História Da Música - Da Antiguidade Ao Barroco

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História da Música:

Antiguidade ao Barroco
Prof.ª Débora Costa Pires

2019
Copyright © UNIASSELVI 2019

Elaboração:
Prof.ª Débora Costa Pires

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

P667h

Pires, Débora Costa

História da música: antiguidade ao barroco. / Débora Costa Pires. –


Indaial: UNIASSELVI, 2019.

253 p.; il.

ISBN 978-85-515-0260-0

1.Música – História - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 780.9

Impresso por:
Apresentação
Prezado acadêmico, seja bem-vindo à disciplina de História da
Música: Antiguidade ao Barroco. O objetivo da disciplina é introduzir a
reflexão sobre a história da música, iniciando na antiguidade, contemplando
as importantes contribuições da teoria musical na Grécia Antiga, Idade Média,
Renascimento e culminando no período Barroco por meio de propostas que
lhe permitam apreciar e relacionar características e práticas musicais com os
aspectos teóricos. Esse período histórico vai contribuir e dialogar com todas
as transformações ocorridas no mundo da música posteriormente.

Durante todo o livro você terá indicações de audição. É essencial


ouvir com atenção e com uma postura de pesquisador. A história da música
sem a audição torna-se uma compilação de datas e dados que não adquirem
valor, pois torna-se essencial a reflexão e a escuta reflexiva. A escuta atenta e
reflexiva envolve prestar atenção ao que se ouve, temos o costume de associar
a audição musical com outras atividades, nesta disciplina, a escuta é a tarefa
principal. Vivemos em mundo em que o acesso à informação está cada vez
mais acessível, não se prenda apenas aos exemplos sugeridos, aprofunde o
seu repertório musical, descubra novas peças e obras musicais. Ouça com
atenção! Mergulhe no mundo da música antiga!

Este livro de estudos está organizado em três unidades, na Unidade 1


vamos conversar sobre as primeiras manifestações musicais e sobre a música
no mundo antigo. Conheceremos importantes descobertas e realizações das
civilizações grega e romana, que fundamentaram a teoria e a prática musical
na civilização ocidental. Nessa unidade também veremos as rápidas e
contundentes mudanças que envolvem a música na Idade Média, na música
sacra e profana, com a monodia e o início da polifonia.

Na Unidade 2 iremos conhecer um pouco a história da música na


transição da Idade Média para o Renascimento. Nessa Unidade serão
apresentadas a música francesa e italiana do século XIV e alguns de seus
compositores de destaque. Também conheceremos a música inglesa e os
compositores das gerações franco-flamengas e as correntes musicais que
surgiram e se estabeleceram durante o século XVI.

Na Unidade 3 faremos a transição do Renascimento para o Barroco,


o impacto da Reforma na Alemanha e da Contrarreforma no panorama
musical. No período Barroco veremos o início da ópera, as transformações
na música vocal e instrumental e conheceremos importantes nomes para
a história da música ocidental, como Jean Sebastian Bach e Georg Frideric
Haendel.

III
Essa disciplina lhe permitirá ter uma importante base para a sua
formação inicial, o que favorecerá a sua compreensão de outras disciplinas
de seu curso, sempre enfatizando a importância desse conhecimento na
formação do professor de música e a amplitude necessária em todo o seu
estudo. Desejo que esse percurso histórico seja esclarecedor e permeado pela
vivência e audição musical.

Bons estudos!

Profª Débora Costa Pires

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA................... 1

TÓPICO 1 – AS PRIMEIRAS MÚSICAS............................................................................................. 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 OS PRIMEIROS SONS......................................................................................................................... 4
2.1 MÚSICA NA MESOPOTÂMIA...................................................................................................... 8
2.1.1 Sumérios.................................................................................................................................... 9
2.1.2 Babilônios e Assírios................................................................................................................ 13
2.1.3 Hebreus..................................................................................................................................... 13
2.1.4 Fenícios . ................................................................................................................................... 14
2.1.5 Egípcios..................................................................................................................................... 15
2.1.6 Medos e Persas ........................................................................................................................ 18
3 MÚSICA CHINESA.............................................................................................................................. 20
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 23
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 25

TÓPICO 2 – A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO.............................................................. 27


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 27
2 A HERANÇA GREGA.......................................................................................................................... 28
3 DOUTRINA DO ETHOS..................................................................................................................... 31
4 SISTEMA MUSICAL GREGO............................................................................................................ 34
5 MÚSICA NA ANTIGA ROMA........................................................................................................... 43
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 46
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 48

TÓPICO 3 – MÚSICA NA IDADE MÉDIA......................................................................................... 49


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 49
2 A IGREJA E A TRANSIÇÃO PARA A IDADE MÉDIA................................................................. 51
3 A MÚSICA SACRA E O CANTOCHÃO ......................................................................................... 53
4 MÚSICA PROFANA E NÃO LITÚRGICA....................................................................................... 60
4.1 JOGRAIS OU MENESTRÉIS........................................................................................................... 61
4.2 TROVADORES E TROVEIROS....................................................................................................... 63
4.3 MINNESINGER ................................................................................................................................ 66
4.4 GOLIARDOS..................................................................................................................................... 67
5 MÚSICA INSTRUMENTAL E SEUS INSTRUMENTOS.............................................................. 70
6 POLIFONIA .......................................................................................................................................... 72
6.1 ORGANUM PRIMITIVO................................................................................................................. 72
6.2 ORGANUM MELISMÁTICO......................................................................................................... 74
6.3 MODOS RÍTMICOS........................................................................................................................ 75
6.4 ORGANUM DE NOTRE DAME.................................................................................................... 75
6.5 CONDUCTUS POLIFÔNICO........................................................................................................ 76
6.6 MOTETE............................................................................................................................................ 77
6.7 HOQUETO........................................................................................................................................ 78

VII
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 79
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 81
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 83

UNIDADE 2 – HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO............ 85

TÓPICO 1 – MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV............................................ 87


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 87
2 ARS NOVA NA FRANÇA..................................................................................................................... 89
2.1 PHILIPPE DE VITRY E A NOTAÇÃO....................................................................................... 90
2.2 MOTETE ISORRÍTMICO................................................................................................................. 93
2.3 GUILLAUME DE MACHAUT...................................................................................................... 95
3 MÚSICA DO TRECENTO ITALIANO............................................................................................ 97
3.1 MADRIGAL . .................................................................................................................................... 98
3.2 CACCIA.............................................................................................................................................. 99
3.3 BALLATA ......................................................................................................................................... 100
4 MÚSICA FRANCESA NO FINAL DO SÉCULO XIV.................................................................. 102
5 MÚSICA FICTA................................................................................................................................... 104
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 106
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 107

TÓPICO 2 – TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL......................................................... 109


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 109
2 CARACTERÍSTICAS DA MÚSICA NO RENASCIMENTO..................................................... 110
3 MÚSICA INGLESA............................................................................................................................. 113
3.1 JOHN DUNSTABLE....................................................................................................................... 115
3.2 LEONEL POWER.......................................................................................................................... 119
4 PRIMEIRA GERAÇÃO FRANCO-FLAMENGA OU O DUCADO DE BORGONHA.......... 120
4.1 GUILLAUME DUFAY................................................................................................................. 124
4.2 GILLES DE BINCHOIS.............................................................................................................. 125
5 SEGUNDA GERAÇÃO FRANCO-FLAMENGA (1480-1520)..................................................... 127
5.1 JOHANNES OCKEGHEM (BÉLGICA)....................................................................................... 127
5.2 ANTOINE BUSNOIS (FRANÇA).............................................................................................. 130
6 TERCEIRA GERAÇÃO FRANCO-FLAMENGA (1480-1520)...................................................... 131
6.1 HEINRICH ISAAC (HOLANDA).............................................................................................. 132
6.2 JOSQUIN DES PREZ (FRANÇA)............................................................................................. 135
6.3 JACOB OBRECHT (HOLANDA)................................................................................................ 140
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 141
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 143

TÓPICO 3 – CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI............................................................ 145


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 145
2 MÚSICA NA QUARTA GERAÇÃO FRANCO-FLAMENGA (1520-1560)............................... 145
2.1 LUDWIG SENFL (SUÍÇA)............................................................................................................. 145
2.2 ADRIAN WILLAERT (BÉLGICA)............................................................................................ 147
2.3 JACOBUS CLEMENS..................................................................................................................... 150
2.4 NICOLAS GOMBERT (FRANÇA).............................................................................................. 150
3 ESTILOS NACIONAIS....................................................................................................................... 158
3.1 FROTTOLA (ITÁLIA).................................................................................................................. 159
3.2 LAUDA (ITÁLIA).......................................................................................................................... 160
3.3 CHANSON (FRANÇA)................................................................................................................ 160
3.3.1 Chanson franco-flamenga (Antuérpia)............................................................................... 160

VIII
3.4 LIED (ALEMANHA)...................................................................................................................................................160
3.5 QUODLIBET (ALEMANHA).................................................................................................................................160
3.6 VILLANCICO (ESPANHA)......................................................................................................................................161
3.7 MADRIGAL (ITÁLIA)................................................................................................................... 161
4 MÚSICA INSTRUMENTAL DO SÉCULO XVI............................................................................ 163
4.1 CANZONA.............................................................................................................................................................. 166
4.2 DANÇA...................................................................................................................................................................... 166
4.3 PEÇAS IMPROVISADAS............................................................................................................ 166
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 168
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 171
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 173

UNIDADE 3 – HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO.................. 175

TÓPICO 1 – MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO................................................ 177


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 177
2 MÚSICA NA REFORMA NA ALEMANHA.................................................................................. 179
3 MÚSICA SACRA DA REFORMA FORA DA ALEMANHA...................................................... 183
4 CONTRARREFORMA........................................................................................................................ 184
4.1 PALESTRINA................................................................................................................................. 186
4.2 VICTORIA....................................................................................................................................... 188
4.3 DI LASSO........................................................................................................................................ 194
4.4 WILLIAM BYRD............................................................................................................................ 195
5 ESCOLA VENEZIANA...................................................................................................................... 197
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 199
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 201

TÓPICO 2 – MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO.......................................................... 203


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 203
2 CARACTERÍSTICAS MUSICAIS.................................................................................................... 205
3 ÓPERA................................................................................................................................................... 209
3.1 PRINCÍPIOS DA ÓPERA ............................................................................................................ 210
3.2 ÓPERA ITALIANA........................................................................................................................ 214
3.3 ÓPERA NA FRANÇA................................................................................................................... 215
3.4 ÓPERA INGLESA.......................................................................................................................... 216
3.5 ÓPERA ALEMÃ . .......................................................................................................................... 222
4 MÚSICA VOCAL DE CÂMARA .................................................................................................... 223
4.1 ESTILO CONCERTATO................................................................................................................. 223
4.2 GÊNEROS DE MÚSICA VOCAL SOLÍSTICA .......................................................................... 224
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 227
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 229

TÓPICO 3 – MÚSICA SACRA E INSTRUMENTAL NO PERÍODO BARROCO..................... 231


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 231
2 MÚSICA SACRA E ORATÓRIO...................................................................................................... 232
3 MÚSICA INSTRUMENTAL.............................................................................................................. 235
4 PRINCIPAIS COMPOSITORES DO PERÍODO BARROCO..................................................... 238
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 242
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 245
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 247
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 249

IX
X
UNIDADE 1

HISTÓRIA DA MÚSICA: DA
ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar fontes para o conhecimento da História da Música;

• conhecer a trajetória da música pré-histórica e sua relação com a natureza;

• compreender a Música na Mesopotâmia e as particularidades de cada


povo;

• entender algumas particularidades da música chinesa;

• compreender a importância e impacto da música na Grécia antiga;

• relacionar a música grega e romana;

• entender a importância da música litúrgica e sacra na prática musical


medieval;

• diferenciar a música profana e a música sacra e litúrgica;

• conhecer os diferentes personagens e momentos da polifonia medieval.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – AS PRIMEIRAS MÚSICAS

TÓPICO 2 – A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

TÓPICO 3 – MÚSICA NA IDADE MÉDIA

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

AS PRIMEIRAS MÚSICAS

1 INTRODUÇÃO
Ao pensar em conhecer a história da música, alguns questionamentos
surgem: Como conhecemos a história da música, ocidental ou não? Como é
possível saber como era a música em períodos tão distantes de nós? A partir de
quais materiais é possível estudar a história da música, especialmente a música
ocidental? Estudamos a música através de seus registros, de suas fontes. Através
da música escrita, de tratados, documentos iconográficos, da transmissão oral, de
relatos, de instrumentos musicais e através de gravações.

A música escrita refere-se às partituras ou grafias musicais que sobrevivem


ao tempo e permitem conhecer e estudar a música de outros tempos, podendo
gerar execuções musicais. Os tratados são informações reunidas por estudiosos
sobre determinados assuntos, funcionando como uma espécie de resumo do
conhecimento disponível em determinada época sobre algum assunto.

As iconografias são o estudo de fontes visuais relacionadas à música, que


apresentam informações sobre instrumentos musicais e suas formas de execução,
números e tipos de intérpretes, formas, dimensões e características dos espaços
de apresentação musical, como teatros, igrejas, residências ou outros, figurino e
cenários (CASTAGNA, 2008). Imagens que sobrevivem à história e são relatos
da prática musical. Muito do que se conhece hoje sobre instrumentos musicais
antigos deve-se a imagens em catedrais, códices e quadros encontrados. As
iconografias também permitem visualizar, em alguns casos, o contexto em que
determinada música ou instrumento era tocado, podemos dessa forma inferir
informações socioculturais da música de determinado período histórico.

Além das iconografias, existem os relatos. Os relatos são registros escritos


de pessoas, podendo ser cartas, diários e anotações que abordam aspectos
musicais. Esses relatos trazem opiniões e visões que permitem conhecer a forma
como a música, sua prática, era recebida pela sociedade da época. Há também
informações que sobrevivem ao tempo pela transmissão oral e que, ao serem
escritas ou gravadas, têm a sua sobrevivência ampliada.

Os instrumentos musicais também são uma importante fonte de


conhecimento da história da música, não há praticamente nenhuma civilização

3
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

que não possuísse algum tipo de instrumento musical. Alguns deles sobrevivem
ao tempo e são testemunhas das práticas e sonoridades musicais de determinadas
épocas. E, levando em consideração a produção musical mais recente, existem as
gravações. Nesse tópico vamos nos debruçar sobre as primeiras práticas musicais
conhecidas e as suas relações com o cotidiano e crenças de diversos povos.

2 OS PRIMEIROS SONS
A vida é som... A natureza está cheia de sons, de música: há milhões
de anos, antes que houvesse ouvidos humanos para captá-la,
borbulhavam as águas, ribombavam os trovões, sussurravam as
folhas ao vento... Quem sabe quantos outros sons não se propagaram!
(PAHLEN, 1965, p. 122).

Em que momento surgiu a música? Quando e como o homem primitivo


começou a fazer música? Essas são questões que estão no campo do impossível em
termos de resposta, porém, sabe-se que a origem e desenvolvimento da música
acompanham e se confundem com a história da humanidade. O som e o ritmo
estão presentes na natureza e são, possivelmente, os primeiros componentes da
linguagem musical com os quais o homem entrou em contato, já no útero, através
das pulsações do coração materno (LOURENZI, 2004).

O homem experimenta a existência de elementos rítmicos e sonoros em


seu próprio corpo, através dos batimentos cardíacos, na respiração, ao caminhar
e produzindo sons com o corpo, através das mãos, dos pés e da voz. Porém,
apesar de possuir em si mesmo os princípios para uma prática musical, em que
momento o homem passou a ter consciência de como combinar sons e ritmo? Não
há arquivos sonoros das épocas primitivas, porém existem algumas hipóteses
sobre a origem do canto humano.

Alguns pesquisadores afirmam que o canto é consequência do ritmo,


primeira forma de comunicação do homem (LENNEBERG, 1967); outros, de
que o canto surge pela necessidade de expressar sentimentos (PAHLEN, 1965);
outros, ainda, acreditam que o homem, encantado com os ruídos emitidos pela
natureza, tenta imitar o som dos pássaros, de ondas, ventos e trovões, iniciando
seu próprio (BAITELLO JR. apud ZAREMBA; BENTES, 1999). Essas suposições
podem estar todas corretas. O ritmo pessoal que cada homem possui facilita o
desenvolvimento da sua capacidade musical. O homem primitivo, ao observar
fenômenos da natureza e animais, pôde experimentar sentimentos impossíveis
de serem expressados em seu vocabulário restrito. Dessa forma, desde a Pré-
história é impossível dissociar a música da emoção.

4
TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS MÚSICAS

NOTA

A Pré-História compreende o período histórico entre o aparecimento do


homem, aproximadamente a 500.000 a.C., até o surgimento da escrita, evento que define
o começo dos tempos históricos registrados, que ocorreu em 4000 a.C. (CAVINI,2011). A
Pré-história é estudada por antropólogos, arqueólogos e paleontólogos e está dividida em
Paleolítico ou Idade da Pedra Lascada (que se subdivide em Paleolítico Inferior, Paleolítico
Médio e Paleolítico Superior), Mesolítico ou Idade Média da Pedra e Neolítico ou Idade da
Pedra Polida. O período Neolítico coexistiu com a Idade dos Metais, um período de transição
entre a Pré-História e a Antiguidade (CAVINI, 2011).

FIGURA 1 – LINHA DO TEMPO – PRÉ-HISTÓRIA

4000 a.C 1453


Invenção da Escrita Queda de Constantinopla

Pré-História Idade Antiga Idade Média Idade Moderna Idade Contemporânea

476 d.C 1789


Queda de Roma Revolução Francesa

FONTE: A autora

Há a crença de que na Pré-história os sons musicais estivessem


intimamente ligados ao relacionamento com o divino. Associada com a dança, a
música era utilizada como uma forma de comunicação com Deus. É nessa época
que o homem começa a apreender as funções sobrenaturais na prática musical.
Para o músico e pesquisador Stewart (1989, p. 51), a música deriva da fala. E o
pianista Robert Jourdain (1998) acredita que a música tenha surgido como uma
ramificação da linguagem. Já para o naturalista e filósofo inglês Charles Darwin,
a música não provém da fala, ao invés disso, Darwin propôs que o canto é a
forma primordial de comunicação humana, principalmente com o objetivo de
galanteio. A fala surge, portanto, mais tarde, com o desenvolvimento de uma
linguagem voltada para a troca de informações entre as pessoas (DARWIN apud
MUGGIATI, 1983). Apesar das diferenças entre os pensamentos de Stewart,
Jourdain e Darwin sobre a origem do canto e da fala, ambos concordam que a
música é um meio de comunicação muito importante entre os homens.

Além do canto, o homem pré-histórico percebeu que ao assoprar ossos


furados, bater palmas ou percutir em peles de animais curtidas e esticadas poderia
produzir diferentes sons. Todas as hipóteses da prática musical no período pré-
histórico foram traçadas a partir de pesquisas arqueológicas, antropológicas e
musicológicas (CAVINI, 2011).

5
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

Os instrumentos mais antigos, flautas feitas de ossos com apenas um


orifício, são do Paleolítico Inferior, usados provavelmente em caçadas para imitar
sons ou cantos de animais e pássaros, ou para os homens se comunicarem. No
Paleolítico Médio foram encontradas flautas com três a cinco orifícios. Em 2009
foi descoberta no sul da Alemanha, próximo à caverna de Hohle Fels, uma flauta
feita de osso de abutre, datada de 35 mil anos, com quase 22 centímetros e cinco
buracos, o osso tem marcas de linhas em volta dos buracos, sugerindo que os
buracos foram calibrados para produzir um som melhor. Vários instrumentos
musicais foram encontrados nessa área, reforçando a ideia de que os humanos
paleolíticos desenvolveram uma cultura rica. Foram encontrados no total quatro
fragmentos de quatro flautas. Além da flauta quase inteira em osso de urubu, três
instrumentos foram feitos em marfim de mamute. As flautas foram descobertas
com a chamada Vênus Pré-Histórica, escultura de forma feminina, considerada a
mais antiga já encontrada (CAVINI, 2011).

FIGURA 2 – FLAUTA DE OSSO DE ABUTRE DESCOBERTA NA CAVERNA DE


HOHLE FELS, ALEMANHA

FONTE: <https://diepresse.com/home/science/489922/Die-aeltesten-Floeten-der-Welt>.
Acesso em: 8 set. 2018.

DICAS

Você pode ouvir o som proveniente dessa flauta nesse endereço: <https://
hypescience.com/wp-content/uploads/2009/06/flauta-prehistorica.mp3>.

Foi encontrada uma gravura rupestre que representa um tocador de flauta


ou de arco musical, datada de cerca de 10.000 a.C., na gruta de Trois Frères, em
Ariège, França (CAVINI, 2011). Um dos primeiros testemunhos da arte musical
pode ser visto a seguir:

6
TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS MÚSICAS

FIGURA 3 – PEQUENO FEITICEIRO COM FLAUTA OU ARCO MUSICAL DE TROIS-FRÈRES,


EM CONTEXTO

FONTE: <http://www.sauval.com/angustia/brujomusical3hermanos.gif>. Acesso em: 8 set. 2018.

FIGURA 4 – PEQUENO FEITICEIRO COM FLAUTA OU ARCO MUSICAL DE TROIS-FRÈRES

FONTE: <http://www.sauval.com/angustia/brujomusical3hermanos2.gif>.
Acesso em: 8 set. 2018

No período Neolítico aparecem os primeiros tambores, que eram


ornamentados, e matracas em argila no formato de pequenos animais ou com a
forma humana, provavelmente tinham uso religioso (MICHELS, 2003). Há muitas
descobertas que corroboram a existência de música entre os homens primitivos,
porém não é possível afirmar se esses instrumentos eram utilizados como
instrumentos musicais ou lhes eram atribuídas outras funções. A música difere
da poesia ou da pintura, ela vive o momento e depois desaparece e ninguém mais
pode concretizá-la (PAHLEN, 1965). Em História Universal da Música, Roland de
Candé (1994) propõe a seguinte sequência aproximada de eventos, que ajuda a
entender, de maneira didática, como aconteceu o amadurecimento do pensamento
musical no ser humano:

7
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

• Antropoides do período terciário (Australopithecus): Organização rítmica


rudimentar. Batidas com bastões, percussão corporal e objetos entrechocados.
• Paleolítico Inferior (Pitecanthropus, entre outros): Gritos e imitação de sons
da natureza pela boca e laringe.
• Paleolítico Médio (Homo musicus): Desenvolvimento do controle
da  altura,  intensidade  e  timbre  da voz à medida que as demais funções
cognitivas se desenvolviam. Há emoção ou intenção expressiva.
• Paleolítico Superior (Homo sapiens): Aquisição de consciência musical.
Desenvolvimento da linguagem falada e do canto e domínio da linguagem
abstrata. Criação dos primeiros instrumentos musicais para imitar os sons da
natureza, de caráter mágico (imitam a chuva para atraí-la, por exemplo).
• Paleolítico Superior e Mesolítico: Criação de instrumentos mais controláveis,
feitos de pedra, madeira e ossos (xilofones,  litofones,  tambores  de tronco
e flautas) que permitem emissão de altura determinada. Há distinção entre canto
e a fala e entre dança e música instrumental da expressão gestual sonorizada.
• Neolítico: Criação de membranofones e cordofones, após o desenvolvimento
de ferramentas mais refinadas. Primeiros instrumentos afináveis.
• Idade do Cobre e Idade do Bronze: Desenvolvimento da metalurgia. Criação
de instrumentos de cobre e bronze permite a execução mais sofisticada.
Surgimento das primeiras civilizações musicais com sistemas próprios (escalas
e harmonia).

Por ser um tipo de linguagem, a música nas civilizações antigas está no


centro da vida, ao acompanhar os acontecimentos da vida cotidiana, cerimônias
religiosas e guerreiras, colheitas e festas (HARNONCOURT, 1990). Com o
decorrer do tempo, as práticas musicais têm o seu caráter modificado, sem perder
o seu poder e influência sobre o ser humano.

2.1 MÚSICA NA MESOPOTÂMIA


Os primeiros povos a desenvolver a escrita foram também os primeiros
a desenvolver a prática musical. Na região da Mesopotâmia viviam os povos
sumérios, assírios, babilônios, medos, persas, hebreus e egípcios. Em suas ruínas
foram encontradas no território sumério harpas e, na localidade dos assírios,
cítaras. Esse período é chamado de Antiguidade Oriental e o conhecimento de que
esses povos mantinham contato com a música e a sua relação com a magia veio
por meio de gravuras e inscrições encontradas em templos e túmulos egípcios
e mesopotâmicos, monumentos assírio-babilônicos e também em afrescos e
ornamentações encontrados em vasos e ânforas onde são numerosas as cenas
de interpretações musicais. A Mesopotâmia ocupava uma posição central, com
forte influência sobre povos vizinhos, dessa forma a música e os instrumentos
mesopotâmicos são encontrados em outras civilizações (CAVINI, 2011).

Na antiga Mesopotâmia, a música e o canto faziam parte de vários


aspectos da vida e desempenhavam um papel importante nos templos, já que

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TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS MÚSICAS

eles possuíam uma orquestra e um coral com músicos profissionais. Assim como
acontecia com os textos literários, as composições musicais eram anônimas. Com
uma exceção, uma princesa suméria, Enkeduanna, filha de Sargão de Akkad
(2334-2279 a.C.), sacerdotisa do deus Nanna (Lua), compôs e assinou vários hinos
religiosos (POZZER, 2005, p. 53).

NOTA

Idade Antiga, também chamada de Antiguidade, é o período que se estende


desde a invenção da escrita (por volta de 4000 a.C.) até a queda do Império Romano do
Ocidente (476 d.C.). Estudiosos enfatizam a importância da cultura material das sociedades
desse período.

FIGURA 5 – LINHA DO TEMPO – ANTIGUIDADE

4000 a.C 1453


Invenção da Escrita Queda de Constantinopla

Pré-História Idade Antiga Idade Média Idade Moderna Idade Contemporânea

476 d.C 1789


Queda de Roma Revolução Francesa

FONTE: A autora

2.1.1 Sumérios
Os sumérios (3.500 a 2.550 a.C.) foram os primeiros habitantes da
Mesopotâmia, possuíam um método próprio de leitura musical e se utilizavam
de instrumentos para acompanhamento vocal. Sua música tinha o estilo religioso
e estava presente em todas as cerimônias solenes ou familiares. Construíram
instrumentos de sopro a partir de chifres de animais e produziram também
instrumentos de percussão. Sua prática musical foi herdada por outros povos
que habitaram a Mesopotâmia, como os assírios e caldeus (CAVINI, 2011).

Existem muitas referências textuais com listas de canções com temas


como o trabalho, as batalhas, o amor e hinos em louvor aos deuses (GLASSNER,
2002). Há também documentos sumérios e acádios que relatam a existência de
cantores e instrumentistas que acompanhavam o exército, prisioneiros de guerra,
especialmente mulheres, que poderiam ser treinados para tornarem-se cantores.

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

Músicas eram tocadas em várias situações de risco, como o eclipse lunar,


no nascimento de crianças, junto ao leito dos enfermos e durante os rituais de
enlutamento (MICHEL, 2001). Havia uma diferenciação entre os músicos: homens
e mulheres que tocavam ataúde e tambores não podiam participar das orquestras
dos templos e eles, em geral, se apresentavam nus e, às vezes, mantinham
relações sexuais entre si enquanto tocavam seus instrumentos (KILMER, 2000).
Os músicos seculares tocavam nas tabernas e em celebrações sociais.

A música era, assim como a literatura, a linguagem e a matemática,


uma das disciplinas básicas do ensino formal mesopotâmico. Após escavações
em um sítio arqueológico na região de Ugarit, atual Síria, foram encontrados
muitos tabletes com inscrições de cultos hurritas, dentre estes, três fragmentos
de um mesmo que é considerado hoje a notação musical mais antiga do mundo,
de um hino aos deuses, datando do ano de 1400 a.C. A descoberta desse hino
revolucionou todo o conceito da origem da música ocidental (CAVINI, 2011).

FIGURA 6 – A MAIS ANTIGA NOTAÇÃO MUSICAL CONHECIDA

FONTE: <http://www.amaranthpublishing.com/moonhymn1.gif>. Acesso em: 8 set. 2018.

Houve outras escavações ao longo da bacia do Tigre e Eufrates, e a


partir delas foram encontrados outros tabletes que tratam de teoria musical e
permitiram decifrar o tablete-canção, esclarecendo questões de harmonia, tipos
de instrumentos e escala musical (KILMER, 1980). Esses textos demonstraram o
sistema sumeriano antigo de notação musical, semelhante ao nosso sistema de
sete notas: dó, ré, mi, fá, sol, lá e si. Dessa forma, é possível conhecer aspectos da
música mesopotâmica através de centenas de tabletes escritos em língua suméria
e acádia (CAVINI, 2011).

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TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS MÚSICAS

DICAS

A maioria das músicas antigas foi perdida. Porém, com a descoberta


arqueológica de Ugarit é possível ouvir um pouco da música antiga. A interpretação da
notação musical de Ugarit é um desafio e várias trabalhos foram publicados com o intuito de
desvendar. Você pode ouvir a reprodução dessa música: <https://youtu.be/DBhB9gRnIHE>
ou em <https://youtu.be/-AKedKrxoLI>. Ouça!

Além disso, há muitas representações de instrumentos musicais em selos-


cilindros, cerâmicas pintadas, mosaicos e esculturas. A partir de iconografias e
inscrições antigas foi possível conhecer os instrumentos musicais mesopotâmicos
(KILMER, 2000). Entre os instrumentos de corda, os sumérios e acadianos
possuíam a harpa, triangular e com cordas desiguais, que era tocada com as
duas mãos; a lira, em forma de U cortado por uma barra onde se fixavam as
cordas; cimbalão, espécie de harpa usada pelos elamitas e sumérios de cordas
percutidas; e o alaúde de braço comprido, com caixa de ressonância abaulada.
A maior parte da documentação sobre esses instrumentos provém da cidade
de Ur e data do século XXVII a. C. Nessa cidade foram encontradas oito liras
e duas harpas feitas de madeira e decoradas com lápis lazuli, marfim e outros
materiais (CAVINI, 2011). As liras variavam de forma, podiam ser simétricas ou
assimétricas, algumas eram pequenas para serem tocadas de pé e caminhando;
outras, grandes, para serem tocadas sentadas, e as muito grandes, para serem
tocadas por até dois músicos sentados. As harpas eram, em geral, menores que
as liras e poderiam ser tocadas por músicos sentados ou de pé (POZZER, 2005).

As chamadas “Harpas de Ur” são consideradas os mais antigos


instrumentos de cordas descobertos até agora, datam de aproximadamente 2400
a.C. A “Harpa de Ouro” ou “Harpa do Touro” foi considerada a mais bela das
quatro encontradas naquele lugar, mas foi destruída quase em sua totalidade
durante a invasão dos EUA ao Iraque em 2003. Entidades e universidades
construíram uma réplica, que você pode ver a seguir, e recuperaram a cabeça
original do touro.

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

FIGURA 7 – LIRA DE 11 CORDAS ENCONTRADA NAS ESCAVAÇÕES DE UR

FONTE: <https://ensinarhistoriajoelza.com.br/wp-content/uploads/2014/12/10_Lira-716x1024.
jpg>. Acesso em: 8 set. 2018.

FIGURA 8 – MÚSICO TOCANDO LIRA ACOMPANHA CANTORA

FONTE: <https://ensinarhistoriajoelza.com.br/wp-content/uploads/2014/12/15_Musico-1-
960x937.jpg>. Acesso em: 8 set. 2018.

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TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS MÚSICAS

Já os instrumentos de sopro eram feitos de junco, madeira, pedra e metal


e tinham tamanhos e formas diversas, e as flautas duplas eram comuns. Havia
cornetas, com bocal e pavilhão largos, e instrumentos feitos de bronze, prata e
ouro. Também foram encontrados fragmentos de flautas de osso, com orifícios
para os dedos, datadas do período pré-histórico (CAVINI, 2011).

Os instrumentos de percussão eram compostos de tambores de várias


formas e tamanhos, com peles de animais. Os tambores pequenos eram tocados
por mulheres, muitas vezes nuas. A música dos instrumentos de percussão era
acompanhada de danças. Também faziam parte dos instrumentos de percussão
os címbalos, instrumentos em forma de pequenos pratos, feitos de bronze, cobre
ou prata (CAVINI, 2011).

2.1.2 Babilônios e Assírios


Para os babilônios (2.000 a 539 a.C.), a música estava associada à animação
de tropas durante as batalhas; eram também compostas músicas que alegravam
os banquetes e festas em tempos de paz. O canto era utilizado para a caça, o
amor, o ódio, a guerra, evocação dos mortos, estados de transe, entre outros.
Três tábuas babilônicas datadas dos séculos XVIII a XV a.C. mostram uma teoria
musical elaborada. Essas tábuas cuneiformes revelam um método de afinação da
lira-cítara de nove cordas, estabelecendo uma teoria da escala babilônica, uma
escala diatônica de sete sons, uma novidade em uma época em que os povos da
Antiguidade utilizavam escalas de cinco sons, pentatônicas (CAVINI, 2011).

Para os assírios (1.300 a 612 a.C.) a música era símbolo de poder,


respeito e vitória. Há muito material referente à música em pinturas, esculturas
e escritas em baixo relevo deixadas por eles. Os músicos eram, inclusive, mais
reverenciados e estimados que os próprios sábios. Os assírios eram desumanos
com seus conquistados, porém, após a conquista dos povos, os músicos eram
poupados pelo exército e levados junto com os produtos adquiridos em caça ou
roubo. Acredita-se que na Assíria, os ricos mantivessem uma orquestra com 150
mulheres, entre cantoras e instrumentistas. Os instrumentos assírios de sopro
eram as trombetas e flautas, simples e duplas; os de cordas eram as liras, cítaras
e harpas portáteis; e os de percussão eram os gongos, tímpanos e tambores de
diversos tamanhos e formas (CAVINI, 2011).

2.1.3 Hebreus
Os hebreus viveram na região do Oriente Médio e deram origem aos
povos semitas, como os árabes e os israelitas, constituíram uma civilização
que deixou um legado ético e cultural para grande parte da humanidade e
sempre mantiveram contato com a música. Porém, essa civilização teve maior
desenvolvimento após a retirada dos hebreus do Egito por Moisés, por volta

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

de 1300 a.C. A música hebraica sofreu influência de outros povos, porém


consolidou-se com características próprias: caráter religioso, guerreiro, festivo e
de lamentação. A Bíblia constitui a principal fonte documental sobre a referência
à música hebraica (CANDÉ, 1994). A música não pode ser executada fielmente
por não haver registros escritos. A música era passada de professor para aluno e,
mesmo conhecendo os instrumentos e representações musicais da época, não é
possível saber como soava (MANN, 1982).

O rei Davi (1000-960 a.C.), poeta, músico e compositor, promoveu o apogeu


da música hebraica, especialmente a sagrada. Em sua época, 4000 levitas tinham
a música como profissão e os melhores músicos eram contratados por Davi para
se apresentarem em praça pública, executando as melhores músicas do repertório
com corais de até 100 vozes (CAVINI, 2011). A música hebraica possuía modos
e escalas complexos, em forma de tetracordes descendentes e com sequência de
quatro notas. Por volta dos séculos IX a VIII a.C. a música instrumental e as formas
vocais do canto falado desenvolveram-se até os Salmos de Davi. Os cantos de
oração se baseavam em oito modos, provavelmente relacionados ao calendário.
A maioria dos Salmos reverencia a forma vocal, porém possui a inscrição que
recomenda o acompanhamento de cordas ou outros instrumentos (MICHELS,
2003). Quanto à execução musical, acredita-se que essa música seria homofônica:
uma linha melódica acompanhada por ritmos e associada à palavra e ao gesto.

Em documentos egípcios e mesopotâmicos, datados de cerca de 1200


a.C., é possível encontrar a presença de músicos e instrumentos hebraicos, sendo,
portanto, famosos entre as regiões do Nilo, Tigre e Eufrates. São os instrumentos
hebraicos de sopro o shalil ou nekeb, flautas simples de quatro a sete orifícios;
flautas duplas; hazozrah, trompas de metal, provavelmente de origem egípcia;
shofar e cheren, trompas em forma de chifres em espiral, reservados aos ritos
sacrificiais e cerimônias rituais; e o halilim, um oboé duplo. Nos instrumentos de
cordas estão o kinnor, harpa triangular de oito cordas, feita de ébano ou cipreste
e cordas de tripas de camelo; chalischin, alaúde de três cordas; nevel, espécie
de harpa de dez cordas. Entre os instrumentos de percussão estão o tof, tambor
alongado; seliselim, pratos de metal, de origem árabe; pandeiro, de origem
egípcia; zelzlin, címbalo de cobre; e sistro, espécie de chocalho (CAVINI, 2011).

2.1.4 Fenícios
A civilização fenícia era constituída por várias cidades-estados que
compartilhavam a mesma cultura, sem vínculo político e econômico entre si. Eram
comerciantes e viajavam fundando concessões, feitorias e colônias em diversas
regiões. Eram politeístas e imitavam a arte dos caldeus e egípcios. Viveram há
cerca de 1000 a.C. nas proximidades do Mar Mediterrâneo, território que hoje
pertence ao Líbano.

Eles desenvolveram um alfabeto fonético de 22 letras, que posteriormente


foi adaptado pelos gregos e romanos, dando origem ao nosso alfabeto (CAVINI,

14
TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS MÚSICAS

2011). Não há muitas informações sobre a música fenícia, as existentes são


provenientes de inscrições nos monumentos da civilização assírio-babilônica
da época de Senaquerib e Nabucodonosor, que mostram cenas de 44 fenícios
cultuando a música com uma combinação instrumental típica da época: flauta
dupla, lira e tambor. Os fenícios são considerados os inventores de alguns
instrumentos musicais, como a flauta dupla (MICHELS, 2003).

2.1.5 Egípcios
Os egípcios, desde 4000 a.C., já povoavam as margens do rio Nilo, com
um marcante desenvolvimento artístico. Junto com os assírios e fenícios, foram
um dos primeiros povos a desenvolver a escrita, os hieróglifos. As descobertas
arqueológicas, como inscrições encontradas em pirâmides, templos e túmulos,
mosaicos, murais, objetos, textos e baixos-relevos demonstram a prolífica
atividade musical e a diversidade de instrumentos musicais. Candé (1994)
resume os documentos musicais encontrados em diversos períodos da história
do Egito antigo:

• Período Pré-Dinástico (5000-3200 a.C.): é desse período o mais antigo


documento musical encontrado, uma representação de dançarinos mascarados
tocando flauta (3500 a.C.), esculpidos numa placa de xisto.
• Antigo Império (3200-2300 a.C.): através das figurações coreográficas com
inscrições que informam sobre as danças que eram apresentadas aos faraós.
Cantores, harpista e tocador de flauta longa são representados em um relevo
mural.
• Médio Império (2134-1580 a.C.): desse período encontram-se numerosos
documentos representando conjuntos musicais mais consideráveis, em que
figuram harpas, alaúdes, liras, flautas de palheta dupla, trombetas, crótalos e
tambores.
• Novo Império (1580-525 a.C.): a música deste período é mais viva, forte, de
função ritual, religiosa e até militar. Aqui os instrumentos do período anterior
se multiplicaram e se aperfeiçoaram.

A música egípcia, assim como toda a arte, estava ligada à religião, mas
possuía um estilo de música para cada ocasião: de caráter religioso, nos cultos aos
mortos e aos deuses; de caráter militar, quando eram cantados hinos em honra aos
vencedores; de caráter social, animando banquetes solenes, cantos de trabalho,
entre outros. A música egípcia era composta por cantos acompanhados por
instrumentos e danças. Além dos instrumentistas e dançarinos, acompanhavam
pessoas que só batiam palmas. A música egípcia era coletiva e as mulheres tinham
um papel importante (CAVINI, 2011).

A civilização egípcia se diferenciava de outros povos no tratamento dado


a seus músicos. Os músicos no Egito possuíam uma situação inferior, sendo
raramente mencionados em textos e representados vestidos como escravos e
ajoelhados diante de seus amos (CAVINI, 2011).

15
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

Os egípcios possuem 42 Livros da Sabedoria, entre eles, dois eram


totalmente dedicados à importância moral, religiosa, nacional e educativa da
música. Acredita-se que a música egípcia era baseada na escala pentatônica e que
eles não possuíam um sistema de notação, já que não foi encontrada nenhuma
referência sobre esse assunto nos documentos (CAVINI, 2011).

Os egípcios conheciam vários instrumentos; os de sopro eram: mem, flautas


retas, tocadas verticalmente; sebi, flautas oblíquas, tocadas transversalmente;
mait, flautas duplas, que podiam ser retas ou oblíquas, com embocadura comum;
saibit, flautas simples, abertas nas duas extremidades, que no começo eram feitas
de barro, osso ou marfim, porém, após a descoberta do uso do bronze, passaram
a ser fabricadas com esse metal; trombetas, com funções militares; oboés, que
surgem nas Dinastias XVIII e XIX, após a conquista da Síria. Acredita-se que os
instrumentos de sopro teriam sido executados somente por mulheres no Antigo
Egito (CAVINI, 2011).

FIGURA 9 – UMA FESTA PARA NEBAMUN

FONTE: <https://raseef22.com/en/wpcontent/uploads/sites/2/2017/ 04/MAIN_Music-Pharaohs.


jpg>. Acesso em: 16 set. 2018.

Nota: Na tumba de Nebamun, uma parede inteira da capela-túmulo mostrava uma


festa em homenagem a Nebamun. Os convidados ricamente vestidos são entretidos por
dançarinos e músicos, que se sentam no chão, tocando e batendo palmas.

Os instrumentos de cordas utilizados pelos egípcios eram a buni, harpa


com forma triangular ou angular, poucas cordas e sem caixa de ressonância;
tebuni, harpa maior que possuía caixa de ressonância e um maior número de
cordas; trígono, harpa portátil; alaúde ou pandora, espécie de bandolim esguio
e alongado, com braço marcado por trastes, com três ou quatro cordas; e cítara ou
lira, com duas séries de cordas, 5 a 18, estendidas sobre uma armação e que são
tangidas por um plectro, de origem síria; difundida, sobretudo, a partir de 1500 a.C.
Lembrando que, como vimos, as liras são originárias da Suméria (CAVINI, 2011).

16
TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS MÚSICAS

FIGURA 10 – INSTRUMENTOS DE CORDAS

FONTE: <https://ic.pics.livejournal.com/aldanov/11891766/2556347/2556347_original.jpg>.
Acesso em: 8 set. 2018.

Nota: Um detalhe de uma pintura da tumba de Zeserkaresonb mostrando um homem e


uma mulher tocando instrumentos de cordas. Egito. 18ª Dinastia c 1420-1411 a.C.

Os instrumentos de percussão mais utilizados eram o darabuka, tambor


em forma de taça, feito de cerâmica ou madeira; címbalos, com forma de pandeiros
e feitos de bronze; sistro, um chocalho feito de porcelana ou madeira e reservado
ao culto dos deuses Ísis e Hator, para afastar os maus espíritos; tambores de
origem síria de vários tamanhos e formas, feitos de barro cozido ou madeira;
crótalos: tipo de castanholas primeiro feitos em madeira, depois marfim e metal;
e duff, pandeiro (CAVINI, 2011). Como aponta Montanari (1993), a civilização
egípcia cultivou a música como elemento obrigatório em cerimônias religiosas e
festas, além de ter desenvolvido o canto e instrumentos musicais.

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

FIGURA 11 – SISTRO

FONTE: <https://goo.gl/HJZ5mJ>. Acesso em: 16 set. 2018.

Nota: Nefertari, esposa de Ramsés II, segurando um sistro, em uma pintura do Templo
de Abu Simbel (século XIII a.C.).

2.1.6 Medos e Persas


Medos e persas se estabeleceram no Irã e se destacaram. Os medos
ocuparam o norte, perto da Assíria, e os persas, o sul, próximo ao Golfo Pérsico. Ao
final do século VII a.C., os medos possuíam um império organizado e no reinado
de Ciáxares impuseram seu domínio aos persas e, com os babilônicos, venceram
os assírios (612 a.C.). Ciro II, rei dos persas, comandou uma luta contra os medos
e conquistou o território em 550 a.C., unificando os dois povos e iniciando o maior
império da Antiguidade, que se estendeu às regiões da Mesopotâmia e Egito.
A esse império foram anexados o Reino da Média, Reino da Lídia, Babilônia e
cidades gregas do litoral do Mar Egeu. O sucessor de Ciro II, Cambises II (530-
522 a.C.), conquistou o Egito na batalha de Pelusa. Sob o reinado de Dario III
(336-330 a.C.), o império persa foi conquistado por Alexandre Magno, rei da
Macedônia (CAVINI, 2011). A arte persa teve influência dos egípcios, babilônios,
hititas e assírios, mas a única notícia que se tem da cultura musical medo-persa
antiga é que ela abrangeu toda a música e instrumentos musicais dos egípcios e
mesopotâmicos, especialmente assírios e babilônios. As esculturas e pinturas nos
templos persas mostram a riqueza dos instrumentos musicais (CAVINI, 2011).

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TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS MÚSICAS

Sobre a cultura musical persa encontram-se informações nos testemunhos


de Heródoto e Xenofonte sobre a música persa da Dinastia Aquemênida (século
VII a.C.) e há informações também na Dinastia Sassânia (224-651 d.C.) do reinado
de Cosroes II (591-628 d.C.), mecenas das artes. Após o fechamento da escola de
Atenas em 529 d.C., Cosroes II reuniu em sua corte músicos que organizaram
o sistema musical persa dividindo-o em sete modos reais, 30 estilos derivados
e 360 melodias relacionadas com os dias do ano do calendário solar Sassânida
(CAVINI, 2011).

A chegada do Islã ao Irã (século VII d.C.) intensificou a tradição musical


persa. A Pérsia nutriu o Islã com músicos e estudiosos de grande reputação e
converteu-se no centro musical do Oriente Islâmico. A cultura musical persa
remonta à Antiguidade, mas está ligada à estruturação do radif (sete modos
cromáticos) e gushé-s (sequências melódicas), datados dos primeiros séculos
da era cristã, por isso esses aspectos não serão abordados (CAVINI, 2011). Os
modos persas são semelhantes ao sistema grego antigo, com a conjunção de
dois tetracordes, fragmentos de escala de quatro notas. Essas escalas ou modos
sempre têm sete notas, sem cromatismos, mas com uma variação na afinação.
Assim como outros gêneros da Ásia Central, a música persa é monofônica, ou
seja, todos os instrumentos têm o mesmo padrão melódico sem conotações
harmônicas; é modal; e sua afinação usa tons diferentes da divisão temperada.
Diferentemente dos estilos musicais próximos, a música persa possui um escopo
estreito de melodias, degraus articulares, sem saltos na melodia, o acento na
cadência, a simetria e a repetição dos mesmos motivos melódicos em diferentes
alturas, padrões rítmicos simples, tempos rápidos e uma ornamentação florida.

Os instrumentos musicais de sopro persas são as flautas simples e


duplas; balban, flauta de madeira ou osso, de sete orifícios, e zurna, flauta com
palheta dupla. Os instrumentos de cordas são o taar, alaúde de braço longo
de seis cordas, que é tocado com plectro ou chifre; kamancheh, da família dos
violinos, com quatro cordas de metal e tocado na vertical; gheychak, também da
família dos violinos, com quatro a seis cordas e duas caixas de ressonância, que
funcionam como amplificador; e barbat, alaúde. E os instrumentos de percussão
são o dohol, tambor de diversos tamanhos, com pele nas duas extremidades e
tocado com duas baquetas; tonbak, tambor chefe da percussão persa, feito de
madeira, cerâmica ou metal, é o único instrumento que pode ser tocado com os
dez dedos das mãos; e o daf, considerado um tambor sagrado, conhecido desde
épocas pré-islâmicas (CAVINI, 2011).

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

3 MÚSICA CHINESA
Os chineses descendem dos povos da Ásia Central e Mongólia e no início
formaram pequenos estados independentes até serem ameaçados pelos mongóis
e unirem-se em um Império sob a Dinastia Zhou (1122-249 a.C.). Desde 3000 a.C.,
há notícias de que os chineses estimavam a música, possuindo um sistema já
estruturado. Ling-Iuen, sábio chinês que viveu por volta de 2637 a.C., observou
os sons harmônicos existentes na natureza e sua correspondência quanto ao
comprimento e vibração de canas, fixou a base das medições acústicas dos
intervalos mais simples de quinta e oitava (CANDÉ, 1994). Ling-Iuen conseguiu
sistematizar uma série de cinco tons, que correspondiam aos cinco elementos,
chamado de lyu. Essa escala foi aperfeiçoada até uma série de 12 lyus, intervalos
originados da derivação por quintas de um som fundamental, que correspondiam
às 12 luas, aos 12 meses do ano e às 12 horas do dia chinês. Assim, se o primeiro
lyu tiver o som de dó, será essa sequência: dó, sol, ré, lá, mi, si, fá#, dó#, sol#, ré#,
lá# e mi# (5as. ascendentes, geração feminina). Inversamente, cada lyu daria a 5ª
inferior precedente, ou seja: dó, fá, sib, mib, láb, réb, solb, dób, fáb, sibb, mibb,
lább (5as descendentes, geração masculina) (CAVINI, 2011, p. 49).

NOTA

O princípio do lyu surgiu da ideia de Ling-luen em talhar canas cujas relações de


comprimento correspondessem à harmonia entre céu e terra, simbolizados pelos números
3 e 2. Cada cana teria 2/3 do comprimento da precedente, em um intervalo de 5ª, de onde
surgiu uma escala baseada no “ciclo das quintas” (CAVINI, 2011, p. 49).

As notas musicais chinesas seguiam a denominação de acordo com as


classes sociais: kong, o Imperador: nota fá; chang, o Ministro: nota sol; kyo, o
Burguês: nota lá; tchi, o Funcionário: nota do e yu, o Camponês: nota ré (CAVINI,
2011, p. 49). A notação musical chinesa comumente se fazia com as próprias letras
do alfabeto chinês. A polifonia é um elemento secundário na música chinesa e as
vozes estão dispostas em uníssono ou em 8ª, às vezes em 5as. e 4as. paralelas. Os
instrumentos chineses destacam-se pelo refinamento e variedade.

Na Dinastia Zhou (1122-249 a.C.), o She-Tzing, livro de poemas


cantados e recitados, era muito usado e os conjuntos musicais
compostos de instrumentos de sopro e percussão estavam sempre a
serviço da corte e dos cultos religiosos.

20
TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS MÚSICAS

Bem mais tarde, o filósofo chinês Confúcio (551-479 a.C.) considerou a


música como um meio de preparar a mente para a Filosofia e elevação
espiritual, tendo a música uma função educativa e moral. Confúcio
ocupava a maior parte do seu tempo com a música, colecionando
melodias antigas, compondo outras novas e ainda tocava vários
instrumentos.
Na época de Confúcio, a música exercia papel essencial nas festas
agrícolas, cerimônias da corte e rituais religiosos, tendo o objetivo de
expressar o equilíbrio cósmico entre a terra e o céu, entre yin e yang.
Entre os anos de 140 a 87 a.C., o Imperador Han-ou-di, da Dinastia Han,
inaugurou a Academia de Música, onde os estudos eram dedicados às
pesquisas folclóricas. Essa foi uma época considerada de restauração
da música antiga (CAVINI, 2011, p. 49).

Os chineses destacam-se pela forma como classificam-se os instrumentos,


em oito grandes categorias conforme o material usado na confecção: Metal (sinos
e jogos de sinos; gongos e jogos de gongos; metalofones de lâmina; berimbaus).
Pedra (the-k’ing, lâmina de jade suspensa; pyen-k’ing, jogo de 16 lâminas de
jade suspensas, ou litofone, usado em templos; flauta de jade). Seda (k’in, longa
cítara com sete cordas de seda de tamanhos iguais e espessuras diferentes, com
uma sequência de quartas e quintas nas seis cordas; Sê, grande k’in sagrado de 25
cordas; tcheng, instrumento intermediário entre o k’in e o sê, de 13 ou 16 cordas;
Pi-pa, espécie de alaúde de braço curto, em forma de pera, com quatro cordas; hu-
k’in, violino de duas cordas; san-xian, alaúde de três cordas, de braço comprido
e tangido por plectro; e vários outros instrumentos de cordas). Bambu (p’ai-
siao, espécie de flauta de Pã de 16 tubos, mais antiga que a siringe grega; grande
variedade de flautas retas e transversais; lung-ti, flauta transversal feita de bambu,
pintada com uma resina vegetal vermelha e com uma folha de papel fina para
tapar o orifício de soprar; Chu-ti, flauta horizontal; kuan-tse, flauta vertical com
sete orifícios, de som estridente, feita de bambu; ti-chi). Cabaça (sheng, pequeno
órgão de boca, portátil, de palheta livre, possuindo de 7 a 36 tubos de bambu de
diferentes tamanhos colocados verticalmente sobre uma cabaça vazia e soprados
por um grande bocal). Terra (hyuen, ocarina em forma de ovo pontudo, utilizada
na música ritual; tambores de cerâmica). Pele (grande variedade de tambores,
tamborins e tímpanos; t’ao-ku, cinco pequenos tambores colocados paralelamente
sobre um cabo de bambu, tendo cordões com contas nos seus lados, produziam um
som áspero quando girados vigorosa e rapidamente). Madeira (pa-ta-la, xilofone
de 22 lâminas; yu, instrumento de percussão, representando um tigre deitado, cujo
dorso é raspado com um bambu rachado; cornetas; charamelas; oboés, a maioria de
origem estrangeira; matracas; blocos e outros instrumentos de percussão) (CAVINI,
2011). Em 2255 a.C. os chineses utilizavam um sistema musical de 84 escalas, o
sistema tradicional da música ocidental dispunha de apenas 24. A música tinha o
objetivo de orientar o povo e purificar o pensamento. A cultura musical chinesa,
por volta do ano 2255 a.C., influencia o Japão, Birmânia, Tailândia e Java.

21
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

NOTA

O Mu-yu, “peixe de madeira”, é um instrumento de percussão chinês esculpido


na madeira em forma de peixe, usado nos templos, simbolizando a oração ininterrupta, pois
acredita-se que os peixes nunca dormem (CAVINI, 2011).

N MU-YU

FONTE: <https://goo.gl/CKs9v7>. Acesso em: 16 set. 2018.

DICAS

Para aprofundar os assuntos vistos até aqui é importante o estudo. Algumas


referências para o aprofundamento do seu conhecimento:
CANDÉ, Roland de. Pré-História e antiguidade – cem séculos de civilização musical: em
busca das origens. In: ______. História universal da música. Tradução de Eduardo Brandão.
São Paulo: Martins Fontes, v. 1,1994.
MICHELS, Ulrich. Pré-História e proto-história em Atlas de música – dos primórdios ao
Renascimento. Lisboa: Gradiva, 2003.

22
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A história da música pode ser conhecida através da música escrita, de tratados,


documentos iconográficos, da transmissão oral, de relatos, de instrumentos
musicais e através de gravações.

• A trajetória da música pré-histórica, baseada principalmente em hipóteses,


resume-se à imitação de sons e ruídos da natureza, bem como na imitação dos
sons que os próprios homens emitiam: gemidos, grunhidos, palmas, o pulsar
do coração.

• Os instrumentos mais antigos datam do Paleolítico Inferior e são flautas feitas


de ossos com apenas orifícios, usadas provavelmente em caçadas para imitar
sons ou cantos de animais e pássaros, ou para os homens se comunicarem.

• No período Neolítico aparecem os primeiros tambores e matracas em argila,


provavelmente tinham uso religioso.

• Os sumérios possuíam um método próprio de leitura musical e se utilizavam de


instrumentos para acompanhamento vocal. Sua música tinha o estilo religioso
e estava presente em todas as cerimônias solenes ou familiares. Construíram
instrumentos de sopro a partir de chifres de animais e produziram também
instrumentos de percussão.

• A música era para os sumérios, assim como a literatura, a linguagem e a


matemática, uma das disciplinas básicas do ensino formal.

• Para os babilônios, a música estava associada à animação de tropas durante


as batalhas; alegravam os banquetes e festas em tempos de paz. O canto era
utilizado para a caça, o amor, o ódio, a guerra, evocação dos mortos, estados
de transe, entre outros.

• Para os assírios, a música era símbolo de poder, respeito e vitória. Os músicos


eram mais reverenciados e estimados que os próprios sábios.

• A música hebraica sofreu influência de outros povos, porém consolidou-


se com características próprias: caráter religioso, guerreiro, festivo e de
lamentação. A Bíblia constitui a principal fonte documental sobre a referência
à música hebraica.

23
• A música hebraica possuía modos e escalas complexos, em forma de tetracordes
descendentes e com sequência de quatro notas. Os cantos de oração se baseavam
em oito modos, provavelmente relacionados ao calendário. Acredita-se que
essa música seria homofônica: uma linha melódica acompanhada por ritmos e
associada à palavra e ao gesto.

• Não há muitas informações sobre a música fenícia, os fenícios são considerados


os inventores de alguns instrumentos musicais, como a flauta dupla.

• Os egípcios tinham uma prolífica atividade musical e diversidade de


instrumentos musicais. A música egípcia estava ligada à religião, mas possuía
um estilo de música para cada ocasião: de caráter religioso, nos cultos aos
mortos e aos deuses; de caráter militar, quando eram cantados hinos em honra
aos vencedores; de caráter social, animando banquetes solenes, cantos de
trabalho, entre outros.

• A música egípcia era composta por cantos acompanhados por instrumentos e


danças. Era coletiva e as mulheres tinham um papel importante e os músicos
uma situação social inferior.

• A única notícia que se tem da cultura musical medo-persa antiga é que ela
abrangeu toda a música e instrumentos musicais dos egípcios e mesopotâmicos,
especialmente assírios, babilônios.

• A música persa é monofônica, ou seja, todos os instrumentos têm o mesmo


padrão melódico sem conotações harmônicas; é modal; e sua afinação usa tons
diferentes da divisão temperada.

• A música persa possui um escopo estreito de melodias, degraus articulares,


sem saltos na melodia, o acento na cadência, a simetria e a repetição dos
mesmos motivos melódicos em diferentes alturas, padrões rítmicos simples,
tempos rápidos e uma ornamentação florida.

• Os chineses estimavam a música e possuíam um sistema estruturado.

• As notas musicais chinesas seguiam a denominação de acordo com as classes


socais. A notação musical chinesa comumente se fazia com as próprias letras
do alfabeto chinês. A polifonia é um elemento secundário na música chinesa e
as vozes estão dispostas em uníssono ou em 8ª, às vezes em 5as e 4as paralelas.
Os instrumentos chineses destacam-se pelo refinamento e variedade.

• Os chineses destacam-se pela forma como classificam-se os instrumentos, em


oito grandes categorias, conforme o material usado na confecção: metal, pedra,
seda, bambu, cabaça, terra, pele e madeira.

24
AUTOATIVIDADE

1 (UFPR, 2010) A chinesa é uma civilização que tem uma história


musical de vários milênios. A sonoridade da música chinesa
antiga é pouco conhecida, entretanto há muitos documentos
escritos que trazem detalhes da música dessa cultura. Sobre a
música tradicional chinesa, é correto afirmar:

a) ( ) É completamente independente do controle do Estado, caracterizando-


se sua origem popular.
b) ( ) É marcada pela crença no poder da música.
c) ( ) Baseia-se em experiências empíricas com o som, distanciando-se das
teorias da acústica e das relações metafísicas entre a música e o mundo
natural, típicos do mundo ocidental.
d) ( ) A zamponha e a queña são os instrumentos típicos da música tradicional
chinesa.
e) ( ) Caracteriza-se pela composição exclusivamente instrumental, mantendo
sua função religiosa meditativa.

2 Há evidências de que a música na Pré-História não se


configurou como produção artística a princípio, mas
teria surgido possivelmente através da necessidade de
comunicação e expressão. Uma das fontes de inspiração para
o desenvolvimento da musicalidade na Pré-história foi a observação de
que sons?

a) ( ) Sons da natureza.
b) ( ) Sons produzidos através do corpo.
c) ( ) Sons da flauta primitiva.
d) ( ) Sons do caminhar.

3 Quando o homem dominou o fogo, aprendeu a mantê-lo aceso


soprando através de um caniço. Essa pode ter sido a origem
de um dos primeiros instrumentos musicais construídos pelo
homem, feitos a partir de ossos de abutre e de marfim. Que
instrumento é esse?

a) ( ) Flauta.
b) ( ) Apito.
c) ( ) Tambor.
d) ( ) Flauta doce.

25
26
UNIDADE 1
TÓPICO 2

A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

1 INTRODUÇÃO
Nesse tópico 2 da Unidade 1, nós iremos nos concentrar em dois temas
específicos e muito importantes: a herança grega e a música romana. Os gregos
contribuíram com descobertas e pesquisas que influenciaram a construção da
teoria musical e os romanos tiveram um importante papel na preservação musical.

Durante toda a Idade Média e até os dias de hoje, artistas e intelectuais


voltam-se para a Grécia e Roma em busca de ensinamentos e inspiração nos mais
diversos campos de atividades, como a música. Porém, o campo da música possui
algumas diferenças em relação às outras artes. A literatura romana continuou
a ser lida, autores e textos gregos foram recuperados. Os artistas medievais e
renascentistas podiam estudar os modelos da Antiguidade, eles sobreviveram.
Já os músicos da Idade Média não conheceram a música grega ou romana.
Atualmente foram reconstituídas algumas peças ou fragmentos de peças musicais
gregas, a maioria de épocas tardias. Não há vestígios da música antiga de Roma,
mas há relatos verbais, baixos-relevos, mosaicos, afrescos e esculturas, de que a
música tinha um importante papel na vida militar, no teatro, na religião e nos
rituais de Roma.

O desaparecimento das tradições e da prática musical romana no início


da Idade Média ocorreu por esta música, em sua maioria, estar associada a
práticas sociais e rituais pagãos que a Igreja primitiva julgava que deveriam ser
eliminados. Assim, afastou-se essa música da Igreja, já que traria abominações
ao espírito dos fiéis, e apagou-se por completo a memória dela. Contudo, alguns
elementos da prática musical antiga sobreviveram durante a Idade Média e as
teorias musicais foram as bases das teorias medievais, integradas à maior parte
dos sistemas filosóficos. Para compreender a música medieval é preciso conhecer
a teoria e as práticas musicais gregas.

27
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

2 A HERANÇA GREGA
Na Grécia antiga, entre os séculos VII e VI a.C., a música estava vinculada
a todas as manifestações sociais, culturais e religiosas. Era a mais importante das
artes, essencial para a educação e considerada uma força obscura, conectada com
potenciais do bem e do mal, com capacidade para curar, elevar o homem até a
divindade ou levá-lo para o mal (LIMA, 2007). Esse comportamento cultural é
chamado ética musical ou doutrina do caráter, desenvolvida pelo filósofo Damón
e aprimorada por Platão, que acreditava que a música bem ensinada poderia ser
um dos meios para atingir a virtude (FUBINI, 1999).

Os gregos atribuíram à música uma origem divina e acreditavam que seus


inventores e primeiros intérpretes eram deuses e semideuses, como Apolo e Orfeu.
A música possuía poderes mágicos, era capaz de curar doenças, purificar o corpo e
operar milagres. A música era um elemento indissociável das cerimônias religiosas,
no culto a Apolo utilizava-se a lira e no de Dionísio, o áulo. Acredita-se que os dois
instrumentos tenham sido trazidos da Ásia Menor. A lira e a cítara, uma lira de
maior dimensão, eram instrumentos de cinco e sete cordas, chegando até 11 cordas,
eram tocadas solo ou acompanhando o canto ou recitação de poemas épicos.

FIGURA 12 – VASO COM ORFEU TOCANDO A LIRA

FONTE: <https://goo.gl/Ny2Ekw>. Acesso em: 15 set. 2018.

Nota: Terracota, 430 a.C. Localização atual: Museu Pergamon (Berlim).

O áulo é um instrumento de palheta simples ou dupla, muitas vezes com


dois tubos, timbre estridente e penetrante. Era associado ao canto de um certo
tipo de poema, o ditirambo, no culto de Dionísio, culto que está ligado à origem
do teatro grego, nas tragédias da época clássica. Os coros e outras partes musicais
eram acompanhados pelo som do áulo.
28
TÓPICO 2 | A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

FIGURA 13 – SÁTIRO TOCANDO ÁULO

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/ wikipedia/commons/9/90/Satyros_aulos_Louvre_


MNE987.jpg>. Acesso em: 15 set. 2018.

Nota: Procedência: Metaponto (Lucania). Face de uma taça de vinho de figuras


vermelhas, 400-390 a. C. Localização atual: Museu do Louvre (França).

A lira e o áulo eram tocados em solos no século VI a.C. e os festivais de


música instrumental e vocal tornaram-se mais populares a partir do século V a.C.
Quanto mais a música tornava-se independente, maior o número de virtuoses e
mais complexa em todos os aspectos. Após a época clássica (aproximadamente
entre 450 e 325 a.C.), houve uma reação contra o excesso de complexidade técnica
e, no início da era cristã, a teoria musical grega, e possivelmente a prática, estava
muito simplificada.

Um dos mais importantes exemplos de música grega é o fragmento de


um coro de Orestes, de Eurípides, de um papiro, escrito em aproximadamente 200
a.C. em Hermópolis, Egito. Esse fragmento possui sete linhas de escrita contendo
partes dos versos 338-344 do primeiro refrão de Orestes. Escrito em 408 a.C. pelo
escritor de tragédia grega Eurípides (por volta de 480-406 a.C.), a peça conta a
história de Orestes, que mata sua mãe Clitemnestra para vingar a morte de seu
pai, Agamenon e, por isso, é perseguido pelas Fúrias. Esse fragmento possui uma
passagem de canto coral (stasimon) e símbolos vocais e instrumentais escritos
acima das linhas das letras da música. Esse é um dos poucos textos gregos
existentes com notação musical, foi recuperado da cartonagem de uma múmia
no fim do século XIX e estudiosos tentaram reconstruir como o refrão poderia ter
sido tocado ou cantado (BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL, 2017).

29
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

FIGURA 14 – FRAGMENTO DE ORESTES

FONTE: <https://dl.wdl.org/4309.png>. Acesso em: 15 set. 2018.

Nota: Fragmento de papiro. 9,2 x 8,5 centímetros. Data: 480 a. C. Localização atual:
Biblioteca Nacional da Áustria (Áustria).

DICAS

O fragmento do coro de Orestes, de Eurípides, é um stasimon, uma ode cantada


com o coro imóvel no seu lugar na orquestra, zona semicircular entre o palco e a bancada
dos espectadores. O papiro contém sete versos com notação musical, mas só subsistiu a
parte central dos versos e 42 notas da peça musical, mas faltam muitas outras. Por isso,
qualquer interpretação terá como base uma reconstituição. Ouça uma dessas interpretações
em <https://youtu.be/xI5BQqgO-oY>.

A música grega era monofônica, uma melodia sem harmonia ou


contraponto. Porém, muitas vezes, vários instrumentos embelezavam a melodia
junto com a interpretação de cantores, criando assim uma heterofonia, mas,
lembre-se, nem a heterofonia, nem o canto em oitavas, quando homens e rapazes
cantam em conjunto, constituem uma verdadeira polifonia. A música grega
também era improvisada, estava associada à palavra, à dança ou a ambas. A
melodia e seu ritmo estavam ligados à melodia e ao ritmo da poesia. A música
dos cultos religiosos, do teatro e dos concursos públicos era interpretada por
cantores que a acompanhavam dançando.

Tendo em vista que pouco se sabe sobre a prática musical grega, foi a
teoria dos gregos que afetou a música da Europa ocidental na Idade Média. Há
mais informações sobre as teorias musicais gregas do que da música em si, essas

30
TÓPICO 2 | A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

teorias eram de dois tipos: doutrinas sobre a natureza da música, o seu lugar no
cosmo, os efeitos e a forma de se usar a música na sociedade humana; e descrições
sistemáticas dos modelos e materiais da composição musical.

Desde Pitágoras (cerca de 500 a.C.), fundador do pensamento grego no


domínio da música, até Aristides Quintiliano (século IV a.C.), último autor grego
a formular teorias sobre música, as formulações teóricas musicais gregas ainda
hoje não foram ultrapassadas. A música na Grécia era idealizada como algo
comum a todas as atividades que diziam respeito à busca da beleza e da verdade.
Para Pitágoras e seus seguidores, música e aritmética não estavam separadas, os
números eram considerados a chave de todo o universo espiritual e físico. Foi
Platão que apresentou essa doutrina de forma mais completa e sistemática, no
Timeu e na República. As ideias de Platão sobre a natureza e funções da música
influenciaram profundamente as concepções sobre música e a sua educação
durante a Idade Média.

Alguns pensadores gregos acreditavam na ligação da música com a


astronomia, Cláudio Ptolomeu (século XI d.C.) foi o mais sistemático teórico antigo
da música e mais importante astrônomo. Acreditava-se que as leis matemáticas
eram a base do sistema dos intervalos musicais e também do sistema dos corpos
celestes. Relacionava-se certos modos e notas a outros planetas. Essas concepções
eram comuns a todos os povos orientais. Essa ideia aparece no mito da Música das
Esferas, de Platão, que fala sobre a música produzida pela revolução dos planetas,
mas que os homens não conseguiam ouvir.

Para os gregos, música e poesia eram termos praticamente sinônimos. A


Música da Poesia era para os gregos uma verdadeira melodia, cujos intervalos
e ritmos podiam ser medidos de forma exata. A poesia lírica significava poesia
cantada ao som da lira. Palavras gregas que designam diferentes gêneros de
poesia, como ode e hino, são termos musicais. A ideia grega de que a música se
ligava à palavra falada ressurgiu ao longo de toda a história da música, como a
invenção do recitativo, por volta de 1600 e as teorias de Wagner sobre o teatro
musical, no século XIX.

3 DOUTRINA DO ETHOS
Na Grécia antiga, havia certos tipos ou formas de música, as quais eram
conhecidas por nomes de nações ou tribos (Dóricos, Jônios, Frígios,
Lídios, etc.), cada uma dessas era acreditada ser capaz não somente de
expressar emoções particulares, mas de agirem sobre a sensibilidade de
tal maneira a exercer uma influência poderosa e específica na formação
do caráter. Consequentemente, a escolha dentre essa variedade de
formas musicais daquelas que deveriam ser admitidas na educação do
estado era questão da mais séria preocupação (MONRO, 2012, p. 20).

A música na Grécia antiga tinha o poder de influenciar e modificar a


natureza moral do homem e do Estado. Além de um valor estético, a música

31
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

tinha um sentido fisiológico e ético, por isso sua importância na formação da


personalidade humana. Os gregos acreditavam na relação entre sons musicais
e os processos naturais capazes de influenciar a conduta humana (LIMA, 2015).
A força era transformada em música através de pequenos grupos melódicos
que serviam como unidades estruturais para compor melodias mais extensas.
Esse grupo era denominado nómos, nómoi no plural, e representava toda a força
dinâmica da música. Esse princípio tem origem na música das culturas orientais,
mas atinge seu desenvolvimento máximo na Grécia com a doutrina do ethos
(NASSER, 1997).

Os nómoi eram no início essencialmente vocais e depois passaram a


ser utilizados nas composições instrumentais, como a cítara, lira e áulo. Essas
fórmulas melódicas geravam padrões dentro das melodias e revelavam seu valor
expressivo, por isso a sua função de agir e modificar os estados de espírito dos
indivíduos (NASSER, 1997). Para os filósofos gregos, a música pode afetar o
comportamento humano de quatro maneiras: a música poderia induzir à ação,
manifestar a força, provocar a fraqueza no equilíbrio moral do indivíduo e induzir
temporariamente à ausência das faculdades volitivas, produzindo um estado de
inconsciência (NASSER, 1997).

A primeira descrição do poder do ethos na música data do século V a.C.


(ANDERSON; MATHIESEN, 2017). A doutrina do ethos refere-se às qualidades
e efeitos morais da música. Ethos é um conceito muito importante para entender
os fundamentos da ética na sociedade da Grécia antiga, trata sobre a norma
de conduta e do bom comportamento social. Ethos pode ser entendido como
“caráter” ou “modo de vida habitual” (PETERS, 1983, p. 85). Para Heráclito
(535-475 a.C.), “o ethos de um homem é o seu daimon” (DIELS apud PETERS,
1983, p. 85), o daimon pode ser lido como destino, mas era considerado na época
como uma presença ou entidade sobrenatural, entre um deus (theos) e um Ethos.
Segundo o The New Grove Dictionary of Music and Musicians define, Ethos expressa
um costume ou hábito, o caráter moral aceito como resultado de hábito. Dessa
forma, ethos diz respeito às atitudes, aos hábitos, às crenças e convicções de um
indivíduo ou de um grupo particular.

O ethos também foi incluído por Aristóteles como um dos três pilares
do discurso retórico: o ethos, convencimento baseado na ética em que o orador
convence a partir do caráter e autoridade de alguém; o pathos, o convencimento
baseado no apelo à emoção em que o orador tenta convencer pela resposta
emocional que provoca na audiência; e logos, o convencimento fundamentado
na lógica, em que o orador persuade pela razão (GROUT; PALISCA, 2007). Para
Pitágoras, a música era um microcosmo, um sistema de tons e ritmos regidos
por leis matemáticas. Nessa concepção, a música é capaz de afetar o universo.
E, numa fase mais científica e posterior, ressaltou-se os efeitos da música sobre
a vontade, o caráter e a conduta dos seres humanos. A doutrina da imitação,
de Aristóteles, explicou o modo como a música agia sobre a vontade. Para ele,
a música imita as paixões ou estados da alma, como brandura, ira, coragem,
temperança e outras qualidades. Assim, quando ouvimos um trecho musical

32
TÓPICO 2 | A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

que imita uma determinada paixão, ficamos impregnados dessa mesma paixão.
Se ouvirmos por um tempo longo um tipo de música que desperta sentimentos
baixos, todo o nosso caráter tornar-se-á baixo; se ouvirmos música adequada,
tornamo-nos pessoas boas.

Tanto Platão quanto Aristóteles concordavam que era possível produzir


pessoas consideradas boas através de um sistema público de educação baseado
em dois elementos fundamentais: a ginástica, para a disciplina do corpo, e a
música, para a disciplina do espírito. Platão, na República (escrita por volta de
380 a.C.), defendeu a necessidade de equilíbrio entre esses dois elementos na
educação, o excesso de música tornaria o homem efeminado ou neurótico; e o
excesso de ginástica o tornaria violento e ignorante. A proporção correta entre
ginástica e música gera o verdadeiro músico, porém só alguns tipos de música
seriam aconselháveis. Só os modos dórico e frígio deveriam ser admitidos, pois
promoviam as virtudes da coragem e da temperança, respectivamente. Muitas
notas, escalas complexas, combinações de formas e ritmos contraditórios, os
conjuntos de instrumentos diferentes entre si, muitas cordas e afinação estranha
e até os fabricantes e os áulos deveriam ser banidos (GROUT; PALISCA, 2007).

Para Platão, os fundamentos da música não deveriam ser alterados, pois o


desregramento na arte e na educação conduziria inevitavelmente à libertinagem
e à anarquia na sociedade (GROUT; PALISCA, 2007). Em Platão, o ethos é o
resultado do hábito e, a partir dele, o ethos deixa de ser a aceitação sobrenatural
do “caráter” humano e passa a ser compreendido como “modo de vida habitual”
do indivíduo (PETERS, 1983, p. 85). Para Aristóteles, o ethos “é mais moral do
que intelectual”, isso é uma passagem de uma reflexão sobre o hábito para a
orientação do comportamento do indivíduo em sociedade. Aristóteles mantém
a compreensão sobre o ethos como hábito, porém acredita que este deve estar
regulado segundo uma ética e, dessa forma, aplicado à sociedade como um todo
(PETERS, 1983).

Aristóteles, na Política (aproximadamente 330 a.C.), foi menos restritivo que


Platão quanto a ritmos e modos particulares. Ele acreditava que a música poderia ser
usada como fonte de divertimento e prazer intelectual, e não apenas na educação.
Acredita-se que, ao limitar os tipos de música autorizados no estado ideal, Platão e
Aristóteles estavam rejeitando algumas tendências da vida musical do seu tempo,
como ritmos associados a ritos orgiásticos, música instrumental independente,e a
popularidade dos virtuosos profissionais (GROUT; PALISCA, 2007).

É importante ressaltar que a doutrina do ethos baseava-se na convicção de


que a música afeta o caráter e de que diferentes tipos de música o afetam de forma
diferente. Havia a música que tinha como efeito a calma e a elevação espiritual e
a música que tendia a estimular a excitação e o entusiasmo. A primeira categoria
estava associada ao culto de Apolo, sendo a lira o instrumento e as formas poéticas
correlativas à ode e à epopeia. A segunda categoria estava associada ao culto de
Dionísio, utilizava-se o áulo e tinha como formas poéticas o ditirambo e o teatro
(GROUT; PALISCA, 2007).

33
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

QUADRO 1 – COMPARAÇÃO – APOLO E DIONÍSIO

APOLO DIONÍSIO

Deus:

Fonte: Apolo do Belvedere, cópia Fonte: Cópia romana do século


em mármore de original em bronze II d.C. de uma estátua grega de
de Leócares (350 a.C. – 325 a.C.). Dionísio. Disponível em: <https://
Disponível em: <https://goo.gl/ goo.gl/CoCr1R>. Acesso em: 16
p17qC1>. Acesso em: 16 set. 2018. set. 2018.

Características: Razão, moderação, ordem. Emoção, excesso, desordem.

Objetivos
Calma e a elevação espiritual Excitação e o entusiasmo.
musicais:

Instrumento: Lira Áulo

Formas
Ode e epopeia Ditirambo e teatro
poéticas:

FONTE: A autora

4 SISTEMA MUSICAL GREGO


Pitágoras foi um grande estudioso da acústica musical, baseando-se
no cálculo das relações numéricas entre os intervalos de 5ª e 8ª, criou a escala
pitagórica, que consistia na base para a transformação da escala de cinco sons,
chamada de pentatônica, para a de sete sons, denominada heptatônica. Pitágoras
considerou apenas os intervalos de 4ª, 5ª e 8ª como sendo “consonantes”,
agradáveis, pois possuem relações numéricas simples. As relações de consonância

34
TÓPICO 2 | A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

sofreram dúvidas, mas só no ano 30 a.C. foi que Dídimos incluiu a 3ª maior como
um intervalo consonante, baseado na teoria da soma de dois tons inteiros de igual
valor. Mas os intervalos de 3ª e 6ª continuaram por muitos séculos como sendo
“dissonantes” (CAVINI, 2011).

A teoria musical grega era composta por sete tópicos: notas, intervalos,
gêneros, sistemas de escalas, tons, modulação e composição melódica. Esses pontos
são discutidos por alguns autores como Cleônides e Aristóxeno. Os conceitos de
nota e de intervalo dependem da distinção entre dois tipos de movimento da voz
humana: o contínuo e o diastemático. No movimento contínuo, a voz muda de
altura, em movimentos ascendentes ou descendentes, sem se fixar em uma nota;
no movimento diastemático, as notas são mantidas e tornam-se perceptíveis as
distâncias entre elas, denominando-se intervalos.

NOTA

Aristóxeno foi um teórico grego, aluno de Aristóteles. São atribuídas a ele


453 obras, sobre teoria política e da educação, doutrina pitagórica, biografia, miscelâneas
e anotações, mas destacou-se como teórico musical. Partes de três livros sobre os sons
harmônicos, ou a teoria das escalas, sobreviveram como Elementos harmônicos; da mesma
forma, parte de um tratado sobre Elementos do ritmo. Ele reduziu os fenômenos da música
grega a um sistema coerente e ordenado (SADIE, 1994).

Quintiliano, em seu tratado para a música, escreveu que “a matéria da


música é a voz e o movimento do corpo”, ou seja, o corpo posto em vibração
produz o som musical (QUINTILIANUS, 1986, p. 44). O movimento é dividido
em contínuo, intermediário e interválico. A voz contínua relaxa e tensiona de
maneira imperceptível por causa da velocidade, é a que usamos na fala. A voz
interválica possui alturas tonais claras e não permite perceber a passagem entre
elas, é a que faz paradas e intervalos entre vozes simples, chamada de melódica.
A intermediária é uma combinação das outras duas, usamos para recitar poemas
(QUINTILIANUS, 1986, p. 45).

Os intervalos musicais são o diésis (quarto de tom), semitom (dobro


da diésis), tom (dobro do semitom), dítono (dobro do tom), semidítono (um
tom mais um semitom, chamado modernamente de terça menor), diatesaron
(classificado modernamente como intervalo de quarta), diapente (classificado
modernamente como quinta) e diapason (oitava justa).

35
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

QUADRO 2 – INTERVALOS GREGOS


Nomenclatura
Intervalos gregos Tom
atual
Diésis ¼ -
Semitom ½ Semitom
Tom 1 Tom
Dítono 2 3ª Maior
Semidítono 1½ 3ª Menor
Diatesaron 2½ 4ª Justa
Diapente 3½ 5ª Justa
Diapason 6 8ª Justa
FONTE: A autora

Os intervalos combinavam-se em sistemas ou escalas e o bloco


fundamental, a partir do qual se construíram as escalas de uma ou duas oitavas,
era o tetracorde, formado por quatro notas em um intervalo de quarta. O intervalo
de quarta é um dos três primeiros intervalos reconhecidos como consonâncias. Os
intervalos podem se combinar em três diferentes tipos de tetracordes: diatônico,
cromático e o enarmônico. Conforme Grout e Palisca (2007, p. 23):

• Diatônico: Os dois intervalos superiores eram tons inteiros e o inferior um


meio-tom.
• Cromático: O intervalo superior era um semidítono (terceira menor), e os dois
intervalos inferiores, formando uma zona densa, ou pyknon, eram meios-tons.
• Enarmônico: O intervalo superior era um dítono (terceira maior), e os dois
intervalos inferiores do pyknon eram menores do que meios-tons, quartos de
tons, ou próximos do quarto de tom.

FIGURA 15 – TETRACORDES

FONTE: Grout e Palisca (2007, p. 23)

O sistema musical grego era baseado em tetracordes descendentes, ou


seja, escalas de quatro notas em que o intervalo entre a primeira e última nota é
uma 4ª, correspondendo às notas da lira antiga. Os tetracordes eram formados
por dois tons e um semitom e, conforme a posição do semitom (da direita para
a esquerda, do som mais grave para o mais agudo), o tetracorde possuía uma
denominação diferente:

36
TÓPICO 2 | A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

• Dórico: semitom no primeiro intervalo do tetracorde;


• Frígio: semitom no segundo intervalo do tetracorde;
• Lídio: semitom no terceiro intervalo do tetracorde.

FIGURA 16 – TETRACORDE

Tetracorde Dórico (10. intervalo = semitom)

semitom

Tetracorde Frígio (20. intervalo = semitom)

semitom

Tetracorde Lídio (30. intervalo = semitom)

semitom

FONTE: Cavini (2011, p. 57)

Esses tetracordes podiam ser encadeados por separação ou disjunção,


entre os dois tetracordes haveria um intervalo de um tom; ou por conjunção,
em que a nota final do primeiro tetracorde torna-se a nota inicial de segundo
tetracorde (CAVINI, 2011).

37
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

FIGURA 17 – ENCADEAMENTO DE TETRACORDES

Tetracordes unidos por separação:


entre os dois tetracordes há um intervalo de 1 tom

20. tetracorde tom 10. tetracorde

Tetracordes unidos por conjunção:


nota final do 1º tetracorde (mi) é a inicial do 2º tetracorde (mi)

20. tetracorde 10. tetracorde

FONTE: Cavini (2011, p. 57)

Ao encadear dois tetracordes (dois dóricos, dois frígios ou dois lídios)


por separação, obtêm-se os modos dórico, frígio e lídio. Se invertermos a ordem
desses acordes, encandeando por conjunção e acrescentando um som grave,
teremos três modos diferentes, hipodórico, hipofrígio e hipolídio (CAVINI, 2011).

FIGURA 18 – MODOS GREGOS

Dórico (encadeamento por separação)

Hipodórico (encadeamento por conjunção)

Frígio (encadeamento por separação)

Acréscimento do
Hipofrígio (encadeamento por conjunção) som grave (hipo)

Lídio (encadeamento por separação)

Hipolídio (encadeamento por conjunção)

FONTE: Cavini (2011, p. 58)

38
TÓPICO 2 | A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

O mixolídio, o sétimo modo grego, teve a sua invenção atribuída à poetisa


Safo. Cada um dos modos possui um caráter próprio, exercendo diferentes
influências na mente humana, através das diferentes estruturas. O modo dórico,
de caráter imponente, era utilizado em cerimônias e acontecimentos solenes; o
modo frígio possuía um caráter impetuoso, e o modo lídio, um caráter alegre e
leve, utilizado em festas ou banquetes. Além dos sete modos, havia o Teleion,
considerado o sistema perfeito de Aristóxeno, que consistia na série de 15 sons
que correspondiam às 15 cordas da cítara (CAVINI, 2011).

São conhecidos instrumentos gregos de sopro, relacionados ao deus


Dionísio, cordas, relacionados ao deus Apolo, e de percussão. São de sopro: o
áulo, de procedência frígia, flauta de palheta dupla de três ou quatro orifícios;
monáulos, flauta simples e diáulos, flauta dupla; syrinx, ou flauta de Pã, composta
por vários tubos de tamanhos diferentes, unidos paralelamente, é um instrumento
pastoril, usado pelas pessoas mais rústicas, menos aptas a acompanharem os
cantos heroicos ou litúrgicos; sálpinx, instrumento equivalente à trombeta de
bronze etrusca; e keras, diferentes tipos de trompas e cornetas, de uso militar.

São de cordas: a lira ou kítharis, lira clássica, instrumento de cordas dos


amadores, com cordas feitas de linho ou tripa de animais; kíthara, cítara, uma
variedade de lira aperfeiçoada e usada pelos profissionais (os citaredos), apesar
da cítara ser proveniente da Síria e da Fenícia, foram os gregos que melhoraram
a técnica e sobre ela basearam toda a teoria musical; magadis, barbiton e pectis,
variedades de liras, harpas e saltérios; salterion, forma primitiva da cítara, de
tampo liso e cordas dedilhadas; e trígono, pequeno salterion em forma triangular.

E de percussão: krotalai (crótalos); tambores de várias espécies;


triângulos; seístron (sistro); kymbalai (címbalos); tympana (pandeiro).

FIGURA 19 – APOLO CITAREDO, ROMANO RETRABALHADO A PARTIR DE UM ORIGINAL


GREGO DO SÉCULO V a.C.

FONTE: <https://goo.gl/2Jyk8K>. Acesso em: 16 set. 2018.


39
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

NOTA

O Hydraulis é considerado o primeiro instrumento de teclado. De origem


grega, a invenção é atribuída a Klesibius, de Alexandria (século III a.C.). É composto de uma,
duas ou três fileiras de tubos, de som fraco e que através de um reservatório de água, o
ar era bombeado sob pressão dos foles de madeira; parando o bombeamento, os foles
continuavam sendo suprimidos de ar por um breve tempo. Assista à primeira performance
da reprodução de um hydraulis: <https://youtu.be/bP2u8NBI5m8>.

FIGURA 20 – MÚSICOS COM TROMPAS E HYDRAULIS. DETALHE DO MOSAICO ZLITEN,


SÉCULO II d.C.

FONTE: <https://goo.gl/zMc3eM>. Acesso em: 16 set. 2018.

A civilização grega também contribuiu para o conhecimento da notação


musical. Com avançado conhecimento musical, a notação musical começou a
ser criada para diminuir as dificuldades de preservação de conhecimentos, que
acontecia como consequência de uma tradição oral, estabelecendo-se a partir de
500 a.C. Assim, a partir do século VI a.C. os gregos começaram a usar a notação
alfabética (SOUZA, 2012). A notação musical grega é um complexo sistema.
Utilizavam as letras do alfabeto para a representação das notas musicais, como
não utilizavam as mesmas letras para representar as mesmas notas em oitavas
diferentes, precisavam acrescentar ao seu alfabeto um grande número de sinais
auxiliares. Se esses sinais não fossem suficientes, empregavam sílabas que eram
pronunciadas em voz alta pelo mestre de música aos seus discípulos.

Os gregos utilizavam dois tipos de notação musical: krusis, derivado de


um alfabeto grego arcaico, combinação do alfabeto dórico antigo e do jônico, e
utilizado na música instrumental; e o léxis, empregava o alfabeto comum, com
base apenas no alfabeto jônico, para ser utilizado para a música vocal (CAVINI,
2011). Na imagem a seguir, você pode ver a relação entre o tempo, grafias do som
e das pausas pela notação grega:
40
TÓPICO 2 | A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

FIGURA 21 – SÍMBOLOS GREGOS PARA CADA SOM E RESPECTIVA PAUSA

Som Pausa

1 tempo protótipo
(breve simples)

2 tempo simples

3 tempo simples

4 tempo simples

5 tempo simples

FONTE: Souza (2012, p. 26)

Aristóxeno de Tarento (?-335 a.C.), autor de tratados como Elementa


Harmonica e Elementa Rhythmica, foi importante na organização do ritmo e adotou
como unidade de valor o “tempo protótipo”, um tempo simples e indivisível,
que correspondia a uma vogal breve, usualmente associado a uma colcheia.
Estabeleceu com esse tempo relações numéricas, criando os “tempos compostos”,
que se ordenavam em uma frase sob a forma de conjuntos chamados “pés
métricos”, representados na imagem a seguir:

FIGURA 22 – SÍMBOLOS GREGOS E RESPECTIVA CORRESPONDÊNCIA COM A NOTAÇÃO ATUAL

FONTE: Souza (2012, p. 26)

41
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

O Epitáfio de Seikilos é o mais antigo exemplo preservado de uma


composição musical completa, incluindo a notação musical. Essa inscrição data do
período entre o século II a.C. e 100 d.C. A canção, com melodia e ritmo, esculpida
juntamente com a letra, foi encontrada em um túmulo na Turquia, perto de Éfeso,
e hoje encontra-se no Museu Nacional de Copenhagen (SOUZA, 2012). Acredita-
se que o epitáfio seja da autoria de Seikilos em memória de sua esposa, e consiste
de quatro versos apenas, falando da beleza e da vida:

Letra:
“Enquanto viveres, brilha
E de todo não te aflijas
A vida é curta
E o tempo cobra suas dívidas”.
(ESPÍNDOLA, 2018, p. 5)

Na partitura de Seikilos, há sobre a linha das letras minúsculas (a letra da


música), uma linha superior de letras maiúsculas (notas) e sinais (ritmo).

FIGURA 23 – EPITÁFIO DE SEIKILOS

FONTE: <https://goo.gl/kUrs2n>. Acesso em: 20 set. 2018.

FIGURA 24 – PARTITURA DO EPITÁFIO DE SEIKILOS EM NOTAÇÃO MUSICAL MODERNA

FONTE: <https://goo.gl/vuy7Xe>. Acesso em: 20 set. 2018.

DICAS

Ouça a reconstituição feita por Atrium Musicæ de Madrid em: <https://youtu.


be/9RjBePQV4xE>.

42
TÓPICO 2 | A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

5 MÚSICA NA ANTIGA ROMA


Há muitas lacunas na maioria dos estudos realizados sobre música na
Roma antiga. Há uma simplificação de que os romanos assimilaram a música
grega, assim como a Arte, de maneira geral. Segundo estudiosos, como Beard e
Henderson (1998, p. 61), é preciso tomar cuidado ao tratar dessa questão:

Deveria estar claro hoje que esse relacionamento é mais complicado


do que parece à primeira vista. A cultura romana, em outras palavras,
pode ser dependente da Grécia, mas ao mesmo tempo muito do que
sentimos em relação à Grécia é mediado por Roma e as representações
romanas da cultura grega. A Grécia comumente nos chega através de
olhos romanos.

O contato dos romanos com a música grega intensificou-se em 146 a.C.


quando a Grécia tornou-se província romana. A cultura grega pode ter substituído
uma música indígena, etrusca ou italiana, mas não há provas.

Roma tornou-se então a nova potência mundial, e a ela a Grécia


sucumbiu. Mas não foi o conquistador que impôs a sua cultura ao
vencido; pelo contrário, a cultura grega, superior, foi aceita pelo
vencedor. (PAHLEN, 19--, p. 30).

A partir desse período, toda a arte existente em Roma passou a ter


influência grega. Na música, os romanos tornaram-na prosaica, de caráter duro
e exterior. Preocupavam-se apenas com músicas que exaltavam a glória militar
e a grandeza dos imperadores. A partir do século I d.C., a música em Roma era
destinada às festas e danças sensuais, à animação dos circos romanos, tornou-se
trivial (CAVINI, 2011).

Acredita-se que a música deve ter estado presente em quase todas as


manifestações públicas, mas tinha um papel na educação. A familiaridade com
a música, ou com termos musicais, era considerada como parte da educação do
indivíduo culto (GROUT; PALISCA, 2007).

No auge do Império Romano, nos dois primeiros séculos da era cristã,


muitos documentos relatam a existência de grandes coros e orquestras, grandes
festivais e concursos de música. Muitos imperadores foram patronos da música.
Com o declínio econômico do império, nos séculos III e IV, a produção musical
desaparece (GROUT; PALISCA, 2007).

Os romanos conheciam todos os instrumentos que orientais e gregos


usavam, especialmente os instrumentos militares. De sopro, utilizavam-se os
instrumentos como a tíbia, idêntica ao áulo grego; fístula, espécie de oboé, a
syrinx grega; tubas, de uso militar para comandar os ataques e retiradas; cornu ou
buccina, espécie de trompa, inicialmente feita com chifre e mais tarde de bronze,
com a forma semicircular; lituus, corneta comprida, com um tubo estreito onde se

43
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

ajustava um chifre natural na ponta; era usada pela cavalaria romana. De cordas
eram o testudo, lira clássica grega; e cítaras. De percussão, utilizavam-se várias
espécies de tambores, címbalos, sistros e crótalos (CAVINI, 2011).

FIGURA 25 – TRIO DE MÚSICOS TOCANDO ÁULO, CÍMBALOS E TÍMPANO


(MOSAICO DE POMPEIA)

FONTE: <https://goo.gl/qYkiGo>. Acesso em: 16 set. 2018.

Os romanos não possuíam qualquer tipo de notação musical fixa,


recorriam à tradição interpretativa com base no improviso, seguindo
determinadas fórmulas musicais. Porém, deixaram diversos documentos
teóricos, em que se percebe que havia consciência de diferentes valores rítmicos
e alguma terminologia musical. Destacam-se autores que tiveram influência ao
longo da Idade Média: Ptolomeu (século II d.C.), Santo Agostinho (IV d.C.),
Santo Isidoro de Sevilha (séc. VII) e Boécio (VI d.C.). Boécio é autor da obra
De Institutione Musica, importante no estudo musical durante muitos séculos, e
criador de um sistema de notação com as primeiras 15 letras do alfabeto grego,
associadas a diferentes notas (SOUZA, 2012).

Há grandes incertezas quanto à música romana. Mas o mundo antigo


deixou para a Idade Média algumas ideias fundamentais no domínio da música
(GROUT; PALISCA, 2007):

• Música consistindo em uma linha melódica pura e despojada.


• Melodia ligada às palavras, especialmente no tocante ao ritmo e à métrica.
• Tradição de interpretação musical baseada na improvisação, sem notação
fixa, em que o intérprete criava a música de novo a cada execução, seguindo
convenções e fórmulas musicais tradicionais.

44
TÓPICO 2 | A MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

• Filosofia da música que concebia a música como um sistema bem ordenado,


indissociável do sistema da Natureza, e como uma força capaz de afetar o
pensamento e a conduta do homem.
• Teoria acústica cientificamente fundamentada.
• Sistema de formação de escalas com base nos tetracordes.
• Existência de uma terminologia musical.

A teoria acústica cientificamente fundamentada, o sistema de formação de


escalas com base nos tetracordes e a existência de uma terminologia musical são
contribuições especificamente gregas, o resto era comum a todo mundo antigo.
Os conhecimentos e ideias musicais foram transmitidos ao Ocidente através da
igreja cristã, cujos ritos e música derivavam inicialmente da música do mundo
antigo, a partir dos escritos de padres da Igreja e de tratados enciclopédicos do
princípio da Idade Média que abordavam música.

DICAS

Para aprofundar os assuntos vistos até aqui é importante o estudo. Algumas


referências em livros para o aprofundamento do seu conhecimento:
MALHOTRA, Ritu (org.). A música da antiguidade. In: História da música da antiguidade aos
nossos dias. Berlim: H. F. Ullmann, 2008.
GROUT; PALISCA. A situação da música no fim do mundo antigo. In: História da música
ocidental. Tradução de Ana Luísa Faria. 4. ed. Lisboa: Gradiva, 2007.

Para ouvir:
CD: Música dos antigos Sumérios, Egípcios e Gregos (Music of the Ancient Sumerians,
Egyptians & Greeks) – De Organographia Ensemble. Selo: Pandourion – NPM PRCD1005.

45
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• As músicas grega e romana não sobreviveram, há apenas vestígios da música


antiga em relatos, baixos-relevos, mosaicos, afrescos e esculturas.

• Na Grécia antiga, a música estava vinculada a todas as manifestações sociais,


culturais e religiosas. Era a mais importante das artes, essencial para a educação
e considerada uma força obscura, conectada com potenciais do bem e do mal.
Bem ensinada, poderia ser um dos meios para atingir a virtude, segundo Platão.

• A música grega era monofônica, uma melodia sem harmonia ou contraponto.


Também era improvisada, estava associada à palavra, à dança ou a ambas. A
melodia e seu ritmo estavam ligados à melodia e ao ritmo da poesia.

• As teorias musicais gregas foram muito importantes e há mais informações


sobre as teorias musicais gregas do que da música em si, essas teorias eram
de dois tipos: doutrinas sobre a natureza da música, o seu lugar no cosmo,
os efeitos e a forma de se usar a música na sociedade humana; e descrições
sistemáticas dos modelos e materiais da composição musical.

• A doutrina do ethos refere-se às qualidades e aos efeitos morais da música.


Ethos é um conceito muito importante para entender os fundamentos da ética
na sociedade da Grécia antiga, trata sobre a norma de conduta e do bom
comportamento social.

• Tanto Platão quanto Aristóteles concordavam que era possível produzir pessoas
consideradas boas através de um sistema público de educação baseado em dois
elementos fundamentais: a ginástica, para a disciplina do corpo, e a música,
para a disciplina do espírito. A proporção correta entre ginástica e música gera
o verdadeiro músico, porém só alguns tipos de música seriam aconselháveis.

• Havia a música que tinha como efeito a calma e a elevação espiritual e a música
que tendia a estimular a excitação e o entusiasmo. A primeira categoria estava
associada ao culto de Apolo, sendo a lira o instrumento e as formas poéticas
correlativas, a ode e a epopeia. A segunda categoria estava associada ao culto
de Dionísio, utilizava o áulo e tinha como formas poéticas o ditirambo e o
teatro.

46
• A civilização grega também contribuiu para o conhecimento da notação
musical. A notação musical começou a ser criada para diminuir as dificuldades
de preservação de conhecimentos, que acontecia como consequência de uma
tradição oral, estabelecendo-se a partir de 500 a.C. Os gregos utilizavam dois
tipos de notação musical: krusis, derivado de um alfabeto grego arcaico; e o
léxis, empregava o alfabeto comum.

• Há muitas lacunas na maioria dos estudos realizados sobre música na Roma


antiga. Quando a Grécia se tornou província romana, o contato dos romanos
com a música grega intensificou-se, assim acredita-se que a cultura grega pode
ter substituído uma música indígena, etrusca ou italiana, mas não há provas.

• A partir desse período, toda a arte existente em Roma passou a ter influência
grega. Os romanos tornaram a música prosaica, de caráter duro e exterior.
Preocupavam-se apenas com músicas que exaltavam a glória militar e a
grandeza dos imperadores. A partir do século I d.C., a música em Roma era
destinada às festas e danças sensuais e à animação dos circos romanos.

• Acredita-se que a música deve ter estado presente em quase todas as


manifestações públicas, mas tinha um papel na educação. A familiaridade com
a música, ou com termos musicais, era considerada como parte da educação do
indivíduo culto.

• Os romanos conheciam todos os instrumentos que orientais e gregos usavam,


especialmente, os instrumentos militares.

• Os romanos não possuíam qualquer tipo de notação musical fixa, recorriam


à tradição interpretativa com base no improviso, seguindo determinadas
fórmulas musicais.

47
AUTOATIVIDADE

1 (ENADE, 2014) Os escritos da Grécia antiga sobre música


são importantes fontes de informação sobre a música na
antiguidade.

FONTE: GROUT, D. História da música ocidental. Lisboa: Gradiva, 2001 (Adaptado).

Os escritos contêm:
I – Descrições das práticas musicais da época.
II – Doutrinas sobre a natureza da música e o correto uso da música na sociedade.
III – Explicações sobre como fazer um organum.
IV – Instruções sobre a interpretação do cantochão.

É CORRETO apenas o que se afirma em:


a) ( ) I e II.
b) ( ) I e III.
c) ( ) III e IV.
d) ( ) I, II e IV.

2 (CESPE/UnB, 2011 adaptado) Na Grécia antiga, a música não


era entendida como uma arte (tal como hoje a concebemos),
mas uma ciência intimamente relacionada à matemática
e à astronomia e, ainda assim, de vital importância para o
desenvolvimento cultural do povo. Uma crença inabalável na capacidade
da música de influenciar o comportamento humano assegurou-lhe um
lugar de destaque na vida religiosa, política e pessoal (ULRICH; PISK, 1963,
p. 13). A partir do texto acima, julgue os itens a seguir:

FONTE: ULRICH, H.; PISK, P. A history of music and musical style. Harcourt: Brace and World,
Inc. 1963.

I – Embora ausente da educação geral do cidadão, a música foi abordada por


alguns filósofos, como Platão e Aristóteles.
II – O sistema grego de escalas baseava-se apenas em dois tipos de tetracorde:
o diatônico e o cromático.
III – A informação expressa no último período do texto diz respeito à doutrina
do ethos, que caracterizou a música na Grécia antiga.

É CORRETO apenas o que se afirma em:


a) ( ) I.
b) ( ) II.
c) ( ) I e II.
d) ( ) III.

48
UNIDADE 1
TÓPICO 3

MÚSICA NA IDADE MÉDIA

1 INTRODUÇÃO
A Idade Média e a Igreja cristã absorveram, nos primeiros séculos de
existência, algumas características das sociedades orientais-helenísticas do
Mediterrâneo, enquanto outros aspectos foram eliminados. Aspectos como
o cultivo da música pelo prazer, as formas e tipos de música associados aos
grandes espetáculos públicos, tais como festivais, concursos e representações
teatrais, além da execução de música em situações de convívio mais íntimo
foram considerados impróprios pela Igreja, que sentia a necessidade de afastar o
crescente número de convertidos de seu passado pagão e, dessa forma, também
da música instrumental, tão presente nos cultos pagãos.

NOTA

A Idade Média, chamada de período Medieval ou Idade das Trevas, foi o período
que se estendeu desde 476 d.C. até o ano de 1453. A “Idade das Trevas”, como geralmente é
designado, foi um período de grandes transformações que se estendeu desde o século V até
o século XV.

FIGURA 26 – LINHA DO TEMPO - IDADE MÉDIAA

4000 a.C 1453


Invenção da Escrita Queda de Constantinopla

Pré-História Idade Antiga Idade Média Idade Moderna Idade Contemporânea

476 d.C 1789


Queda de Roma Revolução Francesa

FONTE: A autora

49
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

Conforme a Igreja cristã primitiva expandia-se de Jerusalém para a Ásia


Menor e para o Ocidente, chegando à África e Europa, acumulava elementos
musicais provenientes de diversas zonas, por exemplo, os mosteiros e igrejas da
Síria, que contribuíram para o desenvolvimento do canto dos salmos e dos hinos.
O canto dos hinos é considerado a primeira atividade musical documentada da
Igreja cristã.

A cidade de Bizâncio, ou Constantinopla (hoje Istambul), foi reconstruída


e instituída por Constantino como capital do seu império reunificado e, a partir
de 395, data em que foi instaurada a divisão permanente entre o Império do
Oriente e do Ocidente, até a conquista pelos turcos, em 1453 (fim da Idade Média),
portanto, por um período de mais de mil anos, esta cidade permaneceu entre
Império do Oriente e do Ocidente, sendo o centro do governo mais poderoso da
Europa e de uma cultura que combinava elementos helenísticos e orientais. A
prática bizantina influenciou o cantochão ocidental, na classificação do repertório
em oito modos e nos cânticos importados pelo Ocidente entre o século VI e século
IX. As peças mais características da música medieval bizantina eram os hinos. As
bases para o sistema ocidental de modos foram importadas do Oriente, porém a
elaboração teórica do sistema de oito modos do Ocidente foi influenciada pela
teoria musical grega.

Roma, capital do Império dos primeiros séculos da nossa era, concentrou


muitos cristãos que se reuniam e celebravam os seus ritos em segredo. Em
313, o imperador Constantino concedeu aos cristãos os mesmos direitos e a
mesma proteção que os praticantes de outras religiões do Império, permitindo
o crescimento da Igreja, e no século IV o latim substituiu o grego como língua
oficial da liturgia em Roma. Com o passar dos tempos, o prestígio do imperador
romano diminuiu e aumentou o poder do bispo de Roma, sendo reconhecida a
autoridade de Roma em questões de fé e disciplina. Já no século V as bases da
música litúrgica estavam estabelecidas. Essa música, segundo Candé (1994), foi o
resultado da síntese de três elementos:

• Cultura greco-romana: a teoria e ética musicais herdadas da Grécia foram


referências para a cultura cristã, sendo adaptadas e moldadas às exigências da
música de igreja.
• Cultura celta: música de historiadores, poetas e músicos, com o
acompanhamento de liras ou harpas.
• Cultura oriental judaico-cristã: a forma de expressão popular, impregnada
dos costumes musicais hebraico, sírio e egípcio, que influenciou a recitação
melódica (cantilena) que os primeiros cristãos introduziram em seus cultos.

Com o número de convertidos e riquezas cada vez maiores, a Igreja


começou a construir grandes basílicas e os serviços deixaram de ser informais,
como nos primeiros tempos. Assim, entre os séculos V e VI, muitos papas reviram
a liturgia e a música. É atribuído a Gregório Magno I (c.540-604), papa de 590

50
TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

a 604, o esforço para a regulamentação e uniformização dos cânticos litúrgicos,


além da reorganização da schola cantorum, grupo de cantores e professores
incumbidos de formar rapazes e homens como músicos para a Igreja, da
designação de determinadas partes da liturgia para os vários serviços religiosos
ao longo do ano, segundo uma ordem que permaneceu praticamente inalterada
até o século XVI, e ter sido o impulsionador do movimento que culminou na
adoção de um repertório uniforme de cânticos em toda cristandade.

Nesse terceiro tópico da Unidade 1, vamos compreender a transição que


aconteceu na música durante a transição para a Idade Média, o papel da igreja na
construção da prática musical, o uso da monodia e o início da polifonia.

2 A IGREJA E A TRANSIÇÃO PARA A IDADE MÉDIA


A reforma gregoriana (de Gregório Magno I) simplificou melodias da
liturgia romana, afirmando esse canto sobre as liturgias orientais e sobre os
particularismos das diferentes liturgias ocidentais, favorecidos pelo isolamento
das comunidades durante os conflitos entre os feudos. A reforma foi, a princípio,
um compromisso entre a teoria herdada da Antiguidade clássica e as práticas
comuns que iam contra essa teoria. Depois, tornou-se um meio de governo,
impondo a toda Igreja Ocidental, sem notação musical, o canto que se praticava
em Roma. Esse objetivo só foi atingido no reinado de Carlos Magno (768-814),
que, ao tornar-se imperador do Ocidente, impõe o canto romano a todo reino
(CANDÉ, 1994). Essa imposição afetou a administração e o direito canônico,
depois a liturgia e o canto propriamente dito. É nessa época que o canto romano,
chamado cantochão, prende-se à figura do Papa Gregório Magno e é designado
como canto gregoriano (MICHELS, 2003).

Os cânticos da Igreja romana são considerados um grande tesouro


da civilização ocidental e inspiraram a música ocidental até o século XVI, são
um dos mais antigos repertórios vocais ainda em uso no mundo inteiro. Mas é
determinante ressaltar que o valor da música estava em seu poder de elevar a
alma para a contemplação das coisas divinas. Acreditava-se que a música podia
influenciar, para melhor ou pior, o caráter de quem a ouvia. Na Idade Média não
se concebia a música como apenas para ser ouvida ou considerada pelo prazer
estético. Na Idade Média acreditava-se que todos os prazeres deviam ser julgados
pelo princípio platônico de que as coisas belas existem para nos lembrarem a
beleza perfeita e divina; as belezas aparentes do mundo que fomentam o deleite
egoísta ou o desejo de posse deviam ser rejeitadas. A música deveria ser serva da
religião e, dessa forma, na igreja só poderia ser ouvida a música que promovesse
os ensinamentos cristãos e os pensamentos santos. Como não acreditavam que
uma música sem letra pudesse cumprir esses requisitos, a música instrumental foi
proibida do culto público, sendo permitido o uso da lira para acompanhamento
do canto dos hinos e dos salmos apenas nas casas e em reuniões informais.

51
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

Ao mesmo tempo em que existiam pessoas na Igreja que desprezavam a


música e tendessem a considerar toda a arte e a cultura como inimigas da religião,
havia também quem não só defendesse a arte e a literatura pagãs, como o prazer
em ouvir música. O conflito entre o sagrado e o profano na arte não é exclusivo
da Idade Média, a ideia geral de que certos tipos de música não são próprios
para serem ouvidos na igreja permeiam diversas igrejas, comunidades e épocas.
Na Idade Média deve-se considerar o contexto histórico: a Igreja era um grupo
minoritário tentando converter toda a população da Europa, distanciando-se
da sociedade pagã e subordinando todas as coisas deste mundo ao bem-estar
eterno da alma. Nesse processo, o grande veículo foi o canto gregoriano, levado
por todas as regiões europeias por missionários e, com o passar do tempo, deu
origem à música ocidental (GROUT; PALISCA, 2007).

A música Medieval inicia com os cantos entoados pelas novas comunidades


cristãs, impregnados com as características das músicas do templo judeu e da
cultura helênica. Há uma grande presença e influência da Igreja na cultura musical
da Idade Média: “os mosteiros e as escolas ligados às igrejas-catedrais eram
instituições ao mesmo tempo religiosos e de ensino” (GROUT; PALISCA, 2007, p.
77). Os eclesiásticos, como Aureliano de Réomé, Hucbaldo de Saint-Amand, Odo
de Cluny e Guido d’Arezzo, compunham, estudavam e escreviam tratados sobre
música, sendo responsáveis pela teoria e prática musicais da época.

A teoria e a filosofia da música do mundo antigo que sobreviveram após a


queda do Império Romano e as invasões bárbaras foram resumidas, modificadas
e transmitidas ao Ocidente nos primeiros séculos da era cristã através de autores
como Martianus Cappella, com o seu tratado enciclopédico As Núpcias de Mercúrio
e da Filologia (princípio do século V) e Anicius Manlius Severinus Boetius (c. 480-
524), com a sua De Institutione Musica (princípio do século VI) (GROUT; PALISCA,
2007). Boécio, por volta do século VI, designava as 15 notas contidas em duas
oitavas com as 15 primeiras letras do alfabeto greco-latino.

FIGURA 27 – SISTEMA DE BOÉCIO

Sistema de Boécio

A B c d e f g a b
2

c' d' e' f' g' a'

FONTE: A Autora

Nota: Os primeiros neumas, apenas com marcas junto das palavras.

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TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

No século V as bases da música litúrgica cristã já estavam estabelecidas.


Mesmo com a importante influência da Igreja na música durante toda a Idade
Média, com a Ars Nova a música deixa de ser exclusivamente religiosa e entram
em cena os músicos itinerantes, como os trovadores e menestréis. Porém, mesmo
a música de caráter profano tem origem na canção sacra, especialmente da
sequência estrófica e ritmada dos hinos (MICHELS, 2003).

NOTA

A música sacra é definida como aquela que é criada para o culto divino, possui
qualidade de santidade e perfeição de forma, para o Magistério da Igreja só podem ser
considerados música sacra o canto gregoriano, a polifonia sagrada antiga e moderna nos
seus vários gêneros, a música sagrada para órgão e outros instrumentos admitidos e o canto
popular, litúrgico e religioso (SAGRADA CONGREGAÇÃO DOS RITOS, 2005).

3 A MÚSICA SACRA E O CANTOCHÃO


Cantochão, chamado também de canto plano, é o canto monofônico,
entoado em uníssono. As melodias quase não possuem saltos, não ultrapassam o
âmbito de uma oitava e o ritmo é baseado na acentuação tônica da língua latina.
As melodias do cantochão eram anônimas até os séculos VII e VIII, pois segundo
a máxima teológica, todos são iguais aos olhos do Criador, incluindo também a
sua obra, por isso não havia motivo para destacar um autor, ao mesmo tempo que
os cantos eram todos pertencentes à Igreja e a seu serviço. Utilizado em liturgias
cristãs do Ocidente, inicialmente não possuía acompanhamento instrumental e
era transmitido oralmente, quando não havia notação musical, o que favorecia as
várias interpretações e modificações melódicas.

DICAS

Para conhecer um pouco o ambiente social e religioso, há o livro O


Nome da Rosa, romance do escritor italiano Umberto Eco, lançado
em 1980, que o tornou conhecido mundialmente e virou filme
em 1986 dirigido por Jean-Jacques Annaud. Ele se passa em 1327,
em um mosteiro franciscano italiano, em que paira a suspeita de
que os monges estejam cometendo heresias. O frei Guilherme de
Baskerville é, então, enviado para investigar o caso, mas tem sua
missão interrompida por excêntricos assassinatos.

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

O cantochão é dividido quanto ao texto, forma e estilo. Quanto ao texto,


ele pode incluir textos bíblicos, textos em prosa (lições do Ofício Divino, epístolas
e o Evangelho da missa), textos poéticos (Salmos e os Cânticos), textos não
bíblicos, textos em prosa (o Te Deum e várias antífonas), textos poéticos (hinos
e as sequências de cultos e missas). Quanto à forma, pode ser antífona, quando
dois coros cantam versos com um refrão, alternadamente; responsório, quando
solistas cantam os versos e o coro canta o refrão; e direto, quando os cantores
cantam os versos e não há refrão. Quanto ao estilo, refere-se à relação entre as
notas entoadas (melodia) e as sílabas pronunciadas (texto), pode ser silábico,
quando os cantos em que a cada sílaba do texto corresponde a uma nota somente;
melismático, quando os cantos em que uma única sílaba de uma palavra canta
longas passagens de notas; neumático, quando o canto é na maior parte dele
silábico e, em breves passagens, segue um melisma de quatro ou cinco notas
somente sobre algumas sílabas do texto.

Durante os séculos IV e V houve a tentativa de representar os sons por


letras, esse sistema facilitava o trabalho dos teóricos, mas era abstrato e complicado,
dificultando o reconhecimento por todos. Com Gregório Magno, responsável pela
reforma na música litúrgica, eram empregados alguns símbolos gráficos sobre
os textos litúrgicos, a escrita neumática, para se poder conservar e transmitir as
melodias aos cantores. Esse sistema permitia o aprendizado rápido das novas
melodias e o texto tornava-se indissociável das melodias antigas. Dessa forma, o
sistema de notação se desenvolveu juntamente com o conceito de obra. Quando
surgiram novas melodias e a necessidade de memorização e unificação, teve-se
a ideia de colocar acima do texto litúrgico sinais que sugeriam o movimento da
melodia e ajudariam a memória dos cantores: os neumas.

A palavra neuma vem da palavra grega pneuma, referindo-se a um trecho


melódico que pode ser cantado num fôlego, porém refere-se atualmente apenas
ao sinal gráfico que representa um contorno melódico. Especula-se que os
neumas tenham surgido dos acentos gráficos, invenção é atribuída a Aristófanes
de Bizâncio (? - c.180 a.C.):

• Acento agudo ( / ) (virga), de baixo para cima em um movimento ascendente


da voz, indica que a sílaba é pronunciada em um tom mais acentuado do que
o resto. O acento agudo cai na sílaba tônica.

• Acento grave ( \ ) (punctum), de cima para baixo em um movimento descendente


da voz, indica que a sílaba é pronunciada em um tom mais grave que o resto. O
acento grave cai sobre as interpolações e terminações das palavras.

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TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

NOTA

Por causa da pronúncia do latim usado na Idade Média, na declamação de


textos litúrgicos, as sílabas são cantadas em um tom neutro, sem acentuações fortes. Ao
acento agudo foi dada a virga, ao acento grave uma pequena linha, o tectulus, ou um simples
ponto, punctum.

• Acento circunflexo ( /\ ) (clivis), agudos e graves, traduz a sucessão de duas


notas, a primeira maior que a segunda.

• Anticircunflexo ( \/ ) (podatus), sucessão de duas notas, a primeira mais grave


do que a segunda.
• /\/ (porrectus), um grupo de três notas em sucessão agudo - grave - agudo.
• \/\ (torculus), três notas em sucessão aguda, grave – agudo – grave.

Outra possibilidade é que os neumas sejam representações de gestos que


mestres de coro faziam com as mãos para indicar as subidas e descidas da linha
melódica. É importante considerar que cada sílaba corresponde a um neuma de
uma ou mais notas e que os neumas não definem a altura dos sons, mas somente
a sua direção. Portanto, o sistema de notação por neumas era apenas um lembrete
para os cantores que tinham o conhecimento prévio da melodia sugerida por
esses sinais. Os primeiros neumas identificáveis aparecem em textos datados da
segunda metade do século IX, mas acredita-se que foram utilizados desde o final
do século VIII.

FIGURA 28 – FRAGMENTO DE LAON, METZ, MEADOS DO SÉC. X

FONTE: <http://www.concertino.com.br/images/stories/imagens/Neumas.JPG>. Acesso em:


21 set. 2018.
Nota: Os primeiros neumas, apenas com marcas junto das palavras.

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

Existiam dois tipos de neumas: os oratórios e os diastemáticos. Os neumas


oratórios eram escritos sem pauta e serviam apenas para lembrar aos cantores
o caminho da melodia, sem noção de altura. Os neumas diastemáticos tinham
a altura medida em uma linha imaginária que representava um som específico.
A partir do século X foi utilizada uma linha horizontal de cor vermelha acima
dos textos representando a nota fá. Depois foi acrescentada outra linha de cor
amarela ou verde, que representava a nota dó. Uma terceira linha de cor preta foi
acrescentada. No século XII, Guido d’Arezzo (c.990-1050) sistematizou a quarta
linha, também de cor preta, que ficava ou acima da linha dó, ou abaixo da linha
fá, dependendo da tessitura da melodia.

O maior mérito de Guido d’Arezzo foi a simplificação da notação


neumática e no desenvolvimento da solmização ou chamada “mão guidoniana”,
técnica de canto de leitura, à primeira vista, baseada no uso de sílabas associadas
à altura das notas como recurso mnemônico para a indicação de intervalos
melódicos (CAVINI, 2011).

FIGURA 29 – MÃO GUIDONIANA

FONTE: <http://www.auschoir.org/wp-content/uploads/2015/12/Guidonian-Hand-2.png>.
Acesso em: 21 set. 2018.

Para realizar a solmização, Guido utilizou-se de um hino a São João Batista


cujas frases iniciavam sucessivamente com as notas dó, ré, mi, fá, sol e lá. A partir
das sílabas iniciais de cada verso do hino foi formulado o sistema mnemônico: ut
– ré – mi – fá – sol – lá. O si, formado com as iniciais de Sancte Joannes do último
verso, foi acrescentado mais tarde e o ut transformou-se em dó pela facilidade de
entonação (CAVINI, 2011).

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TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

FIGURA 30 – HINO DE SÃO JOÃO BATISTA

FONTE: <https://www.klemm-music.de/notation/medieval/documentation/_win/lib/Guido%20
dArezzo2.png>. Acesso em: 21 set. 2018.

Sistemas diferentes de neumas se desenvolveram em várias regiões e em


diferentes épocas. Mas a partir do fim do século XII, o emprego da pena de ganso
de bico largo unificou o grafismo, simplificando e fazendo os neumas assumirem
o aspecto característico de notação quadrada: pontos tornaram-se quadrados
ou losangos, as ligaduras tornaram-se grossos traços cheios. Esse grafismo será
encontrado na maioria dos manuscritos dos séculos XIII e XIV, conservando-se
até os dias de hoje para a notação do cantochão. Uma escrita neumática com nova
grafia (CANDÉ, 1994).

FIGURA 31 – PRINCIPAIS NEUMAS


SÉCULO IX SÉCULO XIII EQUIVALÊNCIA

VIRGA e ou ou

ou ou
PUNCTUM e (segundo a época
e o modo rítmico)

CLIVIS ou ou

PES OU PODATUS ou ou

TORCULUS ou

PORRETUS ou

CLIMACUS ou ou

SCANDICUS ou

QUILISMA

CLAVE DE DÓ

CLAVE DE FÁ

FONTE: <http://www.asasdaalva.com/Imags/Historia/Cande_Pincipais-Neumas.png>. Acesso


em: 21 set. 2018.
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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

As melodias do cantochão são diatônicas e utilizam escalas modais.


Os modos do cantochão foram estabelecidos no século IX por Aureliano de
Réomé (c.850 d.C.). Os oito modos eclesiásticos têm como referência o modelo
de tetracordes grego, mas não têm relação com o sistema modal da Grécia
antiga. Réomé sistematizou os oito modos eclesiásticos, estabelecendo algumas
características, conforme Cavini (2011):

• Nota final (finalis): som conclusivo e de repouso, espécie de tônica, adquire


importância quando não se usa um tom de recitação.
• Tenor (confinalis): nota melódica principal, espécie de dominante, som central
em torno do qual se organizava a melodia.
• Âmbito (ambitus): oitava característica do modo na qual se desenvolve a
melodia.
• Fórmulas melódicas: espécie de modelo, com intervalos e desenhos melódicos
específicos.

Na teoria musical da Idade Média, até o século XVI, distinguem-se quatro


finais: ré, mi, fá e sol, que determinam, cada uma, uma quinta modal característica,
à qual se acrescenta um tetracorde, no agudo ou no grave, para formar a oitava
modal. Se o tetracorde complementar estiver no agudo, será denominado
“autêntico”. Se estiver no grave, será denominado “plagal”.

Autêntico e plagal são formas do mesmo modo, agudo e grave, e mais


tarde foram considerados modos diferentes, numerando-se de um a oito a série
completa. Deu-se também aos modos do cantochão os nomes das escalas gregas
para mostrar a sua semelhança (SADIE, 1994).

FIGURA 32 – OS MODOS ECLESIÁSTICOS DA IDADE MÉDIA

Autênticos Plagais
1º tom: "dórico" 2º tom: "hipodórico"

3º tom: "frígio" 4º tom: "hipofrígio"

5º tom: "lídio" 6º tom: "hipolídio"

7º tom: "mixolídio" 8º tom: "hipomixolídio"

FONTE: Grout e Palisca (2007, p. 78)

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TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

Ao contrário dos gregos, os teóricos da Idade Média não tinham


preocupação com a altura absoluta dos sons, por isso a notação do cantochão não
empregava alterações. Apenas o bemol era utilizado na nota si, permitindo passar
de uma forma autêntica à forma plagal de um tom, sem mudar de âmbito. Nós
séculos XIII e XIV aparecem notas cromáticas no sistema até então diatônico. O
cromatismo não modificou o repertório do cantochão, mas foi muito importante
para as novas composições, tanto sacras como profanas, do final da Idade Média
(MICHELS, 2003).

FIGURA 33 – GRADUALE ABOENSE, LIVRO DE HINOS DE TURKU, FINLÂNDIA. SÉCULOS XIV-XV

FONTE: <http://euterpesspiritus.net/wp-content/uploads/tetragrama.png>. Acesso em: 21 set. 2018.

DICAS

O canal do YouTube Callixtus reúne uma série de vídeos com músicas raras da
era medieval. São mais de 100 vídeos com canções de importância histórica para a época,
como o canto gregoriano Deum Verum, o canto bizantino Segundo Povo e o cântico dos
Templários. Para ouvir as músicas, basta acessar o canal e clicar na opção “vídeos”, na qual
é possível visualizar todo o acervo. É uma forma de conhecer músicos e artistas medievais.
Apesar de abordarem principalmente o sagrado, as músicas medievais também informam
bastante sobre o mundo à sua volta. Por isso, além de uma aula de música, os vídeos podem
ser considerados verdadeiras aulas de história — especialmente para aqueles que têm
interesse em conhecer mais a fundo as culturas medievais. Clique no link para ouvir: <https://
www.youtube.com/user/Callixtinus/videos>.

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

4 MÚSICA PROFANA E NÃO LITÚRGICA


Durante toda a Idade Média a música religiosa fez o papel de arte sábia
e refinada. Em paralelo, desenvolveu-se a música profana, não religiosa. A
composição musical medieval utiliza-se da monodia, ou seja, eram composições
de uma única voz. A música medieval profana e popular praticamente perdeu-se,
pois não foi escrita, apesar da existência, desde o século XI, de técnicas de notação
musical. Essas criações, em sua maioria, não foram escritas no momento da
concepção, entre outras razões, porque a tradição oral era o principal mecanismo
de transmissão musical. As fontes escritas só foram escritas quando chegaram a
uma difusão e celebridade que justificassem sua compilação. Em alguns casos,
passou-se um século e meio entre a composição e a transcrição das canções. E,
em muitos casos, apenas a letra foi transcrita, perdendo-se para sempre essas
composições.

É sabido que, na Idade Média, cantar e dançar eram comuns entre a


população como um legado do mundo pagão. Há muitas fontes eclesiásticas que
os condenavam ou criticavam, o que reforça a ideia de que a música profana
era habitual. É a partir do século XII que a música profana floresce. A música
profana na Idade Média utilizava linguagens vulgares, apresentando diferentes
variedades, dependendo das áreas produzidas. As palavras, muito importantes
para que as pessoas pudessem cantar como diversão. A música profana é
constituída de canções de amor, sátiras políticas e danças acompanhadas de
instrumentos, como pandeiro, harpa e cornamusa, que eram fáceis de serem
transportadas pelos cantores que se deslocavam de uma cidade para outra.

Pela tradição oral, a poesia acompanha a música, a poesia é sempre uma


música. Esse fenômeno é comum no mundo antigo e no medieval, chegando até
os dias de hoje. Entre as formas de poesia estão (BRASIL, 1979):

• A poesia narrativa (ou épica), presente desde Homero até a canção inglesa e
balcânica. O romance de origem espanhola e o corrido de origem mexicana são
exemplos de poemas medievais chamados de canções de gesta, que falam de
feitos heroicos, como no caso da Chanson de Roland (canção francesa do século
XI), o Cantar de mio Cid (canção espanhola de 1200) e Nibelungenlied (canção
alemã do século XIII). É caracterizada por longos textos e versificação simples,
geralmente tem a forma de uma ladainha, uma ou duas pequenas frases
musicais repetidas várias vezes.

60
TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

NOTA

Nibelungenlied (Canção dos Nibelungos) é um poema alemão, escrito por volta


de 1200 por um austríaco desconhecido da região do Danúbio. Ele é preservado em três
manuscritos principais do século XIII, A (agora em Munique), B (St. Gall) e C (Donaueschingen).
O manuscrito B é considerado o mais confiável. Conta a história do Siegfried, assassino de
dragões, seu assassinato e a vingança de sua esposa, Kriemhild. Nibelungenlied é baseado
nas tradições orais e relatos de eventos dos séculos V e VI. Ouça em: <https://youtu.be/
IDVGZnJjQeI>.

• A poesia lírica está presente desde a poesia lírica grega (lírico deriva-se da
palavra lira, instrumento que acompanha o canto dessa poesia) até composições
contemporâneas. Essa poesia aparece nos trabalhos dos trovadores. A poesia
lírica é caracterizada por ter formas estróficas e versificação variada e muitas
vezes sofisticada. Os poemas muitas vezes tinham uma melodia personalizada,
em outros eram cantados usando melodias existentes ou intercambiáveis.
• A poesia dramática (teatro) está presente desde a tragédia grega (que era
parcialmente cantada) até a ópera moderna. Na Idade Média encontramos o
drama litúrgico (em latim) e os mistérios medievais.

A ideia de poesia, ou teatro, como uma forma exclusivamente literária,


criada para ser recitada e não cantada, é um conceito renascentista. A poesia
medieval pertence principalmente ao campo da memória, da tradição oral e da
música, com o canto.

A lírica profana e o canto gregoriano diferenciam-se. Na música profana,


a maioria das canções possui tema amoroso. O canto gregoriano é em latim e
exclusivamente religioso, já a música profana não emprega o latim, mas as
línguas vulgares, derivadas das raízes formadas nas diferentes regiões, como o
francês, galego e castelhano. A música profana tinha um ritmo mais marcado que
o gregoriano e era acompanhada com instrumentos, enquanto o canto gregoriano
era cantado à capela, sem acompanhamento.

4.1 JOGRAIS OU MENESTRÉIS


Aqueles que viajavam de palácio em palácio, cantavam, como autores ou
meros executores, as gestas da nobreza bárbara ou canções seculares da Idade
Média: eram os jograis ou menestréis. Jograis eram todos aqueles que ganhavam
a vida atuando diante de um público, divertindo-o com a música, literatura, com
charlatanices ou prestidigitações, acrobacias e mímicas (MENÉNDEZ PIDAL,
1942). Os jograis foram os protagonistas da canção popular durante a Idade

61
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

Média, tinham uma origem social humilde, muitas vezes eram negados a eles
a proteção das leis e os sacramentos da Igreja. São uma categoria de músicos
profissionais que começa a surgir por volta do século X, homens e mulheres que
vagueiam sozinhos ou em grupos.

NOTA

Lembrando que as gestas são composições poéticas, em forma de canção, que


narram feitos heroicos e batalhas, reais ou lendários.

A jograria é mais antiga que o trovadorismo. Porém, no século XI,


surge uma nova designação para o poeta-músico: o trovador. Foi da Provença,
vivendo dois séculos de paz, que vieram os trovadores, com sua arte refinada,
fazendo canções de amor. É a partir dos séculos XI e XII, quando a sociedade
europeia passa a se organizar de uma forma mais estável, em bases feudais, e as
cidades crescem, que a condição dos jograis ou menestréis melhora. No século
XI se organizam em confrarias, que originarão, tempos depois, as corporações
de músicos, proporcionando formação profissional como se realiza nos atuais
conservatórios (GROUT; PALISCA, 2007).

As principais atribuições dos menestréis eram cantar versos alheios e/ou


acompanhá-los com instrumentos de sopro, de corda ou de percussão. A princípio,
os trovadores compunham a canção e os menestréis deveriam executar. Mas essa
distinção não é fundamental, já que diversos menestréis eram também autores
e trovadores e também executavam composições alheias. Em uma definição
específica, os menestréis eram os profissionais que viviam unicamente do seu
trabalho, um homem que pertencia à classe servil. As suas tradições profissionais
e suas contribuições foram muito importantes para o desenvolvimento da
música secular na Europa Ocidental (ROBL, 1983). Grande parte do trabalho
dos menestréis foi perdida e os fragmentos que permaneceram foram mantidos
graças aos goliardos.

DICAS

Ouça uma cantiga de amigo do século XII, de autoria do jogral medieval


Lourenço, provavelmente português, que teria frequentado a corte castelhana de Afonso
X, aparentemente depois de ter sido obrigado a sair de Portugal (OLIVEIRA, 1994). Ouça a
canção Três Moças Cantavam D ‘Amor em <https://youtu.be/Zx650R3lZOc>.

62
TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

4.2 TROVADORES E TROVEIROS


O termo trovador vem do francês troubadour (feminino trobairitz), era usado
no sul da França, nomeia aquele que inventa, descobre o caráter criativo, músicos
que, além de compositores, eram poetas. Escreviam em provençal, chamada de
langue d’oc, língua que ainda é falada em algumas regiões rurais francesas. Sua
arte era inspirada pela cultura hispano-mourisca da vizinha Península Ibérica
e difundiu-se rapidamente para o norte, especialmente para as províncias de
Champagne e da Artésia. Lá os troveiros, trouvère, foram seus representantes. Os
troveiros escreviam em langue d’oil, dialeto do francês medieval que originará o
francês moderno (GROUT; PALISCA, 2007).

Nem trovadores, nem troveiros eram um grupo definido e ambos


participavam dos círculos aristocráticos, a arte era uma forma de ascender de
classe social através do talento, eram independentes e não trabalhavam para
ninguém. Muitos poetas-compositores criavam e cantavam as suas cantigas,
mas podiam confiar a um menestrel a interpretação de suas canções. Quando
versões atualmente conhecidas apresentam diferenças entre um manuscrito para
outro, é possível que representem versões de diferentes escribas ou diversas
interpretações de uma mesma cantiga realizada por diferentes menestréis que
a aprenderam de cor, introduzindo nela alterações pessoais, como acontece
sempre que a música é transmitida oralmente antes de ser registrada por escrito
(GROUT; PALISCA, 2007).

As canções de trovadores sintetizam a poesia e a música da Idade Média.


A melodia das canções de trovadores e troveiros era de forma silábica, com poucos
melismas, que apareciam nas últimas sílabas dos versos, a interpretação permitia
improvisação, modificando a melodia de estrofe para estrofe, a altura das melodias
era limitada, raramente ultrapassando uma oitava. O ritmo é um ponto não
completamente esclarecido, já que não havia notação. As cantigas de trovadores
eram um pouco mais sofisticadas, com um tratamento rítmico mais esclarecido que
as dos troveiros, que eram mais bem definidas, curtas e de fácil memorização, com
uma conexão com o folclore francês (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

Exemplo da execução de figuras melismáticas nas penúltimas sílabas dos


versos pode ser ouvido em Can vei lauzeta, do trovador Bernart de Ventadorn. Nessa canção,
as duas primeiras estrofes são apenas lamentações da amante. Ouça em: <https://youtu.be/
fWfuhcJ0VVA>.

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

As cantigas foram conservadas em coletâneas (chansonniers ou


cancioneiros) e chegaram até nós cerca de 2.600 poemas, 260 melodias de
trovadores e cerca de 2.130 poemas e 1.420 melodias de troveiros. As canções
possuem grande variedade, baladas simples e dramáticas, predominantemente
de amor cavalheiresco ou cortês, o amor aqui é mítico e fantasioso. Há também
cantigas sobre questões políticas e morais. As cantigas de natureza religiosa,
características do norte da França, ou seja, dos troveiros, começam a surgir
apenas no século XIII. Muitas cantigas de troveiros têm refrãos, versos ou pares
de versos que se repetem durante o texto que, em geral, implicam a repetição da
frase musical correspondente. O refrão era um elemento estrutural importante.
Acredita-se que as cantigas com refrãos se originam de cantigas com dança.
Na maioria das cantigas dos trovadores, o poema tem uma organização mais
complexa do que a melodia (GROUT; PALISCA, 2007).

NOTA

Raimbaut de Vaqueiras foi um trovador da Provença, do castelo de Vaqueiras.


Raimbaut viveu no século XII e a canção Kalenda Maya, um tipo de dança medieval muito
antiga, é sua. Ouça a canção em: <https://youtu.be/MZpuzb6cbJU>.
Acompanhe a partitura, letra e tradução desta canção a seguir.

FIGURA 34 – KALENDA MAYA (CANÇÃO DE TROVADOR) DE RAIMBAUT DE VAQUEIRAS

Kalenda Maya
Kony de Grallers Raimbaut de Vaqueiras, s XII
Trobadoresc

Tarota Do

FONTE: <https://goo.gl/Nskj9N>. Acesso em: 23 set. 2018.

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TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

Kalenda maya No mês de maio


Ni fuelhs de faya Nem folhas de faia
Ni chanz d'auzelh Nem o canto dos pássaros
Ni flors de glaya Nem as flores dos lírios
Non es que’m playa, Me causam prazer,
Pros domna guaya, Graciosa dama,
Tro qu'un ysnelh Até que eu receba
Messatgier aya Uma mensagem
Del vostre belh De sua bela presença
Cors, que’m retraya Isso me provoca
Plazer novelh Um prazer renovado
Qu’Amors m'atraya Que me traz amor
E jaya, E’mtraya E alegria, e me leva
Vas vos, Donna veraya, A vós, ó vera Dama
E chaya De playa E que morra de chagas
‘Lgelos Ó ciumento,
Ans que’m n'estraya. Antes que eu me vá.
FONTE: HOLLER (2005, p. 45)

Foram trovadores Bertran de Born, Guiraut de Broneilh, Arnaud Daniel


e Foulques de Marselha. Um dos mais conhecidos trovadores foi Bernard de
Ventadour, de família simples, famoso por seu talento, escreveu uma grande
quantidade de cantigas que figuram em vários manuscritos, os cancioneiros.
Algumas mulheres também exerceram a atividade, a mais famosa delas foi
a Condessa de Die, Beatriz. Já entre os troveiros do norte estão Maria de
Champagne e Aélis de Blois, Chrétin de Troyes e Gacê Brule. O trovadorismo
medieval favoreceu a criação de um repertório vasto e diversificado. Foi por meio
dos trovadores que o Renascimento conheceu formas musicais como baladas,
sonetos e canções. Quando a polifonia começou a crescer, a prática monofônica
dos trovadores perdeu a importância, desaparecendo. O fim do trovadorismo
aconteceu com a morte de Adam de la Halle e Rei Venceslau II, da Boêmia,
importantes trovadores.

DICAS

Adam de la Halle é considerado o último e o maior de todos os troveiros,


nascido em Arras, na região de Artois, chegou à corte de Carlos de Anjou, em Nápoles, por
volta de 1282, no rescaldo das Vésperas da Sicília. Nápoles assistiu à primeira encenação do Le
jeu de Robin et de Marion, uma espécie de peça com música alternando partes de monodias
e polifônicas e narrando como a jovem pastora Marion permaneceu fiel a seu prometido
Robin, resistindo a um cavaleiro que demonstrava mais interesse nela do que no falcão que
ele estava perseguindo. Você pode ver esta peça musical executada pelo grupo Micrologus
aqui: <https://youtu.be/UCIx07t14jw>.
Le jeu de Robin et de Marion é um rondó monofônico com a forma ABaabAB, cada letra
corresponde a uma frase musical diferente, as maiúsculas são cantadas pelo coro e as
minúsculas são cantadas solo.

65
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

DICAS

Ouça um exemplo de composição da Condessa de Die Beatriz, intitulada A


chantar m'er de so qu'ieu non volria, cantado por Montserrat Figueras, acompanhado pelo
conjunto Hèsperion XX, dirigido por Jordi Savall: <https://youtu.be/5Zah4VWPiNE>.

4.3 MINNESINGER
Os trovadores franceses foram o modelo de uma escola alemã de poetas-
compositores nobres, os minnesinger. O amor (minne) que cantavam nas suas
canções era mais abstrato que o amor dos trovadores e tinha um viés religioso. A
música é mais sóbria, algumas melodias utilizam-se de modos da Igreja, enquanto
outras tendem para a tonalidade maior e a maioria das canções era cantada em
compasso ternário. As canções estróficas eram comuns, assim como na França,
mas as melodias tinham uma organização mais rígida através da repetição de
frases melódicas. Nas cantigas dos minnelieder, a melodia é mais complexa que os
textos, que incluem temas sobre o esplendor e a frescura da primavera, cantigas de
alvorada ou cantigas de vigília (wachterlieder), cantadas pelo amigo que avisa aos
amantes quando a alvorada se aproxima. Tanto franceses e alemães escreveram
cantigas de devoção religiosa, inspiradas, muitas vezes, pelas Cruzadas (GROUT;
PALISCA, 2007).

Na França, a partir do século XIII, a arte dos troveiros passou a ser mais
cultivada por burgueses cultos do que por nobres, como em tempos anteriores. Na
Alemanha isso também ocorreu a partir dos séculos XIV, XV e XVI; os sucessores
dos minnesinger foram os meistersinger, dignos mercadores e artesãos das cidades
alemãs (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

As formas de vida e organização dos meistersinger foram retratados por Wagner


em sua obra ópera Die Meistersinger von Nurnberg (Os Mestres Cantores de Nuremberg), que
estreou em 21 junho de 1868. O herói desta ópera foi um meistersinger que viveu no século
XVI. Ouça a ópera inteira cantada por Theo Adam, René Kollo, Geraint Evans, Peter Schreier,
Helen Donath, Ruth Hesse e gravada por Staatskapelle Dresden e o Chorus of the Staatsoper
Dresden, conduzidos por Herbert von Karajan em 1970: <https://youtu.be/JKG8ZxEOdwE>.

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TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

A arte dos meistersinger estava tão cheia de regras rígidas que sua música
parece inexpressiva quando comparada com a dos minnesinger. A corporação dos
meistersinger foi dissolvida apenas no século XIX. Além das cantigas seculares
monofônicas, houve muitas canções religiosas monofônicas que não eram para ser
cantadas na igreja, eram expressões da piedade individual, com textos em língua
vernácula e um idioma melódico que deriva tanto do cantochão eclesiástico como
das canções populares (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

Ouça a canção Under der linden, de Walther von der Vogelweide, em: <https://
youtu.be/yzXv7I-Zav8>.
E a canção Hofton de Konrad von Würzburg em: <https://youtu.be/4rA3kL8xEuA>.

4.4 GOLIARDOS
As mais antigas músicas que se conservam até hoje são canções com textos
latinos, as canções monofônicas dos goliardos dos séculos XI e XII. Os goliardos
eram estudantes ou clérigos pobres que, desamparados pela Igreja, tornavam-
se itinerantes. Perambulavam pelas tavernas, portas das universidades e lugares
públicos, cantando e declamando poemas satíricos. Eram mal vistos pelas pessoas,
satirizavam a ordem e o seu próprio modo de vida, os abusos e a corrupção da
Igreja e enalteciam o amor, a natureza, a juventude e o vinho (GROUT; PALISCA,
2007). Os goliardos surgem no século XII quando acontece um renascimento
econômico e social, alterando o imobilismo dos séculos anteriores, são jovens
intelectuais que, por sua condição econômica e social, não podem tornar-se
professores das universidades medievais, ou prosseguir seus estudos.

A poesia goliardesca não era feita para divertir o público, o latim era
rebuscado e a sátira, intelectual. Eram autores anônimos, em sua maioria, clérigos,
estudantes de retórica e apreciadores da leitura dos clássicos. Um exemplo
de poesia goliarda que sobreviveu ao tempo é o Códex Buranus, conhecido
como Carmina Burana (Canções de Benediktbeuren), descoberto na Abadia de
mesmo nome. O Códex Burana, escrito em 1230, é composto por 254 poemas que
abordam temas diversos, como canções zombeteiras, canções de amor, canções
sobre bebidas e duas peças teatrais. Estão escritos em latim e alemão medievais,
alguns versos misturam latim, alemão e palavras em provençal, o francês antigo
(GROUT; PALISCA, 2007).

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

NOTA

Uma das canções presentes no Códex é Istud vinum bonum, veja a letra e
tradução:

Bacche, bene venies gratus et optatus, Baco, és bem-vindo, grato e esperado


Per quem noster animus fit letificatus. Por ti se alegra nosso espírito
 
Istud vinum, bonum vinum, Este vinho é bom e generoso
Vinum generosum, Converte o bom cortesão em um homem
Reddit virum curialem, probum, animosum. valoroso

Hec sunt vasa regia quibus spoliatur Estes são os cálices reais roubados
Ierusalem et regalis Babylon ditatur De Jerusalém e trazidos desde a Babilônia
 
Bacchus fortis superans pectora virorum Baco invade com força o peito dos homens,
In amorem concitat animos eorum. e arrasta seus ânimos para o amor.
Bacchus sepe visitans mulierum genus Baco visita com frequência as mulheres, e faz
Facit eas subditas tibi, o tu Venus! delas tuas súditas, ó Vênus!
 
Bacchus venas penetrans calido liquore Baco penetra nas veias com seu licor cálido,
Facit eas igneas Veneris ardore. e as inflama com o ardor de Vênus.
 
Bacchus lenis leniens curas et dolores Suave Baco, tu suavizas penas e dores; e traz
Confert iocum, gaudia, risus et amores. ao jogo prazer, risos e amores.
 
Bacchus mentem femine solet hic lenire Baco abranda a alma feminina, e faz com
Cogit eam citius viro consentire. que elas se submetam mais facilmente aos
homens.
 
Aqua prosus coitum nequit impetrare
A água não favorece o coito, mas Baco o
Bacchus illam facile solet expugnare
obtém facilmente.
Bacchus numen faciens hominem iocundum,
Baco é o deus que faz o homem feliz,
Reddit eum pariter doctum et facundum. E o torna douto e sábio.
 
Bacche, deus inclite, omnes hic astantes Divino e ilustre Baco, todos presentes por
Leti sumus munera tua prelibantes. teus dons felizes brindamos.
 
Omnes tibi canimus maxima preconia, Todos te entoamos os melhores hinos, e te
Te laudantes merito tempora per omnia louvamos com justiça por todos os tempos.

DICAS

Ouça essa canção executada pelo grupo Artefactum no álbum De la Taberna


a La Corte, em: <https://youtu.be/QBWsnxe1l9w>.

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TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

O Códex foi descoberto em 1807 e, em 1936, o compositor Carl Orff musicou


24 dos versos do Códex e lançou a Cantata Profana Carmina Burana, organizada
em uma sequência narrativa descrita como canções seculares para solistas e
coral, acompanhados por instrumentos. Essa obra estreou em 1937 na cidade
de Frankfurt e é uma parábola da vida dos humanos exposta constantemente às
mudanças. Essa é a única produção artística da Alemanha nazista que permanece
conhecida e executada até os dias atuais.

FIGURA 35 – CODEX BURANUS (CARMINA BURANA)

FONTE: <https://goo.gl/PJ7ASq>. Acesso em: 21 set. 2018.

DICAS

Ouça Carmina Burana na interpretação de de Seiji Ozawa (1989) com a


orquestra Filarmônica de Berlim em: < https://youtu.be/Cndq8uSwjpI>.

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

5 MÚSICA INSTRUMENTAL E SEUS INSTRUMENTOS


Na alta Idade Média a música instrumental estava associada ao canto ou à
dança. As danças na Idade Média são acompanhadas por canções monofônicas e
também música instrumental. As formas mais populares de dança medieval eram:

• Estampie: provavelmente uma dança sapateada com vários exemplos ingleses


e continentais dos séculos XIII e XIV, às vezes monofônica, às vezes polifônica,
em várias seções que se repetem. As Estampie são os mais antigos exemplos
conhecidos de um repertório instrumental que remonta a uma época muito
anterior ao século XIII.

DICAS

Ouça a execução de um Estampie intitulado La seconde Estampie Royale,


executado por Jordi Savall em: <https://youtu.be/TqZUNDyfq1s>.

• Saltarello: dança saltitante, popular entre as cortes medievais e renascentistas


italianas. O Saltarello é atualmente a dança dos camponeses da Itália central,
porém no século XVI, era dançada por toda a Europa ocidental. Era a dança
final nos bailes burgueses e camponeses.

DICAS

Veja a execução de um Saltarello em: <https://youtu.be/PWMyb1UtlzE>.

• Carola: Dança realizada por um grupo de dançarinos de mãos dadas e em


círculos. É o estilo mais documentado de dança na Idade Média, desde os
séculos XII e XIII. Era dançada ao som de cantos gregorianos e ritmada com
tambores e tamborins. Dançada apenas em ocasiões não religiosas.

DICAS

Veja a execução de uma Carola em: <https://youtu.be/dCFZqF39rKU>.

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TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

• Tarantella: Dança popular entre os séculos XIV e XV na região da Campania,


Itália, seu nome provém de Taranto, cidade da região da Puglia, no sul da Itália.
Consiste na troca rápida de casais enquanto o ritmo aumenta progressivamente.

DICAS

Veja a execução de uma Tarantella em: <https://youtu.be/CM-B_KL3PFI>.

A Idade Média absorve todo o instrumental da Antiguidade, mas não há,


nessa época, a intenção de aprimorar os instrumentos musicais, nem preocupação
em se estabelecer normas e regras para a construção deles. Por isso, “as diferentes
formas em que aparecem os distintos tipos de instrumentos, bem como a falta
de uniformidade na sua denominação” (MICHELS, 2003, p. 227). Assim, Candé
(1994) afirma que a iconografia é a única fonte fiel de informação para o estudo e
conhecimento dos instrumentos musicais da Idade Média.

A lira é um exemplo de instrumento da antiguidade que continuou a ser


usado na Idade Média, mas a harpa é o mais antigo e característico instrumento
medieval. Trazido para o continente da Irlanda e da Grã-Bretanha antes do século
IX. O principal instrumento medieval de corda friccionada era a vielle, também
chamado também de fiedel, entre outros nomes, com variados tamanhos e formas,
é o protótipo da viola do Renascimento e do moderno violino. É o instrumento
com que mais vezes são representados os jograis e com o qual realizavam o
acompanhamento do seu canto e recitação (GROUT; PALISCA, 2007).

Outro instrumento de cordas era o organistrum, descrito como uma vielle


de três cordas tocadas com uma roda giratória acionada por uma manivela, sendo
as cordas premidas, não pelos dedos, mas por teclas. Na alta Idade Média, o
organistrum era um instrumento de grandes dimensões que necessitava de dois
executantes, era usado nas igrejas e, a partir do século XIII, tornou-se menor e
dele descendeu a moderna sanfona (GROUT; PALISCA, 2007).

Outro instrumento utilizado na Idade Média é o saltério, uma espécie


de cítara que é tocada dedilhando e percutindo as cordas, é o antepassado do
cravo e do clavicórdio. O alaúde foi trazido para a Península Ibérica no século IX
pelos conquistadores árabes, mas o seu uso só se divulgou no resto da Europa
pouco antes do Renascimento. Havia flautas, retas e transversais, e charamelas,
instrumentos de sopro da família do oboé. As trombetas eram usadas apenas
pela nobreza e o instrumento popular universal era a gaita de foles. Os tambores
começaram a ser usados no século XII com o objetivo de marcar o tempo do canto
e da dança (GROUT; PALISCA, 2007).

71
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

Na Idade Média havia, além dos grandes órgãos das igrejas, órgãos
de menores dimensões, o portativo e o positivo. O órgão portátil era pequeno
para ser transportado (portatum) e, às vezes, era suspenso com uma correia ao
pescoço do tocador; tinha uma fileira de tubos, e as teclas eram tocadas pela mão
direita enquanto a esquerda acionava o fole. O órgão positivo também podia ser
transportado, mas tinha de ser colocado em uma mesa para ser tocado e requeria
mais uma pessoa para acionar o fole (GROUT; PALISCA, 2007).

Os instrumentos, em sua maioria, chegavam à Europa pela Ásia, através


de Bizâncio, ou dos árabes do norte da África e da Espanha. A nomenclatura é
variada e enganosa, além de descrições imprecisas (GROUT; PALISCA, 2007).

A partir do século XII, os compositores dedicaram-se à polifonia. Canções


monofônicas dos trovadores e troveiros eram a expressão artística da aristocracia
feudal; eram a obra de músicos amadores talentosos e não compositores
profissionais. O mesmo acontecia com as minnelieder, escritas por amadores e
conservadoras no estilo e no idioma. A música monofônica, cantigas e danças,
continuou a ser interpretada até o final do século XIII (GROUT; PALISCA, 2007).

6 POLIFONIA
Como vimos, a polifonia começou a substituir a monofonia a partir do
século XI, em que começou a surgir um novo sistema musical. Nos primeiros anos
da Idade Média, absorveu-se todo o material da Antiguidade e do Oriente, depois
esse material foi sistematizado, codificado e disseminado por toda a Europa
ocidental. As composições sacras polifônicas até o século XVI incorporaram o
cantochão, assim como outros materiais de diversas origens. Porém, a polifonia
começou a desenvolver-se independentemente dessas heranças e da Igreja.
A polifonia primitiva era realizada pela duplicação da melodia principal em
intervalos de terças; quartas ou quintas, isso ocorria ao mesmo tempo do uso de
heterofonia sobre a melodia principal (GROUT; PALISCA, 2007). No século XVI,
os compositores descobriram novos domínios de expressão e inventaram novas
técnicas (GROUT; PALISCA, 2007).

6.1 ORGANUM PRIMITIVO


O termo organum refere-se ao estilo em que a voz mais grave mantém
notas longas e quando, no final do século XII, ambas as vozes passaram a mover-
se em um ritmo semelhante, o termo utilizado foi descante. A palavra organum foi
adquirindo novos sentidos e, às vezes, é usada como termo genérico, englobando
toda a música polifônica baseada no cantochão, até cerca de meados do século
XIII; e também era usada como nome de um tipo de composição, organum também
é o termo latino para todo e qualquer instrumento musical, especialmente o órgão
(GROUT; PALISCA, 2007).

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TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

Considerado o início da polifonia vocal medieval, a primeira referência é


datada do século IX no tratado anônimo Musica enchiriadis (manual de música)
e manual Scolica enchiriadis, em que descrevem formas de cantar em conjunto,
designadas pelo nome organum. Geralmente a duas vozes, chamada de organum
duplum. A forma mais antiga de organum é chamado de organum paralelo em que
uma voz, a vox principalis, é duplicada à quinta ou à quarta inferior por uma
segunda voz, chamada de vox organalis; qualquer uma das vozes, ou as duas,
podem ainda ser duplicadas à oitava.

FIGURA 36 – ORGANUM PARALELO DUPLICADA À 4ª INFERIOR

Parallel organum
Vox Principalis
4th
Vox Organalis

FONTE: <http://cmapspublic.ihmc.us/rid=1PHSW2V2W-W777X2-2ND1/parallel.organum.png>.
Acesso em: 23 set. 2018.

DICAS

Ouça um organum paralelo em: <https://youtu.be/QH71sxmG9wY>.

No século XI surge o organum livre, em que a vox organalis, além do


movimento paralelo, realizava um movimento contrário ou oblíquo à vox
principalis, nesta espécie de organum, a vox organalis aparece escrita sobre a vox
principalis. Porém, o organum livre manteve o sistema de escrita de nota-contra-
nota do organum paralelo.

FIGURA 37 – ORGANUM LIVRE E SEUS MOVIMENTOS


Vox organalis

8 oblíquo contrário
paralelo
Vox principalis

8 Inter-
1 5 8 5 1 4 4 4 1 1 5 8 11 8 8 4 1 8 5 8
valos
FONTE: <https://goo.gl/EyCBw7>. Acesso em: 24 set. 2018

73
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

DICAS

Ouça um organum livre em: <https://youtu.be/HtbO4ub-G3Y>.

6.2 ORGANUM MELISMÁTICO


No século XII surge o organum melismático ou florido, onde a vox principalis
se estendia sobre notas de longa duração. Nessa época a vox principalis passou
a ser chamada de tenor (tenere = manter) e, acima das notas do tenor, uma voz
aguda se movimentava livre, com notas de menor valor (melismas). Esse tipo
de organum aumentou a duração das peças e retirou a voz mais grave do papel
de melodia, transformando-a numa série de notas soltas a que se sobrepõem
elaborações melódicas.

FIGURA 38 – ORGANUM MELISMÁTICO


Melismatisch organum

(Cantus firmus)
Cunc ti po

tens ge ni

tor, De us

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c6/Melismatisch_organum.jpg>.
Acesso em: 24 set. 2018.

DICAS

Ouça um organum melismático em: <https://youtu.be/tWEChAG3_C8>.

74
TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

6.3 MODOS RÍTMICOS


Nos séculos XI e XII, os compositores criaram uma notação do ritmo
baseada em padrões rítmicos diferentes por meio de combinações de notas e
de grupos de notas, ao invés de durações relativas fixas por meio de símbolos
diferentes, como a nossa. Esses padrões foram codificados em uma série de seis
modos rítmicos, identificados por um número.

FIGURA 39 – MODOS RÍTMICOS

FONTE: Grout e Palisca (2007, p. 103)

Os padrões correspondem aos pés métricos da poesia francesa e latina,


I – troqueu, II –jâmbico, o III – ao dáctilo, IV – ao anapesto, V – espondeu, VI
– pírrico. Os modos I e V eram os mais usados, II e III eram também comuns,
o VI surge como uma fragmentação do I ou do II, o IV é bastante raro. A base
do sistema de modos rítmicos era a unidade tripla de medida que era chamada
de perfeita, permitia que qualquer modo fosse combinado com qualquer outro
(GROUT; PALISCA, 2007).

6.4 ORGANUM DE NOTRE DAME


O sistema dos modos e sua notação foram se desenvolvendo ao longo dos
séculos XII e XIII com o objetivo de satisfazer as necessidades de uma escola de
compositores polifônicos da França, a Escola de Notre Dame. Dois compositores
desta escola se destacaram, considerados os primeiros compositores de polifonia,
Léonin (c.1159 – c.1201) e Pérotin (c.1170 – c.1236). A composição polifônica dos
séculos XII até XIV desenvolveu-se no Norte da França e irradiou-se para outras
zonas da Europa (GROUT; PALISCA, 2007).

Três estilos de composição foram representados na Escola de Notre Dame:


o organum, o conductus e o motete. Uma das características do estilo de Léonin era
justaposição de elementos antigos e novos, alternando e contrastando passagens de
organum do tipo melismático com ritmo mais animado das cláusulas de descante.
Durante o século XII, o organum duplum foi sendo substituído e abandonado pelo
descante, e surgindo uma nova forma, o motete (GROUT; PALISCA, 2007).

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UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

DICAS

Ouça um organum duplum de Léonin (Códex Manesse) em: <https://youtu.


be/0UOkHTbDkAA>.

Pérotin continuou o trabalho de Léonin, porém o tenor do organum de


Pérotin era estruturado de forma característica, com uma série de motivos rítmicos
idênticos e reiterados, correspondendo ao quinto ou ao terceiro modo rítmico.
Além disso, a melodia do tenor no estilo de Pérotin era, em geral, composta por
notas mais breves do que os tenores de Léonin. A inovação de Pérotin e seus
contemporâneos foi a mudança de organum de duas vozes para três, quatro. A
segunda voz, como vimos, era chamada de duplum, a terceira e quarta, por sua
vez, triplum e quadruplum. Dessa forma, um organum a três vozes era chamado de
organum triplum e um organum a quatro vozes, organum qradruplum. O organum
triplum tornou-se comum na época de Pérotin e continuou por muito tempo
(GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

Ouça um organum triplum de Pérotin (Pascha nostrum immolatus) em:


<https://youtu.be/ba5LXi760D8>.

6.5 CONDUCTUS POLIFÔNICO


O conductus é um tipo de canção medieval de duas a quatro vozes com
texto de conteúdo sacro, porém não litúrgico, ou seja, não se baseava no cantus
firmus de missas ou ofícios. Depois, também passou a ter conteúdo profano. Todas
as vozes cantam o mesmo texto e realizam o mesmo ritmo (CAVINI, 2011). A letra
era quase sempre de forma silábica e a voz do tenor não provinha de um cântico
eclesiástico ou de qualquer fonte preexistente, era muitas vezes composto de novo
servindo de cantus firmus para uma determinada composição. O conductus é uma
das primeiras expressões da história da música ocidental de uma obra polifônica
inteiramente original (GROUT; PALISCA, 2007). O conductus e o organum foram
suplantados no final do século XIII pelo motete.

76
TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

DICAS

Ouça um conductus em: <https://youtu.be/0-wrUexIRXg>.

6.6 MOTETE
Léonin colocou nos seus organa partes diferentes (chamadas de cláusulas)
em estilo de descante. A partir disso, Pérotin e outros compositores criaram
cláusulas de descante, muitas como alternativas ou substitutas para as de Léonin
e outros compositores antigos. Com o tempo, as cláusulas destacaram-se dos
longos organa de que faziam parte e passaram a ser composições separadas
(GROUT; PALISCA, 2007).

A palavra motete vem do francês mot (palavra) ou motet (verso, estribilho).


É o gênero principal da Ars Antiqua, que originou-se no século XIII a partir da
prática de Pérotin e seus contemporâneos em acrescentar um novo texto à voz
ou vozes superiores. Às vezes, as vozes superiores tinham textos diferentes que
eram sacros e em latim, inicialmente, depois tornaram-se seculares e franceses à
medida que se distanciavam da Igreja e da liturgia. Os motetes eram cantados
por solistas com acompanhamento instrumental. Conforme o número de vozes,
a designação era diferente: motete simples (duas vozes, tenor e duplum, com
texto em latim ou francês); motete duplo (três vozes, tenor, motetus e triplum, com
textos diferentes para as duas vozes superiores; latim, francês ou misto); motete
triplo (quatro vozes, com quadruplum, com textos diferentes para as três vozes
superiores; latim, francês ou misto) e motetus-conductus (três ou quatro vozes,
textos e ritmos iguais) (MICHELS, 2003). Os motetes são, na maioria, anônimos.

DICAS

Ouça um motete (Pucelete bele, Je languis, Domino) em: <https://youtu.be/


LQAbwt2sRpQ>.

77
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

6.7 HOQUETO
Hoqueto, estritamente, define uma técnica, mais que uma forma. No
hoqueto a melodia é interrompida por pausas, em que as notas ausentes são
cantadas por outras vozes, repartindo a melodia em diversas vozes (GROUT;
PALISCA, 2007). A alternância entre as vozes ocorre tão rapidamente e de nota para
nota que “[...] se interpretou a palavra hoqueto como correspondendo à palavra
‘soluço’ em francês [...]” (MICHELS, 2003, p. 209). As peças em que o hoqueto era
usado com maior ênfase recebiam o nome de hoqueto. As composições podiam
ser vocais ou instrumentais, o hoqueto instrumental é mais rápido. Geralmente
as duas vozes superiores realizam o hoqueto, que tem como base um tenor em
ritmo regular. Durante o século XIII o hoqueto passa a ser considerado um gênero
musical, e não mais uma técnica de composição.

O período do século XII ao século XIII é designado pelo nome de Ars


Antiqua ou arte antiga. A expressão Ars Antiqua foi empregada por escritores
franceses no século XIX para separá-la da recém-criada Ars Nova (arte nova). É
marcada pelo rápido desenvolvimento da polifonia e pelo nascimento de três
tipos de composição polifônica, o organum e o conductus, no período da Escola
de Notre Dame, até aproximadamente 1250, e o motete na segunda metade do
século XIII. A Ars Antiqua se confunde com a Escola de Notre Dame, já que todos
os compositores da época utilizavam os mesmos gêneros musicais. Em 1163
iniciou a construção da catedral de Notre Dame e Paris tornou-se um centro
musical. A música polifônica desenvolveu-se com os compositores que atuavam
junto à Catedral de Notre Dame. Eles utilizavam uma notação musical refinada,
grafavam inclusive o ritmo e iniciaram a notação mensurável, inexistente até essa
data (CAVINI, 2011).

As principais realizações técnicas foram a codificação do sistema rítmico


modal e a invenção de um novo tipo de notação para o ritmo mensurável. A
música era objetiva, os compositores visavam um equilíbrio dos elementos
musicais em uma estrutura formal, vemos isso na adesão ao sistema dos modos
rítmicos com agrupamento ternário dos tempos, independência do cantochão
como base, âmbito limitado de melodias, textura linear, uso de harmonia por
quintas e oitavas, secundarização do apelo puramente sensual da música
(GROUT; PALISCA, 2007).

No início do século XII quase toda a música polifônica era sacra, ao final,
já se escreviam músicas polifônicas tanto para textos sagrados quanto para
profanos. No final do século XIII começa o enfraquecimento dos modos rítmicos,
o tenor de cantochão é relegado a uma função formal, o triplum torna-se solista,
contrapondo-se às vozes graves. Inicia-se um novo estilo musical, uma nova
forma de compor (GROUT; PALISCA, 2007).

78
TÓPICO 3 | MÚSICA NA IDADE MÉDIA

LEITURA COMPLEMENTAR

HILDEGARD VON BINGEN – A FEMINISTA DA IDADE MÉDIA

Como em todas as igrejas do povo de Deus, as mulheres estejam caladas


nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como
também ordena a lei. Se quiserem aprender alguma coisa, perguntem em casa a
seus maridos, porque é indecoroso para a mulher falar na igreja.

O trecho acima faz parte do capítulo XIV, da Primeira Epístola de São


Paulo aos Coríntios. Essas palavras, bem como outras correntes similares de
pensamento, fizeram com que a sociedade restringisse a manifestação criativa e
a atividade profissional das mulheres durante centenas, senão milhares de anos.
Isso explica a ausência do ente feminino no mundo da criação musical e das artes
em geral. Quando muito, elas podiam aprender a tocar um instrumento para
distraírem os maridos e eventuais convidados.

Até a arte do canto em público lhes estava vedada. Os papéis femininos


nas óperas ficavam reservados aos castrati, que os interpretavam à perfeição.

Nos anos noventa fui descobrir a história da primeira mulher que rompeu
esses preceitos e tornou-se a precursora do feminismo. Numa viagem entre
Stuttgart e Colônia, me hospedei na pequena cidade de Bingen, às margens do
Reno. Comprei na recepção do hotel uma pequena brochura que detalhava as
atrações turísticas e históricas da região.

Lá encontrei um capítulo dedicado a Hildegard von Bingen (1098-1179).


Seu pai, o barão Hildebert von Bermersheim, encaminhou-a para estudar e seguir
a vida monacal em um convento da região. Aos 38 anos ela tornou-se abadessa e
contrariando a máxima de São Paulo que dizia: mullier taceat in ecclesiam (a mulher
se cala na Igreja), Hildegard começou a pregar em sermões públicos a necessidade
de reformas urgentes nos rumos da religião cristã, que passava por uma fase de
degradação.

Mulher de grande carisma e beleza física, substituiu a debilidade feminina


por autoridade, pregando a igualdade dos sexos. Escritora, poetisa, médica e
botânica, também se destacou como compositora. Escreveu 77 canções litúrgicas
chamadas Symphonia armonie celestium revelationum para serem executadas nos
serviços religiosos da abadia beneditina de Rupertsberg. Esta foi destruída
durante a Guerra dos Trinta anos, mas até hoje existe o convento de Eibingen,
onde Hildegard também trabalhou e viveu. Sua maior obra musical foi o oratório
dramático Ordo Virtutum. Apesar da revolução de costumes iniciada pela religiosa,
foi necessária a passagem de quatro séculos para que a história registrasse o
surgimento de duas compositoras que alcançaram a fama.

79
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA

Francesca Caccini (1587-1645), nascida em Florença, e Barbara Strozzi (1619-


1664), natural de Veneza, representam os primórdios da atividade profissional
das mulheres no mundo da criação musical. Ambas eram filhas de músicos
talentosos, que as criaram com espírito de independência, dando-lhes estímulo
e acesso aos estudos musicais. Francesca atingiu sucesso e reconhecimento
numa época em que raríssimas mulheres atingiam essa posição. Seu pai, Giulio
Caccini, pertencia a um grupo chamado Camerata, liderado pelo compositor
Cláudio Monteverdi. Na tentativa de colocar música no drama grego, criaram o
melodrama e a técnica dos recitativos. Foi a criação da ópera italiana. Francesca
tornou-se excelente cantora, tocava harpa, alaúde e cravo. Aos 36 anos era a mais
bem paga compositora e intérprete na corte dos Médici, sendo a primeira mulher
na história a compor uma ópera – La liberazione di Ruggiero dall’isola d’Alcina.

Barbara Strozzi, filha do libretista Giulio Strozzi, estudou com Francesco


Cavalli, diretor musical da Basílica de São Marcos. Durante sua carreira, sem
necessitar do suporte da Igreja ou o patronato de um mecenas, publicou oito
Opus, contendo 125 obras vocais. Os estudiosos da música consideram Barbara
Strozzi como a criadora do gênero Cantata.

Ainda se passariam muitos anos para que outras mulheres quebrassem os


paradigmas de suas sociedades. Graças a Elisabeth Claude Jacquet de la Guerre,
Fanny Mendelssohn, Clara Schumann e Alma Mahler, o universo feminino de
compositoras passou a crescer e a ganhar destaque.

FONTE: <https://goo.gl/2ck4Vy>. Acesso em: 16 set. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• No século V as bases da música litúrgica já estavam estabelecidas. Essa música


foi o resultado da síntese de três elementos: a cultura greco-romana, cultura
celta e a cultura oriental judaico-cristã.

• Gregório Magno I (c.540-604) regulamentou e uniformizou os cânticos


litúrgicos, reorganizou também a schola cantorum, e impulsionou o movimento
que culminou na adoção de um repertório uniforme de cânticos em toda
cristandade.

• Cantochão, chamado também de canto plano, é o canto monofônico, entoado


em uníssono. As melodias quase não possuem saltos, não ultrapassam o
âmbito de uma oitava e o ritmo é baseado na acentuação tônica da língua
latina. As melodias do cantochão eram anônimas até os séculos VII e VIII, sem
acompanhamento instrumental e transmitidas oralmente.

• A composição musical medieval utiliza-se da monodia, ou seja, eram


composições de uma única voz e a música medieval profana e popular
praticamente perdeu-se, já que a maioria não foi escrita.

• A música profana na Idade Média utilizava linguagens vulgares para que as


pessoas pudessem cantar como diversão. A música profana é constituída de
canções de amor, sátiras políticas e danças acompanhadas de instrumentos
fáceis de serem transportados pelos cantores que se deslocavam de uma cidade
para outra.

• Os menestréis ou jograis eram aqueles que viajavam de palácio em palácio,


cantavam como autores ou meros executores. Tinham uma origem social
humilde, são uma categoria de músicos profissionais que começa a surgir por
volta do século X.

• Os trovadores eram músicos, poetas e compositores do sul da França.

• Os troveiros eram músicos, poetas e compositores do norte da França,


influenciados pelos trovadores.

• As cantigas de trovadores eram um pouco mais sofisticadas, com um tratamento


rítmico mais esclarecido que as dos troveiros, que eram mais bem definidas,
curtas e de fácil memorização, com uma conexão com o folclore francês.

81
• Os minnesinger eram poetas-compositores alemães que cantavam nas suas
canções o amor abstrato e o viés religioso. A música é mais sóbria e a maioria
das canções eram cantadas em compasso ternário. A melodia é mais complexa
que os textos, que incluem temas sobre o esplendor e a frescura da primavera,
cantigas de alvorada ou cantigas de vigília.

• Os sucessores dos minnesinger foram os meistersinger, dignos mercadores


e artesãos das cidades alemãs que cantavam, além das cantigas seculares
monofônicas, canções religiosas monofônicas que não eram para ser cantadas
na igreja, em língua vernácula, e um idioma melódico que deriva tanto do
cantochão eclesiástico como das canções populares.

• Os goliardos eram estudantes ou clérigos pobres que, desamparados pela


Igreja, tornavam-se itinerantes. Perambulavam pelas tavernas, portas da
universidades e lugares públicos, cantando e declamando poemas satíricos.
Satirizavam a ordem e o seu próprio modo de vida, os abusos e a corrupção da
Igreja e enalteciam o amor, a natureza, a juventude e o vinho.

• Na alta Idade Média a música instrumental estava associada ao canto ou à


dança. As danças na Idade Média são acompanhadas por canções monofônicas
e música instrumental. As formas mais populares de dança medieval eram a
Estampie, Saltarello, a Carola e a Tarantella.

• A partir do século XII, os compositores dedicaram-se à polifonia.

• Organum é considerado o início da polifonia vocal medieval. Algumas


nomenclaturas e formatos são: organum duplum, organum paralelo, organum livre,
organum melismático.

• Na Escola de Notre Dame, destacam-se Léonin (c.1159 – c.1201) e Pérotin


(c.1170 – c.1236).

• O conductus é um tipo de canção com duas a quatro vozes, texto de conteúdo


sacro, porém não litúrgico. Depois, também passou a ter conteúdo profano.
Todas as vozes cantam o mesmo texto e realizam o mesmo ritmo.

• O motete é o gênero principal da Ars Antiqua, as vozes possuíam textos


diferentes, sacros e latinos, no início, seculares e franceses após distanciar da
Igreja e da liturgia.

• No hoqueto a melodia é interrompida por pausas, em que as notas ausentes são


cantadas por outras vozes, repartindo a melodia em diversas vozes, podiam
ser vocais ou instrumentais.

82
AUTOATIVIDADE

1 A criação de sistemas de notação impulsionou a música


polifônica na Idade Média. O período da Ars Antiqua
desenvolve-se entre 1240 e 1325 e suas formas musicais
perduram até o fim da Idade Média: o conductus, o motete
e o hoqueto. Um desses gêneros era utilizado como cântico
de procissão, com até quatro vozes e o mesmo texto. Assinale a alternativa
CORRETA que apresenta o nome deste gênero musical:

a) ( ) Conductus.
b) ( ) Moteto.
c) ( ) Hoqueto.
d) ( ) Rondeau.

2 “A Idade Média, com um grau de interdependência social


menor do que períodos posteriores, não nos legou "artistas",
indivíduos que se destacassem por sua arte. Exceto por
algumas exceções, como Giotto, a arte medieval é anônima.
Na música, o maior nome do período é Guido D'Arezzo, mas
não por sua música, e sim pelas suas ideias no campo da notação musical”
(DE PAULA, 2001, p. 90). As alternativas a seguir tratam das transformações
e características musicais da sociedade medieval. Analise as afirmativas e
assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as afirmativas falsas:
FONTE: DE PAULA, Allan. Arte e sociedade. In: Revista Vernáculo, v. 1, n. 4, 2001.

a) ( ) O canto gregoriano consistiu na tentativa de uniformização de várias


práticas musicais visando à formação de uma música litúrgica padrão.
b) ( ) Os instrumentos musicais foram abolidos no canto gregoriano, devido
ao fato de sua prática estar associada à música pagã.
c) ( ) Paralelamente à música sacra de caráter litúrgico havia, ainda, no
período medieval, uma rica variedade de práticas musicais folclóricas,
danças, música para acompanhamento de rituais e música instrumental.
d) ( ) O registro da música sacra medieval deve-se ao primeiro sistema de
impressão tipográfica criado por Guttenberg.

Assinale a sequência CORRETA:


a) ( ) V, V, V, F.
b) ( ) F, V, V, F.
c) ( ) V, V, F, F.
d) ( ) F, F, V, V.

83
84
UNIDADE 2

HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE


MÉDIA AO RENASCIMENTO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o contexto social da música no final da Idade Média;

• conhecer formas musicais e compositores de destaque da Ars Nova;

• compreender os diferentes panoramas musicais franceses e italianos no


século XIV;

• conhecer os principais gêneros da Ars Nova;

• entender as diferentes gerações de compositores franco-flamengos e suas


particularidades;

• identificar a produção musical do período;

• valorizar a importância dos desenvolvimentos musicais do Renascimento;

• identificar auditivamente algumas obras musicais do período renascentista;

• conhecer os principais compositores do Renascimento.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer desta unidade, você
encontrará atividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

TÓPICO 2 – TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

TÓPICO 3 – CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

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86
UNIDADE 2
TÓPICO 1

MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

1 INTRODUÇÃO
O século XIII distingue-se significantemente do século XIV. No século XIII
a autoridade da Igreja e a figura do Papa de Roma eram respeitados e reconhecidos
em questões sobre fé, moral, questões intelectuais e políticas. Já a partir do século
XIV, a autoridade do Papa começou a ser contestada, alguns papas foram exilados
em Avignon (França) em consequência da anarquia e tumultos que aconteceram
em Roma. As críticas ao estilo de vida, muitas vezes escandaloso e corrupto do
alto clero cresceram, assim como vários movimentos divisionistas e heréticos que
antecederam a reforma protestante (GROUT; PALISCA, 2007). Também no século
XIII havia uma conciliação entre o divino e o humano, já no século XIV tendia-
se a conceber a razão humana e a revelação divina como domínios separados: A
Igreja cuidava das almas dos homens e o Estado das suas preocupações terrenas,
nenhuma dessas instâncias era superior a outra, o que será a base para a separação
da religião e da ciência, da Igreja e do Estado (GROUT; PALISCA, 2007).

No século XIV ocorreram também a peste negra (entre 1348-1350) e a


Guerra dos Cem Anos (1338-1453), que causaram descontentamentos urbanos
e insurreições camponesas. O crescimento do poder político da burguesia em
séculos anteriores acarretou, no século XIV, o declínio da aristocracia feudal. No
século XIV, a França constituiu-se de uma monarquia absoluta centralizada e a
Península Italiana dividiu-se em pequenos estados rivais que primavam pela
proteção às artes e às letras (GROUT; PALISCA, 2007). É nesse período que
há o florescimento da literatura e acontecem os primórdios do humanismo, o
ressurgimento do estudo da literatura clássica grega e latina, que influenciará no
Renascimento tardio (GROUT; PALISCA, 2007).

Artes, literatura e educação se afastam das bases religiosas, aproximando-


se de aspectos humanos da existência. Essas mudanças foram lentas e duráveis.
Na música a Ars Nova, ou arte nova ou nova técnica, é um termo que surgiu no
tratado escrito aproximadamente em 1322, pelo compositor e poeta Philippe
de Vitry, bispo de Meaux (1291-1361). Esse termo acabou designando o estilo
musical que imperou na França na primeira metade do século XIV. Em oposição
a esse estilo havia o teórico flamengo, escritor do livro Speculum musicae, Espelho
da Música (aproximadamente em 1325), que defendia a “arte antiga” do final
do século XII contra as inovações “modernas” (GROUT; PALISCA, 2007). A Ars

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

Nova defendia a aceitação da moderna divisão binária ou imperfeita da longa e


da breve em duas partes iguais, além da divisão ternária em três partes iguais
ou duas desiguais; e o uso de quatro ou mais semibreves como equivalentes
a uma breve, como foi realizado nos motetes de Petrus de Cruce (GROUT;
PALISCA, 2007).

NOTA

Petrus de Cruce foi um compositor e teórico francês do final do século XIII,


também chamado Pierre de la Croix. Era inovador e ousado, aumentou o número de
semibreves subdividindo a breve de dois ou três, de quatro para nove, e separou esses
grupos de semibreves uns dos outros por meio de um ponto de divisão, o punctus divisionis.
Introduziu valores de notas menores que a semibreve oficialmente reconhecida. Sua
música teve uma liberdade rítmica inigualável e suas inovações foram transformadas por
compositores e teóricos do século XIV nas quatro prolações da Ars nova (New Catholic
Encyclopedia, 2018)

Alguns historiadores defendem a Ars Nova como uma continuidade da


Ars Antiqua, porém para Medaglia (2008) é uma atividade musical do século XIV
que possui essa nomenclatura para distinguir-se do antigo movimento musical.
“A Ars Nova foi um movimento marcado pela Guerra dos Cem Anos e pela Peste
Negra, provocando para o autor a degradação dos costumes e da cultura desses
países” (MEDAGLIA, 2008, p. 30). É preciso esclarecer que a Ars Nova se refere à
música realizada na França no século XIV, enquanto a música realizada na Itália
é chamada de Trecento, como veremos a seguir.

DICAS

Para se ambientar ao Renascimento, por que não assistir a um filme?


O filme 1492: A Conquista do Paraíso (1992) conta a trajetória de Cristóvão Colombo, desde
a sua descoberta de que o mundo era redondo, passando por sua busca em conseguir
apoio financeiro da Coroa Espanhola para sua expedição, o “descobrimento” da América, o
comportamento europeu em relação aos habitantes do Novo Mundo e a luta de Colombo
para colonizar um continente, chegando até à sua velhice.

88
TÓPICO 1 | MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

2 ARS NOVA NA FRANÇA


A música profana destaca-se no século XIV. O motete, antes uma forma
sacra, já estava secularizado antes do século XIII, ampliando essa tendência no
decorrer do século XIV. O poema satírico “Le Roman de Fauvel” é o documento
musical francês mais antigo do século XIV, datado de 1310 a 1314, é um manuscrito
repleto de iluminuras que contém 167 peças de música. Esse documento é uma
antologia da música do século XIII e início do século XIV (GROUT; PALISCA,
2007). Acredita-se que “Le Roman de Fauvel” foi escrito pelo clérigo da monarquia
francesa Gervais de Bus, nessa época a França estava sob o domínio de Philippe
IV, O Justo, que mudou a sede da Igreja de Roma para Avignon e conduziu uma
campanha de aniquilação da ordem dos Cavaleiros Templários. O poema conta a
história de um cavalo, Fauvel, cujo nome é um acrônimo para os pecados capitais
Lisonja (Flatérie), Avareza, Depravação (Vilanie, em tempos medievais soletrado
com a letra u), Inconstância (Variété), Inveja (Envie) e Covardia (Lascheté); além de
fauve ser uma cor que está entre o cinza, marrom e bege.

Em Le Roman de Fauvel, a música em sua maioria é monofônica e anônima


e algumas dessas peças são do final do século XII. Entre os compositores
conhecidos estão Philippe de Vitry, Adam de la Halle e Jehannot de l’Escurel. Os
tipos de composição são variados, conductus, baladas, cânticos, antífonas, outros
tipos de obras e, com destaque, os motetes. No século XIV, o motete tornou-se a
composição típica para a celebração de solenidades importantes, eclesiásticas e
seculares, até metade do século XV.

DICAS

Poema satírico, Le Roman de Fauvel possui duas partes e teve uma versão
retrabalhada e enriquecida em 1316 por Raoul Chaillou de Pessain, que incluiu 167 interpolações
musicais, formando um importante conjunto de canções monofônicas e polifônicas, em
grande parte anônimas. Uma dessas peças é Floret Fex Favellea, que você pode escutar no
seguinte endereço: <https://youtu.be/jzF5W6xAgXQ>.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

FIGURA 1 – LE ROMAN FAUVEL

FONTE: <http://i42.servimg.com/u/f42/12/92/42/38/6port490.jpg>. Acesso em:04 fev. 2019.

2.1 PHILIPPE DE VITRY E A NOTAÇÃO


Também conhecido como Phillipus De Vitriaco (1291-1361), viveu na
França, foi poeta, filósofo, crítico, teórico da música, cantor, compositor e bispo. Foi
considerado um importante intelectual de seu tempo e, como vimos, foi o autor do
tratado de música Ars Nova (c.1320), que abordou os aspectos teóricos da música
francesa na primeira metade do século XIV, explicou novas teorias da notação
mensural, o uso de notas “coloridas” e a introdução de símbolos de duração ao
novo sistema notacional (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2018).

O tratado de Vitry não é uma compilação de possibilidades teóricas, mas


explica a prática comum entre os compositores na época. A nova ideia rítmica é um
desenvolvimento do que já acontecia na Ars Antiqua, em que a rítmica modal foi
sendo substituída pela rítmica mensurada, baseada na subdivisão proporcional
dos valores das notas e pausas. Na Ars Antiqua as figuras eram divididas em três
partes iguais, assim como a divina trindade, em que a longa valia três breves,

90
TÓPICO 1 | MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

a breve valia três semibreves, e a semibreve valia três semínimas. Na Ars Nova
estabeleceu-se o Modo Perfeito e o Modo Imperfeito. No Modo Perfeito, em que a
longa valia três breves, e o Modo Imperfeito, em que a longa valia duas breves. O
Tempo Perfeito, onde a breve valia três semibreves, e o Tempo Imperfeito, onde a
breve valia duas semibreves. Na Prolação Perfeita a semibreve valia três mínimas
e na Prolação Imperfeita a semibreve valia duas mínimas. Os termos Modo,
Tempo e Prolação são utilizados na época apenas como uma nomenclatura para
subdivisão da longa, breve e semibreve, respectivamente, não tendo o mesmo
significado dos termos atualmente.

FIGURA 2 – NOTAÇÃO NA ARS NOVA

Notação Ars Nova Equivalente moderno

Perfeito
Modos
Imperfeito

Perfeito
Tempos
Imperfeito

Perfeito
Prolações
Imperfeito

FONTE: <https://goo.gl/72NGCX>. Acesso em: 22 out. 2018.

A indicação da perfeição ou imperfeição do Modo, do Tempo ou da


Prolação era realizada por um complexo sistema de sinais no início da partitura
e foi nessa época que surgiu o ponto para indicar a subdivisibilidade em três,
ficando por vezes conhecido como o “ponto de perfeição”, sendo que o ponto
aparecia na armadura de clave e não depois da nota, como atualmente. Com
o decorrer do tempo, abandonaram-se os sinais originais para indicar o modo
perfeito e imperfeito, utilizando-se sinais simplificados para o tempo e prolação,
o círculo indicava o tempo perfeito e um semicírculo, o tempo imperfeito; um
ponto dentro do círculo ou semicírculo indicava a prolação maior e a ausência
de um ponto a prolação menor (GROUT; PALISCA, 2007), como é possível ver
a seguir:

91
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

FIGURA 3 – SINAIS DE TEMPO E PROLAÇÃO

FONTE: <http://www.emusicarte.es/plugins/ckfinder/userfiles/1/images/compases-ars-nova.
jpg>. Acesso em: 22 out. 2018.

QUADRO 1 – ARS NOVA – SINAIS DE MENSURAÇÃO

Modo Divisão da Longa

Tempo Divisão da Breve

Divisão da Semibreve
Prolação
Maior e Menor

FONTE: A autora.

Outra forma utilizada para indicar a mudança de perfeito para imperfeito


era o uso de cores diferentes. O vermelho era a cor mais usual e as cores eram
utilizadas para sinalizar que as notas deviam ser cantadas com metade, ou
outra fração do seu valor normal, entre outros fins (GROUT; PALISCA, 2007). A
maior parte da produção musical de Vitry perdeu-se e as peças existentes foram
publicadas por Leo Schrade em Polyphonic Music of the 14th Century, vol. 1, em
1956 (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2018).

92
TÓPICO 1 | MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

FIGURA 4 – NOTAÇÃO NA ARS NOVA

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d7/Eton_Choirbook.jpg>.
Acesso em: 04 fev. 2019.
Nota: Eton Choirbook, Englaterra, cerca de 1490, do livro John Brown: Music of
the Eton Choirbook.

DICAS

O repertório de Vitry perdeu-se e é difícil determinar quais peças musicais


realmente pertencem a ele, já que no século XIV a maioria das músicas era transmitida
anonimamente. Dessa forma, ouça Vos quid admiramini, de Philippe De Vitry, executada
pelo The Orlando Consort em: <https://youtu.be/tiz2Mtj__aI>.

2.2 MOTETE ISORRÍTMICO


Philippe De Vitry foi um dos primeiros a utilizar o motete isorrítmico. O
motete isorrítmico (mesmo ritmo) é um estilo de composição polifônica, como o
motete. Porém, no isorrítmico surgem novos padrões rítmicos denominados talea
e padrões melódicos, denominados color. Portanto, taleas são estruturas rítmicas
repetidas em duas ou mais partes da música e colores são estruturas melódicas
repetidas na música. No motete isorrítmico, o tenor era construído baseado na
repetição de intervalos melódicos (color) e estrutura rítmica (talea), combinadas
de diferentes maneiras e repetidas ao longo da peça musical. As repetições da
color não obrigatoriamente coincidiam com as da talea. Outras vozes também
podiam ser escritas em isorritmo, sendo denominado como pan-isorritmia.
93
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

DICAS

O motete Nuper rosarum flores, composto por Guillaume Dufay entre o final
de 1435 e o início de 1436, é construído sobre o tenor gregoriano Terribilis est locus iste. O
motete é um dos exemplos típicos da música flamenga construída sobre padrões geométricos
rigorosos, baseados em relações numéricas predeterminadas. Ainda é incerto se as relações
numéricas usadas por Dufay são independentes ou se derivam diretamente das relações
da Catedral de Florença ou das relações da cúpula de Brunelleschi. Porém, a sequência de
números é a base da estrutura geral da música, dividida em quatro seções, cujas durações
correspondem a uma sequência 6-4-2-3. A primeira apresentação do motete foi realizada
durante a celebração da consagração da Catedral de Florença, dedicada a Santa Maria del
Fiore, ocorrida em 25 de março de 1436 pelo Papa Eugênio IV (Trachtenberg, 2001). Ouça
esse motete em uma gravação do grupo Huelgas Ensemble presente no álbum Guillaume
Dufay: O Gemma Lux de 2000: <https://youtu.be/P9yzTTwAj5U>.

FIGURA 5 – MOTETE ISORRÍTMICO – GUILLAUME DUFAY – NUPER ROSARUM FLORES

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Dufay_Nuper_rosarum_flores.jpg>.
Acesso em: 04 fev. 2019.

A isorritmia não foi uma invenção ocorrida no século XIV, porém


expandiu-se nesse século e no seguinte, de uma forma cada vez mais complexa. A
isorritmia possui uma estrutura muitas vezes pouco perceptível, porém capaz de
dar coerência ao conjunto de uma peça. O fato de ser pouco perceptível e habitar
de certo modo o reino da abstração adequa-se ao gosto pelos sentidos ocultos, é
uma característica de toda a música da Idade Média e do Renascimento (GROUT;
PALISCA, 2007).

94
TÓPICO 1 | MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

2.3 GUILLAUME DE MACHAUT


Guillaume de Machaut (c. 1300-1377) foi um dos mais importantes
compositores da Ars Nova na França. Foi poeta e músico, sacerdote, secretário do Rei
João da Boêmia e cônego de Reims. Em seu repertório musical utilizou quase todas
as formas musicais do seu tempo, combinando assim tendências conservadoras e
progressistas. A maioria de seus 23 motetes segue o modelo tradicional, com um
tenor litúrgico instrumental e textos diferentes para as duas vozes mais agudas. Os
motetes de Machaut demonstram uma tendência à secularização, maior duração e
maior complexidade rítmica (GROUT; PALISCA, 2007).

As cantigas monofônicas de Machaut são consideradas um prolongamento


da tradição dos troveiros na França. Entre elas estão 19 lais, uma forma do século
XII semelhante à sequência, e aproximadamente 25 cantigas, a que ele deu o nome
de chansons balladées, designado popularmente de virelai. Escreveu também sete
virelais polifônicos a duas vozes e um a três vozes. Quando há duas vozes, o solo
vocal é acompanhado por um tenor instrumental mais grave.

DICAS

Machaut compôs o virelai monofônico Ay mi! Dame de valour, que em sua


forma simples é composto de uma estrofe rimada de dois versos, seguida por um refrão ou
estrofe musical repetitiva (com letras diferentes), adequados para a repetição do coral. Ouça
a interpretação de Marc Mauillon em: <https://youtu.be/H3sT8Tla02o>.

Machaut destacou-se nos virelais, rondeaus e baladas polifônicas, as


chamadas formas fixas, em que explorou as possibilidades da nova divisão
binária de tempo. Uma das realizações de destaque de Machaut foi o
desenvolvimento do estilo balada ou cantilena, estilo exemplificado nos seus
rondeaus e virelais polifônicos, além das ballades notées, que se distinguem das
baladas poéticas sem música.

DICAS

A forma rondeau era muito utilizada na Idade Média. Os rondeaus de Machaut


são sofisticados e um deles destaca-se pela maestria: Ma fin est mon commencement et mon
commencement ma fin (O meu fim é o meu começo e meu começo, meu fim). A melodia
do tenor é a mesma da voz aguda, só que cantada do fim para o começo, e a melodia da
segunda metade do contratenor é a inversão da primeira metade (GROUT; PALISCA, 2007).

95
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

Ouça e veja esse vídeo, com a interpretação de Charles Daniels, Angus Smith e Don Greig do
álbum Machaut: Dreams In The Pleasure Garden, que demonstra o esquema dessa música
em: <https://youtu.be/dcfPr4IN2MM>.

LETRA DE MA FIN EST MON COMMENCEMENT ET MON COMMENCEMENT MA FIN

Versão em francês Tradução

A. Ma fin est mon commencement A. Meu fim é o meu começo


B. Et mon commencement ma fin. B. E meu começo meu fim

a. Et ceneure vraiement a. E isso é verdade,


A. Ma fin est mon commencement. A. Meu fim é o meu começo

a. Mes tiers chans trois fois seulement a. Minha terceira melodia apenas três vezes
b. Se retrograde et einse fin. b. Se inverte e assim termina.

A. Ma fin est mon commencement A. Meu fim é o meu começo


B. Et mon commencement ma fin. B. E meu começo, meu fim.

FONTE: A autora.

Guillaume de Machaut é responsável pela composição musical mais


famosa do século XIV, a Missa de Notre Dame, composta antes de 1365, um arranjo
a quatro vozes do Ordinário da missa, um exemplo de destaque de contraponto
medieval. Essa missa é importante por suas proporções amplas e pela textura a
quatro vozes, incomum na época, além de ter sido concebida como um todo musical
(GROUT; PALISCA, 2007). Essa missa foi escrita como parte da comemoração da
Virgem, realizada pelos irmãos Machaut em Reims, e foi destinada a performance
em um ambiente menor por solistas especializados. Essa missa é o exemplo mais
antigo de um único compositor e com esse grau de unidade. Embora os cantus
firmus variem, gestos de abertura e figuras motívicas confirmam a natureza cíclica
do trabalho (MCCOMB, 1998).

DICAS

Ouça a Missa de Notre Dame interpretada por Ensemble Organum em:


<https://youtu.be/1gEV42RKf6E>. Ela está dividida em: 1. Introito: parte do próprio, cantochão
em uníssono. 2. Kyrie: parte do ordinário, polifonia cantus firmus. 3. Glória: parte do ordinário,
polifonia silábica. 4. Gradual: parte do próprio, cantochão em uníssono. 5. Aleluia: parte do
próprio, cantochão em uníssono. 6. Credo: parte do ordinário, polifonia silábica. 7. Ofertório:
parte do próprio, cantochão em uníssono. 8. Prefácio: parte do próprio, cantochão em
uníssono. 9. Sanctus: parte do ordinário, polifonia cantus firmus. 10. Agnus Dei: parte do
ordinário, polifonia cantus firmus. 11. Comunhão: parte do próprio, cantochão em uníssono.
12. Ite, missa est: parte do ordinário, cantochão em uníssono.

96
TÓPICO 1 | MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

As composições sacras de Machaut são a minoria de sua produção


musical. O declínio da produção de música sacra é uma tendência desse período
devido, como já conversamos, ao declínio da influência da Igreja e à crescente
secularização das artes. A própria Igreja, a partir do século XII, posiciona-se
contra a música mais complicada e ao virtuosismo de cantores, pois acreditava-
se que essas demonstrações distraíam os espíritos da congregação e tendiam a
transformar a missa em um concerto, dificultando o entendimento das palavras da
liturgia. Essa visão desencorajou a composição polifônica. Contudo, a composição
de motetes e partes da missa continuava desenvolvendo-se, principalmente na
França (GROUT; PALISCA, 2007).

3 MÚSICA DO TRECENTO ITALIANO


A música italiana do século XIV, chamada de Trecento, possui uma
trajetória diferente da música francesa desse período, por causa das diferentes
atmosferas sociais e políticas. Enquanto a França vivia com a estabilidade e poder
em crescimento da monarquia, a Itália era, nesse período, uma coleção de cidades-
estados em meio a disputas de poder. A polifonia estava ligada aos círculos de
elite e a compositores ligados à Igreja, aqueles que possuíam conhecimento de
notação e contraponto. Todo o restante da música não era escrito e durante a Idade
Média, na Itália e no restante da Europa, foram realizadas canções folclóricas,
acompanhadas por instrumentos e dança, que não se conservaram. A polifonia
sacra italiana do século XIV era baseada na improvisação e os principais centros
musicais eram Bolonha, Pádua, Modena, Perugia e, com destaque, Florença
(GROUT; PALISCA, 2007).

Através de obras literárias como Decameron e Paradiso degli Alberti, de


Boccaccio e Giovanni da Prato, respectivamente, sabe-se que a música vocal e
instrumental acompanhava quase todas as atividades da vida social italiana.
Os exemplos de polifonia italiana que se conservaram, em sua maioria, datam a
partir de 1330, sendo uma de suas mais famosas fontes o códice Squarcialupi. Antes
desse período, pouco dessa música foi registrada (GROUT; PALISCA, 2007). A
notação italiana utilizava-se de uma sexta linha na pauta e eram consideradas
consonâncias os uníssonos, quintas e oitavas; as terças eram consideradas
dissonâncias.

Francesco Landini destaca-se como o compositor italiano dessa época.


Considerado o maior compositor de ballate e o mais renomado músico italiano
do século XIV, ficou cego na infância como consequência da varíola, tornou-se
poeta conhecido e mestre na teoria e prática da música, sendo um virtuose em
muitos instrumentos, entre eles o organetto, pequeno órgão portátil. Landini não
escreveu música para textos sagrados, compôs ballate a duas e três vozes, cacce
(plural de caccia) e madrigais.

97
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

A interpretação da música no século XIV não possuía um modo uniforme


ou fixo. O fato de uma parte não ter texto não queria dizer que seria instrumental,
muitas vezes a letra estava em outro manuscrito. Assim, também a existência
de letra não excluía a interpretação instrumental. Era possível que houvesse
a duplicação instrumental de uma melodia cantada e a alternância entre
instrumento e voz. Há indícios, inclusive, de que as peças vocais eram tocadas
instrumentalmente. Ao final do século XIV, a música composta por italianos
começou a perder as suas características nacionais e absorver o estilo francês
contemporâneo. Isso aconteceu especialmente após o regresso da corte papal
de Avignon para Roma, em 1377. Passou-se a escrever canções sobre os textos
franceses e em formas francesas, e muitas vezes com a notação francesa. A partir
de 1390, época em que o compositor e teórico Johannes Ciconia (c. 1340-1411), de
Liège, instalou-se em Pádua (Itália), iniciando a vinda para a Itália de músicos
flamengos, franceses e espanhóis, a influência desses músicos contribuiu para o
cenário musical italiano (GROUT; PALISCA, 2007).

A Ars Nova italiana possuía três gêneros: madrigal, caccia e ballata.


A caccia é um tipo de madrigal composto por duas vozes em fuga como na
canção contemporânea francesa; a ballata possuía efeitos contrapontísticos mais
cuidadosos e efeitos harmônicos complexos; o madrigal medieval aplicava
novas experiências composicionais com efeitos de onomatopeias (GROUT;
PALISCA, 2007).

3.1 MADRIGAL
O conceito de madrigal aparece pela primeira vez com Francisco da
Barberino (1313) (CUSICK, 1980). Os madrigais eram normalmente escritos
para duas vozes com textos pastoris, amorosos ou poemas satíricos com duas
ou três estrofes de três versos. As estrofes possuíam a mesma música e ao final
das estrofes possuíam um par de versos adicionais (refrão), chamado de ritornelo,
com música e compasso diferentes. O madrigal possuía passagens melismáticas
(variações de notas em uma mesma sílaba) decorativas no fim e, às vezes, no
início dos versos (GROUT; PALISCA, 2007).

O primeiro estágio de desenvolvimento do madrigal aparece no Rossi


Codex, uma coleção musical datada de, aproximadamente, 1350 ou anterior,
compilada por volta de 1370 (TOLIVER, 1992). A música movia-se de maneira
livre e improvisada em relação ao texto. O madrigal alcançou a sua forma final
por volta de 1340 (CUSICK, 1980). Acredita-se que não tenha sido uma forma
tão popular como o madrigal do século XVI, com características diferenciadas.
Destacam-se no uso do madrigal compositores como Magister Piero, Giovanni
da Cascia e Jacopo da Bologna. A partir de 1360 o número de madrigais começou
a diminuir pelo uso da ballata, polifônica nessa época. Após 1415, o madrigal
desapareceu, porém ainda apareceram versões instrumentais (CUSICK, 1980).

98
TÓPICO 1 | MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

DICAS

Ouça o madrigal Fenice Fu, uma das últimas composições do autor florentino
Jacopo da Bologna. Fenice Fu é uma composição de duas vozes e profana. Acesse em:
<https://youtu.be/r8EikqtlB_w>.

3.2 CACCIA
A caccia é baseada em um poema com o tema de caça, em que um cânone
era aplicado. A melodia que acompanhava era popular e cantada por duas vozes
iguais. No cânone a primeira voz iniciava a canção com um trecho melódico que,
quando terminado, era repetido na segunda voz enquanto a primeira iniciava
outro trecho melódico, assim os trechos eram sobrepostos. A caccia italiana
diferencia-se da caccia francesa, que possuía três vozes e, ao contrário do madrigal,
que abordava o tema de amor, a caccia descrevia com vivacidade e cores as cenas
de perseguição e assédio, falcões e matilhas. A caccia italiana destaca-se no período
que vai de 1345 a 1370 e, ao contrário das peças francesas e espanholas do mesmo
tipo, tinha um suporte instrumental livre, mais grave e um ritmo mais lento. No
século XV a caccia já havia desaparecido e não aparece antes de 1300, a primeira
menção italiana é feita no tratado anônimo Capitulum de vocibus applicatis verbis,
de 1332 (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

Ouça a caccia de Gherardello da Firenze (c. 1350) intitulada Tosto che l'alba
(Assim que o amanhecer aparecer) em: <https://youtu.be/ok4VOFvLE2Y>.

Detalhes como gritos, canto das aves, toques de trompa, exclamações,


entre outros, eram realizados através do hoqueto e de efeitos de eco. Esses
processos realistas foram adaptados para o madrigal e a ballata italianos, assim
como ocorreu com o virelai francês (GROUT; PALISCA, 2007). Acredita-se que a
caccia era realizada para o público cortês e não para as pessoas comuns, devido
ao refinamento, floreado e ritmos complexos e por não serem adequadas a serem
interpretadas por menestréis itinerantes nas praças das cidades.

99
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

NOTA

O tema da caccia italiana versava principalmente sobre o mundo da caça, às


vezes havia versos sobre histórias de amor, como na caccia Nel boscho senza foglie, de
Giovanni da Firenze, que aborda o comportamento do caçador em direção à lebre, sugerindo,
na realidade, a presença feminina:

Na floresta sem folhas, enquanto perseguia uma perdiz exausta,


De repente cruzei uma lebre branca,
Sua deliciosa beleza me fez esquecer o pássaro
E persegui a lebre com meus cães.
Quando ela viu os cachorros, ela entrou em uma caverna
Onde foi pega tremendo de medo.
Eu a peguei em meus braços e a beijei,
Eu nunca havia pegado uma peça tão doce antes (CORSI, 1970, p. 16, tradução nossa).

Ouça essa caccia em uma interpretação do álbum Insula feminarum: Résonances médiévales
de la féminité celte: <https://youtu.be/V9Lr8UnLJ-4>

3.3 BALLATA
A ballata polifônica floresceu depois do madrigal e da caccia e foi
influenciada pelo estilo das baladas francesas. A palavra ballata significa canção
para acompanhar a dança. As ballate (plural de ballata) do século XIII eram cantigas
de danças monofônicas com refrãos corais, porém não sobreviveram exemplos
musicais dessas músicas. A ballata italiana diferencia-se da balada francesa, que
eram composições muito elaboradas, raramente dançadas. A ballata era uma
forma fixa, mesmo com número indeterminado de versos.

Ao contrário dos madrigais e caccie (plural de caccia), a ballata tem duas


seções quase com o mesmo tamanho e não possui um contraste marcante,
porém a característica marcante está no fato de as melodias das ballate serem,
em sua maioria, muito simples e pouco elaboradas. Nas ballate existem melismas
(variações de notas em uma mesma sílaba), mas são mais curtos que nos madrigais.
Conservaram-se algumas ballate monofônicas datadas do início do século XIV, a
maioria são para duas ou três vozes, com uma forma semelhante ao virelai francês
(GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

Ouça a ballata Questa fanciull, amor, de Francesco Landini em: <https://


youtu.be/72382CEwDoM>. Acompanhe com a partitura. Essa interpretação foi realizada pelo
Ensemble La Reverdie.

100
TÓPICO 1 | MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

FIGURA 6 – PARTITURA – QUESTA FANCIULL', AMOR

101
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

1 (A) Questa fanciulla'amor fallami pia 5 (A) Questa fanciulla'amor


che mi ha ferito il cor nella tua via.
6 (B) Se non soccorri alle dogliose pene
2 (B) Tu m'hs fanciulla si' d'amor percosso il cor mi verra' meno che tu m'a tolto,
che soso in te pensando trovo posa
7 (B) Che la mia vita non sente ma'bene
3 (B) El cor di me da me me tu m'ha rimosso se non mirando 'I tuo vezzoso volto.
cogli occhi belli e la laccia gioiosa
8 (A) Da poi fanciulla che d'amor m'a involto
4 (A) Pero ch'al servo tuo deh sie piatosa priego ch'alquanto a me beningnia sia.
merce ti chiegho alla gran pena mia.
9 (A) Questa fanciull' amor ....

FONTE: <https://www.cpdl.org/wiki/images/f/fe/Landini_questafanciulla.pdf>.
Acesso em: 26 out. 2018.

4 MÚSICA FRANCESA NO FINAL DO SÉCULO XIV


A corte papal de Avignon é um dos centros mais importantes de
composição musical profana, ao invés de música sacra, um dos paradoxos desta
época. Nessa época floresceu a sociedade cavalheiresca e a música era composta
por baladas, virelais e rondeaus para voz solo com suporte instrumental de um
tenor ou contratenor. Acredita-se que a maioria dos textos tenha sido escrita pelos
próprios compositores, abordando acontecimentos e personalidades da época,
além de cantigas de amor. A produção musical refletia a sociedade aristocrática
que condizia, inclusive, com o aspecto visual dos manuscritos, repletos de
decorações complicadas, com notas negras e vermelhas combinadas, além de
ideias, como escrever um canon em forma circular ou uma canção de amor em
forma de coração (GROUT; PALISCA, 2007).

102
TÓPICO 1 | MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

FIGURA 7 – CANON CIRCULAR DO MANUSCRITO CHANTILLY, MUSEU CONDÉ. CANÇÃO DE


BAUDE CORDIER

FONTE: <https://goo.gl/pcVPya>. Acesso em: 27 out. 2018.

FIGURA 8 – RONDEAU BELLE, BONNE, SAGE. MANUSCRITO CHANTILLY, MUSEU CONDÉ.


CANÇÃO DE BAUDE CORDIER

FONTE: <https://goo.gl/Wqd9x4>. Acesso em: 27 out. 2018.

103
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

Uma característica da música profana francesa do final do século XIV


é a flexibilidade rítmica, o tempo subdivide-se de muitas maneiras diferentes,
a complexidade rítmica aparece em toda a música francesa dessa época, com
compassos e agrupamentos contrastantes e harmonias interligadas com essa
complexidade. Essa música sofisticada das cortes do Sul da França era destinada
a ouvintes cultos e intérpretes profissionais, e começou a decair nos anos
finais do século XIV. No Norte da França, nas últimas décadas do século XIV,
a música era uma polifonia profana mais simples, realizada por corporações
de músicos herdeiros da tradição dos troveiros. Os poemas eram populares,
sobre sentimentos polidos de amor cortês e cenas realistas de caçadas. A música
tinha frescor, com ritmos vigorosos e simples, semelhantes a canções folclóricas
(GROUT; PALISCA, 2007).

5 MÚSICA FICTA
A expressão música ficta, ou música falsa, fingida, inventada, refere-se à
utilização de notas musicais, como as notas mi bemol e o fá sustenido, que não
faziam parte da gama definida há muito tempo por Guido d'Arezzo, não tinham
"vox" predefinida, ou posição dentro de um hexacorde. Assim, para encontrar
um lugar para eles entre os cânticos tradicionais, era necessário imaginar um
hexacorde que os contivesse, um que pudesse ser "fictício" em relação à teoria
oficial da música, porém com um conteúdo sonoro apresentável aos sentidos e,
a esse respeito, totalmente real (TARUSKIN, 2018). Mas é preciso deixar claro
que a música ficta pode envolver tanto as alturas naturais quanto alturas com
acidentes cromáticos, ela é a prática escrita e performática de aplicar acidentes
que não são anotados explicitamente na notação original, seguindo as convenções
estabelecidas nos primeiros escritos musicais (DUMITRESCU, 2017).

NOTA

O hexacorde é uma série de seis notas, exibidas em uma escala. Esse termo foi
adotado durante a Idade Média e adaptado no século XX, na teoria serial de Milton Babbitt.
Também é um termo utilizado em teoria musical até o século XVIII para designar o intervalo
de sexta (maior e menor) (HOLDER, 1967).

104
TÓPICO 1 | MÚSICA FRANCESA E ITALIANA DO SÉCULO XIV

A terminologia de música ficta era utilizada inicialmente, entre os séculos


XII e XVI, em oposição à música reta ou música vera, verdadeira, para nomear
as extensões falsas do sistema de hexacordes contidas na Mão Guidoniana, como
vimos. Essas notas fora do sistema modal eram utilizadas em uma determinada
peça com o objetivo de evitar intervalos harmônicos ou melódicos desagradáveis.
Em transcrições modernas de músicas, as notas são quase sempre indicadas com
acidentes, já que nem sempre cantores modernos têm o tipo de treinamento dado
aos cantores daquela época.

FIGURA 9 – MÚSICA FICTA

FONTE: <http://www3.artez.nl/musictools/muziekgeschiedenis_new/middeleeuwen/img/
musica_ficta.gif>. Acesso em: 27 out. 2018.

Quando se fala de interpretação da música antiga e a utilização da


música ficta, há muitas discordâncias entre os estudiosos sobre as convenções
e prioridades na performance que devem ser observadas. Para isso, estudiosos
recorrem a tratados, mas há muito espaço para ambiguidades (DUMITRESCU,
2017). Nos últimos 60 anos há um grande movimento de estudo sobre a música
ficta e sua interpretação, já que nem sobre a teoria ou sobre a prática há fontes
que fornecem uma imagem unificada dos procedimentos relativos ao seu uso
(HERLINGER, 2010).

105
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A partir do século XIV, a Igreja perde poder e começa a se destacar a música


profana em detrimento da sacra.

• Philippe De Vitry foi considerado um importante intelectual de seu tempo e


contribuiu para a teoria musical, destacando-se a nova ideia rítmica.

• Na Ars Nova estabeleceu-se o Modo Perfeito e o Modo Imperfeito. O Tempo


Perfeito, o Tempo Imperfeito e as Prolações Perfeita e Imperfeita são termos
utilizados na época apenas como uma nomenclatura para subdivisão da longa,
breve e semibreve, respectivamente.

• Utiliza-se nessa época o motete isorrítmico, um estilo de composição polifônica,


com novos padrões rítmicos, denominados talea, e padrões melódicos,
denominados color.

• Guillaume de Machaut (c. 1300-1377) foi um dos mais importantes compositores


da Ars Nova na França. Utilizou quase todas as formas musicais do seu tempo,
combinando assim tendências conservadoras e progressistas.

• A música italiana do século XIV, chamada de Trecento, possui uma trajetória


diferente da música francesa desse período, por causa das diferentes atmosferas
sociais e políticas. A polifonia sacra italiana do século XIV era baseada na
improvisação.

• A Ars Nova italiana possuía três gêneros: madrigal, caccia e ballata. As formas
fixas eram gêneros não só musicais como literários: o virelai, a ballata e o rondeau.

• A música do final do século XIV refletia a sociedade aristocrática que condizia,


inclusive, com o aspecto visual dos manuscritos, repletos de decorações.

• A complexidade rítmica também se destaca ao final do século XIV.

• Música ficta refere-se à utilização de notas musicais que não faziam parte da
gama definida há muito tempo por Guido d'Arezzo. Podia envolver tanto
as alturas naturais quanto alturas com acidentes cromáticos. A música ficta
tornava a linha melódica mais flexível.

• Por volta de 1400 os dois estilos musicais da França e da Itália, originalmente


bem distintos, começam a fundir-se num só.

106
AUTOATIVIDADE

1 (UFSC, 2010) A Ars Nova foi um período de grandes


transformações na música. Nesse período houve uma
emancipação do ritmo e a afirmação de um sentimento
harmônico. Assinale a alternativa CORRETA. Autor da Messe
de Notre Dame, considerada a primeira missa polifônica homogênea, o
compositor de maior destaque da Ars Nova foi:

a) ( ) Guillaume Dufay.
b) ( ) Josquin Des Prez.
c) ( ) Guillaume de Machaut.
d) ( ) Pérotin.

2 (UFPB 2009) Com relação ao termo Ars Nova, julgue as


assertivas a seguir:

I – Ars Nova foi o título de um tratado escrito por volta de 1322


pelo compositor Philippe de Vitry.
II – O termo foi usado para designar o estilo musical que imperou na França
na primeira metade do século XIV, o qual trouxe diversas inovações, dentre
elas, a sistematização da notação rítmica, de modo a favorecer o uso da divisão
binária (da longa e da breve), além da tradicional divisão ternária.
III – O motete isorrítmico é típico da Ars Nova.
IV – Os compositores franceses Léonin e Pérotin contribuíram para a música
da Ars Nova com a invenção dos modos rítmicos.
V – Um dos mais celebrados compositores associados à Ars Nova é Guillaume
de Machaut.

Estão CORRETAS as alternativas:


a) ( ) As alternativas I, II, III e V estão corretas.
b) ( ) As alternativas II, III e V estão corretas.
c) ( ) As alternativas I, IV e IV estão corretas.
d) ( ) As alternativas I e IV estão corretas.

107
108
UNIDADE 2 TÓPICO 2

TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

1 INTRODUÇÃO
A transição entre Idade Média e a Renascença acontece por volta da
Guerra dos Cem Anos (1337-1453). As estruturas feudais entram em decadência,
há o crescimento do pensamento livre e individualista que favorece o espírito
científico, em contraste com as superstições medievais.

Na primeira metade do século XV, os pintores descobrem a perspectiva,


os arquitetos compõem a luz e as sombras, fazem as fachadas cantar
e dispõem suas construções harmoniosas em paisagens urbanas
concebidas para o prazer, os poetas e músicos buscam a suavidade
na perfeição técnica, enquanto uma curiosidade fecunda estimula os
intercâmbios internacionais e as aspirações humanistas [...] (CANDÉ,
1994, p. 306).

O período da Renascença engloba os anos de 1450 a 1600, aproximadamente.


Durante esse período, artistas e escritores voltaram-se igualmente para temas
profanos e religiosos, tendo como objetivo tornar suas obras compreensíveis
e agradáveis aos homens, é o período de valorização das referências culturais
da Antiguidade Clássica. O Renascimento foi um movimento cultural geral
que envolveu diversos países e, por isso, não é possível definir um estilo
musical renascentista único (GROUT; PALISCA, 2007). Marca do Renascimento
é o Humanismo, movimento que consistia em uma volta da sabedoria da
Antiguidade, especialmente na gramática, retórica, poesia, história e filosofia
moral. A música foi afetada por esse movimento mais tarde do que outras artes.
Além do Humanismo, outro aspecto contribuiu no cenário musical, a Reforma
iniciada por Martinho Lutero e, depois, a Contrarreforma, instituída pelo
Concílio de Trento (CAVINI, 2011). O Renascimento tem como características: o
humanismo; o cientificismo; a valorização da cultura greco-romana e a liberdade
de circulação de ideias (GROUT; PALISCA, 2007).

Não é possível determinar com exatidão o final de um período histórico-


artístico e início de outro. O início de um novo movimento artístico não significa
o abandono de tudo o que existiu antes. Dessa forma, o início do Renascimento
manteve a tradição musical medieval e, ao mesmo tempo, trouxe a experiência

109
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

da redescoberta da cultura greco-romana (CAVINI, 2011). A redescoberta da


antiga cultura greco-latina afetou a Europa e a música nos séculos XV e XVI.
Como destacamos na Unidade 1, não é possível ter um contato com a própria
música da antiguidade, como é possível com monumentos arquitetônicos, a
escultura e a poesia. Mas foi possível repensar a música através das obras dos
antigos filósofos, poetas, ensaístas e teóricos musicais (GROUT; PALISCA, 2007).
Iniciam-se mudanças sobre as relações de consonância-dissonância, afinação,
escolha dos modos e associação música-texto, que mudaram a música, mas não
de um momento para o outro (CAVINI, 2011).

O Renascimento teve início no século XV na Itália, dividida em


cidades-estados e frequentemente em guerra. Os governantes mantinham arte
e artefatos antigos da Grécia e Oriente, além de grupos vocais e instrumentais
(CAVINI, 2011).

Ao estarem livres dos deveres feudais e obrigações militares, os cidadãos


passam a acumular riquezas, prosperidade familiar, adquirir e embelezar
propriedades. A educação e a realização pessoal tornam-se muito importantes
(GROUT; PALISCA, 2007). O Humanismo permite que o homem reconheça o seu
livre-arbítrio, afastando-o da postura teocêntrica medieval, do comportamento
místico e religioso, e o aproxima de uma postura antropocêntrica, racionalista
(CAVINI, 2011).

Como veremos a seguir, a música durante o século XV continuou em


direção à criação de um estilo internacional e os ingleses tiveram uma importante
contribuição, contrastando com a França e a Itália, que não apresentaram
compositores de grande envergadura neste século. Nesse período, as formas
profanas continuaram a ter destaque (GROUT; PALISCA, 2007).

No Renascimento iniciou-se a economia capitalista e com isso houve o


aumento do comércio, nascimento das primeiras indústrias, bancos, a solidificação
das nações, o colonialismo, o imperialismo, as novas pesquisas científicas, o
racionalismo, a crítica aos dogmas da Igreja, a fundação das universidades
modernas e a divulgação de conhecimento através da imprensa.

2 CARACTERÍSTICAS DA MÚSICA NO RENASCIMENTO


A música instrumental teve um crescimento na sua importância dentro
das composições, porém a música vocal continuou importante neste período,
especialmente nos madrigais e na música sacra. A imprensa musical, invenção de
1501, e o envolvimento das classes mercantis na música permitiram que a música
se propagasse mais fácil e rapidamente. Os ricos mecenas encomendavam música,
vocal e instrumental, para todo tipo de combinações musicais, contribuindo não
só com a música, mas com os artistas em geral (CAVINI, 2011).

110
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

A questão estética no Renascimento foi determinada pelos textos


filosóficos e ensaios gregos de autoria de Platão, Aristóteles, Pitágoras, Euclides
e Ptolomeu. O primeiro centro de estudos foi a escola de Vittorio Feltre, na
cidade de Mântua (Itália), fundada em 1424. Tempos depois surgem textos que
fundamentaram a nova prática musical, como o Dodekachordon, de Glareano; Liber
de Arte Contrapuncti, de Tinctoris, e o La Istituitioni Harmonichede Zarlino (GROUT;
PALISCA, 2007).

No Renascimento houve a aproximação entre poesia e música, diferente


do existente no período medieval, a poesia passa a ditar aspectos expressivos da
música. Músicos procuram reproduzir e potencializar as sonoridades e a poesia,
e a sua construção sintática norteia todos os elementos da forma musical, como
ritmo, uso de consonâncias e dissonâncias e texturas (GROUT; PALISCA, 2007).

A afinação tornou-se ainda mais importante com a sofisticação do


contraponto e novas possibilidades de uso dos intervalos. Com isso, foi
necessário encontrar outros sistemas de afinação que possibilitassem intervalos
mais consonantes. Atualmente o temperamento musical ajusta a sonoridade das
terças e sextas para que sejam mais consonantes. Naquele tempo utilizava-se o
sistema pitagórico que gerava problemas em relação aos intervalos e, por essas
questões, passou-se a adotar o sistema mesotônico e, mais tarde, os primeiros
sistemas temperados.

A impressão de livros com caracteres móveis foi aperfeiçoada por


Johannes Gutenberg, por volta de 1450 e aplicada aos livros litúrgicos com
notação de cantochão por volta de 1473. No final do século XV surgiram livros de
teoria e manuais de ensino com exemplos de música impressa por meio de blocos
de madeira. A primeira coletânea de peças polifônicas impressa com caracteres
móveis foi editada em Veneza (1501), por Otaviano de Petrucci. No começo a
impressão era morosa e muito cara, porém, a partir de 1528, foi aperfeiçoada
e aplicada em larga escala, por Pierre Attaignant. Assim, no decorrer dos anos,
Veneza, Roma, Nuremberg, Paris, Lyon, Lovaina e Antuérpia tiveram destaque
nessa atividade (GROUT; PALISCA, 2007).

Durante o século XVI a música era impressa em cadernos individuais,


para cada voz ou parte, necessitando-se da coleção completa destes livros para
se executar a música. Esses cadernos eram para serem utilizados em casa ou
em reuniões sociais. Já nas igrejas continuou-se a usar livros grandes de coros
manuscritos e, dessa forma, os livros continuaram a ser copiados no século
XVI (GROUT; PALISCA, 2007). A utilização da imprensa na música promoveu
a redução de manuscritos cuidadosamente copiados a mão e sujeitos a erros e
variações, o oferecimento de música a um preço mais baixo e maior conservação
de obras para as gerações seguintes (GROUT; PALISCA, 2007).

A música renascentista utiliza muitas modulações, transposições,


alterações cromáticas, o que diferencia sua sonoridade do período medieval
(FULLER, 2010). A música no Renascimento diferencia-se da Ars Nova pela
111
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

alta complexidade e sofisticação conseguidas através do contraponto. Também


houve nesse período a preocupação de compositores pela condução vertical da
música, ou seja, pela harmonia entre as vozes, controlando o surgimento dos
intervalos e permitindo movimentos mais suaves e racionais. A Renascença dá
início à transição entre o modal para o tonal. Passou-se a utilizar mais intervalos
de terças e sextas, intervalos de quartas e quintas justas eram menos constantes,
e uníssono e oitavas eram utilizados para iniciar ou terminar uma composição
(GROUT; PALISCA, 2007).

Tornaram-se frequentes técnicas de imitação de melodias inteiras


ou trechos entre as vozes. No Renascimento surgiram a notação métrica e a
formalização das primeiras fórmulas de compasso, e as teorias de ritmos medievais
são abandonadas, enquanto os ritmos de danças são utilizados como modelos. As
cores das figuras rítmicas tornam-se brancas para as longas e pretas para as notas
curtas. Divisões e subdivisões binárias e quaternárias tornam-se comuns. As
formas usualmente utilizadas na Renascença são a missa e o motete, na música
sacra, e o madrigal e a chanson, na música profana. A música instrumental aparece
com as formas do ricercar e canzona.

Divide-se a música na Renascença em alguns estilos de composição.


Segundo Grout e Palisca (2007), os estilos são:

• Geração Pré-Renascimento e Primeira Geração Franco-Flamenga (1400-1450):


compreendem a transição entre a Idade Média e o Renascimento, fazem parte a
Escola Inglesa de Música e a música do Ducado de Borgonha, respectivamente.

• Segunda Geração Franco-Flamenga (1450-1480): acontece nos países-baixos


borgonheses antes de se espalhar para a Europa graças à imprensa.

• Terceira Geração Franco-Flamenga (1480-1520): conhecida também como


Estilo Internacional.


Quarta Geração Franco-Flamenga (1520-1560): marcada pelo estilo
internacional do século XVI.

DICAS

Um filme que aborda esse período histórico é Shakespeare Apaixonado


(1998). Nesse filme, o jovem astro do teatro londrino William Shakespeare, em um período de
bloqueio criativo que o impede de escrever sua peça, conhece a jovem Viola De Lesseps, que
sonha em atuar, algo proibido no final do século XVI. Ela, para burlar o preconceito, se disfarça
de homem e começa a ensaiar o texto de Shakespeare, agora livre do bloqueio criativo.

112
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

3 MÚSICA INGLESA
A música inglesa caracterizava-se por uma relação estreita com o estilo
popular e por relutar na utilização das teorias musicais abstratas. A música
inglesa tinha uma tendência para a tonalidade maior, para a plenitude de som
e pelo uso livre das terceiras e sextas. A improvisação e a escrita musical em
terças e sextas paralelas eram correntes na prática polifônica inglesa do século
XIII (GROUT; PALISCA, 2007).

As obras da escola de Notre Dame eram conhecidas na Ilha Britânica e


no século XIII foram compostos conductus e motetes a três vozes. O repertório
do cantochão na Inglaterra era o do rito sacro, da catedral de Salisbúria, cujas
melodias diferenciavam-se do rito romano. E no século XV, compositores
ingleses e continentais preferiram utilizar as versões de cantochão de Salisbúria,
como cantus firmi nas composições (GROUT; PALISCA, 2007). Na Inglaterra,
a polifonia era executada de forma improvisada sobre um cantus firmus, essa
técnica era conhecida como discantus. Os compositores desenvolveram a técnica
do fauxbourdon.

Fauxbourdon era uma composição escrita a duas vozes que evoluía em


sextas paralelas com oitavas intercaladas e sempre com uma oitava no final de cada
frase; além dessas duas frases, era acrescentada uma terceira voz, movendo-se uma
quarta abaixo da voz soprano. A técnica do fauxbourdon era usada na composição
dos cânticos mais simples do ofício, nos hinos e antífonas, e dos salmos e textos
semelhantes aos dos salmos. Essa prática possibilitou o surgimento, em meados
do século, de um novo estilo de escrita a três vozes que influenciou todos os tipos
de composições, no sentido de uma textura homofônica ou homorrítmica, de
harmonias consonantes e do reconhecimento da sonoridade de sexta e terça como
um elemento fundamental da harmonia (GROUT; PALISCA, 2007). Principais
formas musicais utilizadas na música inglesa:

Antífona votiva: Um dos gêneros mais usuais na Inglaterra era a antífona


votiva, composição sacra em louvor a um determinado santo ou à Virgem Maria.
A antífona votiva é um estilo mais florido, pode ser, em alguns casos, confundido
com um motete. Fazem parte da antífona votiva a alternância de grupos de vozes
maiores e menores e a divisão em larga escala em trechos de tempo perfeito e
imperfeito (GROUT; PALISCA, 2007).

A carol: Composição a duas ou três vozes, às vezes quatro, que floresceu


no século XV, sobre poemas religiosos de estilo popular, abordando como tema a
encarnação, escrito misturando versos em inglês e em latim. A carol tem origem
na cantiga de dança monofônica em que alternavam um solista e um coro. As
carols eram canções populares, com melodias despojadas com ritmos ternários
(GROUT; PALISCA, 2007).

113
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

Motete do século XV: O termo motete, utilizado até agora para designar a
forma francesa do século XIII e a forma isorrítmica do século XIV e XV, começou
já no século XIV a se modificar. O motete era, inicialmente, uma composição sobre
um texto litúrgico para ser interpretado na igreja, depois, no final do século XIII,
passa a também ser feito com textos profanos. Os motetes isorrítmicos do século
XIV e início do século XV conservavam características tradicionais, como os textos
múltiplos e uma textura contrapontística. O motete isorrítmico era uma forma
conservadora e desapareceu por volta de 1450. Na primeira metade do século
XV, o motete começou a ser aplicado a textos litúrgicos e profanos, designando
qualquer composição polifônica sobre um texto latino (exceção feita ao ordinário
da missa) e abrangendo formas diferentes, como antífonas, responsórios e outros
textos. A partir do século XVI também passou a ser aplicado a composições sacras
em outras línguas, além do latim (GROUT; PALISCA, 2007).

A coletânea mais importante de música inglesa da primeira parte do século


XV é o manuscrito de Old Hall. Ele contém 147 composições datadas de cerca
de 1370 a 1420 com seções do ordinário da missa, motetes, hinos e sequências.
O continente conheceu o estilo musical inglês através de manuscritos. John
Dunstable (c. 1385-1453) é um nome de destaque da música inglesa do século XV
(GROUT; PALISCA, 2007).

NOTA

O manuscrito do Old Hall é a maior, mais completa e mais significativa fonte


de música sacra inglesa do final do século XIV e início do século XV e, como tal, representa a
melhor fonte de música medieval inglesa tardia. O manuscrito de alguma forma sobreviveu
à Reforma, e antigamente pertencia ao St. Edmund's College, uma escola católica romana
localizada no Old Hall Green, por isso o nome, em Hertfordshire. Foi vendido à Biblioteca
Britânica após um leilão na Sotheby's em 1973.

114
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

FIGURA 10 – MANUSCRITO VENI SANCTE SPIRITUS – OLD HALL MANUSCRIPT

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fe/OldHallMSFolio12v.jpg>.
Acesso em: 04 fev. 2019.

3.1 JOHN DUNSTABLE


John Dunstable (1390-1453) é responsável por composições que
compreendem os principais tipos e estilos de polifonia usuais em seu tempo,
como motetes isorrítmicos, partes do ordinário da missa, cantigas profanas e
obras a três vozes sobre textos litúrgicos (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

O motete mais famoso de John Dunstable é uma composição a quatro vozes


que combina o hino Veni Creator Spiritus e a sequência Veni Sancte Spiritus. Ouça essa
música com a performance de The Hilliard Ensemble em: <https://youtu.be/Q8nnQuleTXQ>.

115
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

A maioria do repertório de Dunstable é sacro, são raras as canções profanas


atribuídas a ele. As mais numerosas são as peças sacras a três vozes, composições
sobre antífonas, hinos e outros textos litúrgicos ou bíblicos. Músicos ingleses de
destaque que surgiram depois de Dunstable são Walter Frye (ativo entre 1450-
1475), compositor de missas, motetes e chansons, e John Hothby (1487) (GROUT;
PALISCA, 2007).

DICAS

Um exemplo de peça sacra a três vozes de Dunstable composta livremente,


sem material temático de outro reportório, é a antífona “Quam pulchra es”. Ouça essa música
com a performance de The Hilliard Ensemble em: <https://youtu.be/qQjdEbZH2wI>.

QUADRO 2 – LETRA – QUAM PULCRA ES

Texto em latim: Tradução:

Quam pulcra es et quam decora, Quão bela e bela você é, minha amada,
carissima in deliciis. mais doce em suas delícias.
Statura tua assimilata est palme, Sua estatura é como uma palmeira
et ubera tua botris, e seus seios são como frutos.
caput tuum ut carmelus, Sua cabeça é como o Monte Carmelo
collum tuum sicut turris eburnea. e seu pescoço é como uma torre de marfim.

Veni dilecte mi; egrediamur in agrum Venha, meu amado, vamos para os campos
et videamus si flores fructus parturierunt, e vejamos se as flores nasceram frutos
si floruerunt mala punica. e se as romãs floresceram.
Ibi dabo tibi ubera mea. Lá eu vou dar meus seios para você.
Alleluia. Aleluia.

FONTE: Wright, Simms e Roden (2009, p. 142, tradução nossa)

116
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

FIGURA 11 – PARTITURA – QUAM PULCHRA ES

Quam pulchra es John Dunstable


(1390-1453)
3 Ê 5
Ê Ê
A4 Â Â
. Â ‰ Â ‰ Â Â Â Â Â Â Â ÂÂ Â ÂÂ ÂÂ
Alto
‰ Â
Quam pul - chra es et quam de - co- ra, ca - ris - si - ma in de- li - ci-
Ê
A 43 ‰. Â Â Â Â Â Â Â Â Â Ê Ê L Â Â Â ÂÂÂ
‰ Â Â Â Â Í
Tenor
˛
Quam pul - chra es et quam de - co- ra, ca - ris - si - ma in de- li-
‰. Â ‰ ‰ Â Â Â Â Â
E3 ‰ Â Â Â Í Í Â Â Â‰
Bass 4
Quam pul - chra es et quam de - co- ra, ca - ris - si - ma in de- li-
10
Ê Ê Ê Ê
A A ÂÂÂ Â Â Â K Â Â Â
K Â Â K Â Â Â Â Â Â Â ÂÂ ÂÂ
Â
is. Sta - tu - ra tu - a as - si- mi- la - ta est pal-

 K  ÂÍ ÂÍ
    Â Â
T A ÂÂÂÂÂ Â Â Â Â Â Â
Â
˛
ci - is. Sta - tu - ra tu- a as- si- mi- la - ta est pal-

E Â Â Â Â Â QÂ Â Â Â Â Â QÂ Â
B ÂÂÂ Â Â K Â Â Â K Â Í Í
ci - is. Sta - tu - ra tu - a as- si- mi- la - ta est pal-
15
Ê
20
Ê Ê
A Â K Â Â. Â Â
K Â Â
K
     SÂ
   ‰  Â
A

me, et u - be- a tu - a bo - tris. Ca-put tu - um ut Car- me -

A Â Â Â Â. Â Â Â ÂÂÂ Â K Â Â QÂ Â Â
Í Â Â ‰ ‰
T
˛
me, et u - be- a tu - a bo - tris. Ca-put tu- um ut Car - me -

E ‰ Â Ê Â Â Â Â Â Â Â Â
B Â. Â Â Â Â Â Â K ‰ QÂ Â Í Í
me, et u - be- a tu - a bo - tris. Ca - put tu - um ut Car- me -

K Ê Ê 25

A ‰ Â Â Â Â Â K Â Â ÂÂÂÂ Â
K Â ÂÂ Â Â
 ÂÂÂÂ
 S  SÂ
A

lus, col- lum tu - um si- cut tur- ris e- bur - ne-

A Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â ÂÂ
 Â Â Â
Í Í Â Â ÂÂ Â
T
˛
lus, col- lum tu - um si- cut tur- ris e- bur- ne -
Ê Ê Â Â
B
E Â K Â Â Â Â Â ‰ Â
  Â     ÂÂ
Â
ÂÂ Â
lus, col- lum tu - um si- cut tur- ris e- bur- ne -

James Gibb editions 1 Quam pulchra es - Dunstable

117
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

30
Ê K Ê Ê 35

A A ‰. ‰. ‰ Â Â. Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â
a. Ve - ni, di - le- cte mi; e - gre-di - a - mur in
Ê
A ‰. ‰. ‰ Â Â. Â Â Â Â ‰ Â Â Â Â Â K K
Í Í
T
˛
a. Ve - ni, di - le- cte mi, e - gre-di - a - mur
‰. ‰ Â Q Â. Â Â Â Â ‰ Â Â Â Â Â Â Â
E ‰. Â Í Í
B Í
a. Ve - ni, di - le- cte mi; e - gre-di - a - mur in

Ê Ê 40 Ê Ê
A A Â Â Â Â Â Â SÂ Â K ‰ Â QÂ Â Â Â ‰ Â Â K Â Â Â Â Â
a- grum, et vi - de- a- mus si flo-res fru-ctus
Ê
ÂÂÂ Â Â Â Â Â Â ‰ Â Â Â ‰ Â Â Â Â Â Â Â
A Í Â Í Í
T
˛
in a- grum, et vi - de - a- mus si flo-res fru-ctus
 ‰ Â Â Â Â Ê Ê
E Q Â Â Â ÂÍ Â Â K QÂ ‰ ‰ Â Â Â Â Â
B
Í
a- grum, et vi - de - a- mus si flo-res fru-ctus

Ê Ê Ê Ê
A Â. Â Â S ÂÊ ÂÊ Â K Â Â. Â Â ÂÊ ÂÊ Ê Ê Ê Ê
45

 K
 Â
  ‰    ÂÂ
A

par- tu - ri - e - runt, si flo-ru- e- runt ma- la Pu-ni - ca. I - bi da-bo ti -


ÊÊ Â Â Â Â Ê Ê Ê Ê Ê Ê
T A ‰ Â ÂÂ ‰ Í Í Â Â K Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â ÂÂ
˛
par - tu - ri - e - runt, si flo-ru - e - runt ma- la Pu-ni - ca. I - bi da-bo ti -

E Â. Â Â ÂÂ ‰ Â Â Â Â Â Â
K Â Â Â Â Â K Â Ê Ê
   ÂÂ
Í Í Í Í Í
ÍÍ Í Í
B

par- tu - ri - e - runt, si flo-ru- e- runt ma- la Pu-ni - ca. I- bi da-bo ti -

50
Ê Ê
55
Ê
A K Â Â ‰ ‰ Â
K Â
                 ‰.
 SÂ
A

bi u- be - ra me - a. Al- le- lu- ia.

A ÂÂ Â Â ‰ ‰ Â ‰ K Â. Â Â Â. Â ÂÂ ÂÂÂ Â Â ‰.
Í Í
T
˛
bi u- be - ra me - a. Al - le- lu - ia.
  Â  Ê
B
E ‰ Â Â ‰ Â ‰ ‰. Í Â ÂÂ
    ‰.
bi u- be - ra me - a. Al - le- lu - ia.

James Gibb editions 2 Quam pulchra es - Dunstable

FONTE: <http://www0.cpdl.org/wiki/images/6/6d/Quam_pulchra_es_Dunstable.pdf>.
Acesso em: 27 out. 2018.

118
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

3.2 LEONEL POWER


Power (c.1375-1445) é considerado um dos principais compositores
ingleses do século XV e foi também organista. Ele mantinha contato com os
desenvolvimentos musicais na França e em suas composições, frequentemente
utilizava o estilo chanson, em que a melodia é colocada na parte da voz mais aguda,
ao invés da voz inferior, como era usual na época. Sua obra reflete as sonoridades
mais ricas da música inglesa, influenciando as obras europeias continentais do
Renascimento (BRITANNIA, 2018).

Muitos aspectos da vida de Leonel Power não são conhecidos, sabe-se


que ele viveu e trabalhou em uma época de grande efervescência e mudanças na
música europeia. No século XIV a música francesa influenciou a música inglesa e
no século XV esse panorama modificou-se através das viagens de músicos ingleses
pelo continente. Algumas músicas de Leonel estão no Old Hall e ele escreveu três
vezes mais música do que qualquer outro compositor presente nesse livro.

DICAS

Ouça a peça Beata Progenies, de Leonel Power, pertencente ao Old Hall, em:
<https://youtu.be/e5bxNjoogNs>.

QUADRO 3 – LETRA DE BEATA PROGENIES

Texto em latim: Tradução:

Beata progenies unde Christus natus est; Abençoado é o pai de quem Cristo nasceu;
quam gloriosa est virgo que caeli regem Oh quão gloriosa é a virgem que trouxe
genuit. o Rei do Céu

FONTE: <http://www0.cpdl.org/wiki/images/0/05/Beata_Progenies_-_Leonel_Power.pdf>.
Acesso em: 27 out. 2018.

119
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

FIGURA 12 – PARTITURA – BEATA PROGENIES

Beata Progenies
CTB Leonel Power
Anthony Smitha


 23             
3 3

Cantus
              
Be - - a - - - ta pro - - ge - ni - es un - - - de Chri- stus na -
              
Tenor  23       
8

    
Be- a - - ta pro - ge - ni- es un - - de Chri- stus na -

Bassus
3        

        
2
Be- a - - ta pro - ge - ni - es un - - de Chri- stus na -

 
    
6 3

        
   2   
1 3 2
  2  2

tus est; quam glo - ri - o - - - - sa est

          
   1
2  2 
3   2
2
8

     
tus est; quam glo - ri - o - - - - sa - est

              
1
2  3
2
2
2
tus est quam glo - ri - o - - - - sa est


    
11

 22       2 
3
   2 
2       

vir - - - go que ce - li re - gem ge - - nu - - - it.

 22          2     
2  
3
2
8

      
vir - go que ce- li re- gem ge - nu - - it.
2     
 2         
2 
2 3
2
vir - - go que ce - - li re - gem ge - - - nu - - - it.

FONTE: <https://goo.gl/XAfreZ>. Acesso em: 27 out. 2018.

4 PRIMEIRA GERAÇÃO FRANCO-FLAMENGA OU O DUCADO


DE BORGONHA
Os duques de Borgonha, vassalos feudais dos reis da França, ao longo
dos séculos XIV e XV, através de casamentos políticos e estratégias diplomáticas,
foram adquirindo territórios que hoje são a Holanda, a Bélgica, o nordeste da
França, Luxemburgo e Lorena, além do Centro-Leste da França. Os duques
governaram este conjunto de possessões até 1477 (GROUT; PALISCA, 2007).

Created using Rosegarden 1.7.2 and LilyPond

120
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

DICAS

O Retrato Arnolfini está na National Gallery em Londres desde 1842. Uma obra
naturalista mostra Giovanni di Nicolao Arnolfini e sua segunda esposa. Os Arnolfini eram
comerciantes em Bruges, mas eles eram originalmente de Lucca, na Itália. A riqueza do casal
é evidente nas roupas que Giovanni usa.

FIGURA 13 – THE ARNOLFINI PORTRAIT – JAN VAN EYCK (1434)

FONTE: <https://img.theculturetrip.com/768x//wp-content/uploads/2016/03/Arnolfini.jpg>.
Acesso em: 27 out. 2018.

Entre os séculos XIV e XV foram criadas, por toda a Europa, capelas com
excelentes recursos musicais, os serviços de cantores e compositores famosos eram
disputados por papas, imperadores, reis e príncipes. Os duques de Borgonha
possuíam uma capela com um corpo de compositores, cantores e instrumentistas
que faziam música para serviços divinos e para divertimentos profanos da corte.
O ambiente musical da corte no século XV foi reforçado pelas frequentes visitas
de músicos estrangeiros e pela grande mobilidade dos próprios elementos da

121
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

capela. Dentro dessa perspectiva, o estilo musical era internacional; o prestígio


da corte borgonhesa era tão grande que o estilo musical praticado ali influenciou
outros centros musicais europeus e tornou-se um lugar de prestígio para o músico
trabalhar (GROUT; PALISCA, 2007).

A maior parte das composições do período borgonhês possuía compassos


ternários, com misturas de ritmos e combinação de estruturas. O compasso
binário era usado para substituir obras mais longas como meio de introduzir um
contraste (GROUT; PALISCA, 2007). Os principais tipos de composição no período
borgonhês foram as missas, os magnificats, os motetes e as chansons profanas com
textos em francês. No século XV, a tendência era de que cada linha tivesse uma
interpretação diferente e a peça uma textura transparente, com predomínio do
discantus como melodia principal (GROUT; PALISCA, 2007).

Chanson borgonhesa: No século XV, a denominação chanson designa


qualquer composição polifônica sobre um texto em francês. Nesse período as
chansons eram canções a solo com acompanhamento, os textos eram, em sua
maioria, poemas de amor e seguiam o modelo do rondeau. As chansons foram
uma característica marcante da escola borgonhesa, apesar de os compositores
continuarem a escrever ballades (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

Ouça “Adieu ces bons vins de Lannoys”, uma chanson borgonhesa de


Guillaume Dufay, em: <https://youtu.be/gV6BlxZuRN8>

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TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

FIGURA 14 – PARTITURA – ADIEU CES BONS VINS DE LANNOYS – GUILLAUME DUFAY


Adieu ces bons vins de Lannoys Guillaume Dufay (ca. 1400-1474)

                          
1.4.7. A - dieu ces bons vins de Lan -
3. Je m'en vois tout ar - quant des
            
5. De moy se - res, par plu - sieurs
           
          
    

  
                     
noys, A - dieu da - mes, a - dieu bor - gois. A - dieu cel - - le que tant a-

   
nois. Car je ne truis fe - ves ne pois. Dont bien sou - - vent au cuer men -
    
 
fois Re - gre - tés par de - dans les boix, Ou il n'y a sen - tier ne

        

                

                           
moy- - e, 2.8. A - dieu tou - te plays - san - te joy - - - -
noy- - e, 6.Puis ne sca - ray que fai - re doy - - - -

             
voy- - e;

         
   
          


                    
            
e, A - dieu tous com - pai - gnons ga - lois.
e, Se je ne crie a hau - te vois.
               
  
    
  
              

FONTE: <http://www3.cpdl.org/wiki/images/2/23/Ws-duf-adie.pdf>. Acesso em:


27 out. 2018.

123
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

Motetes borgonheses: Nos motetes borgonheses pretendia-se que


as melodias gregorianas fossem reconhecidas, fossem uma parte concreta e
musicalmente expressiva da composição (GROUT; PALISCA, 2007).

Missas: As missas eram o principal veículo do pensamento e esforço dos


compositores. Uma característica importante do século XV foi tornar prática
regular a composição polifônica do ordinário como um todo musicalmente, até
1420 as diversas seções do ordinário eram compostas como peças independentes
(GROUT; PALISCA, 2007).

4.1 GUILLAUME DUFAY


Guillaume Dufay (1397-1474) é um compositor francês frequentemente
associado à corte de Borgonha, considerado o principal compositor da transição
entre a música medieval e a renascentista. Destacou-se por ser um homem muito
instruído e foi nomeado para cargos eclesiásticos importantes, mais pela erudição
do que pela música, apesar de ser admirado como compositor. As obras de Dufay
estão em manuscritos italianos e são abundantes em edições modernas (CAVINI,
2011). Dufay foi o primeiro compositor a escrever uma missa completa baseada
em uma melodia secular: Missas Ave regina celorum, Ecce ancilla Domini, L’Homme
armé, S. Jacobi, St. Antony (CAVINI, 2011).

DICAS

Ouça a Missa L'Homme Armé tocada pela Oxford Camerata em: <https://
youtu.be/ibSeyIbNGYA>.

124
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

FIGURA 15 – GUILLAUME DUFAY (ESQUERDA) COM BINCHOIS (DIREITA)

FONTE: <https://pbs.twimg.com/media/B-ZZJSVIMAAU2zH.jpg>. Acesso em: 27 out. 2018.

4.2 GILLES DE BINCHOIS


Gilles de Binchois (c.1400-1460) foi um compositor franco-flamengo,
também de transição entre a música medieval e renascentista. Suas chansons
exprimem o sentimento de terna melancolia e desejo sensual. A maioria de suas
canções eram rondeaus, compostas dentro de convenções da tradição cortesã: uma
obra para três vozes, em que a voz aguda, com um único texto, é apoiada por
um tenor, a uma 5ª abaixo da melodia, com notas mais longas, sem texto, e um
contratenor no mesmo âmbito ou um pouco abaixo. Suas obras sacras eram mais
conservadoras, entre elas três pares Glória-Credo; cinco pares Sanctus-Agnus; 12
movimentos de missa isolados; mais de 30 outras obras sacras; c. 50 rondeaus;
várias baladas (CAVINI, 2011).

DICAS

Ouça Adieu mon amoureuse joye, interpretada pelo grupo Graindelavoix em:
<https://youtu.be/Csse6YI1iJQ>.

Letra em francês:
Adieu mon amoureuse joyie
Et mon plus plaisant souvenir,
Adieu lesliez la moroye

De moy plus horeux advenir.


Je ne scau mais que devenir,
Puis que jylonge vo beaulte,
Madame vau vo leaulte.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

FIGURA 16 – PARTITURA – ADIEU, MON AMOUREUSE JOYE

FONTE: <http://ks.imslp.net/files/imglnks/usimg/2/2f/IMSLP66520-PMLP98990-Binchois_
Adieu_mon_amoureuse.pdf>. Acesso em: 27 out. 2018.

126
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

5 SEGUNDA GERAÇÃO FRANCO-FLAMENGA (1480-1520)


Os compositores franco-flamengos foram responsáveis pelo
desenvolvimento do estilo polifônico renascentista e, de alguma forma, todos
os grandes compositores participaram da escola franco-flamenga de música e
desenvolveram uma carreira internacional e foram representantes de uma arte
europeia que levou ao apogeu a polifonia (CAVINI, 2011). Um grande nome
dessa geração é Johannes Ockeghem, que ampliou a polifonia, de, no máximo,
quatro vozes, para 36 vozes simultâneas, em um fluxo contínuo, ritmo brando e
complexo.

Chanson: As composições sobre o ordinário da missa adquiriram


grande prestígio durante a segunda metade do século XV, destacando-se de
outros períodos. Porém, continuaram a ser realizadas composições profanas.
As características da chanson borgonhesa foram expandidas, originando formas
musicais mais amplas, que utilizam o contraponto imitativo. As chansons de
Ockeghem e Antoine Busnois recorriam às formas fixas tradicionais da poesia
cortês e possuíam enorme popularidade. As chansons eram alteradas e escritas em
novos arranjos e transcritas para instrumentos.

5.1 JOHANNES OCKEGHEM (BÉLGICA)


Johannes Ockeghem (c.1410-1497) é considerado o maior compositor
da segunda geração renascentista. Ele desenvolveu um estilo pessoal, marcado
pela nobreza e rigor do pensamento polifônico. Foi aluno de Guillaume Dufay e
aprendeu a sutileza do contraponto, acima da suavidade melódica e harmônica. É
o fundador da nova escola polifônica franco-alemã, que sucedeu os compositores
Dufay e Binchois. Trabalhou quase toda a vida a serviço dos reis da França e foi
mestre de muitos compositores da geração seguinte. Possui uma obra com 19
missas, nove motetes e 19 canções francesas (CAVINI, 2011).

DICAS

A Missa mi-mi, de Ockeghem, tem esse nome devido às duas primeiras notas
do baixo, mi-Lá, que na solmização eram ambas cantadas com a sílaba mi. Ouça o Kyrie da
Missa mi-mi em: <https://youtu.be/4j2twlemMvI>.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

FIGURA 17 – PARTITURA – KYRIE – MISSA MI-MI

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TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

FONTE: <https://goo.gl/mcqxNC>. Acesso em: 27 out. 2018.

129
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

O grande número de missas confirma que essa era a principal forma de


composição da época. Suas missas possuem uma semelhança sonora com as
missas de Dufay. Ockeghem variava a sonoridade omitindo uma ou duas das
quatro vozes habituais, opunha um par de vozes a outro e criava contrastes
escrevendo passagens em que todas as vozes cantavam um rimo idêntico, criando
uma textura homofônica (ou homorrítmica). Essa forma de escrita musical era
rara entre os compositores franco-flamengos anteriores. Ockeghem destaca-se na
técnica de imitação denominada cânone.

NOTA

O cânone era uma forma muito usual nas obras de compositores da segunda
geração franco-flamenga, pois permitia o virtuosismo técnico e a demonstração da perícia
profissional. Método mais utilizado para a escrita de cânones nessa época era derivar
uma ou mais vozes a partir de uma voz inicial. A regra pela qual se obtinham essas vozes
suplementares era chamada de cânone. Havia diversas formas de construção do cânone. O
que hoje se chama cânone chamava-se, naquela época, de fuga.

5.2 ANTOINE BUSNOIS (FRANÇA)


Antoine Busnois (c.1430-1492) foi um compositor que se destacou no
gênero da chanson. Trabalhou para o duque da Borgonha como cantor e viajou
com ele em várias campanhas. Sua reputação na época só perdia em prestígio
para Ockeghem. Suas composições eram admiradas por sua beleza melódica,
complexidade rítmica, cor harmônica e clareza estrutural (MCCOMB, 2001).

Busnois tem como mérito ter estendido o alcance de partes vocais


individuais e ser pioneiro em texturas contrapontísticas em que cada parte tem
seu próprio alcance e não tem a interferência de outras. O uso da imitação e da
sequência influenciou a próxima geração de compositores (MCCOMB, 2001). A
música de Busnois ilustra com clareza essa época musical e foi imitada por outros
compositores. Sua obra é conhecida pelas chansons, duas missas, oito motetes,
dois hinos, um magnificat e um credo (BRITANNIA, 2014).

DICAS

Ouça o Rondeau de Antoine Busnois em: <https://youtu.be/tcWYYtcUkb0>.

130
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

FIGURA 18 – PARTITURA – RONDEAU

RONDEAU
Antoine Busnois (died 1492)


                  

       
Organ               
         

     
 
             
Ped.
 

8
 
                
      
           
    
Org.
   
     
   

        
 

15
 
                  
                   
 
                       
Org.
 

                   
        

FONTE: <https://goo.gl/CkUY32>. Acesso em: 27 out. 2018.

6 TERCEIRA GERAÇÃO FRANCO-FLAMENGA (1480-1520)


A terceira geração franco-flamenga de música estabeleceu um maior
equilíbrio entre a elevação mística e a clareza expressiva. Muitos desses
compositores foram discípulos de Ockeghem, com destaque para Jacob Obrecht,
Heinrich Isaac e Josquin des Prez. Eles estudaram e praticaram música nos Países
Baixos, viajaram e trabalharam em diversas cortes e igrejas de diferentes países,
incluindo a Itália (GROUT; PALISCA, 2007).

As carreiras desses três compositores ilustram o intercâmbio musical


que ocorreu nos séculos XV e XVI entre o norte da Europa e o sul, entre os
centros franco-flamengos e a Itália e Espanha. Suas músicas são caracterizadas
pela mistura e fusão de elementos do norte e do sul: o tom sério, a adoção de
uma estrutura rígida, os ritmos fluentes do norte; a disposição mais espontânea,
a textura homofônica mais simples, os ritmos mais marcados e as frases mais
claramente articuladas dos italianos (GROUT; PALISCA, 2007).

Chanson de Odhecaton: As chansons da geração de Obrecht, Isaac e Josquin


são estudadas na antologia musical Harmonice musices odhecaton, publicada por
Ottaviano Petrucci em Veneza em 1501. O Odhecaton é uma seleção de chansons
escritas entre 1470 e 1500, que inclui peças que vão dos últimos compositores
do período borgonhês aos da geração “moderna” (GROUT; PALISCA, 2007). A

131
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

maioria das chansons é para três vozes, escritas em estilo mais antiquado. Estão na
coletânea os compositores Isaac, Josquin, Alexander Agrícola e Loyset Compère.
Petrucci e outros impressores italianos publicaram em antologias um grande
número de chansons de compositores franco-flamengos durante a primeira
metade do século XVI (GROUT; PALISCA, 2007).

As chansons a quatro vozes presentes no Odhecaton demonstram a


evolução do gênero desde o século XVI: textura mais densa, contraponto
imitativo, estrutura harmônica mais clara, maior igualdade das vozes e união
estreita entre elementos novos e antigos (GROUT; PALISCA, 2007). O compasso
binário foi substituindo o ternário, comum no período borgonhês. Assim como
as missas, as chansons dessa época baseavam-se em uma melodia popular ou
em uma das vozes de uma chanson mais antiga. Nas primeiras duas décadas do
século XVI, os compositores franco-flamengos que estavam ligados à corte real
francesa de Paris compunham diferentes tipos de chansons (GROUT; PALISCA,
2007). Josquin, diferente de Ockeghem, abandonou a forma fixa, a maioria de seus
textos eram estróficos e o tecido polifônico das suas obras não era em camada,
mas entremeado por imitação.

6.1 HEINRICH ISAAC (HOLANDA)


Heinrich Isaac (c.1450-1517) começou a carreira em Florença. Esteve
a serviço dos Médici (mecenas) e depois da queda dos Médici, trocou a Itália
por Viena, a serviço de Maximiliano (CAVINI, 2011). As influências musicais
italianas, francesas, alemãs, de Flandres e dos Países Baixos estão presentes em
seu trabalho, tornando-o internacional. Escreveu canções sobre textos franceses,
alemães e italianos e peças breves de estrutura semelhantes às chansons (GROUT;
PALISCA, 2007).

Isaac contribuiu com os grandes gêneros representativos das escolas


musicais da Renascença, a missa e o motete na tradição franco-flamenga, formas
instrumentais de hausmusik, canti carnascialeschi (canções carnavalescas) e o lied
alemão. Heinrich Isaac é um dos principais fundadores da escola polifônica
alemã. Sua obra conta com 36 missas, 50 motetes, 60 canções polifônicas e canções
instrumentais (CAVINI, 2011).

DICAS

Ouça Innsbruck, ich muss dich lassen, de Heinrich Isaac em: <https://youtu.
be/rI712ZGflAQ>. Essa música lembra o estilo de uma frótola e mais tarde foi trabalhada como
um coral em arranjos de Bach e Brahms.

132
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

FIGURA 19 – PARTITURA – INNSBRUCK, ICH MUSS DICH LASSEN

Innsbruck, ich muss dich lassen Heinrich Isaac

S. $  €   € € € €  
Inns - bruck, ich muss dich las - sen, ich

A. $ `   €  €  € 

Inns - bruck, ich muss dich las - - sen, ich

T. $  €   € € € €  
 Inns - bruck, ich muss dich las - sen, ich
$ `        € €  
B.
Inns - bruck, ich muss dich las - - - - sen, ich

 $   €
5

€ € €       €  
e
fahr da-hin mein Stras - sen, in frem-de Land da - hin. Mein

$ 
    


  €  €   € €
fahr da - hin mein Stras - - sen, in frem-de Land da - hin. Mein
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 $  e  €  €       €  
 fahr da-hin mein Stras - sen, in frem-de Land da - hin.
%
Mein
 $   $€ € € €       
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fahr da - hin mein Stras - sen, in frem-de Land da - hin. Mein

€   €
10

$   € € €   € €
Freud ist mir ge - nom - men, die
e
ich - nit weiss be - kom -

$   €

 €  €    €  €  
Freud ist mir ge-nom - - men, die ich nit weiss be-kom -
%
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€ e
 Freud ist mir ge - nom - men, die ich nit weiss be-kom -

$        € €     $€ € €
Freud ist mir ge - nom - - - men, die ich nit weiss be - kom -

© Hans Mons, 2004 Innsbruck 1


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133
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

a
    
15

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   €   €  € 

men, wo ich im E - - - - - lend bin, wo
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$     €      
 
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men, wo ich im E - - - - - lend bin, wo
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 men, wo ich im E - - - - - lend bin, wo
$ €     € €     €  
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men, wo ich im E - lend, im E - lend bin, wo

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20

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ich im E - - - - - lend bin.
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ich im E - - - - - lend bin.
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 ich im E - - - - - lend bin.
$   € ?
€     € `
ich im E - - - - lend bin.

Gross Leid muss ich jetzt tragen,


das ich allein tu klagen
dem liebsten Buhlen mein.
Ach Lieb, nun lass mich Armen
im Herzen dein erbarmen,
dass ich muss dannen sein.

Mein Trost ob allen Weiben,


dein tu ich ewig bleiben,
stet treu, der Ehren fromm.
Nun muss dich Gott bewahren,
in aller Tugend sparen,

© Hans Mons, 2004 Innsbruck 2


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FONTE: <https://goo.gl/Scp9oD>. Acesso em: 27 out. 2018.

134
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

6.2 JOSQUIN DES PREZ (FRANÇA)


Josquin des Prez (c. 1440-1521) é considerado o maior músico de seu
tempo e influenciou profunda e duradouramente os seus sucessores. Morou na
Itália por 40 anos, o mais italiano dos mestres franco-flamengos, construiu uma
obra marcada pela inspiração melódica e pela adequação da expressão lírica,
especialmente nos motetes. Sua obra compõe-se de 19 missas a quatro vozes;
129 motetes a quatro, cinco e seis vozes; mais de 80 canções francesas, italianas,
latinas ou instrumentais (CAVINI, 2011).

O grande número de motetes na obra de Josquin é um destaque. Em seu


tempo a missa era o suporte mais usual para a demonstração pelo compositor de
seu domínio, porém, por causa do formalismo litúrgico, a não variação do texto
e as convenções musicais estabelecidas, a missa oferecia poucas oportunidades
de novas experiências. Os motetes tinham maior liberdade, podiam ser escritos
sobre vários tipos de textos, possibilitavam novas interações entre letra e música.
Assim, no século XVI, o motete tornou-se a forma de composição sacra que mais
atraía compositores (GROUT; PALISCA, 2007).

As obras de Josquin englobam elementos tradicionais e modernos,


colocando-o na fronteira entre Idade Média e o mundo “moderno”. Nas suas
missas encontram-se os aspectos mais conservadores da sua obra. A maioria
utiliza uma melodia popular como cantus firmus, mas abundam em virtuosismo
técnico. Elas também demonstram muitas das técnicas e processos que eram
utilizados no século XVI (GROUT; PALISCA, 2007).

A música vocal de Josquin é influenciada pelo humanismo, com a chanson


e as formas italianas contemporâneas, como a frottola e a lauda. Elas são o resultado
do esforço dos compositores para tornarem o texto compreensível, respeitando
a correta acentuação das palavras; o que contrasta com o estilo extremamente
ornamentado e melismático de Ockeghem e dos outros compositores franco-
flamengos da primeira geração (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

O motete Tu solus, qui facis mirabilia é um modelo do estilo italiano. Datado


do início da carreira de Josquin, com trechos de música homorrítmica, declamatória, a quatro
vozes, alternando passagens em que pares de vozes se imitam reciprocamente. Os trechos
homofônicos utilizam uma técnica que mais tarde viria a ser conhecida como falsobordone,
assim como o fauxbourdon, era um método para improvisar polifonia sobre cantochão.
O falsobordone consistia principalmente em acordes perfeitos no estado fundamental,
harmonizando um tom de recitação no soprano (GROUT; PALISCA, 2007). Ouça esse motete
em: <https://youtu.be/1otV6Rpg9u8>, acompanhe com a partitura.

135
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

FIGURA 20 – PARTITURA – TU SOLUS QUI FACIS MIRABILIA

Tu solus qui facis mirabilia


Josquin des Prés


Prima Pars (1450/55–1521)

P P
Superius G2R ¯ ¯ ¯ ¯ ˘ ˘ ˘` ˇ ˘ 2˘ ¯ ¯
¯P ¯ ˘ ˘ ˘ P
G2R ¯ ¯ ˘ ˇ ˇ ˘
Tu so - lus qui fa - cis mi - ra - bi - li - a,

Altus ¯ ¯

¯P ¯P
8 Tu so - lus qui fa - cis mi - ra - bi - li - a,

Tenor G2R ¯ ¯ ¯ ˘ ˘ ˘ ˘ ˇ ˇ `ˇ ˇ ( ¯

IR ¯ ¯P `˘ P
8 Tu so - lus qui fa - cis mi - - ra - bi - li - a,

¯ ˘ ˘ 2ˇ ˘ ˘
Bassus
› 2 ¯ ¯ ¯


Tu so - lus qui fa - cis mi - ra - bi - li - a,

P P
G2 ¯ ¯ ¯ ¯ ¯ ¯ ˘ ˘ ˘ ˘ ¯
10

¯ ¯ 2¯ 2¯ ¯P ¯ ˘ ˘ ˘ ˘ ¯P
Tu so - lus Cre - a - tor, qui cre - a - - sti nos,

G2 ¯

¯ ¯P ¯P
8 Tu so - lus Cre - a - tor, qui cre - a - - sti nos,

G2 ¯ ¯ ¯ ¯ ¯ ˘ ˘ ˘ ˘

I ¯ ¯ P ¯ ˘ ˘ ˘ ¯P
8 Tu so - lus Cre - a - tor, qui cre - a - - sti nos,

2¯ ¯ 2¯ ¯ ˘


Tu so - lus Cre - a - tor, qui cre - a - - sti nos,

P ¯P
G2 ¯ ˘ ˘ ˘ 4˘ ¯ ˘ ˘
20

¯ 2¯ ¯ ¯
P ˘` ˇ` ˇ ¯P
G2 ¯ ˘ ˘ ˇ ˘
Tu so - lus Re - dem - ptor, qui re - de - mi - - sti nos

˘ ˘ ¯ ¯ ¯ ¯ -

¯ ¯P ¯ ¯P
8 Tu so - lus Re - dem - ptor, qui re - de - mi - - sti nos

G2 ¯ ˘ ˘ ¯ ˘ ˘ ¯ ˘ ˘

I2 ¯ P ¯ ˘ ˘ ¯P
8 Tu so - lus Re - dem - ptor, qui re - de - mi - - sti nos

2˘ ˘ ¯ ¯ ¯ 2˘ ˘
› ¯
Tu so - lus Re - dem - ptor, qui re - de - mi - - sti nos

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136
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

‹ P P
G2 ¯ ˘ ˘ ˘` ¯ ˘ ˘ ˘ ¯ ¯
30

ˇ ¯ 4¯ ˘

¯ ˘ ˘ ¯ ¯P ¯ ˘ 2˘ ¯P
san - gui - ne tu - - o pre - ti - o - sis - - si - mo.

¯ ˘ ¯
G2 ˘
8 san - gui - ne tu - - o pre - ti - o - sis - - si - mo.

G2 ¯ ˘ ˘ ¯ ¯P ¯ ˘ ˘ ¯ ˘ ˘ ¯ ¯
P
8

˘ P ˘ P
san - gui - ne tu - - o pre - ti - o - sis - - si - mo.

I ˘ ¯ ˘ ¯ ˘
› 2¯ ¯ ¯ ˘ ¯ ¯
san - gui - ne tu - - o pre - ti - o - sis - - si - mo.

‹ = = = = ˘ ˇ ˇ ˘`
G2 ˇ `ˇ ˇ ( ˇ 4ˇ ˘ > ˇ
40

= ˘ ˇ ˇ `ˇ ˇ ˇ ˇ `ˇ ˇ ˇ ˇ ˘ ˇ
in te so - lum con - fi - di - mus, nec

G2 = = =
- - >
8 in te so - lum con - fi - di - mus, nec

ˇ `ˇ ˇ ( ˇ 4ˇ ¯ = = = ˇ
G2 ˘ ˇ ˇ ˘` <
>
8

I2 ˘ ˇ ˇ `ˇ ˇ ˇ ˇ ˇ` ˇ ( ˇ ˇ ¯ < > ˇ
Ad te so - lum con - fu - gi - mus, nec

= = =
› -
Ad te so - lum con - fu - gi - mus, nec

‹ P = =
G2 ˇ ˇ ˇ ˇ ˘ ˘ 4˘ < ¯
48

¯ 2¯ ¯
3
2

ˇ ˇ ˇ ˇ ˇ 2ˇ ˇ ˇ ¯ ¯ 4¯ P
a - li -um a - do - ra - mus, Je - su Chri - ste.

G2 ˘ < ¯ = =
Ê ˇ
Ê̌ 3
2
8 a - li -um a - do - ra - mus, Je - su Chri - ste.

G2 ˇ ˇ ˇ ˇ ˘ ˘ ˘ < ¯ ¯ ¯ ¯P 3
2
˘ ˘ ˘ ˘` ˇ ˘
8

I2 ˇ ˇ ˇ ˇ ˘ ˘ < ¯ ¯ ¯P
a - li -um a - do - ra - mus, Je - su Chri - ste. Ad te pre - ces

2˘ ¯ ˘ ˘ ˘ 2˘` ˇ ˘

3
2
a - li -um a - do - ra - mus, Je - su Chri - ste. Ad te pre - ces

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137
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

‹ = = ˘`
G2 ˘ ˘ ˘ ˇ ˘ ˘ ˘ 4˘ ¯ ˘ ˘ ˘ ˘
57

˘ ˘ ˘ ˘` ˇ 2˘ ˘ ˘
ex - au - di quod sup - pli - ca - mus, et con - ce -

= = ˘ ˘ ˘ ¯ ˘
G2 ˘
8 ex - au - di quod sup - pli - ca - mus, et con - ce -

˘ ˘ ˘ 2˘` ˇ ˘ ˘ ˘ ˘
G2 ˘ ˘ 4˘ ¯` ˘ ˘ ˘ ¯ ˘
8

< < ˘ ˘
ef - fun - di - mus, ex - au - di quod sup - pli - ca - mus, et con - ce -

I = = = ˘ ˘
› 2˘ ˘ ˘ ¯`

¯P P` P` P
ef - fun - di - mus, et con - ce -

G2 ¯ ˘ ˘ ˘ ˘ < ¯ ¯ ¯` ¯`
64

4¯ `

˘ ˘ ˘ ˘ ¯P ¯P` 2¯ P ` ¯P`
de quod pe - ti - mus, Rex be - ni - gne.

˘ ˘ 6¯ ` ¯`
G2 ¯ <

˘
8 de quod pe - ti - mus, Rex be - ni - gne.

˘ ¯P ¯P` ¯P`
G2
˘ ˘ ˘ ˘ < ¯P` ¯` ¯`
8

˘ ¯P ¯P` ¯P` ¯P`


de quod pe - ti - mus, Rex be - ni - gne.

I2 ¯ ˘ ˘ ˘ <
› ¯` ¯`
de quod pe - ti - mus, Rex be - ni - gne.

‹ ˘` = = = ¯ ˘`
Secunda Pars

G2R ¯ ˘ ˘ ˇ ˇ ˘ < ˘ ˘ ˇ ˇ
ÈÈ ÈÈ
ˇ ˇ ˇ ˘` ˇ ˘ 4˘ ¯
D’ung aultre⌣a - mer, D’ung aultre⌣a - mer,

G2R = = =
>
= = =
8 No - bis es - set fal - la - ci - a:


G2R = = < ˘ ˘ ˘ ˇ ˘ ˘ ¯ = = < ˘

˘` ˇ ˇ ˇ 2ˇ ˇ ˘` ˇ ˇ
8

IR¯ 4˘ ˘ = ¯ 4˘ ˘
No - bis es - set fal - la - ci - a: Ma -

˘ < =
› 2 ÈÈ ÈÈ ˘ ÈÈ
D’ung aultre⌣a - mer, D’ung aultre⌣a - mer,

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138
TÓPICO 2 | TRANSIÇÃO E RENASCIMENTO MUSICAL

‹ = = < ˘ ˘ ˘ ÎÎ̌ P
G2 ˘ < `˘ ˇ ˘ ˘ ˘ ¯ ˘ ¯ ˘ <
11

4¯ 3
2 ¯

ˇ ˇ ˇ ˘` ˇ ˘ 4˘ ¯
¯P
˘
et pec - ca - tum. Au - di no - stra su - spi - ri - a,

˘ ˘ ˘ ¯ ˘ ¯ ¯
G2 > ˘ ˘ ¯ 3
2
<
8 Magna esset stul -ti - ti - a et pec - ca - tum. Au - di no - stra su - spi - ri - a,

`˘ ¯ ¯P
G2 ˘ ˘ ˇ ˘ ˘ ¯ ˘ ˘ 3
2
˘ ˘ ˘ ¯ ˘ ¯ ˘ ¯ <

˘ ˘ ˘
8

¯ ¯P
gna es - set stul -ti - ti - a et pec - ca - tum. Au - di no - stra su - spi - ri - a,

I ˇ 2ˇ ˇ = < = = = =
› 2 Î ˘ ˘ ˘ 3
2
et pec - ca - tum.

‹ P
G2 ˘ ˘ ˘ ¯ ˘ ˘ ˘ 4˘ ¯ < ¯P` P
¯` ¯P` P
¯` ˘ ˘ ˘ ¯ ˘ ˘ ˘ ˘
22

`˘ ˇ ˘ ˘ ˘ ˘ ¯P < ¯P` ¯P` ¯P` ¯P` ˘ ˘ ˘ ¯ ˘ ¯ ˘


Re-plenos tu - a gra - ti - a, O rex re - gum, Ut ad tu - a ser - vi - ti -

G2 ˘ ˘ ˘
8 Re-plenos tu - a gra - ti - a, O rex re - gum, Ut ad tu - a ser - vi - ti -

P < ¯P` P ¯P` ¯P`


G2 ˘ ˘ ˘ ¯ ˘ ˘
˘ ˘ ¯ ¯`
˘ ˘ ˘ ¯ ˘ ˘ ˘ ˘
8

I2 ˘ ˘ ˘ ¯ P < ¯P` 2¯ P ` ¯P` P


Re-plenos tu - a gra - ti - a, O rex re - gum, Ut ad tu - a ser - vi - ti -

˘ ˘ 2˘ ˘ ¯` ¯ ˘ ˘ ˘
› ¯ ˘ ˘ ˘ ˘
Re-plenos tu - a gra - ti - a, O rex re - gum, Ut ad tu - a ser - vi - ti -


G2 ¯ < ˘ ˘ ˘ ¯ ˘ ˘ ˘ 4˘ ¯ < ¯P` P
¯`
P
¯` ¯`
P
¯`
33

4¯ `

¯ ˘ P`
˘ ˘ ˘ ˘ ˘ < ¯ ¯P` ¯P` ¯` ¯P`
a Si - stamus cum lae - ti - ti - a in ae - ter - num.

G2 ˘ ˘ < ˘ ˘ ˘ 6¯ `
8 a Si - stamus cum lae - ti - ti - a in ae - ter - num.

G2 ¯ ˘ ¯ ˘ ¯ ˘ ˘ ˘ ˘ ¯ < ¯P` ¯P` ¯P` ¯` ¯`


P
¯`
8

˘ ˘ ˘ 2˘ ˘ < ¯ P ` ¯P` ¯P` P


a Si - sta - mus cum lae - ti - ti - a in ae - ter - num.

I2 ˘ ˘ < ˘ ˘ ˘ ¯ ˘
› ¯` ¯` ¯`
a Si - stamus cum lae - ti - ti - a in ae - ter - num.

4 http://icking-music-archive.org/ Typeset by Luigi Cataldi (2012)

FONTE: <https://goo.gl/RD5pFW>. Acesso em: 27 out. 2018.

139
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

6.3 JACOB OBRECHT (HOLANDA)


Jacob Obrecht (c. 1450-1505) é associado com frequência a Ockeghem,
porém não possuem nem estilo e nem estão na mesma geração. Suas composições
possuem grande qualidade expressiva e suavidade harmônica na escrita
polifônica (CAVINI, 2011). Obrecht trabalhou em Cambrai, Bruges e Antuérpia.
Sua obra é composta por 29 missas, 28 motetes, mais de 30 chansons, canções em
holandês e instrumentais (GROUT; PALISCA, 2007). A maioria de suas missas
são realizadas sobre cantus firmi de canções profanas e melodias gregorianas, que
são tratados de diversas formas. Algumas missas combinam dois ou mais cantus
firmi e possuem cânones em muitas passagens (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

Ouça o motete Beata es, Maria, de Jacob Obrecht em: <https://youtu.


be/1MPqV2mMA9g>.

140
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Na transição entre Idade Média e a Renascença, as estruturas feudais entram


em decadência, há o crescimento do pensamento livre e individualista, o
espírito científico contrasta com as superstições medievais.

• No período da Renascença (1450 a 1600), os artistas e escritores voltaram-se


igualmente para temas profanos e religiosos. Há a redescoberta da cultura
greco-romana e dos tratados de estudiosos e filósofos da Antiguidade sobre
música.

• O humanismo, a Reforma e a Contrarreforma influenciaram o cenário musical


renascentista e a música vai gradativamente caminhando para o início da
tonalidade.

• Reforma Protestante demarca o novo caminho da música religiosa, que passa a


ser católica ou protestante.

• A música renascentista, ao utilizar muitas modulações, transposições,


alterações cromáticas, se diferencia do período medieval e da Ars Nova pela
alta complexidade e sofisticação conseguidas através do contraponto.

• No Renascimento surgem a notação métrica e a formalização das primeiras


fórmulas de compasso, abandonando as teorias de ritmos medievais. As formas
usualmente utilizadas na Renascença são a missa e o motete, na música sacra, e
o madrigal e a chanson, na música profana. A música instrumental aparece com
as formas do ricercar e canzona.

• A música na Renascença está dividida em Geração Pré-Renascimento e Primeira


Geração Franco-Flamenga (1400-1450); Segunda Geração Franco-Flamenga
(1450-1480); Terceira Geração Franco-Flamenga (1480-1520); Quarta Geração
Franco-Flamenga (1520-1560).

• A música inglesa tinha uma tendência para a tonalidade maior, para a plenitude
de som e pelo uso livre das terceiras e sextas do que a música do continente. A
polifonia era executada de forma improvisada sobre um cantus firmus, técnica
conhecida como discantus.

• Os compositores ingleses desenvolveram também a técnica do fauxbourdon,


uma composição escrita a duas vozes que evoluía em sextas paralelas com
oitavas intercaladas e sempre com uma oitava no final de cada frase; além
dessas duas frases, era acrescentada uma terceira voz, movendo-se uma quarta
abaixo da voz soprano.

141
• Gêneros usuais da música inglesa: antífona votiva, a carol e o motete do século
XV. Os compositores ingleses de destaque: John Dunstable (1390-1453) e Leonel
Power (c.1375-1445).

• A música da corte borgonhesa influenciou outros centros musicais europeus e


tornou-se um lugar de prestígio para o músico trabalhar. Os principais tipos de
composição no período borgonhês foram as missas, os magnificats, os motetes
e as chansons profanas, com textos em francês. Destacam-se Guillaume Dufay
(1397-1474) e Gilles de Binchois (c.1400-1460).

• Os compositores franco-flamengos foram responsáveis pelo desenvolvimento


do estilo polifônico renascentista e, de alguma forma, todos os grandes
compositores participaram da escola franco-flamenga de música e
desenvolveram uma carreira internacional.

• Destaca-se na segunda geração de música franco-flamenga o compositor


Johannes Ockeghem (c.1410-1497).

• A terceira geração franco-flamenga de música equilibrou a elevação mística e a


clareza expressiva. Destacam-se os compositores Jacob Obrecht, Heinrich Isaac
e Josquin des Prez.

142
AUTOATIVIDADE

1 Pela rápida evolução que a música passou ao longo da


Renascença (em momentos diferentes nos diversos países),
não é possível definir um estilo musical renascentista único
(CAVINI, 2011, p. 105). Porém, há diversos gêneros que
participaram da construção da música no Renascimento. Leia,
a seguir, as características de alguns gêneros da música renascentista:

FONTE: CAVINI, M. P. História da música ocidental: uma breve trajetória desde a Pré-História
até o século XVII. São Carlos: EdUFSCar, 2011.

I – Qualquer composição polifônica sobre um texto em francês, seguindo o


modelo do rondeau.
II – Composição a duas ou três vozes sobre poemas religiosos de estilo popular,
misturando versos em inglês e em latim.
III – Designando qualquer composição polifônica sobre um texto latino, menos
o ordinário da missa. IV – Tinham um papel muito importante para veiculação
dos compositores renascentistas.
V – Gênero sacro usual na Inglaterra. Caracterizada pelo estilo florido, pela
alternância de grupos de vozes maiores e menores, além de trechos de tempo
perfeito e imperfeito.

De acordo com as características descritas anteriormente, assinale a


sequência CORRETA:
a) ( ) Motete borgonhês; Chanson borgonhesa; Antífona votiva; A carol; Missa.
b) ( ) Chanson borgonhesa; A carol; Motete do século XV; Missas; Antífona votiva.
c) ( ) Chanson borgonhesa; Missas; Motete do século XV; A carol; Antífona votiva.
d) ( ) Motete borgonhês; Cantochão; Cantata; A carol; Missa.

2 “A palavra francesa Renaissance, que significa “renascimento”, foi pela


primeira vez utilizada nessa língua em 1885, quando o historiador Jules
Michelet a escolheu para subtítulo de um dos volumes da sua Histoire de
France. A partir daí foi adotada pelos historiadores da cultura, em particular
da arte e também da música, para designar um período histórico. Como
vimos, a ideia de renascimento não era estranha a uma época cujos
pensadores e artistas se consideravam restauradores do saber e das glórias da
Grécia e Roma antigas” (GROUT; PALISCA, 2007, p. 188). O Renascimento
é um período histórico-cultural amplo e extremamente importante para a
construção da prática musical, escolha um dos compositores comentados
nesse tópico para desenvolver uma pesquisa de repertório. Escolha um
compositor e ouça ao menos três obras diferentes. Nomeie e comente as
obras ouvidas.

FONTE: GROUT, Donald J. & PALISCA, Claude V. História da música ocidental. Tradução Ana
Luísa Faria, Lisboa: Gradiva, 2007.

143
144
UNIDADE 2 TÓPICO 3

CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

1 INTRODUÇÃO
A hegemonia dos músicos do Norte começou no início do século XV,
eles trabalhavam a serviço do imperador, do rei da França, do papa ou em uma
das cortes italianas. As cidades italianas de Nápoles, Ferrara, Modena, Mântua,
Milão e Veneza destacaram-se na difusão da arte dos compositores franceses,
flamengos e dos Países Baixos (GROUT; PALISCA, 2007).

Durante o Renascimento, a música inglesa influenciou os Estados da


Borgonha (Hainaut, Artois, Picardia, Flandres, Brabante, Holanda), muitos
compositores foram para a Itália aprender o bel-canto e captar o lirismo,
em decorrência de oportunidades de trabalho oferecidas pelos mecenas. Os
melhores músicos e artistas, principalmente os da escola franco-flamenga, foram
patrocinados por cardeais e príncipes de famílias como os Médici (Florença), os
Este (Ferrara), os Sforza (Milão) e os Gonzaga (Mântua) (CAVINI, 2011).

2 MÚSICA NA QUARTA GERAÇÃO FRANCO-FLAMENGA


(1520-1560)
O período de 1520 a 1560 testemunhou uma maior diversidade da
expressão musical, novos tipos e formas de música começaram a modificar o estilo
dos mestres franco-flamengos; houve também um maior número de composições
instrumentais. A música sacra resistiu durante algum tempo, alguns compositores,
inclusive, voltaram-se para o estilo contrapontístico contínuo de Ockeghem em
uma reação contra as experiências de Obrecht e Josquin. Porém, até mesmo esses
compositores abandonaram os cânones e outros processos similares da antiga
escola. As melodias de cantochão continuaram a ser utilizadas como temas de
missas e motetes, porém, tratadas de uma maneira livre. Começou-se a escrever
para cinco e seis vozes, em vez das tradicionais quatro (GROUT; PALISCA, 2007).

2.1 LUDWIG SENFL (SUÍÇA)


Ludwig Senfl (c. 1486-1542 ou 1543), discípulo de Isaac, compôs missas e
motetes conservadores, como eram comuns na época na Alemanha. Senfl destaca-
se na composição de canções profanas alemãs e algumas peças sacras sobre textos
alemães para a igreja luterana (GROUT; PALISCA, 2007).
145
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

DICAS

Ouça o lied em alemão de Senfl Dort oben auf dem Bergeem: <https://youtu.
be/5Vbfdis1Vm0>.

FIGURA 21 – PARTITURA – DORT OBEN AUF DEM BERGEEM

FONTE: <https://goo.gl/XSTP7G>. Acesso em: 27 out. 2018.

146
TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

2.2 ADRIAN WILLAERT (BÉLGICA)


Adrian Willaert (c.1480-1562) estudou Direito em Paris, mas voltou-se
para a música. Fez viagens pela Itália e foi maestro de capela da Igreja de São
Marcos de Veneza, onde contribuiu para o início da escola veneziana. Foram
seus alunos Zarlino, de Rore e A. Gabrieli. Adrian Willaert foi um pioneiro na
relação mais estreita entre texto e música, fazendo experiências no domínio do
cromatismo e do ritmo que aunciavam as novas tendências da evolução musical
(GROUT; PALISCA, 2007).

Compôs missas, motetes e madrigais; transcrições para alaúde; fantasias


e ricercari instrumentais (CAVINI, 2011). As composições sacras de Willaert são
a maioria de sua produção musical e nelas o texto determinava a forma musical
em todas as suas dimensões. Ele foi um dos primeiros compositores a exigir
que as sílabas da letra fossem rigorosamente impressas por baixo das notas
correspondentes, seguindo a acentuação do latim vulgar (GROUT; PALISCA,
2007). Seus motetes são destaques na sua música sacra e ele contribuiu com
o estabelecimento da técnica franco-neerlandesa na música da igreja, com o
desenvolvimento da antifonia coral, além do estilo que enfatizava a declamação
sem falhas do texto (CAVINI, 2011).

DICAS

Ouça Ave Regina Caelorum interpretada pelo grupo Accademia della Selva
em: <https://youtu.be/FPKDJEPJu1M>. Você irá perceber nessa interpretação que as vozes
Alto, Tenor e Baixo são realizadas por instrumentos.

147
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

FIGURA 22 – PARTITURA – AVE, REGINA CAELORUM


1
Ave, Regina Caelorum
Prima pars
Concluding antiphon of the Liturgy of the Hours Adrian Willaert (c.1490-1562)
Del primo libro de i motetti à 4 voci (Scotto press, Venice, 1530)
 
        42
5
       
Cantus
  
 A
  4   
 2         
 
Altus
8 A
¬ ¬
 
  4           
Tenor
 2 
A
 4  
8

             
Bassus
 2 
A

 10

15
     
       
ve, Re gi na cæ lo

               
8 ve,

                 
8
         
ve, Re gi na cæ lo
     
     
ve,

 20

  
    
             
rum. A

             
   
8
Re gi na cæ lo rum. A

                  
   
8

rum, cæ lo rum. A

 
  
 
 
               
     
Re gi na cæ lo rum. A

 
25 30
                  
ve, A ve, Do mi na,

          
           
8
ve, Do mi

                  
     

8 ve, A ve,

            
     
      
ve,
Typeset by Allen Garvin ([email protected]) (ver. 2018-09-29) CC BY-NC 2.5

148
TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

2 Ave, Regina Caelorum (score)


 
          
35
          
 
Do mi na An ge lo rum, Do mi na An ge lo rum.
                
           
8
na An ge lo rum, Do mi na An ge lo rum. Sal

                     

8
Do mi na An ge lo rum.
       
 
         
Do mi na, Do mi na, An ge lo rum. Sal

     
40 45
           
Sal ve, ra

           

           
8
ve, ra dix, san

                  
8
Sal ve, ra dix, san cta, ra dix,
      

            
   
ve, ra dix, san cta ra

 50
               
           
dix, san cta Ex qua mun do
        
               
8
cta, ra dix, san cta Ex qua mun do, ex qua mun do,

           

   

8
san cta, ra dix, san cta, ra

            
   
dix, san cta Ex


55 ¬ ¬ 60

                   
lux est or ta,

                    
   
8
ex qua mun do lux est or ta, lux

                      
8

       
dix, san cta Ex qua mun
       
     
qua mun do, mun do, ex qua mun do, ex qua
Typeset by Allen Garvin ([email protected]) (ver. 2018-09-29) CC BY-NC 2.5

149
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

Ave, Regina Caelorum (score) 3


¬ ¬
 
65  70
 
                
  
lux est or ta.

          
      
        
8
est or ta, lux est or ta.

                          
do lux est or ta.
 
8

    
               

 
mun do lux est or ta, ex qua mun do lux est or ta.

Ave, Regina Caelorum. Hail, O Queen of Heaven.


Ave, Domina Angelorum: Hail, O Lady of Angels:
Salve, radix, sancta, Hail! thou root, most holy,
Ex qua mundo lux est orta. From whom unto the world, a light has arisen.

FONTE: <https://goo.gl/zzvSpS>. Acesso em: 27 out. 2018.

2.3 JACOBUS CLEMENS


Jacobus Clemens (c. 1510- c.1556) trabalhou em Bruges e várias igrejas dos
Países Baixos. A sua obra inclui chansons, 15 missas, mais de 200 motetes e quatro
livros de pequenas canções de saltério (souterliedeken) com textos holandeses,
com polifonia simples, a três vozes, tendo melodias de origem popular na base.
Seus motetes possuem frases demarcadas umas das outras, motivos melódicos
delineados, de acordo com o sentido das palavras (GROUT; PALISCA, 2007).
Muitos de seus motetes utilizam cromatismo, incomum na época, na maioria
notado nas partituras.

DICAS

Ouça Ego flos campi, de Jacobus Clemens em: <https://youtu.be/dIEih20lZkE>.


Essa peça é um motete e foi composta em nome da Virgem Maria. A representação musical
da Virgem é central para o motete, representada "Como um lírio entre os espinhos", definindo
seu lema em acordes simples cercados por polifonia complexa.

Typeset by Allen Garvin ([email protected]) (ver. 2018-09-29) CC BY-NC 2.5

2.4 NICOLAS GOMBERT (FRANÇA)


O estilo característico de motete do Norte da Europa durante esse período
histórico é exemplificado nas obras de Nicolas Gombert (c. 1495-c. 1556), discípulo
de Josquin, membro da capela do imperador Carlos V, e trabalhou em Viena,
Madrid e Bruxelas. São conhecidos 160 motetes (GROUT; PALISCA, 2007).

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TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

DICAS

O motete Super flumina Babilonis é um bom exemplo do motete de Gombert.


Há uma série contínua de frases imitativas interligadas por cadências, interrompida por uma
única e breve seção de contraste em compasso ternário e harmonia de fauxbourdon, estilo
arcaico. A textura é suave e uniformemente densa, sem muitas pausas, com dissonâncias
preparadas e resolvidas. É considerado mais dramático que as obras de Josquin (GROUT;
PALISCA, 2007). É muito importante ouvir essa peça musical acompanhando a partitura
disponível, ouça em: <https://youtu.be/Wq9p_WQdpMo>.

FIGURA 23 – PARTITURA – SUPER FLUMINA BABYLONIS

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

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TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

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FONTE: <http://www1.cpdl.org/wiki/images/9/93/Gomb-sup.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2019.

3 ESTILOS NACIONAIS
Os compositores franco-flamengos, como conversamos anteriormente,
estavam espalhados por toda a Europa no início do século XVI. A sua música era
internacional, porém, apesar dessa realidade, cada país também possuía música
própria, com um apelo popular maior do que a música erudita dos compositores
do Norte. Essas músicas nacionais foram modificando o estilo dominante e a
Itália destaca-se nesse processo (GROUT; PALISCA, 2007).

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TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

A dependência musical dos compositores franco-flamengos no século


XVI foi substituída pela dependência da Itália no início do século XVII, mas
é necessário destacar, cada país desenvolveu uma escola nacional própria
(GROUT; PALISCA, 2007). A Alemanha desenvolveu-se mais tarde do que nos
outros países da Europa ocidental. Nas cortes alemãs cresceu a arte monofônica
dos minnesinger e, nas cidades e vilas, a partir de 1450, a dos meistersinger. “Os
músicos franco-flamengos só começaram a ser ouvidos na Alemanha a partir de
1530” (GROUT; PALISCA, 2007, p. 228).

3.1 FROTTOLA (ITÁLIA)


São canções estróficas italianas, compostas em estilo silábico e a quatro
vozes, com uma estrutura rítmica bem marcada, harmonias diatônicas simples
e um estilo homofônico, com a melodia na voz mais aguda. Estas canções eram
designadas por frottole (plural de frottola). Esse termo corresponde a muitos
subtipos, como a barzelletta, o capitolo, a terza rima e o strambotto, e a canzone
(GROUT; PALISCA, 2007). A frottola nasceu nas ruas como canto de carnaval
(CANDÉ, 1994).

O auge da frótola aconteceu no final do século XV e início do século


XVI. Interpretava-se cantando a voz superior e tocando as outras vozes como
acompanhamento instrumental. As frottole eram simples, com textos amorosos e
satíricos, tocadas principalmente nas cortes italianas (Mântua, Ferrara e Urbino).
A frottola é a precursora do madrigal italiano e influenciou o estilo das chansons
francesas. Os principais compositores de frottole foram italianos (GROUT;
PALISCA, 2007).

DICAS

Um exemplo de frótola muito interessante é El grillo, de Josquin des Prez.


Ouça e acompanhe a partitura em: <https://youtu.be/SuxWvdLOzAU>.
Tradução nossa:
O grilo é um bom cantante
E ele canta bastante
Quase sempre ele canta.
Mas não faz como os outros pássaros,
Que depois de cantar um pouco
Vão para outro lugar
Ele sempre fica firme.
Mas quando faz muito calor,
Canta só por amor. (WRIGHT, SIMMS, RODEN, 2009, p. 188, Tradução nossa)

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

3.2 LAUDA (ITÁLIA)


A lauda era uma canção de devoção não litúrgica, popular. Os textos
eram em italiano e latim, a quatro vozes e, muitas vezes, as melodias eram
de canções profanas. As laudes eram cantadas em reuniões de crentes, com e
sem acompanhamento instrumental. Assim como as frottole, eram silábicas,
homofônicas e com ritmo regular, a melodia estava na voz mais aguda (GROUT;
PALISCA, 2007).

3.3 CHANSON (FRANÇA)


Muito semelhante à frótola, é o francês o idioma característico da chanson.
As chansons eram canções rápidas, ritmadas, na maioria dos casos, em compasso
binário e com melodia principal na voz mais aguda. Dividiam-se em partes curtas
e diferentes entre si. Os textos falavam na maioria em amor. Clément Janequin
destaca-se na composição de chansons.

3.3.1 Chanson franco-flamenga (Antuérpia)


As chansons de compositores franco-flamengos, durante a primeira metade
do século XVI, eram mais contrapontísticas do que as chansons francesas, uma
textura mais densa, linhas melódicas melismáticas e um ritmo menos marcado,
mantinham, porém, o estilo homofônico da chanson francesa. Destacam-se, nesse
estilo, os compositores Gombert e Clemens (GROUT; PALISCA, 2007).

3.4 LIED (ALEMANHA)


É uma canção polifônica, com composição conservadora e técnica
contrapontística que veio da tradição franco-flamenga. Ludwig Senfl é o principal
compositor de lieder (plural de lied). Durante o século XVI, os lieder continuaram a
ser publicados, perdendo importância a partir de 1550 para madrigais e vilanellas
italianos. O lied forneceu o modelo musical e material musical para os corais ou
hinos da Igreja luterana (GROUT; PALISCA, 2007).

3.5 QUODLIBET (ALEMANHA)


Peça composta por diversas canções ou fragmento de canções com o
objetivo de obter uma mistura de textos (GROUT; PALISCA, 2007).

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TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

3.6 VILLANCICO (ESPANHA)


Um estilo de composição polifônica que incorporou alguns elementos
de origem popular que resistiu às influências estrangeiras. O mais importante
gênero da polifonia profana espanhola, semelhante à frottola italiana; canções
estróficas de refrão, com melodia na voz superior acompanhadas por dois ou
três instrumentos. Eram compilados em cancioneiros. Tem origem no poema
lírico medieval de temas populares, musicados para a dança. No século XVI os
temas religiosos superaram os temas profanos e o gênero entrou para a liturgia
(CAVINI, 2011). O mais importante compositor de villancico, do século XVI, é
Juan del Encina (1469-1529) (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

Ouça e acompanhe a partitura do villancico de Juan del Encina Cucú, cucú!


em: <https://youtu.be/KXw0__8GasQ>.
Tradução nossa:
Cucu, cucu!
Tem cuidado para que não aconteça contigo.

Companheiro, deves saber,


que até a mais bondosa mulher
está sempre louca por foder,
portanto satisfaz bem a tua.

Companheiro, tens de ter cuidado,


para nunca seres encornado,
se a tua mulher sai para mijar,
sai com ela também tu.

3.7 MADRIGAL (ITÁLIA)


O madrigal Renascentista é uma música de câmara para grupos pequenos
de cantores e instrumentistas (CANDÉ, 1994). Foi o gênero mais importante
da música profana italiana do século XVI, e tornou a Itália o centro musical da
Europa (GROUT; PALISCA, 2007). Foi criado por Cyprian de Rore (1516-1565),
que sintetizou a polifonia franco-flamenga, da poesia e do gênio melódico
italiano. Dessa forma, o madrigal era caracterizado pela união entre música e
texto, a liberdade da forma e a continuidade musical (CAVINI, 2011). O madrigal
italiano foi um dos gêneros de composição mais refinados do século XVI, com
conteúdo expressivo (MICHELS, 2003). O madrigal é o equivalente profano do
motete e pertence à música reservata.

161
UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

NOTA

Música reservata refere-se a um estilo musical de caráter expressivo, tanto


sacro como profano, com cromatismos, enarmonias e dissonâncias (CAVINI, 2011).

O madrigal do trecento era uma canção estrófica com refrão, no século


XVI não tinha refrão, nem outras características de formas fixas. O madrigal
inclui uma grande variedade de tipos poéticos, como soneto, balada, canção e
outros. Os madrigais de 1530 a 1550 eram a quatro vozes, misturando homofonia
e polifonia. Um dos principais compositores dessa fase é Jacques Arcadelt (1500-
1568). Os madrigais clássicos de 1550 a 1580 eram escritos a cinco vozes, com
sincronia entre música e texto. Os principais compositores dessa fase são Orlando
di Lasso (1532-1594) e Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594). Os madrigais
tardios de 1580 a 1620 eram gêneros com uma intensificação da interpretação
do texto unida aos recursos musicais. Os principais compositores dessa fase são:
Luca Marenzio (1554-1599), Carlo Gesualdo (1560-1630) e Claudio Monteverdi
(1567-1643) (CAVINI, 2011, p. 124).

DICAS

Cláudio Monteverdi, através do madrigal, passou da escrita musical de conjunto


vocal polifônico para solos e duetos com acompanhamento instrumental. Ouça o madrigal
Cruda Amarilli em: <https://youtu.be/bKTQQ28sSNo>.

Madrigal (Inglaterra): Os madrigais ingleses eram composições


polifônicas a quatro vozes, divididas em três tipos: Madrigal tradicional, uma
música sem refrão, de caráter contrapontístico e em estilo imitativo. Destaca-
se o compositor Thomas Weelkes (1575-1623). Ballet, que era ao mesmo tempo
cantado e dançado, mais leve que o madrigal tradicional, música estrófica, de
ritmo marcado e a textura trabalhada em acordes. Destaca-se o compositor
Thomas Morley (1557-1602). Ayre, que era canção inglesa com execução variada.
Destaca-se o compositor John Dowland (1563-1626) (CAVINI, 2011, p. 124).

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TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

4 MÚSICA INSTRUMENTAL DO SÉCULO XVI


O período entre os anos de 1450 e 1550 foi marcado pela polifonia vocal
escrita, mas nesse período houve um aumento de interesse dos compositores pela
música instrumental e o surgimento de estilos e formas independentes para a
composição instrumental. Como vimos até aqui, os instrumentos participavam
de todo tipo de música polifônica durante a Idade Média, considerando inclusive
que uma parte significativa da música instrumental de danças, fanfarras ou
outras peças não chegou até os dias atuais, pois não era escrita, mas improvisada
no momento. Dessa forma, o incremento da música instrumental a partir de 1450
significa apenas que, a partir dessa data, a música instrumental teve um aumento
da produção escrita, e não necessariamente da produção para esse segmento.
Algo que se pode inferir nesse contexto é que os instrumentos, no Renascimento,
passam a ser mais bem vistos, em contraste com a Idade Média, em que eram
vistos com desprezo (GROUT; PALISCA, 2007).

É preciso levar em consideração que os documentos e manuscritos


conservados com a música instrumental não correspondem à totalidade da
música produzida e, na execução musical, muita coisa era acrescentada, como
ornamentações. Outro aspecto interessante é que, a partir do século XVI, a
publicação de livros que descrevem instrumentos ou instruem como tocar
aumenta. A primeira obra desse tipo é de 1511 e a maioria destes livros era escrita
em língua vernácula e não em latim, eram dirigidos para os executantes e não para
os teóricos musicais. Através desses livros é possível conhecer as questões sobre
o domínio da altura, temperamento, a afinação desses instrumentos e perceber a
importância atribuída à improvisação de ornamentos sobre uma linha melódica
(GROUT; PALISCA, 2007).

A música na Renascença tinha como ideal a sonoridade homogênea.


Assim, de acordo com esse ideal, era comum, como demonstram documentos, o
grande número e variedade de instrumentos construídos em séries ou famílias,
que permitiam, justamente, um timbre uniforme do baixo ao soprano.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

FIGURA 24 – CONSORT DE FLAUTAS NO AUS SYNTAGMA MUSICUM, DE MICHAEL


PRAETORIUS, 1615

FONTE: <https://goo.gl/Jb5kyZ>. Acesso em: 27 out. 2018.

Além das flautas doces, os principais instrumentos de sopro na Renascença


eram as charamelas (instrumentos de palheta dupla); os cromornes (instrumentos
de palhetas duplas, mais suaves que as charamelas); o kortholt e o rauschpfeife
(instrumentos com a palheta coberta por uma cápsula), a flauta transversal
e os cornetos (que eram de madeira ou marfim); os trompetes e as sacabuxas
(antepassado do moderno trombone, com sonoridade mais suave que a atual)
(GROUT; PALISCA, 2007).

Havia dois tipos de instrumentos de teclas, o clavicórdio e o cravo. O


clavicórdio produzia o som por uma tangente de metal que percutia a corda e
permanecia em contato com ela; possuía um som delicado. Já o cravo possuía
diferentes formas, tamanhos e nomes, como espineta e clavicembalo, entre outros.
Todos eles produziam o som com a corda sendo puxada, o som era mais robusto
que o do clavicórdio. O clavicórdio era um instrumento solista para pequenas
salas; o cravo era para solos ou conjuntos (GROUT; PALISCA, 2007).

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TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

FIGURA 25 – CLAVICÓRDIO

FONTE: <https://goo.gl/DrVFtm>. Acesso em: 27 out. 2018.

O alaúde era o instrumento solista doméstico mais popular do


Renascimento, era construído em vários tamanhos, com uma corda simples e
cinco cordas duplas; o braço era provido de trastes e o cravelhal era inclinado
para trás, formando um ângulo reto com o braço. Era possível tocar acordes,
melodias, escalas e ornamentos, além de peças contrapontísticas. O alaúde podia
ser utilizado como um instrumento solista e para acompanhar o canto.

FIGURA 26 – ALAÚDE

FONTE: <https://goo.gl/LhWScE>. Acesso em: 27 out. 2018.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

No início do século XVI, a música instrumental estava ligada à execução da


música vocal, dobrando vozes em composições sacras e profanas. As composições
derivadas de modelos vocais eram transcrições de madrigais, chansons e motetes
(GROUT; PALISCA, 2007).

4.1 CANZONA
Equivalente a canção ou chanson. A canzona instrumental era denominada
canzona de sonar (canção para ser tocada) ou canzona alla francese (canção no estilo
francês). Havia canzonas para instrumentos solos e conjuntos e tinham o mesmo
estilo da chanson francesa: rápida, com ritmo marcado, textura contrapontística
simples. A canzona tornou-se no final do século XVI a principal forma da música
instrumental contrapontística (GROUT; PALISCA, 2007).

4.2 DANÇA
A dança fazia parte da sociedade renascentista como atividade obrigatória,
para homens e mulheres, muitas danças da Renascença remontam ao século XIV
(CAVINI, 2011). Numerosas músicas instrumentais do século XVI eram peças de
dança para alaúde, instrumentos de tecla ou conjuntos instrumentais; não mais
improvisadas como na Idade Média. Essas peças tinham estrutura rítmica marcada,
regulares e dividiam-se em seções distintas. As principais danças do período são:
a basse danse, uma dança nobre em três tempos executada sem saltos; a pavana
(pavane), de ritmo binário e andamento moderado associada a uma dança viva
como o saltarello em 6/8 até 1530 e à galharda, depois; courante, dança saltada
de ritmo binário e andamento vivo; alemanda (alemande), peça simples, de ritmo
binário e andamento moderado; a gavota, dança francesa do final do século XVI
que deriva de uma forma de brandle, de ritmo binário e andamento vivo e alegre;
chacona e sarabanda (sarabande), danças espanholas em três tempos, animadas e
licenciosas (CAVINI, 2011). No século XVI as danças deram origem a um grande
número de peças estilizadas que conservaram os ritmos característicos e que não
tinham a finalidade de dança (GROUT; PALISCA, 2007).

4.3 PEÇAS IMPROVISADAS


Com o tempo, as particularidades improvisatórias da prática musical
passaram a ser escritas em manuscritos e em obras impressas. O músico do
século XVI possuía duas formas principais de improvisar, ornamentando sobre
uma linha melódica ou acrescentando uma ou duas partes contrapontísticas
a uma melodia existente, como a de um cantochão. São exemplos de peças do
estilo improvisatório o prelúdio, ou preâmbulo, fantasia, ricercare e tocata, para
instrumento de tecla (GROUT; PALISCA, 2007).

166
TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

RICERCARE

Ao se adaptar peças vocais para a execução instrumental, originaram-


se determinados tipos de composição instrumental que seguiam modelos
vocais, como o ricercare e a canzona (semelhantes, respectivamente, ao motete e
à chanson). O termo ricercare designa a busca das notas no braço do instrumento.
Os primeiros ricercari (plural de ricercare) são de caráter improvisatório, depois
de imitação, e em 1540 surgem os ricercari constituídos de uma sucessão de
temas sem individualidade ou contrastes marcados, desenvolvidos por imitação
e entrelaçados com o seguinte através da sobreposição de vozes na cadência.
Na verdade, eles são motetes imitativos desprovidos de texto. Os ricercari desse
tipo eram destinados à execução de conjunto, quase sempre destinado aos
instrumentos de teclado (GROUT; PALISCA, 2007).

SONATA

O termo foi utilizado a partir do século XV para designar uma grande


variedade de peças de música totalmente instrumentais para instrumentos
solistas ou conjuntos (GROUT; PALISCA, 2007).

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

LEITURA COMPLEMENTAR

MÚSICA E MAGIA, PARTE III: POLIFONIA, INSTRUMENTOS


ESTRANHOS E RENASCIMENTO

Tiago de Lima Castro

Polifonia: Mudando as Regras do Jogo

Ao final do século IX, emerge uma nova prática musical: a polifonia, ou


seja, a prática de cantar diferentes melodias simultaneamente. Isso provocará
problemas práticos e teóricos; os práticos, pelos novos problemas com afinação
e de processos compositivos, e os teóricos devido à teoria vigente funcionar para
pensar uma única melodia sem acompanhamento. Vejam, mesmo que haja práticas
corais, como no canto gregoriano, todos cantam exatamente a mesma melodia,
e as novas práticas propõem cantar melodias diferentes simultaneamente. Tais
práticas atraem fiéis às missas, além de questões sobre tais práticas, pois se são
belas, devem expressar a verdade e o bem, baseado na antiga tríade platônica
assimilada por Agostinho como belo, bem e verdade. Mas, e se tal beleza estiver
desviando a música de sua finalidade mística para uma finalidade puramente
sensual? O experimentalismo dos compositores, principalmente na Renascença,
chegando a cantar textos diferentes simultaneamente, por exemplo, auxiliará a
criar dúvidas e questões. Contudo, resistiremos à tentação de nos desviar do tema
do texto.

A Influência dos Mouros

A reconquista dos territórios ibéricos trouxe uma tradição musical de


origem moura e sefardita, com instrumentos como pandeiro e alaúde, e práticas
musicais diversas. Os mouros, além de uma tradição místico-musical própria,
também especulavam sobre esta utilizando-se de teorias pitagóricas. As canções
sefarditas foram a base da prática musical dos trovadores. O Ocidente sempre
se alimenta de práticas e conhecimentos de outros povos, tratando, contudo, de
apagar tal influência em suas narrativas históricas.

Junto a estas novas práticas polifônicas e de trovadores, textos da


antiguidade clássica foram redescobertos nos territórios ibéricos, além do
retorno da troca de documentos com bizantinos. Isso gestou o Renascimento. O
Renascimento é visto como uma ascensão da razão em face do obscurantismo
medieval devido ao reavivamento do pensamento platônico entre os intelectuais,
ainda que tal visão seja um tanto romantizada.

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TÓPICO 3 | CORRENTES MUSICAIS DO SÉCULO XVI

Entra Hermes Trismegisto

O padre Marsílio Ficino traduziu Platão do grego para o latim,


disponibilizando sua obra, através do mecenato dos Médici. Porém, fará o mesmo
com os neoplatônicos e o Corpus Hermeticum, os textos atribuídos a Hermes
Trismegisto, provavelmente do século IV, de forma que seu neoplatonismo
estava embebecido do hermetismo, sendo este o neoplatonismo dominante no
pensamento renascentista. Dessa maneira, Ficino definirá o Mago – amigo leitor,
por mais estranho que pareça, o padre Ficino utilizou especificamente este termo –
como o homem-Deus, homem espiritual, sendo este o ideal que deve ser alcançado
através dos estudos e das práticas, de cunho cristão, hermético e neoplatônico.
Quais disciplinas o Mago deveria dominar? Para Ficino, esse processo ascético
se dá no pleno domínio, e não somente um conhecimento ou prática superficiais,
da literatura, medicina, música, arte, filosofia e teologia. Antes de Leonardo da
Vinci ser tido como o modelo de renascentista, tal modelo se une à ideia de Mago
em Ficino. Ele chegou a ser indiciado por práticas de necromancia em sua Nova
Academia, mas nada fora efetivamente comprovado. Contudo, os estudos de
hermetismo que perpassam todas as escolas esotéricas posteriores se dão graças à
tradução de Ficino e, provavelmente, com influência de sua interpretação destes.
Diga-se de passagem que é uma pena que o Corpus Hermeticum não esteja todo
disponível em português, e nem os escritos de Ficino sobre este.

Magia Musical nas Cortes Renascentistas

A valorização da música pelos Médici, que influenciará a Europa como


um todo, se dá numa concepção mágica e médica da música, pelas propriedades
desta como proposto por Ficino e outros teóricos italianos, como Lorenzo
Giacomini Tebalducci Malespini. A ação mágica da música, propiciando melhor
saúde física, mental e espiritual, influirá sobre todas as cortes e na valoração das
práticas musicais. Este contexto é que propiciará o surgimento da ópera, já que
esta ressuscitaria as práticas místicas da tragédia grega, originalmente encenadas
em festivais a Dionísio, propiciando a catarse dos humores deletérios, aqueles
que a medicina da época considerava os constituintes da fisiologia humana. Dessa
forma, a concepção mágica da música foi um dos motivos que impulsionou sua
prática nas cortes.

Os teóricos musicais não usavam o termo mágico. Porém, se lermos


Gioseffo Zarlino, o qual defendeu a racionalidade do processo de composição
musical, sendo que o termo sujeito do contraponto que ele propôs é utilizado
ainda em nossos dias, verificamos que ele parte de uma análise da relação dos
números com a natureza, em uma releitura de Boécio, para, a partir daí, discutir
a natureza numérica do som e dos processos de composição musical. Ainda
defendendo ideias boecianas, fica evidente que a música afeta a alma e o corpo
humano, e pode ser analisada efetivamente por suas relações numéricas internas.
A ausência do termo magia se dá pelo cunho pejorativo deste, já que Zarlino está
defendendo as novas práticas musicais dentro da Igreja Católica no complexo
contexto da Contrarreforma.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

O próprio Lutero teve grande preocupação com as estruturas harmônicas


da música religiosa, como mestre da capela que também era. Afinal, a música
deveria ser meio de religação a Deus, e nisso, as estruturas contrapontísticas
deveriam exprimir os afetos propostos pelos textos cantados e propiciar sua
compreensão.

Música e a Astronomia Moderna

No desenvolvimento da ciência moderna, esta estava diretamente ligada


à música. Como dito acima, as experiências astronômicas tinham argumentações
musicais. Um exemplo era o problema de utilizar números irracionais em cálculos
astronômicos, pois se não são racionais e estão na natureza, então a razão é incapaz
de apreender na natureza ou a própria criação em si não é racional. Contudo, as
práticas polifônicas levaram a modificações nos processos de afinação, de forma
a terem base em números irracionais, e mesmo assim são belas. Lembrando da
tríade platônica ainda existente, do belo, bem e verdade, se a música produzida
por números irracionais é bela, então estes números irracionais são verdadeiros e
estão na natureza, podendo, portanto, ser aplicados ao estudo da astronomia. Por
isso, ideias como a música das esferas, que retornou com vigor após Kepler, foi
tão importante para a ciência. De forma que ainda a ordem cósmica é vista como
música, a qual se for imitada pela música que produzimos permite a simpatia com
a própria ordem das coisas. Se quiser se aprofundar neste assunto, recomendo as
obras Quantifying Music: The Science of Music at the First Stage of the Scientific
Revolution, de Hendrik Florence Cohen, e Music and the Making of the Modern
Science, de Peter Pesic, ambos historiadores da ciência.

FONTE: <https://goo.gl/z9Eo6R>. Acesso em: 12 set. 2018.

170
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O período de 1520 a 1560 destaca-se pela maior diversidade da expressão


musical, novos tipos e formas de música e maior número de composições
instrumentais. Destacam-se nesse período os compositores Ludwig Senfl (c.
1486-1542 ou 1543), Adrian Willaert (c. 1480-1562), Jacobus Clemens (c. 1510-c.
1556) e Nicolas Gombert (c. 1495-c. 1556).

• A música no século XVI era internacional, mas cada país também possuía
música própria, com um apelo popular maior do que a música erudita dos
compositores do Norte.

• A dependência musical dos compositores franco-flamengos no século XVI foi


substituída pela dependência da Itália no início do século XVII.

• Os estilos nacionais desenvolvem-se mais tarde na Alemanha. Nas cortes


alemãs cresceu a arte monofônica dos minnesinger e, nas cidades e vilas a partir
de 1450, a dos meistersinger.

• Frottola são canções estróficas italianas, compostas em estilo silábico e a


quatro vozes, com uma estrutura rítmica bem marcada, harmonias diatônicas
simples e um estilo homofônico, e a melodia na voz mais aguda. O auge da
frótola aconteceu no final do século XV e início do século XVI. Os principais
compositores de frottole foram italianos.

• A lauda era uma canção de devoção não litúrgica, popular. Os textos eram em
italiano, latim, a quatro vozes e, muitas vezes, as melodias eram de canções
profanas.

• As chansons eram canções rápidas, ritmadas, em compasso binário, melodia


principal na voz mais aguda. Dividiam-se em partes curtas e diferentes
entre si.

• As chansons de compositores franco-flamengos, durante a primeira metade


do século XVI, eram mais contrapontísticas do que as chansons francesas, uma
textura mais densa, linhas melódicas melismáticas e um ritmo menos marcado.

• O lied é uma canção polifônica alemã, com composição conservadora e técnica


contrapontística que veio da tradição franco-flamenga. Ludwig Senfl é o
principal compositor de lieder.

171
• Quodlibet são peças compostas por diversas canções ou fragmento de canções
com o objetivo de obter uma mistura de textos.

• Villancico é o mais importante gênero da polifonia profana espanhola, tem


origem no poema lírico medieval de temas populares, musicados para a dança.

• O madrigal renascentista é uma música de câmara para grupos pequenos de


cantores e instrumentistas, foi o gênero mais importante da música profana
italiana do século XVI e tornou a Itália o centro musical da Europa.

• Os instrumentos, no Renascimento, passam a ser mais bem vistos, em contraste


com a Idade Média, em que eram vistos com desprezo. Havia um grande
número e variedade de instrumentos construídos em séries ou famílias, que
permitiam um timbre uniforme do baixo ao soprano.

• No início do século XVI, a música instrumental estava ligada à execução


da música vocal, dobrando vozes em composições sacras e profanas. As
composições derivadas de modelos vocais eram transcrições de madrigais,
chansons e motetes (GROUT; PALISCA, 2007).

172
AUTOATIVIDADE

1 (SEE/PE 2008) Denominou-se de Renascimento o grande


movimento de renovação das artes, das letras e das ciências,
surgido a partir do século XV, estendendo-se ao final do
século XVI, tornando o mundo mais luminoso. Na música,
o Renascentismo veio a ter os agentes modificadores, que,
ao mesclarem ritmos de músicas populares, trovadorescas, mudaram a
qualidade musical que era praticada até os finais do século XIV. Assinale a
alternativa que contém a forma musical não desenvolvida no Renascimento.

a) ( ) Ópera.
b) ( ) Chanson.
c) ( ) Frottola.
d) ( ) Madrigal.

2 (SEE/PE 2008) No renascimento musical do século XV, vários


compositores e teóricos se notabilizaram, à medida que
tornavam os textos cantados mais brilhantes, luminosos, em
razão das concatenações harmônicas, que surgiam a partir de
superposições melódicas, o que caracteriza a polifonia. Assinale a seguir o
compositor que não atuou no século XV.

a) ( ) Guillaume Dufay.
b) ( ) Marchettus de Pádua.
c) ( ) Joannes Ockeghem.
d) ( ) Josquin des Prez.

3 (SEE/PE 2008) O ponto culminante do Renascimento, inclusive


na música, aconteceu no final do século XVI, apontando-nos
na história um extraordinário elenco de compositores que nos
legaram um rico repertório musical, tanto religioso quanto
profano. Assinale o compositor que pertenceu ao Renascimento.

a) ( ) Arnold Schoenberg.
b) ( ) Orlando di Lasso.
c) ( ) Antônio Vivaldi.
d) ( ) Igor Stravinsky.

173
174
UNIDADE 3

HISTÓRIA DA MÚSICA: DO
RENASCIMENTO AO BARROCO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o período de transição da música, o Renascimento tardio;

• conhecer os impactos da Reforma e da Contrarreforma na música;

• identificar compositores importantes no período do Renascimento tardio;

• entender a importância do período Barroco para a música;

• apreciar os principais gêneros de música vocal no período Barroco;

• conhecer a música sacra Barroca,

• identificar as principais modificações na música instrumental;

• valorizar os compositores de destaque do período.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

TÓPICO 2 – MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

TÓPICO 3 – MÚSICA SACRA E INSTRUMENTAL NO PERÍODO


BARROCO

175
176
UNIDADE 3
TÓPICO 1

MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

1 INTRODUÇÃO
A partir do século XVI, como vimos anteriormente, o Renascimento e a
atividade musical europeia foram marcados por reformas religiosas em resposta
a abusos cometidos pela Igreja Católica e por causa de uma mudança de visão
de mundo. Em 1517, Martinho Lutero (1783-1546) afixou uma lista de 95 teses
na porta da Igreja de Wittenberg (Alemanha) com críticas a vários aspectos da
doutrina católica, como a venda de indulgências e o celibato, iniciando a Reforma
Luterana (CAVINI, 2011).

FIGURA 1 – MARTIN LUTHER PREGANDO NO CASTELO DE WARTBURG

FONTE: <https://www.1st-art-gallery.com/thumbnail/187000/187319/popular_bg/Vogel/
Luther-Preaches-Using-His-Bible-Translation-While-Imprisoned-At-Wartburg,-1882.
jpg?ts=1505655060>. Acesso em: 18 dez. 2018.

Nota: Pintura de Hugo Vogel de 1882.

177
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Neste momento histórico, a música ficou dividida em música católica e


música protestante. Além de questões doutrinárias, os objetivos musicais comuns
dos reformadores na Inglaterra, Alemanha e França, eram que as letras das
canções deveriam ser na língua própria de cada nação, deveriam ser ouvidas e
entendidas, assim como deveria haver a participação no canto das congregações.
Essa participação vocal no culto é uma das características principais da Reforma
na música (CAVINI, 2011).

Inicialmente, as dificuldades da música protestante foram encontrar uma


linguagem para a utilização nos cantos que não fosse vulgar, incluir a participação
cantando dos fiéis nos cultos e a dificuldade em compor melodias seguindo os
princípios da Reforma e também do canto popular. Apesar dos objetivos comuns
da Reforma, as características na música foram diferenciadas em cada um dos
países (CAVINI, 2011).

Após a cisão com a Igreja de Roma, a Igreja luterana manteve uma grande
parte da liturgia católica tradicional, um considerável uso do latim nos serviços
religiosos, e muito da música católica, cantochão e polifonia, às vezes em latim,
outras traduzidas para o alemão, outras com novos textos alemães adaptados às
antigas melodias (chamadas de contrafacta). No século XVI, a música na Igreja
luterana refletia as convicções de Lutero: a crença no poder educativo e ético da
música e o desejo pela participação de toda congregação na música dos serviços
religiosos (GROUT; PALISCA, 2007).

Na França aconteceu a Reforma Calvinista em 1534 com João Calvino


(1509-1564), que pregava a salvação da alma somente através do trabalho justo
e honesto. Na Inglaterra, a Reforma Anglicana foi iniciada assim que o rei
Henrique VIII (1509-1547) rompeu relações com a Igreja Católica motivado pela
não autorização de seu divórcio com Catarina de Aragão. Essa foi uma reforma
mais política do que doutrinária (CAVINI, 2011).

Para se contrapor a essas novas doutrinas, a Igreja Católica iniciou a


Inquisição. O Tribunal da Inquisição atuou com força nos séculos XIII e XIV e
foi reativado em 1542 com o objetivo de julgar e perseguir as pessoas acusadas
de praticar ou difundir as novas doutrinas protestantes. O Concílio de Trento foi
convocado em 1545 e deliberou sobre ações de combate à Reforma Protestante,
sobre a criação da Companhia de Jesus e o fortalecimento da autoridade do
papa, entre outras questões (CAVINI, 2011). O Concílio de Trento foi o início da
Contrarreforma, caracterizada por ser uma reforma moral, do culto e música.

A música da Contrarreforma era caracterizada por ser à capela, pois


acreditava-se que apenas a voz humana era digna de louvar o Criador. Essa crença
foi a base do estilo de Giovanni Pierluigi da Palestrina, importante compositor que
conheceremos a seguir. Neste tópico iremos conhecer a prática musical presente
nesse contexto de Reforma e Contrarreforma em um momento de transição do
Renascimento para o período Barroco.

178
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

2 MÚSICA NA REFORMA NA ALEMANHA


Destacam-se na contribuição musical da Igreja luterana os hinos estróficos
cantados pela congregação, harmonizados a quatro vozes, chamados de corais.
Assim como a grande maioria da música do século XVI derivou do cantochão,
grande parte da música dos séculos XVII e XVIII derivou do coral (GROUT;
PALISCA, 2007). A partir de 1524 foram publicadas coletâneas de corais,
destinadas a serem cantadas pela congregação em uníssono, sem harmonização
ou acompanhamento. A notação, vale o destaque, em alguns livros era
semelhante ao canto gregoriano contemporâneo, sem indicação de duração das
notas, em outros as melodias eram apresentadas em notação mensural precisa
(GROUT; PALISCA, 2007). As composições de corais eram de composição nova,
porém muitas se baseavam em canções profanas e sacras já existentes (GROUT;
PALISCA, 2007).

Dentro dos corais é preciso destacar os contrafacta, paródias de canções


profanas, em que a melodia se conservava e o texto era substituído por uma letra
nova ou alterado para um sentido espiritual. A adaptação de canções profanas e
composições polifônicas para fins religiosos era comum no século XVI (GROUT;
PALISCA, 2007).

As composições polifônicas sobre corais também se tornaram comuns.


Em 1524 Johan Walter (1496-1570), principal colaborador de Lutero, publicou
um volume com 38 arranjos de corais alemães e cinco motetes latinos, que foi
ampliado em edições posteriores até 1551 (GROUT; PALISCA, 2007). Em 1544,
Georg Rá (1488-1548), editor de música de destaque da Alemanha luterana,
publicou uma antologia com os principais compositores alemães e suíço-alemães
da primeira metade do século XVI, como Ludwig Senfl, Thomas Stoltzer (c. 1475-
1526), Benedictus Ducis (c. 1490-1544) Sixtus Dietrich (c. 1490-1548), Arnold von
Bruck (c. 1470-1554) e Lúpus Hellinck (c. 1495-1541) (GROUT; PALISCA, 2007).

Inicialmente, nos arranjos polifônicos, os fiéis cantavam apenas a melodia


principal, depois, através da tradição oral, a rítmica desses arranjos modificou-
se e ficou mais simples. Essas melodias adaptadas pelos fiéis tiveram grande
aceitação pela simplicidade de estrutura, caráter popular, unidade de estilo
conseguida pela interpretação a arranjos (CANDÉ, 1994).

Os corais polifônicos variavam no estilo: alguns possuíam a técnica mais


antiga do Lied alemão, outros eram semelhantes aos motetes franco-flamengos,
outros ainda eram em estilo simples, usual na primeira metade do século XVI. É
importante destacar que os arranjos de polifonia eram destinados ao coro e não
à congregação e era corrente alternar estrofes cantadas em uníssono pelo coro,
dobrado por instrumentos, com estrofes cantadas pela congregação em uníssono
e sem acompanhamento instrumental (GROUT; PALISCA, 2007).

179
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

No final do século XVI houve uma mudança, os corais começaram a


utilizar o estilo cancional, no qual as composições são baseadas inteiramente em
acordes, com ritmo simples, a melodia presente na voz aguda, parecidas com
hinos. A partir do século XVII passou-se a utilizar cada vez mais o órgão para
tocar todas as vozes enquanto a congregação cantava a melodia. Com esse estilo
foi realizada a publicação da coletânea Fünfzig Lieder und Psalmen (Cinquenta
Corais e Salmos), por Lucas Osiander (1534-1604), em 1586, e destacam-se nesse
estilo compositores como H. L. Hassler, Michael Praetorius (1571-1621) e Johan
Hermann Schein (GROUT; PALISCA, 2007).

NOTA

Ao final do século XVI os compositores da Alemanha protestante começaram


a utilizar as melodias tradicionais como base para a criação artística, acrescentando detalhes
descritivos e interpretação individual, essas composições são conhecidas como motetes
corais. Dessa forma, os motetes corais podiam afastar-se das melodias corais tradicionais. Os
principais compositores de motetes alemães neste período foram Johannes Eccard (1553-
1611), Leonhard Lechner (c. 1553-1606) e Michael Praetorius (GROUT; PALISCA, 2007). Michael
deixou um importante conjunto de músicas de adoração e especializou-se em músicas para
o advento e Natal. Uma de suas músicas de destaque é moteto Psallite, Unigenito cujo texto
usa duas linguagens diferentes, o refrão está em latim e acredita-se que tenha derivado de
uma canção popular anterior para o Natal e, intercalando, há dois versos na língua alemã
vernacular. Ouça esse moteto em: <https://youtu.be/2qywjz-qSXg>.

180
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

FIGURA 2 – MICHAEL PRAETORIUS – PSALLITE, UNIGÊNITO

Psallite, unigenito
         
Michael Praetorius
       
           
Psal li te, u ni ge ni to, Chri sto De i fi li o,

Singt und klingt,
     
Je su, Got tes Kind, und Ma ri en Söh ne lein,
   
     
          
8
  
Psal li te, u ni ge ni to, Chri sto De i fi li o,
Singt und klingt, Je su, Got tes Kind, und Ma ri en Söh ne lein,
               
   
8 Psal li te, u ni ge ni to,

  
Singt und klingt,
     
Je su, Got tes Kind,
 
     
 
Psal li te, u ni ge ni to,
Singt und klingt, Je su, Got tes Kind,

5          
                  
  
psal li te, Re dem to ri Do mi no, pu e ru lo ja cen ti

        
singt und klingt, un serm lie ben Je su lein im Krip pe lein beim Öchs lein
 
        

   




8 Re dem to ri Do mi no, pu e ru lo ja cen ti
   un serm lie ben Je su lein im Krip pe lein beim Öchs lein

                     
8
              
Chri sto De i fi li o, Re dem to ri Do mi no, pu e ru lo ja cen ti
und Ma ri en Söh ne lein,
   
un serm lie ben Je su lein im Krip pe lein beim Öchs
 lein

      
              
            
Chri sto De i fi li o, Re dem to ri Do mi no, pu e ru lo ja cen ti
und Ma ri en Söh ne lein, un serm lie ben Je su lein im Krip pe lein beim Öchs lein

8      
                
           
in prae se pi o. Ein klein es Kin de lein liegt in dem Krip pe lein;

           
und beim E se lein.

      
  
            
8
in prae se pi o. Ein klein es Kin de lein liegt in dem Krip pe lein;
  
und beim E se lein.
 
         
8

in prae se pi o. al le

    
und beim E se lein.
 
     
    
in prae se pi o. al le
und beim E se lein.

Psallite, unigenito - Page 1


© Monique Rio (CC BY 4.0) | Edition Date: 13-Aug-2016

181
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

         
   1
12

   2

        
al le lie be En ge lein die nen dem
  
   
1
2
 
8 al le lie be En ge lein die nen dem

                
       1
2
8
lie be En ge lein die nen dem Kin de lein, und sin gen ihm fein. Psa li

         
      
Singt und
        1
 2
lie be En ge lein die nen dem Kin de lein, und sin gen ihm fein. Psa
Singt

           
  21          
17

        
 
Kin de lein. Psal li te, u ni ge ni to, Chri sto De i fi li o,

  
Singt

und klingt,

Je su, Got tes Kind,
       
und Ma ri en Söh ne lein,

  21            
      
8
Kin de lein. Psal li te, u ni ge ni to, Chri sto De i fi li o,
Singt und klingt, Je su, Got tes Kind, und Ma ri en Söh ne lein,

  21        
   
  
8 te, u ni ge ni to,
klingt,
  
Je su, Got tes Kind,
 1
 2 
         
li te, u ni ge ni to,
und klingt, Je su, Got tes Kind,

             
                      
21

    
psal li te, Re dem to ri Do mi no, pu e ru lo ja cen ti in prae se pi o.

             
singt und klingt, un serm lie ben Je su lein im Krip pe lein beim Öchs lein und beim E se lein.

            

  
  
  
8 Re dem to ri Do mi no, pu e ru lo ja cen ti in prae se pi o.
   
un serm lie ben Je su lein im Krip pe lein beim Öchs lein und beim E se lein.
  
                   
          
      
8
   
Chri sto De i fi li o, Re dem to ri Do mi no, pu e ru lo ja cen ti in prae se pi o.
            
und Ma ri en Söh ne lein, un serm lie ben Je su lein im Krip pe lein beim Öchs lein und beim E se lein.
      
                      
Chri sto De i fi li o, Re dem to ri Do mi no, pu e ru lo ja cen ti in prae se pi o.
und Ma ri en Söh ne lein, un serm lie ben Je su lein im Krip pe lein beim Öchs lein und beim E se lein.

Psallite, unigenito - Page 2


© Monique Rio (CC BY 4.0) | Edition Date: 13-Aug-2016

FONTE: <https://goo.gl/DMcqa3>. Acesso em: 11 dez. 2018.

182
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

3 MÚSICA SACRA DA REFORMA FORA DA ALEMANHA


Na música, a Reforma ocorrida nos Países Baixos, Suíça e França teve
um efeito diferente do ocorrido na Alemanha. As outras vertentes protestantes,
por exemplo, o calvinismo, opunham-se à manutenção de elementos da liturgia
e cerimonial católico, e ao canto de textos não pertencentes à Bíblia, diferindo-
se de Lutero. Dessa forma, as únicas produções musicais permitidas em igrejas
calvinistas foram as coleções de salmos, com melodias e composições novas ou
com origem popular ou adaptadas ao cantochão (GROUT; PALISCA, 2007).

Inicialmente os salmos eram cantados nos serviços religiosos em uníssono


e sem acompanhamento, já na prática doméstica foram compostas versões a quatro
ou mais vozes em estilo cordal simples com arranjos elaborados assemelhando-
se aos motetes. Porém, aos poucos, algumas versões mais simples a quatro vozes
eram utilizadas no culto público.

Calvino foi mais radical do que Lutero em relação à presença da música nos
cultos, não acreditava no enriquecimento espiritual através do canto, mas reconhecia
seu poder de comoção sobre os homens (CANDÉ, 1994). Baseando-se em Lutero,
em 1539, realizou uma coletânea inicial de cantos comunitários, o Aulcuns pseaulmes
et cantiques mys en chant, baseado em um Saltério alemão. A adaptação da métrica
do alemão para o francês não foi bem-sucedida (CAVINI, 2011).

Traduções e melodias francesas foram realizadas e adotadas pelas igrejas


reformadas na Alemanha, Holanda, Inglaterra e Escócia. As melodias presentes no
Livro de Salmos francês caracterizam-se por serem suaves, intimistas e austeras
quando em comparação com os corais alemães. As melodias dos salmos das
igrejas calvinistas não se expandiam em formas vocais e instrumentais de maiores
proporções como aconteceu com os corais alemães, tendo em vista que as igrejas
calvinistas não estimulavam a elaboração musical (GROUT; PALISCA, 2007).

Destacam-se na França os compositores de salmos Claude Goudimel (c.


1505-1572) e Claude Le Jeume; e nos Países Baixos, J. P. Sweelinck. A coleção de
salmos francesa de maior destaque foi publicada em 1562, com textos traduzidos
por Clement Marot (1496-1544) e Théodore de Bèze (1519-1605) e melodias de
Louis Bourgeois (c. 1510-c. 1561) (GROUT; PALISCA, 2007).

NOTA

O exemplo mais conhecido de melodia proveniente do Livro de Salmos francês


de 1562 é utilizada para cantar o Salmo 100 (com a tradução de William Kethe nomeada Todas
as Pessoas que na Terra Habitam) e por isso é conhecida como Old Hundreth (Centenário).
A melodia em geral é atribuída ao compositor francês Louis Bourgeois (c. 1510 - c.1560) e
foi associada inicialmente ao Salmo 134. A melodia é cantada com outras letras também
(GROUT; PALISCA, 2007). Escute essa melodia com o Coro do King's College Cambridge em:
<https://youtu.be/x0hvizFZf5Q>.

183
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

FIGURA 3 – VERSÃO DO SALMO OLD HUNDRETH, DE 1628, IMPRESSO POR STERNHOLD &
HOPKINS PSALTER

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Old_Hundredth_Sternold_%26_Hopkins_
(1628),_crop.JPG>. Acesso em: 04 fev. 2019.

Na Inglaterra os efeitos musicais da Reforma foram menos radicais que


na França:

[...] Enquanto Calvino cortou qualquer ligação com o antigo ritual


católico, a Igreja inglesa reformada manteve serviços baseados, pelo
menos até certo ponto, nos “Ofícios” tradicionais, juntamente com
algumas das seções musicais [...] (LOVELOCK, 1987, p. 88).

A Reforma promoveu a simplificação do estilo musical e os compositores


passaram a pensar mais harmonicamente e menos polifonicamente (CAVINI,
2011). Anteriormente à Reforma, no início do século XV, houve na Boêmia (atual
República Checa), encabeçado por Jan Hus (1373-1415), um movimento que levou
ao banimento da música polifônica e dos instrumentos nas igrejas até meados do
século XVI. Os hinos cantados eram simples, em geral monofônicos e com caráter
popular (GROUT; PALISCA, 2007).

4 CONTRARREFORMA
A música católica do século XVI teve mudanças decisivas. Roma foi
conquistada e saqueada por mercenários espanhóis e alemães sob o comando de
Carlos V, em 1527, abalando o estilo de vida luxuoso das autoridades eclesiásticas
da cidade. Além disso, a reforma do Norte da Europa e, em decorrência, a perda
de fiéis em países como a Inglaterra, Países Baixos, Alemanha, Áustria, Boêmia,
Polônia e Hungria tornaram urgente a Contrarreforma (GROUT; PALISCA, 2007).

184
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

Entre 1545 e 1563 aconteceu o Concílio em Trento, Norte de Itália, com


o objetivo de formular e sancionar oficialmente medidas destinadas a expurgar
abusos da Igreja. A música sacra foi também tratada pelo concílio. A música
sacra foi criticada por seu espírito profano, com a utilização de missas baseadas
em cantus firmus profanos ou na imitação de chansons, pela complexidade na
polifonia que impossibilitava a compreensão das palavras na liturgia, pelo uso de
instrumentos ruidosos na igreja e pela atitude irreverente dos cantores. A decisão
do concílio quanto à prática musical foi sobre a necessidade de evitar tudo que
fosse impuro, não houve nenhuma determinação de caráter técnico (GROUT;
PALISCA, 2007).

A Contrarreforma também buscou a simplificação de sua música e


criou um repertório em língua vernácula. O Concílio de Trento proibiu práticas
profanas, como a melodia e harmonia popular na música da Igreja, retomando o
canto gregoriano de padrões simples e já estabelecidos da música tradicional de
Igreja. Apesar disso, não houve o sucesso esperado, pois a Igreja Católica:

[...] preocupou-se muito mais em combater os excessos da grande


tradição polifônica ou os desvios do teatro religioso do que em inspirar
uma floração de belos hinos populares e favorecer sua difusão. Ela se
empenhou mais em controlar o gênio que em mobilizá-lo (CANDÉ,
1994, p. 390).

A Contrarreforma, apesar de combater a polifonia ao incentivar as melodias


simples, tonais, com regularidade rítmica, forma concisa e predominância da voz
superior, não conseguiu sufocar a produção polifônica, ao contrário, ao inibir a
complexidade de composição, permitiu que a polifonia sacra alcançasse seu auge
(CAVINI, 2011).

Jacobus de Kerle (c. 1532-1591) foi um compositor flamengo que compôs


uma série de preces speciales cantadas durante o concílio e que, pela clareza
na escrita polifônica, uso de idioma homofônico, espírito religioso e sóbrio,
convenceu os membros do concílio do valor da música polifônica, impedindo seu
banimento (GROUT; PALISCA, 2007).

NOTA

Existe uma lenda que conta que o Concílio de Trento tentou abolir a polifonia e
que o compositor Palestrina teria composto uma missa a seis vozes, a Missa do Papa Marcelo
(1567), para demonstrar que o estilo polifônico permitia a compreensão do texto, tornando-se
assim o “salvador da música sacra” (GROUT; PALISCA, 2007).

185
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

4.1 PALESTRINA
Palestrina é o nome de uma localidade próxima a Roma onde nasceu
o compositor Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594). Giovanni teve sua
formação musical em Roma e em 1544 foi nomeado organista e mestre de capela
da cidade. Foi ainda mestre da Capela Giulia de São Pedro de Roma, cantor da
Capela Sistina, mestre de capela em São João de Latrão e em Santa Maria Maior,
ensinou também no Seminário Jesuíta de Roma (GROUT; PALISCA, 2007).

FIGURA 4 – RETRATO DE PALESTRINA COM A PARTITURA DA MISSA PAPA MARCELO

FONTE: <https://goo.gl/KiHbyi>. Acesso em: 18 dez. 2018.

DICAS

A Missa do Papa Marcelo foi composta por Giovanni Pierluigi da Palestrina


em homenagem ao Papa Marcelo II, considerada a missa mais conhecida e executada do
compositor. O Papa Marcelo ordenou aos seus compositores que reformulassem seu estilo
e abandonassem os adornos musicais supérfluos para se concentrarem no significado das
palavras, e esta é a Missa que Palestrina compôs em resposta a essa exigência. Ouça o Kyrie
da Missa Papa Marcelo em: <https://youtu.be/Fl2P5EfPO30>.

186
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

Palestrina, no final de sua vida, comandou a revisão da música dos


livros litúrgicos oficiais para adequá-los às alterações introduzidas nos textos
por ordem do Concílio de Trento. Esta tarefa não terminou com Palestrina, foi
continuada até 1614, com a edição do Gradual de Médici. Essa edição e outras
permaneceram em diversos países até a reforma definitiva do canto, presente
na edição vaticana de 1908. As obras de Palestrina são, em sua maioria, sacras:
104 missas, aproximadamente 250 motetes, composições litúrgicas, e cerca de 50
madrigais espirituais com textos italianos (GROUT; PALISCA, 2007).

Palestrina foi um compositor muito conhecido e sua técnica de composição


já foi analisada minuciosamente. Conhecido como o príncipe da música, destaca-
se o seu estilo sacro que captou o caráter sóbrio e conservador da Contrarreforma.
O estilo palestriniano é considerado o modelo da música sacra polifônica, assim,
manuais de ensino de contraponto procuraram instruir jovens compositores para
recriar este estilo. Palestrina estudou as obras de compositores franco- flamengos,
dominando a técnica (GROUT; PALISCA, 2007).

Algumas das missas de Palestrina foram escritas no estilo antiquado


do cantus firmus, mas preferia parafrasear o cantochão em todas as vozes. Uma
das características de Palestrina é o conservadorismo, exemplificado no fato
de a maioria de suas obras serem apenas para quatro vozes em uma época em
que os compositores escreviam para cinco ou mais vozes. Outra característica
das composições de Palestrina é o fato de ele evitar o cromatismo, um recurso
expressivo muito utilizado por outros compositores na época. Palestrina só
utilizava alterações essenciais exigidas pelas convenções de música ficta (GROUT;
PALISCA, 2007).

A música de Palestrina é marcada pela suavidade das linhas diatônicas


e aplicação discreta da dissonância, as sonoridades verticais são alcançadas
por movimento lógico e natural das várias vozes. Palestrina utilizava em suas
composições, assim como toda a polifonia do século XVI, ritmos coletivos,
resultantes das combinações harmônicas e contrapontísticas das linhas. Outra
característica de Palestrina era a regularidade rítmica calmamente marcada
(GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

O moteto Super flumina Babylonis, a quatro vozes, de Palestrina, foi impresso


pela primeira vez em seu segundo livro de motetos. Ela segue o estilo moteto de Palestrina,
cada frase de seu texto recebe uma frase musical e vários começam com pontos clássicos de
imitação. Ouça Super flumina Babylonis em: <https://youtu.be/pbHz3-CNh6U>.

187
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Palestrina destaca-se por ser o primeiro na história da música ocidental a


ser preservado, isolado e utilizado como modelos em épocas posteriores. A sua
obra foi considerada o ideal musical de certos aspectos do catolicismo (GROUT;
PALISCA, 2007).

Outros compositores prolongaram e contribuíram para o estilo musical


de Palestrina, como Giovani Nanino (c. 1545-1607), discípulo de Palestrina, Felice
Anerio (1560-1614), discípulo de Nanino e Giovanni Animuccia (c. 1500-1571),
predecessor de Palestrina em S. Pedro (GROUT; PALISCA, 2007).

4.2 VICTORIA
O espanhol Tomás Luis de Victoria (1548-1611) foi outro importante
compositor da escola romana. No século XVI havia uma relação próxima entre
compositores romanos e espanhóis. Acredita-se que Victoria tenha estudado
com Palestrina em Roma e ao voltar para a Espanha tornou-se capelão da
imperatriz Maria. Era um compositor exclusivamente sacro e seu estilo é
parecido com o de Palestrina, porém sua música possuía uma intensidade na
expressão do texto, como uma característica individual do compositor. Como
destacam Grout e Palisca (2007, p. 296), “a arte de Palestrina é comparável à de
Rafael; a de Victoria, com o seu apaixonado fervor religioso, assemelha-se à do
seu contemporâneo El Greco”.

FIGURA 5 – RETRATO DE TOMÁS LUIS DE VICTORIA

FONTE: <https://i.ytimg.com/vi/iOoeNeN5nWw/maxresdefault.jpg>. Acesso em: 20 dez. 2018.

188
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

NOTA

A Adoração dos Pastores foi pintada durante o último ano da vida de El Greco.
A pintura foi realizada para ser pendurada no próprio túmulo do artista, na igreja de Santo
Domingo el Antiguo de Silos, em Toledo.

FIGURA 6 – A ADORAÇÃO DOS PASTORES (1612–1613) – EL GRECO

FONTE: <https://goo.gl/eFvMU2>. Acesso em: 20 dez. 2018.

189
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

DICAS

Escute e acompanhe com a partitura da peça O Magnum Mysterium, de


Victoria, em: <https://youtu.be/5dn7HgiT2QY>.

As duas vozes superiores começam um dueto nesse que é um dos mais famosos motetos
do século XVI.

FIGURA 7 – PARTITURA – O MAGNUM MYSTERIUM – TOMÁS LUIS DE VICTORIA

Pour le temps de la Nativité


- In circumcisione Domini -

Texte d’après les éditions


de F. Pedrell et C. Proske.
Original : un ton plus bas.
Les valeurs des notes ont
été diminuées de moitié.

O magnum mysterium
(Venise, 1572)

Tomás Luis de VICTORIA


(v. 1548-1611)

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© Les Éditions Outremontaises - 2013

190
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

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191
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

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192
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

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© Les Éditions Outremontaises - 2013

FONTE: <https://goo.gl/5W1FTe>. Acesso em: 20 dez. 2018.

193
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

NOTA

É preciso ter em mente que O Magnum Mysterium é um canto responsório


entoado nas Matinas cristãs. Assim, houve um grande número de compositores que o
utilizou em obras musicais de diferentes estilos.

Outros compositores espanhóis se destacaram na música sacra, como


Francisco Guerrero (1528-1599) e o catalão Juan Pujol (c. 1573-1626), cujo estilo
segue a escola de Palestrina e Victoria, apesar de ser de um período posterior
(GROUT; PALISCA, 2007).

4.3 DI LASSO
Orlando di Lasso, assim como Philippe de Monte, foi um dos últimos
representantes dos compositores franco-flamengos do século XVI e grande
parte de suas obras, ao contrário de Palestrina e Victoria, foi profana. Orlando
di Lasso, assim como Palestrina, também foi um grande compositor de música
sacra, especialmente de motetes. Lasso possuía um temperamento emotivo e
dinâmico e sua produção total ultrapassou 2.000 obras. Sua principal coletânea
de motetes é o Magnum opus musicum, publicado em 1604, após dez anos de sua
morte (GROUT; PALISCA, 2007).

FIGURA 8 – RETRATO DE ORLANDO DI LASSO

FONTE: <https://goo.gl/dTDccz>. Acesso em: 20 dez. 2018.

194
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

Ao final de sua vida, sob a influência da Contrarreforma, Lasso


compôs exclusivamente textos religiosos, como madrigais espirituais. São
características de sua obra “o contraponto franco-flamengo, a harmonia
italiana, a opulência veneziana, a vivacidade francesa, a gravidade alemã”
(GROUT; PALISCA, 2007, p. 296).

4.4 WILLIAM BYRD


Considerado o último dos grandes compositores da Igreja Católica do
século XVI, William Byrd (1543-1623), da Inglaterra, foi organista da Catedral
de Lincoln em 1563 e membro da capela real, posto que exerceu até ao fim da
vida. A partir de 1575 deteve o monopólio da imprensa musical na Inglaterra.
Fazem parte da obra de Byrd canções polifônicas inglesas, música para a igreja
anglicana, missas e motetes latinos (GROUT; PALISCA, 2007).

FIGURA 9 – RETRATO DE WILLIAM BYRD

FONTE: <https://lastfm-img2.akamaized.net/i/u/ar0/399142e74643466db54c0d357efcf628.jpg>.
Acesso em: 20 dez. 2018.

Byrd escreveu apenas três missas, para três, quatro e cinco vozes, que
são consideradas as melhores missas escritas por um compositor inglês. Ele
também foi o primeiro compositor inglês a utilizar técnicas imitativas (GROUT;
PALISCA, 2007).

195
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

DICAS

Escute e acompanhe a partitura da Pavane em Lá menor, de William Byrd, em:


<https://youtu.be/qGj3QHOg98s>.

FIGURA 10 – PARTITURA – PAVANE EM LÁ MENOR – WILLIAM BYRD

FONTE: <https://goo.gl/tW9vtu>. Acesso em: 20 dez. 2018.

196
TÓPICO 1 | MÚSICA SACRA NO RENASCIMENTO TARDIO

5 ESCOLA VENEZIANA
No século XVI, Veneza destacava-se como a segunda mais importante
cidade da Península Italiana, depois de Roma. Era uma cidade-estado
independente, geograficamente segura e isolada. Sendo o porto mais importante
do comércio europeu com o Oriente, no século XV acumulou poder e riqueza,
e no século XVI, por causa das guerras e outros contratempos, diminuiu a sua
posição, porém a civilização florescente prosseguiu (GROUT; PALISCA, 2007).

A Igreja de São Marcos era o centro da cultura musical veneziana, grandes


cerimônias cívicas de Veneza aconteciam nesta igreja e na praça próxima. Assim, a
maior parte da música veneziana era concebida como manifestação da majestade
do Estado laico e também da Igreja, era realizada para ser ouvida em ocasiões
solenes e festivas (GROUT; PALISCA, 2007).

A música na Igreja de São Marcos era gerida por funcionários do Estado


com grandes investimentos em esforços e dinheiro. O cargo de mestre da capela
era o mais cobiçado de toda a Itália. Na igreja havia dois órgãos, cujos organistas
eram escolhidos a partir de um exame rigoroso. Veneza foi responsável pela
melhor música de órgão de toda a Itália. A música veneziana possuía uma textura
rica, mais homofônica e contrapontística, com sonoridade variada e colorida.
Destacam-se na música em Veneza os madrigais e os motetes baseados em
acordes e não em linhas polifônicas, como os dos compositores franco-flamengos
(GROUT; PALISCA, 2007).

Os compositores da região de Veneza escreviam para coro duplo,


especialmente no caso dos salmos. Essa forma de execução oferecia um brilho
às ocasiões e contribuía para incentivar o tipo homofônico de escrita coral e a
organização rítmica característicos dos compositores venezianos. Além das vozes
e do órgão, soavam outros instrumentos, como sacabuxas, cornetos de madeira e
violas (GROUT; PALISCA, 2007).

O compositor de maior destaque entre os mestres venezianos foi Giovanni


Gabrieli, sobrinho do também importante compositor Andrea Gabrieli, compondo
utilizando dois, três, quatro ou cinco coros, com uma combinação diferente
de vozes agudas e graves, conjugados com instrumentos de timbres diversos,
respondendo-se antifonalmente, alternando com vozes solistas e maciços
sonoros. O contraste e a oposição de sonoridades tornaram-se fundamentais no
estilo concertato do período Barroco (GROUT; PALISCA, 2007).

197
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

DICAS

Ouça a peça musical O Magnum Mysterium (1587), de Giovanni Gabrieli. Este


moteto é uma das peças de destaque do compositor. O coro em oito partes está dividido em
vozes agudas e graves. A abertura possui uma harmonia com acordes maiores e menores,
o texto aborda o milagre do nascimento de Cristo, as frases são repetidas em diferentes
combinações de vozes. Os dois coros cantam em antífona nas palavras Beata virgo. Escute
em: <https://youtu.be/orEwwkLnqZ4>.
Lembre-se de que já escutamos O Magnum Mysterium de Victoria anteriormente nesta
unidade, observe as diferenças.

FIGURA 11 – RETRATO DE GIOVANNI GABRIELI

FONTE: <http://classictong.com/files/image/artist/670/300>. Acesso em: 18 dez. 2018.

Considerada a mais progressiva da Itália, a Escola Veneziana exerceu


grande influência no final do século XVI e início do século XVII. Dessa forma,
em diversos países europeus possuía discípulos e seguidores, como os alemães
Heinrich Schütz, Hieronymus Praetorius (1560-1629) e Hans Leo Hassler, o
esloveno Jacob Handl (1550-1591) e o polonês Mikolaj Zielenski (f. 1615), entre
muitos outros (GROUT; PALISCA, 2007).

198
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• O século XVI foi o período de transição na música, o chamado Renascimento


tardio, marcado por reformas religiosas em resposta a abusos cometidos pela
Igreja Católica e pela mudança de visão de mundo.

• No século XVI a música ficou dividida em música católica e música protestante.

• A Reforma tinha como objetivos musicais: letras das canções na língua própria
de cada nação, para serem ouvidas e entendidas. A participação vocal no culto
é uma das características principais da Reforma na música.

• A música da Contrarreforma era caracterizada por ser à capela, pois acreditava-


se que apenas a voz humana era digna de louvar o Criador.

• Destacam-se na contribuição musical da igreja luterana os hinos estróficos


cantados pela congregação, harmonizados a quatro vozes, chamados de corais.
Nos corais realizava-se contrafacta, paródias de canções profanas, em que a
melodia se conservava e o texto era substituído por uma letra nova ou alterado
para um sentido espiritual.

• Na música, a Reforma ocorrida nos Países Baixos, Suíça e França teve um efeito
diferente do ocorrido na Alemanha.

• A Contrarreforma buscou a simplificação de sua música e criou um repertório


em língua vernácula, proibiu práticas profanas, como a melodia e harmonia
popular na música da Igreja, retomando o canto gregoriano de padrões simples
e já estabelecidos da música tradicional de Igreja.

• Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594) foi um compositor muito


importante e destaca-se o seu estilo sacro que captou o caráter sóbrio e
conservador da Contrarreforma. É considerado o modelo da música sacra
polifônica.

• O espanhol Tomás Luis de Victoria (1548-1611) foi um compositor


exclusivamente sacro e seu estilo é parecido com o de Palestrina, porém sua
música possuía uma intensidade na expressão do texto, como uma característica
individual do compositor.

199
• Orlando di Lasso foi um compositor que se destacou nas composições profanas.
Em suas obras destacam-se o uso do contraponto franco-flamengo, a harmonia
italiana, a opulência veneziana, a vivacidade francesa, a gravidade alemã.

• William Byrd (1543-1623), da Inglaterra, foi o primeiro compositor inglês a


utilizar técnicas imitativas.

• A música veneziana possuía uma textura rica, mais homofônica e


contrapontística, com sonoridade variada e colorida. Destacam-se na música
em Veneza os madrigais e os motetes baseados em acordes e não em linhas
polifônicas, como os compositores franco-flamengos. Os compositores da
região de Veneza escreviam para coro duplo, especialmente no caso dos salmos.

200
AUTOATIVIDADE

1 “Nunca uma civilização dera tão grande lugar à pintura e à


música, nem erguera ao céu tão altas cúpulas, nem elevara
ao nível da alta literatura tantas línguas nacionais encerradas
em tão exíguo espaço. Nunca no passado da humanidade
tinham surgido tantas invenções em tão pouco tempo. Pois
o Renascimento foi, especialmente, progresso técnico; deu ao homem do
Ocidente maior domínio sobre um mundo mais bem conhecido. Ensinou-
lhe a atravessar os oceanos, a fabricar ferro fundido, a servir-se das armas
de fogo, a contar as horas com um motor, a imprimir, a utilizar dia a dia a
letra de câmbio e o seguro marítimo” (DELUMEAU, 1984, p. 23). Sobre a
música no final do Renascimento, analise as afirmativas e assinale V para as
afirmativas verdadeiras e F para as afirmativas falsas:

FONTE: DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento, v. 1, São Paulo: Martins Fontes, 1984.

( ) Martinho Lutero, na Alemanha, incentivou no culto as apresentações dos


corais instruídos como aconteciam na Igreja Católica, para instituir um
canto de assembleia.
( ) Os compositores mais importantes da Escola Veneziana foram Andrea
Gabrieli e seu sobrinho Giovanni Gabrieli.
( ) Calvino era mais radical que Lutero com relação à presença da música
nos cultos, acreditava que o canto não resultava em um enriquecimento
espiritual e considerava inaceitáveis os hinos “feitos pelo homem”.
( ) A Escola Veneziana foi responsável por um importante estilo de polifonia
sacra no século XVI. Os compositores compunham obras para dois ou
mais coros completos com efeitos antifônicos.

Assinale a sequência CORRETA:


a) ( ) F, V, V, V.
b) ( ) F, V, V, F.
c) ( ) V, V, F, F.
d) ( ) V, F, V, V.

2 O Renascimento europeu retirou o véu que encobria o espírito


e o fazer humanos na Idade Média. Sem esse véu, o homem
pôde respirar um novo tempo e se aventurar na descoberta de
si mesmo e do mundo que o rodeava. Pôde olhar as estrelas,
percorrer os mares e oceanos, descobrir novas terras e gentes, observar
seu corpo e debruçar-se sobre a natureza, percebendo suas forças físicas e
químicas. A cada passo, o novo homem saía do mundo fechado medieval
em direção ao universo infinito moderno. Aos poucos, novas formas de
comunicação foram surgindo, engrandecendo as artes, as ciências e as

201
literaturas. Galileu fechou com chave de ouro esse período quando disse que
o livro da natureza estava escrito em caracteres matemáticos. (RODRIGUES,
2000). Assinale a opção que melhor interpreta as bases culturais do
Renascimento europeu:

FONTE: RODRIGUES, Antonio E. M.; FALCON, Francisco. Tempos modernos. RJ: Civilização
Brasileira, 2000.

a) ( ) A Reforma luterana foi o mais importante e único movimento religioso a


confrontar a Igreja entre o final da Idade Média e o início da Idade Moderna.
b) ( ) A Reforma teve influência sobre a música na França, nos Países Baixos e
na Suíça de forma bastante diferente da evolução verificada na Alemanha.
c) ( ) Os mais importantes compositores da Escola Veneziana foram Claude
Goudimel e Claude Le Jeume.
d) ( ) Na sua imensa maioria, as obras de Palestrina são sacras e sua
produção musical caracteriza-se por seu caráter sóbrio e conservador da
Contrarreforma.

202
UNIDADE 3
TÓPICO 2

MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

1 INTRODUÇÃO
O termo Barroco aparece em 1733 utilizado por um crítico musical anônimo
ao se dirigir à música Hippolyte et Aricie, de Rameau, obra estreada nesse ano e
que, para o crítico, era “barulhenta, pouco melodiosa, caprichosa e extravagante”,
entre outras características (GROUT; PALISCA, 2007, p. 307). Em 1750, o termo
Barroco foi utilizado para descrever a fachada do Palácio Pamphili, em Roma,
construída com uma ornamentação semelhante à realizada em talheres.

FIGURA 12 – PALÁCIO PAMPHILI – SEDE DA EMBAIXADA BRASILEIRA NA ITÁLIA

FONTE: <https://goo.gl/PC1aQf>. Acesso em: 10 jan. 2019.

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UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Os historiadores da arte dos séculos XIX e XX adotaram essa terminologia


para referir-se a todo um período (1600) da arquitetura e de outras artes, de uma
forma mais favorável que a utilizada na crítica musical do século XVIII. A palavra
Barroco voltou da crítica de arte para a história da música por volta de 1920,
referindo-se ao período que vai do século XVI até 1750, como também assim
designavam como Barroco os críticos de arte (GROUT; PALISCA, 2007). É preciso
destacar que o período Barroco envolveu uma diversidade de estilos e não pode
ser utilizado unicamente como uma designação de estilo, mas refere-se à cultura
artística e literária de toda uma época, a um período da história da música.

DICAS

Hippolyte et Aricie (Hipólito e Arícia) foi a primeira ópera de Jean-Philippe


Rameau, que estreou na Académie Royale de Musique, Paris, em 1º de outubro de 1733. O
libreto, de Abbé Simon-Joseph Pellegrin, é baseado na tragédia de Racine, Phèdre. A ópera
assume a forma tradicional de tragédia na música com um prólogo alegórico seguido de
cinco atos. Assista a essa obra em: <https://youtu.be/MRDJ5Dt-ZXc>.

Quando utilizamos o termo Barroco para designar a música de 1600 a 1750


é porque historiadores encontraram uma semelhança entre as características
dessa música e as da arquitetura, pintura e literatura, por exemplo. O termo
foi utilizado por muito tempo de forma negativa, no sentido de exagerado e
de mau gosto. Como conversamos anteriormente, as datas de início e fim
são aproximadas e não estanques. Essa é uma maneira de constituir o estudo
da história da música e engloba formas de organizar o material musical, as
sonoridades e formas de expressão musical, seguindo um certo número de
convenções, como veremos a seguir.

A Itália foi a nação mais influente em toda a Europa no domínio musical,


por isso, as concepções italianas dominaram este período. Veneza era no século
XVII um grande centro musical, assim como Nápoles no século XVIII. Roma
influenciou a música sacra e no século XVII foi um centro de ópera e de cantata,
Florença também teve um esplendor musical no início do século XVII. Já na
França, a partir de 1630, houve o desenvolvimento de um estilo musical nacional
distinto da influência italiana. Na Alemanha, apesar da Guerra dos Trinta Anos
(1618-1648) e da situação política, houve nas décadas seguintes um importante
ressurgimento com a música de Johann Sebastian Bach. A Inglaterra, com a guerra
civil e com a Commonwealth (1642-1660), sucumbiu ao estilo italiano (GROUT;
PALISCA, 2007).

A influência musical italiana, apesar de não ser absoluta, sentiu-se por


toda a Europa. Destaca-se na França o compositor Jean-Baptiste Lully, de origem

204
TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

italiana. Na Alemanha sentiu-se essa influência tanto em Bach como em Haendel.


No final do período Barroco, a música na Europa tornou-se uma linguagem
internacional com raízes italianas (GROUT; PALISCA, 2007).

O período compreendido entre 1600 e 1750 é marcado na Europa por


governos absolutos e muitas cortes foram centros musicais, como a corte do
rei da França, Luís XIV (1643-1715), além de patronos da música, como papas,
imperadores e os reis da Inglaterra e Espanha. Nesse período, a Igreja continuou
a promover a música, mas com menos ênfase do que em épocas anteriores
(GROUT; PALISCA, 2007).

No período Barroco, a literatura e a arte também prosperaram, destacando-


se John Donne (Inglaterra); Cervantes e Velàsquez (Espanha); Corneille e Molière
(França); Rubens e Rembrandt (Países Baixos); e Bernini (Itália). O século XVII foi
marcante para a história da filosofia e da ciência, com as obras de Bacon, Descartes,
Leibniz, Galileu, Kepler, Newton e de outros pensadores que são a base do
pensamento moderno (GROUT; PALISCA, 2007). Neste tópico conheceremos as
características da música nesse período, o início da ópera e a trajetória da música
vocal de câmara, sacra e instrumental.

FIGURA 13 – BEATA LUDOVICA ALBERTONI, DE GIAN LORENZO BERNINI, CAPELA ALTIERI, SAN
FRANCESCO A RIPA (1701), ROMA

FONTE: <https://goo.gl/Yf3EUd>. Acesso em: 10 jan. 2019.

2 CARACTERÍSTICAS MUSICAIS
O período Barroco é marcado por grandes revoluções no pensamento,
e a linguagem musical acompanhou esse movimento de substituir formas
ultrapassadas de pensar. Os músicos passaram a explorar novos campos
emocionais e novas linguagens por causa das novas necessidades expressivas.

205
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Inicialmente utilizaram-se de formas musicais herdadas do Renascimento para


dar conta da intensidade emocional, assim a música da primeira metade do século
XVII é, em sua maioria, experimental. No decorrer do século XVII consolidaram-se
novos recursos de harmonia, cor e forma, em que compositores podiam exprimir
adequadamente as suas ideias (GROUT; PALISCA, 2007).

Algumas características musicais foram constantes durante todo o período


Barroco. Uma dessas características era a distinção estabelecida entre diversos
estilos de composição. Essa diferença estilística acontecia entre uma prática mais
antiga e outra mais recente, entre duas categorias funcionais: a prima prattica (stile
antico) e a seconda prattica (stile moderno), ou entre a primeira e segunda práticas.
Essa classificação foi criada pelo compositor Monteverdi (1567-164) (GROUT;
PALISCA, 2007).

FIGURA 14 – CLAUDIO MONTEVERDI (1567-1643)

FONTE: <https://goo.gl/tQ4Db6>. Acesso em: 12 jan. 2019.

NOTA

Claudio Monteverdi foi um compositor da Renascença italiana e desenvolveu


um novo gênero, a ópera. Trabalhou com a polifonia do início da Renascença e empregou
simultaneamente a técnica de baixo contínuo, uma característica importante do período
Barroco, assim se tornou uma ponte entre o Renascimento e o Barroco.

206
TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

A primeira prática era representada pelas obras de Willaert e caracterizava-


se pelo fato de a música dominar o texto; a segunda prática era representada por
Monteverdi e o texto dominava a música. Na segunda prática, ou no estilo novo,
as antigas regras podiam ser modificadas e as dissonâncias eram mais livremente
utilizadas para conectar a música à expressão dos sentimentos do texto.

Depois surgiram outros sistemas de classificação estilística, o mais aceito


foi a divisão entre estilos ecclesiasticus (sacro), cubicularis (de câmara ou concerto)
e theatralis ou scenicus (teatral ou cênico), com muitas subdivisões (GROUT;
PALISCA, 2007). Os teóricos da época tentaram descrever e sistematizar todos
os estilos musicais, distinguindo-os dos restantes com características técnicas
próprias.

Outra característica marcante do período Barroco é a necessidade que


compositores passaram a ter de escrever música especificamente para um
determinado instrumento ou voz. Lembrando que, anteriormente, a música
podia ser cantada ou tocada por várias combinações de vozes e instrumentos. A
escrita específica para um instrumento é denominada escrita idiomática.

Assim, na Itália a família do violino começa a substituir as antigas violas e


os compositores desenvolveram um estilo específico para violino; já os franceses
cultivaram a viola, que se tornou o instrumento de arco mais contemplado.
Os instrumentos de sopro foram aperfeiçoados tecnicamente e passaram a ser
utilizados levando-se em consideração seus timbres e recursos específicos. A
música para instrumentos de tecla continuou a se desenvolver, começaram
também as indicações de dinâmicas e a diferenciação entre os estilos vocal e
instrumental.

Outra característica desse período foi o esforço de compositores em


representar ideias e sentimentos com intensidade, demonstrando afetos ou
estados de espírito por meio de contrastes violentos. A música deste período
tinha como objetivo exprimir os afetos de um modo geral (ira, assombro etc.),
não os sentimentos de um artista individualmente. A necessidade de comunicar
esses afetos fez surgir vocabulários de recursos e figuras musicais.

A Doutrina dos Afetos foi uma teoria de estética musical amplamente


aceita por músicos do período Barroco. Essa teoria propunha a utilização de
recursos técnicos específicos e padronizados na composição com o objetivo
de despertar emoções no ouvinte. Assim a música poderia mover os afetos do
ouvinte. Através da utilização de figuras musicais tinha-se como objetivo “ilustrar
ou enfatizar palavras e ideias no texto” (VIDEIRA, 2006, p. 57). A noção de afeto
pode ser considerada como um estado emocional ou paixão racionalizada.

A necessidade trazida pelos diferentes estilos e linguagens, de expressão


de ideias e sentimentos, e a existência de duas práticas caracterizou também duas
formas de abordar o ritmo nesta época: o ritmo de métrica regular, com barra de
compasso; e o ritmo livre, sem métrica, utilizado em peças solísticas, com caráter
recitativo ou improvisatório.
207
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

A utilização de indicação de compasso que corresponde a uma sucessão


regular de estruturas harmônicas e de acentos, separadas por barras de compasso
em intervalos regulares, só se tornou usual a partir de 1650. Os dois tipos de
ritmos, regular e irregular, eram utilizados com frequência para criar contraste
(GROUT; PALISCA, 2007).

Se o Renascimento foi marcado pela polifonia de vozes independentes,


no Barroco a música possuía um baixo firme e uma voz aguda ornamentada com
uma harmonia discreta. A inovação estava na ênfase no baixo, o isolamento do
baixo e da linha do soprano e a indiferença para as partes internas. Essa forma
está no sistema de notação denominado baixo contínuo, em que o compositor
escrevia a melodia e o baixo. O baixo era realizado por um instrumento como
cravo, órgão ou alaúde; e reforçado por um instrumento de apoio como a viola
da gamba baixo, o violoncelo ou fagote. Acima das notas do baixo o executante
do instrumento de tecla ou o alaudista colocava acordes convenientes cujas notas
não estavam escritas. Veja a seguir um exemplo:

FIGURA 15 – BAIXO CONTÍNUO

FONTE: <http://classemusical.com.br/periodo-barroco/>. Acesso em: 04 fev. 2019.

O baixo contínuo, como você pode ver na figura anterior, era composto
por três elementos: o texto que ilustra através do canto a história; a sustentação que
é feita pelo baixo chamado de contínuo e que às vezes possui cifras que indicam
preenchimentos, e o próprio preenchimento que não está escrito e é dependente
da execução do instrumentista das cifras escritas no baixo, permitindo assim a
improvisação.

O baixo contínuo foi um método de composição radical em relação ao tipo


de contraponto realizado no século XVI. Porém, o baixo contínuo, baixo firme
com um soprano ornamentado, não foi o único tipo de textura musical na época,
o contraponto continuava a ser realizado e um novo tipo de contraponto começou
a surgir no século XVII, dominado pela harmonia, em que linhas individuais se
subordinavam a uma sucessão de acordes (GROUT; PALISCA, 2007).

208
TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

Nesse panorama, os compositores passaram a entender a dissonância


(som que causa impressão desagradável ao ouvido) não como um intervalo
entre duas vozes, mas como notas individuais que não se encaixavam em um
determinado acorde. Assim, a utilização de dissonância no início do século XVII
era experimental e ornamental. No decorrer desse século chegou-se a um acordo
sobre as formas de controle da dissonância e desenvolveu-se uma perspectiva
global sobre as direções tonais. Essa perspectiva era o sistema de tonalidade
maior-menor, que vai se tornar corrente na música a partir dos séculos XVIII e
XIX, em que:

(...) todas as harmonias de uma composição se organizam em relação


a um acorde perfeito sobre a nota fundamental ou tônica, apoiando-
se primordialmente em acordes perfeitos sobre a sua dominante e
subdominante, com outros acordes secundários em relação a estes, e
com modulações temporárias a outras tonalidades, permitidas sem se
sacrificar a supremacia da tonalidade principal (GROUT; PALISCA,
2007, p. 315).

É preciso ressaltar que esse tipo de organização tonal começou já no


Renascimento, o Tratado da Harmonia de Rameau (1722) formulou a teoria de um
sistema que já existia há, pelo menos, 50 anos. Assim como vimos no sistema
modal na Idade Média, o sistema maior-menor desenvolveu-se também a partir
de uma longa prática musical. O baixo contínuo foi muito importante nesse
processo, pois ressaltava a sucessão de acordes, separando-os com uma notação
diferente da notação das linhas melódicas. “O baixo cifrado foi o caminho pelo
qual a música transitou do contraponto para a homofonia, de uma estrutura
linear e melódica para uma estrutura cordal e harmônica” (GROUT; PALISCA,
2007, p. 315).

Portanto, são características da música barroca os ritmos enérgicos; as


melodias com muitos ornamentos; os contrastes de timbres de instrumentos e de
sonoridades (forte e suave), e também o uso de baixo contínuo.

3 ÓPERA
Ópera é uma obra teatral que envolve solilóquio, diálogo, cenário, ação
e música contínua. As primeiras peças de ópera datam do início do século XVI,
porém, desde a antiguidade existe a ligação entre música e teatro. Tanto na
Grécia, na Idade Média, como no Renascimento utilizavam-se coros, partes líricas
e partes musicadas em representações.

209
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

NOTA

Segundo a definição dada pelo Dicionário Houaiss, solilóquio é o ato de


conversar consigo próprio; monólogo; recurso dramático ou literário que consiste em
verbalizar, na primeira pessoa, aquilo que se passa na consciência de um personagem
(HOUAISS, 2009).

“Ópera, como qualquer arte, envolve convenção, artifício e a exigência


de um código específico para compreendê-la, e depois, só depois, amá-la”
(FRAGA, 2000, p. 132). A ópera nasceu no Carnaval de 1597, em Florença, em
uma tentativa de fazer renascer a grande tragédia grega do século V a.C, durante
o Renascimento. Mas foi no período Barroco que se iniciou a concepção da ópera
como obra de arte total. A ópera, nascida no século XVI, ideologicamente ligada
ao Renascimento, vai se desenvolver no Barroco (COELHO, 2000).

3.1 PRINCÍPIOS DA ÓPERA


Os madrigais estavam muito próximos da ópera e os ciclos de madrigais
foram grandes experiências na adaptação para fins dramáticos. Neles se
representava uma série de cenas ou estados de alma, com diálogos, e os personagens
diferenciavam-se através de grupos de vozes constantes e breves solos. A música
em geral era ligeira, animada e humorística e chamada comumente de comédia
de madrigal. Os dois principais compositores foram Adriano Banchieri e Orazio
Vecchi, ambos contemporâneos de Monteverdi.

DICAS

Uma das mais famosas comédias de madrigais é L'Amfiparnaso, do compositor


Orazio Vecchi (1550-1605), publicada em 1597. Ouça o madrigal nº 1 em: <https://youtu.
be/6Y-wjqMxqRk>.

A pastorela foi um dos principais gêneros literários do Renascimento e no


final do século XVI a composição poética italiana dominante. As pastorelas eram
poemas que abordavam temas campestres, de natureza idílica e amorosa, com
uma atmosfera de conto de fadas, requintada e civilizada. A poesia pastoril foi a
última etapa do madrigal e a primeira da ópera.

210
TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

A tragédia grega foi o modelo de música dramática considerado


apropriado no Renascimento para o teatro. Havia duas teorias sobre o lugar da
música no teatro grego, uma que só os coros eram cantados e outra que todo o
texto das tragédias gregas seria cantado. Essa última foi a teoria mais difundida.

No palácio de Florença, desde a década de 1570 havia uma academia


informal, formada por um grupo de intelectuais e artistas, como os músicos
Pietro Strozzi e Giulio Caccini, que tratavam de literatura, ciência, arte e onde
se executava a nova música, sob o patrocínio do conde Giovanni de’ Bardi (1534-
1612) (GROUT; PALISCA, 2007). Essa era a Camerata Florentina.

Os participantes dessa academia estudavam o legado artístico greco-


romano e acreditavam, a partir da música grega, que a melodia era capaz de
afetar os sentimentos do ouvinte. Assim, posicionavam-se contra o contraponto
vocal, pois acreditavam que várias vozes cantando simultaneamente melodias
e letras diferentes, com registros e ritmos diversos, não poderiam transmitir a
mensagem emotiva do texto.

Para a Camerata Florentina, o texto deveria ser musicado com uma melodia
que ressaltasse as inflexões da fala. Assim, os florentinos substituíram a polifonia
pela monodia acompanhada, canto a uma voz acompanhado por instrumentos.
Desenvolveram o estilo recitativo, um intermediário entre a recitação falada e a
canção, que preservava a inteligibilidade do texto dramático.

Em 1600, por ocasião do casamento de Maria de Médicis com o rei


da França Henrique IV no palácio Pitti em Florença, o duque de
Mântua, Vincent de Gonzague, assiste à representação da Euridice
de Peri. Esse espetáculo vanguardista ilustra as teorias florentinas do
stilo rappresentativo (estilo teatral) e do recitar cantando (falar cantando).
Sete anos mais tarde, o duque encomenda a Monteverdi uma obra
do mesmo tipo: assim nasce Orfeo, primeira obra prima da arte lírica,
cujo sucesso fez de seu autor o compositor italiano mais célebre de sua
época (SUHAMY, 2007, p. 10).

DICAS

Jacopo Peri foi um compositor italiano que contribuiu para o desenvolvimento


do estilo vocal dramático na primeira ópera barroca. Com Ottavio Rinuccini e Jacopo Corsi,
Peri é conhecido por compor a primeira ópera, La Dafne (1598), e também, com Rinuccini, a
primeira ópera para a qual ainda existe música completa, L'Euridice (1600). Ouça em: <https://
goo.gl/897nFA>.

211
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

FIGURA 16 – JACOPO PERI

FONTE: <https://goo.gl/cG8wXV>. Acesso em: 12 jan. 2019.

Nota: Jacopo Peri encarnando a personagem do cantor lendário Arion no


quinto intermédio de 1589. A música era do próprio Peri e de Cristofano Malvezzi
e o guarda-roupa de Bernardo Buontalenti.
(GROUT; PALISCA, 2001, p. 323).

DICAS

A ópera L'Orfeo foi inspirada no mito helênico de Orfeu, que tenta resgatar a
amada Eurídice no Tártaro governado por Hades. É uma obra em cinco atos:

Prólogo: A Música (sop), espécie de quintessência alegórica das nove Musas,


lembra a Vocação musical de Orfeo e anuncia a ação.
Ato I: Os pastores celebram por meio de cantos e danças o casamento de
Orfeo (t ou bar) e Eurídice (sop).
Ato II: Uma mensageira (sop) anuncia que Eurídice está morta, mordida por
uma serpente. Orfeo, atribulado, decide ir buscá-la no Inferno.
Ato III: Orfeo emprega todos os recursos de seu canto para comover o
barqueiro do Inferno, Caronte (b); adormece-o e cruza o rio Estige.
Ato IV: Tocada pelo canto de Orfeo, Prosérpina (sop) obtém de seu esposo
Plutão (b), rei dos Infernos, a ressurreição de Eurídice, com a condição de que
Orfeo não a olhe antes de ter saído do reino das Sombras. Incapaz, porém, de
resistir à tentação, Orfeo volta-se e perde-a novamente.
Ato V: Orfeo geme, desesperado. Apolo (t ou bar), seu pai, convida-o então a
segui-lo até o Olimpo, onde poderá rever Eurídice entre as estrelas (SUHAMY,
2007, p. 10).

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TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

Monteverdi utilizou uma grande e diversificada instrumentação, com aproximadamente 40


instrumentos, como flautas, cornetos, trompetes, sacabuxas, cordas e órgão de tubos de
madeira. Ouça em: <https://youtu.be/dBsXbn0clbU>.

Em 30 anos após as duas óperas, de Peri e Monteverdi, foram apresentadas


em Florença apenas Dafne (1608) e Medoro (1619), de Marco da Gagliano (1594-
1651), La liberazione di Ruggiero dal Visola d'Alcina (1625), de Francesca Caccini
(1587-1640), e La Flora (1628), de Gagliano e Peri (GROUT; PALISCA, 2007).

A ópera se desenvolveu em Roma na década de 1620, uma cidade na


época cheia de ricos e patrocinadores da ópera. As óperas abordavam temas
mitológicos, episódios dos poemas épicos de Tasso, Ariosto e Marino, alguns
abordavam a vida de santos e houve algumas óperas pastoris. Nas músicas das
óperas romanas havia a separação do canto solístico em dois tipos: recitativo e
ária. O recitativo era mais próximo da fala e as árias eram melodiosas e estróficas
(GROUT; PALISCA, 2007).

Uma companhia de Roma levou a ópera para Veneza. O primeiro


teatro público de Veneza, o San Cassiano, foi inaugurado com a apresentação
de Andrômeda (1637), de Benedetto Ferrari (c. 1603-1681) e Francesco Manelli. O
público pagava entrada, um marco na história da ópera que era dependente do
patrocínio de mecenas ricos ou nobres. Esses espetáculos eram produções com
baixo custo (GONÇALVES, 2011). A partir desse momento, a mais italiana das
formas de expressão musical abraça todas as camadas sociais e, durante muito
tempo, será a forma privilegiada de expressão nacional (COELHO, 2000).

As duas últimas óperas de Monteverdi foram estreadas em Veneza,


Il ritorno d´Ulisse (O Regresso de Ulisses) (1641) e L´Incoranazione di Poppea (A
Coroação de Popeia) (1642). A ópera estava deixando os palácios e ganhando o
público, em pouco tempo surgiram novas casas de espetáculos, como os teatros
San Giovanni e o San Paolo, em 1650, Veneza já tinha cinco teatros de ópera
(GONÇALVES, 2011).

Pier Francesco Cavalli (1602-1676) foi discípulo de Monteverdi e um dos


principais compositores venezianos de ópera da época e um dos responsáveis pela
popularização da ópera. Teve uma grande produção musical, cerca de 40 óperas
caracterizadas pelo contraste entre árias e recitativos. Cavalli foi responsável por
levar a ópera para a corte francesa, com Calisto (1651) e Ercole Amante (1662), mas
elas não foram bem aceitas, o que separou a ópera francesa da italiana por muito
tempo, diferenciando-as (GONÇALVES, 2011).

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UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

FIGURA 17 – PIER FRANCESCO CAVALLI

FONTE: <https://goo.gl/9wTqVv>. Acesso em: 12 jan. 2019.

Por volta do século XVII, a ópera italiana já tinha o formato fundamental


que viria a manter ao longo dos dois séculos seguintes. As suas características
principais eram: a ênfase no canto solístico com pouco interesse pelos conjuntos
e pela música instrumental; a separação de recitativo e ária; e a introdução de
estilos e esquemas próprios para as árias (GROUT; PALISCA, 2007).

Ao contrário da Camerata Florentina, que considerava a música a serviço


da poesia, para os venezianos, a estrutura musical deveria estar em maior
evidência (GONÇALVES, 2011).

3.2 ÓPERA ITALIANA


No século XVII a ópera espalhou-se por toda a Itália, mas Veneza
continuou a ser o centro, com seus teatros famosos. A ópera de Veneza deste
período era cheia de intrigas, cenas sérias e cômicas, com melodias agradáveis,
canto solístico e efeitos cênicos. O virtuosismo vocal ainda não estava em seu
auge, que chegaria no século XVIII, mas o coro já tinha quase desaparecido e
a orquestra acompanhava as vozes; a ária tinha destaque absoluto (GROUT;
PALISCA, 2007).

Nas novas árias, a construção musical estava em destaque, em comparação


com os textos. Utilizava-se para a sua composição material retirado da música
popular e o acompanhamento típico deste período era a utilização apenas do

214
TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

cravo e do baixo para acompanhar a voz, mas as árias têm, no início e no fim,
ritornellos orquestrais. Quando uma ária é acompanhada apenas por cravo e
baixo, tendo ou não ritornello orquestral, ela é chamada de ária de contínuo.

Dois importantes compositores italianos, entre os séculos XVII e XVIII,


foram responsáveis por levar para as cortes alemãs a ópera italiana, Carlo
Pallavicino (1630-1688) e Agostino Steffani (1654-1728). Pallavicino atuou em
Dresden e Steffani, em Munique e Hanover, eles influenciaram compositores do
século XVIII, como Keiser e Haendel (CANDÉ, 1994).

Ao final do século XVII começou um estilo de ópera elegante e belo. Esse


estilo dominou o século XVIII e começou em Nápoles e por isso era chamado
estilo napolitano. A ópera italiana do século XVIII possuía dois tipos de recitativo:

• Recitativo secco: era acompanhado apenas por cravo e por um instrumento


baixo de apoio, utilizado para musicar longos trechos de diálogo ou monólogo,
próximo da fala.
• Recitativo obligato: também chamado de accompagnato, ou stromentato. Era um
recitativo acompanhado orquestralmente, utilizado em situações dramáticas
tensas.

Alessandro Scarlatti (1660-1725) é um compositor que exemplifica esse


novo estilo de ópera, especialmente as obras Mitridate (Veneza, 1707), Tigrante
(Nápoles,1715) e Griselda (Roma, 1721). Scarlatti utilizava a ária da capo para
prolongar o momento lírico (GROUT; PALISCA, 2007).

A ária da capo, muito presente na obra de Scarlatti, compunha-se de


uma forma ternária (ABA), porém não se escreviam as duas primeiras seções.
Ao final de cada seção “B”, o compositor escrevia da capo (ou D.C), significando
“a partir do começo”. Na repetição da primeira parte, esperava-se que o cantor
introduzisse ornamentos (CANDÉ, 1994). Scarlatti também utilizou pela primeira
vez a abertura italiana, dividida em três partes: rápida-lenta-rápida.

3.3 ÓPERA NA FRANÇA


No século XVIII a ópera italiana era aceita em quase todos os países da
Europa, menos na França. Como vimos anteriormente, apesar de a ópera italiana
ter sido apresentada em Paris no século XVII, ela não foi adotada na França, nem
se criou uma ópera nacional francesa até 1670, sob o patrocínio de Luís XIV.
Com características distintas da ópera italiana, permaneceu inalterada até 1750
(GROUT; PALISCA, 2007).

A ópera francesa estava baseada no ballet e na tragédia clássica francesa.


O primeiro compositor de destaque foi Jean-Baptiste Lully (1632-1687), que
combinava elementos do ballet e do teatro em uma forma que deu origem à

215
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

tragédia musical (tragedie lyrique). Lully era um italiano que viveu em Paris
desde criança. Seu libretista foi Jean-Phillippe Quinault, famoso dramaturgo
(GROUT; PALISCA, 2007).

A música de Lully possui coros maciços e espetaculares e danças


rítmicas das cenas de ballet. As danças dos ballets e óperas de Lully foram muito
populares e imitadas. Lully também adaptou o recitativo italiano aos ritmos da
língua francesa e os compassos oscilavam entre o binário e o ternário (GROUT;
PALISCA, 2007).

Antes mesmo de começar a escrever óperas, Lully havia estabelecido a


forma musical da overture, ou abertura francesa. Essas peças instrumentais, no
final do século XVII e início do século XVIII, eram, além da introdução de óperas
e de grandes composições, peças independentes e eram o andamento inicial de
uma suíte, de uma sonata ou de um concerto.

A abertura francesa era o estilo usado por Lully e também Rameau,


caracteriza-se por um início lento e majestoso de ritmo incisivo e pontuado,
depois uma seção mais rápida, com o emprego da imitação. Após, seguia-se uma
ou mais danças (o ballet), ou a repetição lenta da seção inicial (CANDÉ, 1994).

O overture tinha o objetivo de criar uma atmosfera alegre para a ópera


e tinha como função saudar a presença do rei que assistia ao espetáculo. As
aberturas venezianas tinham funções semelhantes, mas no final do século XVII os
compositores italianos de ópera escreviam introduções instrumentais diferentes,
chamadas de sinfonia (sinfonie) (GROUT; PALISCA, 2007).

O tipo de ópera de Lully foi cultivado e sofreu mudanças, como a


introdução de árias ao estilo italiano e em forma da capo, chamadas de aríetes; e
o desenvolvimento de grandes cenas de divertissement com ballets e coros. Assim
nasceu a forma mista, a denominada ópera-ballet, como a L’Europe Galante (1697),
de André Campra (1660-1744) (GROUT; PALISCA, 2007).

3.4 ÓPERA INGLESA


A ópera na Inglaterra aconteceu brevemente na segunda metade do século
XVII. Durante os reinados de Jaime I (1603-1625) e Carlos I (1625-1649) prosperou
a masque, um divertimento semelhante ao ballet francês. A masque era um
espetáculo de teatro que combinava música, drama, música e dança. Combinavam
a performance artística com a socialização e participação aristocrática (GROUT;
PALISCA, 2007).

A mais conhecida masque foi Cornus, de Milton, e música de Henry


Lawes, de 1634. As masques foram realizadas durante a Guerra Civil (1642-1649),
da Commonwealth (1649-1660) e nos anos iniciais da restauração de Carlos II

216
TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

(rein. 1660-1685) (GROUT; PALISCA, 2007). A Commonwealth foi responsável


por fechar teatros e alterar o desenvolvimento da ópera inglesa. O progresso
realizado foi conseguido, pois uma peça de teatro musicada podia ser chamada
de concerto e, dessa forma, escapar à proibição.

NOTA

O Commonwealth foi uma ditadura militar que ocorreu na Inglaterra. O poder


era exercido pelo exército e por Oliver Cromwell, seu principal comandante. Nesse período
o título e a função real foram abolidos, assim como a Câmara dos Lordes (LANGER, 1968).

Com a restauração da monarquia, esse pretexto deixou de ser necessário


e, assim, todas as “semióperas” inglesas do século XVII são peças de teatro
com solos e conjuntos vocais, coros e música instrumental. As únicas que são
inteiramente cantadas são Vênus e Adônis, de John Blow (1684 ou 1685), e Dido e
Eneias, de Henry Purcell (1689). Com a restauração, estrangeiros, especialmente
franceses, foram recebidos de volta (GROUT; PALISCA, 2007).

DICAS

A masque Cupid and Death (Cupido e Morte), escrita por James Shirley em 1653
e com música de Matthew Locke e Christopher Gibbons, foi um dos poucos entretenimentos
que surgiram da turbulenta era do Commonwealth. Essa obra é baseada na fábula de Esopo
que conta a história de quando o Cupido e a Morte hospedam-se na mesma hospedaria
e, ao partir no dia seguinte, carregam por engano o armamento errado. Esse conto satiriza
também os ricos e poderosos do seu dia e conta com danças, peças instrumentais, canções
de vários tipos, recitativos e coros. Ouça a gravação de The Consort of Musicke da canção
Victorious men of Earth (Homens vitoriosos da Terra), cantada pela personagem da Morte
(soprano) em: <https://youtu.be/O4fn6zXEmmY>.

John Blow (1649-1708) foi organista e compositor da abadia de Westminster,


muito conhecido pela ópera pastoril Vênus and Adonis (1683), considerada a mais
antiga ópera inglesa sobrevivente e cuja música teve influência da cantata italiana,
do estilo nacional inglês e do estilo francês da época. Essa ópera tem três atos e
um prólogo, foi escrita para a corte do rei Carlos II. Foi professor de William Croft
e Henry Purcell, sucessor de Blow, e compôs tanto música cerimonial religiosa
como secular (GROUT; PALISCA, 2007).

217
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Henry Purcell (1659-1695) ultrapassou em fama o mestre Blow. Também


foi organista da abadia de Westminster a partir de 1679 e ocupou outros cargos
em instituições musicais de Londres. Purcell compôs muitas odes para coro e
orquestra, cantatas, canções, catches, hinos, serviços, fancies, sonatas de câmara e
obras para instrumento de tecla e música para teatro, especialmente nos últimos
cinco anos de vida (GROUT; PALISCA, 2007).

Sua ópera trágica Dido e Eneias (libreto de Nahum Tate) dramatizava a


história de Eneida de Virgílio. Nessa ópera a orquestra compõe-se de cordas
e contínuo, só há quatro papéis principais e a representação dos três atos tem
duração de apenas uma hora. A abertura segue o estilo francês e os coros
homofônicos em ritmos de dança lembram os coros do compositor Lully.

DICAS

Ouça uma das mais notáveis árias da ópera Dido e Eneias, o último lamento
de Dido, antes de ela se matar, When I am laid in Earth (Quando eu descer à terra), cantado
por Jessye Norman em: <https://youtu.be/jOIAi2XwuWo>. Acompanhe com a partitura.

218
TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

FIGURA 18 – PARTITURA – LAMENTO DE DIDO (ACT III)

Dido’s Lament
from “Dido and Æneas”, act 3
(1689)

Henry PURCELL
(1659-1695)

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UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

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© Les Éditions Outremontaises - 2006

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TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

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© Les Éditions Outremontaises - 2006

FONTE: <https://goo.gl/VUa6B6 >. Acesso em: 11 jan. 2019.

221
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Purcell realizou música de cena para peças de teatro, com diálogos


falados, mas com aberturas, entreatos e longos ballets ou outras cenas musicais.
Destacam-se aqui as obras Dioclesian (1690), King Arthur (1691), The Fairy Queen
(1692, uma adaptação do Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare), The
Indian Queen (1695) e The Tempest (1695). Depois de Purcell, durante dois séculos,
a ópera inglesa ficou em segundo plano e obras de compositores italianos,
franceses e alemães ficaram em evidência (GROUT; PALISCA, 2007).

3.5 ÓPERA ALEMÃ


Nas cortes alemãs do século XVII imperava a moda da ópera italiana, porém
algumas cidades mantinham companhias nacionais em que eram apresentadas
óperas em alemão de compositores nativos. Hamburgo se destacava e em 1678
inaugurou o primeiro teatro público de ópera europeu depois de Veneza. A ópera
de Hamburgo permaneceu até 1738 e durante esses 60 anos muitos compositores
alemães criaram uma escola nacional de ópera (GROUT; PALISCA, 2007).

Os modelos venezianos e franceses influenciaram a música dos


compositores alemães e os libretos das óperas alemãs eram traduções ou imitações
dos poetas venezianos. A ópera alemã teve influências nacionais, como o drama
escolar e a canção solística alemã.

NOTA

O drama escolar eram pequenas peças com caráter didático, moral e piedoso,
representadas por estudantes. Foram numerosos nos séculos XVI e XVII e o tom sério destas
obras influenciou as primeiras óperas de Hamburgo.

Por volta de 1700, a ópera era designada de Singspiel, uma peça com
música; em algumas delas o diálogo era falado ao invés do recitativo. E quando
o recitativo era utilizado, seguia o estilo da ópera italiana. Algumas árias,
especialmente nos séculos XVII e XVIII, eram escritas no estilo francês e com os
ritmos de danças francesas (GROUT; PALISCA, 2007).

Considerado um dos grandes compositores de ópera alemã, Reinhard


Keiser (1674-1739) escreveu mais de cem obras para o palco de Hamburgo.
Suas óperas uniam as características italianas e alemãs. Os temas e a concepção
geral eram semelhantes às óperas venezianas e as árias eram virtuosísticas. Suas
melodias eram sérias e expressivas e suas harmonias organizadas e com uma
estrutura ampla e clara (GROUT; PALISCA, 2007).

222
TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

Assim como outros compositores alemães, Keiser criava uma textura


polifônica rica e combinações variadas de instrumentos orquestrais, compôs
música em muito gêneros, como música sacra, música de câmara e balé francês,
mas dedicou-se mais à ópera. Compôs óperas sobre temas pastorais, cômicos,
bíblicos, românticos, históricos e mitológicos. Acreditava que a música deveria
expressar as emoções e motivações mutáveis ​​dos personagens do drama. Muitas
de suas obras se perderam durante a história.

As últimas óperas de Keiser tinham uma influência maior da ópera


italiana, com adaptações nas formas de ária, estruturas cênicas e linguagem
musical dos italianos. A música italiana tornou-se uma prática padrão nas
composições alemãs.

DICAS

Na famosa ópera Croesus (Hamburgo, 1710), de Keiser, o compositor cria


cenas bucólicas com frescura e naturalismo raros na época. Ouça essa ópera em: <https://
youtu.be/R3AuXMLHp9k>.

4 MÚSICA VOCAL DE CÂMARA


Grande parte da produção musical profana escrita era música de câmara e
envolvia vozes. A música de câmara, por estar livre da representação, permitiu aos
compositores novas formas de organização das ideias musicais. A ária estrófica
foi retomada na composição vocal, uma forma de musicar poemas, mais simples
que a polifonia, consistia na repetição da mesma melodia, com modificações
rítmicas para cada estrofe do poema ou a realização de uma nova música para
cada estrofe, chamada de variação estrófica.

4.1 ESTILO CONCERTATO


O estilo concertato surgiu da prática de escrever partes distintas para
vozes e instrumentos ou para suas combinações. A ideia é a conjugação de partes
diferentes e contrastantes em um todo harmonioso. Como foi mencionado no
Tópico 1, Giovanni Gabrieli aproveitou as condições especiais da Catedral de
San Marco, em Veneza, para desenvolver o estilo concertato, com a oposição
de "solos unívocos" compostos de massas "mono-instrumentais" em grupos
concertantes, todos eles tratados como solistas. O sistema harmônico substituiu
a escrita contrapontística e as partes vocais eram sustentadas simplesmente
pelo baixo contínuo.

223
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Por exemplo, em um madrigal, instrumentos se harmonizam com as vozes


com igualdade. Um concerto sacro é uma peça vocal sacra com instrumentos. O
concerto é entendido hoje em dia como uma obra para solistas e orquestra, mas
possuía um sentido mais amplo. Assim, o estilo concertato, na verdade, não é um
estilo, mas a união de vozes e instrumentos, sem que os instrumentos se limitem
a dobrar as vozes, tendo vozes independentes, característica do século XVII.

DICAS

Ouça o madrigal Hor che'l ciel e la terra, de Claudio Monteverdi, que ilustra
o estilo concertato, para seis vozes e dois violinos, além de contínuo, cheio de contrastes
dramáticos, em: <https://youtu.be/kxT4A3SMsao>.

Monteverdi inventou um tipo de música a que deu o nome de estilo


concitato, uma das características desse estilo é a rápida reiteração de uma única
nota, nas sílabas pronunciadas com a voz ou com instrumentos. Este estilo era
utilizado para demonstrar sentimentos e ações de natureza guerreira.

O estilo musical de Monteverdi e outros compositores da época misturava


diversos elementos, o que resultou em um aumento e um enriquecimento dos
recursos descritivos da música. A separação entre recitativo e ária permitiu ao
compositor maior liberdade na escrita das melodias, originando o estilo de bel
canto na escrita vocal, que influenciou também a própria escrita instrumental no
período Barroco e posterior.

4.2 GÊNEROS DE MÚSICA VOCAL SOLÍSTICA


As monodias como madrigais, árias estróficas, cançonetas e outras
canções em ritmos de dança, eram mais conhecidas do que a música de ópera
contemporânea, cantadas em toda a parte e publicadas em grandes quantidades
em coletâneas de madrigais, árias, diálogos, duetos etc. Um importante compositor
de canções solísticas, além dos madrigais e motetes polifônicos do século XVII, foi
Sigismondo d'India (c. 1582-1629) (GROUT; PALISCA, 2007).

A cantata (peça para ser cantada), conhecido gênero do período Barroco,


designava diferentes tipos de composição. Por volta do século XVII, a palavra
cantata passou a designar a composição para voz solista com acompanhamento
de contínuo, em várias partes, entremeadas de recitativos e árias, sobre um texto
lírico ou às vezes semidramático. Podia ser profana ou religiosa.

224
TÓPICO 2 | MÚSICA VOCAL NO PERÍODO BARROCO

Os compositores Luigi Rossi (1597-1653), Giacomo Carissimi (1605-1674),


conhecido também como compositor de oratório sacro, e o compositor de ópera,
Antonio Cesti destacaram-se na composição de cantatas. Em outros países, os
compositores tinham um caráter nacional, como Heinrich Albert (1604-1651) e
Andreas Hammerschmidt (1612-1675); e os compositores ingleses por volta do
século XVII, como Nicholas Lanier (1588-1666), John Wilson (1595-1674) e Henry
Lawes (1596-1662) (CANDÉ, 1994). O compositor alemão Johann Sebastian Bach
escreveu mais de 200 cantatas, como Jesus Bleibet Bleibet Meine Freude (Jesus,
Alegria dos Homens). A cantata é o principal elemento musical do culto luterano.

DICAS

Ouça a cantata Jesus Bleibet Bleibet Meine Freude em: <https://youtu.


be/38TS7EOGo9A>.

Em suma, a música vocal de câmara apresentava-se, no início do


século XVII, sob muitas formas e estilos, combinando elementos
do madrigal, do concerto, da monodia, das canções de dança, das
linguagens nacionais, do recitativo dramático e da ária de bel canto
(GROUT; PALISCA, 2007, p. 335).

A cantata começou como uma variação estrófica, mas desenvolveu-se


para uma forma composta por muitas seções contrastantes. No final do século
adquiriu uma forma mais definida de recitativo e árias alternados: dois ou três de
cada, para solista com acompanhamento de contínuo, sobre um texto com caráter
amoroso, sob a forma de uma narração ou solilóquios, tendo assim a execução
de dez a 15 minutos de duração. A cantata assemelhava-se a uma cena de ópera,
diferia principalmente pelo poema e a música serem mais intimistas do que na
ópera, era destinada para a execução em uma sala, sem cenários ou figurinos
teatrais, para um público menor e mais seleto do que o dos teatros de ópera. Por
ser mais intimista, permitia experimentações e a maioria dos compositores de
ópera italianos do século XVII escreveu muitas cantatas, como Carissimi, L. Rossi,
Cesti, Legrenzi, Stradella e Alessandro Scarlatti.

225
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

DICAS

Conversamos sobre as óperas de Alessandro Scarlatti, mas as suas mais de 600


cantatas são um destaque em seu repertório. A sua cantata Lascia, deh, lascia possui muitas
características típicas do gênero. Está dividida em:
I – Arioso. Lascia, deh, lascia. Ouça em: <https://youtu.be/y0heL60Lv10>.
II – Recitativo. Sazio ancora non sei. Ouça em: <https://youtu.be/En9NQmSDQR4>.
III – Aria. Ti basti, amor crudele. Ouça em: <https://youtu.be/78IgQwe_rbo>.
IV – Recitativo. Sú, sú, che tardi. Ouça em: <https://youtu.be/S8eAAo2UO9E>.
V – Aria. Si mora nel tormento. Ouça em: <https://youtu.be/kL8uiTe4wow>.

Além da cantata escrita para uma voz e contínuo, havia obras vocais de
câmara para mais de uma voz e com acompanhamento de conjunto e rittornellos.
O trio sonata, ou dueto vocal de câmara, com duas vozes agudas no mesmo
registro e baixo cifrado, foi utilizado por Stefani e mais tarde, Bach e Haendel.
Outro gênero, entre a cantata e a ópera, era a serenata; peça semidramática escrita
para uma ocasião especial, com textos alegóricos e executada por uma pequena
orquestra e vários cantores, muito utilizada pelos compositores do fim do século
XVII e século XVIII. A cantata italiana foi imitada em outros países, mas não na
mesma medida que a ópera.

226
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• O termo Barroco na música designa o período entre 1600 e 1750. Essa é uma
maneira de constituir o estudo da história da música e engloba formas de
organizar o material musical, as sonoridades e formas de expressão musical,
seguindo um certo número de convenções.

• A influência musical italiana, apesar de não ser absoluta, sentiu-se por toda
a Europa. No final do período Barroco, a música na Europa tornou-se uma
linguagem internacional com raízes italianas.

• O período Barroco é caracterizado pela distinção estabelecida entre diversos


estilos de composição, entre a prima prattica (stile antico) e a seconda prattica (stile
moderno). A escrita idiomática, a doutrina dos afetos, novas formas de abordar
o ritmo e o uso do baixo contínuo são característicos do período.

• Houve o desenvolvimento do sistema de tonalidade maior-menor.

• No período Barroco iniciou-se a concepção da ópera como obra de arte total.


Os madrigais, as pastorelas e as tragédias gregas contribuíram para a ópera
nesse período.

• Na Camerata Florentina, os participantes estudavam o legado artístico greco-


romano e acreditavam, a partir da música grega, que a melodia era capaz de
afetar os sentimentos do ouvinte. Posicionavam-se contra o contraponto vocal.

• Em Veneza foi inaugurado o primeiro teatro público, o San Cassiano, em que


o público pagava entrada, um marco na história da ópera que era dependente
do patrocínio de mecenas ricos ou nobres.

• No século XVII a ópera espalhou-se por toda a Itália, e no século XVIII possuía
dois tipos de recitativo: recitativo secco e recitativo obligato.

• A ária da capo compunha-se de uma forma ternária (ABA), porém não se


escreviam as duas primeiras seções. Ao final de cada seção “B”, o compositor
escrevia da capo (ou D.C), significando “a partir do começo”. Na repetição da
primeira parte, esperava-se que o cantor introduzisse ornamentos.

• A abertura italiana era dividida em três partes: rápida-lenta-rápida.

227
• A ópera francesa estava baseada no ballet e na tragédia clássica francesa. O
primeiro compositor de destaque foi Jean-Baptiste Lully (1632-1687), que
combinava elementos do ballet e do teatro.

• A abertura francesa tinha um início lento e majestoso de ritmo incisivo e


pontuado, depois uma seção mais rápida, com o emprego da imitação, em
sequência uma ou mais danças (o ballet), ou a repetição lenta da seção inicial.

• A ópera na Inglaterra aconteceu brevemente na segunda metade do século


XVII e prosperou a masque, um divertimento semelhante ao ballet francês, que
combinava música, drama e dança.

• Nas cortes alemãs do século XVII imperava a moda da ópera italiana, porém
algumas cidades mantinham companhias nacionais em que eram apresentadas
óperas em alemão de compositores nativos, como Hamburgo.

• Grande parte da produção musical profana escrita era música de câmara e


envolvia vozes. A música de câmara, por estar livre da representação, permitiu
aos compositores novas formas de organização das ideias musicais.

• O estilo concertato surgiu da prática de escrever partes distintas para


vozes e instrumentos ou para suas combinações. A ideia é a conjugação de
partes diferentes e contrastantes em um todo harmonioso. O estilo concitato
é caracterizado pela rápida reiteração de uma única nota, nas sílabas
pronunciadas com a voz ou com instrumentos.

• A cantata (peça para ser cantada) foi um conhecido gênero do período Barroco,
designava a composição para voz solista com acompanhamento de contínuo,
em várias partes, entremeadas de recitativos e árias, sobre um texto lírico ou às
vezes semidramático. Podia ser profana ou religiosa.

• Havia obras vocais de câmara para mais de uma voz e com acompanhamento
de conjunto e rittornellos, como o trio sonata, ou dueto vocal de câmara, com
duas vozes agudas no mesmo registro e baixo cifrado; e a serenata, peça
semidramática escrita para uma ocasião especial, com textos alegóricos e
executada por uma pequena orquestra e vários cantores.

228
AUTOATIVIDADE

1 (ENADE, 2009)
Formas vocais características do período Renascentista –
motetos, missas, cantatas e óperas – desapareceram no período
Barroco.
PORQUE
A estética barroca privilegiou a música instrumental pura.

Considerando-se essas assertivas, é CORRETO afirmar que:


a) ( ) A primeira é falsa, e a segunda é verdadeira.
b) ( ) A primeira é verdadeira, e a segunda é falsa.
c) ( ) As duas são falsas.
d) ( ) As duas são verdadeiras e a segunda justifica a primeira.
e) ( ) As duas são verdadeiras e a segunda não justifica a primeira.

2 (FCG, 2018) Sobre o Período Barroco se sabe que é comum


considerar que entre os anos 1600 e 1750 houvera uma
mudança significativa na Europa Ocidental sobretudo com a
conquista do Novo Mundo, o poderio financeiro das classes
médias, o declínio da soberania aristocrata, a disparidade social evidenciada
por uma pobreza espantosa e um luxo desperdiçado e que tem em sua
manifestação artística o esplendor da elaborada decoração, audácia e vigor
no estilo. Sobre a música nesse período é CORRETO afirmar que:

a) ( ) O surgimento de variados gêneros musicais e instrumentos para


evidenciar virtuosismo a partir das técnicas de execução apuradas. Além
disso, o surgimento do Lied como manifestação do bel canto italiano
presente nas óperas barrocas.
b) ( ) O desenvolvimento da canção solo com acompanhamento instrumental
tendo como harmonia um baixo contínuo que permitia ao intérprete
improvisar acordes. Dentre os instrumentos para executar o baixo contínuo
estão o cravo, o violoncelo ou alaúde.
c) ( ) O surgimento de várias formas que posteriormente foram
desenvolvidas no Classicismo, são elas: ópera, oratório, cantata, sonata,
sinfonia e o concerto. Dentre essas, a sonata foi a forma mais desenvolvida.
Sua característica principal era o responsório evidenciado nas melodias
canônicas, forma mais rigorosa de repetição.
d) ( ) O desenvolvimento da sinfonia concertante e concerto grosso,
características do período para acompanhar as diversas manifestações
musicais religiosas: missas, cantatas e oratórios; marcam a verdadeira união
entre a música instrumental e a música vocal.
e) ( ) O surgimento de variados gêneros musicais, tendo como característica
principal o desenvolvimento do concerto grosso, onde vários instrumentos
se colocavam como solistas diante dos diversos grupos vocais, tais como
missa, oratório e cantata.
229
230
UNIDADE 3
TÓPICO 3

MÚSICA SACRA E INSTRUMENTAL NO PERÍODO BARROCO

1 INTRODUÇÃO
O filósofo francês Noêl Antoine Pluche, por volta de 1740, dividiu a música
em dois gêneros: a música barroca e a música cantante. Para Pluche, a música
instrumental, ousada e rápida como as sonatas italianas, era barroca. Já a música
que imitava os sons naturais da voz humana, comovente, era a música cantante
(GROUT; PALISCA, 2007). Nessa época, em Paris, podia-se ouvir as obras
mais recentes italianas e as nacionais, as melodias sentimentais vocais (música
cantante) de Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736) e a música virtuosística e
difícil (música barroca) de Vivaldi (1678-1741) (GROUT; PALISCA, 2007).

Esses contrastes caracterizam, especialmente, o final do período Barroco,


em que também Bach e Haendel escreveram as suas obras mais importantes. Ao
final do século XVIII, Veneza continuava a atrair músicos e a música era ouvida
nas ruas, nas casas e nos teatros. As festividades públicas em Veneza eram
numerosas e havia um grande esplendor musical. A cidade era um centro de
impressão de partituras de composições de música sacra, música instrumental e
ópera. Havia espetáculos de teatro o ano todo e podia-se ver mais de dez óperas
por ano.

Também eram frequentes os programas musicais patrocinados por


particulares, por confrarias religiosas e pelas academias. Os serviços religiosos
eram grandes concertos instrumentais e vocais (GROUT; PALISCA, 2007).

O espírito do estilo barroco na música, na pintura e na arquitetura


caracterizou-se pela teatralidade, pela grandiosidade e pelos
efeitos de brilho. O barroco nasceu na Itália como consequência da
Contrarreforma, com o objetivo de reconquistar, através do impacto
cultural, a influência da Igreja Católica. Seus ideais estéticos se
espalharam por toda a Europa, em todas as artes (MEDAGLIA,
2008, p. 53).

Assim, o Barroco na música foi marcado pela grandiosidade e efeitos


espetaculares, a nobreza e os mais abastados se interessaram pela música profana,
o que permitiu o seu crescimento, a música instrumental se torna tão importante

231
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

quanto a música vocal. A implantação de uma dramaturgia sonora apareceu não


só com a ópera, como também na música religiosa, nos oratórios ou nas cantatas,
como veremos a seguir.

Três grandes formas do estilo barroco se destacam: a ópera, o oratório


e a cantata. Essas três formas fazem uso da declamação dramática (recitativo),
canção-solo acompanhada (árias e arioso), coros e orquestra.

2 MÚSICA SACRA E ORATÓRIO


As mudanças dos séculos XVI e XVII afetaram a música sacra tão
profundamente quanto a música profana. A monodia, o baixo contínuo e o estilo
concertato também fizeram parte da música sacra, porém a Igreja Católica nunca
abandonou completamente a polifonia ao modo de Palestrina.

A forma do grande concerto, que teve origem em Gabrieli e na escola


veneziana, foi muito importante para a composição no início do século XVII.
Houve composições de música sacra para grandes conjuntos de cantores e
instrumentistas, o compositor de destaque nesse estilo foi Orazio Benevoli (1605-
1672), que escreveu missas com mais de quatro coros e baixo contínuo, dispostos
em pontos e níveis diferentes na ampla basílica de S. Pedro.

Além do grande concerto, o concerto para poucas vozes, em que duas ou


três vozes solistas cantavam acompanhadas por um contínuo, era mais familiar
ao paroquiano e seu compositor de destaque foi Lodovico Viadana (1560-
1627). Combinava-se, dependendo das possibilidades, o grande concerto com o
concerto para poucas vozes, Monteverdi era notável nessa combinação e também
Alessandro Grandi (c. 1575-1630) (GROUT; PALISCA, 2007).

O aparato cênico também foi utilizado na música sacra. Em 1600, Emílio


de Cavalieri apresentou uma peça educativa com música em Roma intitulada
La rappresentatione di anima e di corpo (A Representação da Alma e do Corpo); a
mistura de monodia, declamação coral, música instrumental com ritmo de dança
e árias melodiosas estariam nas posteriores óperas e oratórios.

A tendência dramática originou em Roma uma série de diálogos


sacros que combinavam narrativa, diálogo e meditação ou exortação, mas que,
geralmente, não eram para ser apresentados em cena. Essas obras passaram a
ser chamadas, mais tarde, de oratórios (ou oratórias), pois eram executadas no
oratório da igreja. O libreto de um oratório era em latim (oratório latino), ou
em italiano (oratório volgare). O compositor de destaque do oratório latino no
século XVII foi Gioacomo Carissimi. O oratório distinguia-se da ópera pelo tema
religioso, pela presença do narrador, pelo coro dramático, narrativo e meditativo
e por que os oratórios não se destinavam a ser teatralmente encenados. A ação
era narrada ou sugerida, mas não representada. Assim como a ópera, o oratório
utilizava recitativos, árias, prelúdios e ritornellos instrumentais.

232
TÓPICO 3 | MÚSICA SACRA E INSTRUMENTAL NO PERÍODO BARROCO

DICAS

Baseada no Livro dos Juízes, 11, 29-40, ouça o famoso oratório de Carissimi,
Jefté em: <https://youtu.be/xsNX0UHv2U0>.

O oratório tinha um libreto em verso e não estava limitada às convenções


da música litúrgica, era executado em concertos sacros e substituía a ópera
durante a Quaresma e quando os teatros estavam fechados. Eram apresentados
também em palácios de príncipes e cardeais, academias e outras instituições.
Os oratórios tinham duas partes, separadas por um sermão ou refeição, quando
eram realizados nas residências.

O oratório latino foi abandonado após Carissimi e o oratório volgare tonou-


se usual. Quase todos os compositores de ópera do período Barroco escreveram
oratórios também, pois havia pouca ou nenhuma diferença entre os estilos.

Assim como a ópera francesa, a música sacra francesa teve um caminho


diferente da música sacra italiana. Na capela real de Luís XIV, o motete sobre
um texto bíblico era o gênero mais cultivado, e no final do século XVII, grandes
motetos foram realizados por compositores como Lully, Charpentier e Henri
Dumont (1610-84). Os grandes motetos eram peças com várias partes: prelúdios,
solos, conjuntos e coros. São característicos deste tipo de peça as oscilações entre
compasso binário e ternário. Destacam-se como compositores de música sacra na
corte de Luís XIV, Michel-Richard de Lalande (1657-1726) e François Couperin
(1668-1733) (GROUT; PALISCA, 2007).

Na música sacra anglicana destacam-se os hinos e serviços. Entre os


muitos compositores ingleses de música sacra destacaram-se John Blow e Henry
Purcell. Purcell destaca-se pelas composições sacras sobre textos não litúrgicos,
peças para uma ou mais vozes solistas, com acompanhamento de contínuo, para
uso religioso privado.

A Itália teve grande influência na música sacra na Áustria e Alemanha. Os


alemães por vezes utilizavam as técnicas da monodia e do concertato, escreviam
motetes sobre textos bíblicos, muitos no início do século XVII em estilo de grande
concerto, madrigais italianos e concertos para poucas vozes. O maior compositor
alemão do século XVII foi Heinrich Schütz (1585-1672) (GROUT; PALISCA, 2007).
Ele estudou em Veneza com Giovanni Gabrieli, foi mestre de capela em Dresden
e maestro da corte em Copenhague. As suas composições profanas se perderam,
sobrando apenas as sacras. As obras de Heinrich Schütz unem os estilos italiano
e alemão, apenas um elemento do estilo luterano não fazia parte de sua obra,
Schütz não utilizava melodias tradicionais dos corais, apenas os textos.

233
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

DICAS

Entre 1638 e 1639, Schütz publicou os Kleine geistliche Konzerte (Pequenos


Concertos Sacros), motetes para uma a cinco vozes solistas com acompanhamento de órgão,
ouça o Bone Jesu Verbum Patris executado por Soloists Tölzer Knabenchor em: <https://
youtu.be/3Le3_5z7EJc>.

O período de 1650 a 1750 foi muito importante para a música luterana.


Todos os compositores luteranos trabalharam com coral, reflexo dos primeiros
tempos da Reforma. Com a prática do canto congregacional de corais com
acompanhamento de órgão, houve a produção de composições num novo estilo,
com um movimento uniforme de notas iguais, com fermata a cada final de frase,
o tipo de coral típico das obras de J. S. Bach.

Três elementos musicais são importantes na música luterana: o coro


concertato sobre um texto bíblico, como Schütz e outros compositores estabeleceram;
a ária solística, com um texto estrófico não bíblico; e o coral, com seu próprio texto
e melodia tratada de formas diferentes. A partir destes elementos, três concertos
sacros podiam ser compostos:

O concerto podia ser constituído por: (1) apenas árias ou árias e coros,
em estilo concertato; (2) apenas corais, também em estilo concertato;
(3) corais e árias, sendo os primeiros, quer em versões harmônicas
simples, quer em estilo concertato. Embora se dê muitas vezes a estas
combinações o nome de cantatas, a designação mais apropriada é a de
concerto sacro (GROUT; PALISCA, 2007, p. 381-382).

A música luterana não utilizava somente textos alemães, certas partes


do serviço eram cantadas em latim, como o Magnificai e o Te Deum, assim como
motetes, em latim e também em alemão. Em 1700, Erdmann Neumeister (1671-
1756), de Hamburgo, teólogo ortodoxo e poeta, criou um novo tipo de poesia
sacra destinada a ser musicada, a chamada cantata. No fim do século XVII os
textos das composições luteranas eram retirados de passagens da Bíblia ou da
liturgia da Igreja. Neumeister acrescentou a este repertório estrofes de poesia que
comentavam e explicavam textos das Escrituras, esses textos eram musicados
como ariosos ou árias. Neumeister e outros compositores escreviam sua poesia no
estilo madrigal, com versos de métrica desigual e com rimas irregulares. Muitas
cantatas e as árias da Paixão segundo S. Mateus de Bach são exemplos desse estilo
de madrigal (GROUT; PALISCA, 2007).

234
TÓPICO 3 | MÚSICA SACRA E INSTRUMENTAL NO PERÍODO BARROCO

NOTA

A Paixão Segundo São Mateus é um oratório de Johann Sebastian Bach, que


representa o sofrimento e a morte de Cristo segundo o Evangelho de São Mateus. Tem uma
duração de mais de duas horas e meia e é a obra mais extensa e uma das mais importantes
de Bach, considerada uma obra-prima da música ocidental. Ouça A Paixão Segundo São
Mateus, de Johann Sebastian Bach com legendas em português em: <https://youtu.be/
KNJZzXalO8Q>.

Neumeister e outros poetas luteranos do início do século XVIII escreveram


ciclos de cantatas, para serem usados ao longo de todo o ano litúrgico. A aceitação
deste novo tipo de cantata foi de grande importância para a música luterana. J.
S. Bach foi o maior mestre da cantata sacra, mas houve vários compositores que
se destacaram: Johann Philipp Krieger (1649-1725), Johann Kuhnau (1660--1722),
Friedrich Wilhelm Zachow (1663-1712), Christoph Graupner (1683-1760), Johann
Mattheson (1681-1764) e Georg Philipp Telemann (1681-1767). No tempo de Bach,
Telemann e Haendel eram considerados os maiores compositores vivos (GROUT;
PALISCA, 2007).

3 MÚSICA INSTRUMENTAL
A música instrumental também foi influenciada pelos estilos de ária e de
recitativo, mas a prática do baixo contínuo foi ainda mais importante para a música
instrumental. A partir da primeira metade do século XVII, a música instrumental
tornou-se tão importante como a música vocal, porém as formas musicais não
estavam padronizadas. Nesse primeiro momento, a música instrumental pode
ser dividida em alguns tipos, porém é preciso lembrar que estas classificações não
preenchem todas as possibilidades, conforme Grout e Palisca (2007):

• Tipo fugado: peças em contraponto imitativo contínuo, como ricercare, fantasia,


fancy, capriccio, fuga, verset, entre outros;
• Tipo canzona: peças em contraponto imitativo descontínuo, às vezes com
elementos de outros estilos, estas peças vão originar a sonata da chiesa (da
igreja);
• Peças que efetuam variações sobre uma dada melodia ou baixo: como a partita,
passacaglia, chaconne, partita coral e prelúdio coral;
• Danças e outras peças em ritmos de dança mais ou menos estilizados: que
podem estar agrupadas ou integradas como numa suíte;
• Peças de estilo improvisatório para um instrumento de tecla ou alaúde solista:
como toccata, fantasia e prelúdio.

235
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Os termos como ricercare, fantasia, fancy, capriccio, sonata, sinfonia e


canzona são comuns nas composições instrumentais polifônicas do início do século
XVII. Para os compositores, cada uma representava uma tradição e um conjunto
de precedentes que eram respeitados. Era importante o sentido dos gêneros no
princípio do século XVII. O período foi muito rico em estilos composicionais e
destacaremos alguns deles.

O ricercare do século XVII é uma composição breve e séria para órgão


ou instrumento de teclado, em que um tema é desenvolvido continuamente em
imitação. A fantasia tinha uma proporção e organização formal mais complexa
que o ricercare. Era um tipo de composição de tecla do início do século XVII.
Alguns dos principais compositores de fantasias deste período foram Samuel
Scheidt (1587-1654), Heinrich Scheidemann (c. 1596-1663). A canzona possuía
um material melódico mais vivo, mais ritmicamente marcado, e os compositores
tendiam a sublinhar a divisão deste material em seções, como na chanson francesa.

DICAS

Um exemplo é o Ricercar dopo il Credo, de Girolamo Frescobaldi (1583-1643),


que o publicou em 1635, em uma coletânea de peças para órgão intitulada Fiori musicali
(Flores Musicais), para serem usadas nos serviços religiosos. Ouça em: <https://youtu.be/
acjguX1mBOQ>.

O termo fuga denomina um estilo de composição e uma forma específica,


muito mais um estilo composicional do que uma forma. O estilo fugado surgiu
na segunda metade do século XVII, derivando de modelos vocais como o moteto,
a chanson e o madrigal e de modelos instrumentais como o ricercare, a canzona
e a fantasia. Foi com Bach que alcançou um novo patamar. A fuga, ao equilibrar
as organizações contrapontística e tonal, é o ponto máximo do Barroco tardio. A
fuga não é algo fácil de descrever. Ela é uma obra vocal, instrumental ou ambos,
com três a cinco vozes em geral.

O prelúdio coral é uma composição para órgão, sobre um coral luterano


(cantus firmus), que teve seu apogeu no período barroco, especialmente em países
de fé luterana.

As músicas ligadas à dança tiveram grande importância, os seus ritmos


influenciaram o restante da música, tanto vocal como instrumental, sagrada e
profana. Uma sequência de danças é chamada de suíte e, desde o Renascimento,
designa uma peça musical com vários movimentos breves com diferentes tipos
de danças barrocas. As primeiras danças foram compostas para o alaúde. Para ter
uma unidade, as danças compartilhavam a mesma tonalidade, mas organizadas

236
TÓPICO 3 | MÚSICA SACRA E INSTRUMENTAL NO PERÍODO BARROCO

para criar contraste entre tempo e métrica. A suíte é considerada antecedente da


forma sonata, que estabeleceu-se no próximo período histórico, e também uma
das primeiras manifestações orquestrais modernas. A suíte tinha uma estrutura
fixa: Allemande (lenta), uma Colorante (rápida), uma Sarabande (lenta) e uma
Gigue (rápida). Ela poderia ter de três até sete movimentos. Johann Sebastian
Bach e Haendel foram os responsáveis pelo apogeu da suíte no século XVIII.

DICAS

Ouça a Suíte Francesa nº 2 em C menor BWV 813, de J. S. Bach. Esta suíte é


composta por: 1. Allemande, 2. Courante, 3. Sarabande, 4. Air, 5. Menu, 6. Gigue. Ouça em:
<https://youtu.be/IM_zQt4E1QM>.

A sonata, inicialmente denominada canzona, foi o termo mais vago de


todas as designações para peças instrumentais do início do século XVII, aos
poucos veio a referir-se a composições cuja forma era semelhante à da canzona,
mas com características próprias. As peças de sonata do início do século XVII
eram escritas para um ou dois instrumentos melódicos e baixo contínuo, as
sonatas eram escritas para um instrumento e exploravam-se as possibilidades
específicas desses instrumentos, eram livres e expressivas, diferenciando-se da
canzona, mais formal. Durante o século XVII a sonata e a canzona fundiram-se
em uma forma única, e o termo sonata substituiu o de canzona. As sonatas eram
escritas para muitas combinações de instrumentos, a mais comum era para dois
violinos e um contínuo. Esse tipo de sonata é designado por trio sonata.

NOTA

O termo sonata no período Barroco indicava vários tipos de peças, não confunda
com a forma clássica da sonata, desenvolvida no século seguinte.

No século XVIII as sonatas se dividiam em duas categorias: sonata da chiesa


(da Igreja) e sonata de câmara. As sonatas da chiesa eram mais introspectivas e as
sonatas de câmara eram a versão camerística das suítes. Dessa forma, as sonatas
de câmara tinham de três a sete movimentos, alternando rápidos com lentos.
No final do Barroco (1750) não havia a diferenciação entre sonatas de Igreja e
de Câmara e elas estabeleceram um esquema de três a quatro movimentos. No

237
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Classicismo, sonata irá designar apenas as obras de câmara para um instrumento


acompanhado de piano, ou com apenas piano, obedecendo à chamada forma-
sonata, que veremos no decorrer do curso.

O concerto grosso designava uma obra para um grupo de solistas, em


geral dois violinos e um violoncelo, que dialoga com o resto da orquestra, e às
vezes unindo-se à orquestra no chamado tutti, criando contrastes característicos
do Período Barroco. É uma forma somente instrumental. Esse gênero derivou-se
da música veneziana a coro duplo e da suíte de danças. Alguns compositores
utilizaram simplesmente a denominação de concerto, sinfonia ou sonata para
a forma do concerto grosso. O concerto grosso pode ser dividido em quatro
movimentos, alternando lentos e rápidos.

O concerto solo nasceu a partir do concerto grosso, nele um único


instrumento contrasta com toda a orquestra de cordas. Esse contraste ampliou-se
no decorrer do tempo, e os solos eram passagens difíceis e expressivas. Em sua
maioria, os concertos solos possuíam três movimentos: rápido – lento – rápido.

A questão dos gêneros musicais orientou os compositores no século


XVII, o meio de execução instrumental para o qual a composição se destinava
guiava a criação. Em um momento de novas possibilidades permitidas pelos
órgãos modernos, pelo cravo com dois teclados, pela família dos violinos, os
instrumentos contribuíram para novas linguagens e estruturas formais.

DICAS

Para conhecer os instrumentos da época assista ao filme Todas as Manhãs do


Mundo, estrelado por Gerard Depardieu. No filme, Gerard representa o violista e compositor
Marin Marais (1656-1728), músico célebre do século XVII. Os movimentos dos executantes
da viola da gamba não são convincentes, porém a trilha sonora original é de Jordi Savall,
autoridade do instrumento atual.

4 PRINCIPAIS COMPOSITORES DO PERÍODO BARROCO


Há uma enorme quantidade de compositores que surgiram no período
Barroco. Os principais nomes na Itália foram Claudio Monteverdi (1567-1643),
com seus madrigais e óperas; Alessandro Scarlatti (1660-1725), chefe da ópera de
Nápoles; Domenico Scarlatti (1685-1757), autor de centenas de sonatas para cravo;
Arcangelo Corelli (1653-1713) e Antonio Vivaldi (1678-1741), ambos autores de
centenas de concertos e peças de câmara, especialmente repertório para cordas.

238
TÓPICO 3 | MÚSICA SACRA E INSTRUMENTAL NO PERÍODO BARROCO

Na França foram Jean-Baptiste Lully (1632-1687), que escreveu óperas e


balés; François Couperin (1668-1733), autor de obras para cravo; Jean-Philippe
Rameau (1683-1764), compositor de óperas, balés, música para teclado e teórico.
Na Inglaterra, destacou-se Henry Purcell (1659-1695), compositor de música
dramática e instrumental de vários tipos; Georg Friedrich Haendel, alemão que
estudou na Itália, destacou-se na Inglaterra.

A Alemanha destaca-se na música instrumental e na música religiosa.


Johann Hermann Schein (1586-1630), Samuel Scheidt (1587-1654) e Johan Jakob
Froberger (1616-1667) escreveram música para teclado; Heinrich Schütz (1585-
1672), importante compositor de música vocal do século XVII, com música coral,
cantatas, oratórios e paixões; Michael Praetorius (1571-1621), compositor de
música coral tanto dos estilos renascentista como Barroco; Dietrich Buxtehude
(1637-1707) e Johann Pachelbel (1653-1706), precursores de J. S. Bach na música
para órgão e cantatas religiosas.

Dois autores se destacam na música do período Barroco: Johann Sebastian


Bach (Eisenach 1685 – Leipzig 1750) e Georg Friedrich Haendel (Halle 1685 –
Londres 1759). Bach destacou-se na música religiosa e instrumental, e Haendel,
nos oratórios e nas óperas (GROUT, PALISCA, 2007).

DICAS

Ouça a Partita for Violin Solo No. 1 in B Minor (BWV 1002), o Double (Presto)
de Johann Sebastian Bach em: <https://youtu.be/iEBX_ouEw1I>.

FIGURA 19 – RETRATO DE JOHANN SEBASTIAN BACH

FONTE: <https://goo.gl/o4Wq2d>. Acesso em: 11 jan. 2019.

239
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

Johann Sebastian Bach (1685-1750) exerceu funções de organista em


Arnstadt (1703-1707) e Mühlhausen (1707-1708), foi organista da corte e
mestre da capela do duque de Weimar (1708-1717), diretor musical na corte
de um príncipe em Cöthen (1717-1723) e mais tarde chantre do colégio de S.
Tomás e diretor musical em Leipzig (1723-1750). Sua música é executada e
estudada no mundo inteiro e é, com certeza, o mais venerado compositor.
Bach compôs em praticamente todas as formas de seu tempo, menos a ópera
(GROUT, PALISCA, 2007).

FIGURA 20 – RETRATO DE GEORG FRIEDRICH HAENDEL, 1741

FONTE: <https://goo.gl/whZh2x>. Acesso em: 11 jan. 2019.

Haendel (1685-1759) foi um compositor completamente internacional; a


sua música une a seriedade alemã, a suavidade italiana e a imponência francesa.
A Inglaterra forneceu a tradição coral que possibilitou os oratórios de Haendel
(GROUT, PALISCA, 2007).

240
TÓPICO 3 | MÚSICA SACRA E INSTRUMENTAL NO PERÍODO BARROCO

DICAS

Para finalizar essa etapa na melhor companhia, vale a pena ouvir o Messiah, de
Haendel (HWV56). Essa obra monumental, que aborda o nascimento de Cristo, foi composta
em 1742 em inglês, o oratório foi a última obra executada por Haendel com órgão, em 6 de
abril de 1759, em Londres, na Abadia de Westminster, ele morreu no mesmo ano, no dia 20 de
maio. Decididamente, é imperdível, ouça em: <https://youtu.be/JH3T6YwwU9s>.

Haendel sobressai por seu repertório nunca ter deixado de ser executado.
Destacou-se com o repertório coral em estilo grandioso e no uso de contrastes.
Sua influência no público burguês, com os oratórios, foi uma das primeiras
manifestações da mudança social, influenciando profundamente o campo da
música nos anos seguintes.

241
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

LEITURA COMPLEMENTAR

O VIOLINO – O INSTRUMENTO BARROCO SOLISTA

Nikolaus Harnoncourt

O período barroco, que levou a produção artística solista a alturas até


então jamais conhecidas e no curso da qual devia nascer o virtuose, já que não
se queria somente admirar e celebrar a obra de arte anônima, mas antes o artista,
na medida em que este vinha realizando feitos simplesmente inacreditáveis,
foi também o período que, em benefício do solista, fez eclodir as fronteiras
fixadas pela natureza para os instrumentos. O violino encarna como nenhum
outro instrumento o espírito barroco. Seu surgimento, no decorrer do século
XVI, é como a concretização progressiva de uma ideia. A partir da diversidade
dos instrumentos de cordas da Renascença, com suas vielas, rabecas, liras e as
incontáveis variantes, e graças aos geniais construtores de Cremona e Brescia, o
violino pôde cristalizar-se.

Este processo, bem entendido, se deu paralelamente à evolução da


música, que nos séculos passados estava inteiramente devotada à construção
do intrincado tecido polifônico. Cada instrumento, cada músico era uma parte
anônima do todo. Cada instrumento devia desenhar sua linha o mais claro
possível e ao mesmo tempo misturar à sonoridade do conjunto a sua nuance
particular. Por volta de 1600, novas forças entraram em jogo. A interpretação
declamatória e musical de obras poéticas conduziu à monodia, ao canto solo
acompanhado. Com isto, se criou no recitar cantando, a recitação cantada, e no
stile concitato, formas de expressão musicais que fundiriam a palavra e o som
em uma unidade impressionante. A música puramente instrumental foi também
afetada por esta onda e o solista saiu do anonimato da sua condição de músico
de conjunto. Ele assumiu a nova linguagem sonora da monodia sem as palavras
e passou doravante a “exprimir-se” exclusivamente através de sons. Esta prática
musical solista era considerada literalmente como um tipo de discurso; e assim
que surgiu a teoria da retórica musical, a música adquiriu um caráter de diálogo
e a execução “falada” tornou-se a exigência máxima dos mestres da música do
barroco.

A partir de Claudio Monteverdi, a maior parte dos compositores italianos


eram violinistas. A nova linguagem musical do barroco, num prazo incrivelmente
curto, conduziu a um repertório de grande virtuosismo que permaneceu por muito
tempo insuperável. Os primeiros verdadeiros soli de violino foram compostos
por Monteverdi para o seu Orfeu (1607) e para as suas Vésperas (1610), mas foram
principalmente os seus alunos e admiradores (Fontana, Marini, Uccellini e outros)
que, no espaço de 30 anos, levaram a música de solo de violino ao apogeu, com
obras audaciosas, muitas vezes realmente estranhas.

242
TÓPICO 3 | MÚSICA SACRA E INSTRUMENTAL NO PERÍODO BARROCO

Nos decênios seguintes pareceu instalar-se uma certa calma. O violino


havia saído de seu período Sturm und Drang e a sua técnica interpretativa estava
de tal forma amadurecida que, daí por diante, a evolução passou a fazer-se mais
lentamente. Tal como o próprio estilo barroco, o violino é um autêntico produto
italiano e foi pouco a pouco conquistando toda a Europa, também o violino foi se
tornando a joia de seu instrumentarium. Foi na Alemanha que ele mais rapidamente
se impôs, já que virtuosos italianos atuavam nas cortes dos principados alemães
desde a primeira metade do século XVII. Cedo formou-se neste país um estilo
próprio de música para solo de violino, no qual a execução polifônica e em acordes
– característica tipicamente alemã – continuou a desenvolver-se particularmente.

Os violinistas e melômanos de nossos dias estão quase sempre enganados


quanto ao nível da técnica do violino nos séculos XVII e XVIII. Acredita-se,
em virtude do alto nível atingido pelos solistas da atualidade e pelo fato de os
músicos de um século atrás, comparativamente, estarem menos capacitados, que
este nível se expressaria por uma curva descendente em direção ao passado; isto
é ignorar que o remanejamento social que atingiu a profissão de músico no século
XIX foi acompanhado de um declínio. Em 1910, dizia Henry Marteau: “caso
pudéssemos ouvir Corelli, Tartini, Viotti, Rode e Kreutzer, os nossos melhores
violinistas iriam arregalar os olhos e não duvidariam mais de que a execução deste
instrumento está em franca decadência”. Muitas das técnicas usuais do violinista
de hoje, como o vibrato, spiccato, o staccato volante, entre outras, são consideradas
aquisições devidas a Paganini e (com exceção do vibrato) estão banidas da música
barroca. Para o lugar delas, foi inventado o pretenso “golpe de arco Bach”, que
serve apenas para substituir a diversidade infinita da articulação barroca pela
uniformidade. Tanto a música em si como as antigas obras didáticas mostram
claramente quais eram as possibilidades técnicas de que se dispunha em uma
dada época e onde eram empregadas.

O vibrato é tão velho quanto a própria técnica dos instrumentos de cordas.


Ele é usado para imitar o canto e a sua existência está expressamente comprovada
desde o século XVI. Posteriormente também ele foi descrito com certa frequência
e de maneira bastante clara (Mersenne, 1693; North, 1695; Leopold Mozart, 1756).
No entanto, sempre foi considerado como um ornamento e nunca como algo a
ser usado a todo instante, abusivamente. “Há violistas”, diz Leopold Mozart,
“que tremem constantemente a cada nota como se estivessem atacados de uma
febre perpétua. Só se deve introduzir o tremulo (vibrato) naqueles lugares onde a
natureza o produziria”.

O spiccato, a técnica de saltar com o arco, é uma modalidade de arcada


bastante antiga (apenas a indicação spiccato nos séculos XVII e XVIII não significava
o saltando, mas simplesmente designava notas claramente destacadas). A maioria
das figuras em arpejos não ligados ou de repetições de notas era executada desta
maneira. J. Walther (1676), Vivaldi, dentre outros, o exigem expressamente quando
escrevem con arcate sciolte ou simplesmente sciolto. Mas, igualmente, encontra-
se tudo quanto é tipo de ricochet e até mesmo longas séries de staccato volante
no repertório do século XVII, particularmente em Schmelzer, Biber e Walther. O

243
UNIDADE 3 | HISTÓRIA DA MÚSICA: DO RENASCIMENTO AO BARROCO

mesmo acontece com as diferentes técnicas de pizzicati (tocados com um plectro e


sobre o espelho, em Biber, ou em acordes, em Farina em 1626) e com a do col legno
(notas percutidas com a madeira do arco), ambas conhecidas desde o século XVII
por Farina, Biber e outros.

O Capriccio Stravagante de Carlo Farina, um aluno de Monteverdi, publicado


em 1626, contém uma incrível lista de efeitos violinísticos. Imagina-se que a
maioria deles tenha sido descoberta em épocas bem posteriores e alguns somente
no século XX! Esta obra, com indicações de execução muito precisas escritas em
duas línguas (italiano e alemão), é um importante testemunho da antiga técnica
do violino. Farina descreve a execução em posições altas* nas cordas graves como
um efeito sonoro (naquele tempo em geral só se passava da primeira posição
na corda mi): “... Desloca-se a mão para perto do cavalete e se começa... com o
terceiro dedo sobre a nota ou o som estipulado”. O col legno (golpe com a madeira
do arco) está assim descrito: “... Estas (notas) serão percutidas com a madeira
do arco como se fosse sobre um tímpano; não se deve manter o arco como se
fosse sobre um tímpano; não se deve manter o arco parado por muito tempo,
mas prosseguir num movimento ininterrupto” – a madeira do arco deve saltar
como uma baqueta de tambor. Farina pede que se toque sul ponticello (próximo
ao cavalete) para imitar os instrumentos de sopro, como o pífaro ou a flauta: “As
flautas (flageolets) são tocadas graciosamente, próximo ao cavalete, mais ou menos
a um dedo deste, muito calmamente, como uma lira. E o mesmo para os pífaros
dos soldados, apenas aqui se deve tocar um pouco mais forte e ainda mais perto
do cavalete”. Um efeito particularmente frequente na técnica de cordas barrocas,
o vibrato de arco, já é aqui empregado para imitar o trêmulo do órgão (registro
de órgão com vibrato rítmico): “O trêmulo é imitado por pulsações da mão que
segura o arco, à maneira do trêmulo do órgão”.

A técnica de mão esquerda diferia da técnica atual, pois se evitava as


posições altas nas cordas graves – com exceção de certas passagens em bariolage,
** nas quais a mudança de timbre entre as cordas graves em posição afastada
e as cordas soltas agudas produzia um efeito sonoro desejado. O emprego da
corda solta não era absolutamente proibido; muitas vezes era até manifestamente
desejado, embora a sonoridade das cordas de tripa soltas não sobressaísse tanto
como a das cordas de aço atuais.

* Posições em que a mão se desloca para perto do cavalete, produzindo


sons mais agudos em relação à corda solta.
São em geral posições tecnicamente mais difíceis, principalmente no
violino barroco, que é tocado sem ombreira e sem queixeira, pois envolvem
deslocamento espacial da mão, e consequentemente riscos de perda da afinação.
(N. da R.)

** Alternância rápida e repetitiva entre corda solta e corda presa. (N. da R.)

FONTE: HARNONCOURT, Nikolaus. O violino: o instrumento barroco solista. In: O discurso dos
sons: caminhos para uma nova compreensão musical. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1988, p.
138-141.

244
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• O barroco na música foi marcado pela grandiosidade e efeitos espetaculares,


a nobreza e os mais abastados se interessaram pela música profana, o que
permitiu o seu crescimento, e a música instrumental se tornou tão importante
quanto a música vocal.

• A implantação de uma dramaturgia sonora apareceu não só com a ópera, como


também na música religiosa, nos oratórios ou nas cantatas.

• A monodia, o baixo contínuo e o estilo concertato também fizeram parte da


música sacra, como no Renascimento, porém a Igreja Católica nunca abandonou
completamente a polifonia ao modo de Palestrina.

• O aparato cênico também foi utilizado na música sacra. A tendência dramática


originou em Roma uma série de diálogos sacros que combinavam narrativa,
diálogo e meditação ou exortação, mas que, geralmente, não eram para ser
apresentados em cena. Essas obras passaram a ser chamadas, mais tarde, de
oratórios (ou oratórias).

• Assim como a ópera francesa, a música sacra francesa teve um caminho


diferente da música sacra italiana.

• O período de 1650 a 1750 foi muito importante para a música luterana. Todos os
compositores luteranos trabalharam com coral, reflexo dos primeiros tempos
da Reforma.

• Três elementos musicais são importantes na música luterana: o coro concertato


sobre um texto bíblico, como Schütz e outros compositores estabeleceram; a
ária solística, com um texto estrófico não bíblico; e o coral, com seu próprio
texto e melodia tratada de formas diferentes.

• A música luterana não utilizava somente textos alemães, certas partes do


serviço eram cantadas em latim, como o Magnificat e o Te Deum, assim como
motetes, em latim e também em alemão.

• A música instrumental também foi influenciada pelos estilos de ária e de


recitativo, mas a prática do baixo contínuo foi ainda mais importante para a
música instrumental.

245
• A partir da primeira metade do século XVII, a música instrumental tornou-se
tão importante como a música vocal, porém as formas musicais não estavam
padronizadas.

• O período Barroco foi muito rico em estilos composicionais, na música


instrumental destacamos a fuga, prelúdio coral, suíte, sonata barroca, concerto
grosso, concerto solo e orquestra.

• Há uma enorme quantidade de compositores que surgiram no período barroco.


Dois autores se destacam: Johan Sebastian Bach (Eisenach 1685 – Leipzig 1750)
e Georg Friedrich Haendel (Halle 1685 – Londres 1759).

• Bach destacou-se na música religiosa e instrumental, e Haendel, nos oratórios


e nas óperas.

246
AUTOATIVIDADE

1 (PMN, 2015) Isabel foi convocada a fazer uma apresentação


sobre a Música Barroca. Em suas pesquisas, ela abordou
aspectos relacionados à Ópera, ao Baixo contínuo, ao Concerto
Grosso e a Antonio Vivaldi. Sua irmã considerou que ela havia
se equivocado em um dos temas da pesquisa.

Nesse caso, assinale a alternativa CORRETA, a irmã de Isabel estava:


a) ( ) Certa, pois Antonio Vivaldi é um compositor do Romantismo.
b) ( ) Errada, pois, na realidade, dois dos temas não se relacionam ao período
Barroco da Música.
c) ( ) Errada, pois todos os temas relacionam-se ao Barroco musical.
d) ( ) Certa, pois a Ópera não está relacionada ao período Barroco da História
da Música.

2 (UFG, 2015) O compositor representativo do período Barroco


é:

a) ( ) W. Amadeus Mozart.
b) ( ) J. Sebastian Bach.
c) ( ) Felix Mendelssohn.
d) ( ) Ludwig van Beethoven.

3 (UFG, 2015) A palavra sonata vem do latim sonare, que


significa “soar”; por conseguinte, é uma peça para ser tocada
(diferentemente da cantata – obra musical para ser cantada). A
sonata barroca podia ser de duas espécies:

a) ( ) Sonata da Câmera e Trio Sonata.


b) ( ) Trio Sonata e Concerto Grosso.
c) ( ) Sonata da Câmera e Sonata da Chiesa.
d) ( ) Sonata da Chiesa e Trio Sonata.

4 (UFG, 2015) No recitativo barroco, basicamente, a linha


melódica vocal ondulava de acordo com o significado do texto
e, principalmente, de acordo com o ritmo da pronúncia das
palavras. O acompanhamento era, de modo geral, constituído
de uma linha sob a melodia que deveria ser tocada por algum instrumento
grave de corda, como o cello, juntamente com um instrumento harmônico,
como o cravo. A essa parte deu-se o nome de:

a) ( ) Baixo d’Alberti.
b) ( ) Ostinato.
c) ( ) Baixo Contínuo.
d) ( ) Organum Melismático.
247
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