A Reforma Protestante e o Advento Do Pentecostalismo
A Reforma Protestante e o Advento Do Pentecostalismo
A Reforma Protestante e o Advento Do Pentecostalismo
1. INTRODUÇÃO
A Reforma Protestante se prepara para completar 500 anos e não há como negar sua
influência na história da religiosidade mundial. Qualquer livro de história que aborde
o período da Idade Média, tem, obrigatoriamente, a necessidade de discorrer sobre o
fato histórico que foi um dos principais marcos dessa época.
Neste trabalho, pretendemos expor uma sinopse dos principais antecedentes
históricos que culminaram na Reforma e no Advento do Pentecostalismo. Na mesma
ordem de relevância, também serão abordados os principais pontos doutrinários.
Embora, vários fatores tenham contribuído de forma significativa, os aspectos aqui
abordados dizem respeito única e exclusivamente as questões religiosas e teológicas.
2. O PAGANISMO NA IGREJA
Nos primórdios do cristianismo as igrejas eram independentes e administradas sob a
supervisão de um Bispo em cada região metropolitana. Os bispos eram perseguidos,
encarcerados, maltratados e agredidos. Aqueles que haviam sido torturados,
ostentavam grandes cicatrizes. Alguns estavam caolhos, aleijados e doentes. Apesar
disso, não negaram a fé em Jesus e a Igreja prosperava a cada dia. Para ser cristão,
nesse período, era necessário uma experiência pessoal e genuína com Cristo, do
contrário, não seria possível suportar a perseguição.
Ao perceber o avanço do cristianismo, o império aliou-se a “nova” religião. Em 313
d.C. o tetrarca ocidental Constantino I, o grande, e Licínio, o tetrarca Oriental,
promulgaram o Édito de Milão, também referenciado como: Édito da Tolerância,
declarando liberdade de culto aos cristãos e dando fim a perseguição religiosa.
Tempos depois, em 324 d.C, Licínio é assassinado e Constantino I passa a ser o único
Imperador. Para manter a Igreja sobre controle, o Imperador “converte-se” ao
Cristianismo. No final de maio de 325 d.C, ele convoca um concílio ecumênico em
Nicéia, e, ao total, reuniram-se trezentos e dezoito bispos. O concílio durou dois
meses e declarou o bispo de Alexandria como, "patriarca" dos bispos das regiões da
Àfrica do Norte e arredores e o bispo de Roma, o legítimo líder emérito dos bispos do
Ocidente1.
A partir desta data, para ocupar o Bispado precisava-se do aval do Imperador. E,
agora que a perseguição tinha cessado, para ser cristão não era mais obrigatório a
experiência pessoal e a conversão genuína.
O golpe total sobre a Igreja veio em 380/381 d.C. quando o Imperador Teodósio
promulga o Édito de Tessalônica declarando o cristianismo religião oficial do Império,
trazendo para dentro da Igreja multidões de pessoas não convertidas que, para se
tornarem ‘agradáveis’ ao Imperador, faziam-se cristãos nominais, sem
experimentarem a genuína conversão, introduzindo na igreja heresias e práticas do
paganismo reinante.
Dentre as heresias pode-se destacar no ano 400 d.C, o culto à Virgem e aos santos, o
fato de Maria passar a ser chamada Theotokos - mãe de Deus2, a invenção da oração
aos mortos e do sinal da cruz. Em 440 d.C, Leão Magno (Leão I) - Bispo de Roma,
declara que o episcopado romano é a autoridade suprema da Igreja no mundo3. Um
“constrangimento” que o catolicismo mantém a “sete chaves” são os onze anos de
pontificado da papisa Joana que teve início em 741 d.C.
_______________________
1OLSON. Roger . História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001. p. 156.
2RUBENSTEIN, Richard E. Quando Jesus se tornou Deus. Rio de Janeiro: Fisus, 2001.
p. 275.
3WOODROW, Ralph. Babilônia: a Religião dos Mistérios. Cap. 2, p. 18 e 19.
________________
9WALKER, Williston. História da Igreja Cristã – Volume 1. São Paulo: ASTE, 1987. p.
376, 377.
10Bíblia World Net (2002) http://www.uol.com.br/bibliaworld/igreja/estudos/
inqu001.htm
11OLSON. Roger . História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001. p. 367.
12Ibid. p. 379.
13Ibid. p. 373.
14Ibid. p. 372.
________________
15WOODROW, Ralph. Babilônia: a Religião dos Mistérios. Cap. 12, p. 101-102.
16HUGHES, Philip. História da Igreja Católica. São Paulo: Dominus Editora S.A, 1962.
17http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2005/09/13/000.htm
18WOODROW, Ralph. Babilônia: a Religião dos Mistérios. Cap. 9, p. 70-71
5. A REFORMA PROTESTANTE
Foi o desvario explícito de Tetzel que fez com que o desconhecido monge, Martinho
Lutero, doutor em teologia por Leipzig desde outubro de 1512, se insurgisse vindo a
publicar, no dia 31 de outubro de 1517, suas famosas 95 teses na porta da igreja do
castelo de Wittemberg denunciando a venda das indulgências como uma atividade
ilegal e imoral.
Lutero nasceu em 10 de novembro de 1483, em Eisleben, na Alemanha. Morreu na
mesma cidade durante uma viagem em 18 de fevereiro de 1546 aos 62 anos de idade.
O pai de Lutero queria que ele fosse advogado, por isso ele entrou para a
Universidade de Erfurt. Lutero quase morreu atingido por um raio. O raio derrubou-o
no chão e ele cheio de medo clamou à sua Padroeira: “Santa Ana, ajude-me e me
tornarei monge”. Foi então que vendeu os livros de Direito e bateu a porta do
mosteiro agostiniano em Erfurt19.
Após um período no Mosteiro foi autorizado a estudar Filosofia, Teologia e Bíblia na
Universidade de Erfurt. Em 1511 visitou Roma e lá encontrou obscenidades,
imoralidades, blasfêmia, fraqueza e apatia espiritual. Retornou à Alemanha
decepcionado e aflito disposto a encontrar uma saída para a letargia espiritual e
teológica da Igreja. Nesse período Lutero experimentou diversas crises espirituais até
que descobriu a verdade em Romanos 1.17: “Mas o justo viverá da fé.”
Em 31 outubro de 1517, as suas famosas 95 teses condenando o uso das indulgências,
desencadearam uma resposta imediata do papa Leão X, a bula papal “Exsurge
Domine” ameaçava Lutero de excomunhão. Mas já era tarde, pois as teses de Lutero
já haviam sido distribuídas por toda a Alemanha. Lutero foi excomungado pelo papa
em 1520 e chamado a comparecer a dieta de Worms (1521) para se retratar. Porém
respondeu ele que não poderia se retratar de nada do que disse.
Em setembro de 1522 Lutero publicou o Novo Testamento na língua alemã[...] em
menos de 10 anos nada menos de 53 edições se tinham publicado só na Alemanha.
Então foi adicionado também o Velho Testamento. O povo alemão possuia agora uma
Bíblia completa na sua própria língua, e isso contribuiu ainda mais para a
consolidação e propagação das doutrinas reformadas20.
Foi na dieta de Spira, em 1529, que os cristãos reformistas foram apelidados pela
primeira vez de “protestantes”, devido ao protesto que os príncipes alemães fizeram
ante o autoritarismo do catolicismo. Nessa época, os ideais da reforma já estavam
estourando em diversas partes como em Zurique - sob o comando de Zuinglio, na
França - sob a liderança de Calvino e, mais tarde na Escócia - sob o ímpeto de João
Knox.
Em todos esses países houve perseguição aos reformadores e aos novos protestantes.
A perseguição veio se intensificar ainda mais com a chamada “Contra Reforma”,
promovida pelo catolicismo - como método de represália. O movimento de reforma
foi seguido de cem anos de guerras religiosas dos reis católicos contra os
protestantes. Na Alemanha no início da Reforma aconteceu a Revolta dos
Camponeses que teve um saldo de 100 mil mortos21. Outro episódio aconteceu na
França e ficou conhecido como o massacre da noite de São Bartolomeu. As matanças
começaram a 24 de Agosto de 1572 e duraram vários meses, vitimando entre 70.000
e 100.000 protestantes franceses (chamados huguenotes). O Papa Gregório XIII ficou
muito feliz e os sinos de Roma ressoaram para um dia de graças, foi cunhada uma
medalha comemorativa em honra da ocasião e o papa encarregou o artista Giorgio
Vasari da pintura de um mural22.
Mas, a reforma prosperou e Igrejas protestantes foram fundadas em todas as partes
do mundo. Hoje, graças a Deus, uma grande parcela da população Ocidental é
protestante, e o Brasil caminha a passos largos para ser conquistado totalmente pelo
protestantismo23.
________________
19OLSON. Roger . História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001. p. 385-
388.
20KNIGHT, A.; ANGLIN, W. História do Cristianismo. Teresópolis: Casa Editora
Evangélica, 1955. p. 239.
21Apostila de História Sigma. Londrina, 2000. Teoria 2, p. 296.
22http://artigos.tiosam.com
23http://www.iacp.org.br/estudos/artigo.aspx
6. O ADVENTO DO PENTECOSTALISMO
Pentecostalismo é como se chama a doutrina originária no seio do protestantismo,
que se baseia na crença do revestimento de poder na vida do crente após o Batismo
do Espírito Santo, por meio da manifestação dos Dons Espirituais, começando com o
dom de línguas (glossolalia)24.
O principal avivamento teve início em 1901, no Colégio Bíblico Betel, em Topeka, e
era conduzido por Charles Fox Parham, mas teve seu apogeu inicial através de um de
seus principais discípulos, um pastor negro e leigo, chamado William Joseph
Seymour, na Rua Azusa, Los Angeles, em 1906.
Neste contexto, em 1909, o Pastor Gunnar Adolf Vingren (de nacionalidade sueca) foi
batizado no Espírito Santo, na cidade de Chicago. O Pastor Gunnar Vingren havia
obtido o título de Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Sueco, em
Chicago, no ano de 1904. Tempos depois, tendo sido consagrado Pastor, presidiu a
Igreja Batista em Menominee, Michigan. Mais tarde, mudou-se para presidir a Igreja
Batista de South Bend, lá permanecendo até Outubro de 1910.
Neste período, ainda em 1909, por ocasião de uma conferência em Chicago, um
obreiro leigo chamado Daniel Berg (também de nacionalidade sueca) após ser
batizado no Espírito Santo encontrou-se com o pastor Gunnar Vingren. Os dois
conversaram e se tornaram grandes amigos. Depois, Daniel Berg foi residir em South
Bend, onde começaram a estudar as Escrituras e a orar juntos.
O Pastor Vingren era candidato ao campo missionário de sua denominação na China,
mas, após o batismo no Espírito Santo, sentiu não ser esta a vontade de Deus. Como a
chama missionária ardia em seu coração e de seu amigo Daniel Berg, começaram a
orar e pedir uma direção para Deus.
Assim, por meio de uma profecia na casa do irmão Adolfo Uldim, Deus revelou que os
queria no Pará. Após a oração, já que ninguém sabia onde era o "Pará", foram a uma
livraria e consultando um Atlas, descobriram que Pará era um Estado do Norte do
Brasil e Belém, sua capital.
Após a revelação divina, em lances decisivos e até impossíveis para os homens, o
Senhor providenciou os meios para que chegassem ao Brasil. Desse modo, em 19 de
novembro de 1910, chegavam a Belém do Pará, os missionários, Daniel Berg e Gunnar
Vingren. Contavam então os missionários com 26 e 31 anos, respectivamente.
Quando desembarcaram em Belém, numa tarde ensolarada, ninguém os estava
esperando, não eram enviados por nenhuma missão. Eram encomendados pelo
Espírito Santo.
Caminharam pela então avenida 15 de Agosto, hoje Presidente Vargas, até a praça da
República e ali sentaram em um dos seus primeiros bancos aguardando orientação
divina. Ali fizeram também sua primeira refeição em solo brasileiro.
Naquela noite hospedaram-se em um modesto hotel. Em uma das mesas do hotel
encontraram um jornal que tinha o endereço do Pastor Metodista Justus Nelson. No
dia seguinte foram procurá-lo, ele os encaminhou até a Igreja Batista, situada na rua
João Balbi, 406, onde ficaram hospedados no porão do prédio, por algum tempo.
Um tempo depois, Adriano Nobre, crente presbiteriano, que falava inglês e era primo
do responsável pela Igreja Batista (foi Adriano o primeiro professor de português de
Gunnar e Daniel), ao visitar Belém os convidou para passar algum tempo em Boca do
Ipixuna. Logo após, ao retornarem para Belém, já podiam falar português. Nada
havia faltado até aquele momento25.
As denominações evangélicas existentes na época ficaram bastante incomodadas com
a nova doutrina dos missionários, principalmente, por causa de alguns irmãos que
mostravam-se abertos ao ensino pentecostal e interessavam-se em receber o Batismo
no Espírito Santo.
________________
24http://pt.wikipedia.org/wiki/Pentecostalismo
25CONDE, Emílio. História das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD,
2003. p. 29-30.
________________
26CONDE, Emílio. História das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD,
2003. p. 30.
27Ibid. p. 32.
28BERG, Davi. Daniel Berg. Enviado por Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 1995. p. 101.
29História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro:
CPAD, 2004. p. 40.
A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não
depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de
Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é
a palavra de Deus (...). O Velho Testamento em Hebraico (...) e o Novo Testamento
em Grego (...), sendo inspirados imediatamente por Deus e pelo seu singular cuidado
e providência conservados puros em todos os séculos, são por isso autênticos e assim
em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como para um
supremo tribunal (...). O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas
têm de ser determinadas e por quem serão examinados todos os decretos de
concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e
opiniões particulares, o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode
ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura.(I, 2,4,8,10).
Martinho Lutero, em suas teses, proclamava que a Igreja Católica Romana de seu
tempo cometia uma injustiça para com a palavra de Deus quando, no mesmo sermão,
concedia tempo igual ou mais longo, às indulgências do que à palavra de Deus (tese
54) e que o verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da
graça de Deus (tese 62). Comparava o Evangelho como: "redes com que, desde a
antiguidade, se pescam homens de bem", enquanto que as indulgências eram "redes
com que agora se pescam os bens dos homens" (teses 65 e 66). Mas foi na Dieta de
Worms, em 1521, que demonstrou estar totalmente convencido de que as Escrituras
eram a sua única autoridade reconhecida. Quando perguntado se estava disposto a se
retratar das afirmações que fizera, negando autoridade a certas decisões de alguns
concílios, sua resposta foi:
“É impossível retratação, a não ser que me provem que estou laborando em erro,
pelo testemunho das Escrituras ou por uma razão evidente (...). Minha consciência
está alicerçada na Palavra de Deus, e não é seguro nem honesto agir-se contra a
consciência de alguém. Assim [sic] Deus me ajude. Amém.”31
___________
30WESTMINSTER, O Catecismo Maior. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.
31CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 2003. p.
237
Tanto a autoridade única como, também, a suficiência das Escrituras têm sido
doutrinas preciosas para as igrejas reformadas. Só a Escritura e toda a Escritura. Não
precisamos de outra fonte para saber o que devemos crer e como devemos agir. Hoje
há, uma tendência, por parte de alguns grupos evangélicos, para se colocar a
experiência humana e supostas revelações do Espírito no mesmo nível de autoridade
das Escrituras. Na prática, às vezes essas experiências acabam se tornando mais
desejadas e tidas como mais valiosas do que o próprio ensino das Escrituras. Tomam,
hoje, o lugar que, no passado, tomava a tradição na Igreja Católica. É preciso que
voltemos ao princípio da Sola Scriptura, se quisermos ser, realmente, reformados em
nossas convicções e práticas. A Escritura, e não a nossa experiência subjetiva, deve
ser o nosso critério de verdade. Nossa pregação não deve visar o que agrada aos
homens, mas, o que agrada a Deus.
Já dizia Lutero que: “os tesouros das indulgências eram muito mais populares dos
que os tesouros do Evangelho” (teses 63 e 64), e isso, certamente, porque faziam as
pessoas se sentirem bem, aliviadas do sentimento de culpa, pela promessa, ainda
que falsa, de perdão de pecados. Só a pregação da Lei associada ao Evangelho pode
realmente trazer o homem ao arrependimento e ao perdão divino. As Escrituras são a
espada do Espírito. É por elas, e não independente delas, que o Espírito age. Nossas
experiências espirituais só têm valor se forem produzidas pela persuasão da Palavra.
_________________
32SAUSSURE, A de. Lutero. São Paulo: Editora Vida, 2001.
Uma outra conseqüência do princípio do Solus Christus foi a doutrina que ficou
conhecida como a do "Sacerdócio Universal dos Crentes". Não necessitamos de outro
sacerdote ou mediador entre nós e Deus que não seja o Senhor Jesus Cristo. Cada um
pode chegar-se a Ele diretamente, sem intermediários humanos.
Como diz o autor aos Hebreus: "Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande
sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque
não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes,
foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado.
Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de
recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna" (Hb
4:14-16). A Reforma trouxe à Igreja o Evangelho simples dos apóstolos, centrado na
suficiência e exclusividade da obra de Cristo para a salvação. A velha confissão de
Paulo foi de novo a confissão dos reformadores: "Porque decidi nada saber entre vós,
senão a Jesus Cristo e este crucificado" (1Co 2:2).
Para que Deus pudesse punir o pecador, mas ao mesmo tempo declará-lo justo (que é
o significado bíblico de justificar), foi preciso que alguém, sem culpa e com méritos
divinos, assumisse o seu lugar. Foi o que o próprio Deus fez através de Cristo.
Assumiu a culpa do pecador eleito e morreu em seu lugar, satisfazendo, assim, a
justiça de Deus, ofendida pela pecado. Nada menos do que isso foi suficiente para
justificar o pecador. É o que se chama na teologia de "expiação". Desta forma, Paulo
pôde falar em Deus como "aquele que justifica o ímpio" (Rm 4.5) e da morte de Cristo
como a manifestação da sua justiça, para que ele pudesse ser justo e o justificador
daquele que tem fé em Jesus.
Diz Paulo: "sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção
que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação,
mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância,
deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a
manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o
justificador daquele que tem fé em Jesus" (Rm 3. 24-26).
Esta foi a doutrina central da Reforma. Lutero, de início, não podia compreender
como a "justiça de Deus se revela no evangelho" ("visto que a justiça de Deus se
revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé". Rm
1.17). Para ele, a justiça de Deus só poderia condenar o homem, não salvá-lo. Tal
justiça não seria "boas novas" (evangelho). Só quando compreendeu que a justiça de
que Paulo fala nesse texto não é o atributo pelo qual Deus retribui a cada um
conforme os seus méritos (o que implicaria em condenação para o homem), mas o
modo como Ele justifica o homem em Cristo, é que a luz raiou em seu coração e a
verdade aflorou em sua mente.
Lutero, tornou-se, então, um homem livre, confiante e certo do perdão dos seus
pecados. Compreendeu o evangelho. O Evangelho é a manifestação dessa justiça de
Deus, que é recebida somente pela fé. Não é produzida pelas obras, pois o homem
não as tem. ("Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em
razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado" (...) "concluímos, pois,
que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei" Rm
3.20,28).
Quão longe estava a Igreja dessa verdade simples do Evangelho quando ensinava que
o perdão podia ser comprado com dinheiro e a salvação adquirida com o mérito dos
santos. Tetzel, o vendedor das indulgências do Papa Leão X na Alemanha, dizia que
"ao som de cada moeda que cai neste cofre, uma alma se desprende do purgatório e
voa até o paraíso", refrão que seus ridicularizadores rimaram no que em português
equivaleria a "no que a moeda na caixa cai, uma alma do purgatório sai”
A ênfase na doutrina da justificação somente pela fé é tão oportuna e necessária na
igreja atual quanto nos dias de Lutero. São poucos os evangélicos hoje que ainda dão
ênfase ao aspecto objetivo da justificação unicamente pela fé. Experiências
subjetivas, avivamentos emocionais, respostas a apelos e outras práticas estão
tomando o lugar da pregação dos temas chaves da Reforma. Desta forma, a doutrina
da justificação, somente pela fé, está sendo negada hoje por muitos evangélicos que
buscam uma acomodação à cultura da modernidade.
Quando a Igreja se coloca na posição de julgar o que deve ou não aceitar da Bíblia, e
se arvora em sua intérprete infalível, está assumindo para si o lugar de Deus. Quando
ela prega e exalta líderes religiosos, catedrais e templos suntuosos, imagens e
objetos de fé, a igreja passa a usurpar de Deus a prerrogativa de sua glória exclusiva
(A minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de
escultura - Is 42.8b).
A Reforma impulsionou o movimento teocêntrico que teve enormes efeitos sobre a
igreja. A orientação da vida e do pensamento centrados em Deus começou no culto,
em que o enfoque era na ação de Deus em sua Palavra, em vez de estar em
deslumbrar e entreter as pessoas com pompa, aparato, misticismo, uso de sal grosso,
fogueira santa, uso de quipá, toque do chofar e outros modismos. Quando os crentes
estavam centrados em volta de Deus e sua obra salvífica em Cristo, seus cultos
ajustavam sua visão a outro grau: deixavam de servir como pessoas mundanas para
verem-se como pecadores redimidos, cuja vida só poderia ter um propósito: glorificar
a Deus e louvá-lo para sempre34.
Esta visão teocêntrica da Reforma encontra-se na Bíblia Sagrada. Depois de tratar das
doutrinas da salvação, Paulo declara: "Porque dele, e por meio dele, e para ele são
todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" (Rm 11.36) e, ao concluir
sua epístola aos Romanos, louva ao Senhor com estas palavras: “ao Deus único e
sábio seja dada glória, por meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém!
(16.27)”. A glória de Deus também foi o tema do cântico dos anjos ao redor do trono,
dos seres viventes e dos anciãos, e de todas as criaturas que João ouviu em suas
visões, os quais diziam: "Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e
riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor" (Ap 5.12) e ‘"Àquele que
está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio
pelos séculos dos séculos" (Ap 5.13).
Infelizmente, na igreja evangélica atual, embora se fale muito sobre a necessidade
de renovação e avivamento, percebe-se que a glória de Deus foi, em grande parte,
esquecida por esta mesma igreja. Por essa razão, não é muito provável que os
avivamentos genuínos aconteçam de novo enquanto a igreja não recuperar as
verdades que exaltam e glorificam a Deus na salvação. Como esperar que Deus se
mova entre o povo, enquanto esse povo não disser de novo, com verdade: "Só a Deus
seja a glória"?
O mundo não pode dizer isso. Ao contrário, está preocupado com sua própria glória.
Mesmo aquelas pessoas que dizem ser cristãs não podem dizê-lo, se o principal que
estão tentando fazer nos seus ministérios é edificar seus próprios reinos e tornarem-
se importantes no cenário religioso. A Reforma nos legou esses grandes temas, que
são doutrinas preciosas da Bíblia. Cabe aos cristãos de hoje, dizerem o quanto são,
ou não, dignos herdeiros dessa herança e continuadores dessa obra. O que uma igreja
crê, ensina e prega, representa sua resposta e seu compromisso com a genuína fé
cristã.
_________________
35HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática. Uma Perspectiva Pentecostal. Rio:
CPAD, 1997. p. 476.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os teólogos protestantes sempre enfatizaram que a fé envolve certo relacionamento
pessoal com Cristo, como parte da conversão (constituída por arrependimento e fé),
tudo como operação do Espírito Santo. No entanto, observamos na atualidade, uma
avalanche de “novos convertidos” invadindo certas igrejas evangélicas sem nenhuma
prova de conversão. Tais “novos convertidos” não possuem um relacionamento
pessoal com Cristo, não sabem o que significa arrependimento. É um povo que age
como se os padrões de santidade não fossem necessários.
Na realidade, tais pessoas, buscam apenas a “bênção” e não querem se comprometer
com o “Senhor da bênção”. Gastam seu tempo em formalidades e práticas religiosas
ensinadas por seus dirigentes. A busca dos tais é pela prosperidade e cura de
enfermidades. A fé de tais pessoas é supérflua pois a igreja que freqüentam
banalizou a fé, e seus líderes não se importam com isso, desde que os tais fiéis
deixem polpudas ofertas e dízimos em suas respectivas igrejas.
Infelizmente, a fé tem sido reduzida a crença em um conjunto de credos (tal como
no catolicismo romano), atitude essa que prevalece poderosamente no mundo
evangélico de muitas igrejas dos nossos dias. Os credos, muitas vezes, são estranhos
às doutrinas cristãs, são palavras de ordem, como: quebra de maldições, determinar
a bênção, teologia da prosperidade, cura interior, regressão até ao nascimento,
tomar banho de luz, portar objetos consagrados e outras atitudes e procedimentos
extra-bíblicos.
Diante destes fatos, entendemos que existe uma necessidade urgentíssima de
resgatarmos para o Brasil a fé genuinamente bíblica. Quando esta fé for resgatada,
então, todas as virtudes e valores cristãos deixarão de ser apenas teoria para
tornarem-se realidade prática na vida de todos os cristãos. Doutrinas como a
Salvação, Pecado, Batismo nas águas, Batismo no Espírito Santo, Dons Espirituais,
Santificação, Juízo Eterno, Vinda de Cristo e outros temas de relevada importância
ocuparão os espaços de nossos púlpitos, levando o povo de volta para a Palavra.
É verdade, que em meio a essa banalização toda, existem os remanescentes fiéis. Os
fiéis não se dobraram diante de doutrinas estranhas. Não abandonaram a prática da
fé verdadeira. Não se intimidaram com o crescimento assustador de igrejas sem
compromisso com a Palavra. Esses fiéis continuam bramindo a Espada do Espírito.
Continuam pregando contra o pecado e a corrupção do gênero humano. Continuam
anunciando a salvação por meio de arrependimento e fé em Cristo Jesus. Continuam
ensinando e praticando a santidade cristã. E são com estes fiéis que Deus conta nesta
última hora, para renovar e restaurar a sua igreja que se encontra bombardeada por
um sem número de doutrinas estranhas.
O protestantismo, não é meramente o protesto contra a corrupção eclesiástica e o
falso ensinamento católico do século XVI; é muito mais do que isso. Ser protestante:
é viver debaixo de um avivamento integral, é resgatar os valores indispensáveis da fé
bíblica através da Palavra, é proclamar incondicionalmente a mensagem da graça de
Deus em Cristo Jesus.
Os líderes, os teólogos e todos os cristãos comprometidos com a verdade precisam
unir-se com a Igreja e dar um basta à efervescência da graça barata, o mercantilismo
gospel, a banalização da fé. É necessário combater com as Escrituras, as loucuras e
os atos proféticos feitos em nome de Deus. Precisamos refutar biblicamente, o
aparecimento das mais diversas unções em nosso meio evangélico; isso sem falar da
hierarquização do reino, onde apóstolos, bispos e bispas, “levitas”, Pai apóstolos,
príncipes e reis, têm oprimido substancialmente o povo do Senhor.
A Igreja Evangélica Brasileira precisa voltar a viver e pregar o evangelho integral.
Necessita ser uma igreja santa, ética, justa e profética, mas uma igreja que não se
corrompa diante das loucuras desta era. Não podemos jamais deixar apagar a chama
Pentecostal e precisamos voltar aos princípios e doutrinas da Reforma Protestante:
Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Gratia, Sola Fide e Soli Deo Gloria, ou seja,
Somente a Escritura, Somente Cristo, Somente a Graça, Somente a fé e a Deus
Somente, a Glória.
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