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Tribunal 

da Comarca de ...

Meritíssimo Juiz de Direito

Júlia, solteira, maior, NIF ..., residente em ...
instaura acção declarativa com processo comum contra
Eloísio, NIF ..., com domicílio profissional na clínica “W.”
sita em ...
E
Companhia de Seguros Z, NIF ..., com sede em ..., o
que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

Os Factos

01 No  dia  28.04.05  o  réu, médico dentista,  submeteu  a  autora  a


uma intervenção cirúrgica.

02 No ano de 2005, a autora efectuou na clínica “W.” desvital-
ização do dente n° 4.6. no maxilar inferior.

03 Passado algum tempo esse dente rachou.

04 Em consequência de tal facto, a autora voltou à clínica
“W.”, onde lhe foi sugerida a extracção do dente e colo-
cação de um implante.

05 Para tanto, começou o réu por fazer um RX panorâmico aos
maxilares da autora.
06 Após observação de RX, o réu detectou uma imagem suspei-
ta no dente 4.5. da autora, do que a informou, dizendo-lhe
também que a mesma teria que ser retirada, para o que ficou
marcado o dia 28.04.05.

07 A autora compareceu na data designada na clínica tendo o réu
intervencionado cirurgicamente a autora.

08 O acto cirúrgico demorou cerca de 2 horas e a autora foi anes-
tesiada por duas/três vezes.

09 Na sequência da intervenção cirúrgica na data mencionada,
a  autora  ficou  com  a  sensação  de  lábio  descaído  e  de  boca
ao lado e nos dias imediatamente seguintes com uma parte
da face negra.

10 A autora perdeu a sensibilidade numa  pequena área  do  men-


toneano direito, cerca de l cm2, ao nível do lábio, o que lhe
provocou dificuldade em falar e em comer, caindo-lhe a comi-
da pelo canto direito da boca.

11 Pelo menos na clínica “W” a autora sujeitou-se a tratamen-
tos relacionados com a perda de sensibilidade na região
acima mencionada.

12 A autora passou, imediatamente, após tal intervenção efectua-
da pelo réu a sentir muitas dores.

13 A autora regressou à clínica “W.” e o réu designou as dores
sentidas pela mesma como sendo “dores fantasma”.

14 Passaram-se meses e até anos e a autora teria padecido de dores
de que se queixou ao réu e que foram variando de intensidade
15
ao longo do tempo.

A autora frequentou a Clínica da Dor do Instituto Português
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de Oncologia (doc. 1).

Em face da insensibilidade e dores de que a autora se continuava
a queixar, o réu receitou-lhe sessões de fisioterapia baseada em
17 massagens e ultra-sons feitas na própria clínica “W” (doc. 2).

O tratamento indicado pelo réu e seguido pela autora não teve
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quaisquer efeitos positivos.
19 A autora continuou a ter dor e insensibilidade.

O  réu  falou  à  autora  em  consultar  um  médico  do  Hospital


20
de S. José.

A autora marcou e compareceu no Hospital da CUF, numa
21
consulta de especialidade maxilo-facial com o Dr. M. (doc. 3).

Essa consulta realizou-se em 15.11.06, tendo, na ocasião, o Dr.
M., após observação da doente, concluído que teria que efectu-
ar uma intervenção cirúrgica para melhor ver e analisar a razão
22 de ser das queixas da autora.

Nessa mesma consulta, o Dr. M., face à grande dor que
nessa altura a autora sentia, imediatamente lhe aplicou uma
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injecção de corticóides.

A autora foi consultada, ainda que modo informal, pelo Dr. S.,
médico de especialidade maxilo-facial do Hospital de São José.
24 No dia 20.12.06 a autora, sob anestesia geral, foi operada pelo
Dr. M. e sua equipa (doc. 3).

25 O Dr. M., no pós-operatório, informou os familiares que
durante a operação verificou que o nervo mentoneano
tinha sido lacerado.

26 O réu cortou o nervo mentoneano, mas não o ligou de imediato.

27 Nas extremidades resultantes do corte feito pelo réu surgiram
granulomas de que foi feita biopsia excicional.

28 O Dr. M. teve que cortar um pouco mais, devido ao es-
tado agravado do nervo pelo ano e meio que entretanto
decorrera, a fim de o poder ligar: a chamada neurorrafia
do nervo mentoneano.

29 O Dr. M. concluiu que seria muito difícil a regeneração do nervo.

30 Desde a operação de 20.12.06 a autora tem sentido um quadro
irregular de dor.

31 O resultado anátomo-patológico da mencionada biópsia
aos granulomas das extremidades do nervo cortado foi de
neuroma traumático.

32 O corte do nervo mentoneano fez com que os topos do nervo
não se encontrassem um ao outro, levando ao crescimento de
granulomas e tornando-se uma situação inflamatória.

33 Após o corte do nervo mentoneano, a autora passou a sentir
dor e falta de sensibilidade, tendo a sensação de lábio descaído
34
e dificuldade em comer e falar.

As dores, a insensibilidade sentida, a dificuldade em falar e em
comer têm provocado desgosto e abalo psicológico na autora,
35
tendo até vergonha em conviver.

O que a tem levado cada vez mais a isolar-se em casa e deixar
36
de conviver com outras pessoas.
37 A situação perdura desde a intervenção cirúrgica de 28.04.05.

O ora Réu celebrou um contrato de seguro de responsabilidade
civil profissional com a Companhia de Seguros Z, S A, com
38 sede na Rua ..., titulado pela apólice nº ... (doc. 4).

Deste modo, o Réu transferiu, através da apólice em referência
a sua eventual responsabilidade civil pelos danos resultantes da
39 actividade de médico para a referida Companhia de Seguros.

Assim, o eventual prejuízo que da procedência da presente
acção advenha contra o ora Réu, deverá ser assumido pela
aludida seguradora, tendo esta um interesse directo em con-
tradizer na presente lide.

O Direito

Dos  factos  acima  descritos  é  bom  de  ver  que  o  réu  agiu
com negligência, por não ter restaurado o nervo mentonea-
no, cortado durante a intervenção a que autora foi subme-
tida, ou, pelo menos, encaminhado a doente para consulta
de outra especialidade, onde pudesse ser feita a ligação da-
quele nervo (a designada neurorrafia).
«Entre a autora e o réu foi celebrado um contrato de pres-
tação de serviços (médicos) (Como refere Rute Teixeira Pe-
dro, A Responsabilidade Civil do Médico, 72 e ss., a qualifi-
cação  do  contrato  depende,  naturalmente,  do  conteúdo  da
relação obrigacional, podendo nalgumas situações consti-
tuir um contrato de empreitada ou até um contrato misto.) a
que se aplicam as disposições relativas ao mandato, com as
necessárias adaptações, uma vez que se está perante uma
modalidade de prestação de serviços que a lei não regula
especialmente (arts 1154º e 1156º, do CC).
Por força desse contrato, o réu obrigou-se a prestar
à  autora  a  assistência  médica  necessária,  empregando
os conhecimentos e técnicas disponíveis, respeitando
as leges artis, tendo em vista tratar (curar) a doente e
diminuir-lhe o sofrimento.
Além disso, o réu, enquanto médico, estava ainda
obrigado a vigiar/acompanhar a autora, sua doente, no
pós-operatório, prestando-lhe todos os cuidados que o
seu estado exigisse, bem como todas as informações
sobre  o seu  estado  de  saúde.
Por sua vez, para que nasça a obrigação de indemnizar é
necessário que o médico pratique um acto ilícito, culposo e
adequado a causar danos ao doente.
Aplicando à responsabilidade civil por acto médico o re-
gime geral da responsabilidade contratual, dir-se-ia, como
decorre do art. 799º, nº 1, do CC, que impende sobre o pres-
tador de serviços médicos uma presunção de culpa, que lhe
cumpre elidir, se pretender furtar-se à obrigação de indem-
nizar, por falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso.
Considerando as dificuldades de prova dos pressupos-
tos da responsabilidade civil por parte dos lesados nos
actos médicos, tem sido justamente defendido que, muito
embora caiba ao demandante o ónus da prova da violação
da lex artis (ilicitude), no tocante à culpa, deve a mesma
presumir-se,  nos termos  do  art.  799º, do CC,  cabendo  ao
médico o ónus da prova da falta de culpa, ou seja a prova
de que, naquelas circunstâncias, não podia e não devia
ter agido de maneira diferente (cf. André Dias Pereira, in
O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente,
Coimbra, 2004, 422 e ss.; Figueiredo Dias e Sinde Montei-
ro, Responsabilidade Médica em Portugal, BMJ 332, 46 e
Carlos Ferreira de Almeida - Os Contratos Civis de Pres-
tação de Serviço Médico, Direito da Saúde e Biomédica
- 1996, AAFDL, pág.111).
O ónus da prova da diligência recairá sobre o médico,
caso o lesado faça prova da existência do vínculo contra-
tual e dos factos demonstrativos do seu incumprimento
ou cumprimento defeituoso.
“O médico, e é esta a actividade profissional que im-
porta  considerar  aqui,  põe  à  disposição  do  cliente  a  sua
técnica e experiência destinadas a obter um resultado
que  se afigura provável.
Para isso compromete-se a proceder com a devida di-
ligência.  Esta  conduta  diligente  é  assim  objecto  da  obri-
gação  de  meios que  assume.
Quando o cliente se queixa que o médico procedeu sem
a devida diligência, isto é, com culpa, está a imputar-lhe um
cumprimento defeituoso.» Tribunal da Relação de Lisboa,
Secção Cível, Acórdão de 9 Mar. 2010, Processo 1384/08
Relator: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado. Co-
lectânea de Jurisprudência.
Não se vê assim qualquer razão para não fazer incidir
sobre o médico a presunção de culpa estabelecida no art.
799º, nº1, do C. Civil.
O que é equitativo, pois a facilidade da prova neste do-
mínio está do lado do médico.” Ac. do STJ de 17/12/2002,
ITIJ, SJ200212170040576, relator o Juiz Conselheiro Afon-
so de Melo. No mesmo sentido, podem ver-se o Ac. STJ de
22/5/2003, ITIJ, SJ200305220009123, relatado pelo Juiz
Conselheiro Neves Ribeiro; o Ac. Rel Porto de 20/7/2006, ITIJ,
RP200607200633598, relatado pelo Juiz Desembargador
Gonçalo Silvano e o Ac. do STJ de 27/11/2007, in www.dgsi.pt.
No caso sub judice dúvidas não restam de que o réu
violou os deveres de zelo, diligência e vigilância a que
estava obrigado.
Na verdade:
Tendo cortado o nervo mentoneano não providenciou
pela pronta restauração do nervo lacerado (executando-
-a, se estivesse dentro da sua esfera de competências,
ou encaminhando a autora para médico de outra espe-
cialidade), sabendo - como não podia deixar de saber -
que,  na  neurorrafia  a  hipótese  de  sucesso  é  tanto  maior
quanto menor for o tempo que decorre entre a laceração
e a  intervenção restauradora.
E, assim, por via da sua conduta, a autora apenas foi ope-
rada, em Dezembro de 2006, ou seja, cerca de um ano e
meio depois da laceração do nervo.
Também não teve o cuidado de dar conhecimento à auto-
ra daquela ocorrência (muito embora a tenha avisado antes
da realização da intervenção de que tal podia acontecer).
Por outro lado, perante as queixas da autora, as quais cor-
respondiam à sintomatologia descrita para a sua patologia,
não podia ter deixado de admitir a possibilidade (real) de ter
sido cortado o nervo mentoneano, e de prescrever os trata-
mentos adequados, ponderando designadamente - como se
impunha - a submissão da autora a uma neurorrafia.
Note-se que os tratamentos (paliativos) que o réu re-
comendou não surtiram qualquer efeito, pelo que, desde
logo nesta fase, a sua conduta não pode deixar de mere-
cer um juízo de reprovação.
Note-se que a obrigação do médico compreende o dever
de vigilância após a prática do acto médico, tendo em vis-
ta reduzir ou eliminar o risco de ocorrências anómalas com
efeitos nefastos para a saúde do doente.
Consequentemente, não tendo o réu provado que tomou
todas as medidas exigíveis ao caso, conformes à “lex artis”,
de modo a, pelo menos, minimizar o resultado danoso, nem
tão pouco, no que respeita ao nexo de causalidade, que
houve uma situação de caso fortuito, excludente da relação
de causalidade entre a conduta censurável e o dano, não
pode deixar de se considerar que agiu com culpa.
Nos termos do disposto no art. 798º, do CC, “o devedor
que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-
se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Por sua vez, quem estiver obrigado a reparar um dano
deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse
verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, CC),
tendo em conta que a obrigação de indemnização só existe
em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria
se não fosse a lesão (art. 563º, do CC).
No que respeita aos danos não patrimoniais, há que ter
em conta o disposto no art. 496º, nºs 1 e 3, do CC, onde
se estabelece que, na fixação da indemnização, deve aten-
der-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade,
mereçam a tutela do direito, sendo o respectivo montante
fixado  equitativamente  tendo  em  conta  o  grau  de  culpabili-
dade do responsável, a situação económica do lesante e do
lesado e as demais circunstâncias do caso.
Por seu turno, a gravidade do dano há-de medir-se por um
padrão  objectivo,  que  tenha  em  conta  o  circunstancialismo
de cada caso, e não por padrões subjectivos, resultantes
de uma sensibilidade particular, cabendo ao tribunal dizer,
em cada caso, se o dano, dada a sua gravidade, merece ou
não tutela jurídica - cf. Antunes Varela, “Das Obrigações em
Geral”, vol. I, 7ª edição, pág. 600 e Almeida Costa, “Direito
das obrigações”, 5ª edição, pág. 484.
No caso em apreço, atenta a factualidade provada, desig-
nadamente a natureza das lesões sofridas pela autora, as
dores sentidas e que provavelmente vai continuar a sentir, o
demais  sofrimento  e  o  isolamento  social,  consequentes  ao
facto danoso, surge como equilibrado o montante indemni-
zatório de € 30.000.

Termos  em  que, nos mais  de Direito  e com  o


mui douto suprimento de  Vossa Excelência,
deve  a  presente  acção  ser  julgada  procedente
por  provada  e,  em  consequência  ser  os  Réus
solidariamente  condenados  a  pagar  ao Autor  a
quantia de € 30.000 (trinta mil Euros), acres-
cida de  juros de  mora vincendos a  contar  da
citação,  custas  e  demais  cominações  legais.

Valor da Acção: € 30 000
Junta: procuração forense, DUC comprovativo do paga-
mento da taxa de justiça, e 4 documentos.
Rol de testemunhas: nome, profissão e morada.

O Advogado

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