Síndrome de Guillain-Barré

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Síndrome de Guillain-Barré

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma polirradiculoneuropatia aguda, frequentemente grave e fulminante, de


natureza autoimune. Ocorre ao longo do ano todo, com uma taxa situada entre 1 e 4 casos por 100.000 por ano; nos
Estados Unidos (EUA), ocorrem cerca de 5.000 a 6.000 casos todo ano. Os indivíduos do sexo masculino correm risco
ligeiramente maior de SGB e, nos países ocidentais, os adultos são acometidos com maior frequência do que as crianças.
A SGB manifesta-se como paralisia motora arrefléxica de evolução rápida, com ou sem alterações sensoriais. O padrão
habitual é de paralisia ascendente, que pode ser percebida inicialmente como sensação de peso nas pernas. A fraqueza
surge em questão de horas a alguns dias e, muitas vezes, é acompanhada de disestesias com formigamento nos
membros. Os membros inferiores costumam ser mais afetados do que os superiores, e a diparesia facial está presente
em 50% dos indivíduos acometidos. Os nervos cranianos inferiores também são muitas vezes envolvidos, causando
fraqueza bulbar e dificuldade no manejo de secreções e na manutenção das vias respiratórias; o diagnóstico nesses
pacientes pode, de início, ser confundido com isquemia do tronco encefálico. A dor no pescoço, nos ombros, no dorso
ou difusamente na coluna vertebral também é comum nos estágios iniciais, ocorrendo em cerca de 50% dos pacientes.
A maioria dos pacientes precisa de hospitalização e, em diferentes séries, até 30% necessitam de assistência ventilatória
em algum momento durante a doença. A necessidade de ventilação mecânica está associada a fraqueza mais intensa
por ocasião da admissão, progressão rápida e presença de fraqueza facial e/ou bulbar durante a primeira semana dos
sintomas. Febre e sintomas constitucionais estão ausentes no início, e se presentes, geram dúvida no diagnóstico. Os
reflexos tendíneos profundos estão reduzidos ou abolidos nos primeiros dias de instalação. Os déficits sensoriais
cutâneos (p. ex., perda das sensibilidades álgica e térmica) em geral são relativamente leves, mas as funções servidas
por fibras sensoriais grandes, como os reflexos tendíneos profundos e a propriocepção, são mais intensamente
afetadas. Nos casos graves, pode ocorrer disfunção vesical, mas que costuma ser transitória. Se a disfunção vesical for
uma característica proeminente e surgir no início da evolução, devem-se considerar outras possibilidades diagnósticas
que não a SGB, em particular as mielopatias. Depois que a piora clínica estaciona e o paciente atinge um patamar (quase
sempre dentro de 4 semanas do início), é improvável que haja progressão adicional.
O envolvimento autonômico é comum e pode ocorrer até mesmo nos pacientes cuja SGB é leve nos demais aspectos. As
manifestações mais comuns são perda do controle vasomotor com flutuação ampla da pressão arterial, hipotensão
postural e arritmias cardíacas. Tais manifestações necessitam de monitoração cuidadosa e tratamento e podem ser
fatais. A dor é outra característica comum da SGB; além da dor aguda descrita antes, pode haver dor incômoda e
profunda nos músculos enfraquecidos, que os pacientes comparam àquela relacionada com a prática de exercícios
pesados no dia anterior. Outras dores na SGB incluem dor disestésica nos membros como manifestação de
acometimento de fibras nervosas sensoriais. Essas dores são autolimitadas e costumam responder aos analgésicos
convencionais.
Foram identificados vários subtipos de SGB, determinados principalmente por distinções eletrodiagnósticas e
patológicas. A variante mais comum é a polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA). Além disso, há duas
variantes axonais que, com frequência, são clinicamente graves – os subtipos de neuropatia axonal motora aguda
(NAMA) e neuropatia axonal motossensorial aguda (NAMSA). Além disso, também há diversas síndromes limitadas ou
regionais da SGB, destacando-se a síndrome de Miller Fisher (SMF), na qual o paciente se apresenta com ataxia e
arreflexia dos membros em rápida evolução, sem fraqueza, e oftalmoplegia, muitas vezes com paralisia pupilar,
respondendo cerca de 5% de todos os casos e está fortemente associada a anticorpos contra o gangliosídeo GQ1b.
Outras variantes regionais da SGB são (1) formas sensoriais puras; (2) oftalmoplegia com anticorpos anti-GQ1b como
parte da SGB motossensorial grave; (3) SGB com paralisia bulbar e facial grave, às vezes associada a infecção prévia por
citomegalovírus (CMV) e anticorpos anti-GM2; e (4) pandisautonomia aguda.

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Cerca de 70% dos casos de SGB ocorrem 1 a 3 semanas após processo infeccioso agudo, em geral respiratório ou
gastrintestinal (infecção ou reinfecção por Campylobacter jejuni, CMV, vírus Epstein-Barr, HIV, hepatite E, Mycoplasma
pneumoniae) e algumas vacinas. A SGB também ocorre com frequência maior do que a atribuída somente ao acaso nos
pacientes com linfoma (incluindo doença de Hodgkin), em indivíduos soropositivos para HIV e em pacientes com lúpus
eritematoso sistêmico (LES).
Diversas linhas de evidências corroboram uma base autoimune para a polineuropatia desmielinizante inflamatória
aguda (PDIA). É provável que mecanismos imunes celulares e humorais contribuam para o dano tecidual na PDIA. A
ativação da célula T é sugerida pelo achado de níveis elevados de citocinas e receptores de citocinas presentes no soro
(interleucina [IL] 2, receptor solúvel de IL-2) e no líquido cerebrospinal (LCS) (IL-6, fator de necrose tumoral α, interferon
γ). A PDIA também é muito semelhante a uma imunopatia experimental mediada por células T denominada neurite
alérgica experimental (NAE). A partir da analogia com a NAE, acreditou-se inicialmente que a PDIA pudesse ser um
distúrbio mediado por células T; entretanto, dados atuais abundantes sugerem que autoanticorpos dirigidos contra
determinantes não proteicos podem ser fundamentais em muitos casos.
Evidências sugerem que toda a SGB resulte de respostas imunológicas a antígenos alheios (agentes infecciosos, vacinas)
que se dirigem erroneamente ao tecido nervoso do hospedeiro por meio de mecanismo de semelhança de epítopos
(mimetismo molecular). Os alvos neurais provavelmente são glicoconjugados, especificamente gangliosídeos, que são
glicoesfingolipídeos complexos com um ou mais resíduos de ácido siálico; vários gangliosídeos participam nas interações
entre células (incluindo aquelas entre axônios e a glia), modulação de receptores e regulação do crescimento. Eles são
expostos na membrana plasmática das células, o que os torna suscetíveis a um ataque mediado por anticorpos.
Gangliosídeos e outros glicoconjugados estão presentes em grande quantidade nos tecidos nervosos humanos e em
locais-chave, como os nodos de Ranvier. Anticorpos antigangliosídeos, mais frequentemente contra GM1, são comuns
na SGB (20 a 50% dos casos), sobretudo na NAMA e NAMSA e naqueles casos precedidos de infecção por C. jejuni. Os
resíduos de ácido siálico de cepas patogênicas de C. jejuni também podem desencadear a ativação das células
dendríticas por meio de sinalização via receptor
semelhante ao Toll (TLR4), promovendo a
diferenciação das células B, e a amplificação da
autoimunidade humoral (secretam IgG). As células
B reconhecem glicoconjugados do C. jejuni que
desencadeiam uma reação cruzada com
gangliosídeo presente na superfície da célula de
Schwann e na mielina subjacente dos nervos
periféricos.
Um evento crítico no desenvolvimento da SGB é a
fuga de células B ativadas das placas de Peyer para
os linfonodos regionais. Células T ativadas
provavelmente também atuam ajudando na
abertura da barreira hematoneural, o que facilita a
penetração de autoanticorpos patogênicos. As

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primeiras alterações na mielina são edema entre as lamelas de mielina e a ruptura vesicular (mostrada como bolhas
circulares) das camadas de mielina mais externas. Tais efeitos estão associados à ativação do complexo de ataque à
membrana C5b-C9 e provavelmente são mediados pela entrada de cálcio; é possível que a citocina dos macrófagos,
fator de necrose tumoral (TNF), também participe da lesão da mielina.
Experimentalmente, os anticorpos anti-GM1 são capazes de desencadear lesão mediada pelo complemento nas junções
paranodais axônio-glia, desorganizando a aglomeração dos canais de sódio e provavelmente contribuindo para o
bloqueio de condução.
Anticorpos anti-GQ1b são encontrados em mais de 90% dos pacientes com SMF, e os títulos de IgG são mais altos no
início da evolução. Anticorpos anti-GQ1b não são encontrados em outras formas de SGB, a menos que haja
envolvimento dos nervos motores extraoculares. Uma possível explicação para essa associação é que os nervos motores
extraoculares são ricos em gangliosídeos GQ1b, em comparação com os nervos dos membros.

A comprovação de que esses anticorpos são patogênicos exige que eles sejam capazes de mediar a doença após
transferência passiva direta a hospedeiro virgem; isso ainda não foi demonstrado, embora se tenha descrito um caso de
possível transferência transplacentária maternofetal de SGB.
Na PDIA, uma etapa inicial na indução da lesão tecidual parece ser o depósito de complemento ao longo da superfície
externa da célula de Schwann. A ativação do complemento suscita desintegração vesicular típica da bainha de mielina, e
também leva ao recrutamento de macrófagos ativados, que participam da lesão à mielina e aos axônios. Na NAMA, o
padrão é diferente, uma vez que o complemento se deposita junto com IgG nos nodos de Ranvier ao longo dos grandes
axônios motores. É interessante assinalar que, nos casos de NAMA, os anticorpos contra GD1a parecem ter uma
excelente especificidade, que favorece a ligação às raízes nervosas motoras, e não às sensitivas, embora esse
gangliosídeo seja expresso em ambos os tipos de fibras.
Nas formas desmielinizantes da SGB, a origem da paralisia flácida e do distúrbio sensorial é o bloqueio da condução,
mas as conexões axonais permanecem intactas. Portanto, a recuperação pode acontecer rapidamente à medida que a
remielinização ocorra. Em casos graves de SGB desmielinizante, em geral ocorre degeneração axonal secundária; pode-
se estimar sua extensão eletrofisiologicamente. Uma degeneração axonal secundária maior correlaciona-se com taxa de
recuperação mais lenta e maior grau de incapacidade residual.

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Quando um padrão axonal primário é detectado em testes eletrofisiológicos, a implicação é que os axônios sofreram
degeneração, foram desconectados de seus alvos, especificamente das junções neuromusculares, e, portanto, devem
regenerar-se para que ocorra recuperação. Nos casos axonais motores em que a recuperação é rápida, acredita-se que a
lesão se localize nos ramos motores pré-terminais, o que possibilita que a regeneração e a reinervação se deem
rapidamente. De outro modo, nos casos leves, o brotamento colateral e a reinervação dos axônios motores
sobreviventes próximos à junção neuromuscular podem começar a restabelecer a continuidade fisiológica com as
células musculares ao longo de vários meses.
Os achados no LCS são distintos, consistindo em nível de proteína elevado [1 a 10 g/L (100 a 1.000 mg/dL)] sem
pleocitose (aumento no numero de leucócitos) concomitante. O LCS é frequentemente normal quando os sintomas
estão presentes há ≤ 48 horas; ao fim da primeira semana, o nível de proteína costuma estar elevado. Um aumento
transitório da contagem de leucócitos no LCS (10 a 100/μL) ocorre às vezes na SGB típica nos demais aspectos; contudo,
a pleocitose persistente do LCS sugere diagnóstico alternativo (mielite viral) ou concomitante, como infecção pelo HIV
não identificada, leucemia ou linfoma com infiltração de nervos ou neurossarcoidose. Os sinais eletrodiagnósticos são
leves ou estão ausentes nos estágios iniciais da SGB e tornam-se defasados na evolução clínica. Na PDIA, as
manifestações iniciais são latências prolongadas da onda F, latências distais prolongadas e amplitudes reduzidas do
potencial de ação muscular composto (PAMC), provavelmente em razão da predileção pelo comprometimento das
raízes e terminações nervosas motoras distais no início da evolução. Mais tarde, pode-se observar redução da
velocidade de condução, bloqueio de condução e dispersão temporal. Em certas ocasiões, os potenciais de ação de
nervos sensoriais (PANS) podem estar normais nos pés (p. ex., nervo sural), enquanto estão anormais nos braços. Trata-
se também de um sinal de que o paciente não apresenta uma das polineuropatias “dependentes de comprimento” mais
típicas. Nos casos que apresentam patologia axonal primária, o principal achado eletrodiagnóstico consiste em redução
da amplitude dos PAMC (e também PANS na NAMSA), sem retardo da condução nem prolongamento das latências
distais.
O diagnóstico de PDIA é definido pelo reconhecimento do padrão de paralisia rapidamente progressiva com arreflexia,
ausência de febre ou outros sintomas sistêmicos e eventos antecedentes característicos. Outros distúrbios que podem
entrar no diagnóstico diferencial incluem mielopatias agudas (em especial com dor no dorso prolongada e alterações
esfinctéricas); difteria (alterações orofaríngeas precoces); polirradiculite de Lyme e outras paralisias transmitidas via
carrapatos; porfiria (dor abdominal, crises convulsivas, psicose); neuropatia vasculítica (medir velocidade de
hemossedimentação); poliomielite (febre e meningismo comuns); vírus do Oeste do Nilo; polirradiculite por CMV (em
pacientes imunocomprometidos); neuropatia ou miopatia de doença crítica; distúrbios da junção neuromuscular, como
miastenia gravis e botulismo (perda precoce da reatividade pupilar); intoxicações por organofosforados, tálio ou
arsênico; intoxicação por moluscos paralíticos; ou hipofosfatemia grave (rara).
Se a suspeita diagnóstica for forte, deve-se iniciar o tratamento sem aguardar o aparecimento dos achados
eletrodiagnósticos e do LCS. Cada dia conta; cerca de duas semanas após os primeiros sintomas motores, não se sabe se
a imunoterapia ainda será efetiva. Se o paciente já tiver alcançado o estágio de platô, o tratamento provavelmente não
estará mais indicado, a não ser que o paciente tenha fraqueza motora intensa e não se possa excluir a possibilidade de
ocorrência de ataque imunológico ainda em curso.

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Para o tratamento, pode-se instituir imunoglobulina intravenosa (IgIV) em altas doses ou plasmaférese, uma vez que
ambas são igualmente efetivas. Uma combinação das duas terapias não é significativamente melhor do que qualquer
uma isolada. Dados não controlados sugeriram que a IgIV talvez seja preferível à plasmaférese (PF) para as variantes de
NAMA e SMF da SGB. A IgIV é administrada em infusão contínua durante 5 dias para uma dose total de 2 g/kg de peso
corporal. Há algumas evidências de que os autoanticorpos da SGB são neutralizados por anticorpos anti-idiotípicos
presentes nas preparações de IgIV, o que talvez explique seu efeito terapêutico. Um ciclo de plasmaférese em geral
consiste em troca de 40 a 50 mL/kg de plasma 4 a 5 vezes por semana. Uma melhora funcional significativa pode ocorrer
no final da primeira semana de tratamento, ou ser retardada em várias semanas. A ausência de melhora perceptível
após um ciclo de IgIV ou PF é indicação para tratamento alternativo. Entretanto, ocasionalmente há pacientes que,
tratados no início da evolução da SGB, melhoram, mas, em seguida, sofrem recidiva no prazo de 1 mês. Nesses casos, a
repetição breve do tratamento original costuma ser efetiva. Os glicocorticoides não se mostraram efetivos na SGB. Por
vezes, pacientes com formas muito leves de SGB, sobretudo aqueles que já parecem ter alcançado um patamar quando
examinados pela primeira vez, podem ser tratados de maneira conservadora sem IgIV ou PF.

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Na fase de piora da SGB, a maioria dos pacientes necessita de monitoração em ambiente de terapia intensiva, com
atenção especial a capacidade vital, ritmo cardíaco, pressão arterial, nutrição, profilaxia de trombose venosa profunda,
função cardiovascular, consideração precoce de traqueostomia (após duas semanas de intubação) e fisioterapia
torácica. Conforme assinalado, cerca de 30% dos pacientes com SGB necessitam de assistência ventilatória, às vezes por
longos períodos (várias semanas ou mais). Mudanças frequentes de decúbito e cuidados com a pele são importantes,
bem como exercícios diários cobrindo todo o arco de movimentos para evitar contraturas articulares e tranquilização
diária acerca das perspectivas geralmente boas de recuperação.
Cerca de 85% dos pacientes com SGB obtêm recuperação funcional completa ao longo de vários meses a 1 ano, embora
achados menores ao exame (como arreflexia) possam persistir e os pacientes queixem-se frequentemente de sintomas
persistentes, incluindo fadiga. A taxa de mortalidade é <5% em situações ideias e a morte costuma resultar de
complicações pulmonares secundárias. O prognóstico é pior em pacientes com lesão axonal motora e sensorial proximal
grave.
 Polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC)
Distingue-se da SGB por sua evolução crônica, mas compartilha muitas características com a forma desmielinizante
comum da SGB, incluindo nível de proteína elevado no LCS e achados eletrodiagnósticos de desmielinização adquirida. A
maioria dos casos ocorre em adultos, e o sexo masculino é afetado com frequência um pouco maior. A incidência de
PDIC é menor do que a de SGB, mas, em razão de sua evolução arrastada, a prevalência é maior.
O início costuma ser gradual, ao longo de uns meses ou mais, porém em alguns casos o ataque inicial é indistinguível da
SGB. Uma forma de PDIC de início agudo deve ser considerada quando a SGB evolui com piora por mais de 9 semanas
desde a instalação ou quando recidiva pelo menos três vezes. Os sintomas são motores e sensitivos na maioria dos
casos. A fraqueza dos membros é em geral simétrica, mas pode ser nitidamente assimétrica na variante denominada
neuropatia sensitiva e motora desmielinizante adquirida multifocal (SMDAM) (síndrome de Lewis-Sumner), na qual
ocorre acometimento de nervos periféricos distintos. Há considerável variabilidade de caso a caso. Alguns pacientes
apresentam evolução crônica progressiva, enquanto outros, em geral pacientes mais jovens, têm evolução recorrente e
remitente. Alguns têm apenas achados motores, e uma pequena proporção apresenta-se com síndrome relativamente
pura de ataxia sensorial. Ocorrem tremores em cerca de 10% dos casos, que podem tornar-se mais evidentes nos
períodos de piora subaguda ou melhora. Uma pequena proporção apresenta sinais de nervos cranianos, incluindo
oftalmoplegia externa. A PDIC tende a melhorar ao longo do tempo com tratamento; o resultado é que, muitos anos
após o início, quase 75% dos pacientes apresentam estado funcional razoável. A morte por PDIC é incomum.
O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas, no LCS e em achados eletrofisiológicos típicos. O LCS em geral é
acelular com nível de proteína elevado, em alguns casos várias vezes o valor normal. À semelhança da SGB, a pleocitose
do LCS deve levar à consideração de infecção pelo HIV, leucemia ou linfoma e neurossarcoidose. Os achados
eletrodiagnósticos revelam graus variáveis de redução da velocidade de condução, latências distais prolongadas,
dispersão distal e temporal dos PAMC e bloqueio de condução como principais características. Em particular, a presença
de bloqueio de condução é sinal certo de processo desmielinizante adquirido. Evidências de perda axonal,
presumivelmente secundária à desmielinização, estão presentes em mais de 50% dos pacientes. A eletroforese de
proteínas séricas com imunofixação está indicada para pesquisa de gamopatia monoclonal e distúrbios associados. Em
todos os pacientes com PDIC presuntiva, justifica-se excluir vasculite, doenças do colágeno vascular (em particular, LES),
hepatite crônica, infecção pelo HIV, amiloidose e diabetes melito. Outros distúrbios associados incluem doença
inflamatória intestinal e linfoma.
Embora haja evidências de ativação imunológica na PDIC, os mecanismos precisos da patogênese são desconhecidos. A
biópsia costuma revelar pouca inflamação e alterações “em bulbo de cebola” dos nervos (camadas imbricadas de
processos atenuados das células de Schwann circundando um axônio), que resultam de desmielinização e
remielinização recorrentes. A resposta ao tratamento sugere que a PDIC é imunologicamente mediada; de modo
curioso, ao contrário da SGB, a PDIC responde aos glicocorticoides. A minoria dos pacientes apresenta anticorpos séricos
anti P0, proteína P2 da mielina, PMP22 ou neurofascina.
Em torno de 25% dos pacientes com manifestações clínicas de PDIC também apresentam gamopatia monoclonal de
significado indeterminado (MGUS). Casos associados a IgA ou IgG kappa monoclonal em geral respondem ao tratamento

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de maneira tão favorável quanto aqueles que não apresentam gamopatia monoclonal. Pacientes com gamopatia
monoclonal por IgM e anticorpos antiglicoproteína associada à mielina (MAG) apresentam uma polineuropatia distinta,
tendem a ter mais achados sensoriais e evolução mais protraída e geralmente têm resposta menos satisfatória ao
tratamento.
A maioria inicia o tratamento da PDIC quando a progressão é rápida ou a deambulação está comprometida. Se o
distúrbio for leve, a conduta pode ser expectante, aguardando a remissão espontânea. O tratamento inicial costuma ser
feito com IgIV, administrada na dose de 2,0 g/kg de peso corporal, fracionada ao longo de 2 a 5 dias; em geral,
recomendam-se três ciclos mensais antes de concluir que o tratamento não foi bem-sucedido no paciente. Se o paciente
responder, os intervalos entre as infusões podem ser gradualmente aumentados, ou pode-se reduzir a dose (p. ex., 1
g/kg por mês). A PF, que parece ser tão efetiva quanto a IgIV, é iniciada com 2 a 3 sessões por semana durante 6
semanas; também pode ser necessária a repetição periódica do tratamento. O tratamento com glicocorticoides orais é
outra opção (60 a 80 mg/dia de prednisona VO durante 1 a 2 meses, seguidos de redução gradual da dose em 10
mg/mês conforme a tolerância), mas os efeitos adversos problemáticos a longo prazo incluem desmineralização óssea,
hemorragia digestiva e alterações cushingoides. Até 33% dos pacientes com PDIC não respondem adequadamente à
terapia inicial escolhida; deve-se, então, tentar um tratamento diferente. Pacientes refratários à terapia com IgIV, PF e
glicocorticoides podem beneficiar-se com o tratamento usando imunossupressores, como azatioprina, metotrexato,
ciclosporina e ciclofosfamida, administrados de maneira isolada ou como terapia adjuvante. Em pacientes com
neuropatia semelhante à PDIC que não respondam ao tratamento, é importante investigar a possibilidade da síndrome
POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, gamopatia monoclonal e alterações cutâneas.
 Neuropatia motora multifocal (NMM)
É uma neuropatia singular, porém incomum, em que o paciente se apresenta com fraqueza motora lentamente
progressiva e atrofia que evoluem durante anos na distribuição de troncos nervosos específicos, associada a locais de
bloqueio focal persistente da condução motora nos mesmos troncos nervosos. As fibras sensitivas são relativamente
poupadas. Os membros superiores são mais afetados do que os inferiores, e mais de 75% dos pacientes são do sexo
masculino. Alguns casos foram confundidos com formas do neurônio motor inferior da esclerose lateral amiotrófica.
Menos de 50% dos pacientes apresentam-se com altos títulos de anticorpos IgM policlonais contra o gangliosídeo GM1.
É incerto como esse achado se correlaciona com os focos nítidos de bloqueio persistente da condução motora, mas os
gangliosídeos GM1 ocorrem normalmente em altas concentrações nos nodos de Ranvier nas fibras nervosas periféricas.
O exame patológico revela desmielinização e alterações inflamatórias leves nos locais de bloqueio de condução.
A maioria dos pacientes com NMM responde a altas doses de IgIV (doses iguais às da PDIC, citadas antes); há
necessidade de repetição periódica do tratamento (em geral, pelo menos mensalmente) para manter o benefício.
Alguns pacientes refratários responderam ao rituximabe ou à ciclofosfamida. Os glicocorticoides e a PF não são efetivos.
 Neuropatias com gamopatia monoclonal
1. Mieloma múltiplo
Uma polineuropatia clinicamente franca ocorre em cerca de 5% dos pacientes com o tipo comumente encontrado de
mieloma múltiplo, que se apresenta com lesões ósseas osteoporóticas líticas ou difusas. Tais neuropatias são
sensitivomotoras, em geral leves e lentamente progressivas, mas podem ser graves e em geral não são revertidas com a
supressão bem-sucedida do mieloma. Na maioria dos casos, as características eletrodiagnósticas e patológicas são
compatíveis com processo de degeneração axonal. Em contrapartida, o mieloma com características osteoscleróticas,
embora represente apenas 3% de todos os mielomas, está associado a polineuropatia em metade dos casos. Essas
neuropatias, que também podem ocorrer com o plasmocitoma solitário, são peculiares porque: (1) geralmente são de
natureza desmielinizante e assemelham-se à PDIC; (2) com frequência respondem à radioterapia ou à remoção da lesão
primária; (3) estão associadas a proteínas monoclonais diferentes e cadeias leves (quase sempre lambda, ao contrário
do predomínio de capa no tipo lítico de mieloma múltiplo); (4) são refratárias aos tratamentos padrões da PDIC; e (5)
podem ocorrer associadas a outros achados sistêmicos, incluindo espessamento da pele, hiperpigmentação,
hipertricose, organomegalia, endocrinopatia, anasarca e baqueteamento digital. Essas são as características da
síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, gamopatia monoclonal e alterações cutâneas. Os
níveis do fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) estão aumentados no soro, e acredita-se que esse fator

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tenha alguma participação na patogênese desta síndrome. O tratamento da neuropatia deve ser direcionado para o
mieloma osteosclerótico utilizando cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou transplante de células-tronco autólogas do
sangue periférico.
Neuropatias também são encontradas em outras afecções sistêmicas com gamopatia, como macroglobulinemia de
Waldenström, amiloidose sistêmica primária e estados de crioglobulinemia (crioglobulinemia essencial mista, alguns
casos de hepatite C).
2. Gamopatia monoclonal de significado indeterminado
As polineuropatias crônicas que ocorrem em associação com a MGUS em geral estão associadas aos isótipos de
imunoglobulina IgG, IgA e IgM. Os pacientes apresentam, em sua maioria, sintomas sensoriais isolados na parte distal
dos membros e características eletrodiagnósticas de polineuropatia sensitiva ou sensitivomotora axonal. Esses casos
assemelham-se, nos demais aspectos, à polineuropatia sensorial idiopática, e a MGUS pode ser apenas coincidente. Em
geral, não respondem às imunoterapias planejadas para reduzir a concentração da proteína monoclonal. Entretanto,
alguns pacientes apresentam fraqueza generalizada, perda sensorial e estudos eletrodiagnósticos indistinguíveis da PDIC
sem gamopatia monoclonal e sua resposta aos imunossupressores também é semelhante. Uma exceção é a síndrome
da gamopatia monoclonal por capa de IgM associada a uma neuropatia sensorial indolente, de longa duração, às vezes
estática, frequentemente com tremor e ataxia sensorial. A maior parte dos pacientes são homens com mais de 50 anos
de idade. Na maioria, a imunoglobulina IgM monoclonal liga-se a um constituinte normal dos nervos periféricos, a MAG,
encontrada nas regiões paranodais das células de Schwann. A ligação parece ser específica para um epítopo de
polissacarídeo que também é encontrado em outras glicoproteínas normais da mielina do nervo periférico, P0 e PMP22,
e também em outros glicoesfingolipídeos relacionados com o nervo normal. Nos casos positivos para MAG, a
paraproteína IgM incorpora-se às bainhas de mielina dos pacientes acometidos e alarga o espaço entre as lamelas de
mielina, produzindo, então, um padrão ultraestrutural distinto. Desmielinização e remielinização são as marcas dessas
lesões, mas, com o tempo, ocorre perda axonal. Essas polineuropatias com antiMAG são caracteristicamente refratárias
à imunoterapia. Em uma pequena proporção de pacientes (30% após 10 anos), a MGUS evolui ao longo do tempo para
distúrbios francamente malignos, como mieloma múltiplo ou linfoma.
 Neuropatia vasculítica
O envolvimento de nervos periféricos é comum na poliarterite nodosa (PAN), ocorrendo em metade de todos os casos
clínicos e em 100% dos casos em estudos post mortem. O padrão mais comum é o de uma neuropatia multifocal
(assimétrica) sensitivomotora (mononeuropatia múltipla) causada por lesões isquêmicas dos troncos e raízes de nervos;
contudo, alguns casos de neuropatia por vasculite apresentam-se na forma de neuropatia sensitivomotora distal e
simétrica. Os sintomas de neuropatia são comuns à apresentação dos pacientes com PAN. Os achados
eletrodiagnósticos são aqueles de um processo axonal. As artérias de pequeno e médio calibres dos vasos dos nervos,
particularmente os epineurais, são afetadas na PAN, resultando em neuropatia isquêmica difusa. A neuropatia também
é muito frequente na angeíte alérgica e na granulomatose (síndrome de Churg-Strauss).
Sempre se deve considerar a hipótese de vasculite sistêmica quando uma mononeuropatia múltipla de evolução
subaguda ou crônica ocorrer em associação a sintomas constitucionais (febre, anorexia, perda ponderal, perda de
energia, mal-estar e dores inespecíficas). A suspeita de neuropatia vasculítica é confirmada por biópsia combinada de
nervo e músculo, com técnicas seriadas em saltos ou cortes seriados.
Cerca de 33% dos casos de neuropatia vasculítica comprovados por biópsia “não são sistêmicos”, uma vez que a
vasculite parece afetar somente os nervos periféricos. Os sintomas constitucionais estão ausentes, e a evolução é mais
indolente do que a da PAN. A velocidade de hemossedimentação pode estar aumentada, mas outros testes para doença
sistêmica são negativos. Entretanto, é provável o envolvimento clinicamente silencioso de outros órgãos, e a vasculite
costuma ser encontrada no músculo biopsiado junto com o nervo. A neuropatia vasculítica também pode ser vista como
parte de uma síndrome vasculítica que ocorre no curso de outros distúrbios do tecido conectivo. A mais frequente é a
artrite reumatoide, mas uma neuropatia isquêmica causada por envolvimento de vasos dos nervos também pode
ocorrer na crioglobulinemia mista, na síndrome de Sjögren, na granulomatose com poliangeíte (de Wegener), na angeíte
de hipersensibilidade, no lúpus eritematoso sistêmico e na esclerose sistêmica progressiva.

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Algumas vasculites estão associadas a anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCA) que, por vez, são subclassificados
como citoplasmáticos (c-ANCA) ou perinucleares (p-ANCA). Os c-ANCA são dirigidos contra a proteinase 3 (PR3), ao
passo que os p-ANCA têm como alvo a mieloperoxidase (MPO). Os PR3/c-ANCA estão associados à granulomatose com
poliangeíte (de Wegener), enquanto os MPO/p- ANCA costumam estar associados a poliangeíte microscópica, síndrome
de ChurgStrauss e, mais raramente, PAN. Ressalte-se que o MPO/p-ANCA também foi encontrado na vasculite induzida
por minociclina.
A conduta nessas neuropatias, incluindo a neuropatia vasculítica “não sistêmica”, consiste no tratamento do distúrbio
subjacente, bem como no uso agressivo de glicocorticoides e ciclofosfamida. Em ensaios clínicos recentes, observou-se
que a combinação de rituximabe e glicocorticoide não foi inferior à de ciclofosfamida e glicocorticoide. Assim, a terapia
combinando glicocorticoide e rituximabe tem sido cada vez mais preconizada como padrão de tratamento inicial,
particularmente nos casos de vasculite associada ao ANCA.
 Neuropatia paraneoplásica anti-Hu
Esse distúrbio incomum imunologicamente mediado manifesta-se como neuronopatia sensitiva (i.e., lesão seletiva dos
corpos celulares dos nervos sensoriais nos gânglios das raízes dorsais). Muitas vezes, o início é assimétrico com
disestesias e perda sensorial nos membros, que rapidamente evolui para afetar todos os membros, o tronco e a face.
Ataxia sensorial marcante, pseudoatetose e incapacidade de deambular, levantar ou mesmo sentar sem apoio são
características frequentes e secundárias à desaferenciação extensa. A neuronopatia sensorial subaguda é com
frequência idiopática, porém mais da metade dos casos são paraneoplásicos, relacionados principalmente com câncer
de pulmão, a maioria dos quais câncer de pulmão de pequenas células (CPPC). O diagnóstico de CPPC subjacente requer
conhecimento da associação, testes para o anticorpo paraneoplásico e, com frequência, exame PET para detectar o
tumor. Os antígenos-alvo são uma família de proteínas de ligação ao RNA (HuD, HuC e Hel-N1) que em tecidos normais
são expressos apenas por neurônios. As mesmas proteínas costumam ser expressas pelo CPPC, desencadeando, em
alguns pacientes, uma resposta imunológica caracterizada por anticorpos e células T citotóxicas que apresentam reação
cruzada com as proteínas Hu dos neurônios nos gânglios das raízes dorsais, o que resulta em destruição neuronal
mediada imunologicamente. Uma encefalomielite pode acompanhar a neuronopatia sensitiva, e supõe-se que tenha a
mesma patogênese. Os sintomas neurológicos em geral precedem por ≤6 meses a identificação do CPPC. A
neuronopatia sensorial segue seu curso em algumas semanas ou meses e estabiliza-se, deixando o paciente
incapacitado. A maioria dos casos não responde ao tratamento com glicocorticoides, IgIV, PF ou agentes
imunossupressores.

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