2009 01 Literatura de Cordel
2009 01 Literatura de Cordel
2009 01 Literatura de Cordel
FRANCA
2008
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Orientador(a): ____________________________________________________
Nome: Profª. Dra. Ana Lúcia Furquim Campos Toscano
Instituição: Uni-FACEF Centro Universitário de Franca
Examinador(a):___________________________________________________
Nome: Profª. Dra. Sheila Ferreira Pimenta e Oliveira
Instituição: Uni-FACEF Centro Universitário de Franca
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AGRADECIMENTOS
Agradecemos:
- a nossa orientadora, a professora Dra. Ana Lúcia Furquim Campos
Toscano, pela sua dedicação e colaboração.
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RESUMO
O objetivo deste trabalho é refletir sobre o gênero literatura de cordel e seu valor
pedagógico para o trabalho em sala de aula no que se refere à linguagem, ao
discurso e aos valores sociais enunciados. Adotamos para a realização desta
pesquisa, as reflexões de Mikhail Bakhtin, além dos estudos de seus comentadores.
Realizamos também uma análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a
respeito da conceituação e classificação apresentadas sobre os gêneros discursivos.
Para a compreensão da literatura de cordel, utilizamos os estudos de Manuel
Diégues Junior e Marlyse Meyer. O córpus selecionado são os folhetos A moça que
bateu na mãe e virou cachorra e Lampião – o terror do Nordeste, ambos de Rodolfo
Coelho Cavalcante e Tragédia de Garanhuns de José Soares (Poeta repórter).
ABSTRACT
The aim of this study is to reflect upon the cordel literature genre and its pedagogical
value to the work done in the classroom related to language, speech and social
values. This study is based on Mikhail Bakhtin´s reflections, and also on the
studies of his commentators. We also analyzed Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), regarding the conceptualization and the way PCN classifies
the speech genres. To understand cordel literature we used the studies of Manuel
Diégues Junior and Marlyse Meyer. The selected corpus are the short poetry books
A moça que bateu na mãe e virou cachorra and Lampião – o terror do Nordeste,
both from Rodolfo Coelho Cavalcante and Tragedia de Garanhuns of José Soares
(Poeta Reporter).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................ 8
1 UMA ABORDAGEM SOBRE OS GÊNEROS DO DISCURSO........ 10
2 PCN: O ENSINO PROGRAMADO................................................... 18
3 A LITERATURA ORAL E SUA TRADIÇÃO..................................... 21
3.1 ORIGENS LUSITANAS....................................................................................... 22
3.2 O NORDESTE COMO AMBIENTE SÓCIO-CULTURAL.................................... 24
3.3 O CANTADOR..................................................................................................... 24
3.4 CANTORIAS E PELEJAS .................................................................................. 28
3.5 A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA DE CORDEL E SUA SIGNIFICAÇÃO
SOCIAL............................................................................................................... 32
4 OS FOLHETOS DE CORDEL .......................................................... 34
CONCLUSÃO ....................................................................................... 44
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 47
ANEXOS ............................................................................................... 48
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INTRODUÇÃO
uma reflexão na relação com o outro e o intuito discursivo, além do contexto sócio
histórico-cultural. Brait (2008, p. 81) explica que:
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Esses termos são emprestados da lingüística da enunciação.
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foi estabelecer que o discurso se elabora em vista do outro, pois existe uma
dialogização interna que sempre perpassa na palavra do outro. O enunciador leva
em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. O outro se torna,
portanto, fundamental no discurso do eu e na constituição de sentido. Dessa forma,
o dialogismo é a condição de sentido do discurso.
Qualquer objeto que se apresente para nós já se manifesta avaliado,
iluminado pelo discurso alheio, pois está carregado de idéias gerais, por pontos de
vista ou por apreciações dos outros. Dessa forma, qualquer discurso que irá tratar
de qualquer objeto não está voltado para a realidade em si, mas para os discursos
que a circundam.
Discurso, no conceito de Bakhtin, não é por si próprio auto-suficiente,
só pode ser compreendido na situação social que o engloba. Assim, o discurso não
existe isoladamente, já que participa de um contexto social e se dá através de
processos de interação.
Bakhtin afirma que o discurso nasce de uma situação pragmática,
extraverbal, e mantém uma conexão com essa situação, se perdê-la, comprometerá
na sua significação. Com isso, ele conclui que existem elementos pressupostos no
processo da construção de sentido e esses elementos se integram no enunciado
como uma parte constitutiva essencial à estrutura de sua significação. Os elementos
pressupostos serão, portanto, um valor condicionado pela existência de uma
comunidade, “são avaliações sociais básicas que derivam de um grupo social dado,
de uma comunidade e, por essa razão, não necessitam de uma formulação verbal
especial” (BRAIT, 2003, p. 20).
As unidades da língua, palavra, oração e período são neutras, não
permitem uma resposta. Uma unidade da língua vai permitir uma resposta a partir do
momento que adquirir um enunciador, ganhando um acabamento específico e se
transformando em um enunciado, passando, portanto, a ser dirigida a alguém.
Brait (2003, p. 21) explica que “o enunciado concreto, e não a
abstração lingüística, nasce, vive e morre no processo da interação social entre os
participantes do enunciado”, que são o falante, o ouvinte e o tópico do discurso e
estes irão determinar sua forma e significação. Bakhtin afirma que a relação entre o
falante e o tópico nunca é uma relação de dois, o tempo todo leva em conta o
ouvinte, que se firma como o terceiro participante que exerce influência sobre todos
os fatores do discurso.
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isso, uma atitude responsiva como já foi dito, mas que só acontece por o enunciador
exercer uma influência sobre o enunciatário provocando a atitude responsiva. Daí
convém dizer que quando o enunciador está no processo de concepção do
enunciado, acaba manifestando sua própria individualidade, suas visões de mundo.
Isso se trata de uma característica interna já que as características externas estão
relacionadas com outros enunciados, discursos e sujeitos. A importância da
característica interna está no fato de ter cunho individual, o que nos faz reconhecer o
acabamento, ou seja, o querer dizer do locutor que se realiza já com a escolha do
gênero do discurso e conseqüentemente o intuito do locutor vai determinar quais
serão os objetivos a serem atingidos.
O enunciado e a réplica do diálogo estabelecem com o outro um elo de
ligação na cadeia da comunicação verbal e ambas visam à resposta do outro. Desse
modo, o enunciado estabelece uma relação com outros enunciados a que ele
responde e com aqueles que lhe respondem e, concomitantemente, um enunciado
não se mistura com outro devido à fronteira estabelecida entre a alternância dos
sujeitos.
Outro fator relevante é a internalização dos gêneros do discurso, ou
seja, eles “nos são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua materna,
a qual dominamos livremente até começarmos o estudo teórico da gramática”
(BAKHTIN, 2003, p, 282). Logo, não aprendemos por meio de dicionário ou da
gramática. A língua materna e o léxico, juntamente com sua estrutura gramatical,
são apreendidos mediante enunciados concretos transmitidos pela interação verbal
viva dos sujeitos com os quais nos relacionamos, ou seja, o aprendizado da fala
ocorre quando se aprende a estruturar enunciados. ”Os gêneros do discurso
organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o organizam as formas
gramaticais (sintáticas)” (BAKHTIN, 2003, p.283). A nossa fala se molda às formas
do gênero, por isso, ao ouvir a fala do outro, muitas vezes, nos identificamos
buscando logo nas primeiras palavras a extensão do discurso e a dada estrutura
composicional. A comunicação verbal seria impossível se não existissem os gêneros
do discurso e se não os dominássemos, ou seja, se tivéssemos que criá-los pela
primeira vez no processo da fala ou construir também cada um de nossos
enunciados.
O querer dizer do locutor mediante uma grande variedade de gêneros
já difundidos no cotidiano que apresentam formas padronizadas se manifesta na
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pedagógica não existe sem um forte protagonismo do professor, e sem que ele dela
se aproprie” (BRASIL, 1998, p. 70).
Logo, quando os PCN são consolidados com o objetivo de elevar os
níveis do ensino de Língua Portuguesa, eles projetam um único caminho a ser
trilhado pelos professores, é como se os docentes fossem ‘culpados’ por todo o
fracasso escolar e os parâmetros a solução desse impasse. Assim, os enunciados
deste documento curricular estão classificados no gênero prescritivo.
Mesmo com a participação de especialistas da educação e vários
representantes da sociedade civil, as discussões sobre as novas propostas pouco
contribuiram para o gênero do discurso ora inserido. O documento curricular ainda é
dirigido a um professor que deve se adequar às condições precárias de ensino do
País.
Nos PCN de Língua Portuguesa destinados ao Ensino Fundamental,
verificamos que existe a voz de Bakhtin em seu discurso, apesar de não haver
nenhuma citação direta referente ao texto bakhtiniano. Há de se destacar que os
PCN tratam os gêneros do discurso de uma maneira simplificada, não dando a
devida atenção que esse assunto merece, destacando muito mais seus aspectos
formais do que os sentidos construídos, como questiona Fiorin (2006, p. 60):
3.3 O CANTADOR
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que usou com estrofe de sete versos, os quais correspondiam as sete letras do seu
próprio nome, por exemplo, O boi misterioso obra de sua autoria:
Lá inda hoje se vê
Em noites bem nevoadas
A vaca misteriosa
Naquelas duas estradas
Duas mulheres chorando
Rangindo os dentes e falando
Onde as cenas foram dadas.
(BARROS apud DIÉGUES JR, 1977 p.9)
versos prontos para qualquer eventualidade, versos que são evocados dos
conhecimentos eruditos, o que demonstra uma erudição obtida por meio de leitura
para aqueles que sabem ler ou de ouvido para os analfabetos. Costuma-se dizer
que o cantador tem “ciência” porque é portador de uma velha erudição adquirida em
romances tradicionais, pequenos volumes de geografia ou história sagrada.
Vejamos um exemplo que atesta o conhecimento dos nomes de
cidades do Brasil. É João Martins de Athaide quem provoca:
rural. Foi comprovado que pessoas aprenderam a ler e a escrever por meio dos
folhetos, conforme Meyer (1980).
A população analfabeta se deliciava com as narrativas tradicionais, os
romances herdados da tradição histórica ou novelística que eram transferidos da
prosa para a poesia, assim se enriqueciam de erudição. Por isso, cantadores
analfabetos exibiam seus conhecimentos por meio de oitiva.
A literatura de cordel se tornou um instrumento de comunicação que
divulgava os acontecimentos para a população, numa época em que os meios de
comunicação modernos eram de difícil acesso, assim:
4 OS FOLHETOS DE CORDEL
páginas, pois a maioria possue oito páginas, apenas o texto Carlos e Adalgisa é
composto por dezesseis páginas e o Romance do pavão misterioso por trinta e duas
páginas. Desses textos, quatro deles são compostos por estrofes de sete versos
(septilha), e os outros seis são compostos por estrofes com seis versos (sextilhas).
As rimas também são padronizadas as septilhas possuem rima na seguinte métrica:
XAXABBA2; já as sextilhas possuem o seguinte esquema: XAXAXA. Os textos
tratam de uma narrativa estruturada em poesia. Quanto aos elementos temáticos,
nota-se a presença religiosa nessa literatura, que aparece explícita ou
implicitamente em quase todos os textos.
Tragédia de Garanhuns traz uma narração de uma tragédia que
ocorreu na cidade, uma explosão que deixou mortos e feridos e apavorou toda a
cidade. Nesse folheto, há a voz social de um povo que está cansado de tantas
calamidades como se pode notar no seguinte trecho:
2
Os símbolos X representam os versos que não rimam com nenhum outro. As letras repetidas
indicam os versos que rimam entre si.
37
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A palavra bandoleiro segundo o dicionário significa bandido, cangaceiro, cão que segue a todos,
que não tem parada, ocioso, vadio, vagabundo.
41
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A palavra “descansaram” foi escrita da forma como se encontra no folheto.
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convive com a omissão das autoridades, as quais fazem da seca um motivo para
angariar recursos e votos.
Nesse contexto de miséria, o nordestino se prende à fé, como forma de
consolo para suas dificuldades. Em decorrência disso, o povo, muitas vezes,
participa de procissões e se entregam às crendices, buscando a solução de seus
problemas. Daí a predominância da temática religiosa como também da moralidade,
como no cordel em análise, que em virtude da desobediência da personagem
Helena às tradições religiosas, e por agredir sua mãe, sofre uma punição divina.
Helena Matias era uma moça rebelde que batia na mãe e zombava de
Deus. A narrativa mostra esse conflito e o seu trágico desfecho, Helena foi
transformada num cão. O enunciador pretende mostrar o que pode acontecer àquele
que se entrega à rebeldia, para tanto, utiliza palavras como “cão”, “dragão” que
fazem alusão ao demônio:
Em Canindé, Ceará
Deu-se esta narração
Helena Matias Borges
Foi transformada em um cão,
Por sua língua ferina
Transformou a sua sina
Num horrível dragão.
(CAVALCANTE, 1976, p.1)
Helena continuava
Fazendo profanação
Comia mais por despeito
A tal “Carne de Sertão”.
E disse pra mãe dela
“Deus me vire numa cadela
Se é que Ele existe ou não”
(CAVALCANTE, 1976, p.4)
CONCLUSÂO
Enfim, finalizamos este trabalho com a voz dos muitos “severinos” que
vivem em condições miseráveis e desumanas:
REFERÊNCIAS
BRAIT, Beth. As vozes bakhtinianas e o diálogo inconcluso. In: BARROS, Diana Luz
Pessoa de; FIORIN, José Luiz (Orgs.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade. 2. ed.
São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003. p. 11 – 27.
BRAIT, Beth. Estilo. In: ______. (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 4. ed. São Paulo:
Contexto, 2008. p. 79 – 102.
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. A moça que bateu na mãe e virou cachorra. 28. ed.
[s.n.t.], 1976. (Literatura de cordel, 1384).
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
MACHADO, Irene. Gêneros do discurso. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-
chave. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 151 – 166.
MELO NETO, João Cabral. Morte e vida severina. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2000.
DE . exposição DE
. verbete
DIVULGAÇÃO . seminário DIVULGAÇÃO
enciclopédico
CIENTÍFICA . debate CIENTÍFICA
(nota/artigo)
. palestra
. relatório de
experiências
. didático (textos,
enunciados de
questões)
. artigo
. propaganda
PUBLICIDADE PUBLICIDADE . propaganda
ANEXO B – Lampião
Lampião – O Terror do Nordeste
Rodolfo Coelho Cavalcante
Infelizmente o Destino
Faz do mofino – um covarde,
Pelo karma, certamente.
Desde o nascimento à morte
Cada um tem a sua sorte
Um do outro diferente.
Em Canindé, Ceará
Deu-se esta narração
Helena Matias Borges
foi transformada em um cão,
Por sua língua ferina
Transformou a sua sina
Num horrível dragão.
Tragédia de Garanhuns
4 Mortos e 20 Feridos
8-30 da manhã
Na avenida Sto Antonio
O povo foi despertado
Por um estrondo medonho
Parecendo um gerandula
È o que eu pressuponho
Em consequencas morreu
A moça Wilma Pereira
José Manuel da Silva
E Ari de Oliveira
E uma outra pessoa
De identidade incerteira
As farmácias atenderam
20 pessoa ou mais
Entre Mulher e Criança
Moça Menino e Rapaz
E 38 ficara
Nas camas do hospitaes