FT - Estranhões e Bizarrocos 20 - 21
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TRABALHO
Vladimir recebeu muitas prendas no Natal, entre livros, discos, jogos de computador, mas gostou
sobretudo do equipamento para caçar borboletas. O equipamento incluía uma rede, um frasco de
vidro, algodão, éter, uma caixa de madeira com fundo de cortiça, e muitos alfinetes coloridos.
Aquilo deixou-o entusiasmado. Ele gostava de insectos mas não sabia que era possível coleccioná-
5 -los, como quem colecciona selos, conchas ou postais, talvez até trocar exemplares repetidos com os
amigos. Nessa mesma tarde saiu para caçar borboletas. Foi para o matagal, junto ao rio, atrás de casa,
um lugar onde se juntavam insectos de todo o tipo. Já tinha apanhado cinco borboletas, que guardara
dentro do frasco de vidro, quando ouviu alguém cantar numa voz de algodão doce – uma voz tão doce
e tão macia que ele julgou que sonhava. Espreitou e viu, pousada numa flor, uma borboleta linda como
10 um arco-íris, mas ainda mais colorida e luminosa. Sentiu o que deve sentir em momentos assim todo o
caçador: sentiu que o ar lhe faltava, sentiu que as mãos lhe tremiam, sentiu uma espécie de alegria
muito grande. Lançou a rede e viu a borboleta soltar-se da flor num voo curto e depois debater-se, já
presa, nas malhas de nylon. Passou-a para o frasco e ficou um longo momento a olhar para ela.
– Agora és minha – disse-lhe –, toda a tua beleza me pertence.
15 A borboleta agitou as asas muito levemente e ele ouviu a mesma voz que há instantes o encantara:
– Isso não é possível – era a borboleta que falava. – Sabes como surgiram as borboletas? Foi há
muito, muito tempo, na Índia. Vivia então ali um homem sábio e bom, chamado Buda...
Vladimir esfregou os olhos:
– Meu Deus! Estou a sonhar?
20 A borboleta riu-se:– Isso não tem importância. Ouve a minha história. Buda, o tal homem sábio e
bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu uma mão cheia de flores e lançou-as ao vento e
disse: voem! E foi assim que surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser vista
no ar, entendes? É uma beleza para ser voada.
– Não! – disse Vladimir abanando a cabeça. – Eu sou um caçador de borboletas. As borboletas
25 nascem, voam e morrem, e se não forem os coleccionadores, como eu, desaparecem para sempre.
A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um regato correndo, não era um riso de troça):
Bom trabalho!