Função Afim
Função Afim
Função Afim
Noções Básicas
EP
Nono Ano - Ensino Fundamental
BM
Autor: Prof. Angelo Papa Neto
Revisor: Prof. Antonio Caminha M. Neto
O
l da
rta
Po
1 Função afim: definição e propri-
edades básicas
Em um material anterior (veja o módulo Funções - Noções
básicas, parte 1, exemplo 3), vimos que duas grandezas são
chamadas diretamente proporcionais se a razão entre elas
for uma constante, que chamamos constante de propor-
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cionalidade. Vejamos um exemplo:
Exemplo 1. Quatro amigos foram almoçar em um restau-
rante de comida por quilo. A tabela a seguir mostra os
resultados das pesagens do almoço e o valor pago por cada Figura 1: os pontos A, B, C e D são colineares.
um. Qual o preço do kg de almoço nesse restaurante?
“peso” em g R$
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372 16,74
470 21,15 Uma função linear f : R → R tem as seguintes proprie-
512 23,04 dades:
540 24,30 (i) f (x + x′ ) = f (x) + f (x′ ), para quaisquer x, x′ ∈ R.
Solução. Dividindo o valor pago pela massa de comida (ii) Para cada c ∈ R constante, tem-se f (cx) = c · f (x),
consumida, obtemos o preço de um grama de almoço. para todo x ∈ R.
Como esse valor é o mesmo para todos os consumidores,
devemos ter as seguintes igualdades: De fato, se x, x′ ∈ R, então f (x + x′ ) = a(x + x′ ) = ax +
16, 74
372
=
21, 15
470
=
23, 04
512
=
24, 30
540
=a
entemente importante para merecer uma definição que o que também é uma translação.
destaque. A definição a seguir generaliza a classe de funções vistas
acima.
Definição 2. Uma função f : R → R cuja lei de formação é
dada como em (1), com a 6= 0, é chamada função linear. Definição 3. Uma função f : R → R dada por f (x) =
ax + b, onde a, b, c ∈ R, é chamada de função afim.
A escolha do adjetivo linear pode ser justificada obser-
vando-se o gráfico de f . Na figura 1 podemos ver os pontos Toda função linear é uma função afim, com a 6= 0 e
A = (372; 16,74), B = (470; 21,15), C = (512; 23,04) e D = b = 0. Toda translação é uma função afim, com a = 1. Se
(540; 24,30). Esses quatro pontos pertencem a uma mesma a = 0, a função afim pode ser escrita como f (x) = b, e a
reta que passa pela origem do plano cartesiano. chamamos de função constante.
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Reciprocamente, toda função afim que não é cons- 2 Caracterização de funções afins
tante pode ser construı́da a partir de funções lineares e
translações, da seguinte maneira: seja f : R → R uma Nesta seção, vamos exibir uma propriedade que caracte-
função afim, dada por f (x) = ax + b, com a 6= 0. Então riza as funções afins. Também veremos que é fácil decidir
f = T ◦ L, onde T : R → R é a translação dada por quando uma função afim é crescente ou decrescente, de
T (x) = x + b e L : R → R é a função linear dada por acordo com a definição a seguir.
L(x) = ax. De fato, para todo x ∈ R, temos
Definição 6. Uma função f : R → R é chamada cres-
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(T ◦ L)(x) = T (L(x)) = T (ax) = ax + b = f (x). cente se o valor de f (x) cresce quando x cresce, ou seja,
se para x, x′ ∈ R, tivermos
Exemplo 4. Uma função f : R → R é chamada de in-
volução se f não é a função identidade e f (f (x)) = x, x < x′ ⇒ f (x) < f (x′ ).
para todo x ∈ R. Vamos obter todas as funções afins que
são involuções. Para tanto, seja f (x) = ax + b, para todo Uma função f : R → R é chamada decrescente se o
x ∈ R, e suponhamos que f (f (x)) = x, também para todo valor de f (x) decresce quando x cresce, ou seja, se para
x ∈ R. Então, f (ax + b) = x, isto é, a(ax + b) + b = x. x, x′ ∈ R, tivermos
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Dessa igualdade segue que
x < x′ ⇒ f (x) > f (x′ ).
2
a x + (ab + b) = x, (2)
Lembremos que, dados x, x′ ∈ R, escrevemos x < x′ para
para todo x ∈ R. Em particular, se x = 0, então indicar que x′ = x + h, com h ∈ R, h > 0. O número po-
ab + b = 0, o que implica b = 0 ou a = −1. Consideremos, sitivo h, que devemos somar a x para obter x′ , é chamado
pois, esses dois casos: incremento.
O Teorema 7 a seguir caracteriza as funções afins em
(i) Se b = 0, (2) pode ser rescrita como a2 x = x, para termos da razão
todo x ∈ R. Fazendo x = 1, encontramos a2 = 1 e, daı́,
a = 1 ou a = −1. Se a = 1, então f (x) = x seria a função
identidade, o que não é permitido para involuções. Logo,
a = −1 e f (x) = −x.
O f (x + h) − f (x)
h
, (3)
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Reciprocamente, supondo que a taxa de variação de f é Teorema 9. Sejam f, g : R → R as funções afins dadas por
constante e igual a a, temos f (x) = ax + b e g(x) = cx + d, para todo x ∈ R. Então, a
composta f ◦ g : R → R também é uma função afim, dada
f (x + h) − f (x) por
= a,
h f (d)
z }| {
para quaiquer x, h ∈ R, com h > 0. Em particular, se (f ◦ g)(x) = acx + (ad + b).
x = 0, obtemos Além disso, se f e g forem ambas crescentes ou ambas
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f (h) − f (0) decrescentes, então f ◦ g é crescente. Se uma delas for
= a ⇒ f (h) − f (0) = ah. crescente e a outra for decrescente, então f ◦ g é decres-
h
cente.
Da mesma forma, temos
Prova. A primeira parte é um cálculo imediato:
f (x) − f (x − h)
= a, (f ◦ g)(x) = f (g(x)) = f (cx + d)
h
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= a(cx + d) + b
para todos x, h ∈ R, com h > 0 (observe que h é o incre-
mento para passarmos de x − h a x). Em particular, se = acx + (ad + b).
x = 0, obtemos
Observe que f (d) = ad + b.
f (0) − f (−h) Para a segunda parte, o Teorema 7 garante que, se f
= a ⇒ f (−h) − f (0) = −ah. e g são ambas crescentes ou ambas decrscentes, então a
h
e c têm um mesmo sinal (são ambos positivos ou ambos
Chamando f (0) de b, obtemos f (h) = ah + b e negativos). Em qualquer caso, temos ac > 0, e a fórmula
f (−h) = a(−h) + b, para todo h ∈ R, h > 0. Logo, para (f ◦ g)(x), juntamente com o Teorema 7, garante que
escrevendo x no lugar de h e −h na lei de formação de
f , obtemos f (x) = ax + b, para todo x ∈ R (veja que
tal fórmula vale também quando x = 0, uma vez que
f (0) = b).
O f ◦ g é crescente. Se uma das funções é crescente e a outra
é decrescente, então a e c têm sinais contrários, logo ac < 0
e f ◦ g é decrescente.
Reciprocamente, se f (x) = ax + b, com a > 0, então onde f1 (f2 (. . . fn (bn ) . . .)) = (f1 ◦. . .◦fn )(bn ) é o resultado
da aplicação sucessiva das funções fn , . . . , f1 ao coeficiente
rta
f (x′ ) − f (x) bn .
=a>0
x′ − x Ademais, se, dentre as funções f1 , . . . , fn o número de
funções decrescentes for par, então o produto a1 . . . an tem
para quaisquer x, x′ ∈ R, onde x′ = x+ h. Se x < x′ , então
um número par de fatores negativos, sendo portanto po-
x′ − x > 0 e
sitivo, e a composta F = f1 ◦ . . . ◦ fn é crescente. Caso
f (x′ ) − f (x) = a(x′ − x) > 0, o número de funções decrescentes seja ı́mpar, o produto
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com que o gráfico gr(f ) passe a ser uma representação Em particular, os ângulos formados pelas hipotenusas dos
geométrica da função f . mesmos com a horizontal são congruentes, e isso significa
Em uma aula anterior (Funções - Noções Básicas, parte que os pontos (0, f (0)), (1, f (1)) e (x, f (x)) são colineares.
2, exemplo 4, página 2) vimos que o gráfico da função Por fim, como (x, f (x)) é um ponto qualquer do gráfico,
afim f : R → R, dada por f (x) = 2x + 1, é uma reta. concluı́mos que o gráfico de f é a reta que passa pelos
Nesta seção, vamos mostrar que o gráfico de uma função pontos (0, f (0)) e (1, f (1)).
afim f : R → R, dada por f (x) = ax + b, é uma reta, e Reciprocamente, suponhamos que gr(f ) é uma reta.
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daremos interpretações geométricas para os coeficientes a Então, os pontos (0, f (0)), (1, f (1)) e (x, f (x)) são coli-
e b. Sugerimos que o leitor releia agora o exemplo exibido neares, para todo x ∈ R. Assim, os triângulos retângulos
na aula anterior, citada acima, pois repetiremos o mesmo tracejados na figura 2 são semelhantes, dessa vez pelo caso
argumento lá utilizado. AA de semelhança. Portanto, vale a seguinte relação entre
seus catetos:
Teorema 11. O gráfico de uma função afim f : R → R é EC CD
uma reta. = ,
OA AB
Prova. Consideremos os pontos (0, f (0)) e (1, f (1)), am-
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isto é,
bos pertencentes ao gráfico de f . Supondo, primeiro, que f (1) − f (0) f (x) − f (1)
a função f é afim, dada por f (x) = ax + b, vamos mostrar = .
1−0 x−1
que um ponto qualquer (x, f (x)) do gráfico de f está sobre
a reta que passa por (0, f (0)) e (1, f (1)) (veja a figura 2). Essa última igualdade, resolvida para f (x), implica
EC a
= =a
Po
OA 1
e
CD a(x − 1)
= = a.
AB x−1
Portanto,
EC CD
= ,
OA AB
de sorte que os dois triângulos retângulos tracejados na
figura 2 têm catetos proporcionais. Pelo caso LAL de se-
melhança de triângulos, tais triângulos são semelhantes. Figura 3: o coeficiente linear.
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Consideremos, agora, os pontos A = (0, f (0)) e B = Observação 13. No caso em que o domı́nio de uma função
(1, f (1)) sobre gr (f ). O ângulo θ que o gráfico de f forma afim f é um subconjunto A ⊂ R, o gráfico de f é um
com a horizontal é ângulo interno do triângulo retângulo subconjunto da reta que é gráfico de f , com o domı́nio
ABC (veja a figura 4). A tangente desse ângulo é, por estendido a todos os reais.
definição,
Exemplo 14. O gráfico da função f : [1, 2] → R, dada
f (1) − f (0) por f (x) = 3x − 1 é o segmento de reta que liga os pon-
tg θ = = f (1) − f (0) = a + b − b = a.
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tos (1, f (1)) = (1, 2) a (2, f (2)) = (2, 5) (figura 5). Este
Dessa forma, o coeficiente a é igual à tangente do ângulo segmento de reta está contido na reta r = gr (F ), onde
que a reta gr (f ) forma com a horizontal. Por isso chama- F : R → R, dada por F (x) = 3x − 1, estende o domı́nio da
mos a de coeficiente angular do gráfico de f . função f a todos os números reais.
BM
O
da
Figura 5: o segmento de reta que é gráfico da função afim
f : [1, 2] → R, dada por f (x) = 3x − 1.
Figura 4: o coeficiente angular.
Alguns casos particulares merecem atenção especial. Terminamos este material apresentando um exemplo que
l
f (x) = b, então tg θ = a = 0, o que implica θ = 0. problema de encontrar a função afim que melhor aproxima
Logo, o seu gráfico é uma reta horizontal. uma função dada, num entorno suficientemente pequeno
(2) Se f : R → R é a função identidade, dada por de um ponto de seu domı́nio. Historicamente, o desenvol-
f (x) = x, então tg θ = a = 1 o que implica θ = 45◦ . vimento das técnicas para obter essa melhor aproximação
Isso significa que o gráfico de f é a bissetriz dos deu origem ao Cálculo Diferencial, área da Matemática de
ângulos retos que formam o primeiro e o terceiro qua- importância central para a ciência moderna.
Po
drantes (veja a aula: Funções - Noções Básicas, parte Exemplo 15. Seja R+ o conjunto dos números reais não
2). Dizemos, pois, que o gráfico da função identidade negativos. As
é a bissetriz dos quadrantes ı́mpares. √ funções f : R+ → R e g : R+ → R, dadas
por f (x) = x e g(x) = x4 + 1, têm seus gráficos esboçados
(3) Uma reta vertical r não pode ser gráfico de uma na figura 6. Nas proximidades do ponto de tangência (4, 2),
função, pois dois pontos quaisquer dessa reta têm a a distância entre os dois gráficos é pequena. Assim, para
mesma abscissa. Sendo assim, se fosse r = gr (f ), dois valores de x próximos à abscissa do ponto de tangência,
√
pontos distintos de r seriam do tipo (x, y) e (x, y ′ ), isto é, para valores de x próximos de 4, temos que x =
com y 6= y ′ . Porém (x, y), (x, y ′ ) ∈ gr (f ) implicam f (x) pode ser razoavelmente
√ bem aproximado por g(x).
y = f (x) e y ′ = f (x), ou seja, x teria duas imagens Por exemplo, 5 = f (5) ∼ = g(5) = 45 +1√= 2, 25. Usando
diferentes, o que não é possı́vel se f for uma função. uma calculadora, você pode verificar que 5 ∼ = 2,236, com
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três casas decinais
√ exatas. Isso significa que g(5) é uma de g (a derivação). Dependendo do nı́vel da turma, você
aproximação de 5 com uma casa decimal exata. pode citar o Teorema 7 e dizer que a derivada é dada pela
Outro exemplo: g(4,5) = 4,5 4 + 1 = 2,125. Usando no- expressão (3) da taxa de variação, mas que, para funções
vamente
√ uma calculadora, podemos verificar que f (4,5)
√ = mais gerais, essa taxa de variação não é constante, como
4,5 ∼= 2,121. Logo, g(4, 5) é uma aproximação de 4, 5 no caso da função afim, o que dificulta o seu tratamento
com duas casas decimais exatas. em nı́vel elementar.
O estudo da taxa de variação da função afim, como exi-
EP
bido neste texto, de sua interpretação geométrica como
coeficiente angular e de aplicações como a do exemplo 15,
são excelentes oportunidades para se falar sobre um dos
conceitos fundamentais do Cálculo (e da ciência moderna)
– o de derivada. Nesse caso, podemos fazê-lo em um con-
texto elementar (isto é, sem o uso de limites), devido à
simplicidade das funções afins.
As referências listadas a seguir discutem funções em ge-
BM
ral, e afins em particular. As referências [1] e [3] tra-
zem vários problemas simples envolvendo funções afins, ao
passo que a referência [2] estende o estudo de funções até
os rudimentos do Cálculo.
Figura 6: os gráficos das funções f e g. Note que a reta
tangencia a curva no ponto (4, 2).
Sugestões de Leitura Complementar
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