Garota Gay - Bom Deus - A Histori Jackie Hill Perry
Garota Gay - Bom Deus - A Histori Jackie Hill Perry
Garota Gay - Bom Deus - A Histori Jackie Hill Perry
Deus
Preston
Eden
Minha mãe
Santoria
Brian
Melody
AGRADECIMENTOS
Prefácio
Introdução
PRIMEIRA PARTE | QUEM EU ERA
1 | 2006
2 | 6000 a.C.—1995
3 | 1988
4 | 1989–2007
5 | 2006
6 | 2007
7 | 2007
8 | 2008
SEGUNDA PARTE | QUEM EU ME TORNEI
9 | 2008
10 | 2008
11 | 2008–2014
12 | 2009–2014
13 | 2013–2014
14 | você acredita em milagres?
TERCEIRA PARTE | ATRAÇÃO PELO MESMO SEXO E...
15 | atração pelo mesmo sexo e identidade
16 | atração pelo mesmo sexo e perseverança
17 | atração pelo mesmo sexo e o evangelho heterossexual
Posfácio
PREFÁCIO
JACKIE HILL PERRY E EU não poderíamos ter origens mais desiguais. Ela é
da geração do Milênio [geração Y]; eu sou uma baby boomer. Ela é negra;
eu sou branca. Ela foi criada por uma mãe solteira e rejeitada por um pai
ausente que não tinha a mínima ideia de como amá-la. Eu tive uma mãe
atenciosa e feliz no casamento, e um pai que adorava a esposa e os filhos.
Jackie é 16 anos mais nova que seu único irmão, enquanto eu tenho seis
irmãos e irmãs mais novos que eu.
Jackie é artista hip-hop. Eu sou formada em piano, tenho zero senso de
ritmo e gravito em torno de composições musicais anteriores a 1910. Ela é
uma poeta que usa as palavras com surpreendente habilidade para pintar
quadros ao mesmo tempo provocantes e evocativos na tela do coração. Meu
estilo oral e escrito tende a manter tópicos sequenciais, bem organizados e
delineados.
Jackie teve sua primeira experiência homossexual quando estava no
ensino médio. Eu não lembro nem mesmo de ter ouvido a palavra
homossexual, ou de ter conhecido alguém que assim se identificasse até
algum tempo depois de me formar no ensino médio. Ela não conheceu Jesus
até os últimos anos da adolescência; minha primeira lembrança consciente
de confiar em Cristo para me salvar foi aos 4 anos.
Minha ligação com Jackie me apresentou, entre outras coisas, a um
vocabulário expandido. Lembro-me, por exemplo, do dia em que ela e eu
estávamos enviando mensagens sobre um ministério no qual ela servia na
época. Ela me informou que se tratava de um “belo ministério da hora [em
inglês, dope1]”, ao que retruquei: “Da hora??”. De alguma forma, eu
desconhecia (como, depois, ela me explicou generosamente) que “da hora é
gíria para algo maravilhoso ou muito bom”. (“Isso me confundiu”, disse eu.
“Ainda bem que eles não estão usando drogas!”). Nós duas demos boas
gargalhadas.
Sim, nossa amizade tem sido bastante improvável. Contudo, por mais
diferentes que sejamos em muitos aspectos, nossos corações e nossas vidas
foram unidos pela necessidade em comum de um Salvador e pela graça
abundante que nós duas recebemos de Cristo. Além disso, compartilhamos
o amor pela Palavra de Deus, e ambas valorizamos e nos atemos à sã
doutrina não somente como algo verdadeiro e necessário, mas também
como belo e bom. Tudo isso, combinado com a observação de seus
profundos discernimento e sabedoria, e a forma como Deus está usando sua
voz firme e clara, tem feito de mim uma admiradora de Jackie (e de seu
marido, Preston).
Na providência de Deus, dois de meus livros, Mentiras em que as
mulheres acreditam e a verdade que as liberta2 e Buscando a Deus3 (em
coautoria com Tim Grissom), desempenharam papel significativo no
discipulado de Jackie como uma jovem crente. Em anos mais recentes, seus
escritos, palestras e atividades nas redes sociais têm feito parte de meu
próprio discipulado e aprofundaram meu amor por Cristo e o apreço pela
diferença que o evangelho faz em toda parte e partícula de nossas vidas.
Assim, foi uma grande honra quando Jackie me pediu para redigir o
prefácio de seu primeiro livro.
Ao ler seu manuscrito, encontrei-me, repetidas vezes, interrompendo
meu querido marido, que estava sentado ao meu lado, trabalhando em seu
laptop, para compartilhar com ele frases e parágrafos que me haviam
deixado boquiaberta. “Ela enxerga coisas que os outros não veem”,
comentou Robert. Ele está certo. Ela descreve essas coisas de uma forma
que a maioria de nós não consegue visualizar.
Tenho de admitir que hesitei um pouco quando ouvi pela primeira vez o
título proposto para este livro. Garota gay, esforcei-me mentalmente —
mas isso não é o que ela é hoje! Então, enquanto eu mergulhava no
manuscrito, comecei a entender que esse era exatamente o ponto. Jackie é
honesta e não faz rodeios na descrição de “quem ela era”, oferecendo o
pano de fundo perfeito para destacar e celebrar “quem Deus sempre foi”.
Seu entendimento e sua expressão das duas coisas — sua condição caída e
quebrantada, por um lado, e o amor e a graça do Deus redentor, por outro
—baseiam-se solidamente na verdade, conforme ele a revela em sua
Palavra.
Este não é um livro para ser lido de modo rápido ou superficial. Deve ser
saboreado e refletido, conforme Jackie vai olhando pelas lentes da Escritura
e de sua própria jornada para desvendar realidades duras, como ausência
paterna, abuso, atração pelo mesmo sexo, identidade, tentação, combate à
concupiscência com o evangelho e concepções equivocadas quanto à
feminilidade. Em tudo isso, ela aponta para um Salvador que ama os
pecadores e um evangelho que salva, transforma e guarda aqueles que vêm
a Jesus em arrependimento e fé — por mais semelhantes ou distintas que
suas histórias possam ser em relação à sua própria.
Conforme Jackie conclui:
Vale a pena contar o que Deus fez pela minha alma porque vale a pena conhecê-lo. Vale a
pena vê-lo. Vale a pena ouvi-lo. Vale a pena amar a Deus, confiar nele e exaltá-lo… Contar
o que Deus fez pela minha alma implica convidar você para adorá-lo comigo.
Portanto, venha, veja, ouça, ame, confie e exalte a Deus. Venha adorar!
Nancy DeMoss Wolgemuth
Setembro de 2018
N. T.: Em inglês, a palavra dope refere-se a drogas como maconha ou cocaína.
Nancy Leigh DeMoss, Mentiras em que as mulheres acreditam e a verdade que as liberta. (São
Paulo: Editora Vida Nova, 2013).
Nancy DeMoss Wolgemuth & Tim Grissom, Buscando a Deus. (São Paulo: Shedd Publicações,
2020).
INTRODUÇÃO
ESCREVI ESTE LIVRO por amor — uma palavra comum geralmente usada fora
de contexto. Esta obra não é uma comunicação errada de minhas intenções;
é produto direto delas.
Antes de escrever este livro, vivi as palavras que o compõem. No
passado, garota gay? Sim. E agora? Agora eu sou o que a bondade de Deus
faz com uma alma quando a graça a alcança.
Ao dizer isso, sei que já ofendi algumas pessoas. Não presumo que toda
mão que toma este livro concorde com toda letra negra contida em suas
páginas. Há muitas pessoas que, enquanto leem, não vão entender que ser
gay é algo que pode pertencer ao passado. Ou é o que você é, ou o que você
nunca foi. A esse respeito, discordo totalmente. A única coisa constante
neste mundo é Deus. Ser gay, por outro lado, pode ser uma identidade
imutável apenas se o coração não estiver disposto a se curvar. Há maior
complexidade nisso do que minha modesta apresentação permite. Quero
encorajar as pessoas que hesitam em virar a página devido à minha visão
pessoal sobre a verdade a continuar a ler. Reconheço que tenho muito mais
a dizer sobre ser gay e sobre Deus de um ponto de vista contracultural, mas
espero que também seja algo provocante a ponto de ser considerado em sua
perspectiva maior.
Existem outras pessoas que conhecem apenas o amor hétero, o que faz
de um livro como este o estudo do desconhecido. Essas pessoas são cristãs
(do tipo “Sempre fui um cristão hétero”) para quem este livro também foi
escrito. Nem sempre tenho amado da forma como outros têm amado a
comunidade gay. Entre a bandeira pintada do ódio e o silêncio interpessoal,
meu amor pela igreja me move a procurar escrever algo equilibrado — algo
que possa tornar o amor segundo o qual foram chamados a caminhar em
uma prova tangível de como Deus é.
Este livro, contudo, não deve ser confundido com as próprias Escrituras.
Queira Deus que traga benefícios para a igreja, mas estas palavras não
devem ser tidas como as mais importantes para a igreja. Esse papel pertence
à Palavra de Deus. Este não é um apêndice para as Escrituras; resume-se
simplesmente a contar uma história impactada pelas Escrituras, com
instruções práticas obtidas na vivência das Escrituras. Meu amor pela
comunidade LGBT me faz muito desejosa de ela conhecer a Deus. Meu
amor pela igreja me leva a desejar que ela mostre Deus ao mundo tal como
ele é, e não como preferiríamos que ele fosse. Este livro revela meus
esforços para alcançar este fim. Sair do estilo de vida gay para entrar num
mundo totalmente novo de amar a Deus do modo dele é algo muito louco
— uma loucura tão satisfatória que leva você a voltar a ser santa ou a
transforma em alguém melhor. Se eu fosse atribuir a essa experiência outro
adjetivo, diria que é “dura”. Uma dureza bem semelhante a uma montanha
que foi fustigada demais pelo céu para ser escalada. Mas até as montanhas
podem ser movidas.
Para esses santos, meu amor é um ajuntamento de minha vida, de minhas
falhas, vitórias e de tudo que aprendi a respeito de Deus, editado e
transformado em texto para que leiam. E, à medida que forem lendo, pode
até haver um suspiro profundo dizendo: “Ela entende disso”. Melhor ainda
seria se suspirassem, bem de seu íntimo, algo como: “Deus é bom”, seguido
por “Todo o tempo!”. Essas são demonstrações de quantas vezes Deus
salva. Que existam mais garotas e rapazes gays que foram feitos novos por
um bom Deus! Para eles, estas palavras vêm a calhar, para que saibam que
não estão sozinhos.
Ao escrever este livro, eu me revelei. Ou seja, sou tão sincera quanto sei
ser. Nunca fui de fingir. Quando, na condição de nova crente, fui
apresentada à forma típica como alguns crentes falam de si mesmos e de
suas vidas nos termos mais belos, recusei-me a ceder ao conveniente
infortúnio de ser ambígua quanto à verdade. Se a verdade é o que nos
liberta, por que não andar nela sempre? Com sabedoria e amor, claro, mas
também segundo a realidade de que é na verdade que começa a liberdade.
Finalmente, neste livro que ora você tem em mãos, toda frase busca
exibir a Deus. Deixar este lugar cheio de palavras com um entendimento
desenvolvido a meu respeito e uma revelação superficial de Deus tornaria
sem valor todo o meu esforço. Este é um livro que tem muito de mim, mas
muito mais sobre Deus. Ele é aquilo de que a alma precisa para descansar, e
a mente demanda para ter paz. Ele é o Deus Criador, o Rei da Glória, aquele
que, em amor, enviou Cristo para pagar a pena e tornar-se o pecado no qual
todos nós nascemos. São as palavras desse Cordeiro de Deus ressurreto, e a
seu respeito, que, espero, subirão das páginas para penetrar o coração. Este
livro é uma mão erguida, um louvor alegre, um hino necessário, uma aleluia
ouvida e não silenciada. Esta obra é a minha adoração a Deus que, com
oração, espero que deixe você exclamando: “Deus é tão bom!”.
Jackie Hill Perry
PRIMEIRA PARTE | QUEM EU
ERA
1 | 2006
Os pais não têm como ajudar, mas eles transmitem as coisas a seus
filhos. Toda vez que eu ficava ao lado da minha mãe, alguma piada que nós
duas conseguíamos captar pegava de jeito nossas bocas — então,
explodíamos em gargalhadas. Por trás dessas gargalhadas, era possível ver
aquela falha nos dentes e perceber que éramos parentes. Que ela me dera
algo que fora dela a vida inteira, só porque eu nasci portando seus genes.
Muito antes de minha mãe ter boca para sorrir, ou que a mãe dela tivesse
mãos para limpar folhas de couve (mãos de uma mulher com olhos de
escrava, feições de africana roubada e sobrenome de europeu), houve duas
pessoas que viram primeiro a face de Deus. Naquele tempo, Adão e Eva
eram bem diferentes. Estou certa de que eles se mantinham tão altivos e
fortes quanto Deus intentou que fossem, com a pele que quase reluzia de
glória, como os bebês que eles nunca tiveram de ser. Mas a aparência deles
tinha mais a ver com aquele a quem refletiam do que com quanto podiam
ser atraentes. Quando foram criados, seus corpos e almas não tinham
manchas — eram limpos, quase tão transparentes quanto o vidro, através
dos quais viam seu Criador. Deus não podia ser comparado a nada mais
além de si mesmo; nem podia ser facilmente descrito pelas coisas que ele
havia criado. Palavras como magnífico, surpreendente, maravilhoso ou de
tirar o fôlego são simples demais, chegando mesmo a ser quase indolentes
para descrever o Deus Santo.
Se pudéssemos, enquanto tomamos um cafezinho, perguntar a Adão qual
palavra lhe veio à mente no instante em que ele exalou e viu Deus pela
primeira vez, provavelmente Adão responderia: “Bom. Eu o vi e soube que
era bom”. Alguém que nasceu depois de Adão provavelmente diria para si,
para não parecer irreverente: “Bom? Será que essa é a melhor palavra que
ele consegue para descrever Deus? Puxa, até mesmo eu sou bom”. A dúvida
sussurrada era o sorriso familiar, os olhos idênticos, os ossos da face
compatíveis e as mãos ocupadas. E foi Adão, e não Deus, quem passou isso
a todos nós.
Tudo começou depois que a esposa de Adão, Eva, que fora criada de
uma costela sua, começou a conversar com um dos animais a que seu
marido tinha dado nome. A serpente, conforme Adão determinou que seria
chamada, era sorrateira. Tinha o tipo de caráter que uma mulher idosa
detectaria tão logo ela entrasse na sala. Não é mencionado se, quando a
serpente se aproximou de Eva, teve a decência de se apresentar. Dizer a ela
seu nome podia tê-la confundido, ou pior, dado a ela a chance de lhe
perguntar de onde viera. Adão deu-lhe o nome de serpente, mas aquela que
estava falando era conhecida por todos os demônios do inferno como
Satanás. Por ser sagaz, o animal limitou-se a fazer, inicialmente, algumas
poucas perguntas. Podiam guardar a parte “conhecer melhor quem você é”
para mais tarde.
Não sendo chegado a uma conversa fiada, foi questionar diretamente
algo que Deus dissera ao seu esposo pouco tempo depois de tê-lo criado.
Deus, após fazer os céus, a terra e tudo que neles há, colocou Adão no
jardim do Éden. Em volta de Adão, havia árvores, muitas delas — todas
agradáveis aos olhos e com bons frutos para comer. Bem no meio, havia
uma que não era mais espetacular que as outras, mas tão bela quanto todas
as demais. Seu nome era “A árvore do conhecimento do bem e do mal”. Foi
dito a Adão que todas as árvores eram para seu proveito, pois o próprio
Deus as havia plantado para seu deleite, e que produziriam os melhores
frutos que ele jamais havia provado. Cada porção lembraria a bondade que
ele vira no dia em que veio à vida. Porém, o ato de comer o fruto da árvore
do conhecimento do bem e do mal o levaria à morte. Deus disse que, de
fato, isso aconteceria e, como quer a santidade, ele não mentia ao dizer isso.
Como uma criança, eu precisaria aprender a escrever. Ou colocar juntas
nove letras para tecer meu primeiro nome, mas ninguém teve de me ensinar
sobre alegria. Saí do ventre já pronta para sorver alegria. A primeira
mamada de leite agradou ao meu paladar antes mesmo de cair na minha
barriga novinha em folha. Com isso, eu não me sentia feliz apenas por estar
saciada, mas pela experiência de sabor do alimento. Um sorriso discreto
crescia em meu íntimo por causa disso.
Quando cresci e fiquei mais velha, encontrei outras alegrias: amigos,
desenhos animados, dormir na casa de amigas, feiras, abraços, brinquedos,
chocolates, a manhã de Natal e risadas. A bondade de Deus se espalha por
tudo que ele fez (e eu estou incluída nisso), dando-me a capacidade de
sentir prazer nos portadores de sua imagem e no que ele criou com suas
mãos. Alegria nunca foi o problema. Nossos corações, que se inclinam para
longe do prazer verdadeiro naquele que nos criou, é que nos deixam inertes
quanto a como, ao quê e a quem nos dá alegria autêntica.
De volta ao jardim com Eva, a serpente começou a falar:
(...) É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a
mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no
meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais.
Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia
em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e
do mal. Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore
desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e
ele comeu. Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram
folhas de figueira e fizeram cintas para si. (Gn 3.1-7)
EAST SAINT LOUIS FICA A um pulo, um salto, de Saint Louis; basta atravessar
o rio Mississippi para chegar a Saint Louis. As duas cidades localizam-se
em dois estados diferentes, mas sempre acabam compartilhando seus
habitantes. Nas sextas à noite, isso era mais frequente. As pessoas negras na
casa de seus 20 ou 30 anos atravessavam a ponte que ligava Missouri a
Illinois, encontravam um clube à altura de suas noitadas e iam dançar. Com
a música mais alta do que o lamento, as pessoas se esqueciam de suas
jornadas de nove às cinco, deixando-as em casa, para ser tão jovens quanto
quisessem ser.
Uma mulher, com altura mal chegando a um metro e sessenta, com um
sorriso de um milhão de risadas e os olhos de alguém cujas lembranças são
frias e brutais ao toque entrou no clube. Exalou um suspiro de alívio quando
sentiu uma lufada de ar no rosto. Aquela noite de julho deixara uma marca
de suor em sua têmpora. Isso funcionou em seu benefício, dando-lhe a
aparência de quem roubou um pouco da luz da lua para enfeitar o próprio
rosto. O cabelo era de um corte propositalmente assimétrico, espelhando o
rosto como de toda mulher negra viva em 1988. Afastando a parte mais
comprida do cabelo para o lado, ela percorreu com os olhos o salão para ver
se encontrava um lugar vazio. Após encontrar, sentou-se à espera de um
amigo enquanto se divertia. Era como se não tivesse nenhum problema
como sua companhia.
Ao lado da porta, ela reconheceu o jovem que entrava. As luzes estavam
fracas, mas brilhavam o suficiente para iluminar seu rosto. Era difícil deixar
de notar seus profundos olhos negros, fixos sob um par de sobrancelhas
compridas e negras, uma delas com uma cicatriz bem no meio. Talvez fosse
um sinal de seu hábito de deixar as coisas quebradas atrás de si. Ele a viu,
sentada entre amigos, e abriu um sorriso torto em sua direção. Esse sorriso
fazia a maioria das mulheres se esquecer do bom senso. Mas essa mulher
era a chefe do jovem, dez anos mais velha que ele. Era crescida demais para
estar desesperada, mas suficientemente sensível para saber que ele era
ótimo.
Poucas semanas antes, eles haviam sido apresentados por um amigo em
comum. Ele acabara de sair do Exército e precisava de um emprego na área
civil. Ela era gerente de um restaurante e estava disposta a lhe dar um
uniforme pelo qual não teria de aprender a atirar para vesti-lo. De início, ela
não se impressionou com a presença daquele homem. Para ela, o jovem não
era diferente de qualquer outro que estava em sua folha de pagamento.
Após bater seu ponto e cheirando a dia de folga, ele atraiu sua atenção.
Daquele momento em diante, tornaram-se amigos. Não saíam para
encontros amorosos; só saíam para comer. Havia tempos em que ele ficava
na casa dela e ria a noite toda; quando isso não acontecia, simplesmente
saíam para passear. Quando o jovem falava, ela via quanto ele conseguia
guardar dentro de si. Via que ele ocultava as coisas — ideias, medos, fatos,
rostos, fantasias que só vinham à tona quando ele sentia vontade de falar.
Ele fazia perguntas que ela nunca soube se saberia responder. Ela aprendeu
mais a respeito de sua mente ao interagir com a dele.
Não era seguro presumir que o fato de ele estar por perto significava que
estivesse disposto a permanecer. A amizade deles era composta de fios
tênues destinados a jamais ficar juntos. Mas isso não os impedia de se
relacionar sexualmente vez ou outra. Dois meses depois de se tornarem
amantes, jamais rotulando a situação como sendo dessa natureza, ela se deu
conta de que nada que tomasse para atenuar suas náuseas recorrentes
parecia funcionar. Duas colheres de remédios antieméticos depois de um
estômago cheio era totalmente inútil. Além disso, os jeans que ela usava
continuavam encolhendo ou suas coxas estavam se tornando mais
volumosas dia após dia. Achando que uma menopausa precoce seria a razão
da traição de seu corpo, ela foi ao médico. Então, descobriu que não eram
os hormônios da menopausa que a atormentavam. Eu estava crescendo
dentro dela.
“Quero fazer um aborto”, declarou minha mãe. Do outro lado da linha,
estava sua melhor amiga. Elas se conheciam desde os 4 anos de idade.
Quando Dwight D. Eisenhower era o presidente e muitas mulheres
tinham bebês que não queriam ou não tinham condições de criar, mas não
tinham dinheiro para impedir que viessem, deixavam que os bebês
crescessem de qualquer jeito. O grosso fio branco de extensão que vinha
por trás do telefone ficou preso entre seu punho e o antebraço. Ela mudou o
fone de ouvido para desenrolar o fio. Isso só aumentava a frustração que ela
sentia queimar em suas mãos. “Não quero ter um bebê desse jeito.”
O que ela queria dizer é que não queria ter um filho com ele. O colega de
trabalho que se tornara amigo e, em seguida, se tornara amante. Ele era o
“jeito” pelo qual ela nunca quis trazer mais um bebê ao mundo.
Seu primeiro filho, meu irmão, já tinha 16 anos. Ela o tivera com um
homem a quem amava, e que também a amava. Ela e o pai do meu irmão
saíam juntos em encontros amorosos, faziam planos para passar o tempo
juntos e chamavam um ao outro com nomes como “Baby” e “Doçurinha”.
Meu pai era um homem de 25 anos com um belo rosto e nenhuma ideia de
como se aquietar e amar qualquer coisa que pudesse tornar-se consistente.
O relacionamento dos dois era muito complicado para permitir o ingresso
de uma criança, pensava ela, então por que não remover isso, ou seja, a
mim?
Sua amiga ficou escutando a racionalidade do argumento da minha mãe.
Era o aborto que estava em pauta, e não a vida. Remover-me da face da
terra tornaria melhor o seu mundo. A sociedade mudara muito desde então,
mas Deus ainda era o mesmo. O aborto ainda era um mal, como sempre
fora, mesmo antes do dia em que “Não matarás” trovejou da boca de Deus.
Ela não estava pensando com clareza. Então, sua melhor amiga resolveu
ajudá-la a ver isso por si própria. A mulher abriu a boca, e Deus falou:
“Como você sabe que Deus não quer que você tenha um filho desse jeito?”.
Como um copo de água gelada atirado em seu rosto, os olhos de minha
mãe se abriram, seu coração bateu a verdade em seu peito e o som da morte
se aquietou por um segundo. Ela nunca havia considerado a providência de
Deus e como isso envolvia seu ventre. Deus, onisciente, aquele que criou o
homem, que criou a vida, havia orquestrado minha concepção. Embora ela
tivesse sido realizada em lascívia pecaminosa, Deus me dera a ela. Ele
estava me formando em seu ventre. E, sem que ela soubesse, Deus me
escolhera desde antes da fundação do mundo para conhecê-lo. E ninguém
— nem minha mãe, nem meu pai, nem mesmo eu — impediria isso.
4 | 1989–2007
Ame qualquer coisa, e seu coração será torcido e apertado, possivelmente até mesmo
quebrado. Se você quer ter certeza de mantê-lo intacto, não pode entregá-lo a ninguém, nem
mesmo a um animal. Embrulhe-o cuidadosamente com passatempos e pequenos luxos; evite
todo e qualquer envolvimento; tranque-o no caixão ou na caixa-forte de seu egoísmo. Mas,
nessa caixa-forte — segura, escura, imóvel, sem ar —, isso mudará. Ele não será quebrado,
mas se tornará inquebrável, impenetrável, irredimível... Amar é ser vulnerável.4
Ela me flagrou olhando-a por cima do ombro e sorriu. Dessa vez, havia
um pouco de surpresa em seus olhos. Como se estivesse olhando um vaga-
lume se refletir no céu mais do que esperava. “O que foi?”, perguntei.
Obviamente, ela estava descobrindo algo a meu respeito, e eu queria que
dissesse isso em voz alta. “Está claro que você sempre foi gay.” Olhei bem
em seus olhos de menina e dei um sorriso meio maroto.
6 | 2007
Todo fim de semana, nós estávamos lá. Sabíamos que aquele era o único
lugar no qual podíamos dormir juntas sem nos preocupar com a
possibilidade de alguém entrar no quarto. Entramos no saguão do hotel com
o braço dela apoiado em meu antebraço. Ninguém estava na recepção, de
modo que, então, sentamos e ficamos esperando. Já estávamos juntas havia
uns seis meses, mas isso não importava quando nos tocávamos. Mais alta
que eu e bela como uma borboleta recém-nascida, eu a conhecera por
intermédio de uma amiga. No começo, só trocávamos mensagens. Eu já
tinha uma namorada havia quase um ano e meio, mas, de vez em quando,
sentia vontade de ouvir outra risada. Quando minha ex-namorada sugeriu
que eu me comportasse como um garanhão, e eu acatei a sugestão, as
mulheres davam em cima, cercando-me e me seguindo a cada passo. Acho
que minha aparência era melhor assim. Cada uma delas dizia coisas que eu
nunca ouvira a respeito de mim. Principalmente, que eu era desejada.
Elas me desejavam. E eu amava isso — nunca a elas. À exceção de duas:
aquela que me ajudara a sair do casulo e a outra que estava sentada ao meu
lado.
A porta se abriu de repente e bateu na parede atrás. Nessa hora, eu ouvi o
rachar do papel de parede. E eu vi as costas dele antes de ver seu rosto. Ele
veio da porta diretamente para trás da mesa de recepção, como se fosse um
tornado de dois metros por dois, girando com sua pele àspera, os olhos se
deslocando da parede esquerda para a direita, à procura de algo ou alguém
que ele pudesse levantar do chão. E, tão rápido quanto entrou, saiu para
outra sala. Quem quer que ele estivesse procurando não estava no saguão,
nem atrás da mesa da recepção, tampouco lá fora.
Minha namorada voltou os olhos para mim. Não estavam tão brilhantes
quanto pareciam estar antes de aquele homem irado entrar no lobby. Ela
disse tudo e nada ao mesmo tempo. Entre suas piscadelas, eu ouvi: “Estou
apavorada com ele, com essa situação. Você vai me proteger quando ele
voltar? Se ele voltar, você o agarra para eu conseguir escapar?”. E eu lhe
disse “não” sem proferir uma única palavra. Ouvindo o rebombar nas
paredes de sua voz “montanhosa”, lembrando os braços daquele homem
enquanto olhava para os meus, eu me senti como uma mulher. Aquilo que
os olhos dela diziam eu também dizia.
Eu queria me virar para alguém cheio de testosterona e implorar para que
fosse suficientemente forte, a fim de nos proteger a ambas. Contar com tudo
que Deus dera a ele para, numa hora como essa, nos proteger. Eu não
conseguia proteger nem a mim nem a ela. Eu sabia disso. E saber disso me
deixou irritada, em silêncio. Era uma hora bastante incômoda para minha
consciência lembrar-me da realidade. Por que ela simplesmente não podia
me deixar comer poeira e chamar isso de comida? Essas roupas, essas
mulheres, esses sonhos, essa voz, a submissão delas, esse pisar forte que
fazia minha mãe se esquivar de medo, nada disso era verdadeiro? Não
significavam que eu havia me transformado? Eu não podia ser aquilo que
eu queria ser? Entre mim e Deus, no sigilo de minha consciência, o fato de
eu ser mulher era inescapavelmente real. E, por mais que eu acreditasse,
quando me via na presença de um homem que fora feito como homem, eu
sabia que havia uma distinção natural entre nós dois que nem mesmo o peso
de minha voz podia desfazer. Na outra sala, a voz dele ainda sacudia as
paredes. E, quanto mais alto ficava, mais eu me lembrava do meu primeiro
nome.
Gênesis 5.2
7 | 2007
Vejam, depois que Jesus foi crucificado, seu corpo foi colocado no
túmulo de um homem rico que ainda não havia morrido. A conclusão óbvia
de qualquer um que conhecesse a permanência da morte seria que o corpo
de Jesus ficaria ali para sempre. Ou pelo menos até virar pó e se decompor.
Mas, de modo típico, Deus fez o que disse que faria. Ressuscitaria. Quando
alguns dos seguidores de Jesus foram até seu túmulo, alguns dias depois de
ele ter sido colocado ali, ficaram chocados ao ver que ele não estava mais
naquele local. Mas ele realmente estivera ali. Ele estava morto. As coisas
mortas não desaparecem. A não ser que o corpo morto não estivesse mais
morto, mas bem vivo, como antes. Contudo, isso significaria que algo ou
alguém maior que a morte estivera ali para ajudar.
A morte era o Golias que nenhuma pedra derrubaria, e o mar Vermelho
que nenhum cajado poderia abrir. Deus havia falado sobre a chegada da
morte como consequência certa e inevitável do pecado. Desde o corpo de
vida longa, mas ainda morto, de Adão até a morte daquele que afirmou ter
mãos indignas e voz que clamava no deserto, a morte reinava. Até Deus vir.
Três dias depois de Cristo entregar sua vida, ele, literalmente, levantou-se.
O fardo no qual a morte se transformara para todos — tanto os vivos como
os mortos — agora fora vencido. Jesus, sem deixar um só lugar com
manchas, recolheu o linho que antes estivera sobre sua face, dobrando-o e
depositando-o sobre a superfície que antes suportara seu corpo. Talvez isso
tenha sido apenas uma metáfora. Todos que entrassem na tumba poderiam
ver que Jesus jamais deixa um lugar do mesmo jeito que estava antes de ele
entrar.
Algum tempo depois, Jesus apareceu aos discípulos de forma corpórea.
Pois não existe ressurreição que não inclua o corpo. Após mostrar suas
mãos e seus pés para provar que ele estava totalmente ali, em carne e osso,
ele lhes disse: “Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai;
permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc
24.49). A promessa e o poder eram idênticos. Jesus prometeu jamais deixar
órfãos seus discípulos; ele afirmou que enviaria a Terceira Pessoa da
Divindade, o Espírito Santo. E, uma vez vindo o Espírito Santo, eles
receberiam poder. O mesmo poder que moveu a pedra do túmulo de Jesus e
desvencilhou cada um dos membros das amarras da morte. Certificando-se
de não negligenciar coração e cérebro, os órgãos silentes começaram
novamente a entoar o novo cântico, e a pele se reverteu e voltou à cor
anterior. Os músculos e os ossos recuperaram sua força e seguiram a
direção do Espírito, para fora e para dentro da vida. Que ser humano já teria
visto poder como este? Admito que fomos revestidos de outras formas de
poder, como, por exemplo, quando vemos o mesmo sol se levantar, dia após
dia, ano após ano, sem a mínima pista de que um dia vá cair. Ou quando
temos o prazer de ver o oceano virando para dentro de si, e indagamos: O
que neste mundo o impede de se voltar contra mim? Como a água,
substância irracional, conhece melhor a submissão do que eu? Ou a
gravidade? O tipo de poder que impede a todos nós de nos tornar aves sem
asas incapazes de aterrissar. Essas demonstrações terrenas de poder têm
origem celestial, Deus (Cl 1.17). E Deus, por meio de Cristo, concedeu esse
mesmo poder a mim.
Ela ainda estava na fila. O cara falastrão já tinha saído, mas havia alguns
fregueses entre mim e ela. Eu tentava prestar atenção no que a pessoa à
minha frente estava pedindo, mas continuei olhando para o sorriso dela
atrás daquelas pessoas. Ao mesmo tempo, percebi que havia em mim um
conflito de interesses. Ali estava ela, tão bonita quanto poderia ser. Com
certeza eu conseguiria fisgá-la, se eu quisesse — e eu queria. Mas eu
também queria algo mais: Deus. Em mim, havia essa estranha convicção de
haver outro caminho que ele queria que eu trilhasse, outra beleza que ele
me criou para apreciar, e eu não sabia o que fazer comigo mesma. Eu era
filha de Deus havia menos de vinte e quatro horas, e ele já estava me
transformando. Será que isso é ser cristã?, refleti. Seria travar uma batalha
silenciosa dentro de si mesmo durante todo o tempo?
Querer Deus mais do que querer uma mulher era uma experiência
totalmente nova para mim. Nem era algo que eu teria considerado parte do
cristianismo, quanto mais de ser cristã. Para mim, o cristianismo parecia ser
apenas uma religião de deveres. Eu tinha visto tantos discípulos que
pregavam mais sobre o pecado do que sobre alegria, cujos olhos estavam
grudados em constante estado de solenidade, os dentes cerrados e o fascínio
sem-fim com a santidade. Por que eles nunca mencionavam o lugar que a
felicidade tem dentro da justiça? Ou como tomar a cruz seria uma prática
para ter prazer? Ter prazer em tudo que Deus é?
Mesmo seu Salvador tinha em mente essa espécie de júbilo quando
suportou a cruz. Por que eles não voltavam seu foco para a mesma coisa?
Em sua defesa, eles não eram culpados da minha incredulidade. Eu só
queria saber se eles tivessem me falado da beleza de Deus tanto assim, se
não mais, quanto falavam dos horrores do inferno, se eu não teria queimado
meus ídolos em um passo mais rápido.
Fui capaz de desejar Deus porque o Espírito Santo buscava meus afetos
tanto quanto procurava minha obediência. O morador que antes ocupara o
mesmo espaço tinha a mesma motivação, o objetivo de voltar meu coração
para algo (ou alguém), de enchê-lo com ele mesmo. Jesus estava falando de
mim quando disse: “(…) a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as
trevas do que a luz; porque as suas obras eram más”. O pecado tinha minha
atenção porque tinha meu coração. Desse modo, eu não apenas suportava o
pecado, como também o amava. Deleitava-me nele. Adorava pecar.
Encontrava um jeito de entregar um ou dois buquês de rosas a ele, para que
soubesse que dominava minha mente. Mas essa capacidade de amar não me
foi concedida em vão. Que ninguém diga que, para viver sem pecado, temos
de viver sem amor. A intenção por trás de minha capacidade de amar era
que isso fosse derramado sobre aquele que é mais belo que tudo o mais
neste mundo, e que nele esse amor está seguro. Quando o Espírito Santo fez
sua morada em mim, agarrou aquilo que escurecia minha vida e deixou a
luz entrar. Agora, eu não só podia ver Deus e sua glória com um sorriso no
rosto, mas também enxergava o pecado como o grande mentiroso que é. A
luz tem um jeito de acolher a verdade e deixar que ela descanse, o que, por
sua vez, significa que tudo que não for como ela é, ainda que convide a si
mesmo para entrar, não consegue sentir-se confortável o suficiente para
ficar.
Ela estava mais próxima de mim que nunca, e eu não tinha ideia do que
deveria fazer. Estava bastante consciente de desejar escolher a Deus, mas eu
não sabia como. Mesmo que soubesse, eu seria capaz disso? No passado, eu
tive muitos momentos de pós-avivamento em igrejas, quando eu tentava
parar de pecar. Porém, um ou dois dias depois, eu passava a ver que o poder
de resistir ao pecado era tão frágil quanto um bebê tentando conter um
furacão. À minha frente, estava a oportunidade de fazer algo que sempre
fora fácil para mim. Minha cabeça estava mais do que pronta a agarrar seu
corpo e espremer toda a dignidade disso. Minha boca ansiosa esperava um
sinal para seguir em frente. Ela sabia como pedir a outras pessoas para
também negar a Deus, junto comigo. Mas eu fiquei ali de pé. Ainda não
sabia versículos que pudesse recitar, mas imaginei que eu deveria orar.
“Deus, você pode me ajudar? Amém.”
Minha cliente do momento estava tentando decidir se queria mais picles
ou mais cebolas. As duas coisas juntas seriam um exagero, dizia ela
enquanto olhava para mim. Enquanto isso, o que outrora realizavam um
sumo sacerdote e um cordeiro estava agora ao meu alcance, bem no meio
de uma lanchonete fast-food. É claro que os que estavam por ali não teriam
notado o templo, o véu ou a sala do trono de Deus.
Só conseguiam enxergar a mim, a caixa registradora e uma cliente indecisa.
Mas eu estava ali, com o rosto e o corpo inclinados diante de Deus. Seus
pés estavam a alguns centímetros de minhas mãos, e eu levantei a cabeça
para notar que a misericórdia e a graça vinham em minha direção. Antes de
eu me dar conta, já estava de volta à mesma tentação e com o poder de
alguém mais.
Quando a salvação ocorre na vida de uma pessoa sob a mão soberana de
Deus, ela se liberta da penalidade e do poder do pecado. Em um corpo no
qual não habita o Espírito, o pecado é um rei implacável de cujo domínio
ninguém pode fugir. Todo o corpo, com seus membros, afetos e mente,
submete-se, voluntariamente, ao domínio do pecado. Mas, quando o
Espírito de Deus toma de volta o corpo que ele criou para si, liberta-o
daquele mestre patético que antes o mantinha em cativeiro, abrindo-o,
então, para a maravilhosa luz de seu Salvador. Nesse momento, ele se torna
capaz não somente de desejar a Deus, como também de obedecer a ele. Não
é isso que a liberdade deve fazer? A habilidade de não fazer o que me
agrada, mas de ter o poder de fazer o que agrada a Deus.
A caixa registradora estava aberta. Olhei para as moedas de vinte e cinco
centavos, de dez centavos, de um centavo, para as notas de dólar gastas
demais, para os cartões de presentes que estavam ali — qualquer coisa que
pudesse me distrair e não permitisse que a luxúria engolisse toda a minha
mente. A moça bonita havia feito seu pedido em outra registradora e estava
esperando por sua comida. Eu estava sendo sustentada por Deus na sua
presença. Essa primeira provação seria o começo de muitas que viriam pela
frente — muitas nas quais eu falharia e outras também em que eu venceria,
mas, naquele dia, eu aprendi uma coisa: Deus estaria ali para me ajudar.
Acima de tudo, eu sentia falta de seus olhos. Lembrar-me deles era como
me lembrar de tudo o mais. Quando não era ela, era o desejo em si que me
deixava louca. Eu só queria abraçar uma mulher, só uma vez. Ansiava pela
interação que dá às lésbicas seus nomes. Intituladas por um afeto que ainda
não havia sido diminuído pelo novo nascimento, mas que, em vez disso,
parecia aumentar ainda mais, como se a resistência tornasse a coisa que está
sendo resistida um monstro maior do que era antes. Para a minha surpresa,
ser cristã libertou-me do poder do pecado, mas não foi capaz de remover
em mim a possibilidade da tentação.
Uma mentira comum que se espalha é que, se a salvação realmente
ocorreu a alguém que se sente atraído pelo mesmo sexo, essas atrações
deveriam desaparecer de imediato. Ser purificado por Jesus, presumem,
significa ficar imune à sedução do pecado. Sabemos que isso não é verdade
por causa de Jesus. Ele era completamente perfeito, mas, ainda assim,
experimentou a tentação: “Porque não temos sumo sacerdote que não possa
compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as
coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15).
Espera-se que qualquer um que queira seguir Jesus como Senhor ainda
se encontre pressionado a fazer o que não deve ser feito; que haverá
ocasiões em que sentirão nos corpos a tentação de obedecer a eles, e não a
Deus. Eu (e todos os seres humanos) tinha a desvantagem singular de haver
cedido com tanta facilidade e tanta frequência às paixões do corpo antes de
Cristo que, depois de estar sob seu senhorio, aprender a experimentar
atração pelo mesmo sexo e não agir de acordo com esse impulso era algo
frustrante. Para mim, teria sido mais fácil se, quando Deus me purificou do
pecado, tivesse também tirado da minha boca o gosto pelo pecado. Mas
Jesus poderia compreender a graça necessária para fugir de um banquete
insípido em nível muito mais profundo do que eu jamais poderia.
C. S. Lewis escreveu:
Um homem que cede à tentação depois de cinco minutos simplesmente não sabe como seria
uma hora mais tarde. Por isso as pessoas más, em certo sentido, conhecem muito pouco
sobre a maldade — elas têm vivido uma vida protegida, pois sempre cederam diante da
força do impulso do mal. Nós não compreendemos quanto esse impulso é mau até
procurarmos lutar contra ele; e Cristo, por ter sido o único homem que jamais cedeu à
tentação, também é o único que sabe completamente o que a tentação significa — ele é o
único totalmente realista.10
Entre muitas outras diferenças — uma delas entre mim e Cristo —, tem-
se que, em todas as tentações, ele nunca cedeu uma única vez. O pecado
jamais podia dizer que fez dobrar os joelhos de Cristo, porque sua santidade
impenetrável o manteve de pé o tempo todo. Mesmo nas horas finais que
precederam sua morte, quando Jesus poderia ter escolhido outra vontade, ou
outro cálice para beber, ele colocou, como sempre, a si mesmo e os desejos
de seu corpo sob a belíssima vontade do Pai, mostrando-nos que o corpo
não precisa ter a palavra final em nossa vida.
Ainda sentindo falta dela — e, de qualquer mulher, por sinal —, eu me
flagrei desejosa de olhar para o céu só para acenar um adeus. Minhas
costas, mostrando os sinais de desgaste da cruz que eu carregava dia após
dia, estavam cansadas. A terra começava a se parecer com o céu, e Deus,
uma nuvem evanescente. De pé, na salinha dos fundos em meu trabalho, eu
disse a Deus com minha mente, onde ninguém mais além dele seria capaz
de me ouvir: “Deus, eu estou realmente lutando. Quero tanto voltar atrás.
Senhor, ajude-me!”. Lá estava eu, recomposta por uma interrupção
conhecida. Quieta e com os ouvidos atentos, minha mente captou a seguinte
frase: “Jackie, você precisa crer que minha Palavra é a verdade, ainda que
ela contradiga a forma como você se sente.”
A tentação me fustigava como se eu fosse uma boneca frágil nas mãos de
uma criança cheia de imaginação. Atirada de um lado para outro entre a
diversão e o funeral, em que eu decidiria confiar mais? Naquilo que a
tentação queria que eu acreditasse ou no que Deus já me havia revelado? A
luta contra a homossexualidade era uma batalha de fé. Ceder à tentação
seria o mesmo que ceder à incredulidade. Era preciso decidir se o corpo era
mais importante que Deus ou se o prazer do pecado poderia sustentar tudo
que eu sou — de uma forma melhor que Deus. Foi incrível constatar como
o pecado é real, tangível e persistente, mas também como seu poder é
ilusório. Jesus já havia provado que a tentação podia ser vencida, e havia
prometido me ajudar quando eu me aproximasse de seu trono de graça com
esse pedido.
Eu tinha de crer nele. Sua Palavra era fidedigna, operante e significativa.
Nela, Deus falou e nos mostrou como ele é, como é muito melhor que
qualquer coisa criada, como ele é digno de ser nossa alegria, nossa paz,
nossa porção, e como confiar nele, mesmo que um pouco de cada vez, nos
capacita a mover montanhas — sendo a maior delas eu mesma. Essas
Escrituras eram uma arma, uma espada que, quando usada, venceria a
carne. Minha fé nelas seria um escudo que, colocado à frente de meu corpo,
identificaria todos os ataques satânicos que viessem contra mim. Encontre
um ser humano vivo e pergunte se ele já mentiu. Você não encontrará
ninguém que possa dizer: “Não, eu nunca menti”. Mas Deus não é homem
que queira ou possa mentir. Tudo que ele diz, que ele já disse, ou que dirá, é
verdadeiro. A simplicidade da fé é esta: creia na Palavra de Deus quanto a
isso. Talvez eu não tivesse vontade, mas não tinha outra escolha senão crer
nele.
2 Coríntios 3.16.
C. S. Lewis, Cristianismo puro e simples. (Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2005).
10 | 2008
Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família
de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo
Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado
ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus
no Espírito (Ef 2.19-22).
Quando Jesus morreu e ressuscitou, deu-lhe poder para vencer o pecado. Literalmente.
Tipo, você não precisa ceder mais. Toda vez que você se sentir tentada a pecar, lembre-se da
realidade de que Jesus já o venceu. Você não é uma escrava. Está livre. Você só tem de crer
e trilhar esse caminho.
Confusa e intrigada como sempre, olhei para ela e disse: “Então, você
está me dizendo que o evangelho é tudo de que preciso para vencer o
pecado?”.
Santoria, cheia de confiança, tentava suprimir a risadinha que crescia em
seu peito diante da sinceridade da minha pergunta e respondeu enquanto
olhava diretamente para mim: “Sim, Jackie. O evangelho não apenas a
salvou. É também aquilo que a guarda”.
Em um esforço para ser guardados por algum outro meio, muitos santos
se viram em caminhos de autojustificação e boas obras, e não no evangelho.
Segundo o evangelho, o Deus santo criou para si um povo, e todos eles
pecaram, quebrando suas leis divinas. Ao fazer isso, todos passaram a
merecer o juízo que é requerido de um Deus justo, mas o amor de Deus o
levou a enviar seu Filho Jesus, Deus em carne, para carregar sobre si os
pecados de muitos, sendo julgados como deveriam ser, para que vivam a
vida que jamais poderiam merecer. Então, Jesus, investido de todo o poder
de fazer isso e muito mais, ressuscitou dos mortos, vencendo a morte, e
ordenou que todos se arrependessem e cressem em seu nome. E os que
fazem isso pela graça serão salvos e cheios do Espírito Santo, o qual, por
sua vez, os selou para o dia da redenção, quando, então, todos os santos
continuarão na vida eterna que receberam no dia em que creram.
Algumas pessoas querem que acreditemos na possibilidade de nos
graduar no evangelho de Cristo. Tratá-lo como se isso não fosse diferente
de alguma vitamina, ou de cadeiras de espaldares altos, ou de aprender a
amarrar os sapatos para seguir em frente e fazer coisas melhores com os
pés. Mas a realidade é que deixar de depender do evangelho é o mesmo que
deixar de depender de Cristo.
Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados, e edificados,
e confirmados na fé, tal como fostes instruídos, crescendo em ações de graças. (Cl 2.6-7)
“NÃO SEI MAIS COMO é se sentir mulher.” Eu havia passado algum tempo na
frente do espelho e observei que minha feminilidade havia desaparecido.
Meus cílios ainda eram suficientemente longos para eu me esconder
debaixo deles. Mas não conseguiam impedir que a dureza dos meus olhos
afugentasse a beleza que, no passado, costumava espiar através deles.
Droga! Isso ainda me assustava. Quem era essa pessoa que estava olhando
para mim? Parecia-me familiar. Eu sabia que já tinha visto esse nariz. E
aqueles olhos que diziam: “Não me machuquem ou eu vou quebrar por
dentro de novo”. Eu os via nos rostos da minha mãe e do meu pai, mas era
impossível essa pessoa ter o sangue deles. Eles tinham uma filha. O que
estava ali de pé me encarando não era a menina que eu via nas fotos da
família. Ou ainda era ela?
Um ano antes de me mudar para Los Angeles e um dia depois de o
Espírito Santo ter feito morada em mim, eu estava cumprindo a dolorosa
tarefa de romper o namoro com minha namorada. As lágrimas dela eram
altas demais para que eu ouvisse sem lastimar. Eu a ouvi enxugar o rosto.
Depois de suspirar sua dor, a confusão de tudo isso abriu sua boca e ela
perguntou: “Por quê? Por que você está fazendo isso?”. Essa pergunta fazia
sentido para ela. Ela sabia quanto eu a amava, como meu rosto ficava
infantil quando ela estava por perto, com um enrubescer diferente que
coloria apenas o jeito como meus olhos espelhavam isso, sem alterar
minhas bochechas. Ela nunca tinha visto pessoalmente meu coração, mas o
conhecia pelo nome.
Deixá-la, deixar nosso amor, nada disso fazia sentido fora da obra divina
de Deus. Ela era minha mulher e meu ídolo. Uma deusa desqualificada sem
um grama de divindade. Ela era o olho que Jesus disse para arrancar e a
mão direita que ele mandou cortar (Mt 5.29-30). Embora fosse tão doloroso
quanto o ato extremo de remover uma parte do corpo, era melhor perdê-la
do que perder minha alma.
“Eu… preciso viver para Deus agora”, disse eu, com a voz sufocada
pelas lágrimas, acabando com “nós” e o que parecia ser minha própria
anulação. Uma nova identidade estava prestes a vir quando eu desliguei o
telefone. Pensei no espelho e no quanto eu me havia esquecido de como eu
era antes. Como a pessoa que estava ali na minha frente não parecia minha
mãe ou a filha que ela criou. Na noite anterior, ao ver Deus, eu também
desejava saber para onde aquela menina em mim fora e se ela conseguiria
voltar. Ser mulher era uma coisa que eu não sabia mais ser, mas será que
algum dia eu soubera isso?
Ser mulher não era exatamente algo que eu precisasse aprender. Eu já era
mulher. Não é útil pintar um quadro da feminilidade que só envolva o
comportamento, e não como esse comportamento envolve o corpo. Eva foi
chamada de mulher antes mesmo de se comportar como tal. Embora,
biologicamente, eu fosse mulher, eu precisava aprender a ser mulher de
forma plena, pois isso significaria espelhar Cristo tanto no corpo como no
comportamento. E, à medida que eu fosse conhecendo melhor a Deus, ele
certamente me mostraria como isso seria.
ELE ERA ATRAENTE, MAS eu não me senti atraída. Podia ver por que as
mulheres haviam sido espinhos para ele. Eu era cristã havia menos de um
ano, e os homens não chamavam minimamente a minha atenção. Se
dependesse de mim, pelo menos naquele ponto da minha vida, eu gostaria
de me apossar daquela coisa estranha nas mulheres que as faz suspirar
quando veem um homem de lhes tirar o fôlego. Como elas procurariam uma
amiga e lhe diriam para olhar o rosto dele. Então, perguntariam: “Ele não é
muito fofo?”. Esperariam a resposta da amiga com um sorriso, ao mesmo
tempo, inexpressivo e que dizia: “É isso aí, garota!”. Esses momentos
comuns de atração compartilhada entre amigas talvez me envolvessem
algum dia, mas, até então, eu só queria conhecer esse poeta de Chicago
porque sua história lembrava a minha.
Ninguém ficou quieto. Os dedos estalavam. As mãos seguiam o molde
dos tambores e enchiam de música o ambiente. Não havia um pandeiro à
vista, mas ninguém teria notado a diferença. Na medida em que os braços,
afirmativos e selvagens, balançavam em direção ao teto, todo mundo ali
sentia a vida que procurava oferecer. Às vezes, havia risos. Outras vezes,
lágrimas. Aqui, a humanidade tinha um lugar aonde ir. Aqui, a verdade
tinha orgulho de si mesma. Aqui, era possível dizer que não havia
vergonha. A verdade falava a todos nós quem ela era e por que pertencia
àquele lugar, e nós amamos isso.
O palco era o centro das atenções. Um microfone — e, em geral, um
poeta atrás do microfone. Esses artistas eram mágicos em transformar frases
e expressões em cenários que às vezes sobrevoavam sobre nossas cabeças,
dando-nos vislumbres de um outro mundo. Os próximos a subir ao
microfone eram dois poetas de Chicago, um outro mundo para a maioria
que estava ali, inclusive para mim. Eu tinha ouvido histórias sobre lá haver
mais marcas de tiros do que casas, e como a polícia não protegia ninguém,
exceto a si própria. Em algum lugar, de algum jeito, eles haviam esquecido
de mencionar a beleza, e como ela vivia em Chi-town15 também. Ela era a
razão para Martin, Ali, Barack e Michelle, todos eles a chamarem de seu
lar, em determinado momento de suas vidas. Até mesmo Deus estava lá. É
claro, ele não tinha endereço; nem mesmo tinha um lugar para repousar a
cabeça enquanto esteve em Jerusalém, mas isso não o impediu de habitar a
cidade grande à beira do Lago. Ele havia chamado centenas, talvez
milhares, de pessoas entre o Lago Michigan e os limites da cidade, e os
transformara em uma casa suficientemente santa para ele viver. E, do meio
desses cristãos, vieram os dois poetas que subiram ao palco em Los
Angeles.
Eu tinha ido ali me apresentar, mas tive de esperar no final da fila.
Enquanto a multidão batia palmas com força suficiente para fazer os poetas
se sentirem bem-vindos, eu notei um deles. Ele chegou hesitante ao
microfone. Não tímido, mas dava para notar que ele não tinha certeza se o
que ele tinha a dizer combinaria com a cor de sua pele, que parecia café
carregado de cafeína — do tipo forte que faz uma sala inteira acordar.
Então, começou a falar, e sua voz me pegou de surpresa. Eu não esperava
que soasse tão pesada. Não podia deixar de prestar atenção em tudo que ele
dizia. Estava declamando um poema sobre seu passado — um passado
cheio de mulheres com quem nunca se casou, algumas que ele mal amava,
mas com todas ele se deitara nu. Seus pecados perdoados estavam diante de
nós, e estava claro que ele tinha orgulho da graça de Deus. Ele se referia à
promiscuidade como algo que pertencia ao passado. Não se esquecera de
uma parcela sequer do que havia feito; ele queria que nós soubéssemos que
Deus se lembrou de sua misericórdia quando pensou nele.
“Santoria, acho que estou gostando do Preston.” Dizer isso em voz alta
soava meio estranho. Como se eu fosse a primeira pessoa a dizer “Eu amo
você”. Eu havia contado a ela não apenas porque queria seu conselho, mas
porque queria que ela me dissesse como fazer isso morrer. Essa atração, na
minha opinião, podia estar vindo de algum lugar nada santo. Ou talvez até
mesmo algo menos urgente do que a moralidade — talvez eu estivesse
apenas entediada.
Eu já era cristã havia quase três anos, e podia estar sentindo falta de um
crush, de ter alguém enviando mensagens a qualquer hora do dia, falando
sobre nada e sobre tudo, enquanto as amigas notam que a gente está
sorrindo ao celular e perguntam o nome dele. Talvez meu coração só
quisesse isso, e não o Preston. Se fosse isso, seria fácil voltar a atenção para
outro lugar, para algo menos assustador, mas que fosse capaz de me distrair
do mesmo jeito — como livros, poesia ou algo que não tivesse um pulso.
Mas, se isso fosse um desejo verdadeiro por ele, e não apenas a ideia dele,
eu, e não isso, teria de morrer para o medo que estivera vivo em mim desde
que eu consigo me lembrar.
“Fale com Deus a esse respeito”, disse Santoria. Teria sido estranho se
ela não tivesse trazido Deus para o assunto, de algum jeito. “Se for por
outro motivo, Deus vai lhe mostrar. Se for uma atração real, Deus vai ajudá-
la.”
Foi isso que eu fiz.
Passou um ano sem que eu dissesse uma única palavra a Preston sobre
meu sentimento e muitas palavras a Deus. Durante o silêncio, nós nos
víamos com frequência, principalmente nos eventos de poesia em Chicago
ou Los Angeles. Antes e depois, ainda ríamos juntos até a lua ir dormir e,
rapidamente, mudávamos o assunto para um debate sobre teologia, que,
eventualmente, nos levava a trocar histórias de nossas infâncias. Essas
histórias tornavam-se um diálogo sobre sonhos ainda não realizados.
Com a quantidade de tempo que se passou e a firme corrente de orações
enviadas ao céu, eu imaginava que o afeto que se desenvolvia havia um ano
iria dispensar a si mesmo. Mas ele escolheu crescer. Não como ervas
daninhas. Ervas daninhas seriam uma descrição feia e indigna do que meu
coração estava fazendo comigo. Esse crescimento foi o que Nikki Giovanni,
poetisa norte-americana, descreveu ao falar da rosa e de como ela nasceu do
concreto. Concreto era do que meu coração era feito se Deus não o tivesse
reabastecido de carne. E o que saiu dessa operação não era esperado pela
própria rua nem pelo mundo no qual estava situado, mas cresceu assim
mesmo. Não precisava de permissão — apenas de graça. Somente Deus
podia fazer algo assim tão estranho. Fazer algo belo surgir do chão. Ele fez
isso antes com seu corpo e, agora, estava fazendo com o meu, como uma
rosa brotando do concreto, fazendo crescer meu amor por um homem.
Não por qualquer homem ou por todo homem, mas por um homem
chamado Preston. No começo, essa atração nascente dizia respeito mais a
ele, e não ao seu gênero. Meu afeto pela pessoa que ele era acabou por
produzir em mim o desejo por tudo que ele era: sua personalidade e sua
masculinidade. Uma ideia estranha e difícil de se entender quando se está
acostumada a ver flores saindo de lugares melhores, mas, assim mesmo, ela
era linda.
Eu sempre me perguntava se as pessoas percebiam que eu falava com
Deus a respeito de Preston. Tentei ao máximo manter as coisas que eu
falava com Deus distantes de meu corpo. Eu sempre vi como as amigas
deixavam seus dentes revelarem o que elas pensavam. Um sorriso na
direção do homem que elas queriam que as amasse revelava todos os seus
segredos. Os meus estavam ficando difíceis de esconder quando Preston
aparecia. Eu me sentia tentada a fitá-lo por tempo demais, a manter minhas
mãos perto das dele, a pedir abraços muito antes da hora da despedida e
horas depois de já termos dito “Até logo”. Minha expressão facial
impassível estava se esforçando demais para fazer seu trabalho e, então,
uma noite, quando fui embora para casa, conversei com Deus a esse
respeito.
Sentada em minha cama, na mesma posição em que me encontraria se
estivesse pronta para uma rodada de cartas, eu disse: “Deus, não sei qual é a
sua vontade para mim quanto ao Preston, mas, se for nos unir, coloque isso
em seu coração para que ele me procure. Porém, se não for essa a sua
vontade, Senhor, dê-me autocontrole suficiente para tratá-lo como um irmão
em Cristo, e não como uma paixão”. Deus ouviu a oração e já estava
respondendo semanas antes de eu fazer esse pedido. Ele já havia
interrompido as orações de Preston, inserindo-me nelas. Mostrando-me a
ele enquanto orava pedindo uma esposa. Dizendo-lhe que éramos mais do
que pensávamos ser, e como o próximo passo seria chamar pelo nome certo
aquilo que era, dizendo-me a verdade. E foi o que ele fez.
Eu jamais ouvira tanta insegurança na voz de Preston. Lembrava-me
alguém atravessando uma rua movimentada. Com seu rosto fixo em
caminhar para a frente, mas suas pernas pressentindo que os carros estão
vindo, eles sabem que a única coisa que os separa de um acidente é
continuar com a travessia. Preston estava cruzando um território
desconhecido. Não tinha ideia de que eu gostava de olhar para ele e queria
sentir suas mãos, e abraçá-lo sempre que tivesse vontade. Ele só sabia que
eu era a única mulher a manter sua atenção. Meu jeito de entrar nos
ambientes não o assustava. Ele só sabia que gostava do meu rosto e da
minha mente. Tinha prazer em me ouvir falar e confiava no que eu lhe
dizia. Ele sabia que eu seria sincera. Sabia que uma mulher mentirosa não
merecia seu coração. Muitas haviam visto seu corpo, mas esse coração fora
impedido de ver a luz do dia, porém, quando Deus lhe disse “Siga em
frente”, ele obedeceu.
Seguir adiante era uma batalha que, até então, eu não conhecia. Eu não
estava viva durante as guerras. Não tivera a oportunidade de ouvir o avô de
alguém contar o que vira. Como isso o acordava à noite. Como o trovão o
fazia sentir que o inimigo havia descoberto seu esconderijo, e como a chuva
martelando contra a janela parecia o som de balas disparando sem parar.
Como, quando seu filho mais velho ainda era um bebê, ele confundia certos
sons em sua cabeça. Às vezes, era difícil distinguir se o que ele ouvia na
outra sala eram seu choro ou se outro soldado de sua tropa havia perdido a
perna. Como, às vezes, quando ele fechava demais os olhos, a escuridão o
fazia ver coisas. Coisas ruins. Coisas que lembravam que ele mal saíra do
ensino médio e tinha de andar por cima de um corpo morto havia pouco
tempo. Como tudo que ele queria era chamar por sua mãe e ouvir sua voz,
mas seu país tinha coisas melhores para ele fazer com sua juventude. A
questão era a seguinte: como um homem pode agir normalmente quando já
viu mais a morte do que o sono? Por que deveríamos esperar que ele não
tivesse medo do escuro, de continuar em frente com a vida como se ela
fosse normal, como se não houvesse sempre algo a lembrá-lo da guerra?
Eu estava animada com o fato de Deus haver respondido à minha oração
e com o fato de meus sentimentos e os de Preston estarem postos sobre a
mesa, mas isso provocou algo inesperado. Quando ele era apenas meu
amigo, eu podia ser conhecida por meus próprios termos. De longe, isso é
certo, ele sabia o nome do meu pai, o que eu gostava de comer nos dias da
semana e até mesmo aprendera por que eu chorava tão baixinho. Mas esse
novo relacionamento, mais intencional, no qual estávamos entrando, isso
me assustava. Até mesmo minha mente não conseguia lidar com isso. Ela
fez com que eu olhasse de uma forma diferente para Preston. Fiquei
desconfiada. Ele não era mais meu amigo. Era uma ameaça. Porque era
homem. E os homens ferem as coisas, as pessoas, a mim. Era sempre assim.
Eles machucam aquilo em que tocam. Como se entrassem no mundo apenas
para roer os ossos das mulheres. Quem sabe estivessem tentando se vingar
de Deus por tirar sua costela para fazer as mulheres. Quem sabe, quanto
mais eles rasgassem a mulher, mais conseguissem reunir os pedaços de si
mesmos. Eu não queria que Preston tivesse essa espécie de poder. Mas
achava que ele tinha.
Quando eu disse “sim” à sua procura, teve início uma guerra entre nós.
Eu não sabia receber seu amor, e ele desconhecia a forma de entregá-lo. A
garota que ele conhecera em Los Angeles não era a mesma que falava com
ele no jantar. Ela se havia fechado, indo para um lugar onde só a firmeza
poderia trazê-la de volta. Tudo parecia desconfortável, como aprender uma
língua que a gente sempre teve medo de falar. Aqueles abraços que eu
pensei desejar me faziam encolher de repugnância. Ter de reajustar o jeito
de meus braços abraçarem seu corpo, por ele não ser uma mulher em cuja
cintura eu pudesse pôr as mãos e trazer para mais perto, isso me irritava.
Ele era um homem crescido com costas e ombros sólidos que diziam: “Em
vez disso, ponha os seus braços aqui”. Suas mãos eram maiores que as
minhas. Elas encontravam o caminho até o pequeno vão em minhas costas e
ficavam ali paradas, ternamente, como quem soubesse que meu corpo
deveria ser segurado. Não me parecia, contudo, algo doce ou enternecedor;
parecia quase um insulto, tentando me lembrar de que ele era mais forte.
Ele colocava sua cabeça perto da escápula, como uma criança em busca dos
cantinhos mais aconchegantes do corpo da mãe para repousar, e eu só sentia
os pelos do seu rosto roçando em meu queixo. Eu sentia um impulso
incontrolável de afastá-lo de mim. Lembrava-me de como era diferente
abraçar uma mulher cujas mãos pareciam displicentes e despretensiosas,
cujo rosto não apresentava o resultado da testosterona. Ah, como eu queria
que isso tudo acabasse logo! Para que toda aquela experiência não fosse tão
complicada, uma aventura para a qual eu não sabia que havia me
candidatado.
Isso éramos nós em retrospectiva. Nós, antes dos verdadeiros sentimentos jactarem de
nossos corações, jorrarem de nossas bocas, aterrissarem na vida um do outro como dois
belos mísseis que não sabíamos bem como direcionar. Ao admirarmos a forma como foram
bem-construídos, temendo que explodissem a qualquer instante, abalando os limites de
nossas emoções. Eu bem sei disso porque nossa relação fazia eclodir a guerra nela. Seu
coração se tornara um campo de guerra. Sua língua transformou-se em um escudo e seus
olhos eram como espadas que cortavam fundo a cada olhar. O comportamento belicoso
sacudia o tutano dos meus ossos, confundindo como me tornei o inimigo em questão de
meses. Comecei a questionar seu amor por mim.
Um dia, o Senhor me disse: “Preston, se você foi ferido muitas vezes nas batalhas, devia ter
adotado algumas táticas de guerrilha também. Eu o estou chamando a amá-la, não como
você, mas como eu amo”.16
Quando Preston terminou, pediu que eu fosse sua esposa. Respondi a ele
prontamente. Ele teria meu sim, porém seria mais difícil para ele obter
minha confiança.
N. E.: Chi-town é um apelido para a cidade de Chicago.
“Journey to Covenant”, por Preston Perry.
13 | 2013–2014
UMA PERGUNTA MELHOR SERIA: você acredita que Deus ainda faz coisas
impossíveis, sobrenaturais, entre nós?
Talvez você considere milagre algo que pertence ao passado, algo que
Deus fez quando Moisés estava vivo. Com sangue no rio Nilo, em vez da
água salgada que se afastou quando a vara de Moisés tocou sua superfície.
Elias soube por si mesmo quão ilimitado era o poder de Deus quando lhe
pediu que permitisse ao menino morto voltar a respirar e viu isso acontecer.
Jonas não negaria as diversas formas como a mão de Deus faz tudo mudar
de cor. Uma tentativa de suicídio ainda resultaria em uma missão de resgate
tanto para ele como para Nínive. A graça mandou um peixe carregá-lo até a
praia, e sua voz impediu que centenas de milhares se afogassem em ira.
Vimos os milagres acontecerem, acima de tudo, quando Jesus veio ao
mundo. Mas, como ele já deixou o mundo há algum tempo, será que seus
milagres foram embora da terra quando ele ascendeu? Uma coisa, porém, é
certa: mesmo quando Jesus estava por aqui, fazendo o que olhos nunca
viram e o que ouvidos nunca ouviram, as pessoas ainda se recusavam a crer.
Uma vez em especial,17 ao passar pelo templo com seus discípulos, Jesus
observou um homem cego de nascença. Incapaz de ver, esse homem não
reconheceu que Jesus estava olhando diretamente para ele. Mas seus
ouvidos devem ter percebido o som de vários pés vindo em sua direção.
Nas redondezas desse templo, era sempre escuro, pelo menos para ele. Ele
sabia que o sol já ia alto quando sentia seu calor, aproveitando o dia. E,
àqueles que vinham cultuar e orar durante o dia, ele implorava ajuda.
Sempre acabava com menos dinheiro do que o número de pés que ouvia
passar por ali, mas cercado apenas pela consciência cega de tudo que se
passava ao seu redor, ele ainda ficava sentado ali.
Ele sentia quando alguém se punha de pé diante dele. Agora, o som de
várias moedas caindo teria tilintado e tocado seu ouvido. Um
encorajamento ao estômago, porque soava como uma refeição que viria.
Mas foi o som molhado de saliva saindo dos lábios daquele que estava
ali perto que chamou a atenção dos dois ouvidos. O homem se encolheu
depressa — em geral, o som de uma cuspida indicava o arremesso de um
dardo da garganta daqueles que desprezavam gente insignificante como ele.
Só que o cuspe atingiu o chão. Agora, o pó estava sendo remexido. O que
estava acontecendo? Ele não tinha olhos para ver, mas Jesus misturava a
saliva com a poeira e fazia barro da terra. Ele havia feito algo bem
semelhante muito tempo atrás, quando o solo se tornara feitura de um
homem. Aqui, a terra curaria um homem que ele havia criado.
Quem quer que fosse — o homem parado, mexendo com a sujeira ao seu
redor — colocou o que ele agora sentia ser como lama, grudenta e com
cheiro de cuspe, em seus olhos. Antes de perguntar qualquer coisa, o
anônimo finalmente disse algo. O cego ouviu: “Vá lavar-se no tanque de
Siloé”. O rosto do homem se ocultava dele por causa de sua cegueira, mas,
pelo tom de sua voz, devia ser alguém muito importante. Talvez até mesmo
majestoso, embora, havia muito tempo, os reis tivessem sumido de Israel e,
se um deles estivesse passando por ali, certamente não teria prestado
atenção ao chão para se dar conta de que um mendigo estava ali sentado.
“Vá.” Soava como “obedeça”. “Vá lavar-se no tanque” parecia aqui e agora.
Já tendo ido algumas vezes até o tanque ali perto, ele obedeceu. Seguiu as
orientações daquele homem. Então, tomou a água com as duas mãos, como
dois navios aleatórios que naufragam propositalmente, passou a mão pelo
barro e, jogando água no olho esquerdo, no olho direito, removeu o barro e
sentiu, então, os navios afundando intencionalmente, ao esfregá-los contra o
barro. Jogava água sobre o olho esquerdo, sobre o olho direito, limpando
um pouco o gosto de água barrenta que escorria pela boca, ele começou a
perceber que pingava das mãos. Usando as palmas para limpar as seções
mais obstinadas das pálpebras, a luz o assustou. Quanto mais a lama caía,
mais ele enxergava. Até que, de repente, ele podia ver.
Caminhando de volta ao templo, as pessoas viram que ele as via. Elas
estavam acostumadas a ver os olhos daquele homem fechados ou vagando a
esmo, incapazes de se fixar em qualquer objeto, mas agora ele olhava na
direção delas, e elas não sabiam se era realmente aquele homem ou outro
com o mesmo rosto que sempre havia enxergado. Ao ouvir e ver as pessoas
perguntando se ele era o mesmo homem cego que mendigava fora do
templo, ele lhes disse que era, de fato, o mesmo homem. Então,
perguntaram-lhe como é que ele podia enxergar, e ele lhes respondeu que
um homem chamado Jesus fizera isso. Por fim, o milagre chamou a atenção
dos fariseus, que indagaram ao mendigo, assim como os judeus comuns
também fizeram. Perguntaram até mesmo aos pais do cego se ele realmente
nascera cego. Eles confirmaram o fato. Agora, o filho sabia como era o
rosto de seus pais, e que fora Jesus o autor desse milagre.
Os fariseus não conseguiam entender a ideia de que Jesus — um homem
que clamava ser um com Deus, um Messias em roupas de carpinteiro —
havia realizado esse milagre. Ou mesmo que o milagre fosse verdadeiro, e
não apenas fruto de histeria. Os cegos continuam cegos. A não ser que, na
verdade, eles nunca tenham sido cegos. Hipoteticamente, se seus olhos
tivessem sido realmente abertos, não havia possibilidade de um judeu da
Galileia ter feito isso. Enceguecidos por seu compromisso com a
incredulidade, indispostos a olhar para além do milagre e ver a glória de
Deus nisso, os fariseus expulsaram o homem antes cego que agora
enxergava. Mas Jesus o encontrou e lhe perguntou: “Você crê no Filho do
homem?”. “Quem é ele, Senhor, para que eu nele creia?”, perguntou. E
Jesus respondeu: “Você já o tem visto. É aquele que está falando com você”.
“Senhor, eu creio”, declarou ele e o adorou. Jesus ainda disse: “Eu vim a
este mundo para julgamento, a fim de que os cegos vejam e os que veem se
tornem cegos”.
Você sabe por que, para nós, é difícil crer que uma garota gay pode
tornar-se uma criatura totalmente diferente? Porque temos dificuldade de
crer em Deus. Os fariseus viram o homem cego de nascença, ouviram seu
testemunho, ouviram acerca de seu passado e de como era completamente
diferente do seu presente, recusando-se a crer no milagre por causa de
Quem era apontado. Eles eram céticos do milagre porque não possuíam fé
verdadeira no Deus que o havia realizado. O milagre era menos a respeito
do cego e mais a respeito de um bom Deus. O milagre exibia Deus.
Mostrava seu poder. Sua capacidade de fazer o que ele quer. Como ele quer,
quando ele quer e para quem ele escolhe.
A natureza incompreensível daquilo que Jesus fez consistia em mostrar a
todos os homens que Jesus era realmente o Deus encarnado. Desse modo,
tudo que ele dizia sobre ele e sobre o mundo era totalmente verdadeiro. O
milagre seria usado por Jesus para as futuras gerações, a fim de revelar a
grande cegueira de todo homem que se convence de sua própria bondade,
achando que, de alguma forma, consegue ter sucesso na vida sem Jesus.
Andando pelo mundo, cegos como sempre, acreditando que as trevas em
que passam todos os seus dias são, na verdade, a luz.
Jesus veio ao mundo para restaurar a visão não apenas porque ele queria
que assim fosse, mas também porque ele tinha poder para fazer isso. Um
milagre é assim chamado por uma razão. É mais difícil remover a dureza do
coração de um pecador do que dar visão física a um cego. Os humanos têm
sido incapazes de abrir os próprios olhos, espiritualmente falando, mesmo
antes de Adão se esconder atrás das árvores, esperando que, ao assim agir,
podia salvar-se de Deus. Nós todos temos nos tornado muito criativos ao
tentar enxergar, mas jamais conseguiremos. Deus não seria Deus se ele não
pudesse fazer o impossível. Antes de o tempo existir, ele já o fizera e,
quando o tempo tornar-se uma lembrança distante que só serve de
recordação, ele estará sempre fazendo o que ninguém mais consegue fazer:
ser Deus. O Deus que realiza milagres. Podemos ter certeza de que a
salvação de um pecador é o maior milagre que o mundo é capaz de ver.
O mesmo poder que tornou um cego de nascença capaz de ver por meio
de algo tão corriqueiro quanto cuspe e barro é o enorme poder contido na
loucura do evangelho trazido ao mundo mediante um Salvador ressurreto. É
pela fé nele, iniciada por sua busca por mim, que eu, uma garota gay, hoje
uma nova criatura, fui justificada diante de Deus. Ao receber a visão, ao me
tornar capaz de reconhecer minhas mãos e como haviam sido calejadas pelo
pecado, e como Jesus veio me purificar de todo pecado. Agora que eu o
vejo, também o adoro. Uma coisa é certa: se alguém me perguntar como
sou capaz de ver agora, depois de andar cega por tanto tempo, eu
simplesmente direi: “Eu era cega, um bom Deus veio, e agora eu vejo”.
João 9.1-34.
TERCEIRA PARTE | ATRAÇÃO
PELO MESMO SEXO E...
ESTES CAPÍTULOS FINAIS SERVEM como um recurso. Até aqui, falei muito de
mim mesma, falei muito de Deus, mas, se você for parecida comigo, deve
estar se perguntando: E agora? Existe algo prático de que eu possa lançar
mão, para mim ou para minhas amigas ou colegas de trabalho? Acredito
que a próxima seção, embora não se mostre exaustiva, seja útil se esse for o
caso.
Ao longo dos capítulos seguintes, farei muitas referências a “cristãos que
se sentem atraídos pelo mesmo sexo”. Para simplificar, “cristãos AMS”
[Atraídos pelo Mesmo Sexo]. O uso dessa designação refere-se a crentes,
homens e mulheres nascidos de novo que, pela graça mediante a fé,
arrependeram-se de seus pecados (inclusive de sua homossexualidade) e
colocaram sua fé no Senhor Jesus Cristo. Refiro-me a esses homens e a
essas mulheres como cristãos AMS porque, embora eles tenham sido
renovados pelo poder do Espírito, ainda se sentem tentados pela carne a
fazer o que desagrada a Deus, ou seja, submeter-se a versões deturpadas da
sexualidade.
Emprego esse designativo apenas para ser específica quanto às pessoas a
quem me dirijo ou ao assunto que temos em vista. Quero esclarecer que não
estou sugerindo que, por esses homens e mulheres ainda se sentirem
tentados por AMS, tenham uma identidade do que alguns chamariam de
“cristãos gays”. Novamente, como eu já disse, não creio que seja sábio ou
verdadeiro em relação ao poder do evangelho identificar-nos pelos pecados
do passado ou pelas tentações do presente; devemos ser definidos apenas
pelo Cristo, que venceu a ambos em benefício daqueles a quem chamou
para si. Nós todos, homens e mulheres — e, aqui, eu me incluo — que
conhecem bem o que é tentação sexual, não somos, enfim, definidos por
aquilo que nossa tentação fala a nosso respeito. Somos o que Cristo fez por
nós; portanto, nossa identidade última é bastante simples: nós somos
cristãos.
15 | ATRAÇÃO PELO MESMO SEXO E
IDENTIDADE
Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então,
a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado,
gera a morte. (Tg 1.14-15)
Naquele tempo, que resultados colhestes? Somente as coisas de que, agora, vos
envergonhais; porque o fim delas é morte. (Rm 6.21)
Há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte. (Pv
14.12)
Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do
Pai não está nele. (1Jo 2.15)
Aquele que pratica o pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando desde o
princípio. Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo. (1Jo 3.8)
Todos os artífices de imagens de escultura são nada, e as suas coisas preferidas são de
nenhum préstimo; eles mesmos são testemunhas de que elas nada veem, nem entendem,
para que eles sejam confundidos. (Is 44.9)
Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas
paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de
iniquidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos
membros, a Deus, como instrumentos de justiça. (Rm 6.12-13)
Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem
impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem
avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus. Tais
fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados
em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus. (1Co 6.9-11)
E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se
fizeram novas. (2Co 5.17)
Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto
para a santificação e, por fim, a vida eterna. (Rm 6.22)
Assim como nos escolheu nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e
irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por
meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua
graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado. (Ef 1.4-6)
Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão
preparou para que andássemos nelas. (Ef 2.10)
Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à
direita de Deus e também intercede por nós. (Rm 8.34)
Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar,
temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo. (1Jo 2.1)
Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. (Rm 8.1)
Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber,
aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem, mas de Deus. (Jo 1.12-13)
Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus mediante nosso Senhor Cristo, por
intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos
firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus. (Rm 5.1-2)
Em todas estas coisas, pois, somos mais que vencedores por meio daquele que nos amou.
Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a
profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está
em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Rm 8.37-39)
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de
Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz. (1Pe 2.9)
Não havendo sábia direção, cai o povo, mas na multidão de conselheiros há segurança. (Pv
11.14)
Pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim
de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado. (Hb 3.13)
Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras.
Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e
tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima. (Hb 10.24-25)
Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de
quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa
cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em
amor. (Ef 4.15-16)
(...) se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se
regozijam. (1Co 12.26)
Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as
nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de
vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso
Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação. (Ap 7.9-10)
Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, nem se
cansa, nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar o seu entendimento. Faz forte ao cansado e
multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os jovens se cansam e se fatigam, e os
moços de exaustos caem, mas os que esperam no Senhor renovam as suas forças, sobem
com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam. (Is 40.28-31)
Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra,
delícias perpetuamente. (Sl 16.11)
Mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor e faço
misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor. (Jr 9.24)
Com quem comparareis a Deus? Ou que coisa semelhante confrontareis com ele? (Is 40.18)
No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as
abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis
asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam
uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está
cheia da sua glória. (Is 6.1-3)
Eis que a mão do Senhor não está encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu
ouvido, para não poder ouvir. (Is 59.1)
Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós,
mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados. (1Pe 2.24)
Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois, nele, foram
criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos,
sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para
ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, da igreja.
Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia,
porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo
sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre
a terra, quer nos céus. (Cl 1.15-20)
[Jesus] a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo
que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome,
para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda
língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai. (Fp 2.8-11)
Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com
exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus
Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora,
e por todos os séculos. Amém! (Jd 24-25)
E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E
acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. Disse-me ainda: Tudo
está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de
graça da fonte da água da vida. (Ap 21.5-6)
Deveria ser uma expectativa tanto de cristãos mais novos como dos mais
antigos que saem da comunidade LGBT que eles vão experimentar a
tentação de se identificar com algo diferente do que a Escritura declarou ser
verdade. Quer seja a identidade do pecado, a identidade do santo, a
identidade da igreja ou a identidade de Deus, existe um inimigo de verdade
que se compraz em nossa dúvida. Porém, a maior arma que temos contra ele
e até mesmo contra nossa carne é a fé na Palavra de Deus. Ao confiar nela
como a palavra final, permaneceremos fortes mesmo quando nos sentirmos
fracos.
Seja encorajado.
Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a
armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo; porque a nossa
luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os
dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões
celestes. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e,
depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis. Estai, pois, firmes, cingindo-vos
com a verdade e vestindo-vos da couraça da justiça. Calçai os pés com a preparação do
evangelho da paz; embraçando sempre o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os
dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do
Espírito, que é a palavra de Deus; com toda oração e súplica, orando em todo tempo no
Espírito e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos. (Ef 6.10-
18)
Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os
criou. (Gn 1.27)
Então, ouvi uma como voz de numerosa multidão, como de muitas águas e como de fortes
trovões, dizendo: Aleluia! Pois reina o Senhor, nosso Deus, o Todo-Poderoso. Alegremo-
nos, exultemos e demos-lhe a glória, porque são chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa
a si mesma já se ataviou, pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e
puro. Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos. Então, me falou o anjo:
Escreve: Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro. E
acrescentou: São estas as verdadeiras palavras de Deus. (Ap 19.6-9)
O que realmente eu quero é que estejais livres de preocupações. Quem não é casado cuida
das coisas do Senhor, de como agradar ao Senhor; mas o que se casou cuida das coisas do
mundo, de como agradar à esposa e assim está dividido. Também a mulher, tanto a viúva
como a virgem, cuida das coisas do Senhor, para ser santa, assim no corpo como no espírito;
a que se casou, porém, se preocupa com as coisas do mundo, de como agradar ao marido.
Digo isto em favor dos vossos próprios interesses; não que eu pretenda enredar-vos, mas
somente para o que é decoroso e vos facilite o consagrar-vos, desimpedidamente, ao Senhor.
(1Co 7.32-35)
Enquanto torna-se comum encorajar o cristão AMS a ver que ser solteiro
é um dom, nossas igrejas locais precisam reavaliar o modo como falharam
em ser a família de Deus para todos, casados e solteiros, conforme Deus nos
chamou para ser. O mundo vê a intimidade romântica/sexual como o único
nível real e profundo de intimidade que as pessoas podem experimentar.
Desse modo, um chamado ao celibato pode ser presumido como um
chamado à solidão. Sabemos que a solidão nunca foi a intenção de Deus
para os portadores de sua imagem (Gn 2.18). Ele, o Deus trino, é, por
natureza, um Deus de comunidade e nos criou a todos para sermos
comunais como ele. O problema é que, para alguns solteiros, o sentimento
de solidão é muito palpável porque a presença da comunidade não é. Se
quisermos ajudar os solteiros AMS a conhecer a profunda intimidade não
sexual, a igreja precisa buscar ativamente demonstrar isso.
Enquanto este for culturalmente o caso, e enquanto isso estiver refletido em nossas igrejas,
será muito difícil qualquer pessoa solteira sentir que a ética sexual cristã é plausível.
Precisamos garantir que nossa família da igreja seja realmente uma família. Jesus promete
que “todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe ou mulher,
ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais e herdará a vida
eterna” (Mt 19.29). Igualmente, qualquer que seja participante de nossas igrejas poderá
20
dizer que experimentou um aumento na intimidade e no sentimento de comunidade. –
Christopher Yuan
Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo
aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. (Rm 1.16)
Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos
como vossos servos, por amor de Jesus. (2Co 4.5)
Vinde, ouvi, vós todos que temeis a Deus, e eu vos contarei o que ele fez a minha alma. (Sl
66.16)
EU ME PERGUNTO POR QUE o salmista disse isso. Por que ele nos convida a
escutar algo tão maravilhoso quanto isso. Ele poderia ter guardado tudo
para si e só ter contado aos prediletos que ele sabia que compreenderiam.
Algumas histórias são guardadas, embrulhadas, escondidas do campo de
visão. Reveladas por força ou escolha. Porém, ele escolheu nos contar, a
despeito do que essa narrativa pudesse fazer com quem decidisse escutar.
Decidiu não esconder de nós o que acontecera com sua alma, pois era algo
bom demais para esconder, como no início de uma oração. O tipo de oração
que começa dizendo “Eu te louvo porque...” e termina sem som. O silêncio
é o que pode acontecer com a boca quando a mente lembra a graça e como
ela é doce ao toque. Contudo, mesmo assim, essa lembrança de que Deus
fez algo em sua alma, algo que vale a pena contar, é isso que ele queria que
nós ouvíssemos.
E eu acho que sei o porquê. Este livro que você tem em mãos é minha
forma de fazer o mesmo. Enquanto você estava lendo, ouviu de mim o que
Deus fez. Ao me amar, ele me deu vida. Deu-me um coração novinho em
folha, que palpita somente para amá-lo com tudo que há nele. E, com esse
novo coração apaixonado por um Deus que não muda, fui compelida a
contar.
Eu não queria que você viesse escutar a meu próprio respeito. Não fui eu
que fiz qualquer coisa pela minha alma. Eu havia feito coisas contra ela.
Mas o que Deus fez em minha alma vale a pena contar porque vale a pena
conhecê-lo. Vê-lo. Ouvi-lo. Vale a pena amá-lo, confiar nele e exaltá-lo.
Meu relato, como eu já disse, é meu louvor. Contar a você o que Deus fez
pela minha alma é convidá-lo à minha adoração.
Creio que nos deleitamos no louvor do que nos dá prazer porque o louvor não somente
expressa, como também completa esse prazer; é sua designada consumação. Não é por
simples elogio que os amantes ficam dizendo um ao outro quanto são lindos; esse deleite é
incompleto até que isso seja expressado. É frustrante descobrir um novo autor e não poder
contar a ninguém quanto ele é bom; chegar de repente na curva da estrada, em um vale da
montanha de grandeza inesperada, e ter de se calar porque as pessoas com quem você está
andando não ligam para isso mais do que ligam para uma lata velha na vala; ouvir uma boa
piada e não ter ninguém com quem compartilhar (...) O catecismo escocês diz que o
principal objetivo do homem é “glorificar a Deus e deleitar-se nele para sempre”. Mas,
então, saberemos que tanto uma como outra são a mesma coisa. Ter plena alegria nele é
glorificá-lo. Ao nos ordenar a glorificá-lo, Deus está nos convidando a ter nele todo o nosso
prazer.21
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