Scarpa - Aquisição Da Linguagem

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Dados internacionals de Catalogacdo na Publicagao (CIP) (Cémara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Tvodueto linguistic : dominio e oni, volume 2 Femanda Mus od. ~ Sto Paulo Vaios autores, ISBN 978-85-249-1925-1 1. Linguistica 1 Mussa, Ferande, I, Benes, Ana Christina, 109173 cpp-ai0 Indices para catélogo sistemético: 1. Linguistica 410 fernanda mussalim anna christina bentes organizadoras ‘Angela Paiva Dionisio + Ari Pedro Balieio J. » Edwiges Morato + Ester Mirian Scarpa + Fernada Mussalim * Joana Plaza Pinto * Marina Célia Mendonga * Roberta Pires de Oliveira introdugcao a linguistica dominios e fronteiras Volume 2 8* edicdo SSinh SLOBIN, D. I. Psicolinguistica, S40 Paulo: Nacional/USP, 1979. (Titulo original, 1973, SMITH, F. G.; MILLER, G. A. The genesis of language: a psycholinguistic appr Cambridge: MIT Press, 1966. STEVENS, K. N. Recognition of continuous speech requires top-down >rocessi Behavioral and Brain Sciences, v.23, 3, p. 348, 2000, TITONE, R. Psicolinguistica aplicada: introdugao psicolégica a didética das Ii ‘Trad, Aurora Femandes Bernardini. Sao Paulo: Summus, 1983. (Titulo original, 1971) ‘TRAXLER, M.; GERNSBACHER, M. A. (Eds.). The Handbook of Psychelinguiste 2. ed. New York: Academic Press, 2006. ‘REVISE, A.; PERDUE, C.; DULOFEU, J. Word order and discoursive coherence L2. In: APPEL, G.; DECHERT, H. W. A case for psycholinguistics cases, Ams Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1991. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem, S20 Paulo: Martins Fontes, 1991. (Ti original, 1934.) WATSON, J. Behaviorism. New York: C. C. Norton, 1924. WHORE, B. L. Language, thought and reality: selected papers of Benjamin Lee J.B, Carroll (Ed.). Cambridge: MIT Press, 1964. (Titulo original, 1956.) WINOGRAD, T. (Ed). Language as a cognitive process. Reading: Addison-We 1983a, ‘Viewing language as a knowledge-based process. In: (Org). ‘as a cognitive process. Reading: Addison-Wesley, 1983b. WUNDT. W. M. An Introduction of physiological psychology. London: Swan Si niehein, 1910. (Titulo original, 1902.) AQUISICAO DA LINGUAGEM Ester Mirian Scarpa ‘1, A AQUISIGAO DA LINGUAGEM: BREVISSIMO HISTORICO E ABRANGENCIA ‘A linguagem da crianga sempre provocou especulagdes diversas entre leigos ou estudiosos do assunto, Seja esta linguagem a manifestacio imperfeita de um ser imperfeito, seja a expresso wvra de Deus, 0 fato é que relatos ‘mais ou menos e: sido registrados ao longo dos séculos e chegaram até nds. Tais relatos dizem respeito as primeiras palavras, emitidas pelas criangas, ou a que condigdes a crianga deveria ser exposta para aprender a falar. Herédoto, por exemplo, narra que, no século VII a.C., 0 rei Psameético do Egito ordenou que duas criangas fossem confinadas desde 0 nas- cimento até a dade de dois anos, sem convivio com outros seres humanos, a fim de se observarem as manifestagdes linguisticas produzidas em contexto de pri- ‘vagdio 1a hipétese era que, se uma crianga fosse criada sem exposig’o 4 fala humana, a primeira palavra que emitisse espontaneamente pertenceria lingua mais antiga do mundo. Ao cabo de dois anos de total isolamento, as crian- ‘gas emitiram uma sequéncia fOnica interpretada como “becos”, palavra frigia para “pao”. Conelui a lingua que 0 povo frigio falava era mais an- tiga que a dos 1. Para maiores detalhes, ver Campbell & Grieve (1982) 20 ssa «wes Estudos sistematicos sobre o que e como a crianga adquire a linguagem, porém, existem, como tais, apenas mais recentemente, Desde o século XIX, alguns. linguistas, guiados tanto por interesse paterno quanto profissional, zlaboraram disrios da fala esponténea de seus fill das amostras mais, tes da fala infantil foram registradas nas primeiras lo pelos. chamados “diaristas”, que eram linguistas ou filélogos estudando seus filhos. Os mais interessantes deles so um estudo do francés goire, um sobre aquisigao bilingue alemao-inglés de Werner Leopold (1939), além do trabalho de Lewis (1936), sobre a descrig&o de uma crianga a © inglés, Sao trabalhos descritivos mm tn ec das pesquisas aquisicionais das tiltimas se voltam & procura, dados da crianga, de evidéneia em prol de alguma teoria linguistica ou psic agzica, embora se insiram nas teorias linguisticas e psicolégicas da época (como 0 de Lewis, com tendéncia behaviorista). Estes trabalhos so do tipo Jongitudinal, uma das metodologias de pes- quisa com dados de desenvolvimento hoje jé bem estabelecida, iniciada exa- tamente pelos diaristas. Trata-se do estudo que acompanha o desenvolvimento da linguagem de uma crianga ao longo do tempo. As anotagdes, em forma de disrio, do que a crianga diz, em situagio naturalistica (isto é, em ambiente natural, em atividades Soins rn posteriormente substituidas por re- agistros em fitas magnéticas, em éudio ou video. Assim, grava-se a fala de uma crianga por um periodo de tempo preestabelecido (ex.: meia hora, 40 minutos, 1 hora), em intervalos regulares (sesspes semanais, quinzenas, mensais ete), dependendo do tema a ser pesquisado. Este material é posteriomente transeri- to da maneira mais apropriada para a pesquisa em pailtiii(transcrico fonética, prosédica, cursiva, codificada segundo orientagdes sintiticas, morfol6gicas, seménticas, efc),/A suposigao é que, registrando-se uma quantidade razodvel da fala da crianga de cada vez, pode-se ter uma amostra bastante representatic va para se estudar como o conhecimento da lingua pela crianga ¢ adquirido ef ou como muda no tempo. A partir da metade dos anos 1980, banccs de dados da fala de varias criangas do mundo todo tém sido formados, seguindo codifi« cages informatizadas.? é ‘Uma outra metodologia de pesquisa em aquisigao da linguagern, a de tipo [iansversal, baseia-se no registro de um nimero relativamente grande de sujeitos, muitas vezes classificados por faixas etériagy/Embora ndo exclusivamente, @ U 2. Um exemplo de uma dessas transcrgSes, codificadas segundo o CHAT, eéigo e transcrigio. ‘do programa CHILDES de banco de dades, pode ser encontrado no site itp: /cildes psyemu.edu/. mon huis a pesquisa de tipo transversal geralmente também & do tipo experimentaltpor ‘oposi¢ao a naturalistico), em que os ir analisado sto isolados & e depois ‘Dados naturalisticos destinam-se sobretudo a andlise da produgdo; os ex- perimentais prestam-se mais 4 observago e andilise da percepgo, compreens’io processamento da linguagem pela crianga. De qualquer maneira, deve-se sem- pre ter cuidado com a visio ingénua de que os jonais “falam”. A ‘metodologia adotada e a pripria selegaio dos a eereerer a que norteia a pesquisa. A Aquisigao da Linguagem é, pelas suas indagagdes, uma drea hibrida, heterogénea ou multidisciplinar. No meio do caminho entre teorias linguisticas © psicolégicas, tem sido tributéria das indagacdes advindas da Psicologia (do Comportamento, do Desenvolvimento, Cognitiva, entre outras tendéncias), da Linguistica, No entanto, na contramao, as questdes suscitadas pela Aquisi¢ao da Linguagem, bem como os problemas metodolégicos e tedricos colocados pelos préprios dados aquisicionais, tém, néo raro, levado tanto a Psicologia (sobretudo a Cognitiva) e a propria Linguistica a se repensarem e a se renovarem; Por isso & que se da Lingua arena privilegiada de cnc RS SaOMRrragtes ims iccogie Cuts com também das Neurociéncias.? Hoje em dia, a Aquisigdo da Linguagem alimenta os t6picos recobertos pela Psicolinguistica,* além de ser de interesse central nas Ciéncias Cognitivas e mesmo nas teorias linguisticas, sobretudo nas de inspiragdo gerativista, como veremos mais detidamente abaixo. A area recobre muitas subareas, cada uma formando um campo proprio de estudos. Eis algumas delas: (1B), aquisigdo da lingua materna, tanto normal quanto ‘brindo os componentes “tradicionais” dos estudos da linguagem, como = semintica ¢ pragmitica, sintaxe e morfologia, aspectos co- ios”, reco- 1unicativos, interativos e discursivos® da aquisigao da lingua materna. 3. Mais apropriadamente, a Ciéncia Cognitiva, uma grande rea multidisiplinar que congre- ga interesses da Linguistica, da Psicologia, da Filosofia, da Cigneia da Computagio, da Inteligencia Artificial, da Neurociénca, entre outros, tem tomado © lugar da Psicologia Cognitiva e da propria Psicolinguistica como tum grande campo de indagacSo sobre a aquisio de conhecimentoe sobre o funcionamento da mente, campo este que reserva tim espago especial para questées da linguagem ‘esua aquisiio, 4. Ver o capitulo “Psicolinguistic”, neste volume 5. Ver os capitulos “Fonologia", “Morfologia” e Sintaxe”, no volume I desta obra € 03 capita los “Semantica”, “Pragmatica”,“Andlise da Conversagio” e"Andlise do Discurso”, neste volume. mogul unc * espeeifica da espécie, dotagdo genética e nfo um conjunto de comportamentos verbais; € adquirida como resultado icadear de um dispositivo inato, inserito na menté#Tornou-se famosa a polémica criada pela publicagio, em 1959,* da devastadora resenha de autoria do entio jovem Chomsky do livro Comporiamento verbal de Skinner. Nela, o linguista posiciona-se contra a visdo ambientalista de aprendizagem da linguagem. Chomsky comega por rejeitar a projegtio das evidéncias skinnerianas, provenientes de experimentos laboratoriais com animais, para a linguagem humana, especifica da espécie, resultado de dotacdo genética e inscrita na mente do sujeito falante Emitter argumentando que as estruturas de condicionamento ¢ sndizagem, se- ‘gundo'asquais um modelo A. at iprendiz, por mecanismos de contingenciamento ou imitago, como A’, nem de longe comega a explicar a.complexidade e sofisticago do conhecimento linguistico (na primeira versio da teoria chamado de competéncia linguistica), que tem bases bioligicas rque genéticas) e, portanto, universais. Os enunciados produzidos pelo falante € as proprias linguas do mundo sto manifestagdes da faculdade da linguagem. Assim, a crianga que aprende a sua lingua nativa é uma imagem a que Chomsky retorna nope samen Adee sews irs escritos, de manei- ra a se tomar dificil sua teoria da linguagem de sua visto da aquisi argumento basico de Chomsky é: num tempo bastante curto (mais ou menos dos 18 aos 24 meses), a crianga, que € exposta normalmente a uma fala preciria, fragmentada, hela egfines tmnoudas, ‘ou incompletas, é capaz de Soba égide de “desvios”, contam-se: aquisigao da linguagem em surd | desvios articulatorios, retardos mentais ¢ especificos da linguag entre outros. aquisi¢do de segunda lingua, quer como bilinguismo infantil ou cult quer na verificagdo dos processos pelos quais se dé a aquisigao de gunda lingua — ou aquisigao sucessiva de mais de uma linguas que a materna — entre adultos e criancas, seja em situago formal eseo seja informal de imersio linguistica. Bonsiom da escrita, letramento, processos de alfabetizacao, relag entre a fala e a escrita, entre 0 sujeito € a escrita nesse processo, en outros t6picos. 2. TEMAS E ABORDAGENS TEORICAS SOBRE A AQUISICAO DA LINGUAGEM 2.4. 0 velho debate pendular sobre nature (natureza) versus nurture (criazao, ambiente), 0 inato e o adquirido. 0 biolégico e o social "Bs estudos sobre processose mecanismos de aquisedo da inguagem 1 maram um grande impulso a partir dos trabalhos do linguista Noam Chomsky no fim da década de 1950, em reagdo ao behaviorismo vigente na époc dro cientifico era, na época, dominado pela corrente behaviorista ou lista, dominante nas teorias d _ dominar um conjunto complexo de regras ou principios basicos que constituem seria fator de exposigdo a0 meio e decorrent ‘a gramitica internalizada do falante. Este argumento, constantemente reafirmado, ae geist pny € chamado de “pobreza do estimulo”. Um mecanismo ou dispositivo inato de te, em esséncia, da a pleas aquisicdo da linguagem (em inglés, LAD, language acquisition device), que andar de bicicleta, dangar, etc, labora hipéteses linguisticas sobre dados linguisticos primarios (isto é, a lingua ‘comportam i. Skinn ‘a que a crianga esté exposta), gera uma gramética especffica, que & a gramética influente no behaviorismo, parte de pressupostos tanto metodolégicos (c énfase na observabilidade de manifestagdes comportamentais, externas, m raveis, da aprendizagem) quanto teérico-epistemolégicos (coma a premi inacessibilidade & mente para se estudar 0 conhecimento, postura contr mentalista ¢ idealista nas ciéncias humanas) Prope, entdo, enquadrar a lit (ou “comportamento verbal”) na sucesso e contingéncia de mecanisn le estimulo-resposta-reforeo, que explicam 0 condicionamento e que estiio ase da estrutura do comportamento. = Chomsky adota uma postura mentalista e inatista na consideragao d¢ proceso através do qual o ser humano adquire a finguagem. A ling da lingua nativa da crianga, de maneira relativamente facil e com um certo grau de instantaneidade. Isto 6, este mecanismo inato faz “desabrochar” o que “jé est 14”, através da projegao, nos dados do ambiente, de um conhecimento linguisti- co prévio, sintético por natureza 6. sempre interessante voltar a estes trabalhos pioneiros. Recomendo tum passar de olhos em ‘Skinner (1957) e em Chomsky (1959), sendo que este timo contibulu para langar Chomsky no debate cientifico de sua época. Esse traballos também contribuem para sma melhor compreensio dos fundamentos epistemolégicos da polémica behaviorismo 0s inatism, parte da velha polémica secular empirismo 2s. racionalism. Wa usu No bojo de modificagdes e reajustes que a teoria gerativa sofreu num gundo momento,’ introduzindo a chamada teoria de principios e par argumento da “pobreza do estimuulo” foi retomado ¢ refraseado com uma ati francamente platonista frente & linguagem. pa do estimu'o”, importantes argumentos em prol do inatismo, a ectiiorod pred de Platdo, a0 qual, segundo o linguista, filiam-se as questdes centrais relativas linguagem. O probl. dda seguinte maneira: ser humano - ¢ fragmentrias? Transferindo para a linguagem, essa questo quer dizer que o conheci to da lingua € muito maior que sua manifestagao. Assim, a linguagem culada ’smos inatos da erecta aera ; ‘num dominio cognitivo e biolégico, admite que o ser humano vem equipado, estigio inicial, com uma Gramatica Universal (GU), dotada de principios ‘versais pertencentes 4 faculdade da linguagem, e de pardmetros “fixados experigncia”, isto €, parémetros nao marcados que adquirem seu valor (=U através do contacto com a lingua materna. Esta teoria de aquisicio tem ‘chamiadla de “prinefpios e pardmetros” ou “paramétrica”.* Alguns dos pardmetros que tém sido estudados so: se a lingua opta por sujeito nulo ou por sujeit preenchido, por objeto nulo ou objeto preenchido, pela colocasiio dos clitico pelo tipo de flexdo ou estrutura temitica do verbo, et 2 minantes da aquisigao da lingua 7. Ver Chomsky (1981, 1986). Mais recentemente, Chomsky (1995) modifca o aparato di tivo da gramética, mas no a visio sobre oinatsmo, 8. Ver, a respeito da fixagio de pardmetrose sobre os concetos e interpretacées da aguis pparamétrica, Radford (1990), Lightfoot (1991), Galves (1995), Melse! (1997) e Lopes (2007), ‘outros. Citam-se, entre outas, ts tendéncias na chamada “aquisicio paramétrica’, como se vvencionou chamar os trabalhos sobre aquisigio da linguagem de inspiragao gerativista: (i) hip 4a competéncia total (Hyams, 1986) — todos os prineipios da Gramética Universal estio dispond paraa.crianga desde ocomeso e suficiente uma exposigo minima aos dads lingutsticos pr paraa fixagio de pardmetos; (i) hiptese da aprendizagen lexical (Clahsen, 1992) —todtos os da Gramitica Universal esto disponiveis, masa aprendizagem de novos itens lexcas e cos eseustragos guia odesenvolvimentosinttico; (i hpétese maturacional(Raord, 1990) —alg principios da Gramétiea Universal precisam maturar antes que as categoras funciona seam, uiridas aout Anau 7 © problema Orwell/Freud, i lista, para questes sociais, historicas e politicas, ou para os jio-historico-psica- - nalitico-ideolégicos do uso da linguagem, que fogem & algada da teoria tica, Este “problema de Orwell/Freud” parafraseia-se assim: como pode o ser hhumano saber téio pouco e evidéncias tdo ricas e numerosas? — Em suima, no processo de aquisigo da linguagem, a crian input (con) ane ‘Numa primeira versio da teoria, postu gramaticais, mais um procedimento de avaliagao ¢ descoberta, presentes no Dispositivo de Aquisigdo da Linguagem (LAD); ao confronté-las com 9 input, a crianga escolhe as regras que supostamente fariam parte de sua lingua (Chomsky, 1957, 1965). Num segundo momento, postula-se que a crianga nasce pré-progra- mace com prinelppa Sonispaia). bm conjunto de pardmetros que deverdo ser fixados ou mareé ‘com os dados da lingua & qual a crianga esti _exposta. A crianca nao escolhe mais as regras, nesta versao de principios ¢ pari ‘metros, mas valores paramétricos. contexto) oul tica de uma ‘A que tipo de dados ou a que quantidade de dados linguisticos a deve ser exposta? Alguns autores (Lightfoot, 1991) afirmam que cisa ser exposta a uma quantidade relativamente pequena de rae ‘mente a algum gatilho crucial, ‘cldusulas simples, a fim de des- cobrir que caminho sua lingua mat u. Uma vez descoberto tal caminho, ela ja sabe, automaticamente, através de pré-programacdo, um bom tanto sobre como funcionam as Iinguas daquele tipo. A aprendizibilidade é, assim, uma questao tedrica central da teoria paramétrica de aquisicao da linguagem. €a linguagem aprendivel, se se pode s6 contar com as migalhas de fala gue pistas suficientes para o estado final daring a ser aprendida? Este € também chamado de “problema légico da aquisigo da linguagem”: como, logicamente, as criancas adguirem uma lingua se nao informagao suficiente para a tarefa? A resposta logica & que trazem uma enorme quantidade de informagdes a que Chomsky chama de Gramitica Universal, que “uma caracterizagdo destes prineipios inatos, te det 0s, {que constitutem 0 componente da mente humana —a faculdade da linguagem”’ Deve ainda ser lembrado que, de acordo com os prineipios chomskianos, as ntre as linguas do mundo ndo sto assim tao grandes do vis- ‘Bramatical, o que ajuda a explicar o universalismo (Chomsky, 1993). dite Stico,g 9. Chomsky, N. Knowledge of language is nature, origin and use. Londres: Praeger, 1986, p24 a perceppfio, a meméria e a inteligéncia, & indireto, ¢ a aquisigio da Fingu — ou o desencadeamento-da'Gramatica de cre ‘menos de interago social. As colocagées inatistas de Chomsky suscitaram uma série de estudos, & partir dos anos 1960, que se concentraram sobretudo na chamada fase si isto é,a de andlise pende para 0 estudo da aquisigao de gi crianga por volta do seu segundo ano de vida, quando a crianga ja produzir enunciados de mais de uma palavra. Recentemente, com novas dda teoria, os trabalhos aquisicionais gerativistas vém crescentemente a metodologias experimentais com 0 fito de melhor acessar a compreensiio crianga de tracos, categorias e dominios gramaticais adquiridos.lMIA visdo i ta tem sido contestada ou complementada por visbes nlio modularistas, segunda ‘as quais a linguagem interage ou de outros médulos ou dominios cog- nitivos ou contexto social-interativo, Entre elas, veremos duas, que tém sido bem influentes e que, junto com trabalhos de cunho gerativista, tém norteado 0s es tudos na area. Sao elas: que veremos a seguir. 2.2. 0 cognitivismo construtivista: Piaget, Vygotsky _Aideia de que a aquisigdo e o desenvolvimento da linguagem sto d cognitivismo construtivista ou epi tudos do epistemdlogo suigo J. Piaget, segundo o qual o aparecimento da lit 10. Ver, especiticamente, Correa (2006) e Lopes (2008), para mais detalhes. 1. Estas duas denominagdes evocam a proposta de explicacio da origem e de desenvolvimes todas estruturas do conhecimento (cognitvas) através da interagio entre ambiente e organism. ercouglo hunch ey Neste estégio de desenvolvimento cognitivo, numa espécie de “revolugao coper- nicana”, usando as palavras do proprio Piaget (1979), di-se 0 desenvolvimento da fungao simbélica, por meio da qual um significante (ou um sinal) pode repre~ far um objeto significado, além do yolvimento da Fepresentagao, pela inal experienc pode oer armazenada € recuperada, Estas duas fungdes estiio. jue ocorrem concomitantemente € estreitamente freitamenteligadas rocessos ¢ ‘que colaboram para = re Piaget si ecanigenteT presente no perioda sensorio-motor, segundo o q. ‘ago Jetenleins oye a poisaeeo paaeRea See aE “Tonte de suas agdes”.!” Em outras palavras, a indiferenciagao cognitiva entre 0 "sujeito © 0 mundo ou pessoas que o cercam. Esses trés processos s40 0s relacio- nados a segui & da descentralizacdo das agdes em relagao ao corpo proprio, isto é, entre sujeito e objeto (ou entre “eu” e “o outro” ou “eu” € “o mundo”); 0 su jeito comega a se conhecer como fonte ou senhor de seus movimento: (B)-0 da coordenagao gradual das agdes: “em lugar de continuar cada uma a formar um pequeno todo em si mesmo”,! elas passam a se coordenar para constituir uma conexao entre meios ¢ fins; » oda permanéncia do objeto, segundo 0 qual o objeto permanece o mes- ‘mo e igual a si proprio mesmo quando nao esti presente no espago perceptual da crianga. Por meio de (a), (b) ¢ (©), & possivel o uso efetivo do simbolo, da represen- taco de um sinal por outro, de exercer o principio de arbitrariedade do simbolo. A cetianea passa, por exemplo, a ser eapaz de usar uma caixa de fésforo para “fazer de conta” (representar) que é um caminhaozinho, Assim também, para a crianga, um objeto, se deslocado do seu campo perceptual, continua existindo {isto &, 0 objeto torna-se permanente). Com a linguagem, 0 jogo simbélico, a imagem mental, as sucessivas coordenagdes entre as agdes ¢ entre estas € 0 su- jeito, surge a possibilidade de intemalizar e conceptualizar as agdes: “(..) com mais capacidade de se deslocar de A para B, o sujeito adquire o poder de repre= sentar a si mesmo esse movimento AB e de evocar pelo pensamento outros deslocamentos”."* 12. Piaget, J A epstemologin genttice Sto Paulo, Abril, 1979, p. 1. (Série Os Pensadores), 13. idem, p.8. 4. tbidem, p. 1 0 ssa + woes Quando essas conquistas cognitivas se unem, na superagao da inteligéncia sens6ria e motora, a caminho da inteligéncia pré-operatéria de fases posteriones, surge a possibilidade de a crianga adotar os simbolos piblicos da comunidade ‘mais ampla em lugar de seus significantes pessoais: em outras palavras, a linguae xem se torna possivel (jé que a linguagem é entendida, por Piaget, como um sistema simbélico de representagdes), assim como outros aspectns da fungiio as geral, como é o desenhar. 1 su ens mal se distinguia da de criangas da mesma idade que tiveram condigdes normais de desenvolvimento, Ela dizia, por exemplo: “What did Miss Mason say when you told her I cleaned my classroom?” (O que a senhorita Mason disse quando eu Ihe contei que limpei minha sala de aula?) Genie, entretanto, nfo teve a mes= ma sorte, Descoberta em 1970, com quase 14 anos, tinha vivido toda sua vida em condig6es sub-humanas. Confinada a um cubiculo desde a idade de 20 meses © agredida fisicamente pelo pai quando emitisse qualquer som, nao falava nada. ‘Apesar de, depois de resgatada, ter aprendido a falar de modo rudimentar, pro- gredia mais lentamente que uma crianga normal. Eis um exemplo do que ela conseguia dizer, depois de anos de aprendizado: “Mike paint” (Mike pintar); “Applesauce buy store”. (Puré de mag comprar loja); “Neal come happy. Neal not come sad”. (Neal vir contente. Neal nio vir triste). Genie demonstrava, poré grande habilidade em memorizar vocabulétio. No entanto, memorizar listas itens lexicais no evidéncia de saber falar uma lingua. O caso mais recente foi 0 de Chelsea, deficiente auditiva que fora incorretamente diagnosticada como mentalmente retardada e por isso criada numa cidade remota do nore da Cali- fornia. Aos 31 anos de idade, ela foi encaminhada para um neurologista, cuja primeira providéncia foi instalar um aparelho de audieao, que fez melnorar mui- to sua capacidade auditiva. Foi s6 ento que Chelsea comegou a aprender sua lingua materna, sob tratamento intensivo com uma equipe especializada, Ela tinha um vocabulario razodvel, lia, escrevia, comunicava-se ¢ trabalhava, Sua linguagem, porém, ficou agramatical. Eis alguns exemplos: “The small athe hat” (O pequeno um o chapéu); “Banana the eat” (Banana a come). Aitchinson (1989) ressalta que tais casos, além de isolados, devem ser tomados com cautela q to a representarem evidéncia cabal em prol da existéncia de um periodo critic de aquisigao da linguagem. E possivel, lembra a autora, que a extrema privagao_ fisica, comunicativa e emocional de Genie tenha propiciado um certo-retardo mental: scu hemisfério esquerdo € levemente atrofiado. Genie € Ctelsea tém, portanto, problemas néo linguistics que podem explicar, pelo menos parciale ‘mente, sua linguagem rudimentar, q Em relago ao segundo argumento, é corrente na literatura a afirmago {que as criangas portadoras de sindrome de Down e de Williams seguem as mes ‘mas trilhas na aquisigdo e desenvolvimento da linguagem que crangas nao portadoras desta deficiéncia, mas muito mais lentamente.** O consenso, até pou- ‘co tempo atras, era de que essas pessoas nunca conseguem alcangar a crianga normal porque sua capacidade aquisicional diminui bastante depois da puberda- 24, Ver Camargo e Scarpa (1996), para detalhese discussio. rook Auch a de, Mais recentemente, essa explicago tem sido constestada pelo fato de que ha grandes diferencas individuais no desenvolvimento linguistico de portadores da sindrome de Down (Camargo e Scarpa, 1996), de tal maneira que ha desde crian- ‘a8 que param num estigio estivel de aquisigdo bem antes da puberdade, até jovens que continuam seu processo de aprendizagem tanto de diferentes moda- lidades discursivas, como o desenvolvimento de processos bem criativos e aut6- nomos de escrita 44 com relagZo ao tereeiro ponto, até pouco tempo atrés, achava-se que 0 processo de lateralizacao cerebral ocorria aproximadamtente dos 2 dé idade — periodo este estipulado como coincidente com o “periodo critico” de aquisigao da linguagem. Pesquisas neurolinguisticas mai yrém, mostram que a lateralizagio comega on nea Ta, de ‘vida. Assim como nao hd evidéncias de um stibito comego do periodo critico por volta dos 2 anos, também ndo hi evidéncias cabais de um siibito cessamento _depois da adolescéncia, Por outro lado, cada vez mais hé evidéncias que contes- tam a especializacdo hemisférica compartimentada da linguagem.:* Por iltimo, um argumento contencioso tem sido a contraposigdo entre 0 bilinguismo infantil, o bilinguismo sucessivo na infincia ou adolescéncia ¢ a aquisigao de segunda lingua na idade adulta. De acordo com interpretagdes ina- tistas, o que pode explicar a dificuldade do ailtimo em contraposigao 4 facilidade «enaturalidade dos dois primeiros seria 0 acesso — ou a falta dele —a Gramati- _c Univer por parte do aren. Esa dacs tem servido de labora para teorias de aquisi¢a0. Apesar de haver discordancias mesmo entre os adeptos da teoria gerativa, uma interpretago mais ou menos com i __primeiros casos, a GU esta disponivel e dela desenvolvem-se duas ou mais lin- guas. Jd a disponibilidade & Gramética Universal no é tio dbvia em casos de aquisigfio de segunda lingua por adultos. Segundo Meisel (1993), a aquisigao de segunda lingua depois da adolescéncia nao é mais fungao de Gramatica Univer- sal, mas ¢ um processo cognitivo, de aprendizagem de habilidades. Dai se expli- ‘cam as fossilizagbes e julgamentos limitados de i « ‘No entanto, explicagdes ndo gerativistas desafiam esta explicacao. A difi” culdade de aquisigao de segunda lingua depois da adolescéncia tem sido revista, relativizada e reinterpretada. Argumentos interacionistas sdo levantados com relagdo as diferengas entre a aq lingua materna ou estrangeira na in- fincia e depois da adolescéncia. Contemplam diferentes fatores interativos e socioculturais-de aquisig&io nas duas situagdes, 0 que explicaria a extrema dife- 25. Vero capitulo “Neurolinguistica”, neste volume. ma sau» ees renga individual tanto no processo de aquisigdo de L2.em idade adulta, quanto no alvo a ser atingido: 0 grau de dominio do alvo pretendido € muito Fatores interativos também contemplam as modificagdes e ajustes da fala sim plificada, dirigida ao falante nao nativo da lingua; este tipo de fala (foreigner talk) & igualmente muito variada e de modo algum semelhante aos ajustes da fala dirigida a crianga, Mais recentemente, as diferentes relagdes do sujeito com a gua na aquisicao da lingua materna e na aquisi¢ao de segunda lingua ow lingua esrangeirs também tm sid invorade como cxpicsto pasos ats Gi diferentes tipos de meméria para lingua, e que a quantidade de expos gua, bem como o grau de experiéncia com ela podem SireatntociqguiieimnIT nati le ciodapinicadi 4, ESTAGIOS DE DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM Antes de mais nada, é preciso que se diga que o conceito de estagio é dind mico e nfo estitico, como aponta Perroni (1992, 1994). A autora afirma que sucessio de estigios nao se dé linearmente, e, para descrevé-la, a “m: spiral (€) mais apropriads ( ) que a dos degraus de uma longa escada” Se Dito isto, o que segue ¢ uma breve exposigao sobre os estigios de desen- volvimento lingufstico por que passa a crianga pré-escolar. cente (geralmente entre 6 e 12 meses). As primeiras palavras emergem entre € 12 meses, em média, embora a compreensao de palavras possa comecar al ‘mas semanas antes. Depois disso, as criancas passam varias semanas ou produzindo enunciados de uma palavra. No comego, a taxa de crescimento 26, Ver, a este respelto, Weissheimer, J; Mota, MB. Individual differences in working. ‘capacity and the development of L2 speech production. Isues in Applied Linguistics, x “7, 2009, 27. Perroni, M.C. Desenvolvimento do discursonarmatize. So Paulo, Martins Fontes, 1992, p. 10, 28. Ibidem,p. 10 swroouglo kunnen a” seu vocabulirio é reduzida, mas hé um sibito acréscimo nela mais ou menos entre 16 ¢ 20 meses. As primeiras combinagdes de palavras geralmente aparecem entre 18 © 20 meses e, no comego, tendem a ser telegrficas. LA pelos 24'a 30 ‘meses, hé outra espécie de explosdo vocabular, e aos 3 ou 3 anos e meio, a maio- ria das crianas normais dominou as estruturas sintéticas e morfoldgicas de suas Jinguas maternas. © quadro acima seria perfeito se no fosse to polémico e to cheio de contraexemplos, como as proprias autoras alertam. Para efeito deste texto, porém, ‘vou limitar-me a apontar alguns aspectos do desenvolvimento da linguagem na crianga, sobretudo baseados num prisma sociointeracionista, que pode acrescen- tar pelo menos certas nuances ao quadro acima delineado. Desde a ja ¢ inserida num mundo simbélico, em que a fala do outroa i Ihe imprime significado. Por outro lado, segundo alguns trabalhos, com alguns dias de vida a crianga tem uma reagao positiva aos sons da fala, que lhe so confortadores e gratificantes. A partir de algumas semanas de ‘a crianga ja consegue discriminar a fala de outros sons, ritmicos ou nao. ‘Com3, 4 meses de idade, os bebés comecam a balbuciar sequéncias de sons que se aproximam da fala humana. A frequéncia do balbucio aumenta e este comega a ser cada vez mais padronizado até cerca de 10 meses. O ritmo, a entonagao, a intensidade, a duragdo da fala, que no inicio sfo assistemiticos, comecam a ser recorrentes ¢ estruturados. AS silabas comegam a se estruturar (discriminago entre C e V) e se repetem (reduplicagao). ersais: Aparentemente, os Snake ssistes balbacis no canteen st is ‘08 sons do Balbucio inicial ndo sto especificos de sua lingua materna. As criangas surdas conseguem balbuciar nesta fase, embora depois disso nao acompanhem ‘0 desenvolvimento normal da crianca ouvinte. Conforme o balbucio se padroni- ‘2a, antes do aparecimento das primeiras palavras, a sequéncia ¢ 0 acervo de sons passa a se assemelhar mais as caracteristicas fonéticas da lingua materna. Os elementos prosédicos, como ritmo e entonagdo, so bastante salientes tanto na fala da crianga quanto na percepgiio que a crianga tem da fala do adulto. Sao recursos expressivos muito importantes, na falta de recursos léxico-gramaticais do adulto, Varios trabalhos mostram o ajuste mituo entre adulto e crianga nesta fase © o papel fundamental que estes elementos prosédicos representam ai. Alguns trabalhos apontam para os processos dialégicos que se instauram j& hesta fase. A contribuigao da crianga é gestual e -gestual & linguistica, através Seas pe 1s adeptos desta visio afirmam que 0 neiro os gestos da crianga, depois suas ‘manifestages Vocais, inclusive imprimindo-Ihes intengao, Desta maneira, a fala rin oe St elt fala do adulto através de seus gestos & © 0 proprio se vé “interpretado oti Um rapido langar de olhos aos dados de uma intera¢do verbal entre adulto ce crianga nesta fase mostra os processos de especularidade e complementaridade {que perpassa as emissdes de ambos os interlocutores. Exemplo: (1) Accrianga estende a mao para um brinquedo e vocaliza algo; a mie imedia~ tamente interpreta o gesto e a voz da crianga e responde com algo como: ‘au-au! (nomeando)... Eo au-au que vocé quer? (enquadrando o turno da crianga em algum significado ou numa cadeia de signos linguisticos) inhale RS cca ss coo especularidade € venta @ ise, expandindo seu No fim do periodo do balbucio, comegam a aparecer na fala da crianga as primeiras palavras reconheciveis como tais pelo adulto. Para algumas criangas, © balbucio cessa quando as primeiras palavras aparecem, mas outras criangas continuam a produzir sequéncias balbuciadas junto com as palavras, A produgio das primeiras palavras ¢ frases (incorporadas como um bloc. do discurso do interlocutor basico) mostra indeterminago semistica (o mesmo significado pode ser veiculado por um niimero bastante grande e variado de six nais), fonética (a variago fonética do sinal é grande) e categorial (0 mesmo significado pode ser expresso por uma boa variedade do que, na lingua adulta, pertenceria a categorias diversas). O que também se observa, na t ‘enunciados de uma ou mais palavras, é a ndio segmentabilidade de sequéncis sons em pal: litas vezes, frases int ng a nelas evidencia ‘a crianga analisa r iscretas. © que acontece ¢ que a crianga incorpora, junto com a sequéncia foni- ca, 0 contexto especifico que deu origem Aquele enunciado, como se vé nO exemplo abaixo, selecionado da fala de uma crianga de 1;7." (2) Tatente (td quente) para denotar café. ‘Assim, as formas maduras aparecam num primeito momento, en: contex de especularidade imediata de algum item da fala adulta. Num momento posteri 29, Na dea de Aquisia ca Linguagem, a convencio para expressar a idade des sueitos ponto ¢virgula() separa o niimero do ano do nimero dos meses, e ponto() separa ¢ nimero de meses do niimero de dias, Assim, hipoteticamente, em relagS0 a 17.10, deve-se ler “tm ano, sete meses der das”. oooh unalIOk ms ua forma desaparece para reaparecer adaptada ao sistema fonologico da crian- ‘5a muito tempo depois ou sua forma “menos madura’, variavel, percorrerd virios meses de mudanga até se tomar estavel. A forma “desviante” indica reorganiza- «g8es que a crianga empreende na sua trajetéria Linguistica. Com as primeiras palavras aparece também a flexdo ou a aparente flexio, Digo aparente porque em muitos casos nao ha ainda evidéncia de que realmente as flexdes representam morfemas categoriais ou de classes gramaticais como na linguagem adulta. Exemplo: 3) opossivel sufixo-eu, na fala de uma crianga, por volta de 1;7 a 1:8 "sendeu”, ccorrespondente ao adulto “acendeu”, nao indica passado, nem pessoa. Pode denotar: (i) anunciar aos presentes que acabou de acender ou apagar a luz ‘ou tocar a campainha de um telefone de brinquedo ou que esta prestes a realizar uma dessas agdes; portanto, neste caso, denota tanto uma agdo ‘completada quanto a intengo de realizar uma ago; (ii) pedir a0 adulto que faga uma dessas agbes; iii) momear o feixe de luz que entra pela janela. ‘O que este exemplo mostra é que nao se pode considerar a desinéncia -ew ‘como um morfema de tempo e pessoa. Mostra também que 0 que acontece com 6 Significado nesta fase de aquisigao é um fenémeno que na literatura é cha ‘mado de superextensdo ou supergeneralizacao, segundo 0 qual a faixa semén- tica de uma palavra é alargada a limites muito mais amplos que na linguagem do adulto (é conhecido o exemplo, em portugués, da palavra “au-au”, cujo sentido abarca pelo menos todos os animais de quatro patas, o bichinho de pelticia ea figura de animais). Uma posivel explicagao para a superextenso seméntica ¢ aquela nao restrita as propriedades componenciais do significado da palavra.” A crianga it via especularidade, todo ou parte do enun- ciado do interlocutor, emitido naque cific io, um n proceso t io do item em questo ‘para outras interagdes dialégicas, com a recorréncia ou a associagao @ outros discursos. Em muitos casos, ndo ha clara evidéneia, no come¢o, de segmenta- ‘gd ou andlise gramatical propriamente dita. A andlise (ou reanélise) se dé num ‘estigio posterior, com a reorganizagao do sistema da crianga, dentro de outros didlogos. Coincidentemente, as primeiras sentengas espontineas da crianga so jus- taposigdes de enunciados monovocabulares (de “uma palavra”) que ela produz 30, Ver o capitulo “Semantica", neste volume. 1 ssa «exes maneira de fala telegrifica. Por exemplo, veja a sequéncia de enunciados da fala de uma crianga de 1;10: (4) Babadoi (gravador) Chao Poe badadoi chao (pe o gravador no chio). (Os erros ou desvios da norma muitas vezes indicam, segundo alguns estu= diosos, que um processo de andlise e segmentagdo esté se instaurando, pois re- velam as hipdteses que a crianga faz sobre o objeto linguistico. Por exemplo, numa fase posterior & produgo aparentemente “correta” do sufixo verbal passado, a mesma crianga, com 1311, produz alguns itens que indicam a ad do sufixo a raizes nao verbais, o (observando 0 pica-pau de brinquedo descendo a haste, “bicando”-a), (observando a chegada do pica-pau na base da haste) (©) Guarda (da cama) (observando a mae baixando a guarda da cama) Guard (emitido apés a completude da agio por parte da mae). TB A colocagio do morfema fora de seu lugar usual indica que um processo de ands ests fetuandoe que a erin reorganiza seu sists ara psa para outros niveis de andlise e aquisigao. WBPER CepRELN ES compe «express HiemsLSSOaSTSnT APG tos (que implica, entre outras coisas, dominar linguistica e cognitivamente @ categoria tempo), relagdo causal entre eventos € uma provavel gramética d texto. No comego, a crianga ainda ndo domina estas categorias — sua

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