Cartografia Do Desassossego
Cartografia Do Desassossego
Cartografia Do Desassossego
CARTOGRAFIA DO DESASSOSSEGO:
O ENCONTRO ENTRE OS PSICÓLOGOS E O
CAMPO JURÍDICO
Niterói, 2012
© 2012 by Ana Claudia Camuri
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Normalização: Fátima Corrêa
Edição de texto: Tatiane Braga
Revisão: Rozely Campello Barrôco e Maria das Graças Carvalho
Capa e editoração eletrônica: Marcos Antonio de Jesus
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Supervisão gráfica: Káthia M. P. Macedo
Conversão para ebook: Freitas Bastos
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP
C211
Camuri, Ana Claudia
Cartografia do desassossego: o encontro entre os psicólogos e o campo jurídico / Ana
Claudia Camuri. – Niterói: Editora da UFF, 2012.
260 p. ; 23 cm. (Coleção Biblioteca EdUFF, 2004)
Bibliografia: p. 253
ISBN 978-85-228-0739-0
1. Psicologia jurídica 2. Psicanálise. 3. Filosofia. 4. Direito. I. Título.
CDD 158
Este livro foi escrito a partir de dados colhidos na minha dissertação de mestrado em
psicologia defendida pela Universidade Federal Fluminense, no ano de 2010, com o título:
“Cartografia do desassossego: um olhar clínico-político para o encontro entre os
psicólogos e o campo jurídico”, sob a orientação da profa. dra. Cristina Rauter.
Neste trabalho seguimos as regras gramaticais do “Guia de preparação e apresentação
de originais para publicação”, da Editora da Universidade Federal Fluminense, 2009. Que
diz, por exemplo, que os nomes de disciplinas, ciências, correntes de pensamento, como:
direito, medicina, ciências sociais, positivismo, psicologia etc. devem ser escritos com
letra minúscula. O que é bem conveniente para a proposta deste texto, que, entre outras
coisas, busca questionar a “soberania” desses saberes. Ressaltamos que eles serão
escritos com letra maiúscula, apenas quando citarmos algum autor, em respeito à
escolha deste.
Logo após a defesa da dissertação, foi publicado um artigo com sua apresentação oral
sob o título: “O desassossego do cartógrafo”, Departamento de Psicologia Social e
Institucional/UERJ, Revista Mnemosine, v. 6, n. 2, p. 42-47, 2010. Disponível em:
<http://www.mnemosine.cjb.net/mnemo/index.php/mnemo/article/viewFile/417/698>.
Michel Foucault refere-se aos seus próprios trabalhos como “diagnósticos”. Cf.
Introdução de O uso dos Prazeres. In: FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos
prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1990.
De acordo com Lourau (2004, p. 132), analisadores são: “acontecimentos ou fenômenos
reveladores e ao mesmo tempo catalisadores; produtos de uma situação que agem sobre
ela”.
O primeiro é o exame realizado em instituições prisionais para que seja efetuada a
individualização da pena, a fim de que o detento receba a progressão e regressão de
regime e o livramento condicional, e o segundo é um método de inquérito de crianças e
adolescentes, supostamente, abusados sexualmente.
CAPÍTULO I
O DESASSOSSEGO DO CARTÓGRAFO
[...] devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição de ensino nas
ciências sociais e psicológicas [...] cuja posição consiste em se interessar pelo
discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e micropolítica
fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos que não nos
permitem criar saídas para os processos de singularização, ou, ao contrário, vão
estar trabalhando para o funcionamento desses processos na medida de suas
possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para funcionar. (ROLNIK;
GUATTARI, 2000, p. 29)
Este livro se propõe a fazer uma análise cartográfica do
encontro entre os psicólogos e o campo jurídico. Essa ideia
ganhou sentido a partir dos encontros, quase sempre polêmicos,
com estes profissionais, com o desassossego que os movimenta e
com as forças que, às vezes, os paralisam.
A percepção de que existem muitos problemas, controvérsias
e, também, alguns movimentos de resistência se iniciou na
pesquisa que realizei como acadêmica bolsista do Pibic/Cnpq,15
ainda na graduação, com psicólogos que trabalhavam em prisões.
Posteriormente passei a conviver com psicólogos que
trabalhavam em outros pontos do que chamamos de “campo
jurídico”, o que me fez entender que o problema está muito além
das grades.
Pensando junto com o filósofo Spinoza, para o qual é nos
encontros de corpos que sua potência de agir no mundo se
transforma, podemos inferir que nos encontros “tudo se compõe e
se decompõe”.16 Os encontros geram no corpo um estado
chamado por ele de afecções, que variam em seu grau de potência.
Essa variação é chamada de afeto. Ou, como afirma Deleuze:
O affectio remete a um estado do corpo afetado e implica a presença do corpo
afetante, ao passo que o affectus remete à transição de um estado a outro [...]
por afetos entendo as afecções do corpo pelas quais a potência de agir desse
mesmo corpo é aumentada [alegria] ou diminuída [tristeza], favorecida ou
impedida.17 (DELEUZE, 2002, p. 56)
Nos encontros com esses profissionais emergiram múltiplos
afetos, alguns alegres, outros tristes, muitos inomináveis. Contudo,
minha insistência na construção de sentido para aquilo que
experimentava me levou para o caminho da escrita e, por isso,
escolhi escrever a monografia de conclusão do curso de psicologia
sobre o trabalho dos psicólogos nas prisões, o que me rendeu, em
2008, o Prêmio UFF Vasconcelos Torres de Iniciação Científica.
Nesse ínterim, recebi indicação para atuar como acompanhante
terapêutica no Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.18 Fui também
indicada para participar como colaboradora da Comissão de
Psicologia e Justiça e do Grupo de Trabalho (GT) Psicologia e
Sistema Prisional, ambos do Conselho Regional de Psicologia19
(CRP/05-RJ), em um Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico da Secretaria de Administração Penitenciária do
Estado do Rio de Janeiro20 (SEAP/RJ). Além disso, fui convidada a
atuar como psicóloga-pesquisadora na ONG internacional Médicos
Sem Fronteiras,21 que atua em situações de guerra civil e de
violência urbana.
Por todos esses encontros e pelos efeitos que produziram,
justifica-se a escolha da temática deste livro. Fui guiada pela ideia
de que pesquisador e objeto se compõem a cada encontro, e foi
pelo caminho dos afetos que emergiram dos bons e dos maus
encontros e das marcas produzidas por eles que a escrita desse
texto se realizou.
No momento em que escrevia essas frases, lembrei-me de um
belíssimo texto de Suely Rolnik (1993), no qual a autora diz que, ao
fazer seu memorial para apresentar na PUC-SP, se deu conta de
que um memorial não é apenas um comentário acerca de nossa
trajetória, pois, à medida que foi mergulhando na memória para
buscar os fatos e reconstituir sua cronologia, se viu adentrando
numa outra espécie de memória, uma memória do invisível feita
não de fatos, mas de algo que chamou de “marcas”.
A passagem por todos esses lugares e o encontro com todos
esses profissionais com quem trabalhei, nesses últimos anos,
foram uma experiência muito intensiva. A escolha da palavra
“marcas” não está dissociada da escolha do termo desassossego.
Esta última também advém da minha composição com esse texto
de Rolnik (1993) e de minha composição com Fernando Pessoa em
seu Livro do desassossego (2006).
Em carta a um amigo, Fernando Pessoa (2006, p. 516)22 diz que
deu esse nome ao livro “por causa da inquietação e incerteza que
é a sua nota predominante”. Pessoa nos ajudou, pela literatura, a
compreender a importância da inquietação e da incerteza para a
composição deste livro/cartografia e da minha prática como
psicóloga.
Em outra passagem do texto de Rolnik (1993), podemos
constatar que a marca e o desassossego se dão no plano da
criação e da produtividade. Ao tratar a marca como diferença,
desassossego e devir-outro, a autora diz que durante nossa vida e
em cada uma das dimensões que a compõem, vivemos
mergulhados em várias espécies de ambientes, inclusive aqueles
planos que são invisíveis e que, neles, o que há é uma textura
(ontológica) e esta vai-se formando a partir dos fluxos que
constituem nossa composição atual e da conexão com outros
fluxos, somando-se e esboçando novas composições. Em suas
palavras:
Tais composições, a partir de um certo limiar, geram em nós estados inéditos,
inteiramente estranhos em relação àquilo de que é feita a consistência subjetiva
de nossa atual figura. Rompe-se assim o equilíbrio desta nossa atual figura,
tremem seus contornos. Podemos dizer que a cada vez que isto acontece, é uma
violência vivida por nosso corpo em sua forma atual, pois nos desestabiliza e
nos coloca a exigência de criarmos um novo corpo – em nossa existência, em
nosso modo de sentir, de pensar, de agir etc. – que venha encarnar este estado
inédito que se fez em nós. E a cada vez que respondemos à exigência imposta
por um destes estados, nos tornamos outros. Ora, o que estou chamando de
marca são exatamente estes estados inéditos que se produzem em nosso corpo,
a partir das composições que vamos vivendo. Cada um destes estados constitui
uma diferença que instaura uma abertura para a criação de um novo corpo, o
que significa que as marcas são sempre gênese de um devir. (ROLNIK, 1993, p.
241-242)
Por sua vez, Deleuze nos leva de volta à literatura, quando diz
que se interessava pelo o que se passava entre as artes, a ciência e
a filosofia e acreditava que não havia nenhuma relação de
superioridade de uma dessas disciplinas em relação à outra, pois
cada uma delas é criadora. Dizia também que: “o verdadeiro
objeto da ciência é criar funções, o verdadeiro objeto da arte é
criar agregados sensíveis e o objeto da filosofia, criar conceitos”.
Este autor apostava no encontro entre elas, mas não sem se
perguntar: como ele se dá? Para tanto, ele desenvolve suas ideias
dizendo que a filosofia, a arte e a ciência entram em relações de
ressonância mútua, “são como espécies de linhas melódicas
estrangeiras umas às outras e que não cessam de interferir entre
si” (DELEUZE, 1992, p. 154; 156).
Deleuze também trabalha com a ideia de que a criação se dá
por meio dos intercessores, que podem ser pessoas, artistas,
cientistas e também coisas, plantas e até animais. “Fictícios ou
reais, animados ou inanimados é preciso fabricar seus próprios
intercessores. [...] Se não formamos uma série, mesmo que
completamente imaginária, estamos perdidos. Eu preciso dos
meus intercessores para me exprimir, e eles jamais se exprimiriam
sem mim [...]” (DELEUZE, 1992, p. 156).
Ou seja, os autores e seus conceitos sejam eles da filosofia, dos
saberes “psi”, do direito, da literatura ou as coisas da natureza,
como o “cacto” e o “jegue” e outros que aparecerão no
desenvolvimento deste texto, agenciam-se na formação de séries e
redes, em uma relação de intervenção e interferência, que
desestabiliza e, num só tempo, possibilita a criação. O movimento
é o que mais importa, não interessam as causas das coisas, mas o
que se dá entre, por isso só podemos compreender essa noção no
interior de uma certa “operação de encontro, contágio e
cruzamento” (BARROS; PASSOS, 2000). São estes encontros que
nos ajudam a escapar do aprisionamento identitário das práticas
“psi” e da própria militância, quando estes se apresentam como
obstáculos à transversalização de nossas experiências clínico-
políticas, segundo Coimbra e Abreu (2005, p. 41).
Por isso a escrita desse texto se faz vital, porque as marcas
conservam vivas seu potencial de proliferação sempre a engendrar
outros devires42 e devires-outros.43 O poeta que nos acompanha
nessa jornada, aquele que levou ao extremo a experiência de
outrar-se mudando de nome a cada vez que descobria um novo
modo de escrever ou, até, assinando com seu nome próprio, que
de próprio nada tinha, pois era o nome mais impessoal que alguém
poderia ter: Pessoa. Pessoa não é nome de alguém, ou melhor, de
ninguém; é o nome que todos nós recebemos ao nascer antes de
nos darem um nome próprio; ele dizia: “Tudo em mim é a
tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma
consigo mesma [...] um desassossego sempre crescente [...]”
(PESSOA, 2006, p. 49).
Assim, neste capítulo, tento criar sentidos que aumentem o
grau de potência com que a vida se afirma. E faço isto no alegre
encontro com esses autores e suas ideias tão adequadas para o
que quero expressar. Segundo Rolnik (1993), em trecho bastante
espinosista de seu texto, a escrita tem o poder de tratamento, de
antídoto, ao que ela denomina “marcas-feridas”, que são as marcas
de experiências que produzem em nós um estado de
enfraquecimento de nossa potência, um tipo de intoxicação,
produzida pelos maus encontros que fazemos na vida.
O modo como escolhi estar na vida, como mulher, psicóloga,
pesquisadora, interventora, militante política..., – aliás, não é
possível ficar apenas em um desses lugares, quando o que
queremos é justamente equivocar esses limites – foi o que
possibilitou que este trabalho fosse criado, e essa tessitura se deu
por uma perspectiva transdisciplinar, na qual descobri que havia
coisas imprescindíveis a serem feitas: acompanhar e intervir, mas
também: se deixar acompanhar e sofrer intervenções.44 E esse
acompanhar não é apenas “fazer companhia”, mas “fazer-com”, ou
seja, compor cartografias ou cartas que mostrem como se dão os
encontros, quais os estados que eles geram (afecções) e quais as
variações do grau de potência desses estados (afetos), quais os
caminhos percorridos e quais as paisagens. Ou ainda, na
linguagem de Deleuze (2004), seria estudar as linhas pelas quais
indivíduos ou grupos são feitos. Acreditamos que só assim
encontraremos possibilidades de criar novos modos de
subjetivação e de construção de outras práticas “psi”.
De acordo com Barros e Passos (2000, p. 77):
O que nos interessa são modos de subjetivação e, neste sentido, importa-nos
poder traçar as circunstâncias em que eles se compuseram, que forças se
atravessam e que efeitos estão se dando. No lugar do indivíduo, individuações.
No lugar do sujeito, subjetivação. Como nos conceitos, não se trata de modo
algum de reunir, unificar, mas de construir redes por ressonâncias, deixar nascer
mil caminhos que nos levariam a muitos lugares.
da profa. dra. Cristina Rauter e participação da profa. dra. Regina Neri, na qual o recorte
escolhido foi o de pesquisar sobre o trabalho dos psicólogos nas prisões.
Trecho de uma linda música “espinosista” do Paulinho Moska “O jardim do silêncio”.
A ideia de afeto também é discutida em outro momento da obra de Deleuze e Guattari
(1997, p. 21), que, entre outras coisas, dizem: “o afecto não é um sentimento pessoal,
tampouco uma característica, ele é a efetuação de uma potência de matilha, que subleva
e faz vacilar o eu”.
Fiz parte da equipe clínica do grupo Tortura Nunca Mais como acompanhante
terapêutica, de 2007 a 2009. Este grupo atende pessoas acometidas pela violência
impetrada pelos aparelhos do Estado.
A indicação partiu dos professores Cecília Coimbra e José Novaes. Colaborei, de março
de 2009 a agosto de 2010, na Comissão, e de março de 2009 a março de 2010, no GT.
Fui convidada por Tânia Kolker e Ana Carla Silva para participar como pesquisadora no
projeto: “Estudos para reformulação de ações que possibilitem a desinstitucionalização e
reinserção social dos pacientes internados nos hospitais de custódia e tratamento
Por tudo isso que foi dito, Foucault (1999, p. 44-45) vai afirmar
que, nas sociedades modernas – desde o século XIX até o
momento em que ele pronunciou essas ideias em 1976 –, temos
“de um lado uma legislação, um discurso, uma organização do
direito público articulados em torno do princípio da soberania do
corpo social e da delegação, por cada qual, de sua soberania ao
Estado” e, simultaneamente, “uma trama cerrada e de coerções
disciplinares que garante, de fato, a coesão desse mesmo corpo
social. [...] Um direito da soberania e uma mecânica da disciplina:
é entre esses dois limites [...] que se pratica o exercício do poder”.
Ao demonstrar as razões da aceitação de tal modelo “jurídico-
discursivo” do poder, Fonseca (2002, p. 98) aponta dois motivos: o
tático e o histórico. No primeiro, “a identificação do poder a um
puro limite à liberdade mascararia aspectos essenciais de seu
funcionamento e de sua abrangência” e o segundo remeteria ao
desenvolvimento das monarquias e dos Estados no final da Idade
Média, que se estruturaram na medida em que se apresentavam
como instâncias regidas por um princípio de direito, que lhes dava
o “direito” de dominação sobre a terra e todas as formações nela
implicadas. E, a despeito do pensamento político (século XVII,
XVIII e XIX) ter considerado isso como o “exercício de um não
direito”, percebe-se que o desenvolvimento dessas monarquias
ocidentais possibilitou a instauração dessa dimensão do “jurídico-
político”, ou seja, assegurou a representação “jurídico-discursiva”
(imagens do “poder-lei”, “poder-soberania”) do poder, cujo ponto
central é a enunciação da lei e à qual ainda permanecemos atados,
segundo Foucault, e que nos impede de perceber “o
funcionamento concreto e histórico de novos mecanismos de
poder, em si mesmos irredutíveis à representação do direito”.
Esses mecanismos são aqueles formados ao longo dos séculos
XVII e XVIII, que funcionavam pela técnica, pela normalização e
pelo controle muito mais do que pelo direito, pela lei e pelo
castigo, ultrapassando a esfera estatal.
A proposta de Foucault, naquele momento, era inverter a lógica
pela qual operava a teoria da soberania ao afirmá-la,
[...] como um fato, tanto em seu segredo como em sua brutalidade, a dominação,
e depois mostrar [...] não só como o direito é [...] o instrumento dessa
dominação [...] mas também como, até onde e sob que forma, o direito veicula e
aplica relações que não são relações de soberania, mas relações de dominação.
[...] múltiplas formas de dominação que podem se exercer no interior da
sociedade: não, portanto, o rei em sua posição central, mas os súditos em suas
relações recíprocas; não a soberania em seu edifício único, mas as múltiplas
sujeições que ocorreram e funcionam no interior do corpo social. (FOUCAULT,
1999, p. 31)
“exame”.
Todavia, segundo Fonseca (2002, p. 172-175), somente no livro
Vigiar e punir será realizada uma análise rigorosa sobre o
funcionamento dos mecanismos, dispositivos e técnicas
disciplinares. Ao falar das instituições de sequestro, que ocupam
todo o tempo de quem por elas é capturado, controlando toda a
sua existência, dirá que nelas há uma instância de julgamento, na
qual todos são submetidos continuamente a apreciações,
punições e recompensas, além de outra que é a formação da
discursividade baseada num sistema de notações sobre as
individualidades. Ou seja, essa era a forma como os mecanismos
de poder-saber se manifestavam sobre o corpo (alvo do
investimento político) e seu objetivo era formar, nesses corpos e a
partir deles, um “tecido de hábitos”, ou seja, “as normas”. Não
podemos esquecer que, nesse período, o controle dos corpos e da
virtualidade dos indivíduos está intimamente ligado à ascensão do
capitalismo e à preservação da riqueza que esse regime
econômico produz.
No que tange às práticas jurídicas, a forma coextensiva à
sociedade disciplinar é a da prisão que, no século XIX, tinha por
função a fixação dos corpos em um aparelho de normalização das
condutas e de produção de um tipo de indivíduo patologizado: o
“delinquente”.
Foucault (1985, 1997) considerava a prisão ambígua, primeiro
porque ela era incompatível com o pensamento dos reformadores
humanistas do direito penal, no final do século XVIII, e, segundo,
por causa de sua incongruência entre seu “fracasso” penal e seu
“sucesso” institucional.
A despeito das diferenças entre as sanções no campo do direito
e os mecanismos disciplinares, estes últimos funcionam como um
“pequeno mecanismo penal”, com leis próprias, delitos
especificados, formas particulares de sanção, instâncias de
julgamento, “como se as disciplinas estabelecessem uma
infrapenalidade”, que não é independente da esfera do direito.
Teoricamente, até são distintos, mas, na prática, tais mecanismos
não podem ser dissociados do direito formal, das estruturas mais
gerais das formas jurídicas. E, por fim, o instrumento do “exame”,
instrumento pelo qual se consegue a articulação das estratégias
de poder com a formação dos domínios de saber. Por tudo isso,
Fonseca (2002, p. 185) defende a tese de um “direito normalizado-
normalizador” em Foucault. “Normalizado, porque investido,
penetrado pelas práticas da norma e, ao mesmo tempo,
normalizador, porque agente e vetor da normalização”.
Um exemplo muito ilustrativo desses mecanismos são os
regulamentos que regem o funcionamento das instituições
disciplinares. Já que estes são feitos a partir das regras de direito,
esse as torna aplicáveis no interior desses lugares, é como se
houvesse uma continuidade entre a “norma jurídica” e a “norma
disciplinar” (FONSECA, 2002). De fato, verifica-se isto no terceiro
capítulo, no qual será feito um comentário sobre o Regulamento
Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro de 1986, que é
praticamente igual à Lei de Execução Penal de 1984. Assim como a
Comissão Técnica de Classificação, que tem o funcionamento
similar ao de um tribunal.
Outro exemplo claro do nível de implicação do direito com os
mecanismos disciplinares é o que Fonseca (2002, p. 190) chama de
“refluxo da verdade”. A verdade é produzida pelo exame no
interior das instituições disciplinares, mas seu conteúdo é
utilizado pelas estruturas formais do direito, que dirão o que
acontecerá com esses indivíduos. Ou seja, as regras do direito irão
gerenciar a delinquência. Voltarei a essa questão na discussão
sobre o exame criminológico no terceiro capítulo.
Dois séculos depois, a prisão continua sendo a forma punitiva
por excelência e a resposta para seu “fracasso” continua a ser a
mesma, encontrar uma forma melhor de punir para
corrigir/normalizar o comportamento dos detentos. O filósofo
acreditava ainda que o problema da prisão não é um problema do
direito penal, ou da sociologia, mas que temos de nos perguntar
qual é o lugar da prisão na gestão dos ilegalismos em face de sua
utilidade econômica e política. Mas será possível imaginar uma
sociedade em que o poder não esteja ligado aos ilegalismos?
Segundo Fonseca (2002, p. 191), ao final de Vigiar e punir, o
filósofo define a norma como algo que não seria propriamente uma
lei, mas que não se constitui em um domínio independente da
legalidade, um misto de legalidade e natureza, de prescrição e
constituição, uma nova forma de lei: a norma.
De acordo com o próprio Foucault (1999, p. 45), as disciplinas
vão trazer um discurso que não é o da regra jurídica derivada da
soberania, mas o da regra natural, isto é, da norma. Essa
tecnologia disciplinar traz consigo um código que será aquele, não
da lei, mas da normalização. E ainda assim ela estará referida a um
horizonte teórico que não é o do direito, mas o do campo das
ciências humanas, no qual a jurisprudência será a de um saber
clínico.
Eu creio que a normalização, as normalizações disciplinares, vêm cada vez mais
esbarrar contra o sistema jurídico da soberania; cada vez mais nitidamente
aparece a incompatibilidade de umas com o outro; cada vez mais é necessária
uma espécie de discurso árbitro, uma espécie de poder e de saber que sua
sacralização científica tornariam neutros. E é precisamente do lado da extensão
da medicina que se vê de certo modo, não quero dizer combinar-se, mas reduzir-
se ou intercambiar-se, ou enfrentar-se perpetuamente a mecânica da disciplina e
o princípio do direito. O desenvolvimento da medicina, a medicalização geral
dos comportamentos, das condutas, dos discursos, dos desejos, etc., se dão na
frente onde vêm encontrar-se os dois lençóis heterogêneos da disciplina e da
soberania. (FOUCAULT, 1999, p. 45-46)
;
território e população O nascimento da biopolítica ; e o Governo dos
vivos. O jurista se propõe a comentar todos eles em busca das
País Tropical78
Moro num país tropical, abençoado por Deus
E bonito por natureza, mas que beleza
Em fevereiro (em fevereiro)
Tem carnaval (tem carnaval)...
Tenho um fusca e um violão
Sou Flamengo
Tenho uma nega
Chamada Tereza...
Sou um menino de mentalidade mediana
Pois é, mas assim mesmo sou feliz da vida
Pois eu não devo nada a ninguém
Pois é, pois eu sou feliz
Muito feliz comigo mesmo...
No que diz respeito, especificamente, à chegada da
criminologia e os seus efeitos no Brasil, no final do século XIX e
início do século XX, quem nos acompanha é Cristina Rauter, em
seu livro Criminologia e subjetividade no Brasil (2003), no qual ela
analisa a construção histórica da criminologia em nosso país,
assim como as transformações dos dispositivos de poder que este
saber instrumentalizou. Além disso, faz um paralelo entre as
diferenças de propagação deste saber na Europa e em nosso país.
A autora salienta que a condução dessa análise deve ser
considerada de forma especial no Estado brasileiro, pois, se as
disciplinas emergiram no contexto das sociedades industriais na
Europa, devemos nos perguntar que papel elas teriam em nosso
país, no qual as formas de dominação burguesas encontraram
modos peculiares de implantação, e no qual as ações estatais
trazem a característica de sempre terem se dado de forma
violenta.
De acordo com o que foi discutido anteriormente, a
criminologia é um dos dispositivos ligados a um processo de
normalização das sociedades, ou seja, de dissolução das
diferenças e contradições. Entretanto, em nosso país, esse
processo nunca se harmonizou com a gestão das relações
antagônicas entre as classes sociais que não puderam ser geridas
por meio de estratégias sutis e anônimas características dos
dispositivos de controle social. Segundo Rauter:
[...] o Judiciário incorporou o que poderíamos chamar de uma tecnologia penal
normalizadora, com o advento e expansão do discurso da criminologia. No
entanto, no nível das práticas sociais (das instituições do Judiciário), este
processo não pôde se dar sem um ônus de violência que aparentemente o
contradiz. Esta combinação bizarra, até certo ponto, de norma e repressão,
talvez seja a peculiaridade presente no processo de normalização da sociedade
brasileira. As operações conhecidas como de “reeducação”, “cura” ou
“ressocialização” etc., não podem se dar sem um nível de violência mais ou
menos explícita que todo o tempo as denuncia. (RAUTER, 2003, p. 19)
Nenhum de nós está livre da prisão. Hoje menos do que nunca. A vigilância
policial se intensifica sobre nossa vida de cada dia [...] as medidas antidroga
multiplicam a arbitrariedade. Estamos sob o signo de “guarda à vista.” Dizem-
nos que a justiça está sobrecarregada. Isso já sabemos. Mas se foi a polícia que a
sobrecarregou? Dizem-nos que as prisões estão superpovoadas. Mas se foi a
população que foi superencarcerada?87
Mais uma vez Neri (2010, p. 172) cita M. Tort, para dizer que: “a
psicanálise estabelece uma ligação estreita entre a ‘solução
paterna’ e a valorização da submissão à lei, na qual o processo de
subjetivação é equivalente ao de se submeter à lei do pai.” A
autora ainda nos diz o seguinte: “Se pudéssemos, ao contrário,
considerar que a solução paterna não é a única relação que os
sujeitos podem ter com a lei, mas tão somente um momento
particular, então torna-se possível pensar numa outra concepção
de subjetividade”, como o fez Foucault ao demonstrar que “os
sujeitos resultam de tecnologias de saber/poder e as formas de
subjetivação se configuram como efeitos do embate entre
processos de assujeitamento e de resistência em contextos
históricos determinados” (NERI, 2009, p. 122).121
Tal como discutido no item a respeito da teoria jurídico-política
da soberania e da hipótese repressiva do poder em Foucault, Neri
(2009, p. 123-124) também o faz para pensar a teoria psicanalítica,
já que, para o filósofo, o fato de a psicanálise fundar sua teoria de
subjetivação e de cultura “atrelada à hipótese repressiva do
poder” e de ser “tributária da tese hobbesiana do contrato social”,
no qual a proteção da sociedade contra a violência dos indivíduos
se dará quando os membros da coletividade renunciam ao seu
desejo, em nome de uma potência soberana que eles investem do
poder de legislar, não pode passar como algo trivial.
De acordo com a autora:
A concepção da lei na psicanálise está referida ao poder jurídico, no qual é
ressaltada a função estruturante da lei, deixando em segundo plano, a dimensão
punitiva da lei, bem como sua função de impor assujeitamentos. A teoria do
simbólico referida à lei do pai parece estar muito próxima da lei soberana e não
leva em consideração as modificações introduzidas pelo sistema penal moderno
dentre as quais se destacam: a suavização das penas dos crimes violentos e de
sangue, visando à penalização máxima dos crimes populares contra a
propriedade e os bens comerciais e industriais; a emergência do modelo da
norma disciplinar que tem como função menos reprimir do que produzir
comportamentos convenientes a partir da definição do que seria da ordem da
normalidade e da anormalidade. (NERI, 2009, p. 123)
No Brasil foram publicados desta forma: FOUCAULT, Michel. O poder psiquiátrico: curso
no Collège de France (1973-1974). Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: M. Fontes, 2001
e FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). Tradução
Eduardo Brandão. São Paulo: M. Fontes, 2001.
CANGUILHEM, Georges. Normal e patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978.
Cf. as aulas de 15/1 em Os anormais.
Cf. as aulas de 12/2 de Os anormais.
Informação retirada de fita cassete, por Márcio Alves da Fonseca, da aula de 14/11/1973
do curso Le pouvoir psychiatrique.
Cf. Basaglia (1972).
Informação retirada de fita cassete, por Márcio Alves da Fonseca, das aulas de 1974 do
curso Le pouvoir psychiatrique.
Segundo Fonseca (2002, p. 94-95, nota de rodapé nº 135), “[...] Foucault não se preocupa
em discutir uma concepção de lei que adota nos diversos momentos em que utiliza a
referida palavra. Parece-nos que ao se referir à lei, assume a concepção de lei enquanto
comando geral e abstrato, positivado pelo Estado. Da mesma forma, ao falar em
“estruturas de legalidade”, parece referir-se às diversas formas que os comandos
positivados pelo Estado, ou decorrentes de sua autoridade, podem ter: as Leis
propriamente ditas (federais, estaduais, municipais), os Decretos, os Regulamentos, os
Ofícios. Por ‘estruturas de legalidade’ o autor parece entender ainda as próprias
instâncias, órgãos e aparelhos encarregados de produzir e aplicar as Leis, os Decretos,
os Regulamentos.”
Apesar de Fonseca mencionar que essa distinção entre os dois modelos (“jurídico-
discursivo” e “disciplinar-normalizador”), realizada por Foucault, aparece nos cursos Em
defesa da sociedade, A ordem do discurso e A vontade de saber, tanto ele, como nós,
Cf. Lei nº 10.732 em 1/12/2003, Subseção II – Das Faltas Disciplinares, art. 52.
No Brasil, o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa é assegurado pelo artigo 5º,
inciso LV da Constituição Federal de 1988.
Para mais informações a respeito do nosso país, consultar a Constituição Federal
Brasileira de 1988, Título V – Da defesa do Estado e das Instituições democráticas,
Capítulo I – Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio.
Esta lei foi votada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha como ministro da
Justiça, Márcio Tomaz Bastos, que, na época, solicitou que a votação fosse realizada em
regime de urgência.
Além destas, existem mais 12 unidades neste município e, também, outras 15
distribuídas pelo estado do Rio de Janeiro.
Como, por exemplo, apontamos a Escala Hare – PCL-R, de HARE, de Robert D., com
versão brasileira de MORANA, Hilda pela MULTI-HEALTH SISTEMS INC. – MHS Editora.
Para ter uma visão crítica desta escala, conferir a dissertação de mestrado de Lia Toyoko
Yamada, intitulada: O Horror e o Grotesco na Psicologia – A Avaliação da Psicopatia
através da Escala Hare PCL-R (Psychopathy Checklist Revised), que foi defendida na
2003.
Os textos deste autor utilizados por Neri (2009) foram: LACAN, J. Fonctions de la
psychanalyse en criminologie e agressivité en psychanalyse. In: _______. Écrits. Paris,
Seuil, 1966.
Para mais detalhes, consultar: Legendre, P. Sujeito do direito, sujeito do desejo. In: Altoé,
S. (Org.). Sujeito do direito, sujeito do desejo. Rio de Janeiro: Revinter, 1999.
Congresso “Clínica da Violência: Infância e Adolescência de Risco (Psicanálise em
articulação com o Direito, a Medicina e a Educação)”. Realizado pela Escola Lacaniana de
Psicanálise do Rio de Janeiro, nos dias 6, 7 e 8/6/2008, no Hotel Glória, RJ.
A respeito do dispositivo: “Fórum Clínico”, consultar COIMBRA, Cecília. Guardiães da
ordem: uma viagem pelas práticas “psi” no Brasil do “milagre”. Rio de Janeiro: Oficina do
autor, 1995.
Congresso “Clínica da violência: Infância e Adolescência de Risco (Psicanálise em
articulação com o Direito, a Medicina e a Educação)”. Realizado pela Escola Lacaniana de
Psicanálise do Rio de Janeiro, nos dias 6, 7 e 8/6/2008, no Hotel Glória, RJ.
Conferir nota de rodapé nº 38 deste capítulo.
Trechos retirados do artigo: “Cena de horror e marca incurável: uma criança é
arrastada”, publicado no Boletim Moebius nº 1-Espaço Psicanálise por José Nazar, que é
médico com mestrado em psiquiatria UFRJ, membro da Escola Lacaniana de Psicanálise
e editor-chefe da Companhia de Freud Editora. Disponível em:
<http://www.espacopsicanalise.com.br/docs/moebius1.htm#4>. Acesso em: 29 jun. 2010.
Ibid.
Ibid.
Ibid.
O livro utilizado desse autor por Neri (2009): TORT, M. Findudogme paternal. Paris:
Aubier, 2005.
Neri (2009) cita da seguinte forma: Derrida, J. Conferência dos Estados Gerais da
Psicanálise. Rio de Janeiro, 2001.
A proposta de Foucault (2005a, p. 10), no livro A verdade e as formas jurídicas, foi: “tentar
ver como se dá, através da história, a constituição de um sujeito que não é dado
definitivamente, que não é aquilo a partir do que a verdade se dá na história”, mas “de
um sujeito que constitui no interior mesmo da história, e que é a cada instante fundado e
refundado pela história”.
Segundo Foucault (2005a, p. 11), há duas histórias da verdade, uma interna e outra
externa. A primeira: “[...] a história de uma verdade que se corrige a partir de seus
próprios princípios de regulação: é a história da verdade tal como se faz na ou a partir da
história das ciências”. E a segunda: “[...] parece-me que existem, nas sociedades, ou pelo
menos, em nossas sociedades, vários outros lugares onde a verdade se forma, onde um
certo número de regras de jogo são definidas – regras de jogo a partir das quais vemos
nascer certas formas de subjetividade, certos domínios de objeto, certos tipos de saber
– e por conseguinte podemos, a partir daí, fazer uma história externa, exterior, da
verdade.”
Instituído pela “Ordem de Serviço Nº 2/01, datada de 27 de junho de 2001, que cria o
Programa Especial para Usuários de Drogas (PROUD), no âmbito de competência da 2ª
VIJ, Comarca da Capital/RJ, de acordo com as normas gerais previstas no Provimento Nº
20/2001, da Corregedoria-Geral de Justiça” (ARANTES, 2008).
Cf. site da Associação Nacional de Justiça Terapêutica. Disponível em:
<www.anjt.org.br/index.php?id=1>. Acesso em: 10 dez. 2008.
Arantes (2008) destaca dois artigos, de um dos programas de JT existentes no Rio de
Janeiro, que trazem dificuldades específicas para a atuação do psicólogo:
A rtigo 6 - Dos participantes do Programa, exige-se:
I. Não usar ou possuir drogas ilícitas e bebidas alcoólicas e, se for exigido pela unidade
de tratamento conveniada, não fumar tabaco nas sessões ou conforme a orientação
desta unidade. II. Comparecer a todas as sessões de tratamento determinadas. III. Ser
pontual. IV. Não fazer ameaças aos participantes, à equipe do programa ou da unidade de
tratamento, bem como não comportar-se de modo violento. V. Vestir-se apropriadamente
para as sessões de tratamento e audiências no Juizado. VI. Cooperar com a realização
dos testes de drogas. VII. Cooperar para a obtenção de informações necessárias à
avaliação inicial e seqüencial de seu caso. VIII. Os pais ou responsáveis deverão
comparecer às audiências no Juizado e às sessões de tratamento recomendadas. IX.
Comparecer e demonstrar desempenho satisfatório na escola, estágios
profissionalizantes e laborativos. X. Agir de acordo com as normas específicas da
unidade de tratamento para a qual foi feito o encaminhamento.
Artigo 7 – As sanções previstas para a falha injustificada no cumprimento das normas do
Programa são as seguintes:
I. Advertência verbal. II. Retirada de privilégios (válida para os casos de algum
adolescente que esteja, por exemplo, em programa de recebimento de cesta básica,
lazer, etc.). III. Aumento na freqüência de sessões de tratamento individual ou familiar. IV.
Regressão na fase de tratamento e conseqüente maior tempo de permanência no
Programa. V. Comparecimento a palestras e sessões educativas sobre uso indevido de
drogas ou outros temas considerados úteis pela equipe de acompanhamento. VI. Maior
freqüência na realização de testes de drogas. VII. Internação temporária. VIII. Entrevistas
compulsórias com médicos, psicólogos ou integrantes de grupos de auto-ajuda. IX.
Restrições às atividades de lazer, inclusive nos finais de semana. X. Prestação de
serviços na comunidade ou na sua própria casa, de acordo com o entendimento do Juiz.
XI. Limitação de horário de saída da residência. XII. Exclusão do Programa e retomada do
processo inicial”.
Apoiados na concepção espinosista da natureza é que Deleuze e Guattari (1976)
pensaram o desejo como pura positividade e produção. De acordo com Zourabichivili
(2004, p. 22-23), para Deleuze, todo desejo procede de um encontro e é nele que o desejo
se constrói e se agencia, por isso é sempre coletivo. Portanto, não é possível apreender
ou conceber um desejo fora de um agenciamento determinado. O tipo de agenciamento é
que vai determinar a qualidade desse desejo e desse coletivo. Isso nos permite pensar
como surgem fenômenos como a violência, em que o desejo pode desejar sua
aniquilação (antiprodução).
De acordo com Deleuze (1977, p. 112): “Segundo um primeiro eixo, horizontal, um
agenciamento comporta dois segmentos, um de conteúdo, outro de expressão. De um
lado ele é agenciamento maquínico de corpos, de ações e de paixões, mistura de corpos
reagindo uns sobre os outros; de outro, agenciamento coletivo de enunciação, de atos e
enunciados, transformações incorpóreas atribuindo-se aos corpos. Mas, segundo um
eixo vertical orientado, o agenciamento tem ao mesmo tempo lados territorializados ou
reterritorializados, que o estabilizam, e pontas de desterritorialização que o impelem.
Sérgio Verani é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, além
de ser o 2º vice-presidente desta Corte. É um dos únicos juristas do nosso estado a se
posicionar criticamente quanto à atuação do psicólogo no campo jurídico e a se colocar
contra o exame criminológico.”
CAPÍTULO III
O DESASSOSSEGO DOS PSICÓLOGOS QUE ATUAM NO
CAMPO JURÍDICO NO CONTEMPORÂNEO
PSICOLOGIA 129
O seu castigo é este:
Falar comigo quando chegar,
Sentar na cadeira e me entrevistar,
Saber da minha vida e como será.
O seu castigo é este:
Me fazer perguntas
E saber como estou,
Quais os meus problemas
A dor, o dilema,
O que me apavorou.
O seu castigo é este:
Formar ideias, mas sempre com as suas
Saber se eu minto,
Se a verdade é sua
E como será o meu amanhã.
O seu castigo é este:
Parar, pensar, dar seu parecer,
O que será que pensou,
O que será que vai ser.
Será que o juiz também pensa o mesmo.
W. (21/8/2001)
autor)
Por tudo o que já foi mostrado até aqui, afirmo que o próprio
autor do projeto DSD já respondeu à pergunta deste estudo: “DSD
proteção integral da criança/adolescente ou da prova?”
Definitivamente, este dispositivo não funciona para garantir
que a criança/adolescente seja protegida como um sujeito de
direitos, pois ele está a serviço do “Sistema de Garantias de
Provas” e é regido pelo princípio da “Proteção Integral da Prova”.
Mas, e como estão agindo os psicólogos que trabalham nos
Tribunais de Justiça do país; não querem brincar de ventríloquos?
Os Conselhos Federais das duas categorias de profissionais que
compulsoriamente teriam de realizar o DSD – psicologia e serviço
social – têm questionado ética e politicamente esse dispositivo.
No ano de 2005, o CFP foi consultado pelo CRP-07/RS a respeito
do projeto DSD, pois alguns psicólogos desse estado estavam
preocupados com as possíveis faltas éticas que poderiam ser
cometidas ao participarem desse procedimento. O
encaminhamento do Sistema Conselhos de Psicologia para a
questão foi a realização, em 2006, de um evento para discutir o
tema para o qual o criador do projeto foi convidado.
Em 2007, no VI Congresso Nacional de Psicologia, foi aprovada
uma moção de repúdio ao projeto de lei sobre o DSD.202 E, nesse
ano, no VIII Encontro das Comissões de Direitos Humanos do
Sistema Conselhos, foi aprovada uma carta aberta manifestando a
preocupação com o referido projeto de lei, que havia sofrido
alterações e passou a ganhar outra nomenclatura: PLC 035.
Também foi solicitada a não votação da matéria que estava no
Senado e audiências públicas para garantir que a sociedade
conheça seu teor, implicações e consequências, bem como
contribua de maneira democrática e participativa com esse
debate.
Em 2008, o CFP lançou um documento público, uma
manifestação, posicionando-se pela não aprovação do PLC 035 e
sugerindo a ampliação das discussões com os setores diretamente
envolvidos e com os diversos segmentos sociais. E, ainda no
mesmo ano, ocorreu uma audiência pública no Senado, na qual o
CFP se manifestou e propôs a suspensão do DSD, assim como a
realização de um seminário nacional sobre escuta de crianças e
adolescentes.
O CFP também estabeleceu parceria com o Conselho Federal de
Serviço Social (CFESS), que, em 15/9/2009, publicou a Resolução
de nº 554/2009, que “dispõe sobre o não reconhecimento da
inquirição das vítimas crianças e adolescentes no processo
judicial, sob a Metodologia do Depoimento Sem Dano/DSD, como
sendo atribuição ou competência do profissional assistente social”
e vedando a participação do assistente social no DSD.
Porém, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
por meio da Procuradoria-Geral do Estado, obteve concessão de
uma liminar na Justiça Federal, em 9/11/09,203 suspendendo a
Resolução nº 554/2009. A argumentação foi a existência de risco de
violação dos artigos 150 e 151 do ECA, regulamentados pela Lei
Estadual nº 9.896/93, para manter a equipe interprofissional
destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude,
especialmente por meio do DSD.
Na VIII Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, que ocorreu de 7 a 10/12/2009, foram apresentadas
diversas moções, entre elas, uma contra o depoimento sem dano
(DSD),204 proposta pelas conselheiras Iolete Ribeiro, do Conselho
Federal de Psicologia e Erivã Garcia Velasco, do Conselho Federal
de Serviço Social. O documento obteve aprovação da plenária.
Em 2009 também aconteceu, no Rio de Janeiro,205 o Seminário
“Escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de
violência e a rede de proteção”, no qual o DSD foi amplamente
discutido por profissionais do direito, serviço social e psicologia.
E um dos principais consensos foi o posicionamento contrário ao
PLC 035, ou seja, ao DSD. Nesse seminário, também foram
elencadas propostas para tratar a problemática que deu nome ao
evento a fim de não ferir os Códigos de Ética dos profissionais
envolvidos e não trazer “danos” à população atendida.
Por tudo que foi mencionado até este momento, é possível
verificar como são tênues os limites entre os saberes (direito,
medicina, psicanálise, psicologia) e as forças que governam a
população em um Estado dito democrático, no qual dispositivos
travestidos de práticas “multi” ou “interdisciplinares”, e, ainda por
cima, “humanizadas”, colocam para funcionar mecanismos de
regulação, normalização e controle dos corpos, da sexualidade e
da vida.
3.5 - Pontos de contato entre os dois analisadores: o
contrato
Ao problematizar as dificuldades e possibilidades dos
psicólogos que trabalham no âmbito jurídico, estou colocando não
só o próprio campo e o direito em questão, mas também os
saberes e práticas “psi”. Ao me perguntar sobre o que existe de
comum entre esses profissionais, sobretudo quando o vetor do
medo aparece em suas falas, algumas questões dão pistas da
resposta: quem contrata o psicólogo que atua nesse campo? Em
que base (servidor estatutário ou contratação temporária) será
feito o contrato? Que parte da população o psicólogo vai atender?
A demanda de quem o psicólogo vai atender? A dos seus pacientes
ou a de seu contratante?
O contrato, ao que tudo indica, deveria ser firmado entre o
psicólogo e a pessoa que será atendida por ele, o paciente/cliente,
mas não é bem assim que ocorre no “campo jurídico”.
No campo jurídico nunca se recebe um simples “paciente”, mas
um paciente bastante adjetivado. No caso das prisões, é “alguém
que cometeu um crime e está privado da liberdade” e, no caso do
depoimento sem dano, “uma criança ou adolescente,
supostamente vítima de violência sexual, que não responde civil
nem juridicamente por seus atos, que tem sua liberdade de
escolha bastante limitada em virtude de sua idade e das práticas
de nossa cultura”.
Ainda no que tange ao contrato, outras questões se fazem
pertinentes, justamente aquelas que compõem um contrato: que
tipo de serviço será prestado? Por quanto tempo? Por qual valor?
O que a outra parte tem de fazer em contrapartida?
Em função de ter ouvido, por parte dos psicólogos desse
campo, muitas referências acerca da impossibilidade de seguir as
recomendações psicanalíticas, trouxe uma das recomendações
levantadas por Freud (1913, p. 168) sobre os acordos a respeito do
tempo de atendimento e do pagamento deste:
Com referência ao tempo, atenho-me estritamente ao princípio de ceder uma
hora determinada. [...] Tender-se-á a indicar os muitos acidentes que podem
impedir o paciente de comparecer [...] e esperar-se-á que sejam levadas em
conta as numerosas indisposições intervenientes que podem ocorrer no decurso
de um tratamento analítico prolongado. A minha resposta, porém, é: nenhuma
outra maneira é praticável.
Tentemos imaginar a situação de um psicólogo prisional que
marca dia e hora com seu paciente-detento e fica a esperar por ele.
Poderá esperar por muito tempo, uma vez que dentro de uma
instituição carcerária o preso não tem livre trânsito. Ele depende
de autorização e acompanhamento do pessoal da segurança para
se deslocar. Entretanto, o contingente de agentes penitenciários é
desproporcional ao número de presos. São poucos, e, além disso,
alegam ter tarefas mais importantes a fazer. Poderíamos
parafrasear Freud quando diz que: “Tender-se-á a indicar os
muitos acidentes que podem impedir o paciente de comparecer
[...] e esperar-se-á que sejam levadas em conta as numerosas
indisposições intervenientes que podem ocorrer”. Freud não fazia
ideia de como de fato isto pode ocorrer dentro de um presídio,
pois lá há uma “economia” – em todos os sentidos em que essa
palavra pode ser entendida – que possibilita ou interdita a
circulação; há uma economia que manipula o poder, o tempo, os
corpos e, não raro, o dinheiro.206
Essa passagem de Freud foi escolhida por se tratar de um
ponto considerado importante, pois a forma como o contrato
deveria ser realizado denuncia o funcionamento da própria
psicanálise, que foi criada para ser realizada em um determinado
ambiente e voltada para um certo público. Ou seja, ela emerge em
um período em que as forças econômicas impulsionavam o
capitalismo, além de ter sido inventada pela burguesia para a
própria burguesia. Já falamos anteriormente da própria
impossibilidade que Freud via no uso de sua teoria no sistema
penal.
Mas não podemos deixar de levar em consideração que as
recomendações clínicas de Freud, sobretudo em relação ao
atendimento (o tempo, a cobrança de valores, a periodicidade),
atravessaram e continuam presentes nas práticas do psicólogo,
desde a sua formação universitária até sua prática profissional,
mesmo que siga uma linha que não seja psicanalítica.
A forma como é feito o contrato também aponta para o
funcionamento das instituições ligadas ao campo jurídico,
conforme tem-se mostrado desde o início deste texto.
Contudo, afirmo que essa questão está para além da psicanálise
ou de qualquer outra linha teórico-prática, ou seja, não é apenas
um problema metodológico, mas, antes de qualquer coisa, ético e
político.
Sabe-se que nos dois procedimentos jurídicos utilizados como
analisadores, o psicólogo, na maior parte das vezes, é
concursado207 e tem suas funções definidas em regulamentos, leis
e recebe um salário do Estado – seja por verbas federais, estaduais
ou municipais. Portanto, em ambos os casos, o contrato é feito de
antemão entre o psicólogo e o campo jurídico-penal. Ele é,
consequentemente, um “servidor público”. E o Estado espera, ou
melhor, exige que a demanda seja atendida.
Mas cabe ressaltar que, apesar de nossa Constituição
determinar, no art. 37, que a ocupação de cargos em órgãos
públicos deverá ser feita por meio de concurso, sabemos que o
regime da contratação também vigora. Estive com psicólogos que
prestavam serviços para os Tribunais de Justiça, para o Sistema
Penitenciário e para o Ministério Público.208 E, apesar de não serem
“servidores”, muitas vezes, são mais “servis” ainda, pois têm medo
de ser demitidos a qualquer momento.
Por tudo que foi pesquisado, posso inferir que a demanda da
administração penitenciária não é pagar para o preso ter um
espaço de elaboração para as suas questões existenciais, assim
como a do Judiciário, no caso dos procedimentos de inquérito,
como o depoimento sem dano, não é financiar psicólogos para
acolher e acompanhar crianças supostamente vítimas de violência
intrafamiliar ou sexual. Isso pode parecer uma equação simples;
afinal quem faz uma seleção ou concurso público sabe que será
um servidor do Estado. porém, isso não é nada simples; percebeu-
se, ao longo da pesquisa, que alguns psicólogos se sentem
divididos em relação a essas demandas. E, não raro, tentam
atendê-las simultaneamente, o que por si só já é um paradoxo e
traz questões primordiais para esta discussão: esses profissionais
estão a serviço de quem? Como pensar em princípios éticos numa
relação contratual com um paciente/cliente que não nos
contratou? Como trabalhar com uma pessoa que não nos chega
movida pelo próprio desejo e sim, na maioria das vezes, porque é
obrigada?
Tomemos como exemplo o movimento da reforma psiquiátrica
que, em seu surgimento, propôs novos modos de tratamento, mas,
sobretudo, a intervenção institucional.
Em busca de um referencial teórico que abrangesse o
atendimento de pessoas em instituições – e não apenas nos
consultórios da antiga classe média, como era o caso de Freud –,
chega-se à obra de Franco Basaglia (1972), que também discute a
questão contratual, mas dentro das instituições totais ou
“instituições da violência”, segundo texto homônimo, no qual o
autor diz que a sociedade se organiza tendo essas instituições
como base. Pode-se dizer que, embora o alvo da crítica de Basaglia
recaísse sobre a esfera psiquiátrica, o que está em jogo é uma
problematização muito mais ampla que implica uma crítica a todo
o campo institucional. Para ele: “A violência e a exclusão estão na
base de todas as relações que se estabelecem em nossa sociedade.
Os graus de aplicação dessa violência dependerão, entretanto, da
necessidade que tenha aquele que detém o poder de ocultá-la ou
disfarçá-la. E daí que nascem as diversas instituições, desde a
família e a escola até a carcerária e a manicomial” (BASAGLIA,
1972, p. 101).
A sociedade criou um campo para poder escamotear suas
contradições: conceder poder aos técnicos, que terão como
função ampliar as fronteiras da exclusão ao mistificar a violência
por meio do tecnicismo.
O novo psiquiatra social, o psicoterapeuta, a assistente social, o psicólogo de
indústria, o sociólogo [...] são os novos administradores da violência no poder,
na medida em que, atenuando os atritos, dobrando as resistências, resolvendo
os conflitos provocados por suas instituições, limitam-se a consentir, com sua
ação técnica aparentemente reparadora e não-violenta, que se perpetue a
violência global. Sua tarefa, que é definida como terapêutica-orientadora, é
adaptar os indivíduos à aceitação de sua condição de “objetos de violência”,
dando por acabado que a única realidade que lhes cabe é serem objeto de
violência se rejeitarem todas as modalidades de adaptação que lhes são
oferecidas. (BASAGLIA, 1972, p. 132, tradução nossa)
Ainda na visão desse autor, tanto o “interno” como o
“especialista” são excluídos, porém, ao especialista cabe o papel
de ser o executor da exclusão mediante seus pareceres, mas ele é
excluído porque sua função nasce de um mandato social
engendrado na instituição. Se olharmos por uma perspectiva
foucaultiana para isso que Basaglia chama de “exclusão”,
poderíamos entendê-la como um modo específico de “inclusão”,
seja por meio do “aprisionamento” dos internos, seja mediante
esse “mandato” endereçado aos profissionais. Esse “mandato”, no
contemporâneo, se torna também uma forma de “aprisionamento”
dos discursos e práticas dos profissionais.
Segundo Guattari (1990, p. 5): “A produção maquínica de
subjetividades pode trabalhar tanto para o melhor como para o
pior”. Ao considerarmos as práticas “psi” como engrenagens dessa
maquínica, temos de fazer uma análise constante de nossas
implicações e questionar esse mandato – ou demanda institucional
– que é feito para o psicólogo. Do contrário, seremos meros
reprodutores e mantenedores dos dispositivos de captura e
controle típicos do biopoder, como alguns profissionais que
mencionamos aqui.
Compreendo que o exame criminológico e o DSD são
dispositivos que funcionam como “redes frias” que, segundo
Eduardo Passos (2004), se sustentam na crença de um centro
ordenador de onde o poder partiria exercendo-se de cima para
baixo. Aqui caberiam as frases, tão repetidas pelos profissionais
ouvidos nesta pesquisa: “mas tá na lei” e “não podemos negar um
pedido do juiz”. Porém, todo este estudo quer pensar como tecer
redes que potencializem a vida, “redes quentes”, que, conforme
Passos, podem ser consideradas como dispositivos de
intervenção que “se caracterizam por um funcionamento
[descentralizado] no qual a dinâmica conectiva ou de conjunção é
geradora de efeitos de diferenciação”. Outro termo utilizado pelo
autor para “redes quentes” é “redes de resistência”. E, para que
estas redes possam surgir, as práticas “psi” têm de operar nas
entrelinhas criando um plano estético-ético-político de
intervenção.
Para Cecília Coimbra209 resistir não é só apresentar oposição,
mas criar e promover rupturas, afirmar outras lógicas, outras
realidades, possibilidades inéditas e valores novos. É isso o que
esperamos que a psicologia, como saber, e nós, como psicólogos,
possamos fazer. No caso do psicólogo, “trata-se de reinventar
completamente seu trabalho, redirecionando-o no sentido, não da
manutenção do cárcere [e do Estado penal], da pesada e mortífera
engrenagem carcerária [e punitiva], mas no sentido de sua
desarticulação” (RAUTER, 1992, p. 24).
Por tudo isso que foi discutido até o presente momento, alego
que não é possível realizar um contrato clínico com um paciente
internado em uma instituição de confinamento ou nos corredores
do Judiciário. O que podemos fazer de clínico, nesses lugares,
nessas instituições, saberes e práticas, é intervir no
funcionamento deles, é provocar desvios. Mas será que isso é
possível?
3.6 - É possível desarticular um dispositivo?
Para introduzir esta parte do texto, gostaria de analisar uma
reportagem que achamos ao longo da pesquisa e que, apesar de
ter sido divulgada antes da aprovação do PLC 035 pela Comissão
de Constituição e Justiça do Senado Federal, permanece atual. Ela
é, também, bastante ilustrativa, pois mostra o nível do
embricamento desses dois dispositivos trazidos como
analisadores principais, além do fato de denunciar como eles só
funcionam porque estão enredados em tantos outros dispositivos.
Trata-se de uma espécie de comunicado, divulgado no site
oficial do Senado Federal,210 sobre uma audiência pública da CPI da
Pedofilia, ocorrida no dia 27/5/09, na qual foram discutidos o PLC
035 e o depoimento sem dano. Na reunião, o senador Magno Malta
(PR-ES), então presidente da CPI da Pedofilia, afirmou sua
pretensão de conversar com a então senadora e relatora da
Comissão de Constituição e Justiça, Lúcia Vânia (PSDB/GO), com o
objetivo de disponibilizar os técnicos da CPI, ou ainda montar um
grupo de trabalho, na própria Comissão, para discutir as eventuais
mudanças necessárias à aprovação rápida do projeto.
Nessa mesma reunião foram discutidos mais alguns projetos
que seriam encaminhados ao plenário e, em um deles, estava
previsto que o livramento condicional de condenados por crimes
sexuais dependeria de um “exame criminológico” para verificar
sua “periculosidade” e, ainda, que durante o tratamento o
condenado deveria fazer “tratamento psicológico ou psiquiátrico”,
além de submeter-se à “monitoração eletrônica”.
Dez meses após a reportagem ter sido divulgada, em 17/3/2010,
a Comissão em questão aprovou o PLC 035, o exame criminológico
continua a ser realizado nos presídios de nosso país, além de a Lei
nº 12.258, de 15/6/2010, que trata da “monitoração eletrônica”, ter
sido assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Como podemos observar, não importa mais qual o partido a
que os políticos estejam filiados, sejam eles “destros”, “canhotos”
ou “ambidestros”, todos querem “punir melhor”.
Por meio dessa reportagem, entendemos também que os
instrumentos jurídicos, “psi”, legislativo, da segurança pública, o
“populismo punitivo” e os interesses políticos se amalgamam de
uma forma muitíssimo funcional para alguns segmentos de nossa
sociedade.
Ao discutir-se sobre o conceito “dispositivo” anteriormente, foi
dito que nele habitam múltiplas forças. Assim, como mostrou-se
ao longo de todo o trabalho, há diversos dispositivos que visam à
normalização de condutas, ao controle de determinadas parcelas
da população, ao controle sobre as formas de viver, adoecer e
morrer, produzidos pelas formas de governo, pelas formas
jurídicas, pela criminologia, pela medicina e pelos saberes “psi”,
como a prisão, o exame criminológico, a justiça terapêutica, o
depoimento sem dano. Contudo, também propus pensar as
práticas e discursos “psi” como um dispositivo, acreditando que
eles possibilitam os processos de singularização e carregam a
dimensão da liberdade, ainda que para atingir essa liberdade
tenhamos de “dobrar”, inúmeras vezes, o próprio dispositivo e
fazê-lo funcionar de outras formas. Tal como um origami, que a
cada nova sequência de dobraduras se transforma em outra coisa.
Parece simples, mas não é. Segundo Agamben (2009, p. 42), é
até ingênuo achar que podemos destruir ou ainda usar211 de “modo
correto” um dispositivo. Ao explicitar o que pensa sobre esse
conceito, o autor generaliza a ampla classe dos dispositivos
foucaultianos e afirma que, para ele, significam qualquer coisa que
tenha a capacidade de “capturar, orientar, determinar, interceptar,
modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões
e os discursos dos seres viventes”.
E, ao se perguntar que estratégia devemos usar no nosso
cotidiano, caracterizado pela fase extrema do capitalismo, ou
capitalismo de “espetáculo”, que produz uma gigantesca
acumulação e proliferação de dispositivos, Agamben diz que:
Na raiz de todo dispositivo está, deste modo, um desejo demasiadamente
humano de felicidade, e a captura e a subjetivação deste desejo, numa esfera
separada, constituem a potência específica do dispositivo. Isso significa que a
estratégia que devemos adotar no nosso corpo a corpo com os dispositivos não
pode ser simples, já que se trata de liberar o que foi capturado e separado por
meio dos dispositivos e restituí-los a um possível uso comum. (AGAMBEN, 2009,
p. 44)
MENTO+SEM+DANO+DE+CRIANCAS+VITIMAS+DE+ABUSO+E+ADOTADO+NO+PAIS.shtml>.
Acesso em: 6 jul. 2010.
Fala da mesa de abertura do evento “Abordagem Psicológica de Crianças e Adolescentes
Envolvidos com a Justiça e o Ministério Público”, realizada em 3/7/2009, no auditório do
Ministério Público/RJ.
Na época era PL nº 4.126 de 2004, depois sofreu alterações e passou a ser PLC 035.
A decisão foi proferida pelo juiz federal Eduardo Rivera Palmeira Filho. O magistrado
proibiu ainda a aplicação de qualquer penalidade aos assistentes sociais, até o
julgamento final da ação. Disponível em:
<http://estudandoodireito.blogspot.com/2009/11/correio-forense-decisao-garante-
que.html>. Acesso em: 6 jul. 2010.
Para ler a “Moção 21”, na íntegra, conferir o site:
http://www.crprj.org.br/noticias/2010/0108-conferencia-aprova-mocao-contra-
depoimento-sem-dano.html. Acesso em: 6 jul. 2010.
Convém destacar que o CRP/RJ, na gestão de 2007-2010, participou ativamente da luta
contra esse procedimento.
Informação obtida por meio do relato de um psicólogo que trabalhava em prisões, que
afirmou que, às vezes, as senhas para o atendimento psicológico são trocadas por
favores ou vendidas pelos próprios presos ou pelos agentes penitenciários.
Constituição Federal de 1988, art. 37: “A administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e, também, ao seguinte: II – a investidura em cargo ou emprego público
depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração.
Segundo o Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça – Seção I – Do Ministério
Público: art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. § 2º Ao Ministério
Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o
disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e
serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas e de provas e títulos; a
lei disporá sobre sua organização e funcionamento.
Fala proferida por Cecília Coimbra no “IV Seminário de Psicologia e Direitos Humanos –
Judicialização da vida”, promovido pelo CRP-05/RJ nos dias 11 e 12 de dezembro de 2008,
na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?
codNoticia=91539&codAplicativo=2>. Acesso em: 6 set. 2009
É importante esclarecer que o autor distingue “usar” de “consumir”, pois: “[...] o uso é
sempre relação com o inapropriável, referindo-se às coisas enquanto não se podem
tornar objeto de posse. Desse modo, porém, o uso evidencia também a verdadeira
natureza da propriedade, que não é mais que o dispositivo que desloca o livre uso dos
homens para uma esfera separada, na qual é convertido em direito. Se hoje os
consumidores na sociedade de massa são infelizes, não é só porque consomem objetos
que incorporam em si próprio a não-usabilidade, mas também e sobretudo porque
acreditam que exercem o seu direito de propriedade sobre os mesmos, porque se
tornaram incapazes de profanar.” (AGAMBEN, 2007, p. 71).
O autor avisa em seu texto que utiliza as reflexões de Benjamin na perspectiva que lhe
interessa. Fazemos de suas palavras nossas, já que aqui estamos fazendo um uso
particular de suas ideias para o que nos interessa.
Quando este livro estava em processo de editoração saiu uma nova resolução que
regulamenta a atuação do psicólogo no âmbito do sistema prisional: Resolução CEP nº
012/2011.
Digo nossa porque, nos anos de 2009 e 2010, participei como colaboradora do CRP-05/RJ,
que contribuiu ativamente para que essas resoluções fossem elaboradas e aprovadas.
Em 9/11/2009 a liminar foi concedida. Disponível em:
<http://estudandoodireito.blogspot.com/2009/11/correio-forense-decisao-garante-
que.html>. Acesso em: 17 jul. 2010.
Informação retirada da Ata da reunião da Comissão formada por psicólogos vinculados
aos CRP-05 e à SEAP no Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública do Estado do
Rio de Janeiro, no dia 29/7/2010.
Ibid.
Marcos Vinicius Silva Lips.
Disponível em: <http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,GIM1312307-7823-
PSICOLOGOS+SAO+PROIBIDOS+DE+AVALIAR+PRESOS+PARA+PROGRESSAO+DE+PENA,00.
html>. Acesso em: 4 ago. 2010.
Como vemos, eles também confundem avaliação psicológica com exame criminológico.
Promotor de Justiça Fabiano Dallazen.
Segundo informações da imprensa, Ademar de Jesus Silva havia sido condenado, em
2005, por abusar sexualmente de duas crianças e foi submetido ao exame psicológico em
11/5/2009, e ao psiquiátrico, uma semana depois, em 18 de maio. Os resultados de ambos
os procedimentos não apontaram nenhum indício de doença mental, assim como não
destacaram a necessidade de acompanhamento psicológico posterior, o que o fez obter a
progressão para o regime aberto em dezembro de 2009. Após sua saída, cometeu seis
assassinatos. Disponível em:
<http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/04/16/cidades,i=186655/ENT
ENDA+O+CAMINHO+DE+ADEMAR+DE+JESUS+ENTRE+A+PRISAO+E+A+LIBERDADE.shtml>
. Acesso em: 4 ago. 2010.
No caso dele, trata-se de “Alberto Caeiro”.
CAPÍTULO IV
O ABOLICIONISMO COMO UMA “IDEIA ADEQUADA”
[...] a filosofia interroga a psicologia e diz: para aonde ides, para que eu saiba
quem sois? Mas o filósofo também pode dirigir-se ao psicólogo sob a forma de
um conselho – uma única vez não cria o hábito – e dizer: quando se sai da
Sorbonne pela Rua Saint-Jacques pode-se subi-la ou descê-la; quando se sobe,
chega-se ao Panteão, o Conservatoire de alguns grandes homens, mas quando se
desce, certamente se chega à delegacia de polícia. (Canguilhem, 1999, p. 26)
No início deste trabalho, o recurso utilizado para ajudar no
processo de escrita foi uma análise de implicações, na qual
cartografei os efeitos, sobre meu corpo, dos encontros que havia
tido com o campo jurídico e seus profissionais. Num outro
momento (terceiro capítulo), tentei mapear os efeitos do encontro
entre esses profissionais com seu campo de atuação.
Porém, todo esse processo não foi nada fácil, pois a sensação,
muitas vezes, foi a de estar à deriva. O tempo parecia não passar e
não conseguia sair do campo de pesquisa, simplesmente porque o
suposto campo de pesquisa havia se tornado também minha área
de atuação profissional. Em função disto, comecei a ter dúvidas
sobre a minha permanência em um dos grupos de trabalho sobre o
exame criminológico em que atuava. Especialmente, por sentir
uma grande dificuldade de falar dele, estando nele. Sem contar que
a maioria das pessoas que nele atuava pertencia ao quadro de
funcionários da SEAP e eu não. O que me dava um “não lugar” que
era um alívio em alguns aspectos, mas, em outros, enervante. E se,
por um lado, me tranquilizava saber que eu podia defender,
contundentemente, o fim do exame, o abolicionismo penal, a não
subserviência ao sistema, já que eu não iria sofrer retaliações e/ou
perder o emprego, por outro, o fato de não ser “do sistema”, como
eles, me impedia de falar coisas que eu realmente pensava sobre
alguns encaminhamentos propostos por eles a certas discussões e
ações.
Nos momentos mais difíceis, eu tentava me colocar no lugar
deles e chegava à conclusão de que eu não podia desejar que eles
agissem sem temer, pois havia muitas coisas em jogo. Isso exigia
uma enorme delicadeza nas intervenções que eu tentava fazer. Às
vezes, eram tão delicadas que pareciam não surtir efeito algum e
eu não me sentia trabalhando no grupo. Outras eram feitas de
forma tão desajeitada que saía de lá com um mal-estar imenso,
achando ter magoado alguém. E a pesquisa? Travada! Precisava de
um deslocamento, a fim de olhar para toda aquela experiência
com eles, sob outra perspectiva.
O fato de ter me percebido, em parte, objeto de minha própria
pesquisa, me colocava diante de um problema que poderíamos
considerar metodológico, se acreditássemos que objeto de
pesquisa e pesquisador não podem se misturar. Mas se
ponderarmos que método é o processo pelo qual se constrói uma
pesquisa e um pesquisador e, se esta construção está ligada ao
nosso modo de existir, isso se torna, para mim, também um
problema clínico-ético-estético-político, ou seja, uma questão
ontológica – no sentido foucaultiano de uma ontologia crítica de
nós mesmos.
E, como se observou até aqui, a problemática sobre o exame
criminológico e o depoimento sem dano não se restringe apenas a
dilemas técnico-teórico-metodológicos, muito menos a uma
discussão factual acerca do cumprimento ou descumprimento das
leis, mas é, sobretudo, um desafio ético-político.
Enquanto pensava e sentia tudo isso, uma pergunta martelava
em meu corpo: Estou dentro ou estou fora?
Um dos momentos mais significativos para mim, de todos os
encontros de que participei com os psicólogos que trabalhavam
em prisões, foi quando anunciei, pela última vez, a minha saída do
grupo citado. E digo isso, porque foi a primeira vez que me senti
fazendo realmente parte daquele grupo, que me senti efetivamente
escutada, ou seja, havia coisas que eu dizia, já há algum tempo, até
sobre minha própria saída, que pareciam não ser levadas em
consideração pelo grupo. Foi nesse limiar entre o dentro e o fora
do grupo que algo se operou. Curiosamente, esta reunião foi
realizada em um tom mais festivo, em um restaurante, ou seja, fora
da instituição onde eram habitualmente realizadas. E tinha uma
conotação de transição, pois, apesar de estarmos discutindo sobre
o encerramento oficial das atividades daquele grupo,224 as pessoas
estavam se articulando para dar continuidade aos trabalhos de
outras formas. Também estávamos todos animados com a
possibilidade de a publicação da Resolução do CFP – vedando a
participação dos psicólogos no exame criminológico, e que este
grupo ajudou a construir – sair a qualquer momento.
Fizemos um breve levantamento do que realizamos e
conversamos sobre o posicionamento que tomaríamos na terceira
reunião agendada com operadores do direito penal público, a
SEAP e o CRP-05, com o objetivo de discutir sobre a participação
dos psicólogos no exame criminológico. Porém, eu disse que não
iria. Argumentei que não fazia mais sentido para mim estar
presente nesses encontros, pois já havia ido a dois deles no ano
anterior e não acreditava que obteríamos algum resultado, já que a
promotoria já havia afirmado que não abriria mão do exame em
questão e a defensoria não tinha assumido uma posição clara.
Além do fato de que eu não trabalhava mais no sistema
penitenciário, portanto, não era a pessoa mais indicada para
argumentar sobre a questão.
O grupo alegou que minha presença era importante justamente
por este fato, pois eu era a única que podia analisar a situação de
outro lugar, observar e escutar coisas que talvez eles não
pudessem devido a suas funções nesse sistema. Isso foi
fundamental, porque só a partir desse momento pude dizer o
quanto estava incomodada com o que tinha acontecido nas
reuniões anteriores, como, por exemplo, o fato de os psicólogos,
apesar de afirmarem uma posição contrária ao exame, acabarem
aceitando a proposta dos operadores da promotoria de (re)
inventarem um novo instrumento que pudesse atender à demanda
da promotoria e da magistratura. Tentei dizer que achava que isso
era uma grande armadilha e que não deviam esperar por uma
negociação possível com os operadores do direito em relação ao
exame criminológico, já que eles afirmaram que não iam abrir mão
do exame. E, em minha opinião, o fato de eles aceitarem fazer
qualquer tipo de aliança, ainda que com a melhor das intenções,
só os enfraquecia.
Mais uma vez apareceu o vetor do medo, quando me
perguntaram se eu estava querendo dizer que eles tinham de se
negar a fazer o exame. Argumentei que o que eles tinham de fazer
era afirmar qual lugar gostariam de ocupar no sistema prisional, e,
segundo eles, era na assistência à saúde. Tentei explicar que não
se tratava de negação ou negociação, mas de afirmação de outro
lugar, de uma nova prática.
A narrativa desse encontro com o grupo foi colocada nesse
capítulo porque para mim foi um encontro clínico, alegremente
clínico! Não porque eu intervim no grupo, mas clínico para todos
nós, pois eu também havia me tornado parte daquele grupo. Algo
se passou ali, ou algo passou por ali, ou melhor, ali foi possível dar
passagem a afetos obstaculizados e isso foi libertador, pelo menos
para mim. Todos puderam falar como foi significativo aquele
trabalho em conjunto, a importância da atuação de cada um e os
que julgavam saber menos sobre a problemática puderam colocar
abertamente sua posição (que foi o meu caso). Assim como os que
supostamente dominavam o assunto, por estarem no sistema
prisional e nessa luta pelo fim do exame, há anos, tiveram a
oportunidade de avaliar suas contradições e estratégias de
enfrentamento.
Eu de fato parei de ir às reuniões desse grupo, mas não
consegui parar de ler os e-mails que me chegavam diariamente. O
que significa que não me desliguei completamente, e a dificuldade
de produzir a partir desse lugar de quem está tomado pelas
inquietações e incertezas foi um desafio tão grande quanto manter
o controle “dos nervos”, nas reuniões com o Ministério Público. E
eu só conseguia pensar que, se eu fosse paisagista em vez de
psicóloga, seria tudo bem mais fácil!
Mas em um determinado momento, fui arrebatada pelas ideias
espinosistas a respeito de potência, por isso voltei a lê-lo, assim
como a leitura deleuziana sobre seus escritos, em busca de
compreensão da tristeza e da impotência que, em muitos
momentos, eu mesma senti e que percebi em alguns profissionais
escutados durante esta pesquisa e que, tantas vezes, diante dos
meus questionamentos, me perguntavam: “mas o quê que a gente
faz?”
Entre ideias e afetos
está fora dele, mas é parte das próprias relações de poder. Por
isso, a política abolicionista, segundo Folter, só pode ser
implantada dentro do campo estratégico das relações de poder.
As afirmações de Folter remetem a outras duas ideias que
considero abolicionistas também, que são: a de contradispositivo
ou de “profanar” o dispositivo, discutida no capítulo anterior, e
aquela de Fonseca sobre uma “Terceira Perspectiva” ou “Direito
Novo” em Foucault, que serão discutidas a seguir. Foram reunidas
aqui, para que todas pudessem ser incluídas nesta pesquisa, em
que se buscavam possibilidades de compor antídotos que nos
protejam contra as forças de envenenamento que circulam nos
campos jurídico, “psi” e social.
Entendendo que não é possível pensar em abolir práticas “psi”
aprisionadas – sobretudo dentro do campo jurídico – se não
libertarmos também as práticas no direito, recorri, mais uma vez,
ao próprio Foucault, para compreender sua discussão acerca
dessa possibilidade:
[...] quando se quer objetar alguma coisa contra as disciplinas e contra todos os
efeitos de saber e de poder que lhes são vinculados, que se faz concretamente?
Que se faz na vida? [...] Que se faz, se não precisamente invocar esse direito,
esse famoso direito formal e burguês, que na realidade é o direito da soberania?
E eu creio que nos encontramos aqui numa espécie de ponto de
estrangulamento, que não podemos continuar a fazer que funcione
indefinidamente dessa maneira: não é recorrendo à soberania contra a disciplina
que poderemos limitar os próprios efeitos do poder disciplinar. De fato,
soberania e disciplina, legislação, direito da soberania e mecânica disciplinares
são duas peças absolutamente constitutivas dos mecanismos gerais de poder
em nossa sociedade. Para dizer a verdade, para lutar contra as disciplinas, ou
melhor, contra o poder disciplinar, na busca de um poder não disciplinar, não é
na direção do antigo direito da soberania que se deveria ir, seria antes na
direção de um direito novo, que seria antidisciplinar, mas que estaria ao mesmo
tempo liberto do princípio da soberania. (FOUCAULT, 1999, p. 47)
Que, segundo Fonseca (2002, p. 249), é: a produção e o conteúdo das leis, a estrutura de
suas instâncias de julgamento, a organização dos saberes que compõem seus domínios.
Princípio da legitimidade do poder e a obrigação legal da obediência, de acordo com
Fonseca (2002, p. 249).
Segundo Fonseca (2002, p. 255), trata-se do texto: “Le citron et le lait”. In: FOUCAULT, M.
Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. vol. 3.
Fonseca lembra que a ideia de governo para Foucault não deve ser entendida como uma
instância executiva em um sistema estatal, e sim no sentido mais amplo de um conjunto
de mecanismos e procedimentos destinados a guiar a conduta dos homens (FONSECA,
2002, p. 261, nota de rodapé nº 407).
Sobre esse tema, Fonseca indica uma conferência proferida por Foucault, em 1978, e
publicada da seguinte forma: “Qu’ est-ce que la critique?”. Bulletin de La Societé Française
de Philosophie, t. 84, année 84, n. 2, p. 35-63, avril/juin 1990.
Constituídos dos seguintes textos, de acordo com Fonseca: O uso dos prazeres e O
cuidado de si (1984), os Cursos do Collège de France de 1980 a 1984 (Du gouvernement des
Fonseca se refere a um texto que teria sido o texto fundador do movimento, publicado
em março de 1971, na revista francesa Esprit, e assinado por Michel Foucault, Pierre
Vidal-Naquet e Jean-Marie Domenach.
O grupo distribuia questionários aos detentos e aos seus familiares e os publicava em
formato de relatórios em folhetos. Em um ano de duração, foram publicados quatros
deles. Para mais informações Cf. Fonseca (2002, p. 297, nota de rodapé nº 488).
Fonseca cita a publicação francesa do Ditos e Escritos: “Contre les peines de substitution”
(FOUCAULT, 1994, v. 4, p. 205-207).
Outro texto citado por Fonseca, no qual Foucault fala da necessidade de uma inquietação
permanente, é: “Punir est la chose la plus difficile qui soit” (FOUCAULT, 1994, v. 4, p. 208-
210) e “Face aux gouvernements, les droits de l’homme” (FOUCAULT, 1994, v. 4, p. 707-
708).
Segundo o novo dicionário Aurélio da língua portuguesa (FERREIRA, 2009): “que não
respeita lei ou regras, que não aceita restrições; despótico.
De acordo com o filósofo, no livro Ética, parte III: “Cada coisa esforça-se, tanto quanto
está em si, por perseverar em seu ser” (proposição 6).“O esforço pelo qual cada coisa se
esforça por perseverar em seu ser não envolve nenhum tempo finito, mas um tempo
indefinido” (proposição 8).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Eu tive uma namorada que via errado. O que ela via não era uma garça na beira
de um rio. O que ela via era um rio na beira de uma garça. Ela despraticava as
normas.
Manoel de Barros
Quando me propus a fazer uma cartografia das práticas do
psicólogo no “campo jurídico” ou em “territórios judicializados”,
ainda não estava trabalhando como psicóloga. Porém, logo que
ingressei no mestrado, fui convidada para trabalhar,
concomitantemente, na prisão e na favela. Animou-me a
possibilidade de estar em lugares nos quais tantas coisas das
quais eu tinha de falar nesta pesquisa aconteciam. Eu só não tinha
ideia de como seria intensa essa experiência. Por isso, minha
passagem como profissional desse campo também foi incluída por
meio do processo de “análise de implicações”. O primeiro capítulo
foi ganhando contorno na medida em que entrei em contato e
pude dar passagem à dificuldade de lidar com as forças que
estavam fora de mim, mas, especialmente, com aquelas que, em
mim, obstruíam o processo de escrita. Procurei não me colocar
como um sujeito di(st)ante de um objeto, com um método pronto
para dissecá-lo. Muito menos como psicóloga clínica que buscava
a “cura” para os sintomas dos psicólogos que trabalhavam no
campo jurídico.
E a tradicional metodologia de pesquisa? E a tradicional forma
de se falar de clínica? Bem, essas foram as primeiras normas que
“despratiquei”. O que de fato aconteceu foi que: psicóloga, clínica,
pesquisadora, campo pesquisado, modo de pesquisar e intervir se
inventavam, a cada encontro. E a isso chamamos de “O
desassossego do cartógrafo,” e ninguém melhor do que Fernando
Pessoa para nos acompanhar nessa inquieta aventura do diferir.
Por isso asseveramos que, em uma pesquisa e na nossa prática
profissional, não devemos nos preocupar apenas com os
instrumentos metodológicos e/ou técnicos, mas precisamos estar
implicados constantemente em um processo que chamamos aqui
de ontologia crítica de nós mesmos e de nossas práticas. E isso só
pode acontecer quando estranhamos, desconfiamos dos
territórios e funções que ocupamos, quando procuramos habitar
um ethos – ético-clínico-estético-político – a partir do qual
poderemos trabalhar em nome dos processos de singularização,
de potencialização da vida e da liberdade.
É ético no sentido de estarmos constantemente implicados em
nossos modos de existir e de “fazer-saber” e “saber-fazer” em
psicologia. É clínico por escutarmos e afirmarmos os processos de
diferenciação de si, do outro e de nossas práticas, por operarmos
desvios. Isso nos leva imediatamente à ideia de estética porque
essa diferenciação se trata de criação. Criação de vida, de modos
de estar no mundo, de outros caminhos, de novas paisagens, de
novos conceitos, para que as forças ativas se afirmem. Mas para
essa criação acontecer é necessário que haja uma transvaloração,
ou seja, precisamos ultrapassar os valores hegemônicos que
reproduzem formas cristalizadas de se viver e trabalhar, ou seja,
precisamos “despraticar” normas.
Mas como se “despratica” uma norma? Precisamos para isso
afirmar uma atitude política. Porque para transvalorar e criar uma
nova estética para a existência é preciso, antes, adotar uma
atitude crítica e ultrapassar valores hegemônicos. E isso não se
consegue se não nos inquietarmos, se não nos desassossegarmos,
diante do que se apresenta como realidade e como natural.
Temos de analisar em que condições e circunstâncias
emergiram esses valores vistos como já dados, estes saberes,
como a psicologia e o direito, saberes estes que, com a força de
seus discursos, produzem leis, normas e subjetividades e, muitas
vezes, o bloqueio dos processos de criação de si e de mundo,
mediante as tentativas de aniquilamento das diferenças e das
singularidades por meio dos dispositivos de normalização e de
controle. E é político também porque se trata de uma luta contra
as forças, mas não somente aquelas que pensamos estar fora de
nós, como esses saberes, ou Estado “dito” democrático em que
vivemos ou o capitalismo globalizado, mas, principalmente,
aquelas que, em nós, podem obstruir as nascentes do devir, do
diferir, da criação.
Mas para que outros modos de existir e novas práticas
profissionais possam emergir, precisamos desativar os antigos,
mas não sem antes entender como eles se formaram e como
funcionam. Por isso, no segundo capítulo, alguns escritos de
Foucault foram percorridos para que se entendessem “Os modos
de relação entre o direito e os saberes ‘psi’”. E um dos caminhos
seguidos foi acompanhar a emergência e o funcionamento da
máquina jurídica e penitenciária e dos saberes “psi” nesse campo.
Dessa forma foi possível compreender melhor a inseparabilidade
entre saber e poder.
Outros autores me acompanharam nesse percurso e todos eles
se acompanharam de Foucault também. Em função da confusão
e/ou sobreposição dos termos “norma” e “lei” nos discursos
analisados, foi necessário diferenciar a norma jurídica e seus
processos de “normatização” da norma do sentido das ciências
médicas e humanas e seus processos de “normalização”, e quem
ajudou nesse processo foi Márcio Alves da Fonseca. Com ele
também vimos as diferentes imagens do direito e as modulações
que a noção de norma sofreu nos textos de Foucault. O contato
com esse autor e com os próprios textos de Foucault nos mostrou
que não era possível compreender como os saberes e práticas
“psi” funcionavam no campo jurídico, se não entendermos,
minimamente, o jogo de forças entre essas instâncias e o direito, a
máquina jurídica e penitenciária, as modulações sofridas pelo
capitalismo e as diferentes formas de governar a população (a
soberania, as disciplinas, os mecanismos de segurança, o
biopoder, a sociedade de controle). Por isso, me interessei em
estudar as formas pelas quais o direito e os saberes “psi” se
colonizaram reciprocamente. Algumas delas foram amplamente
exploradas: o princípio da soberania, a tecnologia disciplinar, os
mecanismos de segurança e de controle e as formas de produção
de verdade.
Mas outros termos e conceitos utilizados com muita frequência
pelos trabalhadores dessa área precisavam ainda ser esclarecidos;
por isso, Cristina Rauter e Vera Malaguti Batista se juntaram aos
que já estavam em cena e ajudaram a analisar a construção
histórica da criminologia, a articulação entre o discurso médico e
o jurídico, a demanda por ordem, as políticas criminais em um
“Estado penal”, os processos de criminalização que atingem
determinadas parcelas das populações, assim como as
transformações dos dispositivos de poder que este saber
instrumentou e ainda instrumenta.
Ainda no segundo capítulo, discutiu-se o conceito de “Estado
de Exceção” e a forma como ele se apresenta no contemporâneo,
nos escritos de Agamben.
Posteriormente, chega-se à psicanálise, que foi um dos saberes
que tentaram equivocar a criminologia em sua versão positivista.
Fui aos escritos de Sigmund Freud e Sandór Ferenczi, para
entender como a psicanálise se insere no sistema penal no século
XIX. Nesse passeio, observou-se que o primeiro não aderiu à
demanda do sistema penal, quanto ao segundo, não se pode
afirmar o mesmo. Para debater acerca de uma determinada forma
de a psicanálise se exprimir, atualmente, convidei Regina Neri,
que, por sua vez, convidou a criminologia crítica e Foucault,
possibilitando a problematização dos pontos de contato entre as
formas jurídicas e as psicanalíticas de produção da verdade, assim
como sobre os efeitos políticos desse encontro, conforme
verificamos por meio de certos discursos psicanalíticos que se
aliam ao direito, colocando, na mesma série, a lei jurídica e a lei
simbólica e, com isso, aumentando o pedido por mais leis, limites
e ordem.
Nesse ponto, tive a clareza de que não é só a tecnologia
disciplinar que invade o Judiciário, mas que é possível falar
também em uma “colonização às avessas”, na qual se constata
uma judicialização das práticas “psi”, que se inicia com certa
leitura da psicanálise e que fica visível em alguns procedimentos
desenvolvidos nos tribunais de justiça, como a “justiça
terapêutica”. Por isso, Agamben retorna ao texto para ajudar a
pensar se é possível desativar um dispositivo.
Foi preciso percorrer esse longo caminho para tentar
compreender com qual psicologia o direito quer se encontrar. Mas
ainda havia muitas questões que me puxavam como um imã para o
metal, no meu caso, para as grades da prisão, e não me refiro só às
grades físicas, mas também às invisíveis, que aprisionam nosso
pensamento e nossas práticas. Por isso, entrevistamos psicólogos
e visitamos seus locais de trabalho, assim como realizamos
inúmeras observações participantes para nos aproximarmos do
“desassossego dos psicólogos que atuam no campo jurídico no
contemporâneo”. Por isso, no terceiro capítulo, dois analisadores
me escolheram para que pudéssemos, juntos, montar um quebra-
cabeça; são eles: o exame criminológico e o depoimento sem dano.
Eles demonstraram, por meio do seu funcionamento, a
indissociabilidade entre saber-poder, nos mostrando o que ocorre
quando saberes e práticas “psi”, saberes do direito e práticas
jurídicas se aliam às forças do capitalismo e aos dispositivos do
biopoder para governar determinadas parcelas da população.
Debateram-se também alguns dos efeitos nefastos dessas
práticas na vida dos profissionais envolvidos e sobre o contrato de
trabalho deles com o campo jurídico.
Ao final desse capítulo, entendi que nosso problema não era
“curar” o desassossego desses profissionais, mas intervir naquilo
que os desassossega: os saberes e as práticas “psi” e jurídicas.
Porque o desassossego é uma potência coletiva, uma força ativa
que irrompe e nos exige uma mudança de perspectiva, nos atiça,
nos lança em direção à criação de novos modos de existir, de
pensar, de trabalhar.
No segundo e terceiro capítulos, quando destaquei os
discursos de profissionais dos saberes “psi” proferindo frases
tipicamente jurídicas ou juristas fazendo intervenções quase
clínicas, como Verani, estava praticando o exercício de equivocar
lugares, de mostrar que os limites entre os saberes são
extremamente tênues, que é possível operar nesses limites de uma
forma que produza adoecimento e morte, mas também de modos
criativos que potencializem os processos de criação do novo, de
saúde, de autonomia e de liberdade.
Portanto, no segundo e terceiro capítulos, contei como se
produzem e se praticam as normas e também como essas normas
podem ser “despraticadas”, inclusive, por aqueles mesmos que as
inventaram e/ou que as põem para funcionar. Por isso, pensei com
Agamben, no final do terceiro capítulo, acerca da possibilidade de
desativar um dispositivo.
Esta última ideia somou-se a todas as outras que foram
surgindo ao longo desta pesquisa e me levaram ao quarto capítulo:
“O abolicionismo penal como uma ‘ideia adequada’”, no qual
afirma-se, com Spinoza, Deleuze e Foucault, a ideia de estar em
constante análise de implicações com nossas práticas
profissionais e com os processos vitais, por meio de uma ontologia
crítica de nós mesmos e de nossas práticas, dos “bons encontros”,
das “ideias adequadas”, do desassossego, pois só assim podemos
caminhar em direção à criação e à liberdade para inventar outras
práticas nos campos dos saberes “psi” e do direito.
Para se compreender melhor esse complexo de problemas
presentes neste livro, precisamos pensar com que psicologia o
direito quer se encontrar e afirmarmos com que direito, nós
psicólogos, queremos nos encontrar. Temos também de
determinar, como psicólogos, quais são nossas práticas. Afinal,
não é uma lei que determina uma prática, mas as práticas que
legitimam as leis. Portanto, ninguém além dos próprios psicólogos
pode dizer como um psicólogo deve ou não trabalhar.
Fernando Pessoa trouxe, logo no primeiro capítulo deste
trabalho, a força de sua diversidade heteronímica com o Livro do
desassossego, que, inicialmente, foi atribuído a Vicente Guedes e,
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