MATHEW, Indo-Portuguese Trade and the Fuggers
130 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
of Germany (Sixteenth Century), New Delhi, Manohar, 1999; Marília dos Santos LOPES, Da descoberta
ao Saber. Os conhecimentos sobre África na Europa dos séculos XVI e XVII, Viseu, Passagem, 2002; Idem,
“From Discovery to Knowledge, Portuguese Maritime Navigation and German Humanism”, in Portuguese
Humanism and the Republic of Letters, Maria Berbara and Karl A.E. Enenkel (ed.), Leiden, Brill, 2012,
pp. 425-446.
9
Sobre o significado simbólico de Calecute, veja-se Marília dos Santos LOPES, “Translation and
Imagination, “The Calicut People” within the Context of 16th century cosmographies”, in Writing New
Worlds. The Cultural Dynamics of Curiosity in Early Modern Europe, Newcastle, Cambridge Scholars
Publishing, 2016, pp. 166-177.
10
Marília dos Santos LOPES, Ao cheiro desta canela. Notas para a história de uma especiaria rara,
Lisboa, Público, 2002.
11
Marília dos Santos LOPES, “O impacto da viagem de Vasco da Gama na Alemanha”, in A Viagem
de Vasco da Gama à Índia 1497-1499, José Manuel Garcia (coord.), Lisboa, Academia da Marinha, 1999,
pp. 604-608.
12
Simon GRYNAEUS e Sebastian MUNSTER, Novvs Orbis Regionvm Ac Insvlarvm Veteribvs
Incognitarvm , unà cum tabula cosmographica, & aliquot alijs consimilis argumenti libellis, quorum omnium
catalogus sequenti patebit pagina, Basileae, Hervagius. Typus Cosmographicus Universalis, 1532.
13
Como salienta, entre outros, Sureka DAVIES, Renaissance Ethnography and the Invention of the
Human: New Worlds, Maps and Monsters, Cambridge, Cambridge University Press, 2016.
TÓPICOS, HISTÓRIAS E VIVÊNCIAS DO PORTUGAL MERCANTIL E MARÍTIMO NA ALEMANHA [...] 131
“Assim, não há nada maior e mais agradável, e também mais não pode haver,
do que quando o homem tem a sabedoria e a razão, que aumenta e melhora
particularmente através de longa experiência e conhecimento dos usos e
costumes de muita gente. E, por isso, não há dúvida de que as navegações
são para tal muito práticas e proveitosas.”14
14
Sigmund FEYERABEND, General Chronicen, das ist: Warhaffte eigentliche und kurtze Beschreibung,
vieler namhaffter, und zum Theil biss daher unbekannter Landtschafften ... Darinnen alle Völker und
Nationen, die in der gantzen Welt ... wohnen, sampt ihrer Ankunfft und Herkommen, auch Art und Natur,
item Ceremonien und Gebräuchen in geistlichen und weltlichen Sachen, treuwlich beschrieben ... Ietzt auffs
neuw mit sonderm grossen Fleiss, besser als zuvor, beschrieben und verteutscht, Getruckt zu Franckfurt am
Mayn, Durch Iohannem Schmidt, in verlegung Sigmund Feyerabends, durch Paulum Reffelern, 1576.
15
Tomé PIRES, Suma Oriental, Rui Loureiro (ed.), Lisboa, CCCM, 2017, p. 52.
16
Paulo PEREIRA, “Lissabon im 16. und 17. Jahrhundert”, in Michael Kraus e Hans Ottomeyer (ed.),
Novos Mundos = Neue Welten: Portugal und das Zeitalter der Entdeckungen, Dresden, Sandstein, 2008,
pp. 221-239.
17
Annemarie JORDAN-GSCHWEND e K. J. P. LOWE, A cidade global: Lisboa no Renascimento. The
global city: Lisbon in the Renaissance, Lisboa, MNAA/ INCM, 2017.
132 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
18
Garcia de RESENDE, Crónica de Dom João II e Miscelânea, Lisboa, Imprensa Nacional, 1973.
19
Damião de GÓIS, Descrição da cidade de Lisboa, Lisboa, Livros Horizonte, 1988.
20
Marco PAULO, O Livro de Marco Paulo, O Livro de Nicolao Veneto, Carta de Jeronimo de Santo
Estevam, conforme a impressão de Valentim Fernandes, feita em Lisboa em 1502, Lisboa, Oficinas Gráficas da
Biblioteca Nacional, 1922. Veja-se Marília dos Santos LOPES, “‘Vimos oje cousas marauilhosas.’ Valentim
Fernandes e os Descobrimentos Portugueses”, in Portugal - Alemanha - África. Do Imperialismo Colonial
ao Imperialismo Político, Actas do IV Encontro Luso-Alemão, A. H. de Oliveira Marques (coord.), Alfred
Opitz e Fernando Clara, Lisboa, Colibri, 1996, pp. 13-23.
21
Já, em 1494, o médico e viajante alemão Hieronymus Münzer escreveria no seu relato sobre o reino
de Portugal que o rei português retiraria do comércio marítimo “anualmente um lucro incrível”. Jerónimo
MÜNZER, Itinerário, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931, p. 28.
22
Georg BRAUN e Franz HOGENBERG, Civitates Orbis Terrarum, Agrippinae//Köln, 1616.
23
José Gentil da SILVA, “O eixo económico Lisboa-Antuérpia, in Portugal e Flandres”, in Visões da
Europa (1550-1680), Lisboa, Instituto Português do Património Cultural, 1992, pp. 31-36.
24
No que respeita ao seu papel cultural, saliente-se o enorme contributo da família Plantin para
a história da imprensa europeia. Sobre as edições Plantin, veja-se Museum Plantin Moretus, Antwerpen,
Snoeck Publishers, 2016.
TÓPICOS, HISTÓRIAS E VIVÊNCIAS DO PORTUGAL MERCANTIL E MARÍTIMO NA ALEMANHA [...] 133
25
A. A. Marques de ALMEIDA, Capitais e capitalistas no comércio da especiaria. O eixo Lisboa-
-Antuérpia (1501-1549), Aproximação a um estudo de Geofinança, Lisboa, Edições Cosmos, 1993, p. 39.
26
Veja-se Thomas MORUS, Utopia. José V. de Pina Martins (Estudo introdutório), Lisboa, FCG,
2006.
27
Jörg WICHRAM, Von Guten vnd Bösen Nachbaurn ... Newlig an tag geben, Strassburg, Knoblauchs
Druckerey, 1556.
134 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Filho de uma família da alta burguesia, Jörg Wickram teria começado como
ourives28 e pintor, tornando-se depois Stadtschreiber, o mais alto funcionário
administrativo da cidade, responsável por toda a documentação da cidade, e ainda
autor de romances ou breves histórias. A sua primeira obra literária data de 1530
e, curiosamente, em três das suas obras, faz-se referência a Portugal. É, contudo,
neste romance Da boa e má vizinhança que grande parte do enredo principal
ocorre em Lisboa.
O romance narra a história de um rico mercador de Antuérpia, um mercador
de grande comércio, mormente de ouro e pedras preciosas, que teria maus vizinhos
nesta cidade do centro da Europa. A sua vida profissional, e a da sua família, não
estava a correr satisfatoriamente até que chega uma missiva da capital portuguesa
que o informa de que um tio seu, residente em Lisboa e sem descendentes, lhe
propunha deixar a herança, tornando-o inesperadamente seu herdeiro. O rico
mercador, de nome Robert, não hesita desprender-se da sua firma nesta cidade do
centro da Europa e parte para Lisboa.
Tal como Thomas Morus, também Jörg Wickram escolheu iniciar o enredo da
sua história em Antuérpia, centro comercial de relevância, para seguidamente se
deslocar para Lisboa, dando assim visibilidade física e literária ao eixo económico
Antuérpia-Lisboa. O leitor deste romance irá assim, lidas as primeiras páginas
do romance, acompanhar o seu protagonista, Robert, o rico mercador, na sua
viagem até Lisboa que aparece decididamente como um equiparável e relevante
entreposto comercial. O facto de os protagonistas serem indivíduos de um grupo
social em ascensão, a burguesia, e dentro deste, mercadores, é, sem dúvida, um
atributo raro e particular em obras de teor literário, evidenciando, desde já, a
originalidade da eleição do autor.
Fugindo cientemente a um, mais usual, romance de cavalaria, Jörg Wickram
procura abordar temáticas de atualidade, nomeadamente, as profundas e determi-
nantes transformações económicas, mas também manifestamente transformações
culturais e mentais, que se operam no mundo coevo, partindo da própria expe-
riência de como lidar com os Outros, como se anota na dedicatória impressa no
início do livro.
É este olhar para a figura do mercador que se revela extremamente inovador e
de grande modernidade num mundo de profundas transformações e de mudança,
como também o irá formular o poeta do novo, Luís de Camões. Neste mundo
“composto de mudanças” escreve o autor de Os Lusíadas no seu tão conhecido
28
Interessante o facto de ter iniciado a sua carreira como ourives e depois se ter vindo a dedicar à
escrita. Não podemos deixar de pensar, de imediato, em Gil Vicente que, como se pensa, terá tido semelhante
percurso.
TÓPICOS, HISTÓRIAS E VIVÊNCIAS DO PORTUGAL MERCANTIL E MARÍTIMO NA ALEMANHA [...] 135
29
Luís de CAMOES, Obras de Luiz de Camoes, vol. 2, Lisboa, Imprensa Nacional, 1864, p. 401.
30
Veja-se Jörg WICKRAM, Von Guten und Bösen Nachbaurn, Wie ein reicher Kauffmann aus Probant
in das Künigreich Portugal zohe, wie es ihm nachmals auff dem Mer mit einem Hispanischen krancken
Kauffmann ergangen ist, Straßburg, 1556 [VD16 W 2424]. http://daten.digitale-sammlungen.de/~db/0002/
bsb00025440/images/index.html?seite=00001&l=de
136 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
31
Sobre o álbum de Matthäus Schwarz, veja-se August FINK, Die Schwarzschen Trachtenbücher,
Berlin, Deutscher Verein für Kunstwissenschaft,1963; Matthäus SCHWARZ, The first book of fashion, Tthe
book of clothes of Matthäus and Veit Konrad Schwarz of Augsburg, Ulinka Rublack (ed.), Maria Hayward e
Jenny Tiramani, London, New York, Bloomsbury Academic, 2015; e ainda Ulinka RUBLACK, Dressing up:
cultural identity in Renaissance Europe, Oxford, Oxford Univ. Press, 2010.
32
Sobre inquilinos do poder, também em Portugal, veja-se João Gouveia MONTEIRO, “Orientações
da Cultura da Corte na 1ª metade do século XV – a Literatura dos Príncipes de Avis”, Vértice, Nova Série,
n.º 5 (Agosto de 1989), pp. 89-103.
TÓPICOS, HISTÓRIAS E VIVÊNCIAS DO PORTUGAL MERCANTIL E MARÍTIMO NA ALEMANHA [...] 137
33
Mark HÄBERLEIN e Christof JEGGLE, Praktiken des Handels Geschäfte und soziale Beziehungen
europäischer Kaufleute in Mittelalter und früher Neuzeit, Konstanz, UVK Verlagsgesellschaft, 2010. Sobre
os mercadores alemães, veja-se Mark HÄBERLEIN, “Asiatische Gewürze auf europäischen Märkten: Das
Beispiel der Augsburger Welser-Gesellschaft von 1498 bis 1580”, Jahrbuch für Europäische Überseegeschichte,
14 (2014), pp. 41-62; Mark HÄBERLEIN, Die Fugger. Geschichte einer Augsburger Familie (1367-1650),
Stuttgart, Kohlhammer, 2006; Mark HÄBERLEIN, Aufbruch ins globale Zeitalter. Die Handelswelt der
Fugger und Welser, Darmstadt, Konrad Theiss Verlag, 2016.
34
Sobre as imagens na época moderna, veja-se Carsten-Peter WARNCKE, Sprechende Bilder,
sichtbare Worte: das Bildverständnis in der frühen Neuzeit, Wiesbaden, Harrassowitz, 1987; e Marília dos
Santos LOPES, Coisas maravilhosas e até agora nunca vistas, Para uma Iconografia dos Descobrimentos,
Lisboa, Quetzal, 1998.
35
Lodovico de VARTHEMA, Die ritterliche vnnd lobwirdige Reyss, des ... Ritter, vnnd Landtfahrer,
Herrn Ludovico Vartomans von Bolonia, sagend von den Landen Egypto, Syria, von beiden Arabia, Persia,
India, vnd Ethiopia, Franckfurt am Mayn], Michael Herr und Jörg Breu (ed.), 1548. Sobre este relato, veja-se
Folker REICHERT, Reisen im Orient, Sigmaringen, Thorbecke, 2002.
138 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
36
Jorge PEDREIRA, “Mercadores e formas de mercantilização”, in Diogo Ramada Curto (org.), O tempo
de Vasco da Gama. Lisboa, Difel, 1998, pp. 157-177.
TÓPICOS, HISTÓRIAS E VIVÊNCIAS DO PORTUGAL MERCANTIL E MARÍTIMO NA ALEMANHA [...] 139
sempre, encontrar saídas e novas interpretações para poder responder aos desa-
fios desencadeados pelas novas acções e empresas, revelando-se um defensor da
pessoa humana, em quem confia e acredita. Não será de surpreender que valores
como a amizade, a lealdade, ou a virtude se imponham contra a malvadez, a de-
sonestidade e os vícios, e a sabedoria, essa vencerá à estupidez. A aposta nestes
valores são a divisa do romance e constituem o programa pedagógico e educativo
desenvolvido e traçado pelo autor ao pensar sobre este momento e esta circuns-
tância da vida burguesa. Jörg Wickram mostra-se modelarmente próximo dos
ideais humanistas, tendo seguramente o erasmiano manual de civilidade como
guião do seu pensamento pelo que não será por acaso que menciona como um dos
poucos autores referenciados na obra, Erasmus de Roterdão37.
O patriarca da família, Robert, e o seu genro, Reichardt, um espanhol que se
uniu à família dada a proximidade profissional com o sogro, mas também por um
sentimento de amizade que estreitou os dois indivíduos, são homens de negócio,
mas com a noção do seu dever de cristão e de redistribuir por outra parte do seu
ganho e proveito. Assim, quando festejam o casamento dos seus familiares38, eles
irão convidar os mais necessitados e pobres e servir-lhes igualmente alimento, a
fim de partilharem a festa. Os protagonistas estão conscientes dos seus deveres
de humildes servidores, pelo que, muitas vezes, agradecem a Deus o seu sucesso,
deferindo reconhecimento e gratidão pela recompensa da proteção divina. Como
cristãos pertencem à igreja e sabem que fora dela não terão salvação. Há, que, por
isso, executar obras de beneficência, facto que pode também indiciar a influência
do movimento de reforma em apogeu no Império.
Como o exprimem várias vezes, a aquisição de bens responsabiliza um
indivíduo perante os seus vizinhos e também perante as gerações futuras. Este é
um padrão do seu modo de estar, pelo que o seu dever social os afasta do modo de
vida da nobreza. Na sua opinião, o dinheiro não é um valor em si, mas antes um
meio para assegurar a vida e incentivar a cultura. Os mais importantes valores
da existência humana, como amor e amizade, não se podem comprar, logo não é
através do dinheiro que se pode gerar uma identidade própria. O ter dinheiro e
bens pode, sim, como se refere, dar a liberdade para a poder procurar e animar39.
Um outro valor a que se dá igualmente grande relevo é o do trabalho, como
se pode testemunhar num dos episódios do romance de traços utópicos. Numa
37
WICKRAM (1556), 85.
38
É interessante verificar que o terceiro casamento será um casamento, efectivamente, por amor,
visto que são os jovens que, embora se tenham conhecido através dos pais, tomem em suas mãos a decisão
de verbalizar a sua paixão.
39
Veja-se, Marianne SCHULTZ, Ökonomie, Geld und Besitz in den Werken Wickrams, Diss. Univ.
Saarland, 2008.
140 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
das suas viagens de negócios, Robert e Reichardt, irão, devido a vários problemas,
dar a uma ilha selvagem que, na aflição, lhe oferece guarida e alimento. Tendo
como cenário um lugar idílico, a exposição apresenta semelhanças a um discurso
utópico, em que o autor reflecte sobre o modo como alcançar uma sociedade mais
perfeita. Tece um verdadeiro louvor ao valor do trabalho que, na sua opinião,
reduziria vidas viciosas, daria sustento e ofereceria ascensão social e cultural.
Na sua opinião, o trabalho é o elemento dinâmico que pode transformar
positiva e culturalmente o mundo pois assinala maior qualidade de vida, não só
material como socialmente, dado que confere um comportamento de cultura.
Ultrapassando as fronteiras sociais, cada um poderá alcançar mais liberdade
individual e principalmente autonomia e independência, deixando de ser escravo
do destino, pois este estará nas suas mãos. Thomas Morus desenha o protótipo de
uma sociedade ideal, Jörg Wickram delineia um projecto social real e exequível
para os seus compatriotas burgueses, em que cada indivíduo tem um papel
decisivo na constituição da comunidade.
Neste sentido, são as convenientes e congruentes considerações tecidas
sobre o homo economicus e a sua ars morales que dão um valor incontornável
a esta obra. Assente numa estrutura familiar harmoniosa construída em prol
da dignidade humana, a obra visa dar oportunidade ao leitor de, ao longo das
suas páginas, e de três gerações, reconhecer o valor atribuído à educação como
motor central da maturidade humana. Tanto no crescimento profissional como
humano, a educação é um impulsionador fundamental, pelo que, por exemplo, no
caso do filho da terceira geração terá de voltar a Antuérpia para fazer um estágio
com um negociante e ourives conhecido, a fim de poder exercer magistralmente
a sua profissão. Como homens do mundo têm de agir como tal, investindo na sua
formação e no seu status. Com base num implacável plano educacional, onde não
se deverá descurar, significativamente, a aprendizagem das línguas, como parte
integrante de um olhar cosmopolita, a flexibilidade e mobilidade, impulsor do seu
dia-a-dia, constituem decisivos pilares orientadores da mundividência burguesa.
O seu discurso denuncia as temáticas do seu tempo e, por isso, não é atributo
único desta obra. Muitas das suas deambulações sobre o papel do mercador
assemelham-se às proferidas, por exemplo, por um autor português, também
identificado por alguns como ourives de profissão: Gil Vicente. Em muitas das
suas obras, o tema da sociedade mercantil e de grande mobilidade social está
presente, ecoando muitas vezes uma forte crítica às alterações que esta introduz,
mormente os seus agentes40.
40
Maria Leonor Garcia da CRUZ, Gil Vicente e a sociedade portuguesa de Quinhentos, Lisboa,
Gradiva, 1990.
TÓPICOS, HISTÓRIAS E VIVÊNCIAS DO PORTUGAL MERCANTIL E MARÍTIMO NA ALEMANHA [...] 141
“Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma
cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama
Ninguém e diz:
41
Gil VICENTE, Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente, Maria Leonor Carvalhão Buescu (ed.),
Lisboa, INCM, 1984, pp. 547-582, aqui, 572-73.
142 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
42
CRUZ (1990).
43
Veja-se, entre outros, Maria Leonor Garcia da CRUZ, Os fumos da India: uma leitura crítica da
expansão portuguesa: com uma antologia de textos dos seculos XVI-XIX e uma cronologia da expansão
portuguesa e do império ultramarino (c. 1336-1899), Lisboa, Cosmos, 1998.
44
Jacques LE GOOF, “Na Idade Média: Tempo da Igreja, Tempo do Mercador”, in Para um novo
conceito de Idade Média, Lisboa, Estampa, 1980, pp. 43-60.
45
Veja-se, reprodução do original que se encontra no Museu do Louvre, em Paris, em: www.louvre.
fr/en/oeuvre-notices/moneylender-and-his-wife
TÓPICOS, HISTÓRIAS E VIVÊNCIAS DO PORTUGAL MERCANTIL E MARÍTIMO NA ALEMANHA [...] 143
marido, totalmente focado na sua pesagem (fig. 2). As riquezas materiais desviam
o sentido do mundo espiritual, e a balança toma um valor alegórico, encarnando
a pesagem das almas, antes do aceso ao Paraíso46.
Fig. 2 – Reprodução em gravura da obra de Quentin Massys, O cambista e sua mulher, 1514,
publicada em John Henry MIDDLETON, Illuminated manuscripts in classical and medieval
times: their art and their technique, Cambridge, Cambridge University Press, 1892, p. 219,
disponível em: https://archive.org/details/illuminatedmanu00midd/page/219
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werden durch den Christenlichen Künig, von Portigal, wunderbarlich erfunden.
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WICKRAM, Jörg, Von guten und bösen Nachbarn, Karl-Maria Guth (ed.), Berlin,
Contumax Hofenberg, 2014.
Resumo
Palavras-chave
Abstract
The aim of this paper is to present the image of foreigners as they are
presented in medieval Portuguese chronicles. The twofold analysis of the
chronicle texts will cover the way in which European territorial groups are
presented, and the way in which they are described. This study does not aim
to be conclusive, but to indicate some research lines for the future. Thus, the
most representative works of the main Portuguese authors at the time will be
analysed: Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara and Rui de Pina.
Keywords
1. Introdução
2
Entre os livros e estudos mais recentes devem ser nomeados os seguintes: Manuela MENDONÇA,
As relações externas de Portugal nos finais da Idade Média, Lisboa, Edições Colibri, 1994; Peter RUSSELL,
A intervenção inglesa na Península Ibérica durante a Guerra dos Cem Anos, Lisboa, INCM, 2000; Maria do
Rosário FERREIRA (coord.), O contexto hispânico da historiografia portuguesa dos séculos XIII e XIV. Em
memória de Diego Catalán, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010. Há igualmente algum
fermento ao nível dos estudos universitários, como é o caso de Ardian MUHAJ, Quando todos os caminhos
levavam a Portugal: impacto da Guerra dos Cem Anos na vida económica e política de Portugal (séculos
XIV-XV), Tese de Doutoramento dirigida por Manuela Mendonça, Lisboa, Universidade de Lisboa, 2014.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 155
Rui de Pina (1440-1523)10 foi guarda-mor da Torre do Tombo desde 1497 até
à sua morte, tendo sido previamente nomeado para o cargo de cronista-mor do
reino em 1490 por João II. Apesar de ter escrito uma substanciosa quantidade de
crónicas que abrangem os reinados de Sancho I, Afonso II, Sancho II, Afonso III,
Dinis I, Afonso IV, Duarte I, Afonso V e João II, aqui será apenas estudada a Crónica
de el-rei D. Afonso o V11 por representar uma continuidade cronológica com os textos
anteriores e por ter sido redigida no período final do século, entre 1490 e 150412.
Uma primeira consideração deve ser feita sobre a ideia de Europa que emerge
das crónicas do século XV. A Europa como conceito definidor de uma realidade
cultural não existe, nem sequer como realidade territorial. Mais concretamente,
o conceito é inexistente nas obras de Fernão Lopes e Gomes Eanes de Zurara.
No entanto, no caso de Rui de Pina, foi encontrada apenas uma única ocorrência já
no segundo volume do livro13. Talvez seja indicativo o facto de constituir, no texto,
o antónimo para Império Turco. A menção está relacionada com a conquista de
Constantinopla pelos turcos em 1453, e é apresentada como contraposição conceitual
ao Império Otomano. Poderia conjeturar-se, portanto, que Europa representa uma
territorialidade com identidade própria apenas na altura em que outra realidade de
tipo religioso começa a combatê-la no próprio solo, já nos albores do século XVI.
O fator religioso seria o único a conseguir criar uma unidade conceitual.
Para a definição de europeus a situação é ainda pior: não há ocorrências em
nenhuma crónica. Talvez porque não existindo uma ideia de Europa, não pudesse
haver consequentemente uma ideia de europeus.
Os conceitos territoriais que contêm uma conotação de espaço comum, e
que, portanto, definem uma unidade territorial diferenciada, mas sem constituir
unidades políticas, são muito mais frequentes, sendo um dos exemplos principais
o conceito de “Hespanha”, derivado do latim Hispania, que referia igualmente o
espaço da Península Ibérica. Curiosamente, este conceito está consideravelmente
mais presente nas crónicas de Fernão Lopes e Gomes Eanes de Zurara, para se
reduzir ao mínimo em Rui de Pina. Esta situação não deve resultar estranha,
enquanto as identidades nacionais vão impondo a sua supremacia sobre as
10
Joaquim Veríssimo SERRÃO, Cronistas do século XV posteriores a Fernão Lopes, Lisboa, ICALP, 1977.
11
Rui de PINA, Chronica de El-Rei D. Affonso V, 3 vols., Lisboa, Escriptório, 1901. Doravante, CDA.
12
T. F. EARLE, “Rui de Pina, Crónica de D. Afonso V and Bodleian MS Don. c. 230”, Portuguese
Studies, vol. 31, Nº 2 (2015), pp. 222-234.
13
CDA, c. 135.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 157
identidades territoriais. O processo irá concluir-se nos séculos XVI e XVII com a
identificação da Espanha com tudo o que não é Portugal.
Para a mentalidade da época, “Hespanha” assemelhava-se a um espaço
compartilhado, comparável ao resto de conceitos identificativos de outras regiões,
tais como Itália, França ou Alemanha. A base conceitual não é política, mas
apenas territorial. Porém, para o caso da Península Ibérica, há uma especificidade
que não ocorre nas outras áreas: a religião. “Hespanha” abrange os reinos de
Portugal, Castela e Leão, Navarra, Aragão e o principado da Catalunha; mas não
o reino muçulmano de Granada. De facto, quando os cronistas estão a falar de
“Hespanha”, esta é sempre bem diferenciada de Granada, especialmente na obra
de Fernão Lopes14. É justamente o facto de não ser considerada europeia pela
cronística portuguesa, posto que muçulmana, o que me leva a não me ocupar dela,
ainda que a sua relevância como inimigo constante seja inquestionável.
A definição mais perfeita do que era “Hespanha” – e, aliás, Gomes Eanes
de Zurara é o único cronista que utiliza os termos “espanholl” e “espanhooes”
em todas as crónicas analisadas – encontra-se na CTC, quando um velhinho
pergunta a um português de onde era; ele responde que era “espanhol” e o anciano
especifica “nom uos pregumto, disse elle, senom de que lugar sodes da Espanha”;
e o português responde que “era naturall da çidade de Lisboa”15.
Como dado importante, salientar-se-á o facto de o termo Espanha ser referido
apenas duas vezes na CDA, mas, para já, com uma conotação que ultrapassa o
conceito puramente geográfico que tinha até então. Parece começar a mudar para
uma definição de uma realidade diversa de Portugal: “tão costumadas em Espanha
e assim n’estes reinos de Portugal”, e “que não sómente Portugal, mas Espanha
toda”16. Por outras palavras, refere um conceito abrangente, mas é sintomático que,
nas duas ocorrências, o termo “Portugal” seja diferenciado do termo “Espanha”.
Esta constatação, unida à conotação religiosa referida anteriormente para a
Europa, reforça a caracterização ideológico-religiosa da geopolítica nessa altura.
O caso da “Alemanha” é igualmente significativo. O termo designa claramente
um espaço territorial com características políticas específicas. Porém, tem apenas
quatro ocorrências: na CDJ, na CTC, na CFG e na CDA, o que evidencia uma
escassa relação de Portugal com o espaço germânico, mas não com o imperador, já
que outras vezes é mencionado o rei dos Romanos como sinónimo de Alemanha.
A única definição mais caraterizadora é a da CFG, na qual se afirma a “grandeza
dos Allemaães”.
14
CDP, c. 33. Falando nas incursões dos muçulmanos, Lopes diz “se Mouros passarem a Hespanha”.
15
CTC, c. 16. Curiosamente, esta crónica é uma das que mais vezes é nomeada “Hespanha”, em referência
à Península Ibérica.
16
CDA, respetivamente, cc. 9 e 91.
158 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
17
Para ambas as citações: CFG, p. 12.
18
O exemplo mais claro, em CDJ, I, c. 13, é: “vendo como era castellão, e de nação a elles contraira”.
19
CDP, c. 36.
20
CDF, Prólogo.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 159
caia 28. É um reflexo da relevância internacional para Portugal de cada uma destas
nações, embora dependa também da época na qual estejamos a falar.
Além disso, ainda que não sejam povos europeus, importa fazer referência
a dois povos especificamente pela relevância que irão ter em época posterior.
O primeiro, inexistente nas crónicas lopesinas, e que Zurara menciona apenas
como povo, mas que irrompe com força na CDA de Rui de Pina – nomeadamente
a partir do segundo volume – são os turcos, que aparecem em 7 ocasiões29. É rele-
vante que a crónica diferencie claramente entre “turcos” e “mouros”.
Neste mesmo sentido, sublinhe-se a diferenciação semântica e conceitual
que faz o cronista Gomes Eanes de Zurara nas suas duas crónicas sobre temática
africana entre “mouros” e “negros”. Para ele, são duas nações diferenciadas, em
que os primeiros são inimigos – por causa da fé –; e em que os segundos nem
sempre são associados aos muçulmanos.
4. A Santa Sé
Cabe iniciar as epígrafes dedicadas aos estados com maior presença nas crónicas
portuguesas analisadas, com a entidade católica por antonomásia: a Santa Sé.
Contudo, convém fazer uma apreciação, pois em nenhum lugar é mencionada a
Santa Sé como estado. Os comentários fazem sempre referência ao Papa, à Cúria,
aos cardeais ou à cidade de Roma.
Resulta revelador o facto de Avinhão nunca aparecer associado à definição
de Santa Igreja. Parece que, depois de mais de mil anos, o lugar de onde emana a
santidade é Roma, mesmo que a Roma santa mude para outro lugar como a cidade
francesa de Avinhão30. Sem dúvida, a conclamada adesão de Portugal à obediência
do papa de Roma durante o Cisma pode ter influenciado propagandisticamente a
prevalência de Roma sobre a cidade de Avinhão.
A função da Santa Sé nas crónicas é fundamentalmente de mediação. Sempre
que há um conflito, há um cardeal ou delegado apostólico presente31. No entanto,
28
CDP, cc. 20 e 21. É interessante reparar que nesse texto é claramente especificado como os
biscainhos são súbditos do conde de Biscaia, e que este, por sua vez, era súbdito do rei de Castela. No resto
das citações fala-se indistintamente no senhorio ou no território, apresentando uma identidade territorial
própria aos olhos dos portugueses. CDF, cc. 3, 12, 15, 44, 66, 112 e 135; para o gentilício, Prólogo e c. 135.
Convém aclarar que o alto número de ocorrências nesta crónica deve-se ao facto de Lopes copiar muitos
traços da crónica de Pero López de Ayala, que, obviamente, falava da política interna de Castela. CDJ, II, cc.
26 e 120; gentilício em II, c. 144. CTC, c. 12. CDA, c. 163.
29
CTC, c. 92. CDA, cc. 135, 138, 208 e 210.
30
A expressão “Santa Igreja de Roma” pode referir-se à cidade de Roma ou à cidade de Avinhão.
Exemplo em CDF, c. 160.
31
CDP, cc. 23, 26 e 32; CDF, cc. 15, 53, 71, 82.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 161
5. Génova
32
CDJ, II, c. 68.
33
CDP, c. 10. Para o gentilício, ver cc. 10 e 22.
162 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
A CDF não deixa de nomear Génova e os “genoezes”, ainda que poucas vezes.
Contudo, normalmente a menção é relativamente ao lugar de proveniência das
pessoas, não mostrando, pois, nenhum interesse geopolítico que leve a pensar
numa relevância desse estado neste período.
Na CDJ, a presença genovesa circunscreve-se quase invariavelmente às
atividades mercantis, de tal maneira que o gentilício aparece sempre vinculado
aos panos. Há um episódio recorrente em praticamente toda a crónica: quando
D. João era Mestre, foram roubadas em Lisboa umas naus de Génova e il comune
enviou uns emissários a pedir ao Mestre a restituição das mercadorias, mas sem
sucesso; mais tarde, outra comitiva genovesa fez a mesma solicitação a D. João, já
eleito rei34; e finalmente, a terceira embaixada de finais do século XIV foi bem-
sucedida35. É importante salientar que, nessa terceira embaixada, o rei castelhano
Juan I confiou ao almirante genovês Ambrosio de Marines a mediação do conflito
com Portugal.
A CTC também refere a presença de genoveses em Lisboa, e dos seus
interesses económicos em Portugal36.
Finalmente, a imagem transmitida dos genoveses pela CDA é profundamente
negativa: eles roubam e matam os portugueses e são classificados como inimigos37.
6. Navarra
34
CDJ, II, c. 4.
35
CDJ, II, c. 131.
36
CTC, c. 77.
37
Exemplo em CDA, c. 54.
38
Só uma em CDF, c. 110.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 163
7. Aragão
39
Só a CDF, c. 50 faz uma alusão aos “aragonezes”, mas num contexto referente a castelhanos e
navarros, em que não é evidente que se esteja a falar de gentes da Coroa de Aragão, mas exclusivamente do
reino de Aragão.
40
CDP, c. 3.
41
Nomeadamente, CDF, c. 48.
42
Como acontece em CDJ, I, c. 70.
164 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
8. França
“França” e “os francezes” são apresentados ao longo da CDP – ainda que em nú-
mero mais reduzido –, da CDF e da CDJ, em quantidade crescente, especialmente
a partir da intervenção do país ultrapirenaico nos assuntos ibéricos.
Há umas referências à “Casa de França” na CDF44 que evidenciam a
caracterização desse reino já como unidade geopolítica claramente estruturada no
contexto europeu (relembro que este fenómeno não acontece com nenhuma das
nações analisadas até agora). Esta perceção é reforçada pela utilização do nome
do reino como sujeito da ação, pois passa a ser dotado semanticamente de valor
substancial e autonomia conceptual45.
Um dos episódios mais destacados dos momentos prévios à batalha de
Aljubarrota é protagonizado por um francês, um cavaleiro experiente na guerra
contra mouros ou cristãos. É ele quem aconselha o rei castelhano Juan I a não
lutar contra o exército português naquele lugar, assumindo-se como a voz da
experiência46. Após a derrota, Charles VI, rei da França, oferecerá o apoio militar
solicitado por Juan I de Castela, que o qualifica como irmão e amigo. Infelizmente,
a ajuda chega tarde demais47.
Zurara afasta-se das considerações mais políticas e considera França, ora
como reino que interage com Portugal, ora como território, observando-se a
diminuição considerável do número de ocorrências, e desaparecendo qualquer
tipo de valoração. A CFG é o único texto que oferece uma definição deste reino de
uma maneira mais personalizada: “a gentilleza de França”48.
43
CDA, c. 135.
44
CDF, cc. 15 e 110.
45
Exemplos em CDF, cc. 6 e 110.
46
CDJ, II, c. 35.
47
CDJ, II, c. 67.
48
CFG, p. 12.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 165
9. Inglaterra
49
CDA, c. 135.
50
CDF, c. 154.
51
Desde os primeiros capítulos, CDF, c. 6.
52
CDF, c. 131.
53
CDF, c. 149.
166 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
[...], é mui grão verdade, porém esso fazem elles porque hão mui a miude guerra
e poucas vezes paz [...], mas a nós pelo contrário, ca havemos pelo miude paz
e poucas vezes guerra”54. É igualmente na CDJ que se encontra um indício das
dinâmicas geoestratégicas dessa altura, assinalando Inglaterra como a primeira
opção de fuga para o Mestre de Avis nos momentos convulsos após a morte do
conde João Fernandes Andeiro55. Consequentemente, é também a primeira opção
estrangeira para pedir apoio económico e militar56.
De um ponto de vista visual, Fernão Lopes adjudica à Catalina, filha de John
of Gaunt e de Constanza de Castela – a herdeira legítima ao trono, filha do rei
Pedro I, e pela qual começam a se intitularem reis de Castela desde 1372 –, o motivo
último que leva o pai a preparar a viagem de conquista em 1386, com a descrição
da dramática cena em que mãe e filha imploram de joelhos essa intervenção para
“demandar o reino, que meu é”57. Evidentemente, a intencionalidade de Lopes
visa informar o leitor da existência de uma família real que sofre pelo inimigo
castelhano, sendo Inglaterra o verdadeiro amigo.
Para além disso, é preciso chamar a atenção para as boas relações e o tráfego
de diplomatas entre Portugal e Inglaterra antes e, especialmente, após Aljubarrota,
e que culminarão com a assinatura do Tratado de Windsor em 1386, e com a
viagem do duque de Lencastre, a sua família e o seu séquito à Península. Segundo
a CDJ, teria sido o rei inglês, Richard II, quem pediu “tratar boa liança e amizade
com el-Rei de Portugal”58. O facto de Fernão Lopes estar a salientar os pontos mais
relevantes do tratado permite observar como este foi nomeadamente um acordo
comercial, porque se começa afirmando que os reis desejam “o bem commum
dos seus subditos [...] muito mais que o seu”. Estabelecem-se uma aliança e paz
eternas sob a unidade e perfeita obediência à Igreja de Roma, e a recíproca ajuda
contra os inimigos. O pacto esclarece que esses inimigos não incluem os seguintes:
“Venceslau, rei dos Romaos, e D. João, rei de Castella, duque de Lencastre, tio
d’el-Rei (...) nem isso mesmo contra o papa Urbano, que ora é”, delineando as
estratégias diplomáticas futuras.
Porém, como já indicado anteriormente, o Tratado de Windsor é emi-
nentemente comercial, pois o primeiro ponto refere-se à livre circulação de
pessoas (clérigos, nobres, mercadores ou o povo) e das mercadorias, obrigando
54
CDJ, I, c. 10.
55
CDJ, I, cc. 18 e 19. Depois, em c. 23, é dito ao Mestre: “Vós, dizem, Senhor, que vos is pera Inglaterra,
mas a mim parece que bom Londres é este”, sugerindo que ficasse em Lisboa.
56
CDJ, I, c. 48.
57
CDJ, II, c. 80.
58
CDJ, II, c. 81.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 167
59
Toda a informação relativa ao tratado é redigida pelo cronista em CDJ, II, c. 82.
60
CDJ, II, c. 121.
61
Exemplo em CDF, c. 113.
62
CDA, c. 124.
63
Não por acaso, a menção a uma casa não especificamente ligada a uma Coroa aparece na CDF
quando se fala na “casa do conde de Cambridge”, c. 147.
168 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
“marischal” foram trazidos por eles, “que até então n’elle [em Portugal] não havia”
e foi “tomado tal costume dos inglezes que então vieram”64.
Zurara, no seu projeto cronístico, no qual a defesa da missão divina do
infante D. Henrique impregna tudo, diz sobre Inglaterra na CTC: “cuja naçam
amtre as do mundo naturallmente desamam todollos jmfiees”65. A CFG oferece,
aliás, um qualificativo para a nação: “a fortalleza de Inglaterra”66.
Apesar de tudo, na verdade, a presença da Inglaterra na CDA é notavelmente
inferior do que na CDJ, o que pode, juntamente com a apresentação dos ingleses
como piratas que roubam os mercadores portugueses no mar, ser indicativo de
novos tempos na política internacional de finais do século XV67.
Cabe terminar com uma nota sobre um espaço que pertence a Inglaterra
ao longo de todo o período, mas que fica encravado no espaço da França: a
“Guiana”. Não tem gentilício, mas é um termo utilizado para nomear a terra
inglesa no sudoeste da França, bem diferenciada de outros espaços políticos. Há
várias ocasiões em que esse território é identificado com a própria Inglaterra68.
Porém, a menção mais interessante do ponto de vista das mentalidades, ainda
que se trate de uma cópia de uma passagem de Ayala, é aquela onde são descritos
os lemas que gritavam os contendentes na batalha de Nájera de 1367. Os da parte
de Enrique II de Castela diziam “Castella, S. Thiago” e os da parte de Pedro I,
“Guiana, S. Jorge”69. Recordo que nas guerras entre Portugal e Castela um pouco
mais tarde, os portugueses invocarão igualmente São Jorge para ajudá-los.
10. Castela
64
CDF, c. 149.
65
CTC, c. 33.
66
CFG, p. 12.
67
CDA, c. 162.
68
CDP, c. 23.
69
CDF, c. 9.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 169
70
CDF, c. 171: um bispo castelhano diz, após o juramento de fidelidade à D. Beatriz dos povos
portugueses em Santarém, que “vos digo que está esto muito bem para Castella, ca muito damno nos vinha
d’este rencon de Portugal!”, pois a existência mesma do reino português seria motivo de dano segundo a
visão de Lopes. No c. 20 da CDJ, I, o próprio Mestre de Avis chama os castelhanos de “mortais inimigos”.
71
CDP, c. 16.
170 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
72
CDF, c. 39.
73
CDF, c. 77; CDJ, II, c. 19.
74
CDF., c. 176.
75
Quando, após Aljubarrota, o rei castelhano foge e retira-se para Castela, aparece defendendo e
liberando os prisioneiros portugueses porque “os portuguezes são bons e leaes”, CDJ, II, c. 44.
76
CDJ, I, c. 27.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 171
que lançam os assediadores aos que se refugiaram na torre da Sé é: “Já vos tornastes
castellaos com elle? [o bispo Martinho]” 77, o que implica o uso de “castellao” quase
como insulto. Todavia, Fernão Lopes pareceria não concordar com a morte do
bispo, ainda que não o diga explicitamente, ao lamentar a desaparição dessa
personagem.
Para terminarmos a análise da CDJ, cabe destacar o papel conceitual que
jogam os apelidos gritados durante a guerra por cada um dos bandos: “Castella,
Castella, Santiago” contra “Portugal, Portugal, Sam Jorge”, durante a batalha de
Trancoso78, e em reiteradas ocasiões posteriores.
Acontece na CDJ um fenómeno único, e que poderia ser associado à
nova concepção política derivada da mudança de dinastia. Desta maneira,
ligam-se indefetivelmente três conceitos políticos nessa crónica: “Portugal”,
“El-Rei de Portugal”, e os “Portuguezes”. O trinómio aprofunda a ligação
articulada entre território, política e sociologia, transferindo para a geopolítica
o que precedentemente era apenas sociocultural. Por outras palavras, a dimensão
política que, nas crónicas – até ao momento da eleição de João I –, era representada
pelo rei, em torno de quem se construía o reino, muda para os seus povoadores,
em torno dos quais articulam-se o reino e o rei. Eles põem ou depõem os reis, e
defendem o reino.
Zurara menciona muito pouco o vizinho, e, quando o faz, a caraterização
lopesina de inimigo desaparece. A mensagem do cronista é sempre a de lutarem
juntos contra o inimigo muçulmano. Contudo, isto não quer dizer que haja
valorações positivas, impondo-se a neutralidade.
Na CDA observa-se outra alteração relativamente à percepção sobre o reino
vizinho. Há uma altura no texto em que a afirmação sobre Castela é positiva:
“aquele reino não é pequeno, e é muito forte, de gente leal e mui esforçada”.
Todavia, ainda há momentos de tensão entre uns e outros, em que os castelhanos
são apresentados como pouco fiáveis79.
Sobre a questão conceitual, constata-se em Pina uma diminuição no uso do
termo “castellãos” – de facto, não é até à metade do segundo volume que aparece o
termo – e se verifica a sua substituição pelo termo “Castella”. Talvez esta mudança
responda à modernização semântica que troca conceitualmente os povos pelos
estados.
Uma última consideração merece o tema regional a respeito de Castela. Mais
concretamente, no caso da Galiza poderia ser salientada uma sua particularidade.
77
CDJ, I, c. 13.
78
CDJ, I, c. 96.
79
CDA, c. 186.
172 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Surpreende que este território nunca seja mencionado como reino de, mas
apenas pelo nome da região. Não seria curioso se não fosse pelo facto de outras
regiões, como, por exemplo, Múrcia ou a própria Castela, serem repetidamente
caracterizadas como reinos. Na CDJ há uma variante na nomenclatura desse
território, chamando-o de “comarca de Galliza”80. Por outro lado, a mesma
crónica introduz uma característica marcadamente geopolítica, pois a definição
de “gallegos” nunca fica dentro da definição de “castellaos”, mesmo durante a
guerra luso-castelhana81. Aliás, nos três capítulos dedicados às lutas entre galegos
e portugueses, e mais especificamente aquando da tomada de Tui, o combate
envolve portugueses contra “gallegos e castellaos”82.
11. Conclusões
Como já foi referido no início deste trabalho, não se pretendia chegar aqui a uma
conclusão definitiva. O tema deve ser ainda explorado em toda a sua complexidade,
envolvendo elementos estrangeiros na pesquisa para enriquecer os pontos de vista
e poder comparar convenientemente o universo mental dos portugueses do século
XV com o dos outros europeus.
A origem de algumas acepções de conceitos territoriais, que mudam para
definir novas realidades políticas, em concomitância semântica com outros
conceitos, como os gentilícios e, sobretudo, os títulos de rei e rainha, conformam
uma linha de investigação de especial relevância para perceber a passagem à
modernidade, em que esses três parâmetros evoluem até definirem uma única
realidade: a nação. É só através dos textos coetâneos que é possível estabelecer as
bases culturais dessas mudanças.
Procurei demonstrar que, nas crónicas portuguesas analisadas, a ideia de
Europa, concebida como um todo, não é ainda perceptível. Existem entidades
político-territoriais que significam realidades diferentes, que podem aludir a
estados ou territórios dentro de outros estados. Ao mesmo tempo, tentei apre-
sentar os principais protagonistas da geopolítica europeia aos olhos dos cronistas
portugueses que trabalharam para a Coroa.
Contudo, o objetivo principal deste estudo foi contribuir para o longo
caminho da investigação sobre a evolução conceitual das relações internacionais.
80
CDJ, II, c. 28.
81
Pode servir como exemplo a expressão: “haver na cidade grão parte de gallegos e castellãos” (CDJ,
c. 20); ou “assim castellãos como doutra gente” (CDJ, c. 118), em referência aos galegos.
82
CDJ, I, cc. 117, 121 e 122.
A IMAGEM DOS EUROPEUS NAS CRÓNICAS PORTUGUESAS DO SÉCULO XV 173
BIBLIOGRAFIA
DINIS, A. J. Dias, Vida e Obras de Gomes Eanes de Zurara, Lisboa, Agência Geral das
Colónias, 1949.
EARLE, T. F., “Rui de Pina, Crónica de D. Afonso V and Bodleian MS Don. c. 230”,
Portuguese Studies, vol. 31, Nº 2 (2015), pp. 222-234.
MENDONÇA, M., As relações externas de Portugal nos finais da Idade Média, Lisboa,
Edições Colibri, 1994.
PINA, Rui de, Chronica de El-Rei D. Affonso V, 3 vols., Lisboa, Escriptório, 1901.
RUSSELL, P., A intervenção inglesa na Península Ibérica durante a Guerra dos Cem
Anos, Lisboa, INCM, 2000.
ZURARA, Gomes Eanes de, Chrónica d’El-Rei D. João o Primeiro e dos reis de Portugal
o Décimo em que se contém a Tomada de Ceuta, Lisboa, Escriptório, 1899.
Resumo
Palavras-chave
1
CHAM – Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova
de Lisboa.
176 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Abstract
In the Spring of 1514 arrived in Lisbon the nobleman Jan Taccoen, who came
from Flanders and went to Jerusalem by sea. The town was to him a complete
surprise: the existence of many Negroes and Indians and the elephants
belonging to the king, showed him a world of “strange animals and people”.
He also knew some habits wich were unusuals or not existents in his country,
as flagellant processions and noisy funerals, as well as legal harshness in
view of adultery, and dirtiness of homes and streets. It was one unforgetable
experience, which he emphasized in his travel report.
Keywords
2
Carlo RUTA, Storia del viaggio in Sicilia dalla tarda antichità all’età moderna, Ragusa, Edizioni di
storia e studi sociali, 2016, pp. 11-12.
OS PORTUGUESES DE QUINHENTOS VISTOS PELO FLAMENGO JAN TACCOEN DE ZILLEBEKE 177
percurso utilizado para chegar à Terra Santa era a travessia terrestre até ao norte
de Itália e daí, por intermédio de navios venezianos, alcançar o Médio Oriente. No
entanto, nos começos do século XVI, cidades mercantis como Antuérpia tentaram
abrir uma rota direta pelo Atlântico, contornando assim o monopólio de Veneza.
Nessa tentativa se integrou Dierick van Paesschen, que organizou, a partir de 1511,
várias viagens a Jerusalém com apoio financeiro das autoridades daquela urbe
flamenga, distribuindo anúncios em línguas como francês e latim para recrutar
passageiros. Numa delas embarcou Jan Taccoen3.
Nascido cerca de 1454, o flamengo pertencia a uma família com presença no
condado da Flandres desde as primeiras décadas do século XII e era o filho mais
velho de Jan Taccoen (sénior) e de Isabella van Pittem. Casou duas vezes, uma com
Maria de Beaufremez e outra com a viúva Catharina Liebaert, tendo sido pai de
cinco ou seis filhos, um dos quais Wulfaart Taccoen, que estava em Lisboa quando
o pai por aqui passou. Era senhor de Zillebeke, povoação próxima da cidade de
Ypres, e de Herenthage, Singelbaanst, Fresnoy e Cessoye, possuindo mansões em
Zillebeke, Komen (Comines) e Ieper, em que residiu. Ocupou cargos políticos e
honoríficos nalgumas dessas terras. Faleceu em 1532, tendo sido sepultado em
túmulo de mármore na igreja de Zillebeke.
Antes da viagem que o trouxe a Lisboa e lhe permitiu, depois, visitar
Jerusalém, Jan Taccoen tinha já tentado por duas vezes chegar aos Lugares Santos,
uma em 1500, com percurso por terra até Roma e Veneza, onde não conseguiu
embarcar devido à guerra desta última com os Turcos, e outra semelhante em
1509-1510, tentativa frustrada pelo conflito dos venezianos com as potências
europeias. Em 1512 foi, por mar, a Compostela, na Galiza4. A viagem de 1514-1515
foi, por isso, a consecução de várias experiências fracassadas anteriores, o que
evidencia as dificuldades, na época, em se chegar àquele destino.
A viagem que levou a cabo pô-lo em contacto com outros povos e costumes,
muitos dos quais observou e relatou de forma crítica, nomeadamente nas terras em
que, por se ter encontrado com um filho, como sucedeu em Lisboa, ou por ter que
aguardar o navio para Jerusalém, como aconteceu em Cádiz e Jerez, permaneceu
mais tempo, entregue a si próprio e não em grupo e acompanhado por guardas
armados, caso de Jerusalém e outros lugares da Palestina. A oportunidade de
conhecer melhor certas terras permitiu-lhe igualmente compará-las entre si e com
outras que já tinha visitado nas viagens anteriores.
3
Eddy STOLS, Jorge FONSECA e Stijn MANHAEGHE, Lisboa em 1514. O relato de Jan Taccoen van
Zillebeke, Lisboa, Húmus, 2015, pp. 77 e 87.
4
STOLS (2015), 78-82.
178 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Vejamos alguns aspetos destacados por Jan Taccoen da sua estadia em Lisboa.
Um deles foi a dimensão, população e dinamismo da cidade, que equiparou a
Bruges: “Falando da cidade de Lisboa, ela é grande, tanto como Bruges (…)
mora aí tanta gente que é de espantar”. E também: “Lisboa, no futuro, será uma
grande, rica e poderosa cidade, porque é de admirar o número de casas que nela
se constroem”. Se compararmos a população da cidade do Tejo, com 70.000
habitantes em 1528, com a de várias urbes flamengas da mesma época, aquela
ultrapassava bastante qualquer uma destas, fossem Antuérpia, Bruxelas, Gand e
sobretudo Bruges, que em 1500 contava com 30.000 pessoas e 60 anos depois com
apenas 35.0005, quando Lisboa, ainda em 1551, já albergava 100.000 pessoas. Não
era fácil, no entanto, a Taccoen estabelecer paralelos sem recurso a estatísticas, que
não existiam ainda, tendo ficado, por isso, pela impressão de grandeza e animação
da cidade que visitou. Impressionou-o também a altura dos edifícios, muitos deles
abrigando três e quatro famílias em vários andares, consequência do aumento da
população, superiores ao que era comum nos Países Baixos ou em França, que era
a existência de apenas dois pisos sobre a oficina6.
No plano negativo, reparou que as ruas eram mal pavimentadas, exceto
uma (por certo a rua Nova dos Mercadores), o que impedia que se andasse a pé
quando chovia (provavelmente devido à lama e poças de água) e que a higiene
não era muita, não existindo privadas nas casas e sendo os despejos domésticos
transportados diariamente para o rio à cabeça de escravos. Outros visitantes, como
o italiano anónimo autor do Retrato e reverso do reino de Portugal, foram ainda
mais críticos, falando da extrema sujidade das próprias vias públicas, lamacentas e
malcheirosas7. Não lhe agradou também a maneira de vestir das classes abastadas,
os homens com longas capas até ao chão e as mulheres cobertas de véus que lhes
encobriam os rostos.
Mas, além destes, outros aspetos do ambiente social o interessaram, pelo
contraste que evidenciavam com o da sua região de proveniência e dos outros países
europeus que já tinha visitado. Aquele que mais destacou foi o multiculturalismo
da população e a existência de animais exóticos: “Vêem-se em Lisboa muitos
animais e gente estranha e outras coisas que trazem da Turquia, dos países
conquistados pelo rei”. Descontando o facto de englobar no império otomano, em
plena expansão na época e a suprema ameaça para a Cristandade, a generalidade
5
Jonathan I. ISRAEL, The Dutch Republic. Its rise, greatness and fall. 1477-1806, Oxford, Clarendon
Press, 1998, pp. 114.
6
Philippe CONTAMINE, “Fogo, família, casa”, in História da Vida Privada, vol. 2., Da Europa
feudal ao Renascimento, Porto, Afrontamento, 1990, pp. 457-460.
7
A. H. de Oliveira MARQUES (ed.), “Retrato e reverso do reino de Portugal”, in Portugal quinhentista,
Lisboa, Quetzal, 1987, pp. 193-194.
OS PORTUGUESES DE QUINHENTOS VISTOS PELO FLAMENGO JAN TACCOEN DE ZILLEBEKE 179
8
Sílvio BEDINI, The Pope’s elephant, Manchester, Carcanet, 1997, p. 30.
9
Jacques HEERS, Escravos e servidão doméstica na Idade Média, Lisboa, Dom Quixote, 1983, pp. 91-101.
180 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Por lhe ter sido narrada, provavelmente pelo filho Wulfert, pois a ela já
não assistiu, referiu também a estadia na urbe, aparentemente recente, de três
importantes personalidades “vindas da longínqua terra de Calecute”: “Tinham
nas faces muitas pedras, assim como no queixo e na boca, sobre os lábios, dois
dentes compridos de pedras preciosas”. As relações com esse reino hindu da costa
do Malabar, antes caracterizadas pela hostilidade, foram estabelecidas em outubro
de 151310, tendo os Portugueses iniciado aí a construção de uma fortaleza. Para
selar a aliança o Samorim decidiu enviar uma embaixada a D. Manuel11, na qual
certamente se integraram os dignitários mencionados. O uso de joias em profusão
é natural em pessoas chegadas de um território onde se extraía e vendia grande
quantidade e variedade de pedras preciosas, como viria a referir em pormenor o
holandês Linschotten12.
Do maior interesse foram igualmente as impressões que colheu sobre o
carácter e costumes dos Lisboetas e dos Portugueses em geral, nomeadamente os
rituais que costumavam assinalar acontecimentos importantes da vida, como o
casamento e a morte. Quanto ao casamento, admirou-se com a simplicidade das
respetivas cerimónias:
14
Philippe ARIÈS, O homem perante a morte, vol. 1, Lisboa, Europa-América, 1988, p. 171.
15
MARQUES (1971), 213-214.
16
Charles de LA RONCIÈRE, “A vida privada dos notáveis toscanos no limiar do Renascimento”, in
História da Vida Privada, vol. 2, Porto, Afrontamento, 1990, pp. 253-254.
17
Jan de ZILLEBEKE, Livre de voyages, Manuscrito 793 da Biblioteca Municipal de Douai (França),
f. 11.
182 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
“Em Lisboa, quando uma mulher casada se envolve com outro além do seu
marido e este se queixa à justiça, o homem e a mulher são enforcados, a não
ser que se trate de pessoas importantes. Amarram-nos junto à Ribeira numa
bela cruz de pedra com degraus (…) e aí os deixam, com os pescoços juntos
como se faz com os carneiros.”18
peão, a pena de morte não seria posta em prática sem conhecimento do rei e a
respetiva autorização.
Quando eram os maridos atraiçoados a fazer justiça por suas mãos, podiam
contar com a compreensão do rei e das suas leis. Nesse sentido D. Afonso IV
determinou “que toda mulher casada que fizer adultério a seu marido, se a o
marido matar por ende, ainda que a não ache no adultério, que não morra por
ende, nem haja outra pena de justiça”19. Regra semelhante viriam a estabelecer
as Ordenações Manuelinas. O marido ultrajado que matasse a mulher adúltera
e o seu cúmplice não teria que se preocupar com as consequências do seu ato,
desde que fosse cavaleiro, fidalgo de solar, desembargador ou pessoa de maior
qualidade. Dizia a lei: “aqueles que (…) por tal razom matarem nom hajam medo,
nem se catem de mim, nem da minha justiça”. Porém, se o que matasse fosse peão
e homem de pequeno estado, e o culpado de adultério fosse de condição superior,
já o primeiro não seria ilibado pela morte, mas antes degredado um ano para um
lugar afastado, como eram as terras de fronteira e as praças do norte de África.
Coerente com isso foi um facto presenciado pelo senhor de Zillebeke, que ele
estranhou: “Vi (…) passar um homem que parecia rico e poderoso (…). Disseram-
me que três dias antes tinha morto a mulher e o homem com quem a encontrou. E
não deixava por isso de andar na rua, não receando a justiça”.
No entanto, nem sempre isso se passava. O estudo das cartas de perdão do
século XV publicadas por Pedro de Azevedo mostra que frequentemente nem o
adultério era penalizado com a morte, nem da adúltera nem do cúmplice, nem a
morte da mulher pelo marido ofendido ficava sempre sem punição. Em ambos os
casos os crimes foram castigados com penas de desterro20.
Taccoen comparou o que, a este respeito, viu na corte portuguesa com aquilo
que, sobre o mesmo assunto, ocorria em Roma, que já tinha visitado:
“Em Lisboa não se passa o mesmo que em Roma, pois aí (…) não parece que
seja considerado pecado os homens envolverem-se com mulheres casadas ou
casadoiras: tudo isso parece normal e que o Papa o consente.”21
19
MARQUES (1971), 126.
20
Amélia ANDRADE, Teresa TEIXEIRA e Olga MAGALHÃES, “Subsídios para o estudo do
adultério em Portugal no século XV”, Revista de História, v. V, Porto, Universidade, 1983-84, pp. 93-129.
21
STOLS (2015), 127.
184 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
22
Johan HUIZINGA, O declínio da Idade Média, Lisboa, Ulisseia, 1985, p. 23.
23
Silvana VECCHIO, “A boa esposa”, in História das mulheres no Ocidente. A Idade Média, Porto,
Afrontamento, 1993, p. 154.
24
Idem, ibidem, 172 e 174.
25
Claudia OPITZ, “O quotidiano da mulher no final da Idade Média (1250-1500)”, in História das
mulheres no Ocidente, Porto, Afrontamento, 1993, pp. 356-357, 366-371.
OS PORTUGUESES DE QUINHENTOS VISTOS PELO FLAMENGO JAN TACCOEN DE ZILLEBEKE 185
em 1484 e foi recebido por D. João II. Para este, apesar dessa crença ingénua, os
Portugueses eram rudes e indolentes, embora mais fiéis e moderados na comida e
bebida que os Ingleses, que tinha acabado de conhecer. Referiu, como Taccoen, as
capas negras, largas e compridas usadas pelos homens e o tamanho da cidade, tão
grande como Colónia e Londres. Foi obsequiado pelo monarca com dois escravos,
que lhe foi dado escolher entre uns cinquenta acabados de chegar ao porto e cujas
características destacou 29.
Ainda no tempo de D. João II visitou o reino o médico de Nuremberga
Jerónimo Münzer, acompanhado de um grupo de mercadores alemães. Da relação
em latim que ficou da sua estadia constam referências aos animais exóticos
que viu em Lisboa, ao próspero comércio com África, à riqueza dos Judeus e à
existência de inúmeros escravos negros, alguns dos quais surpreendeu a trabalhar
na fundição das armas, âncoras e apetrechos usados nas navegações, os quais
comparou a “Cíclopes no antro de Vulcano”. Achou Lisboa maior e muito mais
populosa que Nuremberga e os Portugueses de carácter afável30.
Outros estrangeiros, no entanto, retiveram uma impressão diferente desta,
motivados pelas também diversas circunstâncias e objetivos da sua estadia. O
veneziano Lunardo da Cà Masser, na corte lusa desde 1504 e que chegou a estar
preso como espião, considerou os moradores arrogantes, conflituosos e indignos
de confiança. O seu desinteresse pelo comércio, que tinham por pouco digno, e a
tendência ostentativa e perdulária faziam com que o país dependesse, em quase
tudo, das importações31.
Entre 1533 e 1538, residiu em Portugal o professor e gramático flamengo
Nicolau Clenardo, chamado por D. João III para ensinar latim ao infante D. Henrique,
seu irmão. Um dos aspetos que mais ressaltam das cartas que dirigiu a alguns
compatriotas foi o do grande número de escravos e negros que encontrou e que o
fez considerar, com voluntário exagero, que Lisboa tinha mais escravos que gente
livre e Évora, para onde foi viver, lhe parecia uma cidade do inferno, tal o número
de negros que nela via. Mesmo assim, deu-se bem por cá, com a ajuda do invejável
ordenado que recebia, comprando alguns negros, a quem ensinou latim, para o
serviço de casa e para o ajudarem nas aulas32.
29
J. GARCÍA MERCADAL (Org.), Viajes de extranjeros por España y Portugal, Madrid, Aguilar,
1952, pp. 309-315.
30
Basílio de VASCONCELOS, “Itinerário” do Dr. Jerónimo Münzer (Excertos), Coimbra, Imprensa
da Universidade, 1931.
31
Vitorino Magalhães GODINHO, “Portugal no começo do século XVI: instituições e economia. O
relatório do veneziano Lunardo da Cà Masser”, Revista de história económica e social, nº. 4, Lisboa, Sá da
Costa, 1979, pp. 75 e 84.
32
Jorge FONSECA, “Black Africans in Portugal during Cleynaerts’s visit (1533-1538)”, in Black
Africans in Renaissance Europe, T. F. Earle and Kate Lowe (ed.), Cambridge, Cambridge University Press,
2005, pp. 113-121.
OS PORTUGUESES DE QUINHENTOS VISTOS PELO FLAMENGO JAN TACCOEN DE ZILLEBEKE 187
38
Gianbattista CONFALONIERI, “Da grandeza e magnificência da cidade de Lisboa” (1593), in Por
terras de Portugal no século XVI, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, 2002, pp. 161-250.
OS PORTUGUESES DE QUINHENTOS VISTOS PELO FLAMENGO JAN TACCOEN DE ZILLEBEKE 189
BIBLIOGRAFIA
HEERS, Jacques, Escravos e servidão doméstica na Idade Média, Lisboa, Dom Quixote,
1983.
190 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
ISRAEL, Jonathan I., The Dutch Republic. Its rise, greatness and fall. 1477-1806, Oxford,
Clarendon Press, 1998.
RADULET, Carmen M., “Um relato italiano do reino de Portugal no século XVI”,
Mare Liberum, nº. 14, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, 1997, pp. 99-114.
RUTA, Carlo, Storia del viaggio in Sicilia dalla tarda antichità all’età moderna, Ragusa,
Edizioni di storia e studi sociali, 2016.
SASSETTI, Filippo, Lettere di … sopra i suoi viaggi nelle indie orientali dal 1578 al 1588,
Reggio, Dalla Stampería Torreggiani e C., 1844.
OS PORTUGUESES DE QUINHENTOS VISTOS PELO FLAMENGO JAN TACCOEN DE ZILLEBEKE 191
Resumo
Palavras-chave
1
CHAM – Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova
de Lisboa (NOVA FCSH) e Departamento de História da NOVA FCSH.
194 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Abstract
Keywords
O texto que se segue tem como horizonte a viagem e os seus testemunhos. Trata-se,
no entanto, de um olhar não de portugueses que partiram, impelidos por objec-
tivos, interesses, obrigações e histórias de vida tão diversas, e que escreveram e
sobre o desconhecido que se ia desvelando, mas de alguns dos que nos visitaram
nesse século em que se cruzaram oceanos e demandaram, por razões também elas
diversas, o reino de Portugal.
Restringindo um tema que seria demasiado vasto para abordar em todas as
suas componentes, protagonistas e perspectivas, iremos centrar a nossa reflexão
sobre o testemunho de cronistas, viajantes, humanistas e embaixadores que esti-
veram em Portugal no século XVI, partindo embora de uma referência aos finais
da Idade Média. É talvez escusado dizer da importância de que se revestem, de
uma forma geral, esses testemunhos para a história portuguesa já que muitas vezes
revelam pormenores e aspectos que, sobre nós, de outra forma desconheceríamos;
ou que, de um outro ponto de vista, revelam a representação que sobre Portugal se
fazia a partir de outras paragens e outras zonas da velha Europa. Em todo o caso, é
sempre o olhar do Outro, que nos observa e à nossa realidade enriquecendo, desta
forma, a imagem que podemos, mesmo que fragmentariamente, construir sobre
o nosso passado.
Ainda no século XV, gostaríamos de destacar um testemunho pouco co-
nhecido, e que constitui uma das mais antigas descrições de Portugal devida a
um estrangeiro. Trata-se de Gilles Le Bouvier (†c. 1455), arauto e rei de armas de
Carlos VII rei de França (†1461).
OLHARES ESTRANGEIROS SOBRE PORTUGAL (c. 1450-1571) 195
2
Permanecendo apenas sob suserania da Inglaterra a cidade de Calais, até 1558.
196 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
3
Gilles LE BOUVIER, Le Livre de la Description des Pays de Gilles le Bouvier dit Berry, Premier Roi
d’Armes de Charles VII, Roi de France, publié pour la première fois avec une Introduction et des Notes […]
par E.-T Hamy, Paris, Ernest Leroux Editeur, 1908, pp. 126-127.
4
João de BARROS, Asia, Primeira Década, 4ª ed. revista e prefaciada por António Baião, conforme a
edição princeps, Liv. 4, cap. 2, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1932, p. 127.
OLHARES ESTRANGEIROS SOBRE PORTUGAL (c. 1450-1571) 197
5
Basílio de VASCONCELOS (ed.), Itinerário do Dr. Jerónimo Münzer: (excertos), Coimbra, 1931,sep.
de O Instituto, v. 80, nº 5.
6
Recordemos que D. João II e a rainha D. Leonor, sua mulher, eram primos direitos do imperador
Maximiliano, filho de Frederico III e D. Leonor de Portugal, filha de D. Duarte.
7
Francisco de Sousa VITERBO, “Occorrencias da vida judaica”, Archivo Historico Portuguez, II,
1904, pp. 178-179.
8
Marília dos Santos LOPES, “Portugal: uma fonte de novos dados. A recepção dos conhecimentos
portugueses sobre África nos discursos alemães dos séculos XVI e XVII”, Mare Liberum, 1999, pp. 205-308.
198 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
9
Vitorino Magalhães GODINHO, “Portugal no começo do século XVI: instituições e economia.
O relatório do veneziano Lunardo de Cà Masser”, Revista de História Económica e Social, 4, Julho-Dezembro,
1979, p. 75.
10
Ana Isabel BUESCU, D. João III (1502-1557), 2ª edição, Lisboa, Temas e Debates, 2008, pp. 22-23.
11
Helder CARITA, Lisboa Manuelina e a Formação de Modelos urbanísticos da Época Moderna
(1495-1521), Lisboa, Livros Horizonte, 1999; Nuno SENOS, O Paço da Ribeira: 1501-1581, Lisboa, Editorial
Notícias, 2002.
12
SENOS (2002), 70.
OLHARES ESTRANGEIROS SOBRE PORTUGAL (c. 1450-1571) 199
“[…] do mal que ao diante morreo, e ouue suspeitas que fou de peçonha,
ficou huã geral presumpçam que nesta fonte cuberta lhe fora dada em agoa
que bebeo, a qual presumpção e sospeyta se confirmou em muytos com as
mortes de Fernam de Lyma seu copeiro more, e de Esteuam de Sequeira
copeiro, e de Affonso fidalgo homem da copa, que dos tres faleceram [...].”15
“El secondo Duca se chiama Don Zorzi, Duca de Ciubra [sic], fu fiolo
naturale del re Don Zuanne, el qual pretendeva suceder a questo regno, e
sperava de esser Re: aspettava le sue bolle da Roma avanti el morir del re Don
Zuanne suo padre, per farlo legitimo; ma, come credo, che sia noto quanto
sia stá perseguitado suo padre, Re Don Zuanne, per farlo morir, da tutti li
15
Garcia de RESENDE, Crónica de D. João II, Joaquim Veríssimo Serrão (ed.), cap. CXXVIIII,
Lisboa, INCM, 1991, p. 188.
16
Gaspar CORREIA, Crónicas dos Reis de Portugal e Sumários de suas vidas (D. Pedro I, D. Fernando,
D. João I, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II), Leitura, introdução, notas e índice por José Pereira da Costa,
Lisboa, Academia das Ciências, 1996, p. 270.
OLHARES ESTRANGEIROS SOBRE PORTUGAL (c. 1450-1571) 201
Grandi di questo regno, e piú sui preziati, dalli quali ultimamente no si poté
defender, fu tossicato a termine.”17
21
STOLS (2014), “Lisboa: um portal do mundo para a nação flamenga”, 7-76.
22
Manuel Gonçalves CEREJEIRA, O Renascimento em Portugal I – Clenardo e a Sociedade Portuguesa
(com a tradução das suas principais cartas), 4ª edição, revista, Coimbra, 1974, pp. 62 e ss. Sobre a figura de
André de Resende há vários estudos de referência, permitindo-nos remeter para a síntese sobre o percurso
e inflexões intelectuais e políticas de Resende da autoria de Raul Miguel Rosado FERNANDES, “André de
Resende e o Humanismo Europeu”, in O Humanismo Português 1500-1600. Primeiro Simpósio Nacional
21-25 de Outubro de 1985, Lisboa, 1988, pp. 593-616.
23
BUESCU (2008), 290.
24
Permitimo-nos discordar da apreciação de Eddy Stols sobre o interesse dos testemunhos de
Clenardo sobre a sociedade e a corte portuguesas. STOLS (2014), 16.
OLHARES ESTRANGEIROS SOBRE PORTUGAL (c. 1450-1571) 203
muitos varões doutos tanto na língua grega como na latina, a ponto que nem na
própria Salamanca se encontrará quem as fale tão correntemente”25.
Estando então a corte na sua longa estadia em Évora nos anos 30, Clenardo
aí se instalou, montando casa própria em 1535, tomando ao seu serviço Miguel,
António e Sebastião, três escravos negros, que então abundavam na cidade, a quem
começou de imediato a ensinar latim, tornando-se um observador privilegiado
do quotidiano eborense de então. Pelas suas cartas latinas dirigidas a amigos
e correspondentes, traduzidas e publicadas por Manuel Gonçalves Cerejeira
na obra O Renascimento em Portugal perpassam, com a franqueza possível em
missivas de carácter privado, pedaços da realidade social e económica portuguesa
de Quinhentos, reverberados pelo olhar de um homem do Norte da Europa, de
que destacamos alguns mais relevantes de diversa ordem.
Em primeiro lugar, “o estado da agricultura”, “aquilo que faz o nervo
principal duma nação é aqui de uma debilidade extrema”, sublinhando a carestia
dos géneros, que o deixava genuinamente impressionado. Outro traço que emerge
da sua análise prende-se com a “mania nobiliárquica”, traço também abundante
e reiteradamente notada por outros testemunhos: “Em Portugal, todos somos
nobres, e tem-se como grande desonra exercer alguma profissão”. De algum modo
ligada a esta, Clenardo regista ainda o vício da ostentação, que leva qualquer um,
mesmo que não o possa verdadeiramente, a “sustentar uma mula e quatro lacaios”.
A fisionomia social do reino suscita ainda a Clenardo outro tipo de observa-
ções, como seja o número elevado de escravos negros e mouros, que o surpreende:
“Os escravos pululam por toda a parte. Todo o serviço é feito por negros e mou-
ros cativos. Portugal está a abarrotar com essa raça de gente”. E, com manifesto
exagero, mas testemunhando o contraste com a paisagem humana que lhe era
familiar, acrescenta: “Estou em crer que em Lisboa os escravos e as escravas são
mais que os portugueses livres de condição”. Num plano diferente, outro traço o
surpreende: a tranquilidade em Portugal, que contrasta com os cada vez maiores
tumultos, entende-se de carácter político e religioso, na Europa; e a guerra que
os portugueses fazem “com os Índios e os Africanos, embora estes façam todos
os anos alguma investida, contudo o mal não é tão largo, que os Portugueses o
sintam”.
Naturais num homem ligado às letras e ao humanismo, a atenção à cultura
também emerge no conjunto das suas notas sobre Portugal. Assim, evocando os
hábitos e usos universitários, a que se refere com algum pormenor, sublinha ser
habitual os catedráticos permanecerem à porta da sala de aula para responderem
25
Carta de Nicolau Clenardo a João Vaseu, datada de Évora, 31 de Dezembro de 1535, traduzida e
publicada por CEREJEIRA (1974), 244.
204 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
às dúvidas dos alunos. E, de forma específica, mostra a sua atenção aos círculos
humanistas da corte portuguesa e ao estudo das humanidades, não faltando
até uma referência directa à erudita Joana Vaz, da “corte literária” da infanta
D. Maria, que Clenardo classifica como sendo mulher “de grande cultura literária”.
E poderíamos continuar. As cartas de Clenardo são, sem dúvida, um dos mais
expressivos testemunhos de um humanista estrangeiro em Portugal no século
XVI.
Interessa-nos agora explorar outro tipo de correspondência, de natureza
diplomática, dos núncios permanentes em Portugal durante o reinado de D. João III,
não sem que antes seja necessário evocar, de forma breve, como na viragem
para os tempos modernos o momento era de afirmação – e de “afinação” – dos
mecanismos diplomáticos como instrumento de acção política no concerto das
nações. Uma das mais importantes e substanciais alterações foi a da generalização
da figura do embaixador permanente, cargo e função inaugurada em Portugal
com a figura do doutor João Faria, embaixador na Cúria romana, no reinado de
D. Manuel.
Antes, e também convivendo com esta nova figura da diplomacia, continua-
vam, naturalmente, a coexistir os embaixadores temporários, investidos de uma
determinada missão mas que, depois de cumprida, regressavam para junto dos
seus senhores – vimos um exemplo disso com a estadia em Lisboa de Cà Masser,
enviado da Sereníssima República. Agora, para além destes, passava a existir o
embaixador permanente, um pouco como os conhecemos hoje. Mutação que
não pode deixar de ser vista no quadro não só da consolidação das monarquias
mas também, num outro plano, da progressiva afirmação dos Estados Modernos.
O segundo grande mecanismo da prática diplomática foi a utilização cada vez mais
frequente da cifra na correspondência, já evidentemente conhecida há muito, mas
aperfeiçoada e difundindo-se pela generalidade das chancelarias. Neste mundo da
diplomacia quase no sentido em que a entendemos hoje, ancorada num conjunto
formal e público de cerimoniais, etiqueta e representação de Estado, cruzava-se,
como hoje, com a actividade diplomática de bastidores e com o mundo mais secre-
to dos agentes, mercenários e espiões que enxameavam, em relação directa com a
importância das cortes, as grandes cidades europeias.
A correspondência dos núncios papais em Portugal no século XVI, editada
por Charles-Martial de Witte26, constitui uma fonte documental de grande impor-
tância para o estudo das relações, nem sempre pacíficas, entre a coroa portuguesa
com a Cúria no crucial período da implantação da Inquisição em Portugal, e todas
26
Charles-Martial DE WITTE, La Correspondance des Premiers Nonces Permanents au Portugal
(1532-1553), 2 vols., Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1980 e 1986.
OLHARES ESTRANGEIROS SOBRE PORTUGAL (c. 1450-1571) 205
27
Catarina Santana SIMÕES, “The Symbolic Importance of the “Exotic” in the Portuguese Court in
the Late Middle Ages”, Anales de Historia del Arte, 24, 2014, pp. 517-52. http://revistas.ucm.es/index.php/
ANHA/article/view/48291.
206 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
28
Ana Isabel BUESCU, “D. Miguel da Silva e a Coroa portuguesa: diplomacia e conflito”, in Rui
Macário (coord.), D. Miguel da Silva – A Obra ao Tempo, Viseu, Museu de Grão Vasco/Projecto Património,
2015, pp. 15-49.
OLHARES ESTRANGEIROS SOBRE PORTUGAL (c. 1450-1571) 207
29
Giovanni Battista VENTURINO, “Viagem do cardeal Alexandrino”, in Alexandre Herculano,
Opúsculos, T. VI, Controvérsias e Estudos Históricos (Tomo III), 5ª edição, Lisboa, Livraria Bertrand, s.d.,
pp. 49-90.
208 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
30
Cristóvão de MORAIS, óleo sobre tela, MNAA, 1165 Pint.
OLHARES ESTRANGEIROS SOBRE PORTUGAL (c. 1450-1571) 209
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes
BARROS, João de, Asia, Primeira Década, 4ª ed. revista e prefaciada por António Baião,
conforme a edição princeps, Liv. 4, cap. 2, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1932.
CORREIA, Gaspar, Crónicas dos Reis de Portugal e Sumários de suas vidas (D. Pedro I,
D. Fernando, D. João I, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II), Leitura, introdução,
notas e índice por José Pereira da Costa, Lisboa, Academia das Ciências, 1996.
LE BOUVIER, Gilles, Le Livre de la Description des Pays de Gilles le Bouvier dit Berry,
Premier Roi d’Armes de Charles VII, Roi de France, publié pour la première fois
avec une Introduction et des Notes […] par E.-T Hamy, Paris, Ernest Leroux
Editeur, 1908.
RESENDE, Garcia de, Crónica de D. João II, Joaquim Veríssimo Serrão (ed.), Lisboa,
INCM, 1991.
Estudos
BRAGA, Paulo Drumond, O príncipe D. Afonso, filho de D. João II. Uma vida entre a
guerra e a paz, Lisboa, edições Colibri, 2008.
BUESCU, Ana Isabel, D. João III (1502-1557), 2ª edição, Lisboa, Temas e Debates,
2008.
210 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
BUESCU, Ana Isabel, “D. Miguel da Silva e a Coroa portuguesa: diplomacia e conflito”,
in Rui Macário (coord.), D. Miguel da Silva – A Obra ao Tempo, Viseu, Museu de
Grão Vasco/Projecto Património, 2015, pp. 15-49.
LOPES, Marília dos Santos, “Portugal: uma fonte de novos dados. A recepção dos
conhecimentos portugueses sobre África nos discursos alemães dos séculos XVI
e XVII”, Mare Liberum, 1999, pp. 205-308.
OLIVEIRA, Julieta Teixeira Marques de, Veneza e Portugal no século XVI: subsídios
para a sua história, Lisboa, INCM, 2000.
Resumo
“Fomos muito bem tratados” é uma expressão usada pelo humanista alemão
Hieronymus Münzer na sua estada em Portugal. Recebido pelo monarca
português, D. João II, pelo preceptor e humanista Cataldo Sículo, ou por
comunidades de mercadores, o viajante e intelectual alemão anota, com
grande admiração e curiosidade, traços de uma relação entre Portugal e o
Império Sacro Romano-Germânico que se irá manter duradoura, próxima
e de afinidades. Tendo como ponto de partida este testemunho, intentou-se
delinear o modo como os alemães percepcionaram e representaram Portugal
e os portugueses nos séculos XV e XVI: em crónicas, cosmografias e gravuras,
os letrados e artistas do Império procuraram descrever e caracterizar o país
que “deu novos mundos ao mundo”.
Palavras-chave
Abstract
“We were very well treated” is an expression used by the German humanist
Hieronymus Münzer during his stay in Portugal. Received by the Portuguese
monarch, João II, by the preceptor and humanist Cataldo Sículo, or by com-
munities of merchants, the German traveler and intellectual notes, with
great admiration and curiosity, traces of a relationship between Portugal and
the Roman-German Holy Roman Empire which will remain enduring, close
and with affinities. Starting from this testimony, we attempted to outline the
way the Germans perceived and represented Portugal and the Portuguese
in the 15th and 16th centuries: in chronicles, cosmographies and engravings,
the literate and artists of the Empire sought to describe and characterize the
country that “gave new worlds to the world”.
Keywords
“Fomos muito bem tratados” é uma das expressões que o viajante e humanista
Hieronymus Münzer utiliza para qualificar a sua estadia em Lisboa e que, como
se irá demonstrar, não estará muito longe do modo como o viajante apreendeu e
retratou a sua visita a Portugal. Assim, quando se referencia ao seu alojamento
na capital portuguesa, Münzer regista que está hospedado numa casa do rei
português, D. João II, casa onde habitava o flamengo Job Hurder, que apresenta
como “sogro do Sr. Martinho da Boémia e capitão das ilhas do Faial e do Pico”2.
Neste seu convívio, Münzer refere ainda a esposa de Hurder, uma senhora
nobre, sensata e prendada, que lhe teria oferecido “bolsas de almíscar de gazela”,
rodeando-os assim “das maiores atenções” – sabemos que se trata de D. Beatriz
de Macedo, uma dama da corte portuguesa que casara com Jos van Hurtere, ou
Josse van Huertere, criado da corte da Infanta D. Isabel de Borgonha e primeiro
donatário das ilhas do Faial e Pico – conhecido também como Jorge de Utra ou
Dutra. Apesar da longa distância percorrida da sua terra natal, o relato ressalva
a ideia de familiaridade e, sobretudo, de hospitalidade em que se denota um
ambiente de novidades e raridades próprias de outros mundos.
2
Jerónimo MÜNZER, Itinerário, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931, p. 28.
“FOMOS MUITO BEM TRATADOS”. PORTUGAL E OS PORTUGUESES NOS ESCRITOS ALEMÃES [...] 213
É, pois, bem positiva a imagem que o viajante e humanista também ele, como
Martin Behaim, de Nuremberga, uma das mais exponentes cidades do Sacro
Império Romano-Germânico, lega de Lisboa no seu relato à Península Ibérica
que chega a comparar à sua terra natal, uma técnica bem comum da literatura de
viagens. Assim, ao referir-se à abastança dos mercados lisboetas em que se denota
grande abundância de todos os produtos, seja peixe, seja fruta, o viajante escreve:
“Quanto a maçãs, é impossível haver em maior quantidade: vi mais do que as que
se costumam vender no outono e no princípio do inverno em Nuremberg”6 num
tom de admiração e espanto dada a riqueza e abundância observada.
Ao lado de produtos locais, é igualmente visível a evidência e a presença
de outras mercadorias vindas de outros países como um importante factor de
avaliação da realidade observada, como o confirma uma visita à Casa da Mina,
aonde foi por ordem do rei, e “[…] que é uma casa grande no pôrto de mar na qual
estão em enorme abundância mercadorias do Rei, que êle manda para a Eiópia.
Vimos muitos panos matizados de várias côres, que êle manda vir de Tunis, e
também tapetes, tela, caldeiras de cobre, bacias de metal, contas de vidro, côr de
limão e muitas outras coisas. Noutra casa vimos aquilo que é trazido da Etiópia:
grãos do paraíso, muitos ramos e cachos de pimenta, de que nos deram bastantes,
e também dentes de elefante. Quanto ao ouro, foi todo amoedado então: vem ja
fundido e preparado...” 7
Aliada a esta representação de um país abastado e em decisiva expansão,
encontramos a imagem de uma corte em acção nas mãos de homens de cultura,
mormente o rei, ou de servidores como o italiano Cataldo Sículo, humanista e
perceptor, num retrato de homens protótipos de verdadeiros cavaleiros não só das
armas mas, sobretudo, das letras, bem ao modo da viragem para o humanismo,
como bem sublinhou Jacques Le Goff no seu livro Intelectuais da Idade Média 8.
Cataldo Sículo, o introdutor do humanismo em Portugal como o defendeu
António Costa Ramalho, foi quem estabeleceu o contacto, sendo assim o
intermediário junto da corte portuguesa. Hieronymus Münzer chega por isso a
ser recebido pelo soberano, D. João II, que considera: “um homem instruidíssimo
e em tudo muito sagaz”9. Traça o retrato de um rei inteligente e curioso, pois
como diz: “É muito afável e amigo de indagar muitas cousas. Àqueles que o
procuram e se gabam de emprêsas guerreiras, de navegação ou quaisquer outras,
ouve-os atentamente, manda apresentar as provas ou demonstrações, e se os acha
6
MÜNZER (1931), 25.
7
Idem, ibidem, 25-26.
8
Jacques LE GOFF, Intelectuais da Idade Média, Lisboa, Gradiva, 1987.
9
MÜNZER (1931), 13.
“FOMOS MUITO BEM TRATADOS”. PORTUGAL E OS PORTUGUESES NOS ESCRITOS ALEMÃES [...] 215
10
Idem, ibidem, 13-14.
11
LOPES (2012a).
12
MÜNZER (1931), 14.
13
Veja-se sobre este tema o mais recente trabalho de Bettina WAGNER, Welten des Wissens die
Bibliothek und die Weltchronik des Nürnberger Arztes Hartmann Schedel (1440-1514), München, Allitera-
Verlag, 2014.
216 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
14
Dieter WUTTKE, German humanist perspectives on the history of discovery, 1493-1534, Marília dos
Santos Lopes (Foreword), Coimbra, Centro Interuniversitário de Estudos Germanísticos, 2007; Marília dos
Santos LOPES, “‘Vimos oje cousas marauilhosas.’ Valentim Fernandes e os Descobrimentos Portugueses”,
in A. H. de Oliveira Marques, Alfred Opitz e Fernando Clara (coord.), Portugal - Alemanha - África. Do
Imperialismo Colonial ao Imperialismo Político. Actas do IV Encontro Luso-Alemão, Lisboa, Colibri, 1996,
pp. 13-23.
15
Klaus A. VOGEL, “Neue Horizonte der Kosmographie. Die kosmographischen Bücherlisten Hart-
mann Schedels (um 1498) und Konrad Peutingers (1523)”, in Anzeiger des Germanischen Naionalmuseums,
1991, pp. 77-85.
“FOMOS MUITO BEM TRATADOS”. PORTUGAL E OS PORTUGUESES NOS ESCRITOS ALEMÃES [...] 217
16
Marília dos Santos LOPES, “O impacto da viagem de Vasco da Gama na Alemanha”, in José Manuel
Garcia (coord.), A Viagem de Vasco da Gama à Índia 1497-1499, Lisboa, Academia da Marinha, 1999, pp. 604-
-608.
17
Vejam-se os estudos de Artur ANSELMO, Les Origines de L’ Imprimerie au Portugal, Paris, FCG,
1983; Idem, L’ Activité Typographique de Valentim Fernandes au Portugal (1495-1518), Paris, FCG, 1984;
Idem, História da Edição em Portugal, III vols., Lisboa, Lello & Irmão, 1991; A. H. Oliveira MARQUES,
“Alemães e Impressores Alemães no Portugal de Finais do Século XV”, in No Quinto Centenário da Vita
Christi. Os Primeiros Impressores Alemães em Portugal, Lisboa, BNL, 1995, pp. 11-14; João Alves DIAS,
“Os Primeiros Impressores Alemães em Portugal”, in No Quinto Centenário da Vita Christi. Os Primeiros
Impressores Alemães em Portugal, Lisboa, BNL, 1995, 15-27.
18
Trata-se de uma das primeiras antologias da novidade. Veja-se Carmen RADULET, Os Descobrimentos
Portugueses e a Itália, Lisboa, Vega,1991, pp. 17-35.
19
Marília dos Santos LOPES, “From Discovery to Knowledge: Portuguese Maritime Navigation and
German Humanism”, in Maria Berbara and Karl A.E. Enenkel (ed.), Portuguese Humanism and the Republic
of Letters, Leiden, Brill, 2012b, pp. 425-446.
218 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
“[…] eles [os reis de Castela e Portugal] descobriram uma grande parte do
outro mundo que denominamos Antípodas e ainda abriram as navegações
e caminhos marítimos, que até então eram considerados impossíveis. Eles
viram nessas terras novas que descobriram várias espécies de gentes até
então nunca vistas, costumes estranhos, plantas e animais maravilhosos;
os soldados por eles enviados tiveram inesperadamente muita sorte e muita
desgraça, muitos deles esforçaram-se por descrever e publicar estas viagens e
também por traduzir noutras línguas aquilo que os Espanhóis e Portugueses
descreveram nas suas línguas, pois estas diferentes viagens não são poucas
e são necessárias de ler para aqueles que apreciam histórias maravilhosas.”25
23
“Para que muita gente possa conhecer e descobrir os grandes milagres maravilhosos de Deus
Omnipotente, que criou e ornou o mundo com diversas espécies humanas, terras, ilhas e criaturas
estranhas (como foi acima referido), que eram totalmente desconhecidas para a cristandade e para a nossa
nação. É também quase milagroso que os cristãos tenham feito estas viagens ou navegações longínquas,
perigosas, desconhecidas e maravilhosas. Estas, segundo a ordem deste livrinho que será denominado o
NOVO MUNDO, serão esplendidamente apresentadas em seguida”. Citado em Marília dos Santos LOPES,
“Portugal. Uma fonte de novos dados. A recepção dos conhecimentos portugueses sobre África nos
discursos alemães dos séculos XVI e XVII”, Mare Liberum 1, 1990, pp. 270-271.
24
Como se pode ler no prólogo da versão alemã da obra Verdadeira Informação da Terra do Preste
João do franciscano Francisco ÁLVARES, Eisleben, 1566.
25
LOPES (1990), 272.
220 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
26
Tal como ainda testemunha a publicação alemã da obra de Duarte Lopes e Filippo Pigafetta sobre
o Congo em 1597.
27
Roger CHARTIER, The author’s hand and the printer’s mind: Transformations of the written word
in Early Modern Europe, Cambridge, Polity Press, 2014.
28
LOPES (2002).
29
BURKE (1997); CHARTIER (2014).
“FOMOS MUITO BEM TRATADOS”. PORTUGAL E OS PORTUGUESES NOS ESCRITOS ALEMÃES [...] 221
cartas de recomendação da casa comercial Fugger, umas das famílias alemãs mais
influentes não só no contexto nacional, mas também internacional. Aliás, esta fora
umas das primeiras a procurar participar e colaborar na Carreira da Índia, como
acontecera com a armada de D. Francisco de Almeida, no ano de 1505. Vários
dos trabalhos de Dürer, e não precisamos de pensar apenas no célebre esquisso
do rinoceronte já mencionado, e que irá definir o perfil deste quadrupede até ao
seculo XVIII, irão deixar transparecer este conhecimento e interesse, como seja o
traço de um homem cujos trajes se assemelhem a um índio brasileiro, mas que o
artista denomina de Calicute, a presença de papagaios no seu Adão e Eva (1504),
ou ainda menos conhecido o facto de o seu emblema/brasão recorrer à silhueta
de um jovem com um perfil negroide – embora saibamos que não terá apenas a
ver com o impacto das viagens, o certo é que o gosto e uso destes motivos seriam
reforçados devido à realização das mesmas.
No diário que redige acerca da viagem, o artista evoca muitas vezes com
grande satisfação a suas visitas à feitoria, onde poderia observar mercadorias e
objectos tão extraordinários, de modo que os denomina de “Coisas de calicute” –
vindos de territórios recentemente reconhecidos que se localizam algures além da
Europa30. Entre muitos produtos e objectos, o pintor refere assiduamente a oferta
feita pelo feitor de algumas quantidade de açúcar – tanto a ele como à esposa – a
que ele retribuiria com quadros. Por este apontamento, poder-se-á afirmar que
dificilmente se saberá avaliar correcta e exactamente a importância e o valor que
estes produtos exóticos e distantes representavam na economia e no imaginário
colectivo.
Assim, mais uma vez seria através do contacto e relacionamento com os
portugueses que se teria acesso “os novos mundo do Mundo”, tendo o célebre
pintor feito ecos do mesmo sentimento de acolhimento e “bem tratado” como
Münzer. Mas não nos deixou nenhum retrato dos seus convivas. Na verdade, são
raras as imagens iconográficas de portugueses, podendo apenas referenciar-se a
obra de Cristoph Weidtitz que desenharia um casal de portugueses, aquando da
sua viagem à Península Ibérica, no ano de 1529 (fig. 2)31.
30
Marília dos Santos LOPES, “Translation and Imagination: The ‘Calicut People’ within the Context
of 16th Century Cosmographies”, in Writing New Worlds: The Cultural Dynamics of Curiosity in Early
Modern Europe, Newcastle upon Tyne, UK, Cambridge Scholars Publishing, 2016, pp. 166-177.
31
Marília dos Santos LOPES, “Portugueses do século XVI no Trachtenbuch de Christoph Weiditz”,
Oceanos 26, 1996, pp. 104-107.
222 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
sobre “De regionibus extra Ptolomaeum”, pois, nas suas palavras: “Extremum
Ptolomeo cognitum Prassum promontorium, verum nostra aetate tota haec portio
à Portugalensibus inventa est”.33 Anteriormente desconhecidas, seriam, graças aos
portugueses, tornadas visíveis.
Este mundo “inventado” pelos portugueses colocaria, por conseguinte, um
problema sobre o modo como inserir e enquadrar os dados das viagens marítimas
no seu contexto histórico, visto que as observações e as experiências dos nautas
não coincidiam com o sistema geográfico prevalecente, mormente com as noções
de Ptolomeu, Plínio, ou Pompónio Mela, entre outros. Se as novas informações
não se alistavam segundo estes fundamentos do saber, então as terras e localidades
recentemente descobertas seriam, em primeira linha, um mundo Extra-Ptolomeu,
como o definem as cosmografias das primeiras décadas do século XVI. Mais
do que a experiência de aflorar novas regiões, a revelação de terras, ilhas não
conhecidas significa, para estes geógrafos, o testemunho da sua inexistência no
mapa-mundi ptolomaico.
Por vezes, registam-se os novos informes num único e uno conjunto de
dados, indiferentemente da localização ou natureza que descrevem, como se pode
constatar no Weltbuch, Spiegel vnd bildniß des gantzen Erdbodens34 . O seu autor,
Sebastian Franck, publicava assim informações alusivas às viagens desde Luís de
Cadamosto, de Pedro Álvares Cabral, de Américo Vespúcio a Cristóvão Colombo
num capítulo reservado ao continente americano, sublinhando mais a ideia de um
novo mundo, do que uma realidade com conteúdos geográficos claros e precisos.
Se o cartografar destas novidades origina dificuldades, o certo é que revelam
uma suma de informações que importa problematizar e ponderar, como seja o
evidente relativismo cultural vindo à luz com as navegações, motivo de grande
admiração. Interessados em conhecer “a vacilante mudança de todas as coisas
humanas”, como é o caso do geógrafo alemão, Sebastian Münster, o cotejo permite
concluir que “E porque eles estão habituados a viver segundo a maneira da sua
terra, vivem assim bem como nós segundo a maneira da nossa terra”35 – bem à
semelhança da posição do humanista português, João de Barros, ao afirmar que:
“cada um colhe segundo o que semeia”.
Nas páginas da cosmografia de Sebastian Münster, encontram-se inúmeras
referências a autores portugueses, cujas obras lhe permitiram escrever sobre
33
Idem, ibidem, E.
34
Sebastian FRANCK, Weltbuch, Spiegel vnd bildniß des gantzen Erdbodens, Tübingen, 1534.
35
Sebastian MÜNSTER, Cosmographia, Beschreibung/ aller Lender durch/ Sebastianum Munsterum/
in welcher begriffen/ Aller völcker/ Herrschafften/ Stetten/ vnd namhafftiger flecken/ herkommen:/ Sitten/
gebreüch/ ordnung/ glauben/ secten/ vnd hantierung/ durch die gantze welt/ vnd fürnemlich Teütscher nation,
Was auch besunders in iedem landt gefunden/ vnnd darin beschehen sey, Alles mit figuren vnd schönen landt
tafeln erklert/ vnd für augen gestelt, Basel, 1545, p. Mcccxx.
224 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
BIBLIOGRAFIA
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CHARTIER, Roger, The author’s hand and the printer’s mind: Transformations of the
written word in Early Modern Europe, Cambridge, Polity Press, 2014.
DIAS, João José Alves, “Os Primeiros Impressores Alemães em Portugal”, in No Quinto
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FRANCK, Sebastian, Weltbuch, Spiegel vnd bildniß des gantzen Erdbodens..., Tübingen,
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conhecimentos portugueses sobre África nos discursos alemães dos séculos XVI
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LOPES, Marília dos Santos, Coisas maravilhosas e até agora nunca vistas, Para uma
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in Early Modern Europe, Newcastle upon Tyne, UK, Cambridge Scholars
Publishing, 2016.
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em 1502, Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1922.
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RUCHAMER, Jobst, Newe unbekanthe Landte und ein newe weldte in kurz verganger
zeythe erfunden, Nürnberg, s.n., 1508.
SPRINGER, Balthasar, Die Merfart vñ erfahrung nüwer Schiffung vnd Wege zü viln
onerkanten Inseln vnd kunigreichen/ von dem großmechtigen Portugalichen Kunig
Emanuel Erforscht/ funden/ bestritten vnnd Ingenommen/ Auch wunderbarliche
Streyt/ ordenung/ leben wesen handlung vnd wunderwercke/ des volcks vnd
Thyrer dar iñ wonende/ findstu in diesein Buchlyn warhaftliglich beschrybern un
abkunterffeyt/ wie ich Balthasar Sprenger sollichs selbs: in kurtzuerschynen zeiten:
gesehen vñ erfahren habe, Oppenheim, s.n., 1509.
WAGNER, Bettina, Welten des Wissens die Bibliothek und die Weltchronik des
Nürnberger Arztes Hartmann Schedel (1440-1514), München, Allitera-Verlag,
2014.
Resumo
Palavras-chave
1
CHAM – Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova
de Lisboa. O trabalho aqui apresentado foi realizado com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia
- SFRH/BD/84622/2012.
230 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Abstract
Keywords
Introdução
Fontes utilizadas
As fontes utilizadas para esta análise consistem em relatos escritos por estrangeiros
de passagem por Portugal entre os meados do século XV e o início do século XVI,
abarcando os reinados de D. Afonso V (r. 1438-1481), D. João II (r. 1481-1495) e
D. Manuel I (r. 1495-1521). Em primeiro lugar, é de referir o diário da viagem
dos embaixadores enviados a Lisboa em Março de 1451 pelo sacro-imperador
Frederico III para celebrarem o seu casamento com a infanta D. Leonor, irmã
de D. Afonso V, e a acompanharem a Itália, onde o Imperador a esperava para
celebrarem o casamento diante do Papa. O relato é da autoria de Nicolau Lanckman
de Valckenstein, capelão imperial de Frederico III, e foi divulgado numa edição de
1503, em latim, preparada por Nicolau, bispo titular de Hipona e confessor da casa
imperial. Este relato é notável, uma vez que inclui uma descrição pormenorizada
das festas que se fizeram por ocasião do casamento da infanta com o Imperador,
e, talvez por ser uma visão de fora, é ainda mais ilustrativo do que a cronística
da época no que diz respeito às primeiras consequências materiais do processo
expansionista na Lisboa de meados do século XV2.
É igualmente incontornável a compilação organizada e anotada por J. Garcia
Mercadal3 de inúmeros textos de estrangeiros sobre Espanha e Portugal até ao
final do século XVI, onde se podem encontrar alguns testemunhos valiosos sobre
a presença de elementos extra-europeus em Portugal, e em particular na corte.
Para o nosso propósito, é de particular interesse o relato de Jorge de Ehingen,
cavaleiro da Suábia, que esteve em Espanha em 1457 por ter recebido a notícia
de que Henrique IV de Castela preparava uma expedição contra Granada.
2
Aires A. NASCIMENTO (ed.), Leonor de Portugal, Imperatriz da Alemanha. Diário de Viagem do
Embaixador Nicolau Lanckman de Valckenstein, Lisboa, Edições Cosmos, 1992.
3
J. GARCIA MERCADAL (ed.), Viajes de Extranjeros por España y Portugal. Desde los tiempos más
remotos, hasta fines del siglo XVI, Madrid, Aguilar, 1952.
232 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Posteriormente, passou por Portugal por ter sabido que D. Afonso V fazia guerra
contra os muçulmanos em África, tendo integrado as tropas do rei português em
Ceuta. O relato da sua viagem pela Península Ibérica inclui uma descrição da
sua passagem pela corte de D. Afonso V, bem como retratos dos reis que havia
visitado. É igualmente de referir o relato da viagem do nobre boémio Leon de
Rosmithal de Blatna, que esteve em Espanha e Portugal entre 1466 e 1467 para
conhecer os seus costumes e práticas militares, e também para fazer peregrinação
a Santiago de Compostela. Por fim, interessa ainda a relação de Espanha, escrita
por Francesco Guicciardini, embaixador de Florença na corte de Fernando, o
Católico, entre 1512 e 1513.
Outra fonte incontornável é o Itinerarium de Jerónimo Münzer, natural
de Feldkirch e doutor em Medicina pela Universidade de Pavia, que viajou
por Espanha e Portugal entre 1494 e 1495, tendo visitado Lisboa e Évora, onde
conheceu a corte de D. João II. Embora Garcia Mercadal tenha incluído este relato
na sua compilação, optámos por utilizar a edição preparada por Ramón Alba na
década de 904.
Finalmente, para o reinado de D. Manuel, temos uma descrição da cidade
de Lisboa recentemente editada, da autoria do nobre flamengo Jan Taccoen de
Zillebeke, que na sua viagem de peregrinação para Jerusalém, permaneceu em
Lisboa durante nove dias, de 11 a 20 de Abril de 1514, tendo registado por escrito
diversos aspectos sobre o quotidiano da cidade que o terão impressionado.
7
Renata ARAÚJO, Lisboa: A cidade e o espectáculo na Época dos Descobrimentos, Lisboa, Livros
Horizonte, 1990, p. 10.
8
Damião de GÓIS, Descrição da cidade de Lisboa, Raul Machado (ed.), Lisboa, Frenesi, 2009, p. 16.
9
NASCIMENTO (1992), 29.
10
MERCADAL (1952), 167.
11
Idem, ibidem, 171.
12
Jorge FONSECA (coord.), Lisboa em 1514. O relato de Jan Taccoen van Zillebeke, Vila Nova de
Famalicão, Edições Húmus, 2014, p. 124.
13
FONSECA (2014), 128.
234 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
é apresentada por Vasconcelos como os olhos da Europa, por onde, nas suas
palavras, “entrou a notícia e conhecimento de muitos portos, ilhas, promontórios,
reinos, províncias e nações, de que se não sabia,”14 e através da qual a Europa
tinha acesso aos produtos de fora, “que servem à pompa, ornamento e deleite, e à
riqueza, e ganho do comércio.”15
Animais extra-europeus
14
Luís Mendes de VASCONCELOS, Do Sítio de Lisboa. Diálogos, José da Felicidade Alves (org.),
Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 34.
15
VASCONCELOS (1990), 114.
16
Erik RIGMAR, “Audience for a Giraffe: European Expansionism and the Quest for the Exotic”,
Journal of World History, Vol. 17, Nº 4 (December, 2006), pp. 376-377.
17
Charles D. CUTTLER, “Exotics in Post-Medieval European Art: Giraffes and Centaurs”, Artibus
et Historiae, Vol. 2, Nº 23 (1991), p. 163.
18
Almudena PÉREZ DE TUDELA and Annemarie Jordan GSCHWEND, “Renaissance Menageries.
Exotic Animals and Pets at the Habsburg Courts in Iberia and Central Europe”, in Karl Enenkel and Paul J.
Smith, (eds.), Early Modern Zoology: The Construction of Animals in Science, Literature and the Visual Arts,
Leiden, Brill, 2007, p. 421.
ANIMAIS EXTRA-EUROPEUS NAS DESCRIÇÕES DE LISBOA E PORTUGAL POR ESTRANGEIROS 235
com lanças, atirando laranjas à assistência. De acordo com o relato, o elefante era
puxado por mais de oitenta homens, seguidos por oito cavaleiros armados, mon-
tados em cavalos fantasiados de forma a parecerem outros animais, reais – um
veado real, um boi, um leão, um urso selvagem – ou imaginários – um unicórnio,
um capricórnio21.
Esta descrição traz-nos facilmente à memória representações iconográficas
de elefantes de guerra, que são extremamente comuns nos bestiários medievais,
e que continuaram a ser reproduzidas durante vários séculos, sendo um dos mais
conhecidos exemplos do século XVI a ilustração incluída no Codex Casanatense
1889. Esta imagética, tipicamente associada ao elefante no pensamento medieval,
advém provavelmente do uso militar deste animal por Aníbal Barca na Segunda
Guerra Púnica (218-201 AC), que terá sido o principal evento histórico que pre-
servou o elefante na memória colectiva europeia mesmo em plena Idade Moderna.
Por outro lado, esta descrição também demonstra que animais extra-europeus
eram apresentados a par com criaturas míticas, verificando-se uma associação
entre o exótico e o maravilhoso que parece sugerir que não existiria na mentalida-
de tardo-medieval uma separação clara entre estes dois universos22.
No breve relato de Jorge de Ehingen, não há referências à presença de ani-
mais na corte nem a qualquer tipo de objecto de ostentação, centrando-se o autor
na hospitalidade do rei português e nos exercícios cavaleirescos que organizava.
Outro elemento interessante desta fonte são os retratos dos reis cujas cortes o
autor visitou, que acompanham o texto. No retrato de D. Afonso V, o rei surge
representado envergando uma roupa curta e negra, um chapéu retorcido como
uma espécie de turbante e um colar de ouro; no canto inferior esquerdo do re-
trato, um leão segura o escudo de armas português. Nos restantes retratos, anjos
e animais – reais ou imaginários – seguram os respectivos escudos de armas.
A escolha do leão, contudo, também presente no retrato de Henrique IV de Castela,
é curiosa, uma vez que sendo um símbolo comum na heráldica, este animal foi
também utilizado em 1440 como prenda diplomática a Filipe, duque da Borgonha,
tanto por D. Afonso V como pelo seu tio, D. Pedro, duque de Coimbra 23. Mais
21
Idem, ibidem, 41-43.
22
Ana Maria Alves, no seu estudo de referência sobre as entradas régias portuguesas, identifica este
mesmo cruzamento nas descrições do casamento do infante D. João com D. Joana de Áustria em 1552 (Ana
Maria ALVES, As Entradas Régias Portuguesas. Uma visão de conjunto, Lisboa, Livros Horizonte, 1986,
p. 29). Tal demonstra que esta associação, pelo menos no contexto específico das cerimónias públicas, terá
continuado a verificar-se em cronologias significativamente mais tardias.
23
Jacques PAVIOT (ed.), Portugal et Bourgogne au XVe siècle, Lisbon – Paris, Centre Culturel Calouste
Gulbenkian, Paris – Comission Nationale pour les Commémorations des Découvertes Portugaises, 1995,
pp. 313-314.
ANIMAIS EXTRA-EUROPEUS NAS DESCRIÇÕES DE LISBOA E PORTUGAL POR ESTRANGEIROS 237
24
MERCADAL (1952), 283.
25
MÜNZER (1991), 66.
26
Idem, Ibidem, 70-71.
27
FONSECA (2014), 125-126.
238 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Damião de Góis28. Se, porém, não nos restringirmos a este tipo de celebrações,
podemos encontrar outras referências datadas do século XV ao uso político de
elefantes por parte da família real portuguesa, nomeadamente enquanto prenda
diplomática. Neste sentido, pode enunciar-se a pata e dente de elefante que o
Infante D. Henrique ofereceu à sua irmã, a duquesa D. Isabel da Borgonha, 29 ou o
elefante oferecido, juntamente com outros animais africanos, por D. Afonso V a
René de Anjou em 147730.
28
Damião de GÓIS, Chronica do Felicissimo Rei Dom Emanuel, Lisboa, Francisco Correia, 1566-1567,
livro IV, capítulo LXXXIV, fl. 105v; Damião de GÓIS, Hispania, in Obras de Damião de Góis, vol. III,
(“(1541-1549), Da Hispania ao segundo cerco de Diu”), Manuel Cadafaz de Matos (ed.), Lisboa, Edições
Távola Redonda – Centro de Estudos de História e da Edição, 2011, p. 151.
29
José Manuel GARCIA (ed.), As Viagens dos Descobrimentos, Lisboa, Presença, 1983, pp. 129-130.
30
Silvio BEDINI, The Pope’s Elephant, Manchester, Carcanet, 1997, pp. 30 e 115.
31
Mario PEREIRA, African Art at the Portuguese Court, c. 1450-1521, Dissertação de doutoramento
apresentada ao Department of History of Art and Architecture, Brown University, Providence, 2010, p. 14.
32
PEREIRA (2010), 15-16.
ANIMAIS EXTRA-EUROPEUS NAS DESCRIÇÕES DE LISBOA E PORTUGAL POR ESTRANGEIROS 239
pelicano – animal que segundo a lenda, bica o próprio peito para alimentar a
crias – remete para uma simbólica política cristã associada ao assistencialismo e
à protecção, e constitui um elemento fundamental do discurso oficial veiculado
pela cronística, que apresenta D. João II como príncipe perfeito33.
Já no que diz respeito ao elefante, este animal representou, no século XVI,
um papel cimeiro nos mecanismos de propaganda oficial e de fixação de uma
memória da Coroa portuguesa. A embaixada de obediência enviada em Março de
1514 por D. Manuel I a Leão X, que incluiu numerosos presentes, entre os quais
o mais importante foi o elefante indiano Hanno, constitui provavelmente o mais
conhecido exemplo34. Posteriormente, o destaque reservado pelo cronista Damião
de Góis, na crónica oficial de D. Manuel, à ostentação deste animal, e mais tarde, a
representação de elefantes na tumulária régia dos Jerónimos demonstram de forma
evidente a apropriação do elefante pela Monarquia portuguesa como símbolo de
poder por excelência. Após a vitória de Cipião Africano sobre Aníbal na Segunda
Guerra Púnica, o elefante tornou-se num emblema das glórias de Roma, surgindo
frequentemente nas cerimónias fúnebres de imperadores. Na História Natural
de Plínio, é considerado o animal mais semelhante ao homem, e nos bestiários
medievais, são-lhe atribuídas características como a inteligência e a castidade,
bem como virtudes tipicamente associadas à soberania, como a temperança,
a misericórdia, a generosidade e a justiça, concepção que terá sido certamente
relevante para a incorporação deste animal nos discursos propagandísticos da
Dinastia de Avis35.
Contudo, é importante assinalar que esta dimensão simbólica dos animais
extra-europeus e a sua instrumentalização por parte da Coroa não deve ser
confundida com manifestações de coleccionismo próprias de outros contextos
europeus e de cronologias mais tardias. Tal como defende Isabel Drumond Braga
a propósito da posse e exibição de animais exóticos, “este tipo de comportamentos
não se enquadra na criação dos gabinetes de curiosidades, nem na organização
de exposições com propósitos específicos”36, não se podendo por isso associá-los
a intenções de formar qualquer coisa que se parecesse com uma colecção. Este
33
Sobre esta temática, vide Priscila SILVA, Entre Príncipe perfeito e rei pelicano – os caminhos da
memória e da propaganda política através do estudo da imagem de D. João II (século XV), dissertação
apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, 2007.
34
Sobre a embaixada, vide Paulo LOPES, Um Agente Português na Roma do Renascimento, Lisboa,
Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2013.
35
Ana Isabel BUESCU, Catarina de Áustria. Infanta de Tordesilhas, Rainha de Portugal, Lisboa,
Esfera dos Livros, 2007, p. 385; Teresa Leonor M. VALE, “Exotismo e Poder Político. As Representações de
Elefantes na Tumulária Régia de Santa Maria de Belém”, in Os Construtores do Oriente Português, Porto,
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998, p. 103.
36
Isabel Drumond BRAGA, “Colecionando Bichos: Os Gabinetes de Curiosidades”, in BRAGA
(2015), p. 300.
240 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes
FONSECA, Jorge (coord.), Lisboa em 1514. O relato de Jan Taccoen van Zillebeke, Vila
Nova de Famalicão, Edições Húmus, 2014.
GARCIA MERCADAL, J. (ed.), Viajes de Extranjeros por España y Portugal. Desde los
tiempos más remotos, hasta fines del siglo XVI, Madrid, Aguilar, 1952.
GARCIA, José Manuel (ed.), As Viagens dos Descobrimentos, Lisboa, Presença, 1983.
GÓIS, Damião de, Chronica do Felicissimo Rei Dom Emanuel, livro IV, Lisboa,
Francisco Correia, 1566-1567.
GÓIS, Damião de, Descrição da cidade de Lisboa, Raul Machado (ed.), Lisboa, Frenesi,
2009.
ANIMAIS EXTRA-EUROPEUS NAS DESCRIÇÕES DE LISBOA E PORTUGAL POR ESTRANGEIROS 241
GÓIS, Damião de, Hispania, in Obras de Damião de Góis, vol. III, (“(1541-1549), Da
Hispania ao segundo cerco de Diu”), Manuel Cadafaz de Matos (ed.), Lisboa,
Edições Távola Redonda – Centro de Estudos de História e da Edição, 2011.
MÜNZER, Jerónimo, Viaje por España y Portugal. 1494-1495, Ramón Alba (introd.),
Madrid, Ediciones Polifemo, 1991.
Estudos
ALVES, Ana Maria, As Entradas Régias Portuguesas. Uma visão de conjunto, Lisboa,
Livros Horizonte, 1986.
RIGMAR, Erik, “Audience for a Giraffe: European Expansionism and the Quest
for the Exotic”, Journal of World History, Vol. 17, Nº 4 (December, 2006),
pp. 375-397.
Resumo
Palavras-chave
1
CHAM – Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova
de Lisboa. Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., no âmbito da Norma Transitória – DL 57/2016/CP1453/CT0034.
244 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Abstract
As a result of the Portuguese expansion, from the second half of the 15th cen-
tury onwards, the number of Germans that came into contact with Portugal
increased. Some of these were travellers, others have set up in Portuguese
territories in the long term or even permanently. Their testimonies reveal
not only several similarities, but also considerable differences regarding
the type and content of the comments about Portugal and the Portuguese.
At the heart of this article are the memories of three travellers (a clergyman,
a knight and a humanist) who passed through Portugal in the second half
of the 15th century, as well as the testimonies of three German commercial
agents established in Portugal and overseas in the first quarter of the 16th
century.
Keywords
1. Os viajantes
Durante a viagem para Itália, a frota fez escala em Ceuta. A comitiva alemã
entrou, deste modo, em contacto com o mundo colonial de Portugal. Valckenstein
descreveu Ceuta como uma “grande cidade, duas vezes maior que Viena, no
ducado da Áustria”8. O clérigo alemão interpretou a conquista desta praça costeira
3
Aires A. NASCIMENTO (ed.), Leonor de Portugal: Imperatriz da Alemanha. Diário de Viagem do
Embaixador Nicolau Lanckman de Valckenstein, Lisboa, Edições Cosmos, 1992.
4
O relato de Valckenstein não apresenta indicações específicas relativamente à composição numérica
da comitiva. Sabe-se apenas que nela participaram, além de Valckenstein, o capelão Jacob Motz e Christoph
Ungnad, um cavaleiro oriundo da Caríntia.
5
Lopo de ALMEIDA, Cartas de Itália, Rodrigues Lapa (ed.), Lisboa, Imprensa Nacional, 1935.
6
Apud NASCIMENTO (1992), 43.
7
Idem, ibidem, pp. 52-53.
8
Idem, ibidem, p. 57.
246 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
9
Idem, ibidem.
10
Idem, ibidem, p. 59.
11
Idem, ibidem, p. 61.
12
Na literatura port.: Jorge de Ehingen. O relato de Ehingen intitula-se Des schwaebischen Ritters Georg
von Ehingen Reisen nach der Ritterschaft in den Jahren 1456 bis 1458. O manuscrito original de 1467 encontra-
-se na Württembergische Landesbibliothek em Estugarda. Existe, na Biblioteca da Ajuda (BA, Cód. 52-XIII-33),
uma cópia de uma parte do manuscrito que se refere, em primeiro lugar, às aventuras dos dois cavaleiros em
Portugal e na África do Norte. Uma versão incompleta do documento com tradução portuguesa encontra-se em
E. A. STRASEN e Alfredo GÂNDARA, Oito Séculos de História Luso-Alemã, Lisboa, 1944, pp. 52-65. Vejam-se
Gabriele EHRMANN (ed.), Georg von Ehingen, Reisen nach der Ritterschaft: Edition, Untersuchung, Kommentar,
Teil 1, Göppingen, Kümmerle Verlag, 1979; J. Garcia MERCADAL, Viajes de extranjeros por España y Portugal,
Madrid, Aguilar, 1952, pp. 233-249.
13
Apud STRASEN (1944), 65.
PORTUGAL E OS PORTUGUESES NO OLHAR DE VIAJANTES E MERCADORES ALEMÃES NO [...] 247
España y Portugal: 1494-1495, Ramón Alba (int.), Madrid, Ediciones Polifemo, 1991; MERCADAL (1952),
327-417.
19
Münzer terá partido, de Nuremberga, no início de Agosto de 1494, acompanhado de Anton
Herwart de Augsburgo e dos nuremberguêses Kaspar Fischer e Nikolaus Wolkenstein. O facto de todos
os seus companheiros serem mercadores deixa supor que o interesse económico desempenhava um papel
fulcral nesta viagem à Península Ibérica. Veja-se Klaus HERBERS, “Die ‘ganze’ Hispania: der Nürnberger
Hieronymus Münzer unterwegs – seine Ziele und Wahrnehmungen auf der Iberischen Halbinsel (1494-
-1495)”, in Rainer Babel e Werner Paravicini (eds.), Grand Tour. Adeliges Reisen und europäische Kultur vom
14. bis zum 18. Jahrhundert, Ostfildern, Jan Thorbecke, 2005, pp. 293-308.
20
Albrecht CLASSEN, “Die Iberische Halbinsel aus der Sicht eines humanistischen Nürnberger
Gelehrten Hieronymus Münzer: Itinerarium Hispanicum (1494-1495)”, Mitteilungen des Instituts für
Österreichische Geschichtsforschung, vol. 111 (2003), p. 318.
21
Sobre as funções e missões que Münzer desempenhou na sua viagem, vd. K. HERBERS, “‘Murcia
ist so groβ wie Nürnberg’ – Nürnberg und Nürnberger auf der Iberischen Halbinsel: Eindrücke und
Wechselbeziehungen”, in Helmut Neuhaus (ed.), Nürnberg. Eine europäische Stadt in Mittelalter und Neuzeit,
Nürnberg, Selbstverlag des Vereins für Geschichte der Stadt Nürnberg, 2000, pp. 151-183; R. HURTIENNE,
“Arzt auf Reisen. Medizinische Nachrichten im Reisebericht des doctoris utriusque medicinae Hieronymus
Münzer (†1508) aus Nürnberg”, in Franz Fuchs (ed.), Medizin, Jurisprudenz und Humanismus in Nürnberg
um 1500, Wiesbaden, Harrassowitz, 2010, pp. 47-69.
22
Apud VASCONCELOS (1930), 548.
PORTUGAL E OS PORTUGUESES NO OLHAR DE VIAJANTES E MERCADORES ALEMÃES NO [...] 249
Após olharmos para estes três exemplos de viajantes alemães com estadias
que variavam entre poucas semanas e vários meses, pode-se concluir que, em
geral, Portugal e os Portugueses são retratados de uma forma muito positiva.
É de reparar também que todos os autores acima mencionados concedem uma
especial atenção às notícias vindas de além-mar e aos assuntos ligados à Expansão
Portuguesa. Este é um aspecto que os referidos relatos e outros documentos que
surgiram no mesmo período25 têm em comum.
23
Idem, ibidem, p. 562.
24
Idem, ibidem, p. 564.
25
Além de Nicolaus Lanckmann von Valckenstein, Georg von Ehingen e Hieronymus Münzer, houve
outras personagens oriundas do Sacro Império Romano-Germânico que viajaram na segunda metade
do século XV pelo território português, fixando por escrito as impressões obtidas. De mais duas destas
viagens existem relatos, mais precisamente das de Leo von Rožmitál, cunhado do rei da Boémia, e de Niclas
Popielowo, um polaco oriundo da Silésia. Este último mencionado articulou-se sobre os Portugueses num
tom menos positivo. Sobre os respectivos relatos, vd. MERCADAL (1952) 259-325; J. A. SCHMELLER (ed.),
“Des böhmischen Herrn Leo‘s von Rožmital Ritter-, Hof- und Pilgerreise durch die Abendlande 1465-1467.
Beschrieben durch Gabriel Tetzel von Nürnberg”, Bibliothek des Literarischen Vereins in Stuttgart, vol. 7
(1844), pp. 144-196; Paulo Drumond BRAGA, “Um polaco em Portugal no tempo de D. João II: Nicolaus
von Popplau”, in Paulo Drumond Braga (ed.), Portugueses no Estrangeiro, Estrangeiros em Portugal, Lisboa,
Hugin, 2005, pp. 221-235.
250 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
2. Os mercadores
26
Sobre o estabelecimento das casas comerciais da Alta Alemanha em Portugal vejam-se A. A. Marques
de ALMEIDA, Capitais e Capitalistas no Comércio da Especiaria. O Eixo Lisboa-Antuérpia (1501-1549).
Aproximação a um Estudo de Geofinança, Lisboa, Edições Cosmos, 1993, pp. 55-62; Walter GROSSHAUPT,
“Commercial Relations between Portugal and the Merchants of Augsburg and Nuremberg”, in Jean Aubin
(ed.), La découverte, le Portugal, et l’Europe: actes du colloque, Paris, Fondation Calouste Gulbenkian /
Centre Culturel Portugais, 1990, pp. 359-397; Jürgen POHLE, Deutschland und die überseeische Expansion
Portugals im 15. und 16. Jahrhundert, Münster, Lit Verlag, 2000, pp. 97-150.
27
Sobre os Welser, em geral, e as suas relações comerciais com Portugal, vd. Mark HÄBERLEIN e
Johannes BURKHARDT (eds.), Die Welser. Neue Forschungen zur Geschichte und Kultur des oberdeutschen
Handelshauses, Berlin, Akademie Verlag, 2002; Angelika WESTERMANN e Stefanie von WELSER (eds.),
Neunhofer Dialog I: Einblicke in die Geschichte des Handelshauses Welser, St. Katharinen, Scripta Mercaturae
Verlag, 2009; J. POHLE, “Welser, Casa comercial dos”, in Enciclopédia Virtual da Expansão Portuguesa,
Lisboa, CHAM, 2011. [Consultado em 24/09/2016]. Disponível em http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/.
28
Sobre Lucas Rem e seu diário vejam-se EHRHARDT (1989), 103-111; J. POHLE, “Lucas Rem e
Sebald Kneussel: due agenti commerciali tedeschi a Lisbona all’inizio del secolo XVI e le loro testimonianze”,
Storia Economica, Vol. XVIII, N.º 2 (2015), pp. 315-329.
29
B. GREIFF (ed.), Tagebuch des Lucas Rem aus den Jahren 1494-1541. Ein Beitrag zur Handelsgeschichte
der Stadt Augsburg, Augsburg, Hartmann’sche Bruchdruckerei, 1861.
PORTUGAL E OS PORTUGUESES NO OLHAR DE VIAJANTES E MERCADORES ALEMÃES NO [...] 251
das fontes principais que ilumina a história das relações luso-alemãs no início do
século XVI. Neste documento transparece que a vida em Lisboa era, por vezes,
bastante complicada, particularmente, devido aos múltiplos surtos epidémicos e
aos problemas internos na colónia alemã 30. É de notar que o feitor alemão ficou
visivelmente perturbado com a peste que grassou na capital portuguesa. Lucas
Rem queixou-se, além disso, várias vezes das práticas mercantis duvidosas de
D. Manuel I. Por detrás das irritações de Rem encontramos a seguinte razão:
os Welser pertenciam a um consórcio italo-germânico que havia investido em
três navios da armada de D. Francisco de Almeida que partiu para a Índia em
150531. A companhia de Augsburgo desempenhou um papel preponderante,
disponibilizando 20.000 dos 65.000 cruzados, quase um terço do total do
investimento estrangeiro. Após o regresso da frota a Lisboa, em 1506, os negócios
com a Coroa portuguesa complicaram-se bastante, porque o Venturoso tinha,
entretanto, monopolizado o comércio da pimenta, que era claramente o produto
mais cobiçado pelos mercadores forasteiros32. O monarca português, que temia
uma queda de preços da pimenta, recusava-se agora a entregar aos comerciantes
alemães as mercadorias a que tinham direito. Lucas Rem indignou-se no seu
diário sobre esta medida que lhe trouxe “um excesso de preocupações, trabalho
supérfluo, grande repulsa”33, conduzindo a “imensos, grandes e complicados
processos jurídicos, em que batalhei durante três anos”34.
Rem não foi o único empregado das empresas alemãs estabelecidas em
Lisboa que se queixou das más condições de vida no extremo Sudoeste da Europa.
Outros seus conterrâneos lamentaram igualmente os surtos epidémicos, mas
também terramotos e um clima a que não estavam habituados e que dificultava o
30
Sobre a vida e as rivalidades na colónia dos mercadores alemães em Lisboa, vd. Reinhard JAKOB,
“Der Skandal um einen Nürnberger Imhoff-Faktor im Lissabon der Renaissance. Der Fall Calixtus Schüler
und der Bericht Sebald Kneussels (1512)”, Jahrbuch für Fränkische Landesforschung, Vol. 60 (2000),
pp. 83-112; J. POHLE, “Rivalidade e cooperação: algumas notas sobre as casas comerciais alemãs em Lisboa
no início de Quinhentos”, Cadernos do Arquivo Municipal, 2.ª série, N.º 3 (2015), pp. 19-38. [Consultado
em 24/09/2016]. Disponível em http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/fotos/editor2/Cadernos/2serie/3/03_
alema.pdf.
31
Sobre a participação alemã na expedição portuguesa à Índia nos anos de 1505/06, vd. Franz
HÜMMERICH, Quellen und Untersuchungen zur Fahrt der ersten Deutschen nach dem portugiesischen
Indien 1505/6, München, Verlag der Königlich Bayerischen Akademie der Wissenschaften, 1918; Konrad
HÄBLER, Die überseeischen Unternehmungen der Welser und ihrer Gesellschafter, Leipzig, Hirschfeld,
1903; Rolf WALTER, “Nürnberg, Augsburg und Lateinamerika im 16. Jahrhundert – Die Begegnung
zweier Welten”, in Stephan Füssel (ed.), Pirckheimer-Jahrbuch 1986, vol. 2, München, Wilhelm Fink, 1987,
pp. 47-51; António Alberto Banha de ANDRADE, Mundos Novos do Mundo. Panorama da difusão, pela
Europa, de notícias dos Descobrimentos Geográficos Portugueses, vol. 1, Lisboa, Junta de Investigações do
Ultramar, 1972, pp. 475-488.
32
GROSSHAUPT (1990), 374.
33
GREIFF (1861), 8: “on mas enxtig mie, überflisig arbait, gros widerwertikait”.
34
Idem, ibidem: “on mas fil grosse und schwere Recht, den Ich aus wartet ob 3 Jar”.
252 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
35
Hermann KELLENBENZ, “Die Beziehungen Nürnbergs zur Iberischen Halbinsel, besonders im
15. und in der ersten Hälfte des 16. Jahrhunderts”, Beiträge zur Wirtschaftsgeschichte Nürnbergs, Vol. 1
(1967), pp. 472-477.
36
GNM, FA Imhoff, Fasz. 28, Nr. 17 e 28.
37
GREIFF (1861), 12.
38
Idem, ibidem: “Machet fil lang, gros protest, requirement widern Capitan und Contador, gross
unrecht, hell gwalt si uns tatten”.
39
Idem, ibidem, 14: “Adi 5 Decemb zoch Ich gen Almerin und Sct. Erren, da portugal king hoff huolt.
Fast vilerlay gescheft ich da hett, Rechtten und anders halb. Belib also am hoff an baiden ortten, jetz da,
dan dort, und het ain fast überaus gnedigen, gunstigen king, so vil, daz ich den mertayl der zeit, altag – die
nachmittag er allain bei der küngin ist – bey im seyn muost. (...) Bey und in den Retten er mich oft berieffet,
on mas gros liebe erzaiget”.
PORTUGAL E OS PORTUGUESES NO OLHAR DE VIAJANTES E MERCADORES ALEMÃES NO [...] 253
Após a sua segunda estadia em Portugal, Lucas Rem entrou, uma vez mais,
em conflito aberto com os Welser, quando tentou tirar o seu irmão da feitoria
de Lisboa. No Tagebuch refere: “(...) lutei com muita diligência para livrar o meu
irmão Hans de Lisboa, o que era difícil de realizar, constituindo outra afronta
entre mim e a companhia (...). Mas consegui salvá-lo e ele saiu daí.”40
Apesar destas contrariedades, as casas comerciais de Augsburgo e de
Nuremberga insistiram, nesta fase, na sua aposta no mercado português, enviando
os seus agentes também para a Índia. Neste contexto são de realçar os depoimentos
de dois funcionários da Casa dos Hirschvogel41, mais precisamente de Lazarus
Nürnberger42 e de Jörg Pock43 que representaram aquela empresa de Nuremberga
em Lisboa por volta de 1520. Os dois agentes comerciais deslocaram-se também
à Ásia e pintaram uma imagem bastante negativa da política colonial portuguesa
no Espaço Índico. Ambos ficaram bastante revoltados com a corrupção e as
crueldades dos Portugueses na Índia e colocaram-se moralmente ao lado dos
Indianos.
Lazarus Nürnberger havia acompanhado a armada de António de Saldanha
em 1517, permanecendo no subcontinente indiano durante três meses e meio. O
jovem alemão deve ter feito esta viagem com a missão de observar os diversos
mercados na Costa do Malabar e no reino hindu de Bisnaga44. Nürnberger ficou
muito impressionado com aquilo que viu e revelou-se um observador muito
crítico do domínio colonial e das práticas políticas dos Portugueses na Ásia45.
40
Idem, ibidem, 16-17: “Und focht fast mit gros fleis, um mein bruder Hans von Lixbona ledigen, das
spred von stat gieng, undt ander unwil was zwischen der companª. und mein. (...) Doch ich errott In, und
kam heraus”.
41
Sobre os Hirschvogel de Nuremberga e seus negócios em Portugal vejam-se Christa SCHAPER, Die
Hirschvogel von Nürnberg und ihr Handelshaus, Nürnberg, Verlag für Geschichte der Stadt Nürnberg, 1973;
J. POHLE, “Hirschvogel, Casa comercial dos”, in Enciclopédia Virtual da Expansão Portuguesa, Lisboa,
CHAM, 2011. [Consultado em 24/09/2016]. Disponível em http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/.
42
Anne KROELL, “Le voyage de Lazarus Nürnberger en Inde (1517-1518)”, Bulletin des Études
Portugaises et Brésiliennes, Vol. 41 (1980), pp. 59-87; R. WALTER, “High-finance interrelated. International
Consortiums in the commercial world of the 16th century” (Paper presented at Session 37 of the XIV
International Economic History Congress, Helsinki, 21-25 August 2006). [Consultado em 24/09/2016].
Disponível em http://www.helsinki.fi/iehc2006/papers1/Walter.pdf.
43
Sobre Jörg (Georg) Pock e sua estadia na Índia, vd. Hedwig KÖMMERLING-FITZLER, “Der
Nürnberger Kaufmann Georg Pock (†1528/29) in Portugiesisch-Indien und im Edelsteinland Vijayanagara”,
Mitteilungen des Vereins für Geschichte der Stadt Nürnberg, Vol. 55 (1967/68), pp. 137-184; SCHAPER
(1973), 223-233 e 246-247; Franz HALBARTSCHLAGER, “‘Bombardeiros e comerciantes’. Dois exemplos
pela colaboração dos alemães na expansão portuguesa no ultramar durante a época de D. João III”, in
Roberto Carneiro e Artur Teodoro de Matos (eds.), D. João III e o Império. Actas do Congresso Internacional
comemorativo do seu nascimento, Lisboa, CHAM/ CEPCEP, 2004, pp. 670-677.
44
Este reino no interior da Índia é também conhecido por Narsinga. A sua capital, Vijayanâgara, era
um dos maiores centros asiáticos para o comércio de diamantes e outras pedras preciosas.
45
O relato de Lazarus Nürnberger foi transmitido numa carta dirigida a Willibald Pirckheimer.
Este documento, datado de 1 de Dezembro de 1519, faz parte do denominado Codex Bratislavensis.que se
encontra na Biblioteca Central da Academia Eslovaca de Ciências em Bratislava [ÚKSAV, Rkp. fasc. 515/8,
Fol. 180-187]. Foi publicado por Miloslav KRÁSA et al. (eds.), European Expansion 1494-1519. The Voyages
254 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Salienta que existia, naquela altura, um “ser boss regiment in India untter den
Portugaleseren”46, ou seja, “um regime muito mau na Índia sob o governo dos
Portugueses”. No entender de Nürnberger, a hegemonia portuguesa no Índico
passava por uma fase muito precária, quer na Índia, quer em Malaca. Numa carta
dirigida ao humanista Willibald Pirckheimer escreveu:
“(...) os mouros reparam aqui, que nenhum português quer o bem do outro,
mas que se enganam mutuamente e oprimem os pobres (...); assim, a Índia
que está na posse do rei de Portugal nunca se encontrou numa situação tão
desfavorável como actualmente; Deus queira que venha a melhorar. (...)
Então o rei de Portugal quer que se tome muita terra e que se ergam muitas
feitorias, mas não envia nem gente nem dinheiro.”50
of Discovery in the Bratislava Manuscript Lyc. 515/8 (Codex Bratislavensis), Prague, Charles University,
1986, pp. 62-70 com uma tradução portuguesa (pp. 139-148).
46
ÚKSAV, Rkp. fasc. 515/8, Fol. 185 apud KRÁSA (1986), 68.
47
Idem, ibidem, 146.
48
Idem, ibidem.
49
Este documento encontra-se no Arquivo da Cidade de Nuremberga [StadtAN, E 11/II, FA Behaim,
Nr. 582,14 (carta de Jörg Pock para Michael Behaim, Cochim, 1.1.1522)].
50
Idem, ibidem: “(...) di moren sehen hie, dz kein portugeser dem andern woll will, sunder einander
betrigen, di armen vnnder trucken (...); also dz India, dy weyll eß der konig vonn portugall gehabpt hatt, nie
so vbl gestanden ist, alß es yzundt statt; gott woll, dz pesser werdt. (...) So will der konig vonn Portugl, mann
soll vil lantz ein nemen vnnd vil factoria auff richten vnnd schickt kein folk noch gelt”.
PORTUGAL E OS PORTUGUESES NO OLHAR DE VIAJANTES E MERCADORES ALEMÃES NO [...] 255
Pock constatou que o poder dos Portugueses na costa do Malabar era, apesar
dos sucessos militares, tão fraco que havia já afectado o comércio, que se ressentia
cada vez mais.
Antes da sua estadia na Ásia, Jörg Pock havia representado os Hirschvogel
em Lisboa na função de feitor. Nos depoimentos que possuímos deste alemão
sobre as suas experiências em Portugal, os preconceitos e estereótipos referentes
à mentalidade dos Portugueses são evidentes. Pock critica abertamente o orgulho
exagerado dos Lusitanos com as palavras: “(...) pois os Portugueses, que nasceram
como Portugueses, envenenam o ar com [as suas] manias”51. Noutra carta o repre-
sentante dos Hirschvogel debruça-se sobre a alegada tendência para a ostentação
manifestada pelos seus anfitriões, estranhando alguns hábitos com os quais foi
confrontado:
“E sabeis, caro senhor, estão aqui as pessoas mais nobres que podeis
encontrar no mundo. Cavalgam o dia inteiro na praça e têm quatro criados
que andam atrás deles. E quando voltam para casa comem um rabanete
com sal, em vez de galinha e carne assada, depois arrotam o dia inteiro. (...)
Encontreis cá muitos Portugueses que nunca beberam vinho. Creem que
seja a maior vergonha que alguém pode ter; mas quando estão na igreja, há
quem arrote que até os pilares parecem querer abanar. Isso é considerado
uma honra neste país.”52
3. Conclusão
51
Idem, ibidem: “dann di portugeser, so portugueser geporn sein, ist der lufft vergifft mit hoffart”.
52
StadtAN, E 11/II, FA Behaim, Nr. 582,11b (carta de Jörg Pock para Michael Behaim, Lisboa,
25./30.3.1519): “Vnn wist liber her, eβ sein di hoffertigsten lewdt hie, so Irs finden mügt in der welt. Si
reytten denn gantzen tag auffm mark vnnd hab 4 knecht nach in lauffen. Vnd wann si zuo haws reytten, so
essen si fuer huenn vnnd geprattens ein reyttig mit saltz, doch groltzen si den gantzen tag auff (...). Ir findt
vil portugaleser hier, di nie kain wein truncken haben. Vermein, eβ sey di grost schandt, so einer thun kann;
aber wann si in der kirch stann, so lest einer ein groltzer, daβ sich di sewl mocht schutten; daβ soll ein eer
sein in disem landt”.
256 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
53
MARQUES (1995), 11-13.
PORTUGAL E OS PORTUGUESES NO OLHAR DE VIAJANTES E MERCADORES ALEMÃES NO [...] 257
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SCHAPER, Christa, Die Hirschvogel von Nürnberg und ihr Handelshaus, Nürnberg,
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Resumo
Palavras-chave
1
Instituto de Estudos Medievais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa (IEM-NOVA FSCH); Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica
Portuguesa (CEHR-UCP); Centro de História da Universidade de Lisboa (CH-UL).
266 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Abstract
Keywords
2
Esse conhecimento tem sido difundido, em grande medida, através das sínteses que têm sido
produzidas sobre o assunto nos últimos três decénios: António Resende de OLIVEIRA, “As Instituições
de Ensino”, in Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques (dirs.), Nova História de Portugal, vol. III: Maria
Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem (coords.), Portugal em definição de Fronteiras
(1096-1325). Do Condado portucalense à Crise do Séc. XIV, Lisboa, Editorial Presença, 1996, pp. 635-659;
idem, “A mobilidade dos universitários”, in História da Universidade em Portugal, vol. I: 1290-1536,
Coimbra-Lisboa, Universidade de Coimbra-Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 339-356; Mário
FARELO, “On Portuguese Medical Students and Masters Travelling Abroad: An Overview from the Early
Modern Period to the Enlightenment”, in Ole Peter Grell, Andrew Cunningham e Jon Arrizabalaga (eds.),
Centers of Medical Excellence? Medical Travel and Education in Europe, 1500-1789, Farnham, Ashgate,
2010, p. 127-147; idem, “Lisboa numa rede latina? Os escolares em movimento”, in Hermenegildo Fernandes
(ed.), A Universidade Medieval em Lisboa, Séculos XIII-XVI, Lisboa, Tinta-da-China, 2013, pp. 237-265;
Armando NORTE e André de OLIVEIRA-LEITÃO, “A mobilidade dos escolares portugueses: a peregrinatio
academica entre os séculos XII e XV”, Lusitania Sacra, vol. 33 (Janeiro-Junho 2016), pp. 43-98.
AMIGOS PARA A VIDA? SOLIDARIEDADES DOS ESTUDANTES PORTUGUESES [...] 267
6
Jacques VERGER, “La mobilité étudiante au Moyen Âge”, Histoire de l’éducation, Nº 50 (mai 1991),
p. 88. Para uma cómoda tipologia dos desafios que se colocavam ao estudante estrangeiro, veja-se Elisabeth
MORNET e Jacques VERGER, “Heurs et malheurs de l’étudiant étranger”, in L’étranger au Moyen âge.
Actes du XXXe congrès de la Société des historiens médiévistes de l’enseignement supérieur public. Göttingen,
1999, Paris, Publications de la Sorbonne, 2000, pp. 217-232.
7
Afonso Eanes de Barcelos, na súplica que endereçou a Clemente VI em 1342, não esqueceu de referir
a sua condição de sobrinho de Pedro Domingues e Rodrigo Domingues, outrora escolares respetivamente
em Artes e Decretos na Universidade de Paris, colegas e amigos (“sociorum et amicorum”) do então papa.
António Domingues de Sousa COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. I, Roma-Porto, Livraria
Editorial Franciscana, 1968, pp. 7-8.
8
A exceção a este panorama é a documentação produzida no seio das nações existentes em algumas
universidades dotadas de um recrutamento internacional como Paris e Bolonha, sendo estas nações
destinadas a encadrar e proteger os interesses das comunidades estudantis estrangeiras aí radicadas.
Veja-se sobre isso o clássico Pearl KIBRE, The nations in the medieval universities, Cambridge (Mass.),
Medieval Academy of America, 1948, em especial as pp. 3-64 e 116-122 e, em específico para Bolonha,
Albano SORBELLI, “La ‘Nazione’ nelle antiche università italiane e straniere”, Studi e memorie per la storia
dell’Università di Bologna, Nº 16 (1943), pp. 93-232.
AMIGOS PARA A VIDA? SOLIDARIEDADES DOS ESTUDANTES PORTUGUESES [...] 269
9
António Domingues de Sousa COSTA, Portugueses no Colégio de S. Clemente e Universidade
de Bolonha durante o século XV, Bolonha, Real Colégio de España, 1990b. Este conjunto documental
encontra-se publicado no texto constante das páginas 267 a 835. O facto de introduzir novas informações
em diversas biografias, faz pensar na sua junção posterior a uma primeira parte da obra, anteriormente
redigida, publicada entre as pp. 1-266.
10
José MATTOSO, “Monges e clérigos portadores da cultura francesa em Portugal (Séculos XI e
XII)”, in José Mattoso, Portugal Medieval. Novas interpretações, Lisboa, Editoral Estampa, 1985, pp. 365-387.
270 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
14
FARELO (2013), 262.
15
Elenco reproduzido de FARELO (2013), 262: Guido Algiarde (sic) de Portugal (1276); Fernão
Martins, cónego de Braga (1282-1284); Domingos Gonçalves, prior de Sta. Maria de Ventosa (1286); Mateus
Gonçalves, cónego de Lisboa (1282-1292); Gil Fernandes, arcediago de Coimbra? (1292).
16
Joaquim Veríssimo SERRÃO, “Étudiants portugais dans les universités du Midi de la France à la
fin du XIVe siècle”, Bulletin Philologique et Historique (jusqu’en 1715) du Comité des travaux historiques
et scientifiques. Années 1953-1954, Paris, Imprimerie Nationale-Presses Universitaires de France, 1955,
pp. 265-272; idem, Les Portugais à l’Université de Toulouse (XIIIe -XVIIe siècle), Paris, Fundação Calouste
Gulbenkian, 1970; idem, Les Portugais et l’Université de Montpellier (XIIe -XVIIe siècles). Paris, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1971.
17
Elenco reproduzido de FARELO (2013), 262: Estêvão Soares, cónego de Silves (1320); Jorge Eanes
da Pederneira?, reitor da igreja de S. Pedro de Portavalla (sic), diocese de Lisboa, escolar em Bolonha em
Direito Canónico (1324); Martinho Martins de Leiria, reitor dos juristas ultramontanos, cónego de Coimbra
e expectante de prebenda no Porto, reitor da igreja de Sta. Comba Dão (diocese de Coimbra), escolar em
bolonha em Direito Canónico (1323-1325); Martinho Afonso de Portugal, escolar em Bolonha de Direito
Civil (1327).
18
FARELO (2013), 248.
19
Sobre este colégio, para além das obras já referidas de Sousa Costa, veja-se um resumo da sua
organização e história em António PÉREZ MARTÍN, “Colegiales de San Clemente de los Españoles en
bolónia (1368-1500)”, Salamanticensis, vol. 20, fasc. 1 (1973), pp. 69-84.
272 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
20
COSTA (1969), 4.
21
Peter Edward RUSSELL, “Medieval Portuguese Students at Oxford University”, in Aufsätze zur
Portugiesischen Kulturgeschichte, Münster, Wesffalen, 1960, pp. 183-191; Die Matrikel der Universität Köln,
Hermann KEUSSEN (ed.), vol. I, 2ª edição, Bonn, Verm. U. Erw. Auflage, 1928, p. 83, 97, 141, 182, 511 e 539.
22
Nuno J. Espinosa Gomes da SILVA, “João das Regras e outros juristas portugueses da Universidade
de Bolonha (1378-1421)”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Nº 12 (1960), pp. 5-35;
idem, “O doutoramento em Pavia de D. Martim Gil, bispo de Silves (1395)”, Revista da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa, Nº 16 (1963), pp. 425-430; António Domingues de Sousa COSTA, “O célebre
conselheiro e chanceler régio Doutor João das Regras, clérigo conjurado e prior da colegiada de Santa Maria
da Oliveira de Guimarães”, Itinerarium, ano 18, Nº 77 (Julho-Setembro 1972), pp. 232-259.
23
COSTA (1969), 6.
AMIGOS PARA A VIDA? SOLIDARIEDADES DOS ESTUDANTES PORTUGUESES [...] 273
2. A caracterização do grupo
27
A utilização pelo Pe Sousa Costa dos Memorialia Communis limitou-se ao nº 317, comunicado
por Vittorio Valentini. Este fundo consignou, desde 1265 e até 1436, os negócios jurídicos (atos públicos e
contratos privados) praticados em Bolonha quando o valor da transação ultrapassava as 20 libras bolonhesas.
A sua utilização limitada para a segunda metade de Trezentos deve-se à prelavalencia da documentação
referente aos escolares até aos inícios do século XIV, decaíndo depois, ao mesmo tempo que decresce o rigor
da informação registada. Sobre a história e caracterização global deste fundo documental, veja-se Giorgio
TAMBA, “I memoriali del comune di Bologna nel secolo XIII. Nota di diplomatica”, Rassegna degli archivi
di Stato, vol. 47, Nº 2-3 (1987), pp. 235-290.
28
Para além da extensa bibliografia referida em FARELO (2009), 508-509, veja-se Rita Costa GOMES,
A Portuguese Abbot in Renaissance Florence. The letter collection of Gomes Eanes (1415-1463), Florença, Leo
S. Olschki, 2018; Paulo Catarino LOPES, “Entre a Itália e Portugal. A relevância do livro na circulação cultural
e reformista promovida pelo abade D. Gomes Eanes no século XV”, in Nunziatella Alessandrini, Mariagrazia
Russo e Gaetano Sabatini (org.), ‘Homo est minor mundus’. Construção de Saberes e Relações Diplomáticas
luso-italianas (sécs. XV-XVIII), Lisboa, Fábrica da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, 2018, pp. 31-57.
AMIGOS PARA A VIDA? SOLIDARIEDADES DOS ESTUDANTES PORTUGUESES [...] 275
29
COSTA (1990b), p. 18.
30
Desconhecido da historiografia que se dedica ao estudo do oficialato régio central no reinado de
D. João, os elementos biográficos passíveis de ser reunidos apontam nesse sentido: doutor em Leis e bacharel
em Decretos (c. 1394); clérigo da diocese de Lisboa, recebe a pluralidade de benefícios nas arquidioceses
de Lisboa, Braga e nas dioceses de Évora e Coimbra (1401); familiar do papa (1401); prior de Sta. Maria
do Outeiro de Lisboa (1403); indulto para receber os seus benefícios sem residência durante 5 anos, por se
encontrar em Estudo Geral ou ao serviço do rei de Portugal (1403); cónego e chantre da Sé de Lisboa (1403);
prior de Sta. Eulália de Rio Covo (d. Braga) (1403); desembargador régio (1404); um dos desembargadores
envolvidos na sucessão do doutor João das Regras (1404); pai de Elvira Lourenço, Martim Lourenço e de
João, ambos tidos de Maria Vicente, legitimados em 1404 (os dois primeiros) e em 1406 (o último); trazia
uma propriedade no termo de Alenquer da Ordem do Hospital (1407); conselheiro do rei, já falecido em
1407; irmão de João Lourenço (1407). COSTA (1982), 775, 787; Chartularium Universitatis Portugalensis
(1288-1537), Artur Moreira de Sá (ed.), vol. II, Lisboa, Instituto de Alta Cultura, 1968, pp. 272-273,
doc. 548-549; pp. 289-290, doc. 565; p. 290, doc. 567; p. 292, doc. 569; pp. 244-245, doc. 574; Chancelarias
Portugueses. D. João I, João José Alves DIAS (ed.), Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade
Nova de Lisboa, 2006, vol. III/1, p. 49-50, doc. 74-75; p. 222, doc. 345; vol. III/2, p. 17, doc. 444; p. 59, doc. 485;
TT, Colegiada de Sta. Marinha do Outeiro de Lisboa, m. 4, nº 125.
31
Os antigos estudantes bolonheses apoiam a obediência romana, tanto mais que alguns deles
haviam sido disciplos de João de Legnano, por essa altura o campeão da causa urbanista. Bernardo PIO, De
fletu Ecclesie. Giovanni da Legnano, Legnano-Bolonha, Fondazione Cassa di Risparmio in Bologna-Banca
di Legnano, 2006, pp. 43-57, 70-102.
276 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Assim, os doutores em Leis Martim Gil do Sem, os irmãos Gil Martins e Diogo
Martins, assim como Lançarote Esteves ingressaram e mantiveram-se no serviço
régio, seja como embaixadores ou desembargadores, ao passo que os doutores em
Direito Canónico como Martinho Gil e João Álvares imiscuíram-se no restrito
corpo episcopal do reino. Aliás, estes últimos exemplos fazem pensar na ligação,
aparentemente operativa na época, entre a presença em Bolonha e o provimento
episcopal no reino, o que pode constituir um argumento importante do
aclaramento das condições e justificações de recrutamento do episcopado lusitano
nesse período. Com efeito, denota-se a possibilidade da obtenção de cátedras ainda
durante a permanência física do beneficiado na Universidade (casos do bispo de
Coimbra Gil Alma, do bispo da Guarda Gonçalo Vasques da Cunha ou do bispo
de Silves Fernando da Guerra), ou posteriormente, no seguimento das necessárias
ligações familiares, como nos casos de João Álvares, Álvaro Afonso e Fernando
Martins Coutinho.
Para aqueles que não conseguiram a inserção no episcopado do reino,
o doutoramento em Direito Canónico constituiu um trunfo para o ingresso
na burocracia episcopal, sobretudo quando os prelados eram também antigos
estudantes portugueses na Península itálica. Nesse particular, destacam-se os
clérigos que prosseguiram uma carreira nas casas dos arcebispos de Lisboa ao longo
da primeira metade de Quatrocentos, constantes do anexo para o qual remetemos,
como prova desta e das restantes afirmações efetuadas ao longo do texto.
Para além do recrutamento episcopal ou da inserção das estruturas
burocráticos de alguns dos prelados portugueses, verifica-se que a presença em
Itália constituiu um argumento de peso na hora de escolher os embaixadores
régios aos concílios de Pisa e de Constança. Para além de especialistas em Direito e
fluentes na língua latina, a Coroa beneficiava da experiência de homens habituados
às realidades italianas e da Cúria Romana. Tais escolares poderiam constituir
igualmente mediadores privilegiados para a obtenção dos pareceres que a Coroa
lusitana pontualmente solicitou aos professores bolonheses, conforme ilustrado
pelos casos dos concilia obtidos sobre o património dos Pessanha (1383-1384), o
morgado de Góis (1408) e sobre outros assuntos não esclarecidos36.
cortesãos, embora sem a possibilidade de qualquer destrinça, pelas insuficiências documentais, entre os
beneficiários que estudam no reino e aqueles que vão para o estrangeiro, Humberto Baquero MORENO,
“Um aspecto da política cultural de D. Afonso V: a concessão de bolsas de estudo”, Revista das Ciências
do Homem, Série A, Nº 3 (1970), pp. 177-205; Maria João Oliveira e SILVA, “Bolseiros e bolsas de estudo
no tempo de D. Afonso V”, in Luís Adão da Fonseca, Luís Carlos Amaral, Maria Fernanda Ferreira Santos
(coords.), Os Reinos Ibéricos na Idade Média. Livro de Homenagem ao Professor Doutor Humberto Carlos
Baquero Moreno, vol. III, Porto, Livraria Civilização Editora, 2003, pp. 1091-1099.
36
Thomas M. IZBICKI, “A Bolognese consilium on Portuguese politics”, in Diritto e potere nella
storia europea: atti in onore di Bruno Paradisi. Quarto Congresso internazionale della Società Italiana di
Storia del Diritto, vol. I, Florença, L. S. Olschki, 1982, pp. 313-319; Martim de ALBUQUERQUE (ed.),
278 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Pareceres Quatrocentistas de juristas da Escola de Bolonha sobre a Sucessão do Morgado de Góis em Portugal,
Coimbra, Coimbra Editora, 2008; SILVA, (1960), 16; COSTA (1990), 40; FARELO (2013), 248-249. Estes
concilia não foram só solicitados pela Coroa, como se depreende do trabalho de André VITÓRIA, “A little
known version of Oldradus de Ponte’s consilium no. 83?”, Initium, vol. 17 (2012), pp. 169-207.
37
Manuela MENDONÇA, “Portugueses na Universidade de Siena. Contribuição para a sua história”,
in José María Soto Rábanos (ed.), Pensamiento medieval hispano: homenaje a Horacio Santiago-Otero, vol. I,
Madrid, CSIC-Consejería de Educación y cultura de la Junta de Castilla y León-Diputación de Zamora,
1998, pp. 831-860; Giovanni MINNUCCI, “Studenti giuristi portoghesi a Siena nella seconda metà del
XV secolo”, in Antonio Padoa Schioppa, Gigliola di Renzo Villata e Gian Paolo Massetto (eds.), Amicitiae
pignus. Studi in ricordo di Adriano Cavanna, Milano, Giuffrè, 2003, pp. 1477-1488 (sem referências para o
período aqui considerado).
AMIGOS PARA A VIDA? SOLIDARIEDADES DOS ESTUDANTES PORTUGUESES [...] 279
38
COSTA (1990b), 273, 280-284.
39
Veja-se, por exemplo, o conflito em torno do provimento de uma quartanária no cabido da Sé de
Lisboa em 1403 entre Brás Afonso e Gomes Álvares. COSTA (1990b), p. 420, 511-512.
40
Idem, ibidem, 661.
41
COSTA (1969), 32, 41; COSTA (1990b), 410.
42
COSTA (1990b), 269.
280 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
o dinheiro enviado pelo conhecido Álvaro Pais ao seu enteado João Afonso das
Regras, então licenciado em Direito Civil43. A intervenção florentina deteta-se no
câmbio efetuado em 1382 em favor de Martinho Afonso da Charneca, uma vez
que a respetiva letra foi emitida João Esteves Migliorini de Florença44. Uma década
mais tarde, os 300 ducados e meio de ouro, com destino a João Peres e Gil da
Alma, foram enviados de Lisboa pelo conhecido mercador genovês João de Parma
a Francisco Vinalis, estante em Génova, e daí a Filipe de Geraldini, campsor em
Bolonha45. Quatro anos mais tarde, é aos genoveses João de Nigro e a Simão de
Marabotto que Gomes Álvares confia os 300 ducados enviados desde Portugal46.
Torna-se desnecessário multiplicar os exemplos. Importa sobretudo ter a
noção que, em paralelo com a transmissão de recursos monetários, que deveria
porventura constituir a regra, a comunidade podia igualmente jogar um papel
importante nesse assunto, através de empréstimo entre colegas que a documentação
permite igualmente rastrear47. Talvez menos comum fosse o aluguer de livros e de
bens, como aquele consentido por Lançarote Esteves em 1399 a Gonçalo Vasques
da Cunha, já então bispo da Guarda e a Afonso Martins, vigário de Loures, livros
e bens a serem devolvidos em Itália ou em Portugal no espaço de 20 meses48.
Testemunhos de atos notariais e empréstimo de dinheiro constituem alguns
dos indícios de uma convivialidade estudantil que dificilmente poderá ser
apreendido nas suas diversas valências. Ao explorar sucintamente a informação
publicada pelo Pe. Sousa Costa – sintetizada num quadro final destinado a
suportar as asserções tecidas ao longo do texto e a incentivar explorações futuras
do tema –, pretendeu-se chamar a atenção para a importância das solidariedades
tecidas ou reforçadas nos bancos da escola, através de exemplos da sua mobilização
in situ ou algures ao longo do percurso subsequente do indivíduo. Pontuada pela
amizade e pela cooperação, as relações dentro da comunidade não deixaram de
ser toldadas pela competição em torno da obtenção de benefícios eclesiásticos
e pela natural conflitualidade estudantil, apanágio das vivências numa cidade
universitária cosmopolita como Bolonha. Amigos para a vida? Certamente que
sim, ma non troppo.
43
COSTA, António Domingues de Sousa, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, Porto-Braga,
Editoral Franciscana, 1970, p. CXXXVI-CXXXVII; COSTA (1982), 560.
44
COSTA (1982), 545.
45
COSTA (1990b), 324-325, 348.
46
Idem, ibidem, 325-326, 378.
47
Idem, ibidem, 351 e nota 1499 (litígio em 1398 entre Gil Vasques, reitor da igreja de Sta. Maria de
Palmaz e Pedro Eanes, licenciado em Direito Canónico, sobre empréstimo de 8 ducados).
48
Idem, ibidem, 321-322.
AMIGOS PARA A VIDA? SOLIDARIEDADES DOS ESTUDANTES PORTUGUESES [...] 281
ANEXO
Estudantes portugueses na Península Itálica (finais séc. XIV-inícios séc. XV)
Salvo indicação expressa de outra universidade em maiúsculas, as referências ligadas
ao percurso académico referem-se a inserções na Universidade de Bolonha. As palavras a
negrito designam as datas exatas dos exames privados (licenciaturas) e exames públicos
(doutoramentos). As palavras em itálico indicam informações não confirmadas, mas
verosimilhantes.
Nomenclatura: Bach.= Bacharel; c. = cerca; Can.= Canónico; Civ. = Civil; cón.
=cónego; cx. = caixa; d. = diocese; D. = Direito; Dout.= Doutoramento; Esc.= Escolar;
fl. = fólio; igr. = igreja; Lic.= Licenciatura; liv. = livro; m. = maço; nº = número; par.=
paroquial; Raç.= Raçoeiro; S./Sto. = São/Santo; Sta. = Santa; U. = Universidade.
Fontes: TT, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 2, fl. 83v, liv. 18, fl. 37, 43; liv. 20, fl. 3v,
liv. 24, fl. 94v; Mosteiro de Sto. Agostinho de Lisboa, m. 2, nº 40, m. 4, nº 7; Convento
de Nossa Senhora da Graça de Lisboa, m. 17, nº 8; Ordem dos Pregadores. Convento
de S. Domingos de Lisboa, liv. 5, fl. 285-286; Ordem dos Frades Menores. Província
de Portugal. S. Francisco de Lisboa, liv. 10, fl. 63v-65; Ordem dos Frades Menores.
Província de Portugal. Convento de Sta. Clara de Santarém, m. 12, nº 840; Colegiada
de Sta. Cruz do Castelo de Lisboa, m. 8, nº 355; Colegiada de Sto. Estêvão de Alfama
de Lisboa, m. 15, nº 282; Colegiada de S. Martinho de Sintra, m. 7, nº 247; Mosteiro de
Santos-o-Novo, nº 956; Mosteiro de Sta. Maria de Chelas, m. 33, nº 643; Mosteiro de
Alcobaça, 2ª inc., m. 48, nº 1316, m. 53, nº 20; Mosteiro de S. Dinis de Odivelas, liv. 15,
fl. 122; Cabido da Sé de Coimbra, 2a inc., m. 94, nº 4498; Arquivo do Hospital S. José, liv.
1190, fl. 168-178; Arquivo da Arquiconfraria do Santíssimo Sacramento das Freguesias
de S. Julião e de Nossa Senhora de Fátima, Pergaminhos da Colegiada de S. Julião de
Lisboa, cx. 7, nº 169; Grégoire XI (1370-1378). Lettres communes analysées d’après les
registres dits d’Avignon et du Vatican, ed. Anne-Marie HAYEZ, avec la collaboration
de Janine MATHIEU et Marie-France YVAN, vol. I-III. Rome, École Française de
Rome, 1992-1993, p. 721; Chartularium Universitatis Portugalensis (1288-1537), vol. II,
Lisboa, JNICT, 1968, pp. 125, 284, 320-321, 159-60, 177, vol. III, pp. 6-7, 38-39, 71, 75-76;
Monumenta Henricina, edição de António Joaquim Dias DINIS, Lisboa, Comissão
Executiva das Comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique,
1964, vol. IV, pp. 316-317; Cabido da Sé. Sumários de Lousada. Apontamentos dos
Brandões. Livro dos bens próprios dos Reis e Rainhas. Documentos para a história da
Cidade de Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1954, pp. 82, 184; Jorge FARO,
Receitas e Despesas da Fazenda Real de 1384 a 1481 (subsídios Documentais), Lisboa,
Centro de Estudos Económicos – Instituto Nacional de Estatística, 1965, p. 22; António
Domingues de Sousa COSTA, “Estudantes portugueses na Reitoria do Colégio de
S. Clemente de Bolonha na Primeira Metade do século XV”, Arquivo de História da
Cultura Portuguesa, Vol. III, Nº 1 (1969), pp. 7-9, 18-22, 31-33, 35-36, 39-42, 44-45,
57-58, 63, 78, 80-81, 84-86, 89-90, 93, 95-96, 99, 100-102; idem, Portugueses no Colégio
de S. Clemente e Universidade de Bolonha durante o século XV, Bolonha, Real Colégio
de España, 1990, pp. 18, 21-22, 23-24, 33-38, 42, 267-270, 272-277, 279-280, 282-284,
286-295, 297-301, 303, 307-308, 315-319, 321-322, 324-331, 333-337, 340-341, 343-5,
348-359, 364-366, 378, 382-383; 385-391, 408-409, 419-423, 425-430, 433, 442-444,
451-453, 492-494, 497-504, 506-508, 511-512, 515-519, 523-529, 531, 534, 536-538,
547-549, 552-557, 559, 561-563, 565-576, 578, 580-581; 583-585, 587-589; 595-602,
611-614, 619-621, 622, 624, 649-651, 837-840; idem, Monumenta Portugaliae Vaticana,
vol. I, Porto, Editorial Franciscana, 1966-1982, pp. XVI; vol. II, pp. CXXV-CXXVI,
CCLV, CCLX-II, p. 121, vol. III/1, pp. 165, 169, 303-304; 356, 406-407, 495, 502,
504-510, 514, 537, 543-545, 545-547, 567, 598-600, 604, 613-9, 786-790, 854-855,
863-864, vol. III/2, pp. 522-3, 598-599, 626; Armando Luís de Carvalho HOMEM, O
Desembargo Régio (1320-1433), Porto, INIC-Centro de História da Universidade do
Porto, 1990, pp. 348, 352-353, 365, 382.
282 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Rui Louren- Bach. Leis e Lic. Artes Raç. Sta. Maria de Ta- Embaixador a Originário do Algarve; ouvido sobre a obediência
ço de Tavira (ant. 1365.9.17) vira; cón. prebendado Castela (1379- ao papa de Avinhão (1382) ou Fev. 1383
(†c. 1401- Aluno e tesoureiro colé- Silves (1365); deão 1380, 1393-1394,
1403) gio Gregoriano Bolonha Silves (1365-1378); 1398-1399); conse-
(1373) cón. Coimbra (1378- lheiro do rei (1386);
Lic. D. Can. (1376.4.2) 1398); deão Coimbra desembargador
(1378-1401); cón. (1386, 1390-1401);
Lisboa (1398) comensal do rei
(1398)
Gomes Esc. D. Civ. (1376) Solicita o canonicato Originário de Lisboa; irmão de Estêvão Eanes;
Eanes Mestre Artes (1380) prebendado Lisboa Martinho Afonso diz conhecê-lo (1376); registado
(1380) no rol do colégio de S. Clemente de Bolonha (1380)
Estêvão Esc. D. Civ. (1376) Solicita ração Sta. Originário de Lisboa; irmão de Gomes Eanes; Mar-
Eanes Provecto D. Civ. (1380) Maria Santarém tinho Afonso diz conhecê-lo (1376); registado no
(1380) rol do colégio de S. Clemente de Bolonha (1380)
João Afonso Lic. D. Civ. (Antes Prior Guimarães Chanceler-mor Originário de Lisboa; filho provável de João Afonso
das Regras 1378.10.6) (1383-1388) (1384-1386); das Regras, oligarca de Lisboa; ouvido sobre a
Dout. D. Civ. conselheiro do rei obediência ao papa de Avinhão (1382); Protetor da
(1378.10.14) (1384-†1404) U. Lisboa (1400)
Martinho Est. D. Civ. (1376) Bispo Coimbra Conselheiro do rei Originário de Lisboa; filho de Afonso Peres, oficial
Afonso da Lic. D. Civ. (1382.7.4) (1386-1398); (1384-1392) régio; professor da U. Lisboa (1384)
Charneca Dout. D. Civ. (1382.7.7) arcebispo Braga
(1398-†1416)
Martinho Gil Esc. D. Civ. (1391-1392) Embaixador do rei Morador em Bolonha na capella de S. Martinho de
do Sem Lic. D. Civ. PAVIA a Inglaterra (1400) Sanctis (1391); diz conhecer Gil Alma e João Peres
(1398.8.25) e a Castela (1402 (1392); o seu filho João Pereira é estudante em Bolo-
Dout. D. Civ. PAVIA e 1411) nha na década de 1440.
(1398)
Gil Fernan- Esc. D. Can. (1392-1394) Reitor Sta. Eulália de Originário de Lisboa; Martinho Gil do Sem diz
des Alma Oliveira (d. Porto) conhecê-lo (1392); ele conhece Gomes Álvares
(1390); deão Silves (1394); testemunha procuração de João Peres
(1397-1398); bispo (1397); João Peres paga-lhe taxa na Câmara Apos-
Porto (1398-1407); tólica (1398); conferiu arcediago Seia a Fernão
bispo Coimbra (1407- Gonçalves Beleágua (1408); está em Viterbo (1405)
†c.1417) e em Lucca (1408); faz seu testamenteiro Fernando
Gonçalves Beleágua (1415)
João Peres Esc. D. Can. (1392-1397) Cón. prebendado Martinho Gil do Sem diz conhecê-lo (1392); procu-
Braga (1390..1396- rador na Cúria Romana de D. Gil de Alma (1398)
1398); cón. e reserva
prebenda Lisboa e
Évora (1396-1397);
igr. par. Senhorinha
de Basto (1396);
igr. par. Sto. André
de Telões (1396);
raç. Sta. Maria Faro
(1396-1397); deão
Lisboa (1398-1400);
cón. Lisboa (1398-
1400); cón. Coimbra
(1398)
Gonçalo Esc. (1393-1399) Prior Guimarães Nasceu por volta de 1367; filho do cavaleiro Vasco
Vasques da (1390-1395); bispo Martins da Cunha
Cunha Guarda (1395-1418)
Gomes Esc. D. Civ. (1394) Filho de Álvaro Martins de Lisboa (1394); Gil Fer-
Álvares nandes de Alma diz conhecê-lo (1394); morador em
Bolonha na capella de Sto. André de Ansaldis (1394)
João Álvares Estudava fora do reino Abade de S. Salvador Tinha 22 em 1401-1402. Filho de Álvaro Gonçalves,
pelo menos desde 1396. Lousada (1402-1403); chanceler-mor do rei e irmão de Diogo Álvares;
Esc. D. Civ. (1403-1408) prior S. Pedro Óbidos clérigo d. Lisboa (1402); clérigo de ordens menores
Lic. D. Civ. (1408.3.28) (1403-1405); deão (1414); faz seus procuradores Luís Pilote, prior S.
Dout. C. Can. Viseu (1408); cón. Salvador de Beja, para permuta com Brás Afonso
(1409.3.26) Coimbra (1414); cón. (1402); mora na capella bolonhesa de S. João do
Porto (1414); cón. Monte (1403); testemunha execução beneficial
Lisboa (1414); bispo em favor de Lopo Martins do Carvalhal (1403);
Silves (1414) faz procuradores Álvaro Gonçalves, seu pai e
chanceler-mor; Diogo Álvares, seu irmão para gerir
benefícios (1403); nomeia como procurador Brás
Afonso (1404); procurador de Brás Afonso (1404);
fiador do doutor Lançarote Esteves (1405); nomeia
como procuradores Silvestre Esteves, cón. Lisboa,
João Eanes de Frandas, cón. Coimbra e João Peres,
chantre da colegiada de Santarém para aceitar e li-
tígios de benefícios (1405); testemunha procuração
de Fernão Gonçalves Beleágua (1405); testemunha
procuração de Lopo Martins (1406); morador na
freguesia de Sta. Tecla em Bolonha, testemunha
procuração de Afonso Rodrigues de Lisboa e de
Lourenço Fogaça de Lisboa (1406); testemunha
execução beneficial em favor de Fernando Peres da
Guerra (1408); morador na freguesia bolonhesa de
S. João do Monte (1408); executa provimento be-
neficial em favor de Fernando Gonçalves Beleágua
(1408); testemunha procuração de Fernando Peres
da Guerra (1408); faz procurador na Cúria romana
João Gonçalves, reitor de S. Leonardo da Atoguia e
Fernando Afonso de Portugal (1414)
Álvaro Esc. D. (1397-1398) Cón. Lisboa Vigário-geral do Nascido em 1386; Clérigo d. Coimbra (1398);
Afonso (1405-1415); cón. arcebispo Lisboa sobrinho do cardeal D. João Afonso de Azambuja;
Coimbra (antes (1409-1414); faz seus procuradores João Vasques, Gil Vasques,
1401); deão Coimbra notário apostólico reitor de Sta. Marinha de Palmaz, d. Coimbra e João
(1402-1415); reitor S. (1414) Lourenço Abiul (1398); representa na Cúria João
Martinho Santarém Rodrigues, raçoeiro de Sto. André Lisboa e Diogo
(1419); reitor S. Pedro Álvares, arcebispo Lisboa (1415)
Arrifana (1411); raç.
Sto. André Lisboa
(1411); nomeado
bispo Porto (1413);
bispo Évora (1414-
1416/17)
Pedro Eanes Lic. D. Can. (1397.2.3) Cón. Viseu (1389); Obtém benefício Reitor dos estudantes ultramontanos em Bolonha
Vieira Doutor em Decretos obtém o canonicato a pedido do rei (1397) ; em conflito por empréstimo de dinheiro
prebendado Lisboa (1389) com Gil Vasques, reitor de Sta. Maria de Palmaz
(1389); chantre Viseu (1398); chanceler da cidade de Bolonha pede
(1402-1427) subsídio ao rei de Portugal em seu favor para
doutoramento (1397)
Lopo Afonso Esc. D. Can. (1397) Obtém benefício à Procurador da Clérigo d. Coimbra (1397); testemunha execução
Esc. D. Civ. (1402) colação do provedor Audiência das beneficial em favor de Lopo Martins e procuração
Bach. D. Civ. (1408) do Hospital de S. Cle- Letras contraditas de Gil Vasques de Portugal (1402); procurador na
Lic. D. Civ. (1408.9.10) mente e Sto. Elói de na Cúria Romana Cúria romana de Brás Afonso (1404); testemunha
Esc. D. Can. PÁDUA Lisboa ou do vigário (1404-1406) documento referente ao professor Bartolomeu
(1409) de S. Julião de Lisboa de Saliceto (1404); procurador de Gil Vasques de
(1397); raç. S. Vicente Elvas (1406); leitor dos volumes dos Codices na U.
Abrantes (1397); raç. Bolonha (1407-1408); morador em Pádua (1409);
Sta. Maria Madalena procurador de João Afonso de Portugal para o
de Lisboa (1404); representar em Bolonha (1409); procurador de Brás
Afonso (1409); morador em Pádua, deve dinheiro a
João Afonso, cón. de Lisboa (1411)
Gil Martins Lic. D. Civ. (1398.9.17) Desembargador Originário de Lisboa; filho de Martim Lourenço,
Dout. D. Civil (1408-1421); mercador e de Margarida Esteves, moradora em
(1398.10.2) chanceler Lisboa na freguesia da Madalena, sepultados na sua
Perito D. Can. (1421-1432); capela no mosteiro de Sto. Agostinho de Lisboa;
embaixador a casado com Leonor Pereira (1408), irmão do doutor
Constança Diogo Martins; sobrinho de Margarida Esteves,
(1414-1418) casada com Fernão de Alma; clérigo de ordens
menores, casara-se e participara em guerras durante
uma década. Com a morte da mulher, queria
abraçar o serviço de Deus (1429)
Gomes Esc. D. Civ. (1398) Clérigo d. Évora Juiz dos feitos do rei Clérigo de Lisboa (1403); procurador de Gil
Martins (1401); colado em (1407)? Vasques, reitor de Sta. Marinha de Palmaz (1398);
S. Salvador de Arraio- conflito com Brás Afonso sobre quartanária de
los (1401) Lisboa (1403); procurador de Lopo Afonso (1404)
Afonso Esc. (1399) Vigário Sta. Maria Alugou livros e bens de Lançarote Esteves (1399)
Martins Loures (1399-antes
1404)
Silvestre Esc. D. Civ. (1399 -1402) Clérigo de ordens Juiz do Cabido de Filho de Silvestre Esteves, tabelião do rei (1368-
Esteves menores (1402); cón. Lisboa (1402-1407) 1383) e contador régio (1384-1413); testemunhou
Lisboa (1405-1428) aluguer de livros a Gonçalo, bispo de Guarda e a
Afonso Martins (1399)
Lançarote Esc. Lógica U. Lisboa Clérigo Lisboa (c. Escrivão do Mestre Originário da freguesia de S. João de Lisboa e filho
Esteves (c. 1380) 1380); meio-cón. de Avis (1384- de Estêvão de Portugal; cidadão de Lisboa (1403);
Esc. D. Civ. (1399-1403) Lisboa (pedido c. 1390); escrivão Reitor da U. Lisboa (c. 1394); aluga livros a Gon-
Lic. D. Civ. (1404.5.6) 1380…1399) da Câmara do rei çalo, bispo de Guarda e a Afonso Martins (1399);
Doutor (1405) (1395); notário testemunha procurações de Afonso Rodrigues e
público em todo o de João Álvares em Bolonha e permute beneficial
reino de Portugal (1402); testemunha execução de bula em favor de
(1395); vassalo Lopo Martins (1403); obtém a administração do
do rei (1394); hospital dos Meninos pobres de Lisboa (1403);
secretário do rei Lopo Martins do Carvalhal e João Álvares ficaram
(1404); oficial da seus fiadores (1405); Professor de Leis na U. Lisboa
Relação na lista (1406); são-lhe retirados bens em 1417, provavel-
dos moradores mente relacionados com a sua estada em Bolonha
(1405); criado
do rei (1406);
embaixador
régio ao Concílio
de Pisa (1409);
embaixador do rei
à Sicília (1412);
desembargador (c.
1408-1421); conde
palatino (1411)
Diogo Lic. D. Civ. (1401.3.30) Cón. Coimbra (1415) Desembargador do Originário de Lisboa; filho de Martim Lourenço,
Martins Dout. D. Civ. rei (1407-1429); mercador e de Margarida Esteves, moradora em
(1401.3.18) embaixador ao Lisboa na freguesia da Madalena, sepultados na sua
Concílio de Pisa capela no mosteiro de Sto. Agostinho de Lisboa;
(1409) casado com Leonor Pereira (1408), irmão do doutor
Gil Martins; sobrinho de Margarida Esteves, casada
com Fernão de Alma;
Gil Vasques Esc. D. Civ. (1402-1404) Quartanário Lisboa Clérigo d. Évora (1405-1406); Nomeia como procu-
de Elvas/ Bach. D. Can. (1405- (1402); raç. Sta. rador João Lourenço de Abiúl (1402); testemunha
Lobeira 1417) Maria Leiria (1402); procuração de Lopo Martins (1402); testemunha
Est. D. Can. (1403- raç. S. João Beja execução beneficial em favor de Lopo Martins
1408…) (1404-1408); obtém (1402); faz seu procurador João Lourenço de Abiul
Físico (1417) benefício à colação na Câmara Apostólica (1402); procurador de Lopo
do arcebispo Lisboa Martins do Carvalhal (1404); testemunha procu-
e bispo Évora (1408); ração de Brás Afonso (1404); faz seu procurador
disputa o meio- Lopo Afonso para o representar em conflito contra
-canonicato Lisboa Pedro Martins sobre quartanária de Lisboa (1406);
(1417); solicita igr. presente no Concílio de Constança (1415-1418)
Elvas (1417); solicita a
igr. Sta. Maria Monte
Agraço (1418)
Fernando Esc. (1397) Indulto para não Mulher e filhos que foram de Beliagoa em doc.
Gonçalves Esc. D. Can. (1402-1406) receber ordens du- do Porto (1394); testemunha colação de benefício
Beleágua Reitor de S. Clemente de rante 7 anos (1401); a Ascenso Esteves (1397) e documento de João
Bolonha (1401-1402) arcediago Seia (1401- Peres (1397); testemunha procuração de Lopo
Prov. em ambos os 1405); cón. Coimbra Martins (1402); executa graça em favor de Lopo
direitos (1408) (1402-1408…); Martins (1402); testemunha procuração de Afonso
Dout. D. Can. chantre Coimbra Rodrigues (1402); executor apostólico de benefícios
(1408.5.11) (1408-1426); postula- em favor de Lopo Martins (1403); testemunha pro-
Perito D. Civ. (1408) do para bispo Lisboa curação de João Álvares (1403); faz seu procurador
(1423); deão Coimbra Brás Afonso para o representar na Cúria Romana
(1426-1438) (1405); testemunha procurações de Gil Vasques
de Elvas, de Afonso Rodrigues de Lisboa e de
Lourenço Fogaça (1406); executa letras apostólicas
em favor de Fernando Peres da Guerra (1408); João
Álvares executa a colação do chantrado de Coimbra
em seu favor (1408)
Lopo Esc. D. Can. (1402-1406) Obtém autorização Desembargador Nobre clérigo d. Guarda (1402); clérigo d. Guarda
Martins do Estudou ambos os para pluralidade da Casa do Cível (1402-1403); filho de Martim Gonçalves do
Carvalhal direitos durante 6 anos e beneficial (1402); (1429)? Carvalhal e sobrinho do Condestável D. Nuno
quer continuar a estudar provimento no Álvares Pereira; Fernando Gonçalves Beleágua
(1408.3.11) canonicato e reserva executa vários provimentos beneficiais em seu favor
prebenda Lisboa (1403); faz seus procuradores o seu pai Martim
(2.1.1403); arcediago Gonçalves, Vasco Eanes, cón. Lisboa; António
Évora (1403); indulto Martins, mercador de Lisboa, Afonso Gonçalves,
para não receber cón. Évora, Afonso Peres, cón. Évora e Pedro
ordens sacras durante Eanes, cón. Silves (1403); faz seus procuradores Gil
7 anos (1408) Vasques Elvas, presente e Martim Afonso de Elvas,
para o representarem na Cúria Romana (1404); faz
seus procuradores Bartolomeu Eusebi de Buroncio,
doutor em Decretos e Gil Eanes de Portugal, para
obtenção de empréstimo (1404); fiador de Lançarote
Esteves (1405); procurador de Gil Vasques de
Portugal (1406)
Gomes Pais Esc. D. Can. (1402-1409) Quartanário Lisboa Ouvidor de D. Apresentado pelo cabido de Lisboa ao colégio
Lic. D. Can. (1414.1.30) (1402-1432); obtém João, arcebispo de S. Clemente de Bolonha (1402); testemunha
Dout. D. Can. benefícios depen- de Lisboa (1414); execução de letras apostólicas em favor de Lopo
(1414.2.15). Designado dentes dos cabidos vigário-geral a sé Martins (1403); representado por Brás Afonso em
posteriormente sempre de Lisboa ou Évora, a em vacatura (1416- pleito por acesso ao colégio de S. Clemente (1403);
como licenciado. pedido de Landoldo 1418); oficial da Sé procurador de Brás Afonso em pleito contra Gomes
Maramaldo, cardeal de Lisboa (1426, Martins (1403); membro do colégio de S. Clemente
de S. Nicolau in Car- 1429); capelão- de Bolonha (1404-1408); procurador de Brás
cere (1404); vigário -mor do infante D. Afonso (1409); reitor do colégio de S. Clemente
de S. Martinho Sintra Pedro (1432) (1410-1411) e conselheiro do mesmo (1412-1413);
(1416-1418); solicita procurador do cabido de Lisboa às Cortes (1418);
a vigararia Sta. Maria Procurador de Vasco Rodrigues (1418); juiz comis-
Lisboa (1418); sário do cabido de Lisboa (1419); professor na U.
provimento como Lisboa (1430-1431, 1443)
cón. Coimbra (1432);
tesoureiro Coimbra
(1432); ig. Sta. Maria
de Samuel, d. Coim-
bra (1432); raç. S.
Tomé Lisboa (1432);
raç. Sta. Maria Sintra
(1432); raç. Sta. Maria
Lourinhã (1432); Sta.
Maria Óbidos (1432);
Sta. Maria da Várzea
Alenquer (1432);
raç. Santiago Évora
(1432); apresentado
pelo rei a Sta. Justa
Lisboa (1441); cón.
Lisboa (1448)
João Gon- Esc. Artes (1402) Reitor S. Leonardo Vigário-geral a Originário d. Braga (1408); presbítero (1409); teste-
çalves Esc. D. Civ. (1408-1415) Atoguia (1408-1414, Sé de Lisboa em munha execução de letras apostólicas em favor de
Esc. D. Can. (1408-1409) 1419) vacatura (1440) Lopo Martins e procuração do mesmo (1402); tes-
temunha no processo do morgadio de Góis (1408);
testemunha execução de letras apostólicas em favor
de Fernando da Guerra e colação de benefício a
Fernando Gonçalves Beleágua (1408); testemunha
procuração de Fernando da Guerra (1408); nomeia
como procurador na Cúria Romana Vasco Esteves,
cón. Silves (1408); testemunha procuração de Brás
de Portugal (1409); nomeia como procurador
Lourenço Esteves de Ourique (1413); representa na
Câmara Apostólica João Álvares (1414); testemunha
ratificação de Fermando Martins (1415); morador
em Bolonha na capella de S. Cristóvão de Saragoça
(1419); priva Lourenço Esteves da sua ração em
S. Leonardo Atoguia (1419)
Brás Afonso Esc. D. Civ. (1403) Raç. S. Jorge Lisboa Embaixador de Originário de Lisboa; procurador de Gomes Pais
Esc. D. Can. (1404-1408) (1402-1404); prior D. Afonso V ao (1403); testemunha execução de letras apostólica
Lic. D. Can. (1409.3.9) S. Salvador Lousada imperador; escri- em favor de Lopo Martins (1403); nomeia procura-
Dout. D. Can. (1404-1408); renun- vão da puridade dores Luis Pilot, prior S. Salvador Beja (1403-1404);
(1409.3.26) cia à ração de S. Tomé do arcebispo Gomes Pais, quartanário Lisboa em processo contra
Lisboa (1406) Braga Fernando da Gomes Martins (1403); procurador de João Álvares
Guerra (1439) (1404); morador em Bolonha na capella S. João do
Monte (1404); nomeia procurador João Álvares
para permuta e Câmara Apostólica e ratifica o fez os
seus procuradores Lopo Afonso e Álvaro Gonçalves,
chanceler-mor (1404); procurador de Fernão Gon-
çalves de Beleágua (1405); testemunha procuração
de João Álvares (1406); testemunha execuções
beneficiais em favor de Fernando da Guerra e de
Fernando Gonçalves Beleágua (1408); testemunha
procuração de Fernando da Guerra (1408); nomeia
procuradores Lopo Afonso de Portugal, Gomes Pais
para pedir dinheiro (1409); procurador de Vasco
Rodrigues (1418)
Afonso Esc. D. Can. (1402) Obtém a pluralidade Familiar do papa Originário de Lisboa; neto de Catarina Eanes, filho
Rodrigues Esc. D. Civ. (1406-1408) de benefícios nas d. Bonifácio IX de Rui Garcia; irmão de Vasco Rodrigues; testemu-
Esc. D. Can. PÁDUA Évora, Coimbra e Lis- (1402); juiz do nha procuração de Gil Vasques de Portugal (1406);
(1411) boa (1402); meio-cón. cabido Lisboa nomeia como procuradores Garcia, cón. Lisboa, o
Esc. D. Civ. PÁDUA Lisboa (1408); cón. (1408); vigário e seu pai Rui Garcia, para apresentarem letras apostó-
(1414) Lisboa (1418-1433/4); desembargador licos, receberem benefícios e instruírem processos
Dout. D. Civ. PÁDUA solicita a igr. par. da Relação do (1406); testemunha ato notarial de Rainaldo (1407);
(1417.3.24) Martinho do Campo, arcebispo D. Pedro morador na capella S. Tomé de Braina (1407);
Estudava em Pádua com d. Braga (1424) e a (1431); o rei soli- testemunha execução letras apostólicas em favor de
Gasparino de Barzizza igr. par. S. Vicente cita ao papa a sua Fernando da Guerra (1408); testemunha procuração
(1418) Abrantes (1427); nomeação como de Fernando da Guerra (1408); assiste em Pádua à
reitor S. Martinho do administrador- licenciatura em D. Civ. de Jorge de Sena (1411); em
Campo (1428); solici- -geral dos hospitais Pádua, diz conhecer Fernando Martins Coutinho,
ta o chantrado Lisboa da diocese e cidade e testemunha execução beneficial em seu favor
(1428); solicita as de Lisboa (1432) (1414); destinatário de carta do famoso humanista
igr. S. Pedro Sintra e Nicolau Niccoli (1414); carta do humanista Gaspa-
Santiago Beja (1429); rino de Barzizza refere-o (1415); referido em carta
arcediago Lisboa do humanista Guarino de Verona (1418); assina
(1428-c. 1443); soli- estatuto da U. Lisboa (1431)
cita a igr. Sto. Estêvão
Lisboa (1434-1435)
Fernando da Esc. D. Civ. (1408) Provimento no O rei confia-lhe Provimento no mestre-escolado executado por
Guerra Esc. D. Can. PÁDUA mestre-escolado o governo e Fernando Gonçalves Beleágua (1408); nomeia seus
(1411) Lisboa (1408); bispo defesa das terras da procuradores Diogo Rodrigues e Pedro Eanes de
Silves (1409-1414); comarca de Entre- Portugal (ausentes) e Fernando Álvares (presente),
bispo Porto (1414- -Douro-e-Minho para administrar seus bens (1408); testemunha
1416); arcebispo (1415) procurador de João Gonçalves (1408); reside em
Braga (1416-1464) Pádua na contrata Sta. Cecília (1411); nomeia como
procurador Lariorum de Lipaciis de Barso de Flo-
rença sobre câmbio (1411); testemunha admissão de
Gil Martins no colégio de S. Clemente de Bolonha
e no doutoramento de Fr. Manuel Lourenço no
convento dominicano de Bolonha (1414); pede para
receber procurações para pagar dívidas contraídas
durante os seus estudos em Bolonha e Pádua (1420);
o seu aluno Álvaro Martins, reitor de S. Martinho
de Cedofeita e bach. D. Civ., faz testamento em
Siena (1427)
Lourenço Esc. D. Civ. (1408) Reitor de S. Leonardo Juiz secular na Procurador de João Gonçalves, reitor de S. Leo-
Esteves de Bach. D. Civ. (1413) Atoguia (1413); raç. cidade de Génova nardo Atoguia, para o representar no seu benefício
Ourique Lic. D. Civ. (1417.5.15) S. Leonardo Atoguia (1419) (1413)
Dout. D. Civ. (1419); privado desse
(1417.8.16) benefício em 1419
João Afon- Esc. D. Can. PÁDUA Cón. Porto (1409- Morador em Pádua na rua de S. Firmo (1411); tem
so I (1409) 1420); vigário de D. créditos de Lopo Afonso de Portugal; a sua igreja de
Lic. D. Civ. PÁDUA Fernando da Guerra, S. Mamede é pedida por Fernando Gonçalves, cón.
(1411) bispo Porto (1417); Braga (1418); em competição com Mestre Lourenço
Lic. D. Can. (1413.9.1) eleito como deão Fogaça pelo deado Porto (1422); procurador do
Estudou alguns cursos Porto pelo cabido cabido Porto (1423)
académicos depois da e confirmado pelo
licenciatura em Bolonha eleito D. João (1418);
(1418) ig. par. S. Mamede, d.
Porto (até 1418); pede
igr. par. S. Cosme, d.
Porto (1421); raç. Sta.
Maria Leiria (1421)
Fernando Esc. D. Can. PÁDUA Cón. Lamego (1409); Obtém provimen- Em 1411 tem 20 anos; sobrinho de Gonçalo
Martins (1410-1411) obtém benefício tos em benefícios Vasques Coutinho, marechal do rei D. João I, que
Coutinho Esc. D. Can. (1412-1413) com cura de almas a pedido do rei e intercede para a obtenção do bispado de Coimbra
Esc. D. Can. PÁDUA (1409); canonicato rainha de Portugal (1418); morador em Bolonha, na sua casa vivia
(1414) expectativa Lisboa e (1410) Gomes Fernandes de Portugal (1414); testemunha
Esc. D. Can. (1415-1417) Évora (1410-1411); procuração de João Gonçalves (1413); morador em
reitor S. Tomé Lisboa Bolonha na capella de S. Donato (1415); nomeia
(1414-1415); reserva como procurador Lopo Gonçalves, cón. Lamego, no
deado Viseu (1414); processo com a U. Lisboa (1415); nomeia seu procu-
reitor S. Salvador rador João Afonso, abade S. Bartolomeu de Paredes,
de Bouças (1414); para pagamentos na Câmara Apostólica (1418)
deão Viseu (1417);
pede confirmação
canonicatos de Lisboa
e Évora (1417); bispo
Coimbra (1418-1429)
Gomes de Esc. PÁDUA (1411- Convidado em 1411 para vir estudar em Bolonha;
Portugal 1413) Lopo Vasques da Cunha obriga-se a pagar-lhe o
empréstimo para as despesas do seu estudo e outras
(1413)
Estêvão Esc. D. Can. U. Lisboa Raç. Santiago Coim- Ouvidor do Filho de sacerdote e melhor solteira (1404); viajou
Afonso (1404-1407) bra (1404); graça de arcebispo D. com o infante D. Pedro pela Cristandade (1425-
Esc. Teologia U. Lisboa aceder a benefícios João (1405); 1428); assinou Estatuto da U. Lisboa (1431)
(1404) eclesiásticos (1404); ouvidor-geral do
Lic. D. Can. (1411.4.2) arcediago Santarém arcebispo Lisboa.
Dout. D. Can. (1411-1444, 1448); D. João (1407-
(1411.4.13) obtém a pluralidade 1408); visitador
beneficial (1411); cón. do arcebispado
Lisboa (1420-1442); de Lisboa (1408);
graça de benefício vigário-geral de
incompatível (1423); Lisboa (1412-
arcediago Lisboa 1415); juiz dos
(1444) feitos do cabido
de Lisboa (1420);
chanceler do infan-
te D. Pedro (1423);
vigário-geral a
sé em vacatura
(1440-1442);
chanceler, familiar
e doméstico do
infante D. Pedro
(1423); Conselhei-
ro do rei D. Afonso
V (1440)
Vasco Do- Esc. D. Can. (1412-1414) Reitor S. Miguel Presbítero de Coimbra (1414); procurador de Sta.
mingues Bach. D. Can. (1419) da Foz do Arouce Clara Coimbra na Cúria (1406); esteve no Concílio
(1417); igr. S. de Constança (1417); testemunha privação de
Salvador de Galegos Lourenço de Portugal (1419)
(1419)
Lopo Esc. D. Civ. PÁDUA Recebe comenda do Acólito papal Filho de Vasco Martins da Cunha; diácono (1429);
Vasques da (1413) mosteiro de Rendufe (1414-1429); morador em Pádua na contrata burgi Zucchi
Cunha Esc. (1414) (1414-1415); reitor de familiar do papa obriga-se a pagar 59 ducados de ouro a Gomes de
Sta. Maria Lourinhã (1429) Portugal, para pagamento do empréstimo para as
(1415); postulado despesas do seu estudo e outras (1413); encontrava-
bispo Tui (1415); pro- -se a caminho de Itália por causa do bispado de
vimento apostólico Coimbra (1427); obriga-se em nome de Gonçalo
no arcediagado de Peres, pela anata de S. Martinho de Mancelos (1427)
Barroso na Sé Braga
(1427); postulado
bispo Guarda (1427);
suplica o deado Braga
(1427)
Vasco Esc. PÁDUA Deão Lisboa Advogado consis- Filho de Rui Garcia de Lisboa e irmão de Afonso
Rodrigues (1413-1414) (1429); renuncia ao torial (1437-1441) Rodrigues; comensal de Fernando da Guerra em
Leitor do Esforçado na arcediagado de Bar- Pádua (1411); assiste ao doutoramento em Pádua
U. Bolonha (1418-1419) roso (1430); solicita a de António de Natari Rainerio de Catania (1413);
Esc. D. Civ. (1418-1419) capela de Sta. Maria carta de Gaspar de Perusa em que diz que ele quer
Lic. D. Civ. (1421.10.29) Azinhoso (1441) ir para a ilha de Rodes e tornar-se Hospitalário, pelo
Dout. D. Civ. (1424) que encarregava-o de vender um códice Inforciato
Dout. D. Can. (1442) (1413?); nomeia seus procuradores o seu pai Rui
Garcia, Brás Afonso; Gomes de Portugal e Álvaro
Vasques, para aceitarem benefícios (1418); promete
pagar 30 florins de ouro a João de Anega, mercador
de Lisboa, nessa cidade, Bolonha, Florença, Pisa
ou outros locais (1419); procurador do seu irmão
Afonso Rodrigues na Câmara Apostólica (1424
e 1429); morreu no mosteiro de Sta. Brígida do
Paraíso de Florença (1457)
Lourenço Mestre Medicina (1413) Reitor Sta. Maria Familiar de D. João Originário de Lisboa e filho de Mestre João Fogaça
Fogaça Doutor Medicina (1418) Odemira (1406- (1418-1423); físico de Lisboa (1404); ilegítimo e padece de defeito na
1418), com mais do rei (1423-1433, vista esquerda desde menino (1413); testemunha
dois benefícios 1449); antigo ratificação de Brás Afonso (1404); nomeia como
(1413); D. João I médico de D. João testamenteiros Álvaro Gonçalves, chanceler-mor
suplica em seu favor I (1434, 1439) para gerir rendimentos (1406); morador em Pádua
o deado, o canonicato (1409); em competição com João Afonso I pelo
e prebenda Porto deado de Lisboa (1422); obtém renda de casa na
(1418) e a pluralidade Rua Nova de Lisboa (1434-1439)
de benefícios (1423);
deão Porto (1423-
1433); cón. Porto
(1433); cón. Lisboa
(1433-1444); reitor
S. João Beja (1433-an-
tes 1448)
Rodrigo Dias Esc. PÁDUA (1414) Cón. Braga (1418); Coletor apostólico Em Pádua, diz conhecer Fernando Martins Couti-
arcediago de Barroso (1424); cubiculário nho (1414); procurador de Fernando da Guerra na
(1424); cón. preben- apostólico (1436) Câmara Apostólica (1418). Fugiu de Portugal para a
dado Porto (1426); Cúria Romana em 1424
solicita os deados de
Lisboa e Braga (1427-
1429); deão Braga
(1427-1437); solicita
raç. Sta. Cruz Lisboa
(1440); eleito bispo
Silves (1441)
João Eanes/ Esc. Medicina (1415); Reitor S. Miguel de Médico e familiar Testemunha documentos do colégio de S. Clemente
de Portugal Esc. de Teologia (1423) Montemor-o-Velho do infante D. Pe- de Bolonha (1404, 1406)
Dout. Medicina (1425) (1417); solicita o dro (1417, 1425)
mestre-escolado
Lisboa (1417); deão
Coimbra (1423)
Martinho Esc. Medicina (c. 1420- Sobrinho de Gil Eanes; os bens que tinha recebido
Afonso 1427) por morte de seu pai danificavam-se (1427); o seu
tio Fernão Fogaça tinha obtido em seu favor do rei a
igreja de Odemira (1427)
João Afon- Esc. D. Can. (1421) Abade de S. Barto- Ilegítimo (1421); procurador de Fernando Martins
so II Esc. Estudo CÚRIA lomeu de Paredes de Portugal, reitor de S. Tomé Lisboa (1415); paga
(1425) (1415-1422); cón. pessoalmente na Câmara Apostólica a anata do can.
Coimbra (1422); deão Coimbra (1422) e do deado Coimbra (1426); ia à
Coimbra (1426); Cúria Romana pagar a anata por Fernando Gon-
chantre Coimbra çalves Beleágua pelo deado Coimbra e iria voltar
(1426-1440); está a depois para Portugal (1427); está em Coimbra em
par do Colégio de 1428; na Cúria Romana em 1430; em Portugal entre
Espanha em Bolonha, 1431 e 1440; executor testamentário de Fernando
numa igreja que Martins Coutinho, bispo Coimbra); faleceu na
chamam Sta. Maria Cúria Romana em 1440/1441.
de Muratelo (1426)
João do Sem Esc. (1427) Tesoureiro-mor Clérigo da d. Lisboa (1425); sobrinho do doutor
Esc. SIENA (1428) do rei (1438); Martinho do Sem (1427); recebeu os livros do seu
conselheiro do tio Martinho do Sem (1438)
rei (1438-†1442);
embaixador a In-
glaterra (c. 1438);
chanceler-mor do
rei (1439-†1442)
Pedro Esc. LISBOA e SALA- Ouvidor e criado Clérigo d. Braga (1436); o seu filho Martim Gomes
Esteves MANCA (durante 8 do Duque de obtém uma bolsa de estudo do rei (1453-1466)
anos antes 1436) Bragança (1450);
Bach. D. Civ. (1431) conselheiro do rei
Esc. D. Civ. e Can. (1462-1463)
(1436)
Dout. D. Civ. SIENA
(1439)
Vasco Esc. FLORENÇA (1431) Embaixador régio Reitor do Estudo de Florença (1431); professor de
Fernandes de ao Concílio de D. Civ. na U. Bolonha (1438)
Lucena Basileia (1436);
conselheiro do rei
(1455)
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VITÓRIA, André, “A little known version of Oldradus de Ponte’s consilium no. 83?”,
Initium, vol. 17 (2012), pp. 169-207.
Os inícios da política
internacional de Portugal
a entrada no contexto europeu
e o surgimento de tendências
geoestratégicas1
Néstor Vigil Montes2
Resumo
Palavras-chave
1
Este estudo foi possível graças a uma bolsa de pós-doutoramento financiada por la Fundação para
a Ciência e a Tecnologia do Ministério da Educação e Ciência de Portugal (SFRH/BPD/94257/2013), e
inserido no projecto DEGRUPE - A dimensão europeia de um grupo de poder: o clero e a construção política
das monarquias ibéricas (XIII-XV) / The European Dimension of a Group of Power: Ecclesiastics and the
political State Building of the Iberian Monarchies (13th-15th centuries) financiado por fundos nacionais
através da FCT/MCTES e pelos fundos europeos FEDER através do programa COMPETE (PDTC/
EPH-HIS/4964/2012).
2
Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades – Universidade de Évora (CIDEHUS-UÉ).
302 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Abstract
Keywords
3
Luis Vicente DÍAZ MARTÍN, “Los inicios de la política internacional de Castilla (1360-1410)”, in
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OS INÍCIOS DA POLÍTICA INTERNACIONAL DE PORTUGAL: A ENTRADA NO CONTEXTO [...] 303
4
José MATTOSO, D. Afonso Henriques, Lisboa, Círculo de Leitores, 2007.
5
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6
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7
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8
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9
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representación de la frontera en la España Medieval, Madrid, Casa de Velázquez, Universidad Autónoma
de Madrid, 2001, p. 10
10
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Pamplona, Gobierno de Navarra, 2011, pp. 47-84.
304 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
20
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Editorial Franciscana, 1982.
21
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europeia no último quartel do século XIV”, in VI Jornadas Luso-Espanholas de Estudos Medievais, A guerra
e a sociedade na idade média (6, 7, 8 de Novembro de 2008), Vol. 1, Coimbra, Sociedade Portuguesa de
Estudos Medievais, Sociedad Española de Estudios Medievales, 2009, pp. 57-74.
22
Luís Adão da FONSECA, O essencial sobre o Tratado de Windsor, Lisboa, INCM – Imprensa
Nacional Casa da Moeda, 1986.
23
Tiago Viúla de FARIA, “Por proll e serviço do reino? O desempenho dos negociantes portugueses
do Tratado de Windsor e suas consequências nas relações com Inglaterra (1384-1412)”, in VI Jornadas Luso-
Espanholas de Estudos Medievais, A guerra e a sociedade na idade média (6, 7, 8 de Novembro de 2008), Vol.
2, Coimbra, Sociedade Portuguesa de Estudos Medievais, Sociedad Española de Estudios Medievales, 2009,
pp. 209-227.
306 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
24
Hélene MILLET, “La participation de Portugal au Concile de Pise (1409)”, in A igreja e o clero
português no contexto europeu, Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica
Portuguesa, 2005, pp. 233-254.
25
Luis SUÁREZ FERNÁNDEZ, “La cuestión de derechos castellanos a la conquista de Canarias y el
Concilio de Basilea”, Anuario de estudios atlánticos, nº 9, 1963, pp. 11-22.
26
Thomas F. EARLE, Estudos sobre cultura e literatura portuguesa do Renascimento, Coimbra,
Universidade de Coimbra, 2013.
27
Joaquim de VASCONCELOS, A pintura portuguesa nos séculos XV e XVI, Coimbra, Universidade
de Coimbra, 1929.
28
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humanismo do século XVI”, O Instituto. Revista científica e literaria, nº 137 (1974), pp. 5-25
29
Manuel Rodrígues LAPA, Lições de literatura portuguesa: época medieval, Lisboa, Centro de
Estudos Filologicos, 1934.
30
W. G. L. RANDLES, “The alleged nautical school founded in the fifteenth century at Sagres by
Prince Henry of Portugal, called the Navigator”, Imago Mundi, nº 45/1 (1993), pp. 20-28.
31
Paz ROMERO PORTILLO, Dos monarquías ante la modernidad, relaciones entre Portugal y
Castilla (1431-1479), La Coruña, Universidade da Coruña, 1999.
32
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Relações entre Portugal e a França (1430-1481), Paris, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1975.
OS INÍCIOS DA POLÍTICA INTERNACIONAL DE PORTUGAL: A ENTRADA NO CONTEXTO [...] 307
Contudo, há algumas exceções como o reinado de D. João III, onde existiu uma
certa abertura às novidades europeias39, ou a produção literária de Garcia de
Resende.
No entanto, as tendências geoestratégicas dos finais da Idade Média
continuaram ao longo da história. O apoio inglês foi essencial para o processo de
Restauração (1640-1668) e depois para a defesa contra as invasões napoleónicas.
Do mesmo modo, essa mesma aliança foi paga com sangue português na Primeira
Guerra Mundial e com privilégios na Segunda Guerra Mundial40. Quem sabe se
esta será a última consequência do Tratado de Windsor?
Resumindo, para o caso Português, podemos dizer que existe uma relação
direta entre as tendências geoestratégicas e a assimilação de novidades culturais,
uma vez que a europeização do Reino de Portugal dependeu das flutuações na sua
política externa feitas com base na situação na Península Ibérica. Constatamos
que Portugal nasceu como reino independente num contexto peninsular e que
os seus medos relativamente a um cada vez mais poderoso vizinho castelhano
conduziram à abertura à política europeia e às novidades do humanismo no
século XV. Mas esta situação mudou pelo receio das reformas que tiveram lugar na
Europa do século XVI e pela inevitável aproximação a uma Espanha hegemónica,
que culminou na União Ibérica. Nessa diatribe entre europeização e iberismo,
podemos usar a imagem da mitologia grega do touro neste caso representando o
ibérico, raptando a uma bela dama que é Europa.
39
José Sebastião da Silva DIAS, A política cultural da época de D. João III, Coimbra, Universidade de
Coimbra, 1969.
40
Luiz Eduardo OLIVEIRA, O mito de Inglaterra: anglofilia e anglofobia em Portugal (1386-1986),
Lisboa, Gradiva, 2014.
OS INÍCIOS DA POLÍTICA INTERNACIONAL DE PORTUGAL: A ENTRADA NO CONTEXTO [...] 309
BIBLIOGRAFIA
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civil española?, Madrid, Aguilar, 2002.
Resumo
Palavras-chave
Abstract
The cultural and political affirmation of the Court of Avis, the prayers of
obedience to the Roman Curia, the civil rhetoric, the epic history of the
Portuguese in the East, the grandeur and magnificence of Lisbon, were
privileged means, in the 15th and 16th centuries, of the Europeanization of
Portugal, the affirmation of its culture and the globalization of its res gesta
through the universal language of culture – the Latin.
Keywords
2
Jaime CORTESÃO, Obras Completas, vol. I – Os factores democráticos na Formação de Portugal, 3ª
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3
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SOARES et alii (coords.), Coimbra, Faculdade de Letras, 2008, pp. 173-199.
RETÓRICA E POLÍTICA NA EUROPEIZAÇÃO DE PORTUGAL, NOS SÉCULOS XV E XVI 315
4
Vide Ch. C. WILLARD, “Isabel of Portugal patroness of Humanism?”, in Miscellanea di studi e
ricerche sul Quattrocento francese, Franco Simone (a cura di), Torino, Giappichelli, 1967, pp. 517-544.
5
O deslumbramento do Infante D. Pedro pela cultura europeia, e designadamente pelo Humanismo
do Quattrocento italiano, com a sua forte componente retórica, posta ao serviço do humanismo cívico e
pedagógico, permitiu a manifestação de um verdadeiro proto-humanismo, entre nós, na corte de Avis.
O Infante D. Pedro relaciona-se com humanistas italianos, como Ambrogio Traversari – que lhe dedica a
tradução do De Prouidentia de S. João Crisóstomo –, e Pier Paolo Vergerio (1370-1444), que conheceu na
corte de Segismundo da Hungria.
6
Ao Infante D. Pedro se deve a primeira tradução do latim feita em Portugal: Livro dos ofícios de
Marco Tullio Ciceram. Edição crítica, segundo o ms. de Madrid, prefaciada, anotada e acompanhada de
glossário, por Joseph M. Piel, Coimbra, 1948. A pedido do Infante D. Pedro, Vasco Fernandes de Lucena
traduziu o tratado de Vergerio, De ingenuis moribus et liberalibus studiis adolescentiae (1402), ‘Sobre os
nobres costumes e os estudos liberais da juventude’, o primeiro tratado pedagógico, na verdadeira acepção
da palavra, quer pelo teor prático da sua doutrina, quer pela real divulgação que conheceu em toda a
Europa. Esta tradução, hoje perdida, mas que figurava ainda entre os livros da biblioteca de D. João V, terá
tido grande influência na cultura portuguesa, em geral, e designadamente na orientação humanística da
dinastia de Avis. Além da obra de Vergério, Vasco Fernandes de Lucena, verte “em lingoajem” os tratados de
Cícero e o Panegírico de Trajano de Plínio-o-Moço, que difundem o ideal do orador e de homem de estado.
Este humanista português – que fora embaixador de D. Duarte ao concílio de Basileia e ao papa Eugénio
IV, e de D. João II ao papa Inocêncio VII – e que ainda vivia no tempo de Cataldo, que a ele alude na sua
correspondência, foi um dos tradutores mais activos dos autores clássicos, ao serviço dos ideais pedagógicos
e cívicos dos príncipes de Avis.
7
Na famosa carta de Bruges, escrita entre 1425 e 1426 e dirigida a seu irmão D. Duarte, o Infante
D. Pedro apresenta um programa político de renovação cultural; e na Virtuosa benfeitoria tece considerações
de singular interesse sobre uma reforma estrutural profunda do ensino, conforme o modelo dos Colégios de
Paris e Oxford, que então visitara. Vide Nair Castro SOARES, “A Virtuosa Benfeitoria, o primeiro tratado
de educação de príncipes em português”, Biblos, 69 (1993) – Actas do Congresso Comemorativo do 6º
Centenário do Infante D. Pedro (Coimbra, de 25 a 27 de Novembro de1992), Coimbra, 1993, pp. 289-314;
Idem, “O Infante D. Pedro e a cultura portuguesa”, in Miscelânea em honra do Doutor Salvador Dias Arnaut
– Cultura e práticas rituais (3ª parte), Biblos, 78 (Coimbra, 2002), pp. 107-128.
316 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
8
Alfonso de Cartagena dedica ao rei D. Duarte a tradução do primeiro livro do De inuentione do
Arpinate (iniciado em Portugal e concluído em 1531, já em Espanha) e um Memoriale uirtutum, baseado
na Ética de Aristóteles. Vide e. g. Tomás GONZÁLEZ ROLÁN; Antonio MORENO HERNÁNDEZ, Pilar
SAQUERO SUÁREZ-SOMONTE, Humanismo y Teoría de la Traducción en España e Italia en la primera
mitad del siglo XV. Edición y estudio de la Controversia Alphonsiana (Alfonso de Cartagena vs. L. Bruni y P.
Candido Decembrio), Madrid, Clásicas, 2000, pp. 194-205.
9
Sobre D. Alfonso de Cartagena e a importância da sua permanência em Portugal para a definição
do humanismo espanhol, vide Tomás GONZÁLEZ ROLÁN, “Proyección política y pedagógica del Prólogo
a la Rethorica de Cicerón dedicado por Alfonso de Cartagena al Infante D. Duarte”, in Nair Castro Soares
et alii (coords.), “Homo eloquens homo politicus”: a retórica e a construção da cidade na Idade Média e no
Renascimento, Coimbra, Classica Digitalia, CECH-UC, 2011, pp. 65-92.
10
D. Afonso V, louvado pela sua cultura intelectual, organiza, no Paço da Alcáçova, em Lisboa, o
núcleo da futura Livraria Real, que abre, pela primeira vez as portas ao público. Vide Saúl António GOMES,
D. Afonso V, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006.
11
Lembro, de Fernão Lopes, as Crónicas de D. Pedro, D. Fernando e D. João I; de Zurara, a Crónica
da tomada de Ceuta e a Crónica dos feitos da Guiné – um verdadeiro panegírico da figura do Infante
D. Henrique, caracterizado pelos seus dotes intelectuais e rodeado de sábios; de Rui de Pina, as Crónicas
de D. Duarte, D. Afonso V e D. João II. Destinadas a relatar as proezas cavaleirescas e os feitos heróicos dos
grandes senhores são as Crónica do Infante D. Fernando, de Frei João Álvares, e as Crónicas de D. Pedro de
Meneses e de D. Duarte de Meneses, de Gomes Eanes de Zurara.
12
Vide A. D. Sousa COSTA, “Estudos superiores e universitários em Portugal no reinado de D. João II”,
Biblos, 63 (1978), pp. 253-334.
RETÓRICA E POLÍTICA NA EUROPEIZAÇÃO DE PORTUGAL, NOS SÉCULOS XV E XVI 317
Bolonha, Pisa, Florença, Pádua, Ferrara, Siena e Roma13. Através destes huma-
nistas portugueses, nomeadamente eclesiásticos e juristas, se ia formando um
escol de intelectuais que seria o suporte da administração régia, cada vez mais
burocratizada14.
Não é despiciendo referir que, após a morte do Infante D. Pedro – em
Alfarrobeira, a 20 de Maio de 1449 – O rei de Portugal D. Afonso V recebeu, em
missão diplomática de Filipe o Bom, Duque da Borgonha, o famoso humanista
Jean Jouffroy, discípulo de Lorenzo Valla, que viria a proferir posteriormente a
oração fúnebre do Papa Nicolau V, fundador da Biblioteca Vaticana. Foram quatro,
em sucessivas audiências, as orações que Jouffroy pronunciou em favor da figura
do Infante das Sete Partidas e do seu direito a condigna sepultura, e em defesa
dos interesses de seus filhos e de seus partidários. Estas orações, desde a primeira,
pronunciada em Évora, a 6 de Dezembro de 1449 até à última a 16 de Janeiro de 1450,
vão ter um significado expressivo na posterior oratória civil de carácter político.
Testemunham-no os elogios tecidos ao orator latino por Vasco Fernandes de Lucena,
tradutor para português do terceiro discurso, proferido a 12 de janeiro de 1450.
No reinado de D. João II (1481-1495), desde o seu alevantamento e sobretudo
desde as cortes de Évora-Viana (1481-1482), em que se afirma a centralização do
poder real, a ars dicendi, marca do Humanismo nascente, é colocada ao serviço
da ideologia do poder real. Ganha prestígio, ao lado do pregador da corte, a
figura do orador régio, do orator regius, com preparação clássica e competência
retórica na língua latina. Nestas cortes, que marcam o início do governo e da
afirmação incontestável da autoridade do Príncipe Perfeito, faz a arenga da
sessão régia inaugural – como já a fizera no alevantamento deste rei – o orador
oficial, o humanista de idade veneranda, “muito distinto e letrado dentro do seu
veludo preto”, Vasco Fernandes de Lucena15. Neste discurso deliberativo, exalta
o significado da obediência prestada ao rei por grandes e prelados, por fidalgos e
povos, recorrendo a argumentos jurídicos, bíblicos e aos autores da Antiguidade16.
13
Nestas universidades de Itália, onde floresciam as Humaniores litterae, estudam, a expensas de
D. João II, os três filhos do chanceler João Teixeira – Luís, Álvaro e Tristão, dos quais se distinguiu como
notável jurisconsulto e homem de letras Luís Teixeira, que foi mestre de D. João III e mereceu os elogios
de Erasmo em Chrysostomi lucubrationes (1527) –, Aires Barbosa, Henrique Caiado, D. Garcia de Meneses,
Martinho de Figueiredo, entre os principais. Isto apesar de os nobres, sobretudo, mandarem educar os
filhos para fora do reino, facto que levou os procuradores do povo a pedirem a D. Afonso V, nas cortes de
1473, e a D. João II, nas de 12 de Novembro de 1481, que se limitassem as tenças e pensões régias concedidas
aos estudantes.
14
Vide N. J. Espinosa Gomes da SILVA, Humanismo e direito em Portugal no séc. XVI, Lisboa, s.n., 1964.
15
Armindo de SOUSA, As cortes medievais portuguesas (1385-1490), Porto, Centro de História da
Universidade do Porto / INIC, 1990, p. 525; Manuela MENDONÇA, D. João II, Lisboa, Estampa, 1991, p. 195.
16
Neste particular, enaltece os costumes dos persas, no que respeita à grandeza conferida à majestade
real, de que fala Heródoto – que se torna um tópico da historiografia greco-latina, a que recorre também
D. Jerónimo Osório, no seu De regis institutione et disciplina (1572) – ou refere a obediência e menagem
318 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
como um dever de justiça, baseado na Rhetorica ad Herennium (livro III, cap. IV), ou no De inuentione,
livro II (160-161) de Cícero. Vide Álvaro Lopes de CHAVES, Livro de apontamentos (1438-1489), A. M.
SALGADO (ed.), Lisboa, INCM, 1984, pp. 62-71.
17
Escrito em português, este discurso teve singular importância, ao longo do século XVI: foi traduzido
para latim pelo filho do seu autor, Luís Teixeira, versão esta que seria de novo tresladada para vernáculo, em
meados de Quinhentos, pelo humanista Miguel Soares, ao serviço do 4º Marquês de Vila Real, D. Miguel
de Meneses. Vide Miguel SOARES, Obra que contem huma Oração do Doutor Luys Teixerira, feyta quãdo
fizerã o cõde dõ Pedro de meneses, Marquês de vila Real. E o treslado della em Portugues, por o mestre Miguel
Soares: dirigida ao illustrissimo Principe, & excelente Senhor dõ Miguel de meneses. IIII. Marquês de vila
Real, Coimbra, João Álvares, 1562; Luís de MATOS, L’Expansion portugaise dans la littérature latine de la
Renaissance, Lisboa, FCG, 1991. A versão latina e a retroversão do discurso quatrocentista foram ambas
publicadas nos prelos conimbricences de João Álvares, Impressor da Universidade, em 1562.
18
Vide os trabalhos notáveis do grande estudioso do Humanismo em Portugal, Américo da Costa
RAMALHO, e.g. “A introdução do Humanismo em Portugal”, Humanitas, vols. 23-24 (1972), pp. 435-452.
19
Estas duas orações mereceram um estudo moderno. Vide Cataldo Parísio SÍCULO, Duas
orações: Prólogo, tradução e notas de M. Margarida B. Gomes da SILVA. Introdução e revisão de A. Costa
RAMALHO, Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 1974.
RETÓRICA E POLÍTICA NA EUROPEIZAÇÃO DE PORTUGAL, NOS SÉCULOS XV E XVI 319
20
Belmiro Fernandes PEREIRA, Retórica e eloquência em Portugal na época do Renascimento,
Lisboa, INCM, 2012, pp. 359-403.
21
D. Pedro de Meneses, embora ensinado pelo mestre, proferiu em 1499, com doze anos apenas,
duas orações públicas em latim, segundo costume italiano, uma na Universidade de Lisboa e outra perante
o rei. E aos dezassete anos, em 1504, encarregava-se da oração de abertura solene das aulas, na mesma
Universidade. Além da prestimosa ajuda do Sículo na elaboração destes discursos, teria pesado na mestria
intelectual do jovem aristocrata o ambiente de sua casa, onde era proibido falar português. O mesmo se dirá
de sua irmã, D. Leonor, também ela discípula de Cataldo. À sua perícia de latinista se deve a tradução da
Coronica Geral de Marcantonio Cocio Sabelico.
22
Papel basilar, no Renascimento, desempenha a imprensa. Além de obras de devoção, ou ligadas à
prática religiosa, ou à prevenção das doenças, os livros que mais frequentemente são editados, nos finais do
séc. XV, princípios do XVI, são relativos à arte de marear, gramáticas, cartilhas de aprender a ler, catecismos,
e as Epistolae et orationes de Cataldo, saídas a lume a 21 de Fevereiro de 1500, nos prelos de Valentim
Fernandes. Veja-se Artur ANSELMO, Origens da Imprensa em Portugal, Lisboa, INCM, 1981, pp. 289-332.
320 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
23
Veja-se a tradução por Roberto Corréa PINTO, publicada pela Academia das Sciências de Lisboa,
em edição da Imprensa da Universidade, Coimbra, 1915, com o título Livro da guerra de Ceuta, p. 3.
24
Vide para estas obras e sua análise, os estudos de Américo da Costa RAMALHO, Estudos sobre o
século XVI, Paris, FCG, 1980, pp. 7-8; Idem, Estudos Camonianos, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação
Científica 1980, pp. 7-8; Idem, Cataldo Parísio SÍCULO, Epistolae et orationes, Coimbra, Instituto de
Estudos Clássicos, 1988, p. 18.
25
Vide Nair Castro SOARES, “A História Antiga no Humanismo Renascentista Português”, in Actas
do II Congresso Peninsular de História Antiga (Coimbra, 18-20 Out.1990), Coimbra, s.n., 1994, pp. 280-305.
26
Refira-se, como exemplo, o caso do florentino Girolamo Sernigi que, mal chegou a Lisboa uma das
caravelas da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, se apressou a dar a notícia para Itália do sucesso
do empreendimento.
27
A obra de A. VESPUCCIO, Paesi nuovamente retrouati. Nouo Mondo da Alberico Vesputio Florentino
intitulato (1507), foi traduzida para latim com o título Itinerarium Portugallensium e Lusitania in India et inde
in occidentem (1508).
RETÓRICA E POLÍTICA NA EUROPEIZAÇÃO DE PORTUGAL, NOS SÉCULOS XV E XVI 321
De assinalar duas outras orações proferidas por Diogo Pacheco, uma perante
Júlio II, na embaixada de D. Diogo de Sousa, em 1505, e outra perante Leão X, na
de Tristão da Cunha, em 1514. Esta última embaixada – realizada na continuidade
dos feitos heróicos relatados na carta que D. Manuel escreve a Leão X, em 151329.
28
Vide Edição fac-similada, com nota bibliográfica de Martim de ALBUQUERQUE e tradução
portuguesa de Miguel Pinto de MENESES, in Orações de obediência, séculos XV a XVII, 10 vols., Lisboa,
INAPA, 1988, vol. vol. 1, pp. 29-32.
29
Ibidem, Oração de obediência ao Sumo Pontífice Leão X dita por Diogo Pacheco em 1514, vol. 6, p. 32
322 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
34
José CAMÕES (dir.). Obras de Gil Vicente, 2 vols., Lisboa, Centro de Estudos de Teatro - INCM,
2002: fala da Fama em diálogo com o Italiano, vol. II, p. 194.
35
Nair Castro SOARES, “A historiografia do Renascimento em Portugal: referentes estéticos e
ideológicos humanistas”, in Luís Filipe F. R. Thomaz (ed.), Aquém e Além da Taprobana. Estudos Luso-
Orientais à memória de Jean Aubin e Denys Lombard, , Lisboa, CHAM, 2002, pp. 15-37.
36
Não se pode esquecer que o manuscrito de Il principe de Maquiavel, onde é usada pele primeira vez
a palavra estado, data de ca. 1513-1514, e abre caminho ao princípio da soberania de estado, formulada, em
finais deste século, pelo jurista Jean Bodin. Vide Nair Castro SOARES, O príncipe ideal no século XVI e a
obra de D. Jerónimo Osório, Coimbra, INIC,1994, pp. 198-202.
37
Vide Nair Castro SOARES, “A simbologia ético-política do sol no Renascimento”, in Maria do Céu
Fialho et alii (coords.), O Sol greco-romano, Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2008,
pp. 273-296.
324 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
38
Sobre as celebrações pela vitória dos portugueses, vide Comentários de Afonso de Albuquerque
(conforme a edição de 1576), com prefácio de Joaquim Veríssimo SERRÃO, Lisboa, INCM, 1973, tomo II,
p. III, cap. XXXIX, pp. 190-206. Deste acontecimento nos dá notícia, no Panegírico da Infanta D. Maria,
João de BARROS, Panegíricos, Lisboa, Sá da Costa, 1943, pp. 169-171.
39
Epistula ac inuictissimi Emanuelis Regis Portugaliae et Algarbiorum, etc. De uictoriis habitis in
India et Malacha. Ad Sanctum in Christo Patrem et Dominum nostrum Dominum Leonem X, Pontificem
Maximum – ‘Epístola do muito poderoso e invencível Manuel, rei de Portugal e dos Algarves, etc. Das
vitórias que obteve na Índia e em Malaca. Ao Santo Padre, em Cristo, e Senhor Nosso, Senhor Leão X,
Sumo Pontífice’. Reprodução fac-similada, leitura moderna, tradução e notas de Nair Castro SOARES, in
Acta Rediviva, II, publicação da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1979, pp. 9-11.
Vide ainda Nair Castro SOARES, “A carta de D. Manuel ao Papa Leão X (1513)”, Biblos, n. s. II (Coimbra,
2004), pp. 99-129. Sobre a grande divulgação que esta carta conheceu, no século XVI, vide Luís de MATOS,
“L’expansion portugaise dans la littérature latine de la Renaissance”, in L’Humanisme Portugais et l’Europe
– Actes du XXIe. Colloque International d’Études Humanistes (Tours, 3-13 juillet 1978), Paris, FCG, 1984,
p. 417. Estes mesmos acontecimentos viriam a ser narrados pelo cronista Damião de Góis, na III Parte da
sua Crónica do felicíssimo rei D. Manuel, sendo notável a descrição que se encontra no capítlulo XVIII sobre
a riqueza de Malaca e sua importância como empório comercial.
40
Vide Luiz Augusto Rebello da SILVA em Corpo Diplomático portuguez, tomo I, Academia Real das
Sciencias, Lisboa, 1862, pp. 201-202; SERRÃO (1973), II, 190-206; SOARES (2002 a), 34-35.
41
Diversas são as obras históricas quinhentistas que narram os factos que estão relatados nesta
carta (de Junho de 1513), como novidade. Vide SERRÃO (1973) II, p. III; Raimundo António Bulhão PATO
(ed.), Cartas de Affonso de Albuquerque seguidas de documentos que as elucidam, Lisboa, Academia Real de
Sciencias, 1884-1915. Vejam-se ainda e. g. Damião de GÓIS, Crónica do felicíssimo rei D. Manuel, 4 vols.,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1954; Fernão Lopes de CASTANHEDA, História do descobrimento e
conquista da Índia pelos Portugueses, 4 vols., Pedro de AZEVEDO (ed.), Coimbra, Imprensa da Universidade,
1924, D. Jerónimo OSÓRIO, Da vida e feitos de El-rei D. Manuel, 2 vols., Porto, Livraria Civilização,1944;
João de BARROS, Ásia, 3 vols., António BAIÃO e Luís F. LINDLEY CINTRA (ed.), Lisboa, INCM, 1974;
Gaspar CORREIA, Lendas da Índia, 6 vols., Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1860.
RETÓRICA E POLÍTICA NA EUROPEIZAÇÃO DE PORTUGAL, NOS SÉCULOS XV E XVI 325
42
Vide a descrição circunstanciada, cinematográfica, das celebrações, em Roma, aquando da recepção
da carta de D. Manuel, em 1513, e, por ocasião da embaixada de Tristão da Cunha, no ano seguinte. Elaine
SANCEAU, O reinado do Venturoso, Porto, Livraria Civilização, 1970, pp. 157-170.
43
ERASMO, De conscribendis epistulis, caps. 31-32 e 74. Foi a partir da publicação da epistolografia
de Cícero, Séneca e de Plínio-o-Jovem que surgiram diversos tratados quinhentistas sobre a arte de escrever
cartas, no Renascimento, podendo considerar-se o de Erasmo o mais expressivo.
44
Vide Nair Castro SOARES, “Gratidão e lealdade: dois valores humanistas”, in Miscelânea em honra
dos Doutores Walter de Medeiros e Manuel Pulquério – Humanitas, 46 (1994), II parte, pp. 245-258.
45
Vide André de RESENDE, Epitome rerum gestarum in India a Lusitanis, anno MDXXX (Lovaina,
1531), que narra os feitos de D. Nuno da Cunha, na Índia. O providencialismo histórico, típico da nossa
literatura de Quinhentos, acentua-se no relato que faz da vitória lusa, apesar da desproporção enorme de
forças, sobre os Rumes orientais, da família dos Turcos, detentores do Império Otomano, que ameaçam
a identidade cristã europeia, a partir da ilha de Rodes. Neste Epitome, sobressai ainda, no admirador de
Erasmo – o humanista do irenismo radical de Querela Pacis –, o seu conceito de expansão ultramarina
como meio privilegiado de realizar o espírito de missão.
Os feitos dos portugueses, no cerco de Diu de 1546, são exaltados por Diogo de TEIVE, no opúsculo
Commentarius de rebus in India apud Dium gestis anno salutis nostrae MDXLVI e por Damião de GÓIS, no
De bello Cambaico Vltimo commentarii tres. Vide Nair Castro SOARES, Tragédia do Príncipe João de Diogo
de Teive, Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 3ª ed., 2010, pp. 27 e sqq. Sobre a expansão
portuguesa são notáveis os trabalhos de MATOS (1991); MATOS (1984), 397-417.
326 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
49
Damianus a Goes Lusitanus, Fides, religio moresque Aethiopum sub imperio Pretiosi Ioannis [...].
Louanii, ex officina Rutgeri Rescij, An. M. D. XL. Sobre a aura mítica do Preste João e as relações Portugal-
Etiópia, por alturas dos escritos de Góis, vide MATOS (1984), 414-416; Luís Filipe R. THOMAZ, “L’idée
impériale manuéline”, in La découverte, le Portugal et l’Europe, Actes de Colloque, Paris – Mai 1990, Paris,
FCG, 1990, pp. 35-103, maxime p. 60.
328 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
50
Vide sobre este assunto a carta de Góis, dirigida ao Papa Paulo III, e respectivo comentário, de
Amadeu TORRES (1982), 324-326 e nota 99, 329; Idem, “Damião de Góis e o Erasmismo – abordagem nova
de uma velha questão”, Revista Portuguesa de Filosofia, 37. 1. 2 (1981), pp. 57-105, maxime, pp. 80-82.
51
Se é conhecida a afirmação de Diogo de Gouveia o Velho de que Erasmo chocou os ovos e Lutero
tirou os pintos, foi sobretudo a figura influente no mundo político e religioso da corte de então, o teólogo
parisiense Pedro Margalho – que se pronunciara sobre os infideles mores dos Etíopes, no início do seu
Phisices compendium, publicado em 1520, em Salamanca, em cuja universidade foi professor de 1517-1529
– que mais se terá oposto à divulgação da obra de Góis, que proclamava ao mundo a religiosidade cristã
dos Etíopes.
As lutas religiosas, que alastram por todo o século XVI, têm como pontos fulcrais de conflito,
designadamente, a publicação das noventa e cinco teses de Lutero (1517), a Dieta de Worms e a sua
excomunhão (1521), a tradução alemã do Novo testamento (1522), a guerra dos camponeses alemães e a
execução de Tomás Münzer, seu chefe, em 1525 – data também do casamento de Lutero com Catarina de
Bora, a separação da Igreja Inglesa de Roma, com Henrique VIII, (1531) e a instituição da Igreja Anglicana
por votação do Parlamento inglês (1534), a comunidade de Genebra e a publicação da Institution Chrétienne
de Calvino (1536). Se as guerras de religião se arrastam em França, a matança dos huguenotes por Catarina
de Médices e Michel de l’Hôspital, na noite de 24 de Agosto de 1572, ficou conhecida por chacina de Saint
Barthélémy. No rescaldo desta chacina, foi assassinado, dois dias depois, a 26 de Agosto, o célebre humanista,
partidário de Calvino, Pierre de la Ramée. As guerras de religião prolongam-se, desde as primeiras décadas
do século XVI até ao fim da Guerra dos Trinta Anos, pelo tratado de Vestefália, em 1648.
RETÓRICA E POLÍTICA NA EUROPEIZAÇÃO DE PORTUGAL, NOS SÉCULOS XV E XVI 329
52
De interesse referir a carta que o mestre de Góis, Lazzaro Bonamici, lhe enviou de Pádua, datada
de 29 de Agosto de 1539, em que lhe agradecia a oferta dos seus Commentarii e o exortava a continuar a
escrever sobre a história pátria, pois nada poderia ilustrar mais os tempos modernos do que a imprensa e a
descoberta do novo mundo. TORRES (1982), I, 157.
53
Vide SOARES (1994), 192-197.
330 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
54
Paulo Jóvio, num texto de 1525, inserto no Nouus orbis (Basileia, 1532) de Simão Grineu ataca a
política portuguesa das especiarias, os altos preços e a sua falta de qualidade. Damião de Góis contesta as
afirmações de Paulo Jóvio, no final dos seus Commentarii rerum gestarum in India 1538 citra Gangem (1539).
Publica de novo esta sua contestação nos Opuscula (1544), com o título De rebus et imperio Lusitanorum
ad Paulum Iouium Damiani Goes disceptatiuncula. Também Diogo Pires irá contestar a omissão de nomes
ilustres dos portugueses, nos Elogia do Bispo italiano.
55
A Geographia de Ptolomeu, conhecida no final do século XIV pela tradução que dela fizera para
latim Manoel Crisoloras e que, juntamente com a Bíblia, foi um dos primeiros livros impressos, foi objecto de
diversos comentários no Renascimento que incluíam informações sobre os portugueses e suas navegações.
O cosmógrafo português Pedro Nunes inclui o I livro da Geographia de Ptolomeu no seu Tratado da Sphera.
O gosto pela geografia, primeira auxiliar da história, é partilhado por muitos humanistas e homens de letras
e, entre eles por João de Barros, autor de um tratado de Geografia, hoje desaparecido.
O Comentário à obra ptolomaica do navarro Miguel SERVET (Villanovanus), Claudii Ptolemaei
geographicae enarrationis libri octo (1535) deu origem às críticas de Sebastião Münster, que Góis se
preocupou em rebater. Sobre a importância do conhecimento geográfico dos antigos e seu aproveitamento
pelos autores do século XVI e por Damião de GÓIS, na Vrbis Olisiponis descriptio, vejam-se os comentários
de Aires do Nascimento à sua edição desta obra.
56
Damião de GÓIS, Elogio da cidade de Lisboa. Vrbis Olisiponis descriptio, Aires A. Nascimento
(ed.), Lisboa, Guimarães Editores, 2002, pp. 188-189: “Sobre as inúmeras coisas exóticas que por toda a
roda do ano são trazidas a esta nossa cidade e aí são descarregadas procedentes dos nossos domínios da
Índia, Pérsia, Arábia, Etiópia, Brasil, África, já tratámos bastante desenvolvidamente num opúsculo que
publicámos sobre a fertilidade e opulência da Hispânia, pelo que, deliberadamente, não quisemos fazer aqui
menção em pormenor. Se alguém eventualmente desejar deveras conhecê-las, procure esse livro e depois
leia-o.”
RETÓRICA E POLÍTICA NA EUROPEIZAÇÃO DE PORTUGAL, NOS SÉCULOS XV E XVI 331
a maior dignidade como cidade que se eleva acima de todas as outras, em termos
absolutos e relativos.
A cidade ideal do Renascimento é uma construção racional, na sua organização
sócio-económica, na sua estética arquitectónica, tornando-se verdadeira obra-
prima de engenharia e arquitectura social, na resposta à utilitas e à commoditas.
No que toca à grandeza e à magnificência de edifícios e monumentos, a cidade
ideal reflecte, no seu aggiornamento, os padrões da estética clássica de que
Vitrúvio é referência privilegiada e, no século XV, Leon Battista Alberti se faz
primeiro intérprete57.
Construída dentro destas coordenadas está a Lisboa quinhentista, das
Descobertas, que Góis descreve com o habitual duplo enfoque, político-económico
e religioso, desde os primórdios da Expansão à Viagem do Gama – a acção política
e religiosa do Infante Navegador serviria também de abertura ao tema central da
sua Fides –, sem deixar de aludir às suas origens míticas, ao fundador Ulisses, aos
elementos do maravilhoso, aos gostos da época, à existência de Tritões, Nereidas
e Sereias, que envolvem a cidade, num manto diáfano de fantasia. Uma concessão
de Góis com vista à atracção de estrangeiros!
Mas é Lisboa uma cidade bem real, confluência e sede jurisdicional do
mundo português, que vai merecer da pena de Góis, no género demonstrativo,
epidíctico, tão representativo no Portugal do século XVI – segundo os moldes
retóricos em vigor, desde a Antiguidade ao Renascimento – uma descrição, um
elogio que abarca todos os referentes imagéticos e ideológicos que a dimensionam
como cidade ideal, na sua perfeita organização, em todo o seu esplendor, riqueza
e prestígio.
Damião de Góis passeia-se de um passado mítico a um passado histórico, a
um presente glorioso que é deles o reflexo e que se concretiza na monumentalidade
e magnificência dos edifícios que descreve. E faz um persurso pela cidade, pelas
colinas e vertentes, a saltitar de lugar em lugar, de edifício em edifício, registando
pormenores curiosos sobre o comércio, as artes, os ofícios, parando a ver as ruas
movimentadas com as mais variadas gentes, o Tejo e o seu estuário, os navios, a
azáfama do porto, a agitação da cidade. E neste deambular citadino, a retórica do
andar implica a retórica do olhar – olhar do patriota e do humanista – e ambas se
conjugam, porque retóricas, na sua finalidade de docere, mouere, delectare.
O Humanista falará com orgulho da cidade de Lisboa, da sua grandeza
e magnificência, reflexo da magnanimidade do seu governante, do princeps,
57
Vide Nair Castro Soares, “Cidades ideais e elogios de cidades no Renascimento e em Damião de
Góis”, in Actas do Congresso Internacional “Damião de Góis na Europa do Renascimento”, Braga, 29-31
de Janeiro de 2003, Universidade Católica Portuguesa, Braga, Publicações da Faculdade de Filosofia –
Universidade Católica Portuguesa, 2003, pp. 583-608.
332 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
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Abstract
Chio trading post (14 March 1499) and subsequent trade in sugar with the
Ottomans, accompanied by a protection granted to Rhodes, in which the
monarch saw the missing strategic base in the eastern Mediterranean, a true
“gateway” to the Red Sea for control of the western Indian Ocean.
Keywords
Resumo
Palavras-chave
2
Vincent DEROCHE, Nicolas VATIN, Constantinople 1453, Des Byzantins aux Ottomans, Toulouse,
Anarchasis, 2016; Feridun EMECEN, Fetih ve Kıyamet 1453, İstanbul, Timaş Yayınları, 2018; Michael
ANGOLD, The Fall of Constantinople to the Ottomans: Context and Consequences, London, Routledge,
2016; Marios PHILIPPIDES, Walter K. HANAK, The siege and the Fall of Constantinople in 1453: Historio-
graphy, Topography, and Military Studies, Farnham, Surrey, Burlington, Ashgate, 2011; Mehmed II the
Conqueror and the Fall of the Franco-Byzantine Levant to the Ottoman Turks: Some Western Views and
Testimonies, Marios Philippidès (ed.), Tempe, Arizona Center for Medieval and Renaissance Studies, 2007;
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HANAK, “One Source, Two Redditions: The Tale of Constantinople and its Fall 1453”, Byzantinoslavica, 62
(2004), pp. 239-250; Alain DUCELLIER, Michel KAPLAN, Bernardette MARTIN, Le Moyen Âge en Orient.
Byzance et l’Islam, des Barbares aux Ottomans, Paris, Hachette, 2006, passim.
3
O termo é evidentemente utilizado aqui de modo genérico, pois não existiu verdadeiramente uma
política de “concertação” na Europa, pulverizada em vários estados. Veja-se Kenneth M. SETTON, The
Papacy and the Levant (1204-1571), vols. I-IV, Philadelphia, American Philosophical Society, 1976-1984,
passim.
342 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
4
Biografias e contextualização das conquistas em Caroline FINKEL, Osman’s Dream. The Story of
the Ottoman Empire 1300-1923, London, John Murray, 2005, pp. 17-48.
5
Todavia Veneza conservou Náuplia, Modon e Coron onde fez edificar grandes fortalezas. Biografia
de Meḥmed Fatih em Güneş İŞIKSEL, “Mehmed II the Conqueror 1432-1481”, in The Encyclopedia of
Diplomacy, Gordon Martel (ed.), London, John Wiley & Sons, 2018, pp. 1-2.
6
David NICOLLE, Cross and Crescent in the Balkans.The Ottoman Conquest of South-Eastern Europe
(14th-15th centuries), Barnsley, Pen & Sword, 2010, pp. 88-106; idem, Nicopolis 1396. The Last Crusade,
London, Osprey, 1999; Ferdinand LOT, L’art militaire et les armées au Moyen Âge en Europe et dans le
Proche-Orient, t. 2, Paris, Payot, 1946.
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 343
esforço do Papa realizado através do envio de uma frota “com dispêndio de ouro,
de prata e do nosso conforto”.7
Sabe-se também que D. Afonso V projectava reagir ao avanço otomano, tendo
formulado publicamente a sua intenção em 25 de Julho de 1456. João Fernandes
da Silveira foi assim enviado como embaixador à Curia romana, onde expôs o a
decisão real numa oração apresentada em claustro consistorial a 8 de Setembro de
14578. Todavia, o aspecto mais significativo deste interesse lusitano pelo Levante
é sem duvida simbolizado pelo Infante D. Pedro. As suas viagens europeias – as
“sete partidas” – são relativamente conhecidas, e as achegas complementares dos
últimos anos após o estudo pioneiro de Francis M. Rogers9, permitiram enrique-
cer o acervo documental e proceder a algumas rectificações10.
Convém sublinhar que a viagem de D. Pedro à Hungria (1425-1428) e a
sua concomitante participação na luta contra os otomanos nos Balcãs, se fez em
apoio a Sigismundo I do Luxemburgo (e da Hungria) e no contexto das campa-
nhas militares organizadas por este monarca11. Se a presença de D. Pedro não é
confirmada no cerco de Ludenburg (Agosto de 1426), a carta de István Rozgonyi
(25 Janeiro 1427) certifica que D. Pedro acompanhou o imperador Segismundo
(tal como o indica Gomes Eanes de Zurara na sua Crónica do Conde D. Pedro de
Menezes, 1462, percorrendo pelo menos uma parte da fronteira danubiana a Leste
de Belgrado. Segismundo ter-lhe-ia concedido autorização para combater os oto-
manos ao longo do limes até ao Mar Negro (Janeiro de 1427). No entanto, melhor
atestada está a sua presença junto do general imperial e conde de Temesvàr, o
florentino Filippo Buondelmonti degli Scolari (ghazi, ou seja, general na Bósnia e
7
Veja-se o texto em Documentação Henriquina, José Manuel Garcia (ed.), Lisboa, Castoliva, 1995,
p. 226 (Biblioteca Apostolica Vaticana, Armario 39, vol. 7, fol. 7). No entanto, datado de Sagres, de 16
de Dezembro de 1547, o documento publicado por Frei Fernando da SOLEDADE, em Historia Serafica
Cronologica da Ordem de S. Francisco na Provincia de Portugal, Lisboa, Off. Manoel & Joseph Ferreyra,
t. III, 1705, p. 92, é tido como duvidoso. Apresenta uma imprecação do Infante, redigida na primeira pessoa,
contra Meḥmed Fatih, em que D. Henrique se propôe encabeçar a cruzada: “por onde te notifico como a dita
Cruzada tenho tomado contra ti, te punirey por mim”, etc. Ver Documentação (1995), 590.
8
Saul António GOMES, D. Afonso V, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006, p. 178.
9
Francis M. ROGERS, The Travels of the Infante Dom Pedro of Portugal, Cambridge, Massachussets,
Harvard University Press, 1961, pp. 31-122 e especialmente pp. 41-45; GOMES (2006), 52, citando Eneias
Silvio Piccolomini.
10
István RAKOCZI, “O eco das ‘sete partidas’ na Hungria tripartida”, in La découverte, le Portugal
et l’Europe, Jean Aubin (ed.), Paris, Fondation Calouste Gulbenkian, Centre Culturel Portugais, 1990,
pp. 319-330; idem, “A estada do infante D. Pedro em terras húngaras e na corte do imperador Segismundo”,
in Actas do Congresso Comemorativo do 6° Centenário do Infante D. Pedro, Biblos, LXIX (1993), pp. 79-93;
Douglas Mota Xavier de LIMA, O Infante D. Pedro e as alianças externas de Portugal (1425-1449), Dissertação
de Mestrado em História, Universidade Federal Fluminense, Nitéroi, 2012, pp. 121-170, salienta a falta de
um estudo exaustivo centrado principalmente nas viagens (p. 129). Veja-se ainda, o estudo (na vertente
literária) de Margarida Sérvulo CORREIA, As viagens do Infante D. Pedro, Lisboa, Gradiva, 2000.
11
Além de Francis Rodgers e Xavier de Lima, veja-se Domingos Maurício Gomes dos SANTOS,
“O Infante D. Pedro na Áustria-Hungria”, Brotéria. Revista Contemporânea de Cultura. LXVIII, (1959),
pp. 17-37.
344 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
12
LIMA (2012), 168; SANTOS (1959), 26-27; RAKOCZI (1993), 85, nota 15.
13
SANTOS (1959), 36.
14
VATIN (1989), 71-72.
15
Pál ENGEL, Gyula KRISTO, András KUBINYI, Histoire de la Hongrie Médiévale, t. II – Des
Angevins aux Habsbourg, Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 2008; Pavel BELINA, Petr ČORNEJ et
Jiří POKORNÝ, Histoire des Pays tchèques, Paris, Seuil, 1995, passim.
16
A delegação portuguesa era composta por 2 doutores e 2 fidalgos, com um séquito de cerca de 40
pessoas, todos leigos (apenas um tonsurado).
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 345
Além disso, ele próprio rumou a França para obter apoios, deslocando-se a
Perpignan com o objectivo de se reunir com Fernando de Aragão17.
Em Agosto de 1426, Segismundo assinou as credenciais do embaixador
Milahy Jakch, para que este viajasse até às cortes de Afonso de Aragão, de D. João II
de Castela, de D. João I de Portugal e de Carlos III de Navarra18. Esta actividade di-
plomática levou-o também a interferir no conflito que opunha Veneza a Milão em
1424 e 1426, com o intuito de levar ambas as partes a participar na luta contra os
otomanos. Com efeito, em 1427, Veneza acabou por aderir ao projecto, que reuniria
o papa, os reinos ibéricos e mesmo Milão19, no sentido de atacar o porto de Galipolli,
no estreito dos Dardanelos, principal base naval otomana no Mediterrâneo desde
Bāyazīd I, e cuja protecção ia ser assegurada por um imponente dispositivo de
fortificações nos séculos XV e XVI20. Seguindo a lógica da máquina militar que
era então a Sublime Porta, a expiração da trégua geral de cinco anos convencio-
nada com Murad II levaria decerto à retomada das hostilidades. Servindo-se da
versatilidade política dos príncipes e senhores das zonas fronteiriças do império
otomano na Europa central, que aceitavam ser momentâneamente vassalos da
Porta, para logo entrar em rebelião contra esta, o plano de Segismundo visava
igualmente atacar os otomanos na Valáquia e na Sérvia, obrigando-os a recuar
tanto quanto possível a fronteira para Leste. Todavia, Sigismundo foi derrotado
na Valáquia em 1426; ainda em 1426, Murad II enviou um exército à Sérvia (então
governada por Stéphane Lazarević) que tudo destruiu até Krusevać/Aladjahhisar,
posto situado na fronteira, a leste do Danúbio21. Em 1427, como vimos, os húnga-
ros foram também derrotados em Golubać22. Estas tentativas, às quais se podem
juntar as do imperador bizantino João VIII Paléologo (que serviu de mediador no
conflito entre Veneza e Segismundo, a quem visitou em Buda, em 1424) não tive-
17
RAKOCZI (1990), 321; idem (1993), 82.
18
RAKOCZI (1993), 82, nota 8.
19
Sobre os projectos dos diferentes papas, de Pio II a Sixto IV, Benjamin WEBER, Lutter contre
les Turcs: les formes nouvelles de la croisade pontificale au XVe siècle, Tese de Doutoramento, Toulouse,
Université de Toulouse II, 2009, passim.
20
İdris BOSTAN, “İlk Osmanlı Deniz Üssü: Gelibolu”, in Türk Denizcilik Tarihi, t. I, İdris Bostan
e Salih Özbaran (eds.), İstanbul, Deniz Basımevi Müdürlügü, 2009, pp. 73-83, com recensão de todas as
embarcações em 1475, segundo o Gelibolu Tarih Defteri, Belediye Kütüphanesi, 0.79, pp. 82-83; Murat
ĢIZAKÇA, “The Ottomans and the Mediterranean: an Analysis of the Ottoman Shipbuilding Industry
as reflected by the Arsenal Registers of Istanbul, 1529-1650”, La Gente del Mare Mediterraneo, 2 (1981),
pp. 773-787.
21
A Sérvia havia sido conquistada em 1371-1375, mas a resistência permaneceu até à batalha do
Kosovo (15 Junho de 1389) na qual o knez Lazar, pai de Stéphane Lazarević, foi feito prisioneiro e posterior-
mente executado pelos otomanos, assentando assim, de modo relativamente definitivo a suserania otomana:
Henry LAURENS, Gilles VEINSTEIN e John TOLAN, L’Europe et l’Islam. Quinze siècles d’histoire, Paris,
Odile Jacob, 2009, p. 134.
22
Sobre os diversos aspectos, Laurent NOTTEBAERT, Sigismond de Luxembourg, roi de Hongrie et
empereur du Saint Empire: discours et pratiques de la lutte contre les Turcs des lendemains de Nicopolis au
siège de Golubac, 1397-1428, Dissertação de Mestrado, Toulouse, Université de Toulouse II, 2010.
346 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
23
Pál ENGEL, The Realm of St Stephen: A History of Medieval Hungary, 895-1526, London, I. B.
Tauris, 2001, passim.
24
Jacques PAVIOT, Portugal et Bourgogne au XVe siècle, Lisbonne-Paris, Centre Culturel Calouste
Gulbenkian, Commission Nationale pour les Commémorations des Découvertes Portugaises, 1995, pp. 47-49;
Cécile KHALIFA, “Échive de Montbéliard et Charlotte de Lusignan. Deux femmes issues de l’élite, impli-
quées dans la défense de l’île de Chypre au XIIIe et au XVe siècle”, in Elites chrétiennes et formes de pouvoir
en Méditerranée centrale et orientale XIIIe -XVe siècle, Marie-Anna Chevalier e Isabelle Ortega (eds.), Paris,
Classiques Garnier, 2017, pp. 57-61.
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 347
das com a extensão continental das conquistas dos sultões otomanos da época, o
facto é que, no século XV, ambas controlavam ainda largamente variados sectores
da vida económica mediterrânica 25. Já no século XIV, a posição das suas comu-
nidades mercantis em Portugal, e o ascendente que tinham no comércio exterior
português no Mediterrâneo, associavam-nas, em níveis diferentes, à política e à
economia portuguesas26. Ora, no século XV, a braços com uma gestão complicada
das suas relações com o Egipto mameluco, Veneza, cuja pujança comercial no
Mediterrâneo oriental por conseguinte se mantinha, 27 encontrava-se empenhada
numa luta feroz contra os otomanos para travar o avanço destes no Mediterrâneo
e salvaguardar as suas possessões no Levante. O conflito veneto-otomano durou
praticamente todo o século XV, mas a guerra foi particularmente violenta durante
as décadas de 1410 a 1430, terminando com a conquista de Salónica por Murad II
Hoca a 9 de Março de 143028. Depois da tomada de Constantinopla, e como vimos
anteriormente, a guerra “italo-otomana” conheceu ainda dois grandes surtos, o
de 1463 a 1479 (que viu os otomanos desembarcarem no Friul), e o de 1499 a 1503.
Veneza foi obrigada a ceder Scutari e Croia (Krujë)29. Na segunda metade do sécu-
lo XV, Meḥmed II Fatih veio a ganhar controlo sobre o Mar Egeu e a anexar, umas
após outras, as diversas ilhas. Embora algumas delas oferecessem insignificantes
superfícies, serviam de bases de operações navais, pois permitiam a navegação
de cabotagem das galeras otomanas, e um aprovisionamento mais fácil em ví-
25
Michel BALARD, Gênes et la mer – Genova e il mare, 2 vols., Genova, Società Ligure di Storia
Patria, 2017 e as contribuições de Carlo Taviani, Thomas Kirk e Sandra Origone em A Companion to
Medieval Genoa, Carrie E. Beneš (ed.), Leiden, Boston, Brill, 2018; Francisco APELLÁNIZ, “Venetian
Trading Networks in the Medieval Mediterranean”, Journal of Interdisciplinary History, 44.2 (2013),
pp. 157-179; Claire Judde de LARIVIÈRE, Naviguer, commercer, gouverner: économie maritime et pouvoirs à
Venise (XVe -XVIe siècles), Leiden, Boston, Brill, 2008; Idem, Entre bien public et intérêts privés: les pratiques
économiques des patriciens vénitiens à la fin du Moyen-Âge, 3 vols., Thèse de Doctorat, Toulouse, Université
de Toulouse II, 2002; Benjamin ARBEL, Trading Nations: Jews and Venetians in the Early Modern Eastern
Mediterranean, Leiden, Boston, Brill, 1995.
26
Bailey W. DIFFIE, Prelúdio ao Império. Navegações e comércio pré-henriquinos, Lisboa, Teorema,
1989, pp. 48-50; Virgínia RAU, Portugal e o Mediterrâneo no século XV. Alguns aspectos diplomáticos e
económicos das relações com a Itália, Lisboa, Centro de Estudos da Marinha, 1973, pp. 14-16, e ainda de
Virgínia RAU, Estudos de História económica, Lisboa, Ática, 1961 passim.
27
Francisco APELLÁNIZ, Pouvoir et finance en Méditerranée pré-moderne. Le deuxième État
Mamelouk et le commerce des épices (1389-1517), Barcelona, CSIC, 2009, passim; idem, “Crise financière et
rapports internationaux: la faillite des corporations européennes dans le Sultanat Mamelouk (1450-1517)”,
in Atti della xxxviii settimana di studi, relazioni economiche tra Europa e mondo islamico. Secoli XIII-XVIII,
Firenze, Istituto Internazionale di Storia Economica Francesco Datini, 2007, pp. 623-641; Georg CHRIST,
Venetian Merchants and Mamluk Officials in Late Medieval Alexandria, Leiden, Brill, 2012, pp. 185-207 e
229-249.
28
A paz foi promulgada pelo tratado de Lapseki em 30 de Julho de 1430. Os otomanos mantiveram-na
no seu domínio até 1912.
29
LAURENS, VEINSTEIN, TOLAN (2009), pp. 143-144. Ver a minuta diplomática do final das hos-
tilidades dirigida por Meḥmed II ao doge Giovanni Mocenigo, I ‘documenti turchi’ dell’ Archivio di Stato di
Venezia, Maria Pia Pedani Fabris (ed.), Roma, Ministerio per i beni culturali e ambientali, Ufficio centrale
per i beni archivistici, 1994, p. 4 (doc. n°4, 1478/1479).
348 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
30
Vejam-se as diversas contribuições reunidas por Gilles VEINSTEIN e Nicolas VATIN, Insularités
ottomanes, Istanbul-Paris, Institut Français d’Études Anatoliennes, Maisonneuve et Larose, 2004.
31
VATIN (1989), 98.
32
SETTON (1976-1984), II, 315.
33
VATIN (1989), 101.
34
Apesar de retórico, o texto mais interessante sobre o cerco permanece o de Guillaume Caoursin
(1430-1501): Jean-Bernard de VAIVRE, Laurent VISSIÈRE, “Tous les deables de l’Enfer”, Relations du siège
de Rhodes par les Ottomans en 1480, Genève, Éditions Droz, 2014, passim; Jean-Bernard de VAIVRE, “Le
siège de 1480, le tremblement de terre de l’année suivante et le remodelage de la ville de Rhodes”, in Les
sièges de Rhodes. De l’Antiquité à l’époque moderne. Enquêtes et documents, Nicolas Fauchère e Isabelle
Pimouget-Bédarros (eds.), Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 2010, pp. 245-285; ver no mesmo
volume, Nicolas PROUTEAU, “Les sièges de Rhodes à l’époque médiévale”, pp. 201-217.
35
Maria Pia Pedani, Venezia porta d’Oriente, Venezia, Il Mulino, 2010, pp. 58-60; VATIN (1989), 113.
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 349
asiática.36 É pois lógico que a Portugal chegassem os ecos destes prolongados con-
flitos, motivando a diplomacia lusitana a participar na cruzada europeia contra os
otomanos, na tentativa de estabilizar a fronteira mediterrânica, cujos parâmetros
a conquista de Granada em 1492 veio também modificar37.
36
Dejanirah COUTO, “Çanakkale Boğazı’ndaki Osmanlı Hisarları / Les fortifications ottomanes des
Dardanelles”, in Üç Denizin Arasında.Osmanlı ve Fransiz Boğaz Haritaları / Entre trois mers. Cartographie
ottomane et française des Dardanelles et du Bosphore, J.-F. Pérouse, F. Günergün (ed.), Izmir, Arkas Sanat
Merkezi, 2016, pp. 104-317. Testemunhos nas fontes otomanas: Donald Edgar PITCHER, An Historical Atlas
of the Ottoman Empire, Leiden, Brill, 1968, pp. 84-89.
37
Anne BROGINI, “L’Ordre de Saint-Jean de Jérusalem au Ponant durant le premier XVIe siècle.
D’une frontière offensive à une frontière défensive”, in La frontière méditerranéenne du XVe au XVIIe siècle:
échanges, circulations, affrontements, Bernard Heyberger e Albrecht Fuess (eds.), Turnhaut, Brepols, 2014,
p. 164.
38
Sobre a occupação de Rodes pelos Hospitalários, veja-se Albert FAILLER, “L’occupation de Rhodes
par les Hospitaliers”, Revue des Etudes Byzantines, tome 50 (1992), pp. 113-135, seguindo principalmente o
cronista bizantino Georges Pachymeres.
39
Paula Maria de Carvalho Pinto COSTA, “A Ordem Militar do Hospital em Portugal: Dos finais
da Idade Média à modernidade”, Militarum Ordinum Analecta, 3/4 (1999/2000), Porto, CEPESE / FEAA.
350 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
46
SANUTO (1879-1903), III, 138 e 165, citado por Jean AUBIN, Le latin et l’astrolabe. Etudes inédites
sur le règne de D. Manuel 1495-1521, vol. III, Maria da Conceição Flores, Luís Filipe F. R. Thomaz, Françoise
Aubin (eds.), Paris, Centre Culturel Calouste Gulbenkian, 2006, p. 466.
47
Veja-se Wilhelm von HEYD, Histoire du commerce du Levant au Moyen-Âge, vol. I., Leipzig, O.
Harrassowitz, 1885, p. 244, n°5 e p. 264.
48
Sobre Timarion, ver Barry BALDWIN, Timarion. Translated with Introduction and Commentary
(Byzantine Texts in Translation), Detroit, Wayne State University Press, 1984; La satira bizantina dei secoli
XI-XV, Roberto Romano (ed.), Torino, Unione tipografico editrice torinese, coll. Classici Greci, 1999, passim.
49
Voyages de rabbin Benjamin, fils de Jonas de Tudèle, en Europe, en Asie & en Afrique, depuis l’Espagne
jusqu’à la Chine: où l’on trouve plusieurs choses remarquables concernant l’Histoire & la Géographie e &
particulièrement l’état des Juifs au douzième siecle/trad. De l’hébreu & enrichis de notes e& dissertations
historiques & critiques sur ces Voyages, J. P. Baratier (ed.), A Amsterdam: aux dépens de la Compagnie,
1734, p. 46. Veja-se também D. BALOUP, D. BRAMOULLE, B. DOUMERC, B. JOUDIOU, Les mondes
méditerranéens au Moyen Age, Paris, Armand Colin, 2018.
352 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
de África (o que denota sem dúvida uma certa lógica geográfica) mas a tradução
hebraica da palavra é duvidosa50.
O que é indiscutível é que na segunda metade do século XV os portugue-
ses demandavam cada vez mais o Levante; as intensas relações com as cidades
portuárias italianas, que se posicionaram como elos das ramificações comerciais
entre as duas extremidades do Mediterrâneo explicam de imediato esta presen-
ça51. Para além de aspectos nomeadamente económicos, políticos e diplomáticos
já estudados nos trabalhos de Virgínia Rau52, de Luís Adão da Fonseca53 ou de
Filipe Themudo Barata54, a presença portuguesa deve ser avaliada no contexto de
crise financeira que sacudiu as casas bancárias de Veneza e Pisa nos finais do
século XV, 55 e de crise política no Mediterrâneo oriental, no momento em que o
sultanato mameluco estava em vias de perder o controlo dos mares levantinos em
favor dos otomanos. Os portugueses, como aliás outros europeus já mencionados
(biscainhos, aragoneses, catalães, etc.) aproveitaram habilmente este momento de
transição e o relativo “espaço” de manobra a que deu origem. A Ordem de S. João
de Jerusalém fez inclusivamente apelo a estes indivíduos, com o intuito de reforçar
o controlo da fronteira marítima mediterrânica56.
Naturalmente, os testemunhos do comércio português são por conseguinte
mais abundantes para a segunda metade do século. Os portugueses vinham ven-
der ao Levante sal, peixe seco, couros, em troca de trigo, especiarias orientais e
tecidos57. Veja-se o caso do estribeiro-mor de D. João II, D. Álvaro da Cunha, que
em 1492 fretava uma bem artilhada nau de 1000 tonéis, com muitas bombardas
50
Voyages (1734), 236-237. Segundo Adler, a palavra de origem seria “Al-Ervah” (significando “nu”)
mas o termo pode ter resultado também de uma corrupção nas sucessivas cópias (e em sentido inverso) do
termo “al-Gharb”. Veja-se DIFFIE (1989), 85, nota 3.
51
Quadro das fontes indicando as embarcações portuguesas demandando o Mediterrâneo entre 1440
e 1498 em Paula LIMÃO, Portugal e o Império turco na área do Mediterrâneo: século XV, vol. I, Dissertação
de Mestrado Lisboa, Universidade de Lisboa, 1994, pp. 168-171; RAU (1973), 14-16.
52
Vejam-se sobre relações económicas, os clássicos trabalhos de Virgínia RAU e Jorge Borges de
MACEDO, O açúcar da Madeira nos fins do século XV: problemas de produção e e comércio, Funchal, Junta-
Geral do Distrito Autónomo do Funchal, 1962, e ainda apenas de RAU (1973), 3-31.
53
Luís Adão da FONSECA, “Le Portugal et la Méditerranée au XVe siècle”, Le Portugal et la
Méditerranée, Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian XLIII (2002), pp. 3-34.
54
Filipe Themudo BARATA, “Vers l’Atlantique: quand le Portugal s’éloigne de la Méditerranée”,
Le Portugal et la Méditerranée, Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, XLIII (2002), pp. 35-59.
55
Frederic C. LANE, “Venetian Bankers, 1496-1533: A Study in the Early Stages of Deposit Banking”,
Journal of Political Economy, 45, 2 (Apr., 1937), pp. 187-206.
56
Dejanirah COUTO, “Au-delà des frontières: réseaux d’espionnage portugais dans le Levant mé-
diterranéen et dans l’océan Indien au XVIe siècle”, in La frontière méditerranéenne du 15 e au 17e siècle:
échanges, circulations et affrontements, Bernard Heyberger e Albrecht Fuess (eds.), Turnhaut, Brepols, 2014,
pp. 233-252.
57
E também, curiosamente, pedras semi-preciosas originárias de Trás-os-Montes, a serem lapida-
das em Veneza: Aires Augusto do NASCIMENTO, Livro de Arautos: de ministerio armorum, script. anno
MCCCCXVI, ms. lat. 28, J. Rylands Library (Manchester) : estudo codicológico, histórico, literário, linguístico,
texto crítico e tradução, Lisboa, s. n., 1977, p. 254.
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 353
Livro de Arautos
64
Peso egípcio equivalente a quase meio quilograma, segundo António Morais da SILVA, Grande
Dicionário da Língua Portuguesa, vol. IX, Augusto Moreno, Cardoso Júnior e José Pedro Machado (eds.),
Lisboa, Editorial Confluência, 1956, p. 713.
65
FREIRE (1904), II, 429 (doc. 269). O documento, assinado por Gil Alvarez, data de 14.III.1499
(Chancelaria de D. Manuel, Liv. 16, fol. 25, Liv. de Extras, fol. 7). Não é certo que Gaspar Pereira tenha estado
em Istambul, pois o documento poderá tanto indicar Istambul/Constantinopla como referência geográfica
para situar Chios, como a cidade/ilha em si mesma: “Mandámos ora tomar conta a Gaspar Pereira, nosso
moço de camara, de todollos dinheiros e cousas nossas que recebeu em Xio (Chio), em Constantinopla, onde
o enviamos por cousa do nosso serviço”.
66
A arroba valendo 15 kg. Veja-se o quadro em LIMÃO (1994), 148, nota 29 (Arquivo da Câmara
Municipal do Funchal, t. 1, fol.70). Ainda que modesto (a quantidade de exportação para a Flandres atingia
40.000 arrobas), o número era igual ao da exportação para Veneza e superior ao de Génova (13.000 arrobas).
Sobre o comércio mediterrânico do açúcar, Muhammad OUERFELLI, Le sucre: Production, commercialisa-
tion et usages dans la Méditerranée médiévale, Leiden, Brill, 2008, passim.
67
Todavia, como se sabe, as redes eram mistas: como sublinhou Francisco Apellániz, no século XV, e
para citar apenas um exemplo, os florentinos usaram por vezes a identidade genovesa ou pisana, aceitando a
jurisdição de outros consules não florentinos: Francisco APELLÁNIZ, “Florentine Networks in the Middle
East in the Early Renaissance”, Mediterranean Historical Review, 30/2 (2015), p. 126. Sobre os privilégios
dados aos mercadores italianos para a exportação de açúcares veja-se LIMÃO (1994), 145-150, e RAU,
MACEDO (1962), 30-32.
68
NASCIMENTO (1977) atrás citado. A edição referida é agora completada pelo estudo de Maria
Alice Pereira SANTOS, O Olhar Ibérico sobre a Europa Quatrocentista no Livro de Arautos, Lagos, Câmara
Municipal de Lagos, 2008.
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 355
69
Emmanuelle VAGNON, Cartographie et représentations de l’Orient méditerranéen en Occident
(du milieu du XIIIe à la fin du XVe siècle), Turnhout, Brepols, 2013, passim; Sonja BRENTJES, “Medieval
Portolan Charts as Documents of shared Cultural Spaces”, in Acteurs des transferts culturels en Méditerranée
médiévale, R. Abdellatif, Y. Benhima, D. König, E. Ruchaud (eds.), Munich, Oldenbourg, 2012, pp. 135-146;
Ramon PUJADES I BATTALER, Les Cartes portolanes. La representació medieval d’una mar solcada,
Barcelone, Institut Cartogràfic de Catalunya, 2007; Philip E. STEINBERG, “Insularity, Sovereignty and
Statehood: the Representation of Islands on Portolan Charts and the Construction of the Territorial State”,
Geografiska Annaler, 87/4 (2005), pp. 253-265; Inácio GUERREIRO, “Tradição e modernidade nos Isolarios
ou “Livros de Ilhas” dos séculos XV e XVI”, Oceanos, 46 (2001), pp. 28-40.
70
Patrick Gautier DALCHÉ, Carte maritime et portulan au XIIe siècle, Paris, École Française de
Rome, 1995, p. 19; sobre os ‘ajā’īb, Persis BERLEKAMP, Wonder, Image, and Cosmos in Medieval Islam, New
Haven, Conn., London, Yale University Press, 2011, passim.
356 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
71
Sobre este veja-se Giacomo BOSIO, Dell’Istoria della sacra religione et ill.ma militia di San Giovanni
Gierosolimitano, vol.II, Roma, Gugliemo Facciotto, 1594-1602, p. 603; Jos MIZZI, Catalogue of the Record
of the Order of St John of Jerusalem in the Royal Malta Archives, vol. II, Malta, Malta University Press,
1964-1970, t.1-8., p. 113 (1506), 125 (1509), 142 (1513).
72
AUBIN (2006), 466, citando SANUTO (1879-1903), IV, 486 [5 de Setembro de 1502].
73
MIZZI (1964-1970), t.1, 127.
74
SANUTO (1879-1903), IV, 679 [17 de Novembro de 1502].
75
Em carta de Medina del Campo de 17 de Abril de 1504; veja-se AN/TT, CC I, 4,74, publicada
por Antonio de la TORRE Y DEL CERRO e Luis SUAREZ FERNANDEZ, Documentos referentes a las
relationes con Portugal durante el reinado de los Reyes Católicos, vol. III, Valladolid, Consejo Superior de
Investigaciones Científicas, 1963, pp.113-114.
76
Nicolas VATIN, Sultan Djem. Un prince ottoman dans l’Europe du XVe siècle d’après deux sources
contemporaines: Vâk.ı’ât-ı Sultân Cem, Oeuvres de Guillaume Caoursin, Ankara, Société Turque d’Histoire,
Institut Français d’Études Anatoliennes, 1997, passim.
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 357
77
Os cavaleiros dominavam a costa meridional do istmo de Cnide desde a ilha de Symi (Sömbeki), de
Rodes, de Tilos (İleki) e de Nisiros (İncirli): Jean-Louis BACQUÉ-GRAMMONT, “Le château Saint Pierre
de Bodrum et ses défenseurs à quatre pattes au temps des chevaliers de Rhodes”, Antropozoologica 43/2
(2008), p. 40.
78
Relatório referido por Nabil AL-TIKRITI, “Ties that bind: an Ottoman Maritime Patron from the
Mediterranean to the Indian Ocean”, Seapower, Technology and Trade: Studies in Turkish Maritime History,
Dejanirah Couto, Feza Günergün, Maria Pia Pedani (eds.), Istanbul, Piri Reis University Publications,
Denizler Kitabevi, 2014, p.18. O acontecimento é também referido por SANUTO (1879-1903), IV, 405-406,
em carta, de Ḳorkud ao Grão-Mestre de Rodes, do 6 de Julho de 1502.
79
AUBIN (2006), 469-470.
80
Idem, 469. Uma pequena fortaleza foi edificada em 1508-1509 em Tina/Tineh ao sudeste de Damieta:
Stéphane PRADINES, “The Mamluk Fortifications of Egypt”, Mamlūk Studies Review, vol. 19, 2016, pp. 57-110
(assim como fig.7, p. 95 e planta da fortificação, p. 94).
81
AUBIN (2006), 470. Sobre a situação de reféns, Adam KOSTO, Hostages in the Middle Ages, Oxford,
Oxford University Press, 2012, passim.
82
Maria Elisa SOLDANI e Daniel Durán i DUELT, “Religion, Warfare and Business in Fifteenth-
Century Rhodes”, in Religion and Religious Institutions in the European Economy: 1000–1800, F. Ammannati
(ed.), Firenze, Firenze University Press, 2002, pp. 257-270.
358 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
dutos locais, que apesar de parecerem modestos tinham o seu peso na economia
medierrânica: açúcar, linho, azeite, algodão, alfarroba e figos da barbaria83.
83
Itinerários da Índia a Portugal por terra, António Baião (ed.), Coimbra, Imprensa da Universidade,
1923, p. 276. Destruição de Limassol pelos corsários, ibidem, p. 286.
84
AUBIN (2006), 130.
85
Ibidem.
86
Ibidem, 131.
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 359
nos chegando a levar três bombardas grossas e muita artilharia miúda”92. Como
quer que seja, apesar do contexto dificil em que se encontrava (crise de sucessão
em 1506, rivalidade hispano-francesa), o Rei Católico (Isabel tinha falecido em
1504) não tardou em travar as ambições centro-mediterrânicas de D. Manuel e fez
ocupar Mars al-Kabīr em Setembro de 1505, Melilla em Abril de 1506 e Orão em
18 de Maio de 150993.
Num tal contexto político, uma das questões que se põem é a de tentar
apreender as intenções de D. Manuel em relação a Orão. Terá pensado em reactivar
a feitoria portuguesa, de que não temos notícia depois de 1487, mas que, segundo
o feitor Rui Fernandes de Almada, rendera entre 1483 e 1487 31.773 dobras?94
A presença (na esquadra de D. João de Menezes) de Tristão da Cunha, cuja com-
petência em matéria comercial era indiscutível, poderia ser um argumento a favor
da intenção do monarca em reabrir a citada feitoria95. Não é, pois, de excluir que
tenha realmente pensado em estabelecer uma base a leste de Melilla, de maneira
a assegurar uma presença portuguesa no Mediterrâneo central, em plena zona
de influência dos Reis Católicos –Fernando reinava também, lembremos, sobre o
reino de Nápoles e da Sicília. Por outro lado, nesta conjuntura diplomática com-
plexa, Orão, e a sua extensão geográfica, a ponta de Mars al-Kabīr, possuía alguns
requisitos naturais para receber uma base naval portuguesa96. Esta destinar-se-ia
principalmente ao combate contra os corsários otomanos e barbarescos, que asso-
lavam indiscriminadamente tanto o Oeste como o Leste da bacia mediterrânica;
ligada ao tráfico caravaneiro proveniente do hinterland africano, poderia também
desempenhar um papel significativo no comércio do Mediterrâneo central (e por
extensão, no oriental). O complicado plano de D. Manuel falhou, mas nem tudo
se perdeu. No rescaldo da malograda expedição, alguns capitães portugueses
dedicaram-se rapidamente ao corso: assim, uma carraca genovesa, a Giustiniana,
e um bregantim afretados por mercadores muçulmanos, que fazia a ligação entre
o Egipto e a costa do Magrebe, foram abordados por portugueses. A carga foi
confiscada e o bregantim apresado97. Quanto aos tripulantes e aos passageiros,
foram reduzidos à escravatura. A viagem de retorno de D. João a Portugal permi-
tiu ainda uma outra operação corsária de envergadura, de que foram vítimas desta
92
SANUTO (1879-1903), IV, 166 citado por AUBIN (2006), 142-143.
93
Sobre a questão, veja-se Las campañas de Oran 1509-2009: estudios en homenaje a Fatma
Benhamamouche, Ismet Terki-Hassaine, Emilio Sola Castaño, Alejandro R. Díez Torre e Manuel Casado
Arboniés (eds.), Alcalá de Henares, Universidad de Alcalá, 2012, passim.
94
Documento publicado por FREIRE (1907), doc. 561.
95
AUBIN (2006), 142.
96
As condições naturais, já elogiadas pelos geógrafos árabes medievais (Idrīsī, Al-Bakrī) são salien-
tadas por RESENDE (1994), 69.
97
Biblioteca Nacional da Ajuda, Ms. 50-V-21, fol. 25v°; RESENDE (1994), 68.
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 361
vez os navios que ligavam Almeria a Orão – uma rota marítima enviezada e pouco
comum, que no entanto se explica pela necessidade de evitar as galeras do corsário
otomano Ḳemal Re’īs, que escumava as águas à volta de Almeria.
Uma vez falhada a tomada de Orão e de Mars al-Kabīr em 1501, e num contexto
de rivalidade com Fernando de Aragão, que possibilidades se ofereciam então a
D. Manuel de abrir um espaço no Mediterrâneo central e manter uma presença
no Levante? Restava-lhe Rodes e a Ordem de S. João de Jerusalém. Para além do
prestígio militar e religioso da Ordem, que recolhia os frutos de um combate efec-
tivo contra o sultanato mameluco e a Porta Otomana, Rodes – que se situava junto
da costa da Ásia Menor e não muito longe da costa egípcia – reunia, muito mais
do que Orão, as condições ideais para se tornar de algum modo o “substituto da
base naval” que os portugueses ambicionavam e não possuíam no Mediterrâneo
Oriental. Poderia também vir a ser uma peça importante no dispositivo, visando a
realização da cruzada europeia – que incluía (com múltiplas variantes ao longo do
século XVI) uma partilha do Médio Oriente em três zonas, a atribuir a Portugal,
Espanha e Inglaterra – de maneira muito mais eficaz do que as inúmeras negocia-
ções, coligações e alianças entre o Papado e os “príncipes da Cristandade”, em que
o combate contra os otomanos servia ocasionalmente para camuflar interesses
variados de política interna.
Apresentava-se igualmente como um excelente posto de observação dos
movimentos militares das potências muçulmanas levantinas, ou seja, dos egíp-
cios e dos otomanos. Encravada num mar “islâmico” (tal como a ilha de Ormuz),
comandava as ilhas do “golfo da România”, de que muitas delas eram todavia
habitadas por populações cristãs; o anónimo autor do Livro de Arautos extasiava-
-se aliás sobre o seu número, declarando que “(…) por mim creio que não há
parte nenhuma do mundo onde, em igual espaço de mar, se encontrem tantas
ilhas (…)”98. Esta base estratégica permitia vigiar a entrada dos mamelucos no
Índico através do Mar Vermelho, mas também observar de perto a inquietante
progressão dos otomanos na Síria-Palestina, pois, como informava ainda o Livro
de Arautos, “Nesta zona de mar tem uma extensão de quinhentas e setenta milhas
desde a Turquia até à Berberia”99.
98
NASCIMENTO (1977), 294.
99
Ibidem.
362 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Com efeito, assumindo o papel de canal informativo, Rodes revelou-se útil para
D. Manuel, que encontrou em Frei André do Amaral, o chefe eficaz de uma
rede de espionagem no Levante, capaz de seguir com eficácia os acontecimentos
político-militares no sultanato mameluco e no império otomano. Amaral tornou-
-se, durante o mandato do Grão-Mestre Emery d’Amboise (1503-1512), um dos
cavaleiros influentes da Ordem100. Nascido na pequena nobreza do centro de
Portugal, e mais precisamente na Beira Alta, em Oliveira do Hospital,101 ascendeu
progressivamente a uma posição de destaque no interior da hierarquia; em 1480
encontrava-se já em Rodes, embora não tenhamos informação de aí se encontrar
durante o cerco otomano (Maio-Agosto de 1480). Em 1503 foi eleito conservator
generalis communis thesauri, e recebeu o comando de “três galés da Religião”, de
uma fusta e três bergantins102. Não é fácil determinar o início das suas activida-
des corsárias, mas em 1503 (?) um relatório árabe enviado ao já referido príncipe
(Șehzade) Ḳorkud, filho de Bāyazīd II, dá-nos alguma informação sobre ele103.
Em 1504, Amaral dispunha de um galeão, e em 1507, recebeu autorização de armar
um galeão e uma galé para ir às presas no sector de Kastellórizzo104 e do canal de
Kos105. Um breve do Papa Júlio II (de 27 de Outubro de 1508) distinguindo os
cavaleiros portugueses da Ordem, sublinha o seu papel destacado “na defesa da
fé católica”106. Elevado a grão-chanceler em Março de 1511, um cargo concedido
100
Dedicamos um estudo mais aprofundado à acção de Frei André do Amaral num artigo que se
encontra já no prelo e de que retomamos aqui alguns aspectos: Dejanirah COUTO, “‘The affairs of the
Turks are growing strongly’: The Portuguese, the Mameluks, the Ottomans and the Indian Ocean issues
(1505-1517)”, in 1516: The Year that changed the Middle East and the World, Mehmet Ali Neyzi e Abdulrahim
Abu-Huseyn (eds.), Beyrouth, American University of Beyrouth, 2020.
101
COSTA (1999/2000), 286-288; Manuel Rosado Marques de Camões e VASCONCELOS, “Subsídios
para a genealogia de Frei André do Amaral, de Touriz”, Separata do Arquivo histórico de Portugal, V (1947),
pp. 361-365; António Maria Seabra de ALBUQUERQUE, “Fr. André do Amaral, Bailio da Ordem de Rodes”,
O Instituto, XXXI (1884), pp. 535-540 e XXXIII (1885), pp. 193-204.
102
Paula Maria de Carvalho Pinto COSTA, “O poder régio e os Hospitalários na época de D. Manuel”,
Revista camoniana, 3ª Série, vol. 15, Bauru/S. Paulo, Universidade do Sagrado Coração, 2004, p. 257, assim
como AN/TT, CC I, 4, 74 e CCII, 7, 56. Tornou-se capitão em 1503 e não em 1510, como escrevemos previa-
mente: COUTO (2014), 246, nota 52.
103
AL-TIKRITI (2014), 18: (Ḳorkud) “became of the primary imperial backers of ghazā’ activities
through the Eastern Mediterranean”, ou seja um protector dos corsários otomanos (ou ao serviço da Porta)
no Mediterrâneo. Veja-se também AUBIN (2006), 469.
104
Daniel Durán i DUELT, Kastellórizo, une isla griega bajo dominio de Alfonso el Magnanimo, 1450-1458,
Barcelona, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Institución Milá y Fontanals, 2003, passim.
105
Entre 1480 e 1522, a Ordem tinha por missão controlar a pirataria e proteger certas zonas, sobre-
tudo durante a vigência das tréguas (veja-se a área entre Kastellorizo e Patmos). Em 1466, a fim de proteger
o comércio marítimo, os navios de que os capitães não pertenciam à Ordem não tinham autorização de sa-
quear no canal de Chio: Nicolas VATIN, “Rhodes”, in Dictionnaire de l’Empire ottoman, François Georgeon,
Nicolas Vatin, Gilles Veinstein, Elisabetta Borromeo (eds.), Paris, Arthème Fayard, 2015, p. 39.
106
Archivio Vaticano, Roma, Armarium XXXIX, 28, fol. 565-565v°.
PORTUGAL E A FRONTEIRA MEDITERRÂNICA NOS SÉCULOS XV E XVI [...] 363
107
Lembremos que a Ordem se dividia em várias “línguas” (langues) ou “nações”: Provença, Auvergne,
França, Itália, Castela- Leão-Portugal, Aragão-Catalunha-Navarra (depois de 1462), “Alemanha” ( que incluía
a Hungria e a Polónia) e Inglaterra: Nicolas VATIN, “L’Ordre” in DICTIONNAIRE (2015), 42; AUBIN (2006),
465, n. 1.
108
C arta de privilégio em AN/TT, Chancelaria de D. Manuel, Liv.11, fol.6 [Almeirim, 7 de Fevereiro de
1514], transcrita por António Manuel Clemente LÁZARO, O grande lagarto: o Mar Vermelho nos primórdios
da presença portuguesa no Oceano Índico (1487-1521), Dissertação de Doutoramento, Instituto de Ciências
Sociais, Universidade do Minho, 2006, pp. 548-549, doc. 28.
109
Copia de uma outra carta com noticias do Mediterrâneo Oriental, mais concretamente, da Pérsia e
do Império Otomano, AN/TT, Fundo Geral, ms. 7638, fols. 134-135 [Rodes, 25 de Agosto de 1511].
110
FINKEL (2005), 98-100; HISTOIRE (1989), 115-116; veja-se também Ahmed Yaşar OCAK,
“ŞahKulu” in DICTIONNAIRE (2015), 1038-1039.
111
Bāyezīd teria enviado 34.000 homens (20.000 e mais tarde 14.000) e Hadım ‘Alī Paşa teria obtido
50.000 soldados. ŞahKulu comandaria 30.000 kızılbaş (Copia de uma carta, fol. 134-135). As forças militares
de ŞahKulu foram avaliadas em 15.000 homens, DICTIONNAIRE (2015), 1038-1039.
112
Este episódio refere-se aos contactos informais e secretos entre a Ordem de S.João de Jerusalém
e Shāh Isma‘īl. Sobre a questão veja-se Jean-Louis BACQUÉ-GRAMMONT, Les Ottomans, les Safavides et
leurs voisins: contribution à l’histoire des relations internationales dans l’Orient islamique de 1514 à 1524,
vol. I, Istanbul, Nederlands Historisch-Archaeologisch Instituut, 1987, pp. 140-143.
113
Algumas cartas de Rodes levaram cerca de três anos para chegar a Portugal: veja-se a de André do
Amaral a D. Manuel [Rodes, 29 de Março de 1512], AN/TT, CC I,11,47, fol. 1-1v.°
114
Sobre aspectos mais pormenorizados do funcionamento da rede, COUTO (2014), 245-248.
364 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
118
Os aspectos pormenorizados deste evento militar foram estudados no nosso já referido artigo,
COUTO (2020).
119
Veja-se AN/TT, CCI, 11, 47, fol. 3-3v°, transcrito por LÁZARO (2006), 533-538 (doc.22).
120
Carta de Frei Diogo de Montemor para D. Manuel, no caminho da Síria para o Cairo [s.l., 17 de
Julho de 1510], em BNP, Fundo Geral, cod.7638, fols. 132v°-133v°. Dois espiões, Francisco Leitão e Francisco
Barbosa escreveram a D. Manuel com notícias do Levante (Carta de Francisco Leitão e Francisco Barbosa
a el-rei D. Manuel enviando noticias diversas, nomeadamente relativas ao Mediterrâneo oriental, AN/
TT, CC I, 21,5 fol.1v° [Lyon, 17 de Janeiro de 1517]).
121
“Sempre nos atee quy trabalamos por avisar vosa alteza (...)”: AN/TT, CC I, 21, 5, fol. 1v°.
122
Ibidem, fol.1v°.
123
“(...) come ‘adi 22 del mese di genaio essendosi apresenta socto il Cairo il Signor Selin gran Turco con
tutto el suo issercito (...)”, AN/TT, CC I, 21,86 [Roma, antes de 16 de Abril de 1517], transcrita por LÁZARO
(2006) 575 (doc.38). O documento foi enviado em duas versões, uma em italiano, outra em português.
Versão portuguesa em AN/TT, Nucleo Antigo, 879, n°139 [Roma, antes de Abril de 1517] (transcrita por
LÁZARO (2006), 577-579, doc. 39). D. Miguel menciona igualmente a batalha de Raydāniyya, que abriu as
portas do Egipto a Selim I: Traduçao portuguesa da época, de uma carta em italiano enviada por D.Miguel
da Silva, embaixador em Roma, com noticias do mediterraneo Oriental, ibidem, fol.3v°, mas não menciona
a batalha de Marj Dābik, em que os mamelucos foram estrondosamente derrotados pelos otomanos (24 de
Agosto de 1516, ao Norte de Alepo).
124
A expedição de Afonso de Albuquerque ao Mar Vermelho em 1513 inscreve-se aliás nesta perspec-
tiva de articulação dos espaços levantinos e médio-orientais.
366 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
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Peregrinar em Roma na transição
do mundo medieval para a
primeira modernidade:
O caso do Fidalgo de Chaves
Paulo Catarino Lopes1
Resumo
Palavras-chave
1
Instituto de Estudos Medievais (IEM) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa. Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência
e a Tecnologia, I.P., no âmbito da Norma Transitória – DL 57/2016/CP1453/CT0015.
378 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Abstract
On the 21st of May of 1510, an anonymous nobleman set off from the
Portuguese city of Chaves towards Rome, only to return to the kingdom of
his birthplace in September of 1517. Based on this journey through the Italian
peninsula, he later elaborates a broad testimony whose sole recipient is Jaime
(1479-1532), 4th Duke of Bragança, his lord and in the service of which he
most likely addressed the capital of the Christian world. It is our intention
to explore in the following pages this portuguese traveller's vision in rela-
tion to the spiritual dimension of the mirabili urbe, in particular in the form
of first pilgrimage route within the framework of European Christianity.
We also intend to exploit its plausible agent-pilgrim facet, that is, one who
goes to the Holy City with a mission of parallel diplomacy agent, but who
does not waste the occasion for, as all sincere Christians desired and aspired
to, seek out the shrines and local relics that allowed him to obtain heavenly
graces and protections.
Keywords
XXXIII, Janeiro-Junho 2016, [Mobilidades Medievais: Carreiras, Projectos, Realizações], Lisboa, Centro de
Estudos de História Religiosa (CEHR), Universidade Católica Portuguesa, pp. 203-251.
10
Pedro Almeida CARDIM, “A Diplomacia Portuguesa no Tempo de D. João III: Entre o Império
e a Reputação”, in Roberto Carneiro e Artur Teodoro de Matos (dir.), D. João III e o Império – Actas do
Congresso Internacional Comemorativo do Seu Nascimento, Lisboa, CHAM / CEPCEP, 2004, pp. 627-660.
11
Paulo Catarino LOPES, Um agente português na Roma do Renascimento. Sociedade, quotidiano e
poder num manuscrito inédito do século XVI, Lisboa, Temas e Debates, 2013, pp. 109-158; LOPES (2016).
12
LOPES (2013), 109-158; LOPES (2016).
PEREGRINAR EM ROMA NA TRANSIÇÃO DO MUNDO MEDIEVAL PARA A PRIMEIRA [...] 381
2. A centralidade de Roma
13
“a xxbj. dias andados daguosto da sobredita era de 1510” in Memórias, fl. 139v.
14
A bibliografia sobre Roma na aurora do século XVI é vasta. No entanto, salientamos os seguintes
textos: Alfredo PROIA, Roma nel Rinascimento, Roma, Tipografia Agostiniana, 1933; Antonio PINELLI,
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PETTINELLI, Tra antico e moderno: Roma nel primo Rinascimento, Roma, Bulzoni, 1991; Sergio GENSINI,
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15
LOPES (2016); Bibiano TORRES RAMÍREZ, José HERNÁNDEZ PALOMO (ed.), Andalucía y América
en el siglo XVI. Actas de las II Jornadas de Andalucía y América, Santa María de la Rábida marzo de 1982,
2 vols., Sevilla, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1983; Enrique OTTE SANDER, Sevilla, siglo
XVI: materiales para su historia económica, Sevilla, Centro de Estudios Andaluces, 2008; Francisco NÚÑEZ
ROLDÁN, Madrid, La vida cotidiana en la Sevilla del Siglo de Oro, Sevilla, Silex Ediciones, 2004; Renata de
ARAÚJO, Lisboa a Cidade e o Espectáculo na Época dos Descobrimentos, Lisboa, Livros Horizonte, 1990.
16
Memórias, fl. 183v.
382 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
17
O mais importante no livro de viagens medieval, aquilo que cria a sua verdadeira ordem narrativa,
é o espaço, não o tempo. Intimamente associada ao itinerário, a ordem espacial materializa-se nos lugares
que se percorrem e se descrevem. Paulo Catarino LOPES, “Os livros de viagens medievais”, Medievalista
(on-line), Instituto de Estudos Medievais (IEM), ano 2, número 2, 2006.
18
Paul ZUMTHOR, La Medida Del Mundo - Representatión del espacio en la Edad Media, Madrid,
Cátedra, 1994, pp. 115-123.
19
Sobressai aqui o peso de toda uma herança medieval do imaginário cristão.
20
LOPES (2016).
PEREGRINAR EM ROMA NA TRANSIÇÃO DO MUNDO MEDIEVAL PARA A PRIMEIRA [...] 383
21
Memórias, fl. 174r e fl. 174v.
22
Memórias, fl. 191v a fl. 193r.
23
LOPES (2016). Veja-se igualmente Sylvie DESWARTE-ROSA, “Uno sguardo venuto da lontano:
tra Roma Antica e Roma Cristiana”, in Marcello Fagiolo (dir.), Roma e l’Antico nell’arte e nella cultura del
Cinquecento, Roma, Istituto della Enciclopedia Italiana, 1985, pp. 489-508.
24
Que aqui assumem um carácter quase corográfico.
25
Nascido Giuliano della Rovere, este frade franciscano sobrinho do papa Sisto IV (1414-1484, pon-
tífice desde 1471) foi nomeado cardeal em 1471, pouco depois de o seu tio ascender ao pontificado. Ficou
conhecido como “o Papa guerreiro” ou “o Papa terrível”.
26
Memórias, fl. 169r.
27
Memórias, fl. 139v.
384 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
28
Pierre BOURDIEU, “Les rites comme actes d’institution”, Actes de la Recherche en Sciences
Sociales, n° 43, juin 1982, pp. 58-63.
29
Diana WEBB, Pilgrims and Pilgrimage in the Medieval West, New York, I. B. Tauris, 1999; Larissa
Juliet TAYLOR (ed.), Encyclopedia of Medieval Pilgrimage, Leiden, Brill, 2009, passim.
30
Douglas Mota Xavier de LIMA, “Uma peregrinação-diplomática rumo ao reino do PRESTE JOÃO:
o infante português no Libro del Infante D. Pedro de Portugal”, Plêthos, Vol. 1, 2011, pp. 4-20.
31
Veja-se Pierre BOURDIEU, “Sur le pouvoir symbolique”, Annales. Économies, Sociétés, Civilisations,
n°3 ; vol.32, 1977, pp. 405-411.
PEREGRINAR EM ROMA NA TRANSIÇÃO DO MUNDO MEDIEVAL PARA A PRIMEIRA [...] 385
35
José Ángel GARCÍA de CORTÁZAR, “El hombre medieval como homo viator: peregrinos y viaje-
ros”, in IV Semana de Estudios Medievales, Nájera, 2 al 6 de agosto de 1993, Logroño, IER, 1994, pp. 11-30.
36
Sobre as motivações para a peregrinação veja-se Jean CHÉLINI et Henry BRANTHOMME, Les
Chemins de Dieu: Histoire des pèlerinages chrétiens des origines à nos jours, Paris, Hachette, 1982.
37
Memórias, fl. 139v.
38
Um influente movimento religioso nascido no seio da Igreja Católica, no final do século XIV. Numa
época em que parte importante do clero católico apresentava-se enriquecido, privilegiado e protagonista de
hábitos dissolutos, este movimento enfatizava a meditação e a vida interior. Gerhard Groote (1340-1384),
pai do movimento, fundou os Irmãos e Irmãs da Vida Comum (c. 1370), uma comunidade que se tornou o
principal expoente da devotio moderna. A obra De imitatione Christi [Imitação de Cristo], tradicionalmente
atribuída a Thomas Kempis (c. 1379-1471), ele próprio membro dos Irmãos da Vida Comum, constitui a ex-
pressão clássica do espírito do movimento pietista, que rapidamente alastrou dos Países Baixos, de onde era
originário, à Alemanha, norte da França e inclusive a Espanha e Itália. Ao privilegiar uma espiritualidade
mais verdadeira e intimista, assente nas bases essenciais do evangelho, tal como fora fundado e divulgado
por Cristo e pelos Apóstolos, o movimento atribuía uma importância reduzida aos rituais externos, de
pendor institucional, e aos ensinamentos religiosos especulativos que marcavam a sua época. Na essência,
a devotio moderna reclamava uma vida de pobreza, castidade, devoção e obediência. Era o apelo às origens
e ao regresso ao cristianismo primitivo, valorizando a comunhão como forma de reforçar a fé. Por outro
lado, fundava-se no princípio de que todo o clero deveria ser bem instruído e que o povo deveria ter acesso
ao saber para que tivesse condições de ler e decidir por si mesmo acerca dos textos sagrados – antecipando
a este nível em mais de um século a mensagem de Martinho Lutero, até porque Groote traduziu diversas
passagens da Bíblia, bem como alguns hinos para o vernáculo. Outra das consequências mais marcantes
do movimento residiu no facto de propor um modelo de vida religiosa que colocava sacerdotes e leigos no
PEREGRINAR EM ROMA NA TRANSIÇÃO DO MUNDO MEDIEVAL PARA A PRIMEIRA [...] 387
mesmo nível, sem distinções hierárquicas. A sua mensagem destinava-se à generalidade dos crentes, sem
excepção, mas dirigia-se principalmente a todos aqueles que desejavam sinceramente transformar e santifi-
car o seu quotidiano. De alguma forma, é legítimo afirmar que a devotio moderna teve como resultado fazer
com que os crentes, num processo de interiorização profunda, fossem pela primeira vez em muito tempo
confrontados com o que significava realmente ser cristão. Tratou-se, portanto, de uma cristianização “quase
primária”, conduzindo à redescoberta de todo um conjunto de princípios nas suas implicações para a con-
duta e a consciência individual. De sublinhar, enquanto inspiração e referência espiritual, a contribuição
para o movimento da obra Vita Christi (c. 1348-1368) redigida por um monge da Ordem Cartusiana, de
nome Ludolfo da Saxónia (c. 1295-1377).
39
De realçar que nos decénios seguintes, nomeadamente graças a Lutero que elevava o valor santo do
trabalho face à “inutilidade” e desregramento do movimento peregrinativo ao mesmo tempo que destacava
que o caminho espiritual do cristão não passava pela necessidade de calcorrear rotas e itinerários para
aceder à salvação, a ambiência hostil para com a prática peregrinatória vinda Norte aumentou. AUGUSTO
(1999), 83-125.
40
João de Faria foi o primeiro embaixador residente português na cúria papal. Nomeado por
D. Manuel, ocupou o cargo entre Fevereiro de 1512 e Novembro de 1514, data em que foi sucedido por
D. Miguel da Silva (1486-1556). LOPES (2016). De realçar que, embaixador permanente em Roma entre 1514
e 1525, D. Miguel da Silva foi um dos diplomatas e intelectuais portugueses mais eminentes do século XVI.
Foi bispo de Viseu, em 1526, e cardeal da Igreja Católica Romana, em 1539. Vejam-se Sylvie DESWARTE-
-ROSA, Il Perfetto Cortegiano D. Miguel da Silva, Roma, Bulzoni, 1989; idem, La Rome de D. Miguel da
Silva (1515-1525), in O Humanismo Português 1500-1600, Lisboa, Academia das Ciências, 1988, pp. 177-307;
idem, Un Nouvel Age d’Or: la Glorie des Portugais . Rome Sous Jules II et Léon X, in Congresso Internacional
Humanismo Português na Época dos Descobrimentos, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, 1993, pp. 125-152.
388 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
pontífice desde 1294) que em 1300, recuperando uma antiga tradição judaica,
anuiu um jubileu, ou seja, um ano declarado santo pela Igreja católica, durante o
qual foram concedidas graças espirituais especiais, em particular uma indulgên-
cia plenária para todos os que visitassem durante quinze dias as basílicas de São
Pedro e São Paulo.
Em 1423, ou seja, 123 anos mais tarde, o papa Martinho V (1369-1431,
pontífice desde de 141745), tem outra acção decisiva em todo este processo ao
reduzir para trinta anos46 o intervalo que era de um século entre anos jubileus. O
estabelecimento normal desta prática conduziu, inevitavelmente, ao incremento
da peregrinação à Cidade Eterna, como aliás o Fidalgo demonstra de forma por-
menorizada no seu testemunho.
Em todo este quadro, um elemento existe que é nuclear em termos do
imaginário colectivo, quer dos romanos quer de quem visita a cidade, muito em
particular os peregrinos: as estações quaresmais. Um elemento tão central que o
Fidalgo, pela extensão, critério e grau de pormenor que lhe empresta, faz dele um
genuíno “livro dentro do livro”: “Das JgreJas onde estão as estações que são da co-
resma. E per todo o ano. E dos perdões E Reliquias dellas.”47 Para a sua elaboração
o autor confessa ter feito recurso de fontes documentais:
“E posto que sempre procurei de ver E saber todalas cousas notauees pera
o que, o que [sic]48 per mjm nam alcançei me aJudei de alguns tratados
Jmpressos das JgreJas e Reliquias de Roma que escreueram pessoas deuotas.
o papa sam siluestre escreueo em sua canonica que avia em Roma mil E
quinhentas E çinquo JgreJas das quaes a maior parte // hee destrohida. antre
estas são sete prinçipaes de priuilegios graças, santidades E dinidades priui-
legiadas. a primeira hee a sobredita JgreJa de são João de latrão.”49
indica, nestas passagens textuais são assinaladas as relíquias veneradas nas igrejas
evocadas, bem como as indulgências de que podem beneficiar aqueles que as visitam:
“nas mais delas [as igrejas] estão as Reliquias postas sobre o altar em cofres ou caxas
de vidro guarneçidas de prata com escritos que declaram de que membro E santo
hee cada Reliquia. saluo os corpos santos que tem suas ordenadas sepulturas.”51
Não raras vezes, o Fidalgo refere as figuras históricas e, sobretudo, hagiográ-
ficas envolvidas no processo de formação de tais templos, acabando mesmo por
narrar as lendas que estão na base do seu prestígio religioso e da espiritualidade
de que são sinónimo. São João de Latrão e São Pedro são os casos paradigmáticos
e cimeiros, mas diversos outros existem – em relação ao primeiro, chega mesmo a
incluir uma cópia da célebre e controversa Doação de Constantino52. O autor não
deixa também de indicar, na maioria dos casos, a região de Roma onde as ditas
igrejas se encontram (por exemplo, em que monte ou campo, e se estão ou não
fora de muros).
Por tudo isto, no conjunto das Memórias, a descrição das estações qua-
resmais apresenta uma importância superlativa. Além de revelar a profunda
espiritualidade do autor, bem como a sua qualidade de peregrino, este, repetimos,
“livro dentro do livro”, inscreve-se claramente na referida tipologia de guias de
peregrinação que a partir do século XII veio revolucionar a forma de divulgar e
apoiar o fenómeno peregrinatório a Roma: a Mirabilia Urbis Romae53 . De facto,
ao descrever as estações, as relíquias e as indulgências envolvidas, bem como as
histórias, milagres e lendas associadas às mesmas, sugere tal itinerário com um
certo carácter de obrigatoriedade para todos aqueles que visitam a Cidade Santa
devido ao valor histórico dos edifícios em questão – ou seja, não são apenas os
peregrinos os destinatários de tal percurso, mas sim todos os visitantes da urbe.
No testemunho do Fidalgo, quer a forma de apresentação das estações, quer
o próprio contexto em que tal itinerário surge na narrativa, coloca-nos perante
um guia de peregrinação que convida à descoberta e ao encontro com um patri-
mónio desconhecido que desperta a curiosidade dos sentidos e do intelecto. Tudo
51
Memórias, fl. 185v e fl. 186r.
52
Memórias, fl. 187r a fl. 188r. De autor desconhecido, a Doação de Constantino (Constitutum
Donatio Constantini ou Constitutum domini Constantini imperatoris) consiste num documento falsificado
apresentado em meados do século VIII como se de um genuíno édito imperial romano se tratasse. Segundo
tal documento, o imperador romano Constantino (306-337) teria doado ao papa Silvestre I (285-335; eleito
papa em 314), ou seja, à Igreja, bens patrimoniais do império, assim como a autoridade sobre as diversas
comunidades cristãs do Oriente. A intenção de tal logro documental visava naturalmente fortalecer o poder
papal num período em que o cristianismo ocidental vivia uma crise profunda devido à crescente autoridade
dos príncipes seculares sobre as igrejas sitas nos seus territórios de influência temporal. Foi o grande filólo-
go e humanista do Quattrocento, Lorenzo Valla (1407-1457) quem comprovou a falsidade desse documento
“fundador”, facto que provocou escândalo na época.
53
Aníbal Pinto de Castro salienta mesmo que o Fidalgo “segue ipsis verbis as Mirabilia Urbis Romae,
como, aliás, honestamente confessa”. CASTRO (1991), 11.
PEREGRINAR EM ROMA NA TRANSIÇÃO DO MUNDO MEDIEVAL PARA A PRIMEIRA [...] 391
isto reforçado pelos diversos apontamentos artísticos que realiza, que remetem
não apenas para o religioso mas também para o universo cultural e civilizacio-
nal. Neste sentido, o Fidalgo veicula uma imagem de Roma como espaço por
excelência para a viagem de conhecimento – como, aliás, a própria Itália a nível
artístico e cultural –, ou seja, a “viagem iniciática” cuja concretização desvenda
os enigmas do mundo54. Nesta medida, ir a Roma significava muito mais do que
a mera deslocação objectiva a um espaço diferente. Na essência, trata-se de uma
peregrinação a um lugar civilizacional nuclear, pois é o contacto que ele permite
com o diferente – do mesmo continente ou de outro – que consolida a definição
da própria identidade enquanto cristão55.
Na descrição que faz das estações, bem como das características e atributos
distintivos de cada uma, o autor faz escolhas. Ou seja, a importância e o grau
de exposição não é igual para todas. Longe disso. Algumas, como “são João de
latrão”, “são pero (em vaticano)” e “sancta maria a maior” merecem um destaque e
uma projecção incomparáveis. Daí apresentar narrações tão extensas quanto ricas,
em particular no que diz respeito à história e ao património espiritual e artístico
destes templos. Quando evoca as suas relíquias, o Fidalgo efectua por vezes um
exercício de crítica de arte, pois descrimina e adjectiva as peças e os ornamentos
que encontra. Um bom exemplo surge na igreja de “são pero (em vaticano)”56,
aquando da evocação da 11ª estação quaresmal:
“Jtem na dita JgreJa hee hum altar A parte direita do coro ornado de perfido no
qual foram apartados os ossos dos santos apostolos pedro E paulo, E passados
pollo beato siluestre no ano do senhor de trezentos E noue quando esta JgreJa
foi feita. Jtem A parte sestra do coro hee hum tabernaculo no qual ataa o dia
doge se guarda aquella sedia ou catadra, a qual foi feita a são pedro quando em
antiochia tinha a cadeira episcopal. E cada ano o dia da catadra de são pero
54
Acerca da questão da viagem iniciática veja-se Aires A. NASCIMENTO (ed.), Navegação de S. Brandão
nas fontes portuguesas medievais, Lisboa, Edições Colibri, 1998; Idem, “Viator e peregrinus: correlação e comple-
mentaridade”, in Ler Contra o Tempo. Condições dos textos na cultura portuguesa (recolha de estudos em Hora de
Vésperas), vol. II, CEC/FLUL, Lisboa, 2012, pp. 1017-1048; DOLORES CORBELLA, “El viaje de San Brandán:
una aventura de iniciación”, Filología Románica, 8, Madrid, Editorial Complutense, 1991, pp. 133-147; EUGENIA
POPEANGA, “El viaje iniciático. Las peregrinaciones, itinerarios, guías y relatos”, Filología Románica, Anejo
I, Madrid, Ed. Universidad Complutense, 1991; Jean DELUMEAU, Uma História do Paraíso – O Jardim das
Delícias, Lisboa, Terramar, 1994; Jean RICHARD, Les récits de voyages et de pèlerinages, Turnhout, Brepols,
1981; GARCÍA DE CORTÁZAR (1994); José MATTOSO, Poderes Invisíveis. O imaginário medieval, Lisboa,
Temas e Debates, 2012; Mário MARTINS, “Viagens ao Paraíso terrenal”, Brotéria, 5, 1949, pp. 529-544; Idem,
Peregrinações e Livros de Milagres da Nossa Idade Média, Lisboa, Brotéria, 1957; Mohammad Ali AMIR-
MOEZZI (ed.), Le Voyage initiatique en terre d’Islam, Louvain, Peeters, 1996; ZUMTHOR (1994), 178-193.
55
Luís Filipe BARRETO, “Introdução à Chorografia de Gaspar Barreiros”, Clio, nº 5, Lisboa, 1986,
pp. 55-67; Albrecht CLASSEN (ed.), Travel, Time, and Space in the Middle Ages and Early Modern Time.
Explorations of World Perceptions and Processes of Identity Formation, De Gruyter, 2018, passim.
56
Memórias, fl. 189v a fl. 193r.
392 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
ha põe fora no coro com solemnidade por tal que todolos homens por sua
deuação a possam tocar. Jtem em torno do altar maior estão doze colunas
fermosas de marmor, antre as quaes haa huma çerquada de huma Reixa de ferro
de milagrossa virtude como testifica o escrito que se açerca della lee, scilicet,
esta hee aquella coluna na qual nosso senhor Jesu christo se encostou quando
preguaua ao pouo, E quando no templo fazia oração a deus padre a qual com as
outras onze çircunstantes do templo de salamão no triunfo foi trazida E nesta
basílica foi colocada. esta lança os demonios, E aquelles que são dos Jmmundos
spritos molestados faz liures. muitos milagres faz cada dia. Jtem no caminho
que vai pera a capella de nossa senhora das febres estaa a sepultura de são
João crisostomo a qual antes era çercada de ferro, E aguora hee hum altar
de marmor com sua Jmagem. o emperador constantino fez esta santissima
JgreJa no monte vaticano como hee dito, onde era o templo de apoline, a qual
ornou de Ricos ornamentos, çecando (sic)57os gloriosos corpos de aRame de
çinco pees de grossura. E pos sobre elles huma cruz douro que pezaua çento
E çincoenta liuras. E elle tirou As costas dos aliçesses doze seiras de terra.”58
57
Leia-se cercando
58
Memórias, fl. 190r e fl. 190v.
59
EUGENIO ASENSIO, “Memórias de um fidalgo de Chaves (1510-1517), descripción de la Roma de
Julio II y Léon X”, Memórias da Academia das Ciências, Classe Letras, tomo XIII, Academia das Ciências,
Lisboa, 1970, pp. 7-28.
60
Christoph FROMMEL, Architettura alla corte papale nel Rinascimento, Milano, Electa, 2003.
PEREGRINAR EM ROMA NA TRANSIÇÃO DO MUNDO MEDIEVAL PARA A PRIMEIRA [...] 393
“A terça feira hee estação na JgreJa de são çiriaco. E são dez mil anos de
Jndulgençia. esta JgreJa hee destrohida E detras das termas diocleçianas. al-
guns querem dizer que o papa quarto transferio esta estação E Jndulgençias
aa JgreJa de são quiriçio que hee Junto da torre dos condes, no qual são
quiriçio haa sobre a porta çertos versos que dão testimunho como do papa
sixto foi Jnstaurada. debaixo do altar maior haa muitas Reliquias de muitos
martires como apareçe por huma tauoa escrita Junto do altar moor.”62
61
Memórias, fl. 190v a fl. 191r.
62
Memórias, fl. 197v.
394 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
Sem nenhum padrão previamente estabelecido, antes com diversas variantes, este
é, de facto, o seu modelo de abordagem às estações; podemos mesmo afirmar que
trata-se da sua metodologia de composição narrativa neste campo temático.
É legítimo sustentar que esta passagem das Memórias constitui apenas mais
uma longa lista das estações romanas, um mero topoi ao nível dos guias de pere-
grinação. Mas a verdade é que os topoi são-no por alguma razão, precisamente
porque têm de facto uma importância central. Daí serem temas recorrentes.
É isso mesmo que o texto do agente-peregrino ao serviço do duque de Bragança dá
a ver: a centralidade de Roma na Europa também pelos seus edifícios religiosos e
respectivas relíquias e indulgências. Por outras palavras, a centralidade da Cidade
Santa pela importância nuclear que assume no imaginário colectivo cristão, em
particular enquanto destino por excelência de peregrinação.
5. Notas finais
Portugal na viragem do século XV para o século XVI liga-se a Roma pela política
e pela diplomacia, mas também pela peregrinação, isto é, pelo mais puro ideal de
vida cristão.
A representação do Fidalgo nas Memórias pauta-se por dois modelos bem en-
quadrados na cultura ocidental coeva: o peregrino e o agente político-diplomático
em missão. A alusão à segunda categoria está presente no relato desde o prólogo
até ao final. É intrínseca ao mesmo (afinal, estamos perante um texto de poder
sobre o poder63). Já a primeira categoria surge em diversos momentos fortemente
carregados por um indisfarçável espírito devocional, em particular aquando da
descrição das estações quaresmais.
O autor aqui em debate apresenta-se, efectivamente, como um peregrinus,
apesar de não ser essa a principal motivação da sua deslocação à capital da
Cristandade. Na verdade ele reúne as duas componentes, sendo legítimo concebê-
-lo como um agente-peregrino. Não um peregrino no sentido que predominou na
Alta Idade Média, do despojamento total e do absoluto abandono de tudo para
seguir as estradas que conduziam aos santuários (o equivalente aos “profissionais”
da peregrinação que marcaram esta época, cuja existência consistia em passar de
um itinerário peregrinatório a outro, numa sucessão de percursos)64. Mas antes
um peregrino no sentido profundamente humano de um viajante que, num inten-
63
LOPES (2013), passim.
64
Christiane DELUZ, “Partir c’est mourir un peu. Voyage et déracinement dans la société medieval”,
in Voyages et voyageurs au Moyen Age – XXVIe Congrès de la SHMES Limoges-Aubazine, mai 1995, Paris,
Société des Historiens Médiévistes de l’Enseignement Supérieur Public, Publications de la Sorbonne, 1996,
pp. 291-303.
PEREGRINAR EM ROMA NA TRANSIÇÃO DO MUNDO MEDIEVAL PARA A PRIMEIRA [...] 395
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de Compostela, Edições Távola Redonda, Lisboa, 1992, passim.
66
MARTINS (1957), 7-40.
396 PORTUGAL E A EUROPA NOS SÉCULOS XV E XVI. OLHAR ES, R ELAÇÕES, IDENTIDADE(S)
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