Artigo Manuela Cordeiro
Artigo Manuela Cordeiro
Artigo Manuela Cordeiro
amazônico1
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Trabalho apresentado na 32ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 30 de outubro e
06 de novembro de 2020
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Introdução
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Verifica-se que as movimentações de família são responsáveis, em última medida,
por criar mais família, tornando a ruptura parte constitutiva, portanto, não disruptiva, da
dinâmica familiar. Trata-se de estratégias não “oficiais” que são também contadas por
outras famílias que se deslocaram para a Amazônia em 1970 e 1980. Estão em jogo,
portanto, a política não estritamente ligado à esfera pública, especificamente no que tange
à compreensão dos modos de ser e de pertencer, ligados à gestão da terra na Amazônia.
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Cf. Apêndice dos Anais do Simpósio Internacional de Experiência Fundiária, 1984.
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O Incra foi fundado pelo decreto-lei nº 110 de 09/07/1970. Logo depois, em 1971, foi criado o Programa
de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (Proterra).
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Tal como salienta Becker (1990), para o caso da colonização de Rondônia especificamente: “A estratégia
do Estado é poderosa. Induz a migração, oferece parcos recursos aos migrantes e se omite na defesa de seus
investimentos; dirige o processo de povoamento, mas coopta lideranças de sociedade civil, que se
transformam em seus agentes locais, ou cria outras, oferecendo cargos no aparelho de Estado local.
Organiza-se, assim, o poder, numa relação que usa amplamente o trabalho dos migrantes [...]” (p. 177).
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latifúndio, sob as aparências de redistribuição de terras aos trabalhadores”. De acordo
com os relatos das famílias, houve o “direcionamento” por parte do governo federal para
a área de Rondônia e, posteriormente Roraima, na medida em que propagandas sobre as
terras do estado ecoaram particularmente na região Centro-Sul do país. No entanto, o
processo de colonização tanto em Rondônia quanto em Roraima não deve ser considerado
como “dirigido” ou “espontâneo”, tal como apresentado acima, uma vez que houve
propaganda e incentivo de distribuição de terras por parte do governo federal. Isso não
representou um saldo de distribuição equitativa de terras e nem condições de
infraestrutura para a permanência no campo das famílias que assim projetassem as suas
condições de reprodução social. Portanto, a colonização foi direcionada pelo governo
federal, mas não “dirigida” ou “espontânea”.
Havia a ideia difundida de que o “Estado era o INCRA”, mas também outros órgãos
federais compunham a organização institucional no estado de Rondônia à época da
colonização, tais como a Sucam (Superintendência de Campanhas da Saúde Pública) que
esteve presente durante o período de colonização, tendo como finalidade, de acordo com
a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), contribuir para a erradicação e o controle de
grandes endemias no Brasil, sendo a malária umas das mais recorrentes na Amazônia.
Via de regra, era consenso entre os funcionários do governo militar que o processo
de colonização não poderia ser realizado com aqueles que já viviam na área do estado de
Rondônia. Segundo os relatos dos funcionários do governo, as populações indígenas não
“sabiam trabalhar” e, desta forma, foram deslocadas ou mesmo expulsas em função de
iniciativas ligadas à colonização, como a abertura da rodovia federal BR-364. Outro
critério necessário para o “perfil” era “possuir família”, portanto, os garimpeiros, isto é,
que extraíam principalmente ouro e cassiterita da região não poderiam ser proprietários
de terra, já que não se enquadravam na noção de unidade familiar idealizada pelo governo
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federal. Assim, havia o acionamento da propaganda estatal, um “chamamento”, já que
havia a “necessidade” de trazer famílias de outros estados. Isto aumentava a dificuldade,
o que acabava por expor a própria fragilidade do órgão federal no atendimento de todas
as demandas do processo de colonização.
Uma família5 considerada apta para receber a terra tinha que ter braços para a força
de trabalho6 e não possuir muitos familiares com idade mais avançada ou muitas crianças,
porque receberiam a caracterização, com a conotação negativa, de peso. No núcleo
familiar, os mais velhos são considerados responsáveis e mais valorizados dentro da
organização familiar, geralmente pais ou irmãos mais velhos. Fica claro que os critérios
da administração federal da época estavam, muitas vezes, em oposição aos critérios
familiares para a atribuição da caracterização de uma “família forte”, já que são os
membros familiares mais velhos que possuem o conhecimento do saber-fazer na terra (Cf.
Woortmann e Wortmann, 1997), que repassam aos mais novos. Segue um mapa do
município de Ariquemes onde foi realizada a etnografia:
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De acordo com Thorne (1992), nota-se a relevância das políticas sociais e públicas ao incidirem nas
relações sociais, no caso aplicado a esse artigo, principalmente as relações familiares.
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Conforme salienta Martins (2012), o “imigrante” deixa de ser visto pelo governo federal como um
indivíduo sexuado e etário, passando a ser considerado “força de trabalho”, isto é, a “reprodução física da
sociedade é articulada com o processo de reprodução social” (Martins, 2012, p. 160).
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Para fins desse artigo, apresentarei brevemente parte de relatos de dois pioneiros –
Abel Zanella que possuiu um lote no PAD Burareiro e Adalberto Martini que foi
selecionado para ocupar um lote no PAD Marechal Dutra7. Conheci senhor Abel Zanella
por indicação de outra família pioneira que me recomendou conversar com alguém que
também sabia contar as “histórias do início”. A família Zanella chegou “antes do Incra”
nas terras de Ariquemes, no ano de 1972, por indicação de um primo que já estava
morando em Rondônia. Disse-lhes que naquelas terras eles poderiam ficar mais próximo
do eixo da BR se comparado a Ouro Preto d’Oeste, o que representava terras mais
valorizadas e com mais fácil acesso no momento do início da colonização. Os Zanella são
parte de uma família de ascendência italiana que, em Colatina, no Espírito Santo,
cultivavam café e cana-de-açúcar.
Abel Zanella, o irmão mais novo, contou que, quando chegaram, o território de
Rondônia estava passando por um processo de redistribuição de terras. As grandes áreas
de seringueiros com 40 ou 50 mil hectares viviam um processo de definição da área que
pertenceria ao seringal e daquela área que seria distribuída aos pioneiros. A “linha
Ariquemes” seria um grande empreendimento, com cerca de 6 mil alqueires, dependendo
do projeto. Quando a sua família chegou, nem o PAD Burareiro ainda estava estabelecido.
“Era um momento de construção geopolítica”, afirma Abel. Depois que o “Incra chegou”,
as terras “ficaram mais perto” do eixo da BR, que era uma orientação de localização, o
que aconteceu em 1977/1978, período de “abertura” da cidade de Ariquemes.
Ele comenta que, no início, “Ariquemes era a pista de avião lá na beira, onde hoje
é o [bairro] Marechal Rondon. Era a Vila Velha onde chegava o bote, o meio de transporte
era por água, e aí acrescentou a pista de avião com o transporte aéreo. Acrescentou a pista
aérea, que era em função do garimpo”. Ele informa que o Incra começou a “cortar” os
lotes para entregar as famílias selecionadas que se encarregariam da “abertura das terras”:
“É o alinhamento, pegava uma linha de apoio – a chamada picada8. Sobe serra, desce
serra, pega a linha da bússola e vamos embora”. As terras que o Incra começou a “cortar”
eram apenas retângulos no mapa, os já mencionados “quadrados burros”. Portanto, Abel
Zanella, além de narrar sobre aquilo que existia quando chegou a Rondônia, mesmo antes
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A pesquisa de campo em Rondônia foi realizada entre os anos de 2011 e 2013, compondo a tese de
doutorado da autora: “A casa a rodar: projetos e pioneirismo na Amazônia Ocidental” (Cordeiro, 2015).
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Picada é uma abertura estreita na mata, suficiente para que pessoas possam caminhar para “abrir” os seus
lotes.
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do Incra, organiza uma explicação mais “histórica” dos períodos de colonização,
dividindo-os em três momentos, os ciclos extrativistas, garimpeiros e agrícolas. Ele
caracteriza os Zanella como uma das primeiras famílias agrícolas de Ariquemes9, isto é,
responsáveis pela inauguração desse novo ciclo.
Adalberto Martini por não ter a comprovação financeira necessária para ser
enquadrado como Burareiro, já que era necessário um extrato bancário que atestasse um
capital inicial, foi selecionado para ter terra no PAD Marechal Dutra. Ao conversar
comigo em Alto Paraíso, um dos municípios que fazia parte de Ariquemes antes da
emancipação, ele se recorda que a primeira vez em que ouviu falar de Rondônia que era
associada à propaganda de governo na época. O lema “Integrar para não Entregar”
aparece logo nas primeiras palavras do seu Adalberto sobre a abertura do estado de
Rondônia. Havia uma confluência da memória pessoal com o discurso do Estado sobre a
ocupação das terras. Ele comenta que também sabia que existia o investimento na
colonização no Pará:
Já tinha no Pará [colonização]? Lá, eu não sei se foi... Foi divulgado mesmo o
pessoal do Pará incentivando o pessoal [de outros lugares] a ir para o Pará. E
tinha ônibus que ia pegar esse pessoal, você fazia uma lotação de ônibus, mas
Rondônia não teve isso, né? Aí, eu pensei, ué, mas por que Pará? Não tem
outros lugares lá? Aí surgiu Rondônia também. Começou aquela história:
Integrar para não Entregar [risos]. E aí, eu falei “vamo lá e vamo ver, não é?”.
Eu sou paulista, criado no Paraná, casei no Paraná. E tinha uma vontade de
possuir um pedacinho de terra, nós tínhamos um pedacinho de terra, mas era
muito pequenininho (Adalberto, 30/04/2012).
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Tal como demonstra Desconsi (2011) em relação aos pequenos proprietários de Mato Grosso do Sul,
estava em jogo também para as famílias que se deslocaram para a Amazônia uma avaliação cotidiana das
possibilidades de acesso à terra em assentamentos rurais. No entanto, diferente da argumentação do autor,
para as famílias dos projetos de assentamento dirigidos em Rondônia não se tratava apenas de um horizonte
de possibilidade para acesso ao trabalho agrícola, a terra representava a possibilidade de poder deixar um
bem de herança às gerações futuras. Isto porque no sul do país as terras estavam já sofrendo um processo
intenso de subdivisão, impedindo que os filhos dos moradores da zona rural pudessem permanecer na terra.
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“esparramar”. Este uso só faz sentido conjugado com família, já que se “esparrama” para
organizar um espaço onde possa trabalhar com a sua família e deixar depois para seus
filhos. Antes disso, combinou com um grupo de homens que viria até Rondônia para olhar
as terras, a fim de mais tarde decidir se eles trariam as suas famílias e onde iriam se
instalar no município de Cacoal:
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POLAMAZÔNIA, postos em prática durante as décadas de 1970 e 1980, foram
responsáveis pelo adensamento dos conflitos, “surgiram muitos embates entre
empresários, fazendeiros, madeireiros, indígenas, posseiros, grileiros, colonos e
trabalhadores rurais” (p.68). Tensões de um passado não muito distante que, atualmente,
se intensificam com a expansão da ocupação do estado e do fortalecimento do poder
político local. diferente de Rondônia, uma sede do INCRA só é construída em 1979, na
área atualmente do município de Rorainópolis, no sul de Roraima, onde teve início a
colonização da área no período da ditadura militar. Porém, já no início da década de 1970,
muitas famílias estavam se deslocando para a área e, de acordo com Santos (2010),
fazendo a marcação da terra de forma espontânea, sem seguir as orientações do INCRA,
delimitando as áreas com cipó-tiririca. Isto é, uma área de terra era atribuída para cada
família, organizada pelos próprios grupos que foram ocupando as terras, sendo que
posteriormente coube ao Incra o papel de regularização das mesmas. Essa informação é
confirmada não somente pelas famílias que fizeram parte do estudo de Santos (2010),
mas também pelos técnicos do INCRA que ela teve a oportunidade de entrevistar.
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Forma histórica de produção baseada na monocultura, produção voltada à exportação e geralmente o uso
de mão de obra escrava.
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A maioria dos produtores entrevistados ocuparam a região da Vila de Entre Rios
em meados da década de 1970, sendo que atualmente poucos vivem da produção agrícola,
com destaque para a produção de banana, devido a entraves no escoamento da produção
que se agravaram após o incentivo do antigo governador do território de Roraima Ottomar
Pinto (1979-1983). Os colonos, denominação utilizada localmente para os produtores
rurais “do início”, relatam uma intensa dinâmica de mobilidade, sendo o quarto ou quinto
estado que se deslocaram para trabalhar, corroborando a afirmação do estado de Roraima
com “última fronteira agrícola”. Os colonos que ainda permanecem com sua produção
agrícola veem nos sistemas agroflorestais uma possibilidade de produção sustentável a
partir de seus lotes de terra. Todos os entrevistados já possuem o título de domínio
definitivo da terra. Em relação à sobreposição das terras, não há conflito relatado com as
populações indígenas. Os entrevistados explicam que os Wai-Wai11 possuem a sua terra
demarcada, localizada próximo à região, e os pequenos produtores respeitam os limites,
possuindo maior interação com os mesmos no “tempo da política” (Cf. Palmeira, 2002)
e também no início do mês, quando vão à vila para fazer compras e receber benefícios
sociais, como o bolsa família. Segue o mapa da região estudada:
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Os Wai Wai são um povo índigena falante, na sua maioria, da família linguistica Karib com população
presente o Rio Essequibo na Guiana, os Rios Anauá e Jatapuzinho em Roraima (próximo à área citada
nessa pesquisa), os Rios Jatapu e Nhamundá no Amazonas, e o Rio Mapuera no Pará.
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Figura 2 – Localização do município de Caroebe em Roraima
Depois soube da “fofoca de Roraima” e quis vir “abrir espaço”. Avaliou que a
área iria se desenvolver porque estava perto de uma estrada federal próximo de onde mora
hoje. Ele se mudou apenas com a esposa e os quatro filhos para o estado. Antonio afirma
ter orgulho em dizer que atualmente cada um dos filhos possui uma terra própria ou estão
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concursados. O objetivo de vir para Roraima era criar família, mas ele conta que sofreu
muito pela falta de infraestrutura do estado no início da colonização.
José é natural do Alagoas, sendo que mora há 36 anos em Roraima. Ao sair de sua
terra, foi arrendar terras em São Paulo, posteriormente para o Paraná, Mato Grosso e, por
fim, Rondônia. “Andava” com um cunhado dele que era gaúcho e que soube da
oportunidade de possuir 300 hectares em Rondônia. Com a venda das terras, veio para
Roraima, que era um “espaço novo” e o governo ainda doava terras, o que estava cada
vez mais escasso em Rondônia.
Ele conseguiu obter o título da propriedade de terra, mas vendeu o lote há dois
anos quando se aposentou. Era muito trabalho para ele, as suas duas filhas já possuíam
outras terras. Produzia arroz, feijão e milho tanto em Rondônia quanto em Roraima.
Quando chegou ao estado, durante o governo de Ottomar, a produção principalmente era
orientada para banana, laranja e gado. José se diz muito satisfeito com aquele governo,
para ele “os outros que vieram depois” não incentivaram a produção agrícola do estado.
Gauchinho, tal como é conhecido na vila, saiu de sua terra natal - Paraná se
deslocando para o Mato Grosso durante a Ditadura Militar pelos incentivos de
distribuição de terra; posteriormente foi a Rondônia e, por fim, Roraima. Em suas
palavras sobre o seu atual paradeiro: “Não aceitei sair daqui, não tem destino melhor que
aqui”. Em Rondônia, tinha planos de ser empregado, pois morava na cidade, mas não
conseguiu. Como era solteiro e veio para Roraima adquirir terra e voltou para a agricultura
em Roraima. O seu pai nunca “saiu da agricultura, morreu sendo agricultor”. Assim que
chegou a Rondônia, “no início”, tinha que arrendar terras, mas isso mudou em Roraima:
“foi moleza, porque tinha motivação do governo”.
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No Paraná, “mexeu” com soja, café, algodão, amendoim. Naquele tempo não tinha
tanto inseto, hoje tem que plantar com veneno. A melhor terra era a do Paraná, inclusive
pela facilidade de escoamento da produção. No Mato Grosso, trabalhara de empreitada
para um e outro, na lavoura de soja, arroz, algodão e amendoim. Possui uma chácara (que
seria chamada de sítio em Rondônia) de três alqueires. “Se tiver mais de 20 alqueires, é
considerado uma fazendinha”. Ele ainda destaca as distinções do processo de seleção:
“Qualquer peão tem lote em Roraima, mas em Rondônia tem que fazer inscrição, seleção
e se for solteiro não pega terra”.
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Deixo claro que os “movimentos de família” fazem parte de um recorte analítico a partir do qual as
famílias me contaram a respeito de sua trajetória, o que não foi informado necessariamente de maneira
linear. Conforme Bourdieu (1996, p. 190) argumenta, ao tratar da “ilusão biográfica”: “Os acontecimentos
biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos
diferentes estados sucessivos da estrutura de distribuição das diferentes espécies de capital que estão em
jogo no campo considerado”.
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implica às vezes na participação em mais de um processo seletivo de família, certamente
mais de um processo de abertura de “terra”.
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Thomas e Znaniecki (1918, p. 107) apontam que a família é uma organização dinâmica, sendo que as
mudanças internas, como o casamento, o nascimento e crescimento, são incluídas como normais e não
como algo inesperado.
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O termo pioneirismo, por sua vez, define uma geração determinada nesse contínuo
processo de se “esparramar” ao longo dos tempos. Há, por outro lado, uma identificação
das novas gerações com a ideia de “pioneiro”, de certa forma herdada, transmitida de pai
para filho como uma herança a ser considerada em seus atos presentes. Ao refletir sobre
as noções nativas de “terra” e “família”, pretendo, portanto, complexificar também a
noção de pioneirismo como forma de pertencimento. O pioneirismo (ou a qualidade de
desbravador no caso de Roraima) enquanto forma de pertencimento evoca, ao mesmo
tempo, um projeto nacional e um traço da família. Ser “pioneiro” ou ser filho ou neto de
“pioneiro” ou “colono do início” marca uma relação particular entre família e terra.
“Pioneiro” e “colono antigo” é aquele que participa da “construção do novo” a partir do
“destino que faz andar”, imprimindo a marca pessoal em um projeto nacional.
Considerações finais
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Ainda que possivelmente haja um esgotamento de explicações sobre os processos
de deslocamento para o norte do país, acionar o “lavrado” é um dos caminhos em Roraima
para o estabelecimento de uma última fronteira agrícola. Se, por um lado, o “lavrado”
aparece como oportunidade, ainda que diversamente orientada pelas famílias que ocupam
esse espaço; por outro lado, o agronegócio se apropria novamente do espaço com o
argumento datado de “vazio demográfico”. Portanto, o agronegócio pode ser visto como
um agente que indiscriminadamente ceifa o bioma amazônico e atualiza as relações de
subordinação no campo.
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REFERÊNCIAS
BECKER, B. A fronteira em fins do século XX: oito proposições para um debate sobre a
Amazônia. In: BECKER, Bertha K.; MIRANDA, Martana Helena P. de;
MACHADO, Lia Osório. Fronteira amazônica: questões sobre a gestão do
território. Brasília: Editora Universidade de Brasília; Rio de Janeiro: Editora
Federal do Rio de Janeiro, c. 1990.
BOURDIEU, P. Por uma ciência das obras. In: Razões Práticas: sobre a teoria da ação.
Campinas: Papirus, 1996.
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THOMAS, W. I.; ZNANIECKI, F. The Polish Peasant in Europe and America:
monograph of an immigrant group. Chicago, Boston: The University of Chicago
Press/ Badger, 1918.
THORNE, B. Feminism and the family: two decades of thought. In: THORNE, B.;
YALOM, M. (orgs.). Rethinking the family: Some feminist questions. Boston:
Northeastern University Press, 1992.
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