Processos e Desenvolvimento Da Cognição Social

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DESENVOLVIMENTO TÍPICO

Vinic A, Velloso RL. Processos e desenvolvimento da cognição social. Temas sobre Desenvolvimento 2011; 18(101):3-10.

processos e desenvolvimento da cognição social


(1) Psicóloga, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP.
alessandra aronovich vinic1 (2) Fonoaudióloga, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP.
renata de lima velloso2
CORRESPONDÊNCIA
Alessandra Aronovich Vinic
[email protected]

RESUMO
PROCESSOS E DESENVOLVIMENTO DA COGNIÇÃO SOCIAL: Neste artigo, são abordados conceitos, processos e habilidades relativos
à cognição social no curso típico do desenvolvimento, bem como são indicadas condições atípicas que se associam a déficits nesses pro-
cessos e habilidades.
Descritores: Cognição social, Empatia, Atenção compartilhada, Autopercepção, Alexitimia.

ABSTRACT
SOCIAL COGNITION: PROCESSES AND DEVELOPMENT: Concepts, processes and abilities involved with social cognition in typical de-
velopment are focused on, and atypical conditions associated with deficits in such processes and abilities are indicated as well.
Keywords: Social cognition, Empathy, Joint attention, Self-conscious emotions, Alexithymia.

3
A interação social é o resultado do uso das habilidades que Butman e Allegri definiram Cognição Social como o pro-
compõem a Cognição Social. O ser humano possui uma ca- cesso neurobiológico que possibilita aos seres humanos
pacidade de processamento limitada relativa ao mundo social, interpretar adequadamente os signos sociais e apresentar
o que nos leva a recorrer a esquemas sobre nós mesmos, sobre respostas apropriadas. O início desse processo se daria nos
os outros, sobre os papéis sociais. Isso gera um processa- primeiros anos de vida, permitindo à pessoa interagir ade-
mento da informação sobre o mundo social. quadamente com o outro, a partir da compreensão dos sinais
Esses esquemas auxiliam nossa compreensão do código faciais e das emoções do grupo social no qual está inserido.
social que, muitas vezes, é subentendido e complexo. São Algumas aquisições seriam esperadas em determinadas
eles: faixas etárias, sendo parâmetros importantes para diagnósti-
- Experiências / Expectativas: modo de categorizar as cos diferenciais, nos quais algum aspecto desse processo
pessoas a partir dos indícios e das informações, prevendo o não se manifesta (Quadro 1).
seu comportamento e as suas atitudes. Atualmente, entende-se Cognição Social como um cons-
- Impressões: noções que se criam no contato com as tructo que envolve diversas habilidades como a atenção
pessoas e que nos dá um quadro interpretativo para as avali- compartilhada, a empatia, o reconhecimento de expressões
armos. faciais, inferências, a antecipação, o faz de conta (pretend-
- Atitudes: predisposição, tendência relativamente estável play), a falsa crença, e a autopercepção (self-conscious emo-
a responder de forma positiva ou negativa a um objeto social. tions), entre outras, ou seja, todas as ferramentas que possibili-
- Representações sociais: conhecimento que se distin- tam que o indivíduo perceba e decodifique os sinais sociais e
gue do conhecimento científico. Conjunto das explicações, possa emitir a resposta adequada no momento certo.
das crenças e das ideias partilhadas e aceitas coletivamente Trata-se de uma habilidade adaptativa para o ser huma-
numa determinada sociedade e que são produto das intera- no. Em outras palavras, trata-se de um sistema cognitivo
ções sociais. complexo, no qual as habilidades envolvidas interagem e se
Precursores no estudo da Cognição Social, Lamb e Sher- complementam para que a pessoa possa fazer e ver sentido
1
rod definiram-na, em 1981, como a capacidade que o indiví- no mundo social (Figura 1). Quando existem déficits em al-
duo tem de perceber e compreender o outro para, assim, guma dessas habilidades, a circuitaria da Cognição Social
2
interagir de maneira adequada. Em 1991, Fiske e Taylor falha, e o sujeito não compreende e não emite a resposta
ampliaram esse conceito com a ideia de que, para compre- adequada à solicitação do meio.
ender o outro, a pessoa deveria desenvolver também a auto- Estudos sobre as habilidades envolvidas no que hoje
percepção e, a partir disso, interpretar e responder aos sinais chamamos de Cognição Social remontam às primeiras pes-
sociais. quisas de Charles Darwin, que foi pioneiro em relacionar as ex-

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Quadro 1. preconizou que existem emoções básicas universais e trans-
Aquisições esperadas de acordo com as diferentes faixas etá- culturais, ou seja, que não precisam ser ensinadas e que não
rias.
variam entre os grupos sociais diversos. Essas emoções bási-
Idade Aquisições cas são o medo, a raiva, a alegria, a tristeza, o nojo e a surpresa.
5,6
recém-nascido - contato ocular Baron-Cohen fez um levantamento de 412 emoções hu-
manas distintas e semanticamente diferentes, das quais al-
18 meses - habilidade cognitiva de metarrepresenta- gumas foram confirmadas como emoções básicas: o medo, a
ção é perceptível nas crianças raiva, a alegria, a tristeza, o nojo, o estado pensativo e a
2 anos - melhor expressão das emoções pela face neutralidade. A partir desse levantamento, passou a investi-
e observação dessa expressão facial das gar as inferências sobre os estados mentais que uma pessoa
emoções nos outros faz sobre outras envolvidas em interações sociais.
- compreesão dos seus desejos (egocen- 7
Piaget (apud Jou e Sperb ) foi um dos primeiros estudio-
trismo)
sos dos conteúdos mentais infantis. Para ele, no período pré-
30 meses - grande quantidade de estados mentais: escolar, a criança com desenvolvimento normal não diferen-
emoções, desejos, crenças, pensamentos, cia claramente os estados mentais dos estados físicos. Ele
sonhos, propósitos
fez referência à capacidade que a criança deveria ter para
3 anos - conhecimento das expressões básicas perceber a distinção entre aparência e realidade, conceitos
- relato de experiências emocionais de similares ao da falsa crença na Cognição Social. Mais especi-
outras pessoas ficamente sobre empatia, Piaget descreve a questão do ego-
- percepção de que determinadas situa-
centrismo, que seria o contraponto da habilidade de empatia,
ções e atitudes podem provocar certos
estados emocionais nas pessoas desenvolvida posteriormente, como a perda da visão de
mundo na qual o referencial é somente a própria criança.
4 anos - percepção de que as reações emocionais 8
Malatesta e Haviland ampliaram essa visão afirmando
podem variar de pessoa para pessoa
que a criança corresponde às expressões faciais de sua mãe
desde os primeiros meses de vida, e que a adequação e a
modulação dessas respostas ocorrem em consequência da
cultura, do gênero e dos costumes familiares nos quais está
9
inserida. Para Otta et al. , crianças com desenvolvimento
típico identificam facilmente as expressões faciais, seja por
Empatia fotografias, desenhos esquemáticos ou associações com
histórias.
Aos 2 anos ocorre um aumento significativo na capacida-
Atenção
Inferências compartilhada
de da criança com desenvolvimento normal de nomear emo-
ções; aos 3 anos, já relata experiências emocionais de outras
pessoas e, aos 4, já percebe que as reações emocionais
10
Cognição podem variar de pessoa para pessoa .
11
Para Izard e Ackerman , aos 3 anos a criança já conhece
Social 12
Falsa crença
Autopercepção
as emoções básicas, e Saarni e Thompson referem que, já
e
(self-conscious a partir de 2 anos, as crianças começam a ser capazes de
faz de conta
emotions) expressar melhor as emoções por meio da face e de observar
(pretend-play)
isso também nos outros, o que melhora muito as suas rela-
Reconhecimento
de expressões
ções sociais e a empatia.
faciais A autopercepção (self-conscious emotions) permitiria ao
indivíduo identificar e descrever seus sentimentos, além de
desenvolver a consciência corporal própria e do outro. Défi-
Figura 1. cits nessa habilidade acarretam estilo cognitivo concreto,
Habilidades envolvidas no sistema da cognição social. interpretação da realidade com base no pensamento operató-
rio e vida emocional pobre, com baixa capacidade para fanta-
13
siar, como um quadro de alexitimia .
Prejuízos na interação social estão intimamente relacio-
pressões faciais com a evolução do homem, atribuindo ao nados com os elementos da Cognição Social, e acarretam
rosto o caráter de indicativo social fundamental para a sobrevi- dificuldades de relacionamento, de compreensão dos sinais
vência. Publicado originalmente em 1872, o livro The expressi- sociais (expressão facial, tons de voz) e alteração de prosó-
ons of the emotions in men and animals (São Paulo: Compa- dia. Essas dificuldades se expressam, principalmente, em
nhia das Letras; 2000) ressalta a existência de um processo todas as variáveis do espectro do autismo, e constituem as-
5,6
evolucionário também para as expressões faciais. Ekman
4 pectos decisivos para o diagnóstico dessas condições .

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14
Para Howlin e Baron-Cohen , as alterações da Cognição tornando-se, portanto, um sistema complexo e que começa a
Social são como uma “cegueira mental”, representada por ser desenvolvido logo nos primeiros meses de vida.
várias dificuldades que refletem funcionamento social inade- A atenção compartilhada é uma habilidade fundamental
quado, não efetivo ou até inexistente. Essas alterações incluem: para a interação social, com a comunicação do que é perce-
bido. A criança comunica e coleta pistas sociais que a auxilia-
18
1. pouca sensibilidade ou insensibilidade frente aos sen- rão na estruturação do jogo simbólico .
timentos de outras pessoas; Desde os primeiros meses de vida, as crianças com de-
2. dificuldade ou incapacidade para perceber e levar em senvolvimento típico apresentam sinais de atenção comparti-
conta o que outras pessoas sabem sobre determinada situa- lhada. Aos 6 meses, por exemplo, estão aptas a seguir o
ção social; olhar da mãe, e isso se intensifica a cada mês de vida.
3. dificuldade ou incapacidade para iniciar amizades, Alguns autores se aprofundaram no conhecimento das
compreendendo e respondendo às intenções do outro ou do etapas pelas quais passa a estruturação da habilidade de
grupo; atenção compartilhada. Segundo Franco e Butterworth (apud
19
4. dificuldade ou incapacidade para sair do seu assunto Brooks e Meltzoff ), aos 12 meses, as crianças apontam e,
de interesse para partilhar, escutar e conversar sobre o as- em seguida, olham para seu interlocutor; aos 14 meses,
sunto do outro; apontam e olham simultaneamente e, aos 16 meses, o olhar
5. dificuldade ou incapacidade para detectar o significado é anterior ao gesto, o que denota a evolução dessa habilida-
da fala do outro, quer seja pelo conteúdo (metáforas) ou pela de, pois a criança estaria refinando a noção de como levar o
forma (piadas, simbolismos); outro a olhar para onde lhe interessa compartilhar.
19
6. dificuldade ou incapacidade para antecipar-se ao que Brooks e Meltzoff avaliaram o olhar seguinte de crianças
suas ações podem causar no outro, ou ao que o outro pode de 12, 14 e 18 meses em tarefa na qual deveriam acompa-
pensar; nhar o olhar de um adulto, com ou sem movimento de cabeça
7. dificuldade ou incapacidade para compreender mal en- ao olhar para o alvo. Os resultados apontaram que, em todas
tendidos ou enganos; as idades, a direção do olhar do adulto foi levada mais em
8. dificuldade ou incapacidade para compreender as in- conta do que apenas a direção da movimentação da cabeça,
tenções que existem por trás das ações dos outros; com desempenho melhor de acordo com a idade.
20
9. dificuldade ou incapacidade para compreender as regras Carpenter et al. ressaltaram que a atenção compartilha-
e convenções não explicitadas de forma clara e literal. da favorece o repertório protodeclarativo da criança, a possi-
bilidade de compreender o ponto de vista do outro e de dividir
À exceção do Inventário de Habilidades Sociais Del Pret- ou mudar esse ponto de vista a favor de seu foco de interes-
15
te , que avalia a existência de diferentes classes de compor- se. Perceber que o outro possa ter um ponto de vista diferen-
tamentos sociais no repertório que o sujeito utiliza para res- te do seu, sobre coisas diferentes ou sobre a mesma coisa, é
ponder adequadamente às relações e às situações interpes- resultado do amadurecimento da habilidade de atenção com-
soais, não há instrumentos padronizados para a avaliação da partilhada.
Cognição Social, senão instrumentos para rastreamento e Dessa forma, a atenção compartilhada seria uma habili-
diagnóstico de transtornos do espectro do autismo (TEA) que dade precursora de outras envolvidas na formação da Cogni-
incluem alguns dos elementos envolvidos no constructo da ção Social, como a empatia, inferências, o faz de conta (pre-
Cognição Social. tend-play). Poder-se-ia, inclusive, apontar déficits de atenção
compartilhada como um primeiro indicador de falhas na Cog-
21
Atenção compartilhada
compartilhada nição Social .
22
Nuku e Bekkering investigaram se o olhar e a posição
16
Sobre a atenção compartilhada, Mundy e Sigman a de- da cabeça eram facilitadores para atrair a atenção comparti-
finiram como sendo comportamentos da criança que envol- lhada, alinhando o foco de interesse das pessoas envolvidas
vem atitudes de comunicação verbal, não verbal e de contato na interação. Em dois experimentos, foi utilizada uma cabeça
/ deslocamento ocular para dividir uma experiência. Segundo humana virtual que, em algumas situações, estava de olhos
os autores, trata-se de habilidade que pode ser intencional ou abertos ou fechados e, em outras, apenas movendo a cabeça
automática, mas visa partilhar um evento social, ainda que na direção do evento para o qual se desejava chamar aten-
minimamente. Para os autores, a atenção compartilhada está ção. A conclusão dos dois experimentos foi que a orientação
diretamente relacionada com o desenvolvimento da capaci- da cabeça não é suficiente para provocar uma mudança na
dade simbólica, e remete a um dos primeiros comportamen- atenção do observador, mas que a direção do olhar é funda-
tos sociais do ser humano no seu desenvolvimento neurobio- mental para esse processo.
lógico. Ainda segundo os autores, as ferramentas seriam Estudos recentes indicam que apontar para objetos, se-
vocalizações, gestos e contato ocular. gui-los com o olhar, acompanhar o olhar do outro, e até al-
17
Tomasello e Akhtar colocaram que atenção compartilhada cançar um objeto que se deseja fazem parte da atenção
é uma habilidade que requer coordenação entre a atenção ao compartilhada. Falhas na habilidade de atenção compartilha-
parceiro social, a si mesmo e ao foco de atenção dividida, da dificultam que a pessoa possa dividir com um interlocutor

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o seu foco de interesse, ou, ainda, que possa acompanhar “sentir dentro”, e foi utilizado originalmente no mundo da pintu-
para onde se desloca eventualmente a percepção do outro. ra para explicar os sentimentos que uma obra de arte é capaz
30
Em termos de ferramenta social, a atenção compartilhada é de suscitar em quem a contempla .
31
fundamental para eficiência das interações tanto duais quanto Freud (apud Coelho Jr. ) já utilizava o conceito de empa-
em grupos, ou para a simples observação de uma ocorrência tia como ferramenta terapêutica, já que “sentir-se como” era
social contextualizada. fundamental para o processo psicanalítico. Chamou essa
Inferir sobre os sentimentos do outro e compreender a re- habilidade cognitiva de Einfühlung, considerando-a também
lação de causalidade são processos mentais que também como ferramenta essencial ao indivíduo na sociedade.
fazem parte da Cognição Social. Nos casos em que tais pro- Posteriormente a Freud, Carl Rogers definiu empatia co-
cessos se apresentam deficitários, como ocorre nos casos de mo a principal ferramenta para a técnica que desenvolveu de
TEA, a noção de causa e efeito, ação e reação fica perdida, e psicoterapia centrada na pessoa. Nela, o terapeuta, respon-
planejar ou relativizar atitudes e impulsos é algo muito mais dendo empaticamente ao paciente, sentindo-se como ele,
difícil. Inferir é consequência de estar atento a pistas sociais teria maior alcance nas interpretações do material emocional
32
(atenção compartilhada), simbolizar, levar em conta os dados trabalhado na sessão .
realmente fornecidos (falsa crença), conhecer o repertório de A empatia é uma habilidade cognitiva com componente
expressões faciais, colocar-se no lugar do outro (empatia) e, afetivo, já que pressupõe uma resposta emocional, e se de-
23
assim, emitir a resposta adequada . senvolve durante a infância. Essa habilidade se refere à ca-
Por volta dos 18 meses de idade, já se percebem nas cri- pacidade de perceber se alguém está olhando para você ou
anças a habilidade cognitiva de metarrepresentação e a habi- não; de julgar uma expressão facial básica de outra pessoa; de
lidade de atenção compartilhada, que é um dos componentes ter atenção compartilhada; de responder adequadamente ao
33
mentais indispensáveis para a existência da Teoria da Men- estado emocional do outro; de julgar as intenções do outro .
24
te . Essa habilidade envolve vocalizações, gestos e contato Um dos primeiros estudiosos no campo do reconhecimen-
34
ocular no propósito do indivíduo de dividir experiências em to das emoções foi Harris , segundo o qual crianças com
relação às propriedades dos objetos e dos eventos a seu desenvolvimento considerado normal reconhecem, já entre 3
16
redor . e 4 anos de idade, que determinadas situações e desejos
Os jogos sociais têm papel significativo no desenvolvi- podem provocar certos estados emocionais nas pessoas.
10
mento da habilidade de compartilhar interesses. Ao realizar Em 1977, Izard realizou um trabalho fundamental para
uma atividade repetidamente, o bebê passa a entender as os primeiros estudos sobre empatia, reunindo fotos de norte-
formas apropriadas de comunicação para cada atividade americanos adultos e crianças, com diversas expressões
específica, desenvolvendo, assim, a comunicação intencio- faciais. Mostrou-as a indivíduos de cinco países: Brasil, Chi-
25
nal . A atenção compartilhada é, portanto, importante para o na, Argentina, EUA e Japão, solicitando que identificassem
18 26
desenvolvimento da capacidade simbólica . Mundy et al. as emoções apresentadas nas fotos. Houve concordância de
definem o comportamento de atenção compartilhada como todos os países em relação ao reconhecimento das expres-
rico preditor do desenvolvimento da linguagem. sões de medo, raiva, alegria, nojo, tristeza e surpresa. Diante
Algumas habilidades que surgem na infância, como fingir desses resultados, Izard considerou essas expressões faciais
num contexto de uma brincadeira ou jogo (faz de conta), como universais, ou seja, facilmente reconhecidas por dife-
parecem se manifestar apenas quando a capacidade de rentes culturas.
27
teorizar a respeito da mente dos outros é construída . Crianças com desenvolvimento normal apresentam habili-
As relações entre esses mecanismos e a construção da dades empáticas no reconhecimento de expressões faciais
28
linguagem são muito discutidas. Scheuer referiu que a Teo- entre os 4 e 5 anos de idade. Em estudos mais específicos
ria da Mente tem implicações na constituição da linguagem. sobre identificação de emoções, afirma-se que, a partir dos 3
29
Por outro lado, Asting e Jenkins observaram que habilida- anos de idade, as crianças já percebem que determinadas
des iniciais de linguagem predizem o desempenho posterior situações e atitudes podem provocar certos estados emocio-
35
nas provas de Teoria da Mente, sendo que o inverso não se nais nas pessoas .
9
verifica, e concluíram que a linguagem é essencial para a Segundo Otta et al. , crianças identificam facilmente as
configuração da Teoria da Mente. Essa afirmação é justifica- expressões faciais, seja por fotografias, desenhos esquemá-
da pelo fato de existir complexidade linguística envolvida nas ticos ou associações com histórias. O surgimento e a especi-
provas de habilidades de Teoria da Mente. alização da empatia em crianças por volta do segundo ao
terceiro ano de vida viabiliza sua adaptação ao meio social, e
Empatia versus sistematização e o permite que respondam a esse meio de maneira adequada e
36
que, assim, mostrem um ajustamento crescente .
expressões
reconhecimento de express ões ffaciais
aciais 37
Baron-Cohen publicou a Teoria do Cérebro Extrema-
mente Masculino do Autismo, segundo a qual o cérebro mas-
À capacidade de decodificar os estados mentais do outro
culino seria mais sistemático do que empático, e que o autis-
a partir de indicativos, dentre os quais se destacam as ex-
mo seria uma forma extrema de funcionamento do cérebro
pressões faciais, deu-se o nome de empatia. Etimologicamen-
masculino. O Quociente de Empatia (QE) e o Quociente de
te, o termo empatia origina do grego em-pathos, que significa

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Sistematização (QS) foram medidas desenvolvidas pelo autor de conta, inicialmente, no seu brincar e, posteriormente, para
5,6 27 38
e sua equipe . Nesse sentido, sistematização é a capacida- lidar com situações em interação social . Wimmer e Perner
de de analisar ou construir sistemas do ponto de vista cogni- determinaram que, em crianças normais, a falsa crença está
tivo, e empatia é a capacidade de identificar os estados men- estabelecida entre os 4 e 6 anos. Em estudo com crianças
37 39
tais do outro e responder a eles com emoção apropriada . brasileiras, Santana e Roazzi colocaram que a falsa crença
Para chegar a essa conclusão, o autor utilizou diversos dados estaria estabelecida por volta dos 5 anos. Essas diferenças
40
de pesquisas realizadas anteriormente (como o QE, o Teste podem ser devidas ao método de estudo utilizado .
41
dos Olhos, o Teste de Expressões Faciais Complexas, avali- Partindo desse paradigma, Baron-Cohen desenvolveu o
ação de contato visual, desenvolvimento da linguagem, avali- teste de Sally-Ann, especificamente para avaliar se havia com-
ação de déficit pragmático, o Questionário de Amizades), prometimento dessa habilidade em crianças com diagnóstico
como também investigou indicadores de funcionamento cog- de TEA. A tarefa envolve o contexto social e, por isso, pode
nitivo mais sistemático do que empático, incluindo ilhas de indicar como a criança faz ou não inferências sobre os estados
interesse, atenção a detalhes, preferência por informações mentais de outras pessoas. Os autores enfatizaram que a
pontuais, desempenho em testes de física intuitiva, avaliação compreensão da falsa crença, tanto quanto das crenças ver-
de preferência de brinquedos, interesse por coleções, obses- dadeiras, é determinante para derivar o comportamento social.
42
são por sistemas fechados (como computadores, circuitos de Pernner et al. utilizaram uma adaptação ao teste de
37
corrida etc.) e o QS . Sally-Ann e à tarefa dos Smarties e, assim, avaliaram 90
Dando sequência a essas pesquisas, Baron-Cohen com- crianças de 4, 5 e 6 anos de idade, das quais 30 viviam em
parou o QS, que seria a contrapartida do QE, entre homens, orfanato, 30 tinham nível sócio-econômico baixo e 30, nível
mulheres e pessoas com TEA. O estudo confirmou as hipóte- sócio-econômico médio, a fim de investigar se havia influên-
ses de que os homens normais tinham QS maior que as cia do nível cultural no desempenho em situações que exigi-
mulheres, e os sujeitos com TEA apresentavam QS maior am habilidades de falsa crença. Crianças de 4 anos de nível
33
que os outros dois grupos pesquisados . sócio-econômico baixo e médio apresentaram a habilidade
Em estudo realizado para avaliar empatia em pessoas desenvolvida, mas as que viviam em orfanato só alcançaram
5
com TEA, Baron-Cohen comparou o desempenho de três bons resultados a partir dos 6 anos, observações que aponta-
homens com Síndrome de Asperger, homens sem Síndrome ram para uma possível relação entre estímulos do ambiente e
de Asperger e mulheres da população geral em tarefas que melhora na habilidade de falsa crença.
envolviam empatia e sistematização. Para avaliar empatia,
utilizou instrumento elaborado por sua equipe, o Social Stori- elf--conscious emotions
Autopercepção ou self
es Questionnaire (SSQ), que compreende histórias nas quais
o paciente deve avaliar atitudes de um personagem que po- Alexitimia é, por definição, a incapacidade para nomear os
dem perturbar o outro personagem. Na avaliação de sistema- próprios sentimentos e emoções. Foi cunhado por Pierre
tização, a tarefa era responder o Physical Prediction Questio- 43
Marty (apud Carneiro ), na década de 1960, a partir de suas
nnaire (PPQ), que envolve compreensão de sistemas de observações em pacientes que tinham doenças consideradas
física, prevendo o movimento seguinte do sistema proposto. psicossomáticas por seu grupo de pesquisa. Referia-se a
Nessa prova, as mulheres tiveram desempenho significativa- uma forma de pensar muito pragmática, concreta, com pouca
mente inferior aos dois grupos de homens, e entre os grupos capacidade de simbolização, o que tornava a pessoa pouco
masculinos não houve diferença significativa. Já na tarefa de reativa aos eventos ao seu redor.
empatia, as mulheres tiveram resultados significativamente 44
Em 1977, Freyberger (apud Fitzgerald e Bellgrove ) pro-
superiores. pôs a diferenciação entre alexitimia primária, que seria um
traço de personalidade e, por isso, pouco sujeita a modifica-
Falsa crença
crença ções, e alexitimia secundária, ou seja, um estado emocional
resultante de aspectos ambientais.
Falsa crença, termo traduzido do inglês false beliefes, re- 45
Lewis et al. identificaram emoções secundárias que se-
fere-se a uma crença que diverge da realidade por estar riam chamadas de self-conscious emotions, que envolvem
baseada em informações perceptuais parciais sobre determi- autorreflexão e autopercepção baseadas em valores pesso-
38
nada situação ou objeto. Em 1983, Wimmer e Perner cons- ais e nos de outras pessoas, e o fracasso em atingi-las leva o
truíram uma tarefa para investigar a falsa crença, baseada no sujeito a um estado que poderá fazê-lo vivenciar ou não o
que chamaram de transferência inesperada, que passou a sentimento, dependendo da objetivação de sua reflexão.
ser referência na área. Conseguir acertar a tarefa significa Essas emoções secundárias são fundamentais como parâ-
que a criança tem capacidade para predizer o comportamen- metros reguladores de funcionamento social adequado ao
to do personagem baseado na sua crença (falsa). sujeito; são como alertas em relação ao contexto e ao feed-
A falsa crença, segundo alguns teóricos, não estaria esta- back que ele recebe por suas atitudes e reações. São elas: a
belecida antes dos 3 anos, por falta de recursos de metarre- vergonha, a culpa, o orgulho e o embaraço.
presentação no desenvolvimento típico. A metarrepresenta- As habilidades de Cognição Social se cruzam à medida
ção possibilita que a criança desenvolva inferências e o faz que o sistema é utilizado, e uma acaba dependendo da outra

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no momento de emitir a resposta adequada ao estímulo social. Modelo de Processamento
Processamento da Informação Social
As self-conscious emotions, por exemplo, estão associadas a
(Social Information Processing – SIP)
dois aspectos da Cognição Social: a habilidade de reconhecer
que um determinado comportamento social tem consequên-
O funcionamento adequado das habilidades sociais a ser-
cias aos olhos dos outros, e a habilidade de compreender a
46 viço da Cognição Social sugere que o conteúdo social absor-
violação das normas sociais .
vido deva seguir um modelo de organização e processamen-
O autoconceito foi reconhecido como fundamental para o
to. O modelo mais aceito foi o proposto em 1994, por Crick e
desenvolvimento normal da Cognição Social, pois é formado, 49
Dodge , que entendem que, desde pequena, a criança, por
em grande parte, pela comparação com o outro e determina o
47 meio da observação, da reflexão e da avaliação, pode pesar
modo como nos posicionamos em diversas situações sociais .
as possíveis consequências antes de agir ou reagir em diver-
Pesquisas ressaltam que reconhecer as próprias emoções
sas contingências de seu desenvolvimento, aprimorando,
é uma forma de perceber os limites sociais e manter-se dentro
dessa forma, o processamento de informação social.
de padrões aceitáveis do comportamento social. A percepção
Essas etapas supõem que haja uma codificação da infor-
de emoções como timidez e vergonha é reguladora nesses
mação social, seguida de sua interpretação, de acordo com
casos. Em pessoas com TEA, por exemplo, muitas vezes a
repertórios, educação, cultura e faixa etária. Depois ocorre a
habilidade de identificar as próprias emoções, ter consciência
clarificação de metas, visando à elaboração de respostas,
delas e compreender o que elas causaram é um processo 50
decisão e, finalmente, à emissão do comportamento (Figura 2).
que precisa ser aprendido, não raramente anos depois do
48
que seria esperado para a faixa etária da pessoa .

Figura 2. Modelo de Processamento de Informação Social (SIP) em crianças (adaptado de Crick & Dodge, 199450).

Considerações finais No caso específico dos TEA, embora se refiram a condi-


ções cujo diagnóstico clínico ainda é considerado o “padrão-
51
O desenvolvimento típico da Cognição Social é funda- ouro” , a avaliação dos elementos da Cognição Social é uma
mental para as interações sociais efetivas do ser humano, e forma de mapear os déficits dessa população no domínio
alterações nessa habilidade são observadas especialmente social e, assim, poder dimensionar de onde devem partir as
em pessoas com diagnósticos de TEA, Esquizofrenia, De- intervenções a serem feitas.
pressão, Transtorno Específico de Linguagem, Paralisia Ce- Todavia, não existem instrumentos validados ou padroni-
rebral, Sociopatia, Déficit no Processamento Auditivo, Fobia zados, até o momento, que abranjam todas as habilidades
Social, Mal de Alzheimer, Demência, Transtorno Não Verbal discutidas neste artigo, mas alguns questionários e escalas
de Aprendizagem e Transtorno de Personalidade Esquizoide. desenvolvidos em pesquisas realizadas por grupos idôneos

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vêm sendo utilizados como norteadores clínicos desse tipo de 11. Izard CE, Ackerman BP. Motivational, organizational, and regulatory functions
of discrete emotions. In: Lewis M, Haviland-Jones JM. Handbook of emotions.
avaliação. É o caso, por exemplo, de materiais produzidos New York: Gillford Press; 2000. [Disponível em www.books.google.com].
pelo grupo da Universidade de Cambridge (Austim Research 12. Saarni C, Thompson RA. The development of emotional competence. New
Center), liderado por Simon Baron-Cohen. Duas tarefas que York: Guilford Press; 1999.
avaliam, respectivamente, a capacidade de sistematização 13. Taylor GJ, Ryan D, Bagby RM. Toward the development of a new self-
em adultos e o QE e QS em crianças já foram traduzidas e report Alexithymia Scale. Psychother Psychosomatics 1985; 44:191-9.
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O Questionário de Predição Física (QPF) compreende
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quais 27 são relativas à empatia e 28, à sistematização. São
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favorável para essas pessoas. Além disso, é uma forma de
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compreender como essas pessoas enxergam as relações
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Atualização

Alves ACJ, Matusukura TS. Reflexões sobre o uso da tecnologia assistiva no contexto escolar. Temas sobre Desenvolvimento 2011;
18(101):10-6.

Artigo recebido em 21/06/2010. Aceito para publicação em 31/03/2011.

reflexões sobre o uso da tecnologia assistiva no


contexto escolar
ana cristina de jesus alves1 (1) Terapeuta ocupacional, Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação Especial da Universidade
Federal de São Carlos, SP.
thelma simões matsukura2 (2) Terapeuta ocupacional, Docente do Programa de Pós-graduação em Educação Especial e do Programa de Pós-
graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos, SP.

Programa de Pós-graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos, SP.

CORRESPONDÊNCIA
Ana Cristina de Jesus Alves
Rua Benjamin Stauffer 466 / 01 – 14.020-350 – Ribeirão Preto – SP – [email protected].

RESUMO
REFLEXÕES SOBRE O USO DA TECNOLOGIA ASSISTIVA NO CONTEXTO ESCOLAR: O Censo Escolar realizado no Brasil no ano de
2008 localizou 11.617 deficientes físicos matriculados em classes comuns no estado de São Paulo. O uso de recursos de tecnologia assis-
tiva tem trazido benefícios em relação à necessidade de auxílio e de cuidado a essa população. Estudos internacionais apontam que a
promoção da independência foi um dos benefícios mais frequentemente citado por pais e por professores. Na literatura nacional, as publi-
cações estão focadas em indicações de recursos que visam favorecer o desempenho escolar da criança com deficiência. Este estudo tem
como objetivo apresentar a trajetória do uso de recursos de tecnologia assistiva no âmbito nacional e internacional, focando o contexto es-
colar e discutindo os conceitos, as práticas e os modelos teóricos que fundamentam esse uso.
Descritores: Educação especial, Inclusão, Tecnologia assistiva, Terapia ocupacional, Paralisia cerebral.

ABSTRACT
REFLECTIONS ON THE USE OF ASSISTIVE TECHNOLOGY IN THE SCHOOL CONTEXT: The Brazilian Scholar Census 2008 identified
11,617 disabled persons enrolled in regular classes in São Paulo state. The use of assistive technology has brought benefits related to the
assistance and care needs of this population. International researches indicate that one of the benefits most frequently reported by parents
and teachers is the advancement of the independence in students. In national literature, the research is focused on resources that aim at
promoting the school performance of disabled children. The objective of this review is to present the historical use of assistive technology re-
sources at national and international references, focusing on the school context and discussing the concepts, approaches and theoretical
model that underlie their use.
Keywords: Special education, Inclusion, Assistive technology, Occupational therapy, Cerebral palsy.

O Censo Escolar realizado no Brasil no ano de 2008 loca- matriculados em classes comuns, com suplementação em
lizou 384.599 alunos com necessidades educacionais especiais classe de recurso ou não. Nesse contingente, o número de

10 Temas sobre Desenvolvimento 2011; 18(101).

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