Arquivologia - Biblioteconomia e Museologia - O Que Agrega e Separa As 3 Áreas

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Arquivglügia, Biblioteconomia

E MuSEOLOGIA — ü QUE AGREGA

ESTAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS

E O QUE AS SEPARA?

Johanna W. Smit*

Resumo: Arquivistas, bibliotecários, documen- profissionais, respectivas formações e atua-


talistas, gestores da Informação e museóiogos, ções institucionais: os arquivistas, os biblio-
apesar de diferenciados institucional e profissio- tecários / documentalistas e os museóiogos.
nalmente, contribuem de forma complementar De fato, a distribuição aqui proposta não
para a disponibilização da informação estocada
reflete uma distribuição internacional ho-
dentro de objetivos comuns.
mogênea, principalmente se lembrarmos
Palavras-chave: Arquivologia. Biblioteco- que bibliotecários e documentalistas podem
nomia. Museologia. Diferenças e Semelhanças. constituir categorias muito diversas, em
Integração, maior parte dos países europeus, ou estarem
confundidos na mesma categoria, como no
Brasil. Os arquivistas podem distribuir-se
em duas categorias: o "record manager" e
1 Introdução o arquivista, como acontece nos EUA, ou
numa única categoria.
o título, como foi formulado, aponta para
profissões distintas, exercidas em espaços Deve-se acrescentar, finalmente, que a mes-
diferenciados. Intenta-se desenvolver a per- ma categoria pode ter diversas denomina-
gunta : - Em que consistem as semelhanças ções. A categoria dos documentalistas, em
e diferenças entre estes profissionais e seus particular, diversificou-se ao longo do tem-
respectivos espaços institucionais? po para um leque de expressões tais como
"administradores" ou "gestores da informa-
Pragmaticamente, partamos da distribuição ção", "analistas" ou "especialistas da infor-
profissional, consolidada pela tradição, e mação", e assim por diante. A estas três
que distingue nitidamente três categorias categorias profissionais, associamos, em

* Professora Doutora do Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Especialista em Arquivologia e


Multimeios.

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1993, a denominação "3 Marias" , numa pondera, tomando esses profissionais muito
tentativa de atingir simplificação didática mais competentes na denominação das
sem pretender refletir o espectro profissio- diferenças do que na identificação das
nal em todas suas nuances. semelhanças.

A denominação "3 Marias" visa portanto As diferenças se fundamentam em dois


resumir uma situação, identificando cada grandes eixos complementares: os acervos
categoria profissional por um nome simbó- e as instituições que os abrigam. No imagi-
lico: Maria, e reunindo as três irmãs (uma nário profissional coletivo estocam-se li-
loira, uma morena e uma ruiva) numa famí- vros e periódicos em bibliotecas, objetos
lia na qual cada irmã ignora em boa parte a em museus e documentos gerados pelas
atuação profissional, os princípios teóricos administrações em arquivos. Simplifica
e as metodologias de trabalho das demais. pois de forma caricata o imaginário, preten-
dendo resumi-lo ao essencial. Em outros
A tradição separa estas categorias profissio- termos, a diferenciação se apoia na distin-
nais, enfatizando desta maneira as diferen- ção de tipos e suportes documentais, meto-
ças, ou especiflcidades. ignorando, conse- dologias de organização decorrentes desta
qüentemente, suas semelhanças. Trata-se, distinção e, finalmente, supõe o trabalho de
de fato, de um embate entre duas visões dis- organização da informação sempre adequa-
tintas, porém complementares. Por um do aos objetivos institucionais, fechando o
lado: uma visão calcada nas práticas profis- círculo vicioso.
sionais, ainda muito ancoradas no paradig-
ma do acervo, e por outro lado a função A título de ilustração, o círculo vicioso de-
social de instituições que coletam, estocam termina: coleções de livros que são organi-
e disponibilizam informações. Em outras zadas nas bibliotecas; organização esta que
palavras, trata-se tanto em constatar as dife- deve adequar-se aos objetivos das mesmas,
renças que se estabelecem entre os campos numa ordem pois de organização e disponi-
de atuação profissional quanto em discutir bilização de materiais bibliográficos... A
aquilo que as une, uma vez que se parte do tradição de separação das áreas existe efeti-
princípio que há "algo" que as aproxima. vamente e com certeza responde a determi-
nadas necessidades da sociedade. No en-
tanto, o peso da tradição deve ser reativiza-
2 As diferenças entre arquivistas, do, enfatizando-se a necessidade de proce-
bibliotecários/documentalistas e der a uma análise da situação que vá além
museólogos da vivência profissional.

As práticas profissionais estão por demais As 3 Marias não nasceram separadas. Afas-
sedimentadas. Cada profissão é vista isola- taram-se ao longo do tempo. Ao que tudo
damente, conta com bibliografia própria, indica, as primeiras "bibliotecas" acumula-
congressos e associações particulares, obs- vam tanto materiais bibliográficos quanto
truindo o fluxo e a troca de informações e, documentos de natureza arquivística (rela-
principalmente, impedindo que todos se ções de propriedades de terras e respectivos
vejam num contexto maior. O isolacionis- impostos) (Martins 1996 e Witty 1973).
mo, paradigma problemático da área, pre- Somente com a invenção da imprensa e a

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duplicação mecânica de textos, além do arquivologia e a sua inserção à Ciência da


estabelecimento de formatos de papel e Informação, incluem também a museologia
composição de cadernos i^in-quarto, in-oc- na discussão (Bearman 1994, Homulos
tavo, etc.), os documentos foram adquirindo 1990, Leonhardt 1989, Mason 1990,
sua feição atual. A distinção entre bibliote- Pinheiro 1997 e Smit 1993 e 1994).
cas e arquivos, em particular, originou-se
certamente neste dado momento, baseando- A discussão aqui proposta somente adquire
se numa associação automática e indiscu sentido se analisada de um ponto de vista
tível entre os tipos de documentos e a diacrônico, no qual a ênfase no documento
função da informação neles contida. é substituída pela ênfase na informação.

Detecta-se, a partir dessas colocações, um A dupla documento/informação coloca inú-


primeiro núcleo de questionamentos possí- meros problemas, estando distante de um
dimensionamento satisfatório da questão.
veis e que podem ser sistematizados ao
redor dos termos documento, informação e Pode-se afirmar que as 3 Marias convivem
função. Entende-se assim a razão de no seio em constante tensão entre o documento e a
das chamadas "ciências documentais" não informação, ora priorizando um, ora outro.
terem sido geradas maiores discussões no Como enunciar a tensão? De imediato,
tocante à esta associação da bibliotecono- nota-se maior apego dos arquivistas e
museólogos ao documento e uma facilidade
mia, documentação e arquivologia. Na
verdade, apontavam-se suas diferenças por parte dos documentalistas para abstrair
(sem explicá-las). Porém, com a concordân- o documento, enfatizando a informação
cia de que todas tinham algo em comum: o nele presente.
trabalho com documentos. As discussões atuais sobre as bibliotecas
O próprio nome tem determinado a impor- virtuais, redes e sistemas de informação
tância atribuída ao documento enquanto resumem o ápice nesta descolagem entre
aglutinador de práticas profissionais e res- informação e documento
pectivas instituições. A museologia somen- = A informação deve ter sido registrada de
te será reconhecida como a outra irmã da alguma forma para poder ser estocada =
família mais recentemente -cuja visão ainda
não é consensual - uma vez que esta área Este é um postulado tão básico para a área
não trabalha com documentos, no sentido que geralmente o mesmo é esquecido.
imediato do termo, mas supõe a ampliação
do conceito de "documento" ou a ênfase A tecnologia trouxe enormes progressos nas
na informação enquanto insumo e produto formas de registro e, principalmente, nas
de ciclos produtivos. formas de organização e transmissão da
informação registrada, mas a mesma
Assim como há estudos que estabeleçam a sempre terá sido registrada de alguma forma
proximidade de objetivos entre biblioteco- e estocada em algum lugar ou computador.
nomia, documentação e arquivologia Não é operacional, portanto, pensar a infor-
(Bearman 1993, Mueller 1984, Tees 1988 mação isolada de seu registro, por mais que
e 1991), há outros estudos que, sem negar a questão do registro seja muito menos
a proximidade entre a biblioteconomia e a pertinente para o bibliotecário/documenta-

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lista. É fundamental para o arquivista uma no usuário, a distinção das instituições


vez que este deve disponibilizar, além da baseada nos documentos deixa de ser
informação, a prova (o documento) ou o procedente.
museólogo que deve "mostrar" fisicamente
o suporte da informação, ou seja, o objeto. E possível chegar à mesma conclusão
elaborando uma outra argumentação, igual-
Em resumo, documento e informação con- mente baseada no usuário e em suas ne-
têm as duas faces da mesma moeda: uns cessidades informacionais. O usuário das
prestam mais atenção a uma face, outros à 3 Marias é, por definição, um indivíduo,
outra, mas não é possível descolar as faces instituição, grupo social..., que manifestam
da moeda. As "ciências documentais" ge- uma necessidade informacional, ou seja, um
ram tensão entre documento e informação, vazio informacional que deve ser preen-
entretanto, qualquer que seja a ênfase dada chido.
a um ou a outro, o paradigma que subjaz
ainda é o do acervo, do estoque. Dervin e Nilan (1986) acham impossível
que todas as necessidades informacionais
Exige-se pois fortalecimento da argumenta- possam ser resolvidas num único ponto do
ção sobre a questão da mudança de paradig- espectro das instituições que têm por
ma na área, ou melhor, sobre a mudança da objetivo disponibilizar informações. A
ênfase no acervo para a ênfase no usuário; necessidade informacional não se enuncia,
do estoque para a função e para a utilização na maior parte dos casos, em termos exclu-
da informação. Como toda mudança de sivamente "arquivísticos", "biblioteconô-
paradigma, a mesma é muito discutida, micos" ou "museológicos", mas em termos
muito elogiada, mas ainda não se infiltrou de uma "informação" que exige buscas.
em todas as práticas e todos os raciocínios.
O discurso oficial (a ênfase no usuário - Uma pergunta final pode ser enunciada: -
Morris 1994 e Valentim 1995) ainda não Em que medida o usuário sairia ganhando
provocou a reformulação de nossas distin- se constatado um "vazio informacional" o
ções profissionais. Continuamos formali- mesmo encontrasse respostas distribuídas
zando a questão a partir do paradigma do por diferentes instituições - arquivos, biblio-
acervo (Jardim e Fonseca 1992), sem nos tecas e museus? Seguramente, nem todas
darmos conta de que estas distinções não as perguntas se prestam a respostas tão
encontram mais fundamentação, ou ancora- multifacetadas, mas ainda assim a ressalva
gem, no discurso atual. não invalida a pergunta, pois outras deman-
das informacionais podem ser sobremaneira
Configura-se pois uma disjunção entre a enriquecidas se respondidas de forma mais
imagem que temos da questão e a prática. abrangente.
A ênfase no usuário não desconhece o
documento, mas subordina sua importância As diferenças entre as instituições, seus res-
á função ou à utilização da informação. Em pectivos estoques informacionais (ou docu-
outros termos, inverteu-se o peso relativo mentais) e métodos de trabalho existem e
dos dois extremos do processo, da "entrada" devem ser identificados. No entanto, de
para a "saída". Neste quadro, se a ênfase acordo com o que já foi aqui mencionado,
no documento perde espaço para a ênfase a proposta de diferenciação não poderá ser

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baseada nos diferentes tipos de documentos certamente poderá ser determinada a partir
por mais que na prática essa diferenciação da natureza de seu conteúdo informacional.
ainda constitua a regra. A função atribuída Supõe-se , ainda, que possa melhor descre-
ao documento parece constituir uma base ver o uso que cada conteúdo informacional
sólida para a discussão, mas ainda é em- propicie.
brionária
Homulos denomina o conjunto formado
Um aprofundamento para a reflexão sobre pelos arquivos, bibliotecas e museus de
a função (ou o uso) das informações esto- "Instituições Coletoras de Cultura". Se o
cadas, é necessário e abrirá um campo fértil texto deste teórico significou um grande
de pesquisas e debates. Este assunto merece avanço, ao tornar as fronteiras entre as
ser organizado entre dois extremos: o docu- instituições fluidas, a expressão "coletor de
mento eletrônico/digital e o documento au- cultura" direciona o sentido novamente para
diovisual. Se o primeiro está presente em o estoque, ou o acervo.
todas as instituições, geralmente cumprindo
funções diferentes (fimções "arquivisticas", Pelo exposto - embora as diferenças entre
"biblioteconômicas" ou "museológicas"), instituições existam e não possam ser
o segundo está igualmente em todas, cum- ignoradas - o principal fundamento teórico
prindo a mesma função, qual seja o testemu- se prende ao paradigma do acervo.
nho iconográfico e/ou sonoro (Smit 1998).

O museólogo Homulos (1990) sinaliza


pistas norteadoras para o debate, ao recusar 3 Além do acervo, o que separa as
o estabelecimento de fronteiras rígidas en- 3 Marias?
tre museus, arquivos e bibliotecas. Propõe
uma organização dessas instituições ao Em três grandes grupos de processo/ativida-
longo de um grande contínuo, tendo as des, podem ser caracterizados o gerencia-
bibliotecas numa extremidade, os museus mento de estoques informacionais e sua
na outra e os arquivos no meio do contínuo. decorrente utilização:
De acordo com o momento, na acepção do
• Gestão da memória - seleção, coleta e
autor, cada instituição colocar-se-ia prepon-
avaliação de documentos/objetos e esto-
derantemente numa lógica ou noutra. O
ques informacionais;
autor menciona, dentre outros, um critério
que distingue as instituições: o "conteúdo • Produção de informação documen-
informacional" de cada uma, seja na biblio- tária - representação da informação
teca, cuja coleção dos documentos repre- estocada e conseqüente produção de
senta a própria informação estocada, seja informação documentária (bases de
no museu, onde os objetos pouco informam dados, catálogos, resumos etc.);
sobre si mesmos mas potencialmente docu-
mentam muito sobre a sociedade que os • Mediação da informação - a co-
gerou ou utilizou, ao passo que no arquivo municação de informações objetivando
os documentos informam sobre a insti- uma efetiva transferência da informa-
tuição que os acumulou. A função atribuída ção, em função das necessidades infor-
aos documentos nas diferentes instituições macionais dos usuários.

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Este modelo subentende uma distinção en- na cadeia do fluxo e utilização da informa-
tre a informação produzida e registrada pela ção; em outros termos, a informação docu-
sociedade (o "input" do sistema) e a infor- mentária é um meio para um fim, ou seja,
mação produzida pelas 3 Marias ("output o acesso à informação estocada.
1" do sistema), objetivando propiciar o
acesso às informações estocadas ("output Todas as Marias atuam nas três atividades.
2" do sistema). A informação produzida por Decidem o que deve ser estocado (gestão
arquivos, bibliotecas e museus será denomi- da memória). Produzem informação docu-
nada informação documentária, pois é pro- mentária como meio para utilização da in-
formação estocada (mediação). No entan-
duto de um trabalho de natureza documen-
to, a partir de características institucionais
tária, ou representacional, e não deve ser
e características intrínsecas aos estoques in-
confundido com a informação produzida
formacionais, as instituições nomeiam e
pelos demais segmentos da sociedade e
enfatizam diferentemente as atividades. Se
estocada nas instituições. A distinção é
bibliotecas e museus trabalham, em regra
necessária pelas seguintes razões:
geral, com unidades informacionais (títulos
• distingue as responsabilidades das de livros, objetos etc), a unidade de referên-
diferentes informações gerenciadas ou cia em arquivos é a série, ou seja, "uma
disponibilizadas pelas instituições seqüência de unidades de um mesmo tipo
(Desantes Guanter 1987); documental", sendo que o tipo documen-
tal é a "configuração que assume uma
• marca a complementaridade entre as espécie documental, de acordo com a ativi-
duas "informações", assumindo que a dade que a gerou" (Camargo e Bellotto
informação documentária constitui um elo 1996, p.69e74).

Arquivologia Biblioteconomia Museologia


Gestão da • Produção e • Formação e • Curadoria
memória avaliação de desenvolvimento • Introversão
documentos de âcervos

• Temporalidade • Gerenciamento
das séries de recursos
documentais informacionais
Produção da • Processamento • Representação e • Documentação
informação técnico recuperação da
documentária informação

Mediação da • Jurisdição e • Serviços ao • Extroversão


informação acesso usuário • Comunicação
• Programas de • Ação cultural museológica
difusão • Comunicação
documentária

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O princípio norteador da organização dos produzidos pela instituição. Tende a influir


documentos é igualmente variado, uma vez no processo de geração dos documentos,
que na biblioteca o critério do assunto pre- estabelecendo neste momento uma evidente
domina, enquanto que nos arquivos o crité- interface com a área de O&M.
rio é o da estrutura organizacional da insti-
tuição, acoplado à função administrativa Bibliotecários e museólogos não desconhe-
exercida pelos documentos, e nos museus cem a importância da gestão da memória,
depara-se com critérios bastante variados: mas são mais "reféns" da sociedade neste
suportes, funções, períodos etc.. A título quesito, pois não dispõem, em geral, de
de ilustração, e sem pretensão de exaus- meios eficazes para influir na geração de
tividade, o quadro abaixo ordena algumas documentos. Na mediação da informação,
atividades realizadas no âmbito das 3 entretanto, forçoso é constatar que esta ati-
Marias: vidade foi mais desenvolvida pelos museó-
logos, que sempre refletiram muito sobre
Além das diferenças apontadas pelo quadro "o que mostrar" e "como mostrar" (Cash,
acima (e que são em parte terminológicas, 1988). "Mostrar o acervo", enquanto moda-
e não conceituais), as atividades recebem lidade de mediação, configura uma área na
ênfases, ou pesos, diferenciados nas 3 qual os museólogos investiram certamente
Marias. Correndo o risco da simplificação, mais do que os arquivistas e bibliotecários,
parece evidente que a produção da informa- perseguindo, em geral, além de objetivos
ção documentária" ocupa posição de desta- informacionais, outros, de natureza estética
que nas 3 Marias. Hoje considerada meio, ou sensorial.
a mesma já foi associada a um fim em si e
certamente explica a ênfase (ou quase total Estabelecidas, de forma preliminar, as dife-
predominância) de matérias de "processa- renças, tentaremos apontar para as seme-
mento técnico" nos currículos tradicionais lhanças entre as instituições, seus respecti-
de formação à arquivologia, bibliotecono- vos objetivos e profissionais.
mia e museoiogia.

Seguramente, a biblioteconomia alcançou


4 O QUE uiME AS 3 Marias?
um estágio mais avançado nesta atividade.
No mesmo esforço de síntese, observa-se
A área de conhecimento da Ciência da
na arquivologia uma preocupação muito
Informação apresenta um problema de base,
grande com a gestão da memória. Neste
gerado pela indefinição de seu objeto: a
sentido, a razão recai em que os arquivos
"informação". Como o termo é utilizado em
devem gerenciar enormes massas documen-
muitos contextos e acepções diferentes, tor-
tais e ao longo do tempo foram depurando
na-se imprescindível distinguir a informa-
critérios de avaliação destas massas docu-
ção estocada pelas 3 Marias de outras
mentais visando a decidir o destino e a
"informações", caracterizando-a pela ado-
temporalidade das séries documentais. A
ção de duas condições:
arquivística moderna vai além... Desenvol-
ve uma postura pró-ativa, recusando o papel a) aquela que diz respeito aos arquivos e
passivo de "receptáculo" de documentos bibliotecas, trata-se de informação esto-

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cada, sendo intencionalmente registra- esta informação é disponibilizada para a


da, impedindo a adoção de acepções sociedade, ou comunidade, que financia a
muito amplas e conseqüentemente manutenção do estoque.
inoperantes tais como a informação
estética, a informação genética, a infor- De forma precisa Mason (1990:125) re-
mação situacional; de outro lado, no que sume o objetivo perseguido pelo profissio-
diz respeito aos museus, a informação nal da informação e suas instituições: "dis-
não foi intencionalmente registrada, mas ponibilizar a informação certa, da fonte
é considerada na sua condição de certa, para o usuário certo, no prazo certo,
registro; numa forma considerada adequada para o
uso e a um custoJustificado pelo uso Esta
b) a informação - estocada pelas 3 Marias frase, em função do acima exposto, aplica-
em função de uma utilidade que lhe foi se perfeitamente aos arquivistas, bibliotecá-
conferida — supondo-se, em suma, que rios e museólogos.
determinada informação poderá ser útil
no futuro (enquanto informação, prova,
testemunho, etc.) e por esta razão a
5 Conclusão
mesma é intencionalmente estocada,
valendo dizer que os estoques infor-
Se há diferenças entre as 3 Marias, ocasio-
macionais são o produto de uma decisão
nadas pelas funções atribuídas a seus esto-
sobre a utilidade conferida a determina-
ques informacionais, forçoso é constatar
da informação (Buckland, 1991): esta
que a organização dos estoques é fruto de
decisão é obviamente relativa e passível
decisões institucionais que não recobrem
de mudanças ao longo do tempo ou em
forçosamente, na mesma gama de opções,
função do espaço geográfico.
a palheta das necessidades informacionais
De forma resumida, pode-se portanto esta- da sociedade.
belecer que a informação intencionalmente
Desenha-se, neste momento, uma acepção
estocada nas 3 Marias é registrada e inten-
possível para a Ciência da Informação en-
cionalmente considerada útil. O fruto deste
quanto disciplina científica, permitindo que
processo é a institucionalização da informa-
sejam mapeadas as possibilidades de gestão
ção uma vez que decorrente de decisões
da memória, produção da informação docu-
institucionais (ou, por extensão, sociais).
mentária e mediação das informações, em
Independentemente de suportes ou códigos,
busca de teorias e princípios comuns às
a informação é institucionalizada pelas 3
diferentes implementações particulares das
Marias: este é certamente um produto da
3 Marias.
área, que confere "status" a certas informa-
ções e o nega a outras. A informação, ao Em outros termos, o estatuto científico da
ser institucionalizada em nome de uma área somente poderá ser confirmado quando
utilidade que lhe foi atribuída, é organizada for abandonada a visão pragmática das
em nome dos objetivos institucionais. A práticas profissionais e quando se dispuser
institucionalização da informação, operada de teorias e princípios gerais, comuns às 3
pelas 3 Marias, encontra sua justificativa Marias.
cultural, social e econômica à medida que

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