Golan - 18 - Farmacologia Do Ritmo Cardíaco

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 22

III

Princípios de
Princí
Farmacologia
Cardiovascular
18
Farmacologia do Ritmo Cardíaco
April W. Armstrong e David E. Clapham

Introdução Vias Acessórias


Caso Classes e Agentes Farmacológicos
Fisiologia Elétrica do Coração Mecanismos Gerais de Ação dos Agentes Antiarrítmicos
Células Marcapasso e Não-Marcapasso Classes de Agentes Antiarrítmicos
Potenciais de Ação Cardíacos Agentes Antiarrítmicos de Classe I: Bloqueadores dos Canais de
Determinação da Freqüência de Disparo Na+ Rápidos
Fisiopatologia da Disfunção Elétrica Agentes Antiarrítmicos de Classe II: Antagonistas ␤-Adrenérgicos
Defeitos na Formação (Nó SA) do Impulso Agentes Antiarrítmicos de Classe III: Inibidores da Repolarização
Automaticidade Alterada Agentes Antiarrítmicos de Classe IV: Bloqueadores dos Canais de
Atividade Deflagrada Ca2+
Defeitos na Condução do Impulso Outros Agentes Antiarrítmicos
Reentrada Conclusão e Perspectivas Futuras
Bloqueio da Condução Leituras Sugeridas

O exame físico revela batimentos cardíacos irregulares de 120 a


INTRODUÇÃO 140 batimentos/min. A pressão arterial do Dr. J é estável (132/76
mm Hg) e a saturação de oxigênio é de 100% no ar ambiente.
O coração humano é um órgão tanto mecânico quanto elétrico. O eletrocardiograma (ECG) confirma a presença de fibrilação atrial,
Para perfundir o corpo adequadamente com sangue, os compo- sem qualquer evidência de isquemia. São administrados vários bolus
nentes mecânicos e elétricos do coração precisam atuar juntos em intravenosos de diltiazem e a freqüência cardíaca do Dr. J diminui para
harmonia precisa. O componente mecânico bombeia o sangue, uma faixa de 80−100 batimentos/min; todavia, o ritmo permanece
enquanto o componente elétrico controla o ritmo da bomba. irregular. Outros exames laboratoriais e a radiografia de tórax não
Quando o componente mecânico falha, apesar de um ritmo nor- revelam uma causa subjacente para a fibrilação atrial do Dr. J.
mal, pode ocorrer insuficiência cardíaca (ver Cap. 24). Quando Durante a observação nas próximas 12 horas, o Dr. J continua
o componente elétrico passa a funcionar de modo inapropriado apresentando fibrilação atrial. Embora a sua freqüência cardíaca
(arritmia), os miócitos cardíacos não conseguem se contrair de esteja sob controle, continua tendo palpitações. Com monitoração
modo sincrônico e ocorre comprometimento do bombeamento efe- ECG contínua, o cardiologista administra uma infusão intravenosa
tivo. A ocorrência de alterações no potencial de membranas das de ibutilida. Vinte minutos após a infusão de ibutilida, o ECG do
células cardíacas afeta diretamente o ritmo cardíaco, e os agentes Dr. J revela um retorno ao ritmo sinusal normal. Com base na sua
antiarrítmicos atuam, em sua maioria, ao modular a atividade dos idade e saúde geralmente boa, o Dr. J recebe alta com prescrição
canais iônicos na membrana plasmática. Este capítulo discute a de aspirina. É orientado a chamar o seu médico caso apareçam
base iônica da formação do ritmo elétrico e condução no coração, mais sintomas de fibrilação atrial.
a fisiopatologia da disfunção elétrica e os agentes farmacológicos O Dr. J sente-se bem a princípio, porém surgem palpitações
utilizados para restaurar a normalidade do ritmo cardíaco. recorrentes três semanas após o evento inicial. Após discutir o
problema com o seu cardiologista, decide começar a tomar amioda-
rona, numa dose de manutenção de 200 mg/dia, além de continuar
n Caso com a aspirina. O Dr. J tolera bem a amiodarona e não se queixa
de nenhuma dificuldade na respiração. Permanece assintomático
Em uma manhã de inverno, o Dr. J, um professor de 56 anos de durante o restante de suas aulas de cardiologia.
idade, está fazendo uma preleção sobre o tratamento das miocar-
diopatias para os alunos de segundo ano de medicina. Sente seu
coração bater irregularmente e começa a ter náuseas. Consegue
QUESTÕES
terminar a sua exposição, mas continua sentindo muita falta de ar n 1. Por que o diltiazem diminuiu a freqüência cardíaca do Dr.
durante todo o restante da manhã. A persistência dos sintomas o J sem afetar o seu ritmo cardíaco subjacente, a fibrilação
leva a procurar a emergência local. atrial?
282 | Capítulo Dezoito

n 2. Por que a ibutilida só deve ser administrada sob cuidadosa de canais de cada tipo, de sua condutância (i. é, capacidade
monitoração? de passagem de íons de cada canal) e da duração de abertura
n 3. Por que a ibutilida e a amiodarona foram efetivas na conver- de cada canal. A membrana em repouso do miócito cardíaco
são do ritmo cardíaco do Dr. J em ritmo sinusal normal? é relativamente permeável aos íons K+ (visto que alguns tipos
n 4. Que efeitos adversos da amiodarona poderiam ocorrer com de canais seletivos para o K+ estão abertos), mas não a íons
a administração de doses diárias mais altas? Na+ ou Ca+; por conseguinte, o potencial de membrana em
repouso aproxima-se do potencial de equilíbrio para o K+. (O
verdadeiro potencial de membrana do miócito cardíaco é mais
alto do que o potencial de equilíbrio para o K+, devido à con-
FISIOLOGIA ELÉTRICA DO CORAÇÃO tribuição de outros canais iônicos no potencial de membrana
em repouso.)
A atividade elétrica no coração, que determina a contração A mudança do potencial de membrana exige o movimento
cardíaca rítmica, é uma manifestação do primoroso controle de um número relativamente pequeno de íons através da mem-
do coração sobre a despolarização celular e a condução de brana. Por conseguinte, apesar da abertura e do fechamento dos
impulsos. Uma vez iniciado, o potencial de ação cardíaco é um canais iônicos, os gradientes de concentração iônicos através
evento espontâneo, que prossegue de acordo com as respostas da membrana permanecem relativamente estáveis, e o potencial
características dos canais iônicos a mudanças na voltagem da de Nernst para cada íon permanece constante.
membrana. Ao concluir um ciclo, a despolarização espontânea Os potenciais de ação cardíacos são notavelmente mais lon-
das células marcapasso assegura a repetição contínua do pro- gos do que os dos nervos ou dos músculos esqueléticos, com
cesso, sem interrupção. duração de quase meio segundo. Os potenciais de ação cardí-
acos prolongados proporcionam a despolarização sustentada e
CÉLULAS MARCAPASSO E NÃO-MARCAPASSO contração necessárias para esvaziar as câmaras cardíacas. As
células do nó sinoatrial (SA) regulam o ritmo do coração em
O coração contém dois tipos de miócitos cardíacos — os que freqüências cardíacas em repouso normais situadas entre 60
são capazes de iniciar espontaneamente potenciais de ação e e 100 batimentos/min, enquanto as células musculares ventri-
aqueles que não têm essa capacidade. As células que possuem culares coordenam a contração que ejeta sangue do coração
a capacidade de iniciar potenciais de ação espontâneos são (Fig. 18.1).
denominadas células marcapasso. Todas as células marcapasso As células do nó SA disparam espontaneamente em um ciclo
exibem automaticidade, isto é, a capacidade de despolarizar de definido por três fases, designadas como fase 4, fase 0 e fase 3
maneira rítmica acima de um limiar de voltagem. A automati- (Fig. 18.2 e Quadro 18.1). A fase 4 consiste em despolarização
cidade resulta na geração de potenciais de ação espontâneos. espontânea lenta, produzida por uma corrente marcapasso de
As células marcapasso são encontradas no nó sinoatrial (nó entrada (If). Essa despolarização espontânea é responsável pela
SA), no nó atrioventricular (nó AV) e no sistema de condução automaticidade do nó SA. Os canais que transportam a corrente
ventricular (feixe de His, ramos do feixe e fibras de Purkinje). If são ativados durante a fase de repolarização do potencial
Em seu conjunto, as células marcapasso constituem o sistema de ação anterior. Os canais de If são canais catiônicos não-
de condução especializado que governa a atividade elétrica seletivos, embora a maior parte da corrente marcapasso seja
do coração. O segundo tipo de células cardíacas, as células transportada por íons Na+, visto que, em potenciais de mem-
não-marcapasso, inclui os miócitos atriais e ventriculares. brana negativos, a força propulsora para a entrada de Na+ é
As células não-marcapasso sofrem contração em resposta à maior que aquela para o efluxo de K+. A fase 0 consiste em
despolarização e são responsáveis pela maior parte da contra- uma despolarização mais rápida mediada por canais de Ca2+
ção cardíaca. Em situações patológicas, essas células não-mar- regulados por voltagem e altamente seletivos, que, com a sua
capasso podem adquirir automaticidade e, portanto, também abertura, impulsionam o potencial de membrana para ECa. Na
passam a atuar como células marcapasso. fase 3, os canais de Ca2+ fecham-se lentamente, e ocorre aber-
tura dos canais seletivos de K+, resultando em repolarização da
membrana. Quando o potencial de membrana repolariza para
POTENCIAIS DE AÇÃO CARDÍACOS cerca de −60 mV, a abertura dos canais de If é desencadeada,
Os íons não estão igualmente distribuídos através das membra- e o ciclo começa novamente.
nas celulares. Os transportadores (bombas) impulsionam o K+ Embora a corrente If (marcapasso de entrada) seja responsá-
para dentro das células, enquanto retiram o Na+ e o Ca2+, dando vel pela despolarização espontânea lenta na fase 4 do potencial
origem a gradientes elétricos e químicos através da membrana. de ação do nó SA, a cinética dessa despolarização é modulada
Esses gradientes determinam, em última análise, o potencial de por canais de Na+ regulados por voltagem, que também são
membrana de uma célula cardíaca. O potencial de equilíbrio expressos no nó. Existem gradientes de expressão dos canais
de Nernst para cada íon (ENa = +70 mV, EK = –94 mV e ECa de Na+ e dos canais de Ca2+ no nó SA, de modo que as células
= +150 mV) depende das concentrações relativas de íons no na borda do nó expressam um número relativamente maior
interior e no exterior da célula. A diferença entre o potencial de de canais de Na+ regulados por voltagem, enquanto as células
Nernst de um íon e o potencial da membrana celular determina situadas no centro do nó expressam um número relativamente
a força propulsora para a entrada ou saída de íons da célula. O maior de canais de Ca2+ regulados por voltagem. A expressão
leitor deve consultar o Cap. 6, para uma discussão detalhada dos canais de Na+ regulados por voltagem no nó SA é responsá-
do potencial de equilíbrio de Nernst. vel, em parte, pelo efeito de certos agentes antiarrítmicos sobre
Quando ocorre abertura de um canal iônico específico, o a automaticidade das células do nó SA (ver adiante).
potencial de membrana aproxima-se do potencial de equilíbrio Ao contrário das células nodais SA, os miócitos ventricula-
para este íon. Por exemplo, a abertura de um canal seletivo res não sofrem despolarização espontânea em condições fisio-
para K+ impulsiona o potencial de membrana para EK (−94 lógicas. Em conseqüência, o potencial de membrana do miócito
mV). O potencial de membrana final irá depender do número ventricular em repouso permanece próximo a EK até que a célula
Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 283

A Célula do nó SA Fases do Potencial


Principais Correntes
de Ação do Nó SA
Despolarização

160
ECa Fase 4 If = Corrente marcapasso,
120 +150 mV principalmente a corrente de Na+
para dentro da célula. IK1 = corrente
80
ENa de K+ retificadora, para fora da célula
Em (mV)

40 +70 mV
Fase 0 ICa = Corrente de Ca2+ para dentro
+10
da célula
0
Fase 3 IK = Corrente retificadora de K+ tardia,
-40 para fora da célula
-55
Repolarização

-80 Ca2+
EK K+
-120 -94 mV K+
0 100 200 300 400 500
Na+
Tempo (ms)
A Potencial de ação do nó SA
B Célula muscular ventricular
40

Potencial de membrana (mV)


Despolarização

160
ECa
20
120 +150 mV
0
80
ENa ICa
+47 IK
Em (mV)

40 +70 mV -20
Fase 0 Fase 3
0 -40 IK1 IK1
If Fase 4 If
-40 -60
Repolarização

0 150
-80 -86 Tempo (ms)
EK
-120 -94 mV B Correntes iônicas do potencial de ação do nó SA
0 100 200 300 400 500
4
Tempo (ms) IK
Correntes através da

2
membrana (µA/µF)

IK1 IK1

0
Fig. 18.1 Potenciais de ação do nó SA e das células musculares If
If
ventriculares. O potencial de membrana em repouso de uma célula do nó -2
sinoatrial (SA) é de aproximadamente −55 mV, enquanto aquele de uma (As correntes para fora
célula muscular ventricular é de −86 mV. As áreas sombreadas representam -4 ICa
da célula são +;
a despolarização aproximada necessária para deflagrar um potencial de ação as correntes para
em cada tipo de célula. Em seu conjunto, os potenciais de ação cardíacos -6
dentro da célula são -)
duram aproximadamente meio segundo. As células do nó SA (A) despolarizam
até um pico de +10 mV, enquanto as células musculares ventriculares (B) 0 150
despolarizam até um pico de +47 mV. Observe que o potencial de ação Tempo (ms)
ventricular apresenta uma fase de platô muito mais longa. Esse platô longo
assegura um tempo adequado para a contração dos miócitos ventriculares
antes do início do próximo potencial de ação. Os potenciais de equilíbrio de
Nernst dos principais íons (ECa, ENa, EK) são mostrados nas linhas horizontais Fig. 18.2 Potencial de ação do nó SA e correntes iônicas. A. As células
tracejadas. Em, potencial de membrana. do nó SA são lentamente despolarizadas pela corrente marcapasso (If) (fase
4), que consiste em um fluxo de íons sódio (principalmente) e cálcio para
dentro da célula. A despolarização até o potencial limiar abre os canais de
cálcio regulados por voltagem e altamente seletivos, que impulsionam o
potencial de membrana para Eca (fase 0). Com o fechamento dos canais de
seja estimulada por uma onda de despolarização iniciada pelas cálcio e a abertura dos canais de potássio (fase 3), ocorre repolarização do
células marcapasso adjacentes. As cinco fases do potencial de potencial de membrana. B. O fluxo de cada espécie iônica correlaciona-se
ação dos miócitos ventriculares resultam de uma cascata intri- aproximadamente com cada fase do potencial de ação. As correntes positivas
indicam um fluxo de íons para fora da célula (azul), enquanto as correntes
cadamente entrelaçada de aberturas e fechamentos de canais; as negativas são para dentro da célula (cinza).
fases são numeradas de 0 a 4 (Fig. 18.3, Quadro 18.1).
Na fase 0, a ascensão do potencial de ação de despolarização
muito rápida é causada por um aumento transitório da corrente
da Na+ para dentro da célula através dos canais de Na+ regulados de pela despolarização e impulsiona o potencial de membrana
por voltagem (observe que as correntes na fase 0 dos potenciais para ENa (+ 70 mV). Apesar de ser grande, o aumento da condu-
de ação do nó SA e miócitos ventriculares são transportados por tância de Na+ durante a fase 0 dura apenas 1−2 milissegundos,
diferentes íons—Ca2+ e Na+, respectivamente). A abertura dos devido à inativação dos canais de Na+ em função do tempo e da
canais de Na+ leva a um rápido influxo de Na+ (INa), que respon- voltagem. A inativação dos canais rápidos de Na+ provoca uma
284 | Capítulo Dezoito

QUADRO 18.1 Principais Características das Fases do Potencial de Ação das Células do Nó SA e dos Miócitos Ventriculares
Células do Nó SA
Segmento Características Principal Corrente Subjacente

Fase 4 Despolarização lenta Corrente If para dentro da célula (transportada


principalmente por íons Na+)
Fase 0 Fase ascendente do potencial de ação Corrente de Ca2+ para dentro da célula através dos canais
de Ca2+ sensíveis à voltagem (ICa)
Fase 3 Repolarização Corrente de K+ para fora da célula através dos canais de
K+ (Ik)

Miócitos Ventriculares
Segmento Características Principal Corrente Subjacente

Fase 4 Potencial de membrana em repouso Correntes para dentro e para fora da célula são iguais
Fase 0 Despolarização rápida Corrente de Na+ para dentro da célula através dos canais
de Na+ (INa)
Fase 1 Fase precoce de repolarização Diminuição da corrente de Na+ para dentro da célula e
efluxo de íons K+ através dos canais de K+ (Ito)
Fase 2 Platô Equilíbrio entre a corrente de Ca2+ para dentro da célula
através dos canais de Ca2+ (ICa) e a corrente de K+ para
fora da célula através dos canais de K+ (IK, Ik1)
Fase 3 Fase tardia da repolarização rápida Diminuição da corrente de Ca2+ e grande aumento da
corrente de K+ para fora da célula

acentuada redução da corrente de Na+ para dentro da célula. O duração de Ca2+, ICa.L — medeiam o influxo de Ca2+ necessário
tempo necessário para que os canais de Na+ se recuperem de para iniciar a contração. Os canais de Ca2+ de tipo T sofrem
sua inativação dependente da voltagem e do tempo determina o inativação com o decorrer do tempo e mostram-se insensíveis
período refratário do miócito. O período refratário refere-se ao ao bloqueio pelas diidropiridinas, como a nifedipina e a nitren-
tempo durante o qual não pode haver disparo de outro potencial dipina. A corrente através dos canais de Ca2+ de tipo L (ICa.L)
de ação. Isso serve como mecanismo protetor para assegurar ao proporciona a corrente de Ca2+ dominante em praticamente
coração um tempo suficiente para a ejeção do sangue de suas todas as células cardíacas. A ICa.L é ativada em −30 mV e sofre
câmaras. O período refratário estende-se do início da ascensão inativação lenta (centenas de milissegundos). Mostra-se sensí-
do potencial de ação até a fase de repolarização. A INa constitui vel ao bloqueio pelas diidropiridinas (nifedipina), benzodiaze-
a principal determinante da velocidade de condução do impulso pínicos (diazepam) e fenilalquilaminas (verapamil), conforme
através do ventrículo. discutido adiante. Os canais de Ca2+ de tipo L transportam a
A ativação da INa dependente do limiar despolariza rapida- corrente para dentro da célula durante a fase de platô; como o
mente a membrana. Entretanto, a fase ascendente termina antes Ca2+ estimula a contração dos miócitos cardíacos, esses canais
de alcançar ENa e é seguida de uma fase inicial de repolarização são cruciais para o acoplamento da excitabilidade da membrana
rápida de cerca de +20 mV. Essa fase 1 de repolarização é uma
à contração miocárdica.
conseqüência de dois eventos: (1) a rápida inativação de INa
Em oposição às correntes de Ca2+ para dentro das células,
dependente da voltagem e (2) a ativação de correntes transitó-
existem correntes para fora da célula através dos canais de
rias de K+ (Ito; corrente transitória para fora da célula).
K+, que são ativadas durante a fase de platô. Com a inativação
A fase 2, isto é, a fase de platô do potencial de ação ven-
tricular, é peculiar da eletrofisiologia das células cardíacas. O dependente do tempo das correntes de Ca2+ para dentro da
platô é mantido por um equilíbrio precisamente sintonizado célula, as correntes de K+ (principalmente IK) impulsionam
entre uma corrente de Ca2+ para dentro da célula, através de rapidamente o potencial de membrana para EK, repolarizando,
dois tipos de canais de Ca2+ (ICa.T, ICa.L), e uma corrente de K+ assim, a célula na fase 3. Entretanto, esses canais são inca-
para fora da célula, através de vários tipos de canais de K+ pazes de impulsionar o potencial de membrana até EK, visto
(Ik, IK1, Ito). Notavelmente, são utilizadas apenas algumas ce que sofrem desativação em −40 mV. Na fase 4 o potencial de
ntenas de canais por célula para manter esse equilíbrio preciso. membrana em repouso é restabelecido pela ativação das cor-
Devido à abertura de apenas um pequeno número de canais, rentes de K+ independentes do tempo (IK1), que impulsionam
a condutância total da membrana é lenta. A alta resistência da o potencial de membrana próximo ao potencial de equilíbrio
membrana durante a fase de platô isola eletricamente as células do K+.
cardíacas, permitindo uma rápida propagação do potencial de Na prática clínica, a atividade elétrica global do coração
ação com pouca dissipação da corrente. é medida, mais do que as alterações iônicas que ocorrem em
Durante a fase de platô, duas correntes distintas de Ca2+ nível celular. Essa atividade global é fornecida pelo eletrocar-
— a corrente transitória de Ca2+, ICa.T, e a corrente de longa diograma ou ECG (Boxe 18.1 e Fig. 18.4).
Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 285

Fases do
Potencial de
Principais Correntes BOXE 18.1 O Eletrocardiograma
Ação Ventricular
Fase 4 IK = Corrente de K+ retificadora, para fora da célula O eletrocardiograma (ECG ou EKG) é utilizado para demonstrar
1
INa/Ca = Corrente de Na+ e de Ca2+ para dentro da célula alterações nos impulsos cardíacos através do registro de potenciais
Fase 0 INa = Corrente de Na+ rápida para dentro da célula elétricos em vários locais na superfície do corpo. O registro do ECG
reflete alterações na excitação do miocárdio. A compreensão básica
Fase 1 Ito = Corrente de K+ transitória para fora da célula do ECG é útil para discutir as aplicações clínicas dos diversos
Fase 2 ICa = Corrente de Ca2+ para dentro da célula agentes antiarrítmicos.
IK = Corrente de K+ retificadora tardia para fora da célula O eletrocardiograma normal contém três formas de ondas
IK = Corrente de K+ retificadora, para fora da célula
1
elétricas: a onda P, o complexo QRS e a onda T (Fig. 18.4). A
Ito = Corrente de K+ transitória para fora da célula onda P representa a despolarização atrial; o complexo QRS
representa a despolarização ventricular; e a onda T representa a
Fase 3 IK = Corrente de K+ retificadora tardia para fora da célula
repolarização ventricular. O ECG não mostra de modo explícito a
Ca2+ repolarização atrial, visto que a repolarização atrial é “dominada”
K+ pelo complexo QRS. O ECG também contém dois intervalos e
Na+ K+ um segmento: o intervalo PR, o intervalo QT e o segmento ST.
O intervalo PR estende-se do início da onda P (despolarização
K+ K+
inicial dos átrios) até o início da onda Q (despolarização inicial
Na+/Ca2+ Na+/Ca2+
dos ventrículos). Por conseguinte, o comprimento do intervalo
A Potencial de ação ventricular PR varia de acordo com a velocidade de condução através do nó
60 AV. Por exemplo, se um paciente tiver um bloqueio elétrico no
Ito
Potencial de membrana (mV)

Fase 1 nó AV, a velocidade de condução através do nó AV diminui, e o


ICa intervalo PR aumenta. O intervalo QT começa no início da onda
30
IK, IK1, Ito Q e termina no final da onda T, representando toda a seqüência
Fase 2 de despolarização e repolarização ventriculares. O segmento ST
0
começa no final da onda S e termina no início da onda T. Esse
INa Fase 0 segmento, que representa o período durante o qual os ventrículos
-30 Fase 3 IK estão despolarizados, corresponde à fase do platô do potencial de
ação ventricular.
-60
Fase 4
IK1 IK1
-90
INa/Ca INa/Ca
0 300
Tempo (ms)
B Correntes iônicas do potencial de ação ventricular DETERMINAÇÃO DA FREQÜÊNCIA DE DISPARO
4 O sistema de condução especializado do coração consiste no
IK1 IK
Ito nó SA, nó AV, feixe de His e sistema de Purkinje. Essas dife-
2
IK1
Correntes através da

rentes populações de células apresentam diferentes freqüências


membrana (µA/µF)

0 intrínsecas de disparo. Três fatores determinam a freqüência


INa/Ca
-2 INa/Ca
de disparo. Em primeiro lugar, à medida que aumenta a taxa
de despolarização espontânea na fase 4, a freqüência de dispa-
-4 ICa ro aumenta, visto que o potencial limiar (o potencial mínimo
necessário para deflagrar um potencial de ação) é alcançado
-6
(As correntes para fora da célula são +; mais rapidamente no final da fase 4. Em segundo lugar, à medi-
as correntes para dentro da célula são -) da que o potencial limiar torna-se mais negativo, a freqüência
INa
de disparo aumenta, visto que o potencial limiar é alcançado
-380
0 300 mais rapidamente no final da fase 4. Em terceiro lugar, à medida
Tempo (ms) que o potencial diastólico máximo (o potencial de membrana
em repouso) torna-se mais positivo, a freqüência de disparo
Fig. 18.3 Potencial de ação ventricular e correntes iônicas. A. No potencial aumenta, visto que é necessário menos tempo para repolarizar
de membrana em repouso (fase 4), as correntes para dentro e para fora da a membrana por completo no final da fase 3.
célula são iguais e o potencial de membrana aproxima-se do potencial de Como as várias populações de células marcapasso possuem
equilíbrio do K+ (Ek). Durante a fase de ascensão do potencial de ação (fase diferentes freqüências intrínsecas de disparo, a população de
0), ocorre um grande aumento transitório na condutância de Na+. Esse evento
é seguido de um breve período de repolarização inicial (fase 1), que é mediado
células marcapasso com a freqüência de disparo mais rápida
por uma corrente transitória de K+ para fora da célula. O platô do potencial de estabelece a freqüência cardíaca. O nó SA possui a freqüência
ação (fase 2) resulta da oposição de uma corrente de Ca2+ para dentro da célula de disparo intrínseca mais rápida — 60−100 vezes por minuto
e de uma corrente de K+ para fora da célula. A membrana repolariza-se (fase — e constitui o marcapasso nativo do coração. As células do
3) quando a corrente de Ca2+ diminui e predomina a corrente de K+ para fora nó atrioventricular (AV) e do feixe de His disparam intrinseca-
da célula. B. Os fluxos iônicos que dão origem ao potencial de ação ventricular
consistem em um padrão complexo de mudanças de permeabilidades iônicas,
mente entre 50 e 60 vezes por minuto, enquanto as células do
separadas no tempo. Observe em particular que a corrente de Na+ na fase 0 sistema de Purkinje exibem a freqüência de disparo intrínseca
é muito grande, porém extremamente breve. mais lenta — 30–40 vezes por minuto. As células do nó AV, do
286 | Capítulo Dezoito

ativação dos receptores ␤1 provoca a abertura de um maior


PR QT número de canais das células marcapasso (canais If); a seguir,
uma corrente marcapasso maior é conduzida através desses
R
5 mm = canais; e ocorre despolarização de fase 4 mais rápida. A estimu-
0,5 mV lação simpática também induz a abertura de um maior número
de canais de Ca2+ e, portanto, desvia o limiar para potenciais
P T mais positivos. Ambos os mecanismos aumentam a freqüência
cardíaca. O nervo vago parassimpático afeta o nó SA através
Q
S
de vários mecanismos, que se opõem à regulação simpática
ST da freqüência cardíaca. A liberação de acetilcolina pelo nervo
vago dá início a uma cascata de sinalização intracelular que:
QRS
(1) reduz a corrente marcapasso ao diminuir a probabilidade
de abertura dos canais das células marcapasso; (2) desvia o
5 mm = 0,2 segundo limiar para potenciais mais positivos ao diminuir a probabi-
lidade de abertura dos canais de Ca2+; e (3) torna o potencial
Fig. 18.4 Eletrocardiograma. O eletrocardiograma (ECG ou EKG) mede os diastólico máximo (equivalente ao potencial de membrana em
potenciais de superfície corporal induzidos pela atividade elétrica cardíaca. repouso nessas células de disparo espontâneo) mais negativo ao
A onda P reflete a despolarização atrial, o complexo QRS representa a aumentar a probabilidade de abertura dos canais de K+. O nó
despolarização ventricular, e a onda T indica a repolarização ventricular. O SA, os átrios e o nó AV são mais sensíveis do que o sistema de
intervalo PR estende-se desde o início da onda P (despolarização inicial
dos átrios) até o início da onda Q (despolarização inicial dos ventrículos). condução ventricular aos efeitos da estimulação vagal.
O intervalo QT começa no início da onda Q e termina no final da onda T, Em condições patológicas, a automaticidade pode ser altera-
representando todo o intervalo da despolarização e repolarização ventriculares. da quando as células marcapasso latentes assumem o papel do
O segmento ST começa no final da onda S e termina no início da onda T, nó SA como marcapasso do coração. Quando a freqüência de
representando o período durante o qual os ventrículos estão despolarizados
(i. é, a fase de platô do potencial de ação).
disparo do nó SA torna-se patologicamente lenta, ou quando
ocorre comprometimento na condição do impulso, pode ocorrer
um batimento de escape quando um marcapasso latente inicia
um impulso. A disfunção prolongada do nó SA pode resultar em
feixe de His e do sistema de Purkinje são denominadas células uma série de batimentos de escape, conhecida como ritmo de
marcapasso latentes, visto que o seu ritmo intrínseco é ultrapas- escape. Por outro lado, ocorre um batimento ectópico quando
sado pela automaticidade mais rápida do nó SA. Em um meca- as células marcapasso latentes desenvolvem uma freqüência
nismo denominado supressão por overdrive, o nó SA suprime de disparo intrínseca, que é mais rápida do que a freqüência
o ritmo intrínseco das outras populações de células marcapasso nodal SA, em alguns casos apesar da presença de um nó SA de
e as arrasta a disparar na freqüência de disparo nodal SA. função normal. A isquemia, as anormalidades eletrolíticas ou o
aumento do tônus simpático podem resultar em uma série de
batimentos ectópicos, denominada ritmo ectópico.
A lesão tecidual direta (como a que pode ocorrer após infar-
FISIOPATOLOGIA DA DISFUNÇÃO ELÉTRICA to do miocárdio) também resulta em automaticidade alterada.
A lesão tecidual pode causar desorganização estrutural na
As causas de disfunção elétrica no coração podem ser divididas membrana celular. As membranas acometidas são incapazes
em defeitos na formação do impulso e defeitos na condução de manter gradientes iônicos, que são de suma importância
do impulso. No primeiro caso, a automaticidade do nó SA é na manutenção dos potenciais de membrana apropriados. Se o
interrompida ou alterada, resultando em batimentos omitidos potencial de membrana em repouso se tornar suficientemente
ou batimentos ectópicos, respectivamente. No segundo caso, positivo (mais positivo do que −60 mV), as células não-mar-
ocorre alteração da condução do impulso (p. ex., no caso de capasso podem começar a despolarizar espontaneamente. A
ritmos de reentrada), podendo ocorrer arritmias sustentadas. perda de conectividade da junção comunicante (gap junction)
constitui outro mecanismo pelo qual a lesão tecidual resulta em
DEFEITOS NA FORMAÇÃO (NÓ SA) DO IMPULSO alteração da automaticidade. A conectividade elétrica direta é
importante para a liberação efetiva da supressão por overdri-
Como marcapasso nativo do coração, o nó SA desempenha um ve do nó SA para os miócitos cardíacos restantes. Quando há
papel essencial na formação normal do impulso. Os eventos ruptura da conectividade em decorrência de lesão tecidual, a
elétricos que alteram a função nodal SA ou afetam a supressão supressão por overdrive não é transmitida eficientemente, e as
por overdrive podem resultar em comprometimento da forma- células não suprimidas podem iniciar o seu próprio ritmo. Esse
ção do impulso. A automaticidade alterada e a atividade defla- ritmo anormal pode levar a arritmias cardíacas.
grada constituem dois mecanismos comumente associados à
formação defeituosa do impulso. Atividade Deflagrada
Ocorrem pós-despolarizações quando um potencial de ação
Automaticidade Alterada normal deflagra despolarizações anormais adicionais. Isto é,
Alguns mecanismos que alteram a automaticidade do nó SA o primeiro potencial de ação (normal) deflagra oscilações adi-
são fisiológicos. Em particular, o sistema nervoso autônomo cionais do potencial de membrana, podendo levar a arritmias.
modula freqüentemente a automaticidade do nó SA como parte Existem dois tipos de pós-despolarizações — as pós-despolari-
de uma resposta fisiológica. Na estimulação simpática, durante zações precoces e as pós-despolarizações tardias.
o exercício físico, o aumento na concentração de catecolaminas Quando a pós-despolarização ocorre durante o potencial
leva a uma maior ativação dos receptores ␤1-adrenérgicos. A de ação incitador, é denominada pós-despolarização pre-
Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 287

coce (Fig. 18.5). As condições que prolongam o potencial Reentrada


de ação (p. ex., fármacos que prolongam um intervalo QT,
A condução cardíaca normal é indicada no nó SA e propagada
como a procainamida e a ibutilida) tendem a desencadear de modo ordenado para o nó AV, o feixe de His, o sistema de
pós-despolarizações precoces. Especificamente, pode ocorrer Purkinje e o miocárdio. O período refratário celular assegura
uma pós-despolarização precoce durante a fase de platô (fase que as regiões estimuladas do miocárdio só se despolarizem
2) ou a fase de repolarização rápida (fase 3). Durante a fase uma vez durante a propagação de um impulso. A Fig. 18.7A
de platô, como os canais de Na+ são, em sua maioria, inativa- mostra a condução do impulso normal, em que um impulso
dos, uma corrente de Ca2+ para dentro da célula é responsável que chega no ponto a segue um percurso sincrônico ao longo
pela pós-despolarização precoce. Por outro lado, durante a de duas vias paralelas, 1 e 2.
fase de repolarização rápida, os canais de Na+ parcialmente Ocorre reentrada de um impulso elétrico quando um cir-
recuperados podem conduzir uma corrente de Na+ para dentro cuito elétrico auto-sustentado estimula uma área do miocárdio
da célula, que contribui para a pós-despolarização precoce. Se de modo repetitivo e rapidamente. Duas condições devem estar
uma pós-despolarização precoce for sustentada, pode resul- presentes para que ocorra um circuito elétrico de reentrada:
tar em um tipo de arritmia ventricular, denominada torsades (1) bloqueio unidirecional (a condução anterógrada é proibida,
de pointes. As torsades de pointes, do francês “torção das enquanto a retrógrada é permitida); e (2) diminuição da veloci-
pontas”, caracterizam-se por complexos QRS de amplitudes dade de condução retrógrada. A Fig. 18.7B mostra um circuito
variáveis à medida que se “torçam” ao longo da linha basal; elétrico de reentrada. Quando o impulso chega ao ponto a, ele
pode seguir o seu percurso apenas pela via 1 (ramo à esquerda),
esse ritmo representa uma emergência médica, que pode levar
visto que a via 2 (ramo à direita) é bloqueada unidirecional-
à morte se não for tratado com agentes antiarrítmicos e/ou mente na direção anterógrada. A condução do impulso ocorre
desfibrilação. através da via 1 e segue para o ponto b. Nessa junção, o impulso
Ao contrário das pós-despolarizações precoces, as pós-des- segue de modo retrógrado pela via 2 em direção ao ponto a.
polarizações tardias ocorrem pouco depois do término da O tempo de condução do ponto b para o ponto a é lentificado,
repolarização (Fig. 18.6). O mecanismo das pós-despolariza- devido à lesão celular ou à presença de células que ainda se
ções tardias não está bem elucidado; foi proposto que as con- encontram no estado refratário. Quando o impulso alcança o
centrações intracelulares elevadas de Ca2+ levam a uma corrente ponto a, as células na via 1 tiveram tempo adequado para sofrer
de Na+ para dentro da célula, que, por sua vez, deflagra a pós- repolarização, e essas células são estimuladas a continuar a
despolarização tardia. conduzir o potencial de ação para o ponto b. Desta maneira, as
taquiarritmias resultam da combinação de bloqueio unidirecio-
nal e diminuição da velocidade de condução na via anormal.
DEFEITOS NA CONDUÇÃO DO IMPULSO
O segundo tipo de distúrbio elétrico do coração envolve defei- Bloqueio da Condução
tos na condução do impulso. A função cardíaca normal requer Ocorre bloqueio da condução quando um impulso não consegue
a propagação desobstruída e tempestiva de um impulso elétrico se propagar, devido à presença de uma área de tecido cardíaco
através dos miócitos cardíacos. Em condições patológicas, a inexcitável. Essa área de tecido inexcitável pode consistir em
alteração da condução do impulso pode resultar de uma com- tecido normal que ainda está refratário, ou pode representar um
binação de três mecanismos: reentrada, bloqueio da condução tecido lesado por traumatismo, isquemia ou cicatrização. Em
e vias acessórias. qualquer um desses casos, o miocárdio é incapaz de conduzir

50
50 Uma pós-despolarização tardia
Pós-despolarização Pós-despolarização que atingiu a voltagem limiar
Potencial de membrana (mV)

precoce repetitiva
Potencial de membrana (mV)

0 Velocidade
0 ascendente lenta

Os canais de Na+
Arritmia
recuperam-se da
deflagrada
-50 inativação -50 Delayed
Pós-despolarização
afterdepolarization
tardia

-100 -100
0 0,2 0,4 0,6 0,8 0 0,2 0,4 0,6 0,8
Tempo (s)
Tempo (s)

Fig. 18.6 Pós-despolarização tardia. As pós-despolarizações tardias ocorrem


Fig. 18.5 Pós-despolarização precoce. Em geral, as pós-despolarizações pouco depois da repolarização. Embora o mecanismo envolvido ainda não
precoces ocorrem durante a fase de repolarização do potencial de ação, embora tenha sido definitivamente elucidado, parece que o acúmulo intracelular ativa
também possam ocorrer durante a fase de platô. As pós-despolarizações o trocador de Na+/Ca2+, e o influxo eletrogênico resultante de 3Na+ para cada
repetidas podem desencadear uma arritmia. Ca2+ expelido despolariza a célula.
288 | Capítulo Dezoito

Potencial através do feixe de Kent para os ventrículos mais rapidamente do


de ação que o mesmo impulso conduzido através do nó AV. Como o feixe
cardíaco de Kent é uma via acessória, o tecido ventricular recebe impulsos
A Condução normal
tanto da via de condução normal quanto da via acessória. Em
conseqüência, os eletrocardiogramas desses indivíduos exibem
a Área não-excitável
tipicamente um complexo QRS mais largo do que o normal e
uma fase ascendente ventricular mais precoce do que o normal.
1 2 O aspecto mais importante é que, como as duas vias de condução
apresentam diferentes velocidades de condução, a presença de
uma via acessória pode estabelecer as condições para uma alça
de reentrada, predispondo, assim, o indivíduo a taquiarritmias.

CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS


Potencial
de ação
cardíaco
As correntes iônicas através da membrana plasmática induzem
Bloqueio unidirecional
B Circuito de reentrada da condução
alterações no potencial de membrana das células. As mudan-
ças no potencial de membrana das células marcapasso cardía-
Condução cas estão subjacentes à contração dos miócitos cardíacos no
Condução de a retrógrada momento apropriado. A ocorrência de defeitos na formação do
reentrada anormalmente lenta
impulso e as alterações na condução do impulso podem levar
1 2 (células lesadas ou a distúrbios do ritmo cardíaco. São utilizados agentes antiar-
parcialmente
despolarizadas) rítmicos para restaurar o ritmo cardíaco normal através de sua
ação sobre regiões pró-arrítmicas do coração.
b
MECANISMOS GERAIS DE AÇÃO DOS AGENTES
Fig. 18.7 Vias elétricas normal e de reentrada. A. Na condução do impulso ANTIARRÍTMICOS
normal, um impulso que segue o seu percurso por uma via, chega ao ponto
a, onde é capaz de seguir por duas via alternativas, 1 e 2. Na ausência de
Apesar da disponibilidade de numerosos agentes antiarrítmi-
reentrada, os impulsos continuam e despolarizam áreas diferentes do ventrículo. cos diferentes, existem surpreendentemente poucos mecanis-
B. Pode haver desenvolvimento de um circuito de reentrada se uma das vias mos de ação antiarrítmica. Em geral, os fármacos que afetam
estiver patologicamente acometida. Quando o impulso chega ao ponto, só o ritmo cardíaco atuam ao alterar: (1) o potencial diastólico
pode percorrer a via 1, visto que a via 2 está bloqueada unidirecionalmente máximo nas células marcapasso (e/ou o potencial de mem-
(i. é, o período refratário efetivo das células na via 2 é prolongado a ponto
de impedir a condução anterógrada). A condução do impulso prossegue pela
via 1 e chega ao ponto b. Neste ponto, as células na via 2 não estão mais
refratárias, e a condução do impulso segue de modo retrógrado pela via 2 em
direção ao ponto a. Quando o impulso retrógrado chega ao ponto a, pode
iniciar uma reentrada. A reentrada pode resultar em um padrão sustentado
de despolarizações rápidas, que desencadeiam taquiarritmias. Esse mecanismo
pode ocorrer em regiões pequenas ou grandes do coração.

um impulso. Como o bloqueio da condução remove a supressão Nó AV


por overdrive pelo nó SA, os miócitos cardíacos ficam livres Nó SA
para batimento em sua freqüência intrinsecamente mais lenta.
Por esse motivo, o bloqueio da condução pode manifestar-se Feixe de His
clinicamente como bradicardia.
Fibras de Purkinje
Vias Acessórias
Durante o ciclo cardíaco normal, o nó SA inicia um impulso
que segue o seu percurso rapidamente através do miocárdio
atrial, chegando ao nó AV. A seguir, a condução do impulso
torna-se lenta através do nó AV, dando tempo suficiente para o
preenchimento dos ventrículos com sangue antes do início da
contração ventricular. Após o seu percurso através do nó AV, Trato de derivação
o impulso mais uma vez propaga-se rapidamente através dos (Feixe de Kent)
ventrículos para deflagrar a contração ventricular.
Alguns indivíduos possuem vias elétricas acessórias que
transpõem o nó AV. Uma via acessória comum é o feixe de Kent, Fig. 18.8 Feixe de Kent. O feixe de Kent é uma via elétrica acessória que
conduz impulsos diretamente dos átrios para os ventrículos, transpondo o nó
uma faixa de miocárdio que conduz impulsos diretamente dos AV. A condução do impulso através dessa via acessória é mais rápida do que
átrios para os ventrículos, transpondo o nó AV (Fig. 18.8). Nesses a condução através do nó AV, estabelecendo as condições para taquiarritmias
indivíduos, um impulso que se origina no nó SA é conduzido de reentrada.
Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 289

brana em repouso nas células ventriculares); (2) a freqüência O desenvolvimento e o uso de tratamentos antiarrítmicos
de despolarização da fase 4; (3) o potencial limiar; ou (4) a efetivos são freqüentemente complicados pela possibilidade de
duração do potencial de ação. O efeito específico de deter- que o agente antiarrítmico também possa causar arritmias. Por
minado bloqueador dos canais decorre diretamente da função exemplo, muitos esforços foram envidados para o tratamento
da corrente transportada pelo canal específico no potencial de da reentrada, um mecanismo responsável por uma grande pro-
ação cardíaco. Por exemplo, os bloqueadores dos canais de porção de casos de arritmia. Uma maneira de tratar a reentrada
Na+ e Ca2+ alteram tipicamente o potencial limiar, enquanto os consiste em bloquear a propagação do potencial de ação. Se o
bloqueadores dos canais de K+ tendem a prolongar a duração impulso retrógrado no circuito de reentrada for completamente
do potencial de ação. Esses fármacos podem ter acesso ao abolido por um agente antiarrítmico, o impulso será então inca-
canal iônico ao atravessar o poro do canal ou ao difundir-se paz de despolarizar repetidamente o tecido cardíaco no circuito
através da dupla camada lipídica dentro da qual se encontra de reentrada. Entretanto, se o impulso não for totalmente abo-
o canal. lido, a lentificação da condução induzida pelo agente antiarrít-
O bloqueio dos canais iônicos dependente do estado cons- mico pode, na verdade, promover uma arritmia de reentrada. O
titui um importante conceito na ação dos fármacos antiarrítmi- impulso “sobrevivente” pode utilizar a via de reentrada original
cos. Os canais iônicos são capazes de assumir vários estados de para propagar a arritmia, ou pode encontrar outras vias e criar
conformação, e as mudanças na permeabilidade da membrana a novos circuitos de reentrada.
determinado íon são mediadas por alterações conformacionais
nos canais através dos quais este íon passa. Com freqüência,
os agentes antiarrítmicos exibem afinidades diferentes por dife- CLASSES DE AGENTES ANTIARRÍTMICOS
rentes estados de conformação dos canais iônicos, isto é, estes Tradicionalmente, os agentes antiarrítmicos têm sido organiza-
fármacos ligam-se a uma conformação do canal com maior dos em quatro classes, com base no seu mecanismo de ação. Os
afinidade do que a outras conformações do mesmo canal. Esse agentes antiarrítmicos de classe I são bloqueadores dos canais
tipo de ligação é conhecido como “dependente do estado”. de Na+; os agentes antiarrítmicos de classe II consistem em
Os bloqueadores dos canais de Na+ servem como excelente bloqueadores dos receptores ␤-adrenérgicos; os antiarrítmicos
exemplo para ilustrar o conceito de bloqueio dos canais iôni- da classe III são bloqueadores dos canais de K+; e os antiar-
cos dependente do estado. O canal de Na+ sofre três alterações rítmicos de classe IV consistem em bloqueadores dos canais de
principais de seu estado (aberto–fechado–inativado) enquanto Ca2+. Entretanto, é importante reconhecer que muitos agentes
dura um potencial de ação. Durante a fase ascendente, o canal antiarrítmicos não são bloqueadores totalmente seletivos dos
encontra-se na conformação aberta. O canal torna-se inativado canais de Na+, K+ ou Ca2+; na verdade, muitos desses fármacos
durante a fase de platô e modifica-se novamente para a con- bloqueiam mais de um tipo de canal. Esta seção fornece algu-
formação em repouso (fechada) quando a membrana é repola- mas definições úteis de distúrbios elétricos cardíacos comuns
rizada para o seu potencial em repouso. Os bloqueadores dos (Boxe 18.2) e descreve o mecanismo de ação dos fármacos de
canais de Na+ ligam-se, em sua maioria, preferencialmente ao cada classe de antiarrítmicos.
canal de Na+ nos estados aberto e inativado, mas não ao canal no
seu estado de repouso (fechado). Dessa maneira, os fármacos
tendem a bloquear os canais durante o potencial de ação (sístole Agentes Antiarrítmicos de Classe I: Bloqueadores dos
cardíaca) e a dissociar-se deles durante a diástole. Canais de Na+ Rápidos
A taxa de desbloqueio (taxa de dissociação) dos vários blo- Os bloqueadores dos canais de Na+ diminuem a automaticidade
queadores dos canais de Na+ constitui um determinante impor- das células do nó SA ao: (1) deslocar o limiar para potenciais
tante do bloqueio dos canais de Na+ no estado de equilíbrio mais positivos e (2) diminuir a inclinação da despolarização da
dinâmico. Por exemplo, quando a freqüência cardíaca aumenta, fase 4 (Fig. 18.9). Em conseqüência do bloqueio dos canais de
o tempo disponível para desbloqueio (dissociação do fármaco Na+, há um menor número de canais disponíveis para abertura
do seu sítio de ligação no canal) diminui, e o grau de bloqueio em resposta à despolarização da membrana, elevando, assim,
dos canais de Na+ no estado de equilíbrio dinâmico aumenta. A o limiar para o disparo do potencial de ação e lentificando a
ação dos bloqueadores dos canais de Na+ sobre o tecido isquê- taxa de despolarização. Ambos os efeitos estendem a duração
mico ilustra a utilidade terapêutica do bloqueio dependente do da fase IV e, por conseguinte, diminuem a freqüência cardíaca.
estado. Foi observado que os bloqueadores dos canais de Na+ Além disso, o deslocamento no potencial limiar significa que,
deprimem a condução do Na+ no tecido isquêmico em grau nos pacientes com desfibriladores implantados que estão sendo
muito maior do que no tecido normal. No tecido isquêmico, tratados com bloqueadores dos canais de Na+, é necessária uma
os miócitos cardíacos são despolarizados por um período mais voltagem maior para desfibrilar o coração. Por conseguinte, é
longo. Esse aumento na duração do potencial de ação prolonga importante considerar o efeito dos bloqueadores dos canais de
o estado de inativação dos canais de Na+, tornando os canais Na+ quando são escolhidos ajustes apropriados para os desfi-
de Na+ inativados acessíveis aos bloqueadores dos canais de briladores implantados.
Na+ por mais tempo. A taxa de recuperação dos canais de seu Além de diminuir a automaticidade do nó SA, os blo-
bloqueio também está diminuída nos miócitos isquêmicos queadores dos canais de Na+ atuam sobre os miócitos ven-
despolarizados, devido ao potencial de ação prolongado. Por triculares, diminuindo a reentrada. Esse efeito é obtido
conseguinte, a maior afinidade dos bloqueadores dos canais principalmente através de uma diminuição da velocidade
de Na+ pelos estados aberto e inativado dos canais permite ascendente da fase 0 e, no caso de alguns bloqueadores
uma ação preferencial desses agentes sobre o tecido isquêmi- dos canais de Na+, prolongamento da repolarização (Fig.
co e, por conseguinte, o bloqueio de um foco arritmogênico 18.10). Ao diminuir a velocidade ascendente da fase 0, os
na sua fonte. Ver Cap. 10 para uma discussão mais detalhada bloqueadores dos canais de Na+ diminuem a velocidade de
sobre o conceito de bloqueio dos canais de Na+ dependente condução através do tecido cardíaco. Idealmente, a velo-
do estado. cidade de condução é reduzida a tal ponto que a frente de
290 | Capítulo Dezoito

A
BOXE 18.2 Definições de Distúrbios Elétricos
Cardíacos Comuns 60

Potencial de membrana (mV)


Para apreciar as aplicações clínicas dos diversos agentes 30
antiarrítmicos, é útil compreender as definições básicas de termos
que descrevem anormalidades elétricas comuns do coração.
0 Limiar
aumentado
Período refratário efetivo: Período durante o qual uma região do
tecido cardíaco não pode ser excitada por um impulso elétrico. -30
Taquicardia sinusal: O nó SA dispara entre 100 e 180 vezes por
minuto, e o ECG revela ondas P e complexos QRS normais. A Limiar normal
taquicardia sinusal pode ser uma resposta fisiológica normal (p. -60
Diminuição da inclinação
ex., durante o exercício físico) ou uma afecção patológica, que da despolarização da fase 4
resulta de uma alteração na automaticidade do nó SA.
-90
Taquicardia supraventricular paroxística (TSVP): A TSVP 0 100 200 300 400 500 600 700
caracteriza-se por freqüências de disparo atriais de 140−250
Tempo (ms)
batimentos por minuto, porém é habitualmente transitória e de B
natureza autolimitada. Em 90% dos casos, a TSVP é causada por 60
uma reentrada envolvendo o nó AV, o nó SA ou o tecido atrial.

Potencial de membrana (mV)


Flutter atrial: A freqüência atrial situa-se entre 280 e 300 batimentos
30
por minuto, e o ECG mostra uma atividade elétrica atrial rápida
com aspecto de “dente de serra”. Como o ritmo de disparo atrial é
tão rápido, alguns impulsos dos átrios alcançam o nó AV durante 0
o seu período refratário. Esses impulsos não são transmitidos aos
ventrículos, e, portanto, a freqüência ventricular é mais lenta do
que a freqüência atrial. A relação entre a freqüência de disparo -30
atrial e ventricular é tipicamente de 2:1. Limiar normal
Fibrilação atrial ou ventricular: Essas arritmias caracterizam- -60
se por uma condução do impulso de reentrada caótica através Adição de
do átrio ou do ventrículo. A fibrilação ventricular (FV) é ACh ou adenosina
Diminuição da inclinação
invariavelmente fatal se a arritmia não for convertida, enquanto -90
da despolarização da
a fibrilação atrial (FA) pode ser tolerada durante muitos anos. Hiperpolarização
fase 4
Taquicardia ventricular (TV): Uma série de três ou mais 0 100 200 300 400 500 600 700
extra-sístoles ventriculares numa freqüência entre 100 e 250
batimentos por minuto. Tempo (ms)
Torsades de pointes: Essa arritmia é freqüentemente gerada por
pós-despolarizações em indivíduos com síndrome de QT Fig. 18.9 Efeitos dos antiarrítmicos de classe I e agonistas naturais sobre
prolongada. As amplitudes variáveis do complexo QRS são o potencial de ação do nó SA. A. O potencial de ação normal do nó SA é
freqüentemente descritas como “torção de pontas” ao longo da mostrado por uma curva cheia. Os antiarrítmicos da classe I (bloqueadores
linha basal do traçado ECG. As torsades são freqüentemente dos canais de Na+) alteram a automaticidade do nó SA ao afetar dois aspectos
do potencial de ação do nó SA: (1) o limiar é deslocado para potenciais mais
transitórias e autolimitadas, mas podem levar a arritmias positivos e (2) a inclinação da despolarização da fase 4 é diminuída. B. A
potencialmente fatais. acetilcolina e a adenosina diminuem a freqüência de disparo do nó SA ao
ativar os canais de K+ que hiperpolarizam a célula e diminuem a inclinação
da despolarização da fase 4.

onda em propagação é extinta antes de ser capaz de reesti- potencial de ação no nó SA, existem diferenças importantes nos
mular os miócitos em uma via de reentrada. Todavia, se a seus efeitos sobre o potencial de ação ventricular.
velocidade de condução não for diminuída o suficiente e o
impulso não for extinto, o impulso de velocidade mais lenta Antiarrítmicos da Classe IA
pode sustentar a reentrada quando alcança células que não
Os antiarrítmicos da classe IA exercem bloqueio moderado
são mais refratárias (ver anteriormente). Além de diminuir a sobre os canais de Na+ e prolongam a repolarização tanto das
velocidade ascendente da fase 0, os bloqueadores dos canais células do nó SA quanto dos miócitos ventriculares. Através
de Na+ da classe IA prolongam a repolarização. A repolari- dos bloqueios dos canais de Na+, esses agentes diminuem a
zação prolongada aumenta o período refratário efetivo, de velocidade de ascensão da fase 0, o que diminui a veloci-
modo que as células em um circuito de reentrada não podem dade de condução através do miocárdio. Os antiarrítmicos
ser despolarizadas pelo potencial de ação de reentrada. Em da classe IA também bloqueiam os canais de K+ e, portanto,
resumo, os bloqueadores dos canais de Na+ diminuem a pro- reduzem a corrente de K+ para fora da célula, responsável
babilidade de reentrada e, portanto, evitam a ocorrência de pela repolarização da membrana. Esse prolongamento da
arritmias por: (1) diminuir a velocidade de condução e (2) repolarização aumenta o período refratário efetivo das célu-
aumentar o período refratário dos miócitos ventriculares. las. Em seu conjunto, a diminuição da velocidade de con-
Embora as três subclasses dos agentes antiarrítmicos de clas- dução e o aumento do período refratário efetivo diminuem
se I (classe IA, IB e IC) tenham efeitos semelhantes sobre o a reentrada.
Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 291

Repolarização Repolarização Nenhuma alteração


prolongada encurtada na repolarização

Bloqueio
Potencial de membrana (mV)

Bloqueio leve dos Acentuado bloqueio


moderado dos
canais de Na+ dos canais de Na+
canais de Na+

Classe IA Classe IB Classe IC


Tempo

Fig. 18.10 Efeitos dos agentes antiarrítmicos da classe IA, IB e IC sobre o potencial de ação ventricular. Os antiarrítmicos da classe I (bloqueadores dos
canais de Na+) atuam sobre os miócitos ventriculares, diminuindo a reentrada. Todas as subclasses dos antiarrítmicos da classe I bloqueiam em certo grau os
canais de Na+: os agentes da classe IA exercem bloqueio moderado dos canais de Na+, os agentes da classe I ligam-se rapidamente (bloqueiam) e dissociam-
se (desbloqueiam) dos canais de Na+, e os agentes da classe IC produzem acentuado bloqueio dos canais de Na+. Os agentes da classe IA, IB e IC também
diferem no grau com que afetam a duração do potencial de ação ventricular.

A quinidina é freqüentemente considerada o protótipo entre com quinidina. A quinidina está contra-indicada para pacien-
os agentes antiarrítmicos da classe IA; entretanto, está sendo tes com prolongamento QT e para aqueles que estão fazendo
utilizada com menos freqüência em virtude de seus efeitos cola- uso de medicações que predispõem ao prolongamento de QT,
terais. Além das ações farmacológicas anteriormente descritas devido ao risco aumentado de torsades de pointes. As contra-
para todos os agentes antiarrítmicos da classe IA, a quinidina indicações relativas para o uso da quinidina incluem síndrome
bloqueia a liberação de transmissores do nervo vago e, portanto, do nó sinoatrial, bloqueio de ramo, miastenia grave (devido à
exerce efeitos anticolinérgicos (vagolíticos). O efeito anticoli- ação antagonista da quinidina nos receptores muscarínicos) e
nérgico é clinicamente significativo, visto que pode aumentar insuficiência hepática.
a velocidade de condução através do nó AV. O aumento da A quinidina é administrada por via oral e metabolizada por
condução no nó AV pode ter efeitos potencialmente prejudiciais enzimas do citocromo P450 no fígado. A quinidina aumenta os
em pacientes com flutter atrial. Esses pacientes manifestam níveis plasmáticos de digoxina (um agente inotrópico), mais
uma freqüência média de disparo atrial de 280−300 batimentos provavelmente ao competir pelas enzimas do citocromo P450
por minuto. Como alguns desses impulsos alcançam o nó AV que são responsáveis pelo metabolismo da digoxina. Devido
enquanto está ainda refratário, nem todos os impulsos são trans- ao índice terapêutico estreito da digoxina (ver Cap. 19), ocorre
mitidos aos ventrículos. Em conseqüência, os átrios disparam toxicidade da digoxina induzida pela quinidina em uma fra-
muito mais rapidamente do que os ventrículos — tipicamente, ção significativa de pacientes. O nível plasmático de potássio
observa-se uma relação de 2:1 ou 4:1 entre as freqüências de precisa ser cuidadosamente monitorado em pacientes tratados
disparo atriais e ventriculares. Quando a quinidina é administra- com quinidina, visto que a hipocalemia diminui a eficácia da
da a pacientes com flutter atrial, a freqüência de disparo atrial quinidina, exacerba o prolongamento de QT e, acima de tudo,
diminui, devido à ação farmacológica da quinidina na redução predispõe a torsades de pointes. Foi formulada a hipótese de
da velocidade de condução através do miocárdio. Todavia, ao que as torsades de pointes constituem o mecanismo mais pro-
mesmo tempo, a velocidade de condução no nó AV aumenta, vavelmente responsável pela síncope induzida pela quinidina.
em virtude dos efeitos vagolíticos do fármaco. O aumento na Devido a seus numerosos efeitos colaterais e contra-indicações,
velocidade de condução do nó AV abole a relação 2:1 ou 4:1 a quinidina foi substituída, em grande parte, por agentes da
entre as freqüências de disparo atrial e ventricular, e uma rela- classe 3 — como ibutilida e amiodarona — para a conversão
ção 1:1 entre as freqüências de disparo atrial e ventricular é farmacológica do flutter atrial ou da fibrilação atrial em ritmo
freqüentemente estabelecida. Por exemplo, com uma taxa de sinusal normal.
flutter atrial de 300 e “bloqueio A−V” de 2:1, os ventrículos são A procainamida é um agente antiarrítmico da classe IA,
impulsionados numa freqüência de 150, que pode ser tolerada efetiva no tratamento de muitos tipos de arritmias supraventri-
pela maioria dos indivíduos. Entretanto, se a freqüência do flut- culares e ventriculares. A procainamida é freqüentemente uti-
ter for reduzida para 200, e houver aumento da condução A−V lizada na conversão farmacológica de fibrilação atrial de início
para 1:1, os ventrículos são impulsionados numa freqüência de recente em ritmo sinusal normal, embora com menos eficácia
200, que costuma ser muito rápida para o bombeamento ventri- do que a ibutilida intravenosa. A procainamida pode ser utili-
cular efetivo. Por esse motivo, deve-se utilizar um agente que zada com segurança para diminuir a probabilidade de arritmias
diminui a condução nodal AV — como um antagonista ␤-adre- reentrantes no contexto do infarto agudo do miocárdio, mesmo
nérgico ou verapamil (um bloqueador dos canais de Ca+) — em na presença de diminuição do débito cardíaco. A procainamida
associação com a quinidina para evitar uma resposta ventricular também pode ser administrada por infusão intravenosa lenta
excessivamente rápida em pacientes com flutter atrial. para o tratamento da taquicardia ventricular aguda.
Os efeitos adversos mais comuns da quinidina consistem Ao contrário da quinidina, a procainamida tem poucos efei-
em diarréia, náusea, cefaléia e tontura. Devido a esses efeitos, tos anticolinérgicos e não altera os níveis plasmáticos de digoxi-
os pacientes têm dificuldade em tolerar o tratamento crônico na. A procainamida pode causar vasodilatação periférica através
292 | Capítulo Dezoito

da inibição da neurotransmissão nos gânglios simpáticos. Com extracelular de H+ no tecido isquêmico ativa as bombas da
tratamento crônico, quase todos os pacientes desenvolvem uma membrana que provocam aumento na concentração extracelular
síndrome semelhante ao lúpus e anticorpos antinucleares positi- de K+. Esse aumento do K+ extracelular desloca EK para um
vos; o mecanismo preciso dessa reação não é conhecido, porém valor mais despolarizado (mais positivo); por exemplo, EK pode
sofre remissão se o fármaco for interrompido. A procainamida passar de −94 mV para −85 mV. O gradiente eletroquímico
é acetilada no fígado a N-acetil-procainamida (NAPA); esse alterado do K+ proporciona uma força impulsora menor para o
metabólito ativo produz efeitos antiarrítmicos puros da classe efluxo de íons K+ das células, e a despolarização da membrana
III, prolongando o período refratário e aumentando o intervalo leva a uma maior probabilidade de disparo de potencial de ação.
QT. A NAPA não parece causar os efeitos colaterais semelhan- Como os miócitos cardíacos isquêmicos têm tendência a dispa-
tes ao lúpus da procainamida. rar com mais freqüência, os canais de Na+ permanecem mais
A disopiramida assemelha-se à quinidina nos seus efeitos tempo no estado aberto ou inativado, atuando como melhor alvo
eletrofisiológicos e antiarrítmicos; a diferença entre os dois para bloqueio pelos antiarrítmicos da classe IB.
fármacos reside nos seus efeitos colaterais. A disopiramida A lidocaína é o agente antiarrítmico utilizado mais comu-
provoca menos problemas gastrintestinais, porém exerce efei- mente no tratamento das arritmias ventriculares em situações
tos anticolinérgicos ainda mais profundos do que a quinidina, de emergência. Esse fármaco não é efetivo no tratamento das
causando efeitos colaterais como retenção urinária e boca seca. arritmias supraventriculares. Em pacientes hemodinamica-
Está contra-indicada para pacientes com uropatia obstrutiva mente estáveis, a lidocaína é reservada para o tratamento das
ou glaucoma. A disopiramida também está contra-indicada taquiarritmias ventriculares ou contrações ventriculares prema-
para pacientes com bloqueio da condução entre os átrios e os turas (CVP) freqüentes.
ventrículos e para pacientes com disfunção sinusal-nodal. A A lidocaína apresenta meia-vida plasmática curta (cerca de
disopiramida tem o efeito proeminente, porém inexplicado, de 20 minutos) e é metabolicamente desetilada no fígado. Seu
deprimir a contratilidade cardíaca, o que levou a seu uso no metabolismo é determinado por dois fatores: o fluxo sangüí-
tratamento da cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica e sínco- neo hepático e a atividade do citocromo P450 hepático. Para
pe neurocardiogênica. Em virtude de seus efeitos inotrópicos pacientes cujo fluxo sangüíneo hepático está diminuído pela
negativos, a disopiramida está absolutamente contra-indicada idade avançada ou pela presença de insuficiência cardíaca, ou
para pacientes com insuficiência cardíaca descompensada. A cujas enzimas do citocromo P450 estão agudamente inibidas,
disopiramida oral só está aprovada para tratamento das arrit- por exemplo, pela cimetidina (ver Cap. 4), deve-se considerar
mias ventriculares potencialmente fatais; a disopiramida oral ou uma dose menor de lidocaína. Para pacientes cujas enzimas do
intravenosa é algumas vezes utilizada para converter a taqui- citocromo P450 são induzidas por fármacos como os barbitú-
cardia supraventricular em ritmo sinusal normal. Entretanto, ricos, a fenitoína ou a rifampicina, deve-se aumentar a dose
a tendência atual no tratamento das arritmias potencialmente de lidocaína.
fatais consiste em evitar agentes antiarrítmicos da classe I e Como a lidocaína encurta a repolarização, possivelmente
prescrever agentes da classe III e dispositivos elétricos. através do bloqueio dos poucos canais de Na+ de inativação
tardia durante a fase 2 do potencial de ação cardíaco, ela não
prolonga o intervalo QT. Por conseguinte, mostra-se segura
Antiarrítmicos da Classe IB
para uso em pacientes com síndrome do intervalo QT longo.
Os antiarrítmicos da classe IB incluem a lidocaína, a mexi- Entretanto, como a lidocaína também bloqueia os canais de
letina e a fenitoína. A lidocaína é o protótipo dos agentes da Na+ no sistema nervoso central (SNC), pode produzir efeitos
classe IB. Esses fármacos alteram o potencial de ação ventricu- adversos no SNC, como confusão, tontura e convulsões. Além
lar ao bloquear os canais de Na+ e, algumas vezes, ao encurtar de seu uso no tratamento intravenoso agudo das arritmias ven-
a repolarização; este último efeito pode ser mediado pela capa- triculares, a lidocaína é utilizada como anestésico local (ver
cidade dos fármacos de bloquear os poucos canais de Na+ de Cap. 10).
inativação tardia durante a fase 2 do potencial de ação cardíaco A mexiletina, um análogo da lidocaína, está disponível
(Fig. 18.10). Em comparação com os agentes antiarrítmicos como formulação oral. Apesar de sua eficácia ser semelhante à
da classe IA, que se ligam preferencialmente aos canais de da quinidina, a mexiletina não prolonga o intervalo QT e carece
Na+ abertos, os fármacos da classe IB ligam-se aos canais de de efeitos colaterais vagolíticos. Além disso, foi relatada pouca
Na+ tanto abertos quanto inativados. Por conseguinte, quanto depressão hemodinâmica com o uso da mexiletina. As arritmias
maior o tempo durante o qual os canais de Na+ permanecem ventriculares potencialmente fatais constituem a principal indi-
no estado aberto ou inativado, maior o bloqueio passível de ser cação para uso da mexiletina. Todavia, na prática, a mexiletina
exercido pelos antiarrítmicos da classe IB. A principal carac- é freqüentemente utilizada como adjuvante de outros agentes
terística diferencial dos agentes antiarrítmicos da classe IB é antiarrítmicos. Por exemplo, a mexiletina é utilizada em asso-
a sua dissociação rápida dos canais de Na+. Como os canais ciação com amiodarona no tratamento de pacientes com car-
de Na+ recuperam-se rapidamente do bloqueio dos agentes da dioversores-desfibriladores implantáveis (CDI) bem como dos
classe IB, esses fármacos são mais efetivos no bloqueio dos pacientes com taquicardia ventricular recorrente. A mexiletina
tecidos despolarizados ou rapidamente impulsionados, onde também é utilizada em combinação com quinidina ou sotalol
existe maior probabilidade de canais de Na+ no estado aberto para aumentar a eficácia antiarrítmica e, ao mesmo tempo, redu-
ou inativado. Por conseguinte, os agentes antiarrítmicos da zir os efeitos colaterais. A exemplo de outros agentes antiarrít-
classe IB exibem bloqueio dependente do uso no miocárdio micos da classe IB, não há dados que confirmem uma redução
enfermo, onde as células têm tendência a apresentar disparo da mortalidade com o uso da mexiletina. Os principais efeitos
mais freqüente; esses antiarrítmicos exercem relativamente adversos do fármaco incluem náusea e tremor relacionados com
pouco efeito sobre o tecido cardíaco normal. a dose, que podem ser melhorados quando a mexiletina é toma-
A isquemia do miocárdio fornece um exemplo da utilida- da com alimentos. A mexiletina sofre metabolismo hepático, e
de terapêutica do bloqueio dependente do uso exercido pelos seus níveis plasmáticos podem ser alterados por indutores das
agentes antiarrítmicos da classe IB. O aumento na concentração enzimas hepáticas, como a fenitoína e a rifampicina.
Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 293

Embora a fenitoína seja habitualmente considerada uma A estimulação simpática libera norepinefrina, que se liga aos
medicação antiepiléptica, seus efeitos sobre o miocárdio tam- receptores ␤1-adrenérgicos nos tecidos nodais. (Os receptores
bém fazem com que seja classificada como agente antiarrítmi- ␤1-adrenérgicos constituem o subtipo adrenérgico preferencial-
co da classe IB. As propriedades farmacológicas da fenitoína mente expresso no tecido cardíaco.) A ativação dos receptores
são discutidas de modo pormenorizado no Cap. 14. Embora o ␤1-adrenérgicos no nó SA desencadeia um aumento na corrente
uso da fenitoína como agente antiarrítmico seja limitado, foi marcapasso (If), que aumenta a freqüência de despolarização da
constatado ser o fármaco efetivo na taquicardia ventricular de fase 4 e, conseqüentemente, leva a um disparo mais freqüente
crianças pequenas. Especificamente, a fenitoína tem sido utili- do nó. A estimulação dos receptores ␤1-adrenérgicos no nó AV
zada no tratamento da síndrome de QT prolongado congênita, aumenta as correntes de Ca2+ e K+, aumentando, assim, a velo-
quando falha a monoterapia com antagonistas ␤-adrenérgicos; cidade de condução e diminuindo o período refratário do nó.
é também utilizada no tratamento da taquicardia ventricular Os antagonistas ␤1 bloqueiam a estimulação simpática dos
após cirurgia cardíaca congênita. A fenitoína mantém a condu- receptores ␤1-adrenérgicos nos nós SA e AV (Fig. 18.11). O nó
ção AV nas arritmias por toxicidade da digoxina e mostra-se AV é mais sensível do que o nó SA aos efeitos dos antagonistas
particularmente útil no paciente raro que apresenta epilepsia ␤1. Os antagonistas ␤1 afetam os potenciais de ação dos nós SA
e arritmias cardíacas concomitantes. A fenitoína é um indutor e AV através das seguintes ações: (1) diminuem a freqüência
das enzimas hepáticas, incluindo a 3A4 do citocromo P450, e de despolarização da fase 4 e (2) prolongam a repolarização.
portanto afeta os níveis séricos de outros agentes antiarrítmicos, A diminuição da freqüência da despolarização da fase 4 resul-
como mexiletina, lidocaína e quinidina. ta em automaticidade diminuída, o que, por sua vez, reduz a
demanda de oxigênio do miocárdio. A repolarização prolonga-
Antiarrítmicos da Classe IC da do nó AV aumenta o período refratário efetivo, diminuindo
a incidência de reentrada.
Os antiarrítmicos da classe IC são os mais potentes blo- Os antagonistas ␤1 são os agentes mais freqüentemente uti-
queadores dos canais de Na+ e exercem pouco ou nenhum lizados no tratamento das arritmias supraventriculares e ventri-
efeito sobre a duração do potencial de ação (Fig. 18.10). Ao culares precipitadas por estimulação simpática. Foi constatado
diminuir acentuadamente a freqüência de ascensão da fase 0 das que os antagonistas ␤-adrenérgicos reduzem a mortalidade após
células ventriculares, esses fármacos suprimem as contrações infarto do miocárdio, mesmo em pacientes com contra-indi-
ventriculares prematuras. Os agentes antiarrítmicos da classe cações relativas para esse tratamento, como diabetes melito
IC também impedem a taquicardia supraventricular paroxísti- grave ou asma. Em virtude de seu amplo espectro de aplicações
ca e a fibrilação atrial. Entretanto, esses fármacos apresentam clínicas e registro estabelecido de segurança, os antagonistas
efeitos depressivos acentuados sobre a função cardíaca e, por ␤-adrenérgicos constituem os agentes antiarrítmicos mais úteis
conseguinte, devem ser utilizados com cautela. Além disso, o disponíveis no momento.
CAST (Cardiac Arrhythmia Suppression Trial, Estudo Clínico Existem várias gerações de antagonistas ␤, cada uma delas
de Supressão das Arritmias Cardíacas) e outros estudos chama- caracterizada por propriedades farmacológicas ligeiramen-
ram a atenção para os efeitos pró-arrítmicos desses agentes. te diferentes. Os antagonistas ␤ de primeira geração, como
A flecainida é o protótipo dos fármacos da classe IC; outros o propranolol, são antagonistas ␤-adrenérgicos não-seletivos
membros desta classe incluem a encainida, a moricizina e
a propafenona. A flecainida ilustra o princípio de que os
agentes antiarrítmicos também podem causar arritmia. Quan-
do administrada a pacientes com taquiarritmias ventriculares
preexistentes e àqueles com história de infarto do miocárdio, 60
a flecainida pode agravar a arritmia, mesmo em doses nor-
Potencial de membrana (mV)

mais. Na atualidade, a flecainida está aprovada para uso apenas Níveis Prolongamento
β-adrenérgicos da repolarização
em situações potencialmente fatais; por exemplo, quando as 30
tônicos do nó AV
arritmias supraventriculares paroxísticas ou ventriculares não
respondem a outras medidas. A flecainida é eliminada muito
0
lentamente do corpo e apresenta meia-vida plasmática de 12–30
horas. Devido ao acentuado bloqueio dos canais de Na+ e a
seus efeitos supressores sobre a função cardíaca, o uso da fle- -30
cainida está associado a efeitos adversos que incluem disfunção Limiar
sinusal-nodal, acentuada redução na velocidade de condução e
-60
bloqueio da condução. Diminuição da inclinação da fase 4 de despolarização
(Bloqueio da liberação adrenérgica)
Agentes Antiarrítmicos de Classe II: Antagonistas -90
0 100 200 300 400 500 600 700
␤-Adrenérgicos Tempo (ms)
Os agentes antiarrítmicos da classe II são antagonistas ␤-
adrenérgicos (também denominados bloqueadores ␤). Esses Fig. 18.11 Efeitos dos agentes antiarrítmicos de classe II sobre os
agentes atuam através da inibição do influxo simpático para potenciais de ação das células marcapasso. Os antiarrítmicos da classe II
as regiões de regulação do ritmo do coração. (Os antagonistas (antagonistas ␤) revertem a estimulação simpática tônica dos receptores ␤1-
␤-adrenérgicos são discutidos de modo mais detalhado no Cap. adrenérgicos cardíacos. Ao bloquear os efeitos adrenérgicos dos potenciais de
ação dos nós SA e AV, esses agentes diminuem a inclinação da despolarização
9 e no Cap. 19). Embora o coração seja capaz de bater por si
da fase IV (particularmente importante no nó SA) e prolongam a repolarização
próprio sem inervação do sistema nervoso autônomo, as fibras (especialmente importante no nó AV). Esses agentes mostram-se úteis no
tanto simpáticas quanto parassimpáticas inervam o nó SA e tratamento das arritmias supraventriculares e ventriculares que são precipitadas
o nó AV e, portanto, alteram a freqüência de automaticidade. por estimulação simpática.
294 | Capítulo Dezoito

que antagonizam os receptores tanto ␤1-adrenérgicos quanto


␤2-adrenérgicos. São amplamente utilizados no tratamento das 50
Bloqueio dos canais de
taquiarritmias causadas por estimulação das catecolaminas K+ repolarizantes

Potencial de membrana (mV)


durante o exercício físico ou o estresse emocional. Como o
propranolol não prolonga a repolarização no tecido ventricular,
pode ser utilizado em pacientes com síndrome do QT longo. 0 Equilíbrio das
Os agentes de segunda geração, incluindo atenolol, metopro- correntes de Ca2+
lol, acebutolol e bisoprolol, são relativamente seletivos para (despolarizante)
e de K+
os receptores ␤1-adrenérgicos quando administrados em baixas (hiperpolarizante)
doses. Os antagonistas ␤ de terceira geração provocam vasodi- -50 Repolarização
prolongada
latação, além de antagonismo dos receptores ␤1. O labetalol e o
carvediol induzem vasodilatação ao antagonizar a vasoconstri-
ção mediada pelos receptores ␣-adrenérgicos, enquanto o pin-
dolol é um agonista parcial nos receptores ␤2-adrenérgicos. -100
As diferentes gerações de antagonistas ␤ produzem graus 0 0,2 0,4 0,6 0,8
variáveis de efeitos adversos. Três mecanismos gerais são Tempo (s)
responsáveis pelos efeitos adversos dos ␤-bloqueadores. Em
primeiro lugar, o antagonismo nos receptores ␤2-adrenérgicos
Fig. 18.12 Efeitos dos antiarrítmicos da classe III sobre o potencial de
provoca espasmo do músculo liso, resultando em broncoespas- ação ventricular. Os antiarrítmicos da classe III (bloqueadores dos canais de
mo, extremidades frias e impotência. Esses efeitos são mais K+) diminuem a magnitude das correntes de K+ de repolarização durante a
comumente causados pelos antagonistas ␤ não-seletivos de fase II do potencial de ação e, portanto, prolongam a duração do potencial de
primeira geração. Em segundo lugar, a exageração dos efeitos ação. Esse prolongamento da fase de platô diminui a reentrada, mas também
terapêuticos do antagonismo dos receptores ␤1 pode levar a pode predispor às pós-despolarizações precoces.
efeitos inotrópicos negativos excessivos, bloqueio cardíaco e
bradicardia. Em terceiro lugar, a penetração do fármaco no SNC
pode provocar insônia e depressão.
Esse agente também intensifica a corrente de Na+ lenta dirigida
Agentes Antiarrítmicos de Classe III: para dentro da célula, que prolonga ainda mais a repolarização.
A ibutilida é utilizada para interromper a fibrilação e o flutter
Inibidores da Repolarização
atriais, conforme exemplificado no caso da introdução. O prin-
Os agentes antiarrítmicos da classe III bloqueiam os canais cipal efeito adverso da ibutilida resulta de seu prolongamen-
de K+. Dois tipos de corrente determinam a duração da fase to do intervalo QT; em conseqüência, pode ocorrer a arritmia
do platô do potencial de ação cardíaco: as correntes de Ca2+ grave denominada torsades de pointes, exigindo cardioversão
despolarizantes para dentro da célula e as correntes de K+ hiper- elétrica (liberação de um choque elétrico para ressincronizar o
polarizantes para fora da célula. Durante um potencial de ação coração) em quase 2% dos pacientes em uso do fármaco. Por
normal, as correntes de K+ hiperpolarizantes acabam domi- esse motivo, o Dr. J foi rigorosamente monitorado por um car-
nando, com retorno do potencial de membrana para valores diologista durante a infusão de ibutilida. Em geral, a ibutilida
mais hiperpolarizados. As correntes de K+ hiperpolarizantes não é administrada a pacientes com síndrome de QT longo
diminuem a duração do platô, com retorno mais rápido do preexistente.
potencial de membrana a seu valor em repouso, enquanto as A dofetilida é um agente de classe III apenas disponível por
correntes de K+ hiperpolarizantes menores aumentam a duração
via oral. Inibe exclusivamente o componente rápido da corrente
do platô e retardam o retorno do potencial de membrana para
retificadora de K+ tardia e não exerce nenhum efeito sobre a
seu valor de repouso.
corrente de Na+ para dentro da célula. A dofetilida aumenta
Quando ocorre bloqueio dos canais de K+, uma corrente de
+ a duração do potencial de ação e prolonga o intervalo QT de
K hiperpolarizante menor é gerada. Por conseguinte, os blo-
queadores dos canais de K+ produzem uma fase de platô mais forma dependente da dose. Devido a seu potencial de induzir
longa e prolongam a repolarização (Fig. 18.12). A capacidade arritmias ventriculares, a dofetilida é reservada para pacientes
dos bloqueadores dos canais de K+ de aumentar a duração do com fibrilação atrial e/ou flutter atrial altamente sintomáticos.
platô é responsável tanto pelos seus usos farmacológicos quanto A dofetilida é utilizada na cardioversão da fibrilação atrial e
pelos seus efeitos adversos. No seu aspecto benéfico, o pro- flutter atrial em ritmo sinusal normal e mostra-se efetiva na
longamento da duração do platô aumenta o período refratário manutenção do ritmo sinusal nesses pacientes após cardiover-
efetivo, o que, por sua vez, diminui a incidência de reentra- são. Como não tem nenhum efeito inotrópico negativo, a dofe-
da. No aspecto tóxico, o prolongamento da duração do platô tilida pode ser utilizada em pacientes com depressão da função
aumenta a probabilidade de desenvolvimento de pós-despo- de ejeção. À semelhança da ibutilida, o principal efeito adverso
larizações precoces e torsades de pointes. Com a exceção da da dofetilida consiste em torsades de pointes, que ocorrem em
amiodarona, os bloqueadores dos canais de K+ também exibem 1 a 3% dos pacientes em uso do fármaco. Como a dofetilida
a propriedade indesejável de “dependência de uso reverso”: o é excretada pelos rins, é preciso reduzir a dose do fármaco
prolongamento do potencial de ação é mais pronunciado em em pacientes com disfunção renal, com base na depuração da
taxas lentas (indesejável) e menos pronunciado em taxas rápi- creatinina.
das (desejável). Os bloqueadores dos canais de K+ possuem O sotalol é um agente antiarrítmico misto das classes II e
pouco ou nenhum efeito sobre a fase ascendente ou a veloci- III. Esse fármaco antagoniza não-seletivamente os receptores
dade de condução do impulso. ␤-adrenérgicos (ação de classe II) e também aumenta a duração
A ibutilida é um agente de classe III que prolonga a repola- do potencial de ação ao bloquear os canais de K+ (ação da classe
rização através da inibição da corrente de K+ retificadora tardia. III). O sotalol existe em duas formas isoméricas, os isômeros
Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 295

l e d. Enquanto as duas formas isoméricas são eqüipotentes no é utilizado por longos períodos ou em altas doses. Esses efei-
bloqueio dos canais de K+, a forma l é um antagonista ␤ mais tos incluem complicações cardíacas, pulmonares, da tireóide,
potente. O sotalol é utilizado no tratamento das arritmias ven- hepáticas, neurológicas e idiossincrásicas (Quadro 18.2). No
triculares graves, particularmente em pacientes que não con- coração, a amiodarona pode diminuir a função do nó AV ou
seguem tolerar os efeitos colaterais da amiodarona. O sotalol do nó SA através do bloqueio dos canais de Ca2+. Como anta-
também é utilizado na prevenção do flutter ou da fibrilação gonista ␣-adrenérgico, a amiodarona pode causar hipotensão.
atriais recorrentes e, portanto, na manutenção do ritmo sinusal A amiodarona pode exercer um efeito inotrópico negativo ao
normal. A exemplo de outros antagonistas ␤, o sotalol pode inibir os receptores ␤-adrenérgicos, especialmente quando o
causar fadiga e bradicardia; e, à semelhança de outros agentes fármaco é utilizado de modo crônico. Podem ocorrer complica-
antiarrítmicos da classe III, pode induzir torsades de pointes. ções pulmonares graves em pacientes em uso de altas doses de
O bretílio atua como agente anti-hipertensivo e como agente amiodarona (400 mg ao dia). A mais temida de todas as com-
antiarrítmico da classe III. À semelhança da guanetidina (ver plicações associadas ao uso de amiodarona é a pneumonite, que
Cap. 9), o bretílio concentra-se nas terminações dos neurô- leva à fibrose pulmonar. Felizmente, essas complicações são
nios simpáticos, causando a liberação inicial de norepinefrina; raramente observadas em pacientes em uso de doses profiláticas
todavia, a seguir, inibe a liberação adicional de norepinefrina. (200 mg ao dia) para prevenção das arritmias ventriculares ou
Com efeito, o bretílio efetua uma “simpatectomia química” e, atriais. Em virtude de sua semelhança estrutural com a tiroxina,
portanto, exerce um efeito anti-hipertensivo. O bretílio também a amiodarona afeta o metabolismo dos hormônios da tireóide ao
aumenta a duração do potencial de ação nas células cardía- inibir a conversão periférica da tiroxina (T4) em triiodotironina
cas normais e isquêmicas. Os locais de atividade antiarrítmica (T3). Podem ocorrer hipertireoidismo ou hipotireoidismo em
consistem principalmente nas fibras de Purkinje e, secundaria- conseqüência dessa desregulação do metabolismo dos hormô-
mente, nos miócitos ventriculares; não exerce nenhum efeito nios da tireóide (ver Cap. 26). Dez a 20% dos pacientes em uso
sobre o tecido atrial. O bretílio só está indicado para pacientes de amiodarona apresentam uma elevação anormal das enzimas
com taquicardia ventricular recorrente ou fibrilação após fra- hepáticas, embora esse efeito seja reversível quando se diminui
casso da lidocaína e das medidas de desfibrilação. Devido a a dose do fármaco. Os sintomas neurológicos podem incluir
seus efeitos simpaticolíticos, o bretílio pode causar hipotensão neuropatia periférica, cefaléia, ataxia e tremores. Os pacientes
pronunciada. tratados com amiodarona devem ser monitorados à procura de
A amiodarona é principalmente um agente antiarrítmico anormalidades da função pulmonar, tireóidea e hepática.
de classe III, mas também atua como antiarrítmico da classe A amiodarona está contra-indicada para pacientes com cho-
I, classe II e classe IV. A capacidade da amiodarona de exer- que cardiogênico, bloqueio cardíaco de segundo ou de terceiro
cer essa diversidade de efeitos pode ser explicada pelo seu grau ou disfunção grave do nó SA com bradicardia sinusal
mecanismo de ação: alteração da membrana lipídica na qual pronunciada ou síncope.
se localizam os canais iônicos e os receptores. Em todos os
tecidos cardíacos, a amiodarona aumenta o período refratário Agentes Antiarrítmicos de Classe IV:
efetivo através do bloqueio dos canais de K+ responsáveis pela
repolarização; esse prolongamento da duração do potencial de Bloqueadores dos Canais de Ca2+
ação diminui a reentrada. Como potente agente de classe I, a Os fármacos que bloqueiam os canais de Ca2+ cardíacos atuam
amiodarona bloqueia os canais de Na+ e, portanto, diminui a preferencialmente nos tecidos nodais SA e AV, visto que esses
freqüência de disparo nas células marcapasso; exibe bloqueio tecidos marcapasso dependem das correntes de Ca2+ para a fase de
dos canais de Na+ dependente do uso através de sua ligação despolarização do potencial de ação (Fig. 18.2). Em contrapartida,
preferencial aos canais que estão na conformação inativada. A os bloqueadores dos canais de Ca2+ exercem pouco efeito sobre
amiodarona exerce atividade antiarrítmica de classe II através os tecidos dependentes dos canais de Na+ rápidos, como as fibras
do antagonismo não-competitivo dos receptores ␣-adrenérgicos de Purkinje e o músculo atrial e ventricular. A principal ação tera-
e ␤-adrenérgicos. Por fim, como um bloqueador dos canais
de Ca2+ (classe IV), a amiodarona pode causar bloqueio sig-
nificativo do nó AV e bradicardia, embora, felizmente, o seu
uso esteja associado a uma incidência relativamente baixa de QUADRO 18.2 Principais Efeitos Adversos da Amiodarona,
torsades de pointes. Particularmente quando Administrada em Altas Doses
Nesses últimos anos, os resultados de diversos estudos clí-
nicos foram responsáveis pelo aumento da popularidade da CATEGORIA EFEITO COLATERAL
amiodarona, que era um agente utilizado como último recurso
e tornou-se um fármaco de uso freqüente no tratamento das Cardiovascular ↓ Função do nó AV ou SA
arritmias. A gravidade da arritmia é que determina a dose de ↓ Contratilidade cardíaca
amiodarona. Como apresenta toxicidade significativa em altas Hipotensão
doses, a amiodarona só é administrada em dose integral em Pulmonar Pneumonite, resultando em fibrose
pacientes com taquicardia ou fibrilação ventriculares hemodi- pulmonar
namicamente instáveis após fracasso de outros agentes antiarrít- Tireóide Hipertireoidismo ou hipotireoidismo
micos. Entretanto, em doses reduzidas, a amiodarona constitui
um dos agentes mais efetivos na prevenção de arritmias ven- Hepático Elevação das enzimas hepáticas
triculares graves em pacientes com insuficiência cardíaca e/ou Neurológico Neuropatia periférica, cefaléia, ataxia,
história de infarto do miocárdio recente. A amiodarona também tremores
é altamente efetiva na prevenção da fibrilação ou flutter atrial Outros Microdepósitos na córnea
paroxístico recorrente, como no caso descrito na introdução. Disfunção testicular
O amplo espectro de ação da amiodarona é acompanhado Pigmentação cutânea
de um conjunto de efeitos adversos graves quando o fármaco
296 | Capítulo Dezoito

pêutica dos antiarrítmicos de classe IV consiste em lentificar a Outros Agentes Antiarrítmicos


ascensão do potencial de ação nas células do nó AV, resultando
em diminuição da velocidade de condução através do nó AV (Fig. A adenosina e o potássio, apesar de não serem considerados
18.13). Isso também bloqueia as arritmias de reentrada, em que o agentes antiarrítmicos clássicos, possuem efeitos importantes
nó AV constitui parte do circuito de reentrada. Entretanto, no caso sobre a eletrofisiologia cardíaca. A adenosina pode ser utilizada
apresentado na introdução, o circuito de reentrada responsável pela no tratamento das arritmias que envolvem a condução nodal
fibrilação atrial foi isolado nos átrios. Esta é a razão pela qual o dil- AV aberrante. As concentrações fisiológicas de K+ devem ser
tiazem, um bloqueador dos canais de Ca2+, diminuiu a freqüência mantidas para prevenir arritmias. A ranolazina é um agente
cardíaca do Dr. J, mas não modificou o ritmo cardíaco subjacente. recentemente aprovado para o tratamento da angina estável
(Consultar o Cap. 21 para uma discussão mais detalhada dos blo- crônica; seu mecanismo de ação parece envolver a inibição da
queadores dos canais de Ca2+). corrente de Na+ tardia.
Como diferentes tecidos expressam subtipos diferentes de
canais de Ca2+, e diferentes subclasses de bloqueadores dos Adenosina
canais de Ca2+ interagem preferencialmente com subtipos dife- O nucleosídio adenosina encontra-se naturalmente presente em
rentes de canais de Ca2+, os diversos bloqueadores dos canais todo o corpo. Através da estimulação da classe P1 de recep-
de Ca2+ exercem efeitos diferenciais em diferentes tecidos. As tores purinérgicos, a adenosina abre um canal de K+ acoplado
diidropiridinas (como a nifedipina) exercem um efeito relativa- à proteína G (IKACh) e, portanto, inibe a condução nodal SA,
mente maior sobre a corrente de Ca2+ no músculo liso vascular, atrial e nodal AV. O nó AV é mais sensível do que o nó SA aos
enquanto o verapamil e o diltiazem são mais efetivos nos efeitos da adenosina. A adenosina também inibe a potencial-
tecidos cardíacos. O verapamil e o diltiazem são utilizados no ização da atividade dos canais de Ca2+ pelo cAMP e, portanto,
tratamento de taquicardias supraventriculares paroxísticas de suprime os potenciais de ação dependentes de Ca2+. A adeno-
reentrada, visto que representam freqüentemente arritmias de sina, cuja meia-vida plasmática é de menos de 10 segundos, é
reentrada que envolvem o nó AV. O verapamil e o diltiazem freqüentemente utilizada como agente de primeira linha para
são raramente utilizados na taquicardia ventricular. Com efeito,
conversão da taquicardia supraventricular paroxística de com-
as únicas indicações desses agentes nas arritmias ventriculares
plexo estreito em ritmo sinusal normal. Para essa indicação, a
consistem na taquicardia do trato de efluxo ventricular direito
adenosina mostra-se eficaz em 90% dos casos. Os efeitos adver-
idiopática e taquicardias fasciculares. O verapamil também é
sos da adenosina são, em sua maioria, transitórios, incluindo
utilizado no tratamento da hipertensão e da angina vasoespás-
cefaléia, rubor, dor torácica e inibição excessiva do nó AV ou
tica (de Prinzmetal). Os agentes da classe IV podem provocar
do nó SA. A adenosina também pode causar broncoconstrição
bloqueio nodal AV ao reduzir excessivamente a velocidade de
de até 30 minutos de duração em pacientes com asma. Em
condução. A administração de verapamil intravenoso a pacien-
65% dos pacientes, ocorre nova arritmia transitória no início
tes em uso de ␤-bloqueadores pode precipitar insuficiência
cardíaca grave e levar a uma dissociação eletromecânica irre- da administração de adenosina.
versível. O verapamil e o diltiazem aumentam os níveis plas-
máticos de digoxina ao competir com este fármaco para a sua Potássio
excreção renal. Tanto a hipocalemia quanto a hipercalemia podem ser arrit-
mogênicas, e, por conseguinte, é preciso monitorar cuidadosa-
mente os níveis plasmáticos de K+. A hipocalemia pode causar
pós-despolarizações precoces, pós-despolarizações tardias e
batimentos ectópicos nas células não-marcapasso. A hipercale-
60
mia pode resultar em acentuada redução da velocidade de con-
dução, visto que as concentrações extracelulares elevadas de K+
Potencial de membrana (mV)

Elevação lenta do
30 potencial de ação
diminuem EK e, por conseguinte, despolarizam as membranas
celulares. Os efeitos cardíacos potencialmente fatais da hiper-
calemia constituem a principal razão da instituição de diálise
0 em pacientes com insuficiência renal.
O potássio é um agente antiarrítmico através de dois meca-
-30 nismos. Em primeiro lugar, os níveis séricos de K+ fora da faixa
Limiar fisiológica (3,5−5 mM) podem constituir um importante fator
na iniciação e manutenção das arritmias. A correção da hipo-
-60 calemia ou da hipercalemia por si só pode ser suficiente para
interromper algumas arritmias. Em segundo lugar, é possível
-90 utilizar concentrações séricas suprafisiológicas ou subfisioló-
0 100 200 300 400 500 600 700 gicas de K+ na tentativa de terminar as arritmias. Essa aborda-
Tempo (ms) gem raramente é utilizada na prática clínica, visto que é difícil
modificar os níveis de K+ de modo confiável, e as alterações
induzidas de modo exógeno nos níveis de K+ são rapidamente
Fig. 18.13 Efeitos dos antiarrítmicos de classe IV sobre os potenciais de corrigidas pelos mecanismos renais.
ação da célula marcapasso. Os antiarrítmicos da classe IV (bloqueadores dos
canais de Ca2+) diminuem a excitabilidade das células do nó SA e prolongam
a condução do nó AV, primariamente ao lentificar a ascensão do potencial Ranolazina
de ação no tecido nodal. Os agentes antiarrítmicos da classe IV mostram-se
úteis no tratamento das arritmias que envolvem uma reentrada através do nó Muitos pacientes com angina estável crônica apresentam dor
AV; entretanto, os bloqueadores dos canais de Ca2+ em altas doses podem torácica ao esforço, apesar da revascularização mecânica e do
prolongar a condução do nó AV a ponto de resultar em bloqueio cardíaco. uso de antagonistas ␤-adrenérgicos ou bloqueadores dos canais
Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 297

de cálcio. A ranolazina é um agente recentemente aprovado, QUADRO 18.3 Identidade Molecular das Correntes Iônicas
que melhora a capacidade de atividade física e diminui os even- Cardíacas Conhecidas
tos anginosos em pacientes com angina estável crônica. Apesar
de sua extensa avaliação, o mecanismo exato de ação da rano- CORRENTE IÔNICA PROTEÍNA DO CANAL
lazina permanece incerto. Os mecanismos sugeridos de ação INa Nav1,5
incluem inibição da ␤-oxidação dos ácidos graxos dos miócitos
cardíacos, inibição da corrente retificadora de K+ tardia e ini- ICa.L (sensível à Cav1,2
bição da corrente de Na+ tardia. A inibição da ␤-oxidação dos diidropiridina)
ácidos graxos pode melhorar a utilização do ATP do miocárdio, ICa.T Cav3,1
enquanto a inibição da atividade dos canais de Na+ pode reduzir
If HCN2, HCN4
a energia necessária para a repolarização do miocárdio.
Em geral, a ranolazina tem sido bem tolerada nos estudos Ito Kv4,3
clínicos conduzidos; os efeitos adversos mais comuns consis- IKs* Kv7,1 (KvLQT1)
tem em náusea, constipação e tontura. A ranolazina também
prolonga o intervalo QT. Hoje em dia, o seu uso está aprova- IKr Kv11, HERG
do para tratamento de segunda linha de pacientes com angina IK1 Kir2,1 (retificador internamente
estável crônica. dirigido)
IKACh Kir3,1 + Kir3,4 (regulada pela
n Conclusão e Perspectivas Futuras proteína G)
As arritmias cardíacas originam-se de defeitos na formação *Coletivamente designada como IK.
do impulso, de defeitos na condução do impulso ou de uma
associação desses dois mecanismos. Como a ocorrência de
alterações na condutância iônica leva a arritmias, os agentes
antiarrítmicos atuam direta ou indiretamente para alterar os alvos que, no momento atual, ainda não são conhecidos. Muitos
estados conformacionais dos canais iônicos e, assim, modi- dos genes provavelmente codificam canais que formam hete-
ficar a permeabilidade da membrana aos íons. A propriedade romultímeros, e existe a possibilidade da existência de muitas
farmacológica do bloqueio dos canais iônicos dependente do variantes genéticas dentro da população. Essa enorme com-
uso permite que muitos agentes antiarrítmicos sejam direcio- plexidade provavelmente irá representar uma vantagem para o
nados preferencialmente para tecidos cardíacos enfermos, com desenvolvimento de fármacos, visto que irá permitir o uso de
base na eletrofisiologia alterada desses tecidos. Em geral, os estratégias mais específicas e personalizadas. Paralelamente, o
antiarrítmicos da classe I bloqueiam os canais de Na+; os anti- desenvolvimento de computadores, estimuladores e desfibrila-
arrítmicos da classe II (␤-bloqueadores) inibem a estimulação dores implantáveis irá constituir uma estratégia alternativa na
simpática e, portanto, diminuem a automaticidade; os agentes prevenção ou interrupção das arritmias.
da classe III bloqueiam os canais de K+; e os agentes da classe
IV bloqueiam os canais de Ca2+. Apesar dos contínuos avanços
nos fármacos antiarrítmicos, ainda continua o paradoxo de que
n Leituras Sugeridas
os agentes antiarrítmicos podem gerar arritmias. Entretanto, o Ackerman MJ, Clapham DE. Chapter 18: excitability and conduction.
uso criterioso dos agentes antiarrítmicos pode reduzir a mor- In: Chien KR, ed. Molecular basis of cardiovascular disease. 2nd
talidade em certas circunstâncias clínicas, e a personalização ed. Philadelphia: WB Saunders; 2004. (Resumo detalhado da exci-
tabilidade e da condução cardíacas.)
cuidadosa de um esquema farmacológico para o estado clínico Ackerman MJ, Clapham DE. Ion channels—basic science and clinical
de determinado paciente pode reduzir os efeitos adversos desses disease. N Engl J Med 1997;336:1575–1586. (Revisão ampla dos
fármacos. canais iônicos.)
As novas orientações mais importantes na farmacologia do Chaitman BR. Ranolazine for the treatment of chronic angina and
ritmo cardíaco envolvem a identificação de genes específicos potential use in other cardiovascular conditions. Circulation
para os canais iônicos no coração humano (Quadro 18.3). Na 2006;113:2462–2472. (Revisão recente da ranolazina.)
atualidade, são utilizados modelos animais para a maior par- Delacretaz E. Clinical practice. Supraventricular tachycardia. N Engl
te da pesquisa de canais iônicos; comparativamente, pouco se J Med 2006;354:1039–1051. (Discussão dos usos clínicos dos
sabe acerca da farmacologia clínica da expressão dos canais agentes antiarrítmicos no tratamento da taquicardia supraventri-
iônicos nos seres humanos. Com o estabelecimento completo cular.)
da seqüência dos genomas murino e humano, os pesquisado- Katz A. Mechanisms of disease: cardiac ion channels. N Engl J Med
1993;328:1244–1251. (Base molecular das arritmias cardíacas.)
res serão capazes de investigar a possibilidade de que pro-
Kowey PR, Marinchak RA, Rials SJ, et al. Classification and phar-
dutos gênicos recém-identificados possam servir como alvos macology of antiarrhythmic drugs. Am Heart J 2000;140:12–20.
seletivos para novos agentes terapêuticos. A identificação da (Sinopse das drogas antiarrítmicas.)
expressão gênica de canais iônicos nos vários tecidos do cora- Lilly L, ed. Pathophysiology of heart disease: a collaborative pro-
ção humano (nó SA, nó AV, vias de condução atrial, endocárdio, ject of medical students and faculty. 3rd ed. Baltimore: Lippincott
vias de condução ventricular etc.), tanto durante o desenvol- Williams & Wilkins; 2002. (Discussão detalhada da fisiopatologia
vimento quanto em resposta à lesão, poderá fornecer novos das arritmias cardíacas.)
Resumo Farmacológico Capítulo 18 Farmacologia do Ritmo Cardíaco
298

Efeitos Adversos
|

Fármaco Aplicações Clínicas Graves e Comuns Contra-Indicações Considerações Terapêuticas


ANTIARRÍTMICOS DA CLASSE IA
Mecanismo — Bloqueio moderado dos canais de Na+ regulados por voltagem e bloqueio dos canais de K+ nos miócitos ventriculares (diminui a velocidade de ascensão da fase 0 e prolonga a repolarização) e células do
nó SA (desloca o limiar para potenciais mais positivos e diminui a inclinação da despolarização da fase 4); a quinidina também bloqueia a liberação de acetilcolina do nervo vago (efeito vagolítico)
Quinidina Conversão do flutter ou da Torsades de pointes, História de torsades de pointes ou A co-administração de outros fármacos que reconhecidamente
fibrilação atriais e manutenção do bloqueio AV completo, prolongamento do intervalo QT prolongam o intervalo QT (como tioridazina, ziprasidona) está
ritmo sinusal normal taquicardia ventricular, Uso concomitante de fármacos que contra-indicada
Capítulo Dezoito

Taquicardia supraventricular agranulocitose, prolongam o intervalo QT A quinidina inibe a conversão da codeína em morfina,
paroxística trombocitopenia, Defeitos de condução reduzindo, assim, o efeito analgésico da codeína
Contrações atriais ou ventriculares hepatotoxicidade, crise Ocorre toxicidade da digoxina induzida pela quinidina em uma
prematuras de asma aguda, parada fração significativa de pacientes
Ritmo juncional AV paroxístico ou respiratória, angioedema, A amiodarona, o amprenavir, os antifúngicos azólicos, a
taquicardia atrial ou ventricular ocorrência rara de lúpus cimetidina e o ritonavir aumentam os níveis de quinidina
sistêmico A co-administração de anticolinérgicos resulta em efeitos
Fadiga, cefaléia, tontura, anticolinérgicos aditivos
alargamento do complexo Deve-se utilizar um agente que diminui a velocidade de
QRS e dos intervalos QT condução nodal AV (um bloqueador ␤-adrenérgico ou
e PR, hipotensão, CVP, um bloqueador dos canais de Ca2+), em associação com a
quinidina para evitar uma resposta ventricular excessivamente
taquicardia, diarréia,
rápida em pacientes com flutter atrial
cinchonismo
Procainamida SVP sintomáticas Iguais aos da quinidina, Iguais às da quinidina A co-administração de fármacos que reconhecidamente
Taquicardia ventricular exceto pelo menor número Outras contra-indicações incluem miastenia prolongam o intervalo QT está contra-indicada
potencialmente fatal de efeitos anticolinérgicos. grave e lúpus eritematoso sistêmico A procainamida não altera os níveis plasmáticos de digoxina
Manutenção do ritmo sinusal Além disso, pode ocorrer Pode haver aceleração da freqüência ventricular devido aos
normal após conversão do flutter uma síndrome semelhante efeitos vagolíticos sobre o nó AV; considerar o pré-tratamento
atrial ao lúpus após uso com um glicosídio cardíaco
Hipertermia maligna prolongado Determinação basal e periódica de ANA e monitoração para o
desenvolvimento de uma síndrome semelhante ao lúpus
Disopiramida CVP Iguais aos da quinidina, Iguais às da quinidina A co-administração de fármacos que reconhecidamente
Taquicardia ventricular exceto por efeitos prolongam o intervalo QT está contra-indicada
Conversão da fibrilação atrial, anticolinérgicos mais A rifampicina compromete a atividade antiarrítmica da
flutter atrial e taquicardia atrial profundos e menos efeitos disopiramida
paroxística em ritmo sinusal normal GI Pode haver aceleração da freqüência ventricular devido aos
efeitos vagolíticos sobre o nó AV; considerar o pré-tratamento
com um glicosídio cardíaco
A disopiramida é comumente prescrita para pacientes que não
conseguem tolerar a quinidina ou a procainamida
ANTIARRÍTMICOS DA CLASSE IB
Mecanismo — Bloqueio dos canais de Na+ regulados por voltagem dependente do uso nos miócitos ventriculares (diminui a velocidade da fase 0 de ascensão); pode também encurtar a repolarização
Lidocaína Arritmias ventriculares no contexto Convulsões, assistolia, Síndrome de Stokes-Adams Deve-se ajustar a dose de lidocaína e mexiletina quando esses
Mexiletina (análogo oral do IM, manipulação cardíaca ou uso bradicardia, parada Síndrome de Wolff-Parkinson-sWhite fármacos são co-administrados com inibidores do citocromo
da lidocaína) de glicosídios cardíacos cardíaca, arritmias Bloqueio SA, AV ou intraventricular grave P450 (como a cimetidina) ou indutores (como barbitúricos,
Estado de mal epiléptico novas ou agravamento As contra-indicações para bloqueio espinal fenitoína ou rifampicina)
Anestesia local da pele ou das de arritmias, depressão ou epidural incluem: inflamação ou Em pacientes gravemente enfermos, as convulsões podem
mucosas respiratória, anafilaxia, infecção na região da punção, septicemia, constituir o primeiro sinal de toxicidade
Dor, queimação ou prurido estado de mal asmático hipertensão grave, deformidades espinais, A injeção intramuscular de lidocaína pode causar grande
Neuralgia pós-herpética Inquietação, estupor, distúrbios neurológicos aumento nos níveis séricos de creatinocinase (CK)
tremor, hipotensão, visão
turva ou dupla, zumbido
Fenitoína Convulsões tônico-clônicas Agranulocitose, Hipersensibilidade à hidantoína A fenitoína interage com numerosos fármacos, devido a
generalizadas, estado de mal leucopenia, pancitopenia, Bradicardia sinusal, bloqueio do nó SA, seu metabolismo hepático. A fenitoína é metabolizada pela
epiléptico, convulsões não- trombocitopenia, hepatite, bloqueio AV de segundo ou de terceiro grau 2C9/10 e pela 2C19 do citocromo P450. Outros fármacos
epilépticas síndrome de Stevens- Síndrome de Stokes-Adams metabolizados por essas enzimas podem aumentar as
Convulsões relacionadas com a Johnson, necrólise concentrações plasmáticas de fenitoína. A fenitoína também
eclampsia epidérmica tóxica pode induzir várias enzimas do citocromo P450, como a
Neuralgia Ataxia, confusão, fala 3A4, podendo resultar em aumento do metabolismo de
Arritmias ventriculares que não arrastada, diplopia, contraceptivos orais e outros fármacos
respondem à lidocaína ou à nistagmo, hiperplasia
procainamida gengival, náusea, vômitos,
Arritmias induzidas por glicosídios hirsutismo
cardíacos
ANTIARRÍTMICOS DA CLASSE IC
Mecanismo — Bloqueio acentuado dos canais de Na+ regulados por voltagem nos miócitos ventriculares (diminui a velocidade de ascensão da fase 0)
Encainida Taquicardia ventricular sustentada Parada cardíaca, Choque cardiogênico Associados a uma excessiva taxa de mortalidade e parada
Flecainida Taquicardia supraventricular insuficiência cardíaca, Bloqueio AV de segundo ou de terceiro cardíaca não-fatal; uso restrito aos pacientes que não
Moricizina paroxística, fibrilação atrial novas arritmias ou grau, bloqueio do ramo direito com responderam a outras medidas
Propafenona paroxística que não responde a agravamento da arritmia, hemibloqueio esquerdo Podem agravar as arritmias em pacientes com taquiarritmias
outras medidas disfunção sinusal-nodal, Efeitos pró-arrítmicos em pacientes com ventriculares preexistentes e naqueles com história de infarto
acentuada diminuição da fibrilação ou flutter atriais do miocárdio
velocidade de condução, Podem aumentar o limiar marcapasso endocárdico agudo e
bloqueio da condução crônico e suprimir os ritmos de escape ventricular
Tontura, cefaléia, síncope, Monitorar os níveis em pacientes com comprometimento
distúrbios visuais, dispnéia hepático significativo
ANTIARRÍTMICOS DA CLASSE II: ANTAGONISTAS ␤-ADRENÉRGICOS
Mecanismo — Antagonizam a estimulação simpática dos receptores ␤1-adrenérgicos nas células dos nós SA e AV, diminuindo, assim, a inclinação da despolarização da fase IV (importante no nó SA) e prolongando a
repolarização (importante no nó AV)
Propranolol Ver Resumo Farmacológico: Cap. 9
Atenolol
Metoprolol
Acebutolol
Bisoprolol
Labetalol
Carvedilol
Pindolol
AGENTES ANTIARRÍTMICOS DA CLASSE III: INIBIDORES DA REPOLARIZAÇÃO
Mecanismo — Bloqueiam os canais de K+, resultando em platô mais longo do potencial de ação e em repolarização prolongada
Ibutilida Conversão da fibrilação atrial ou Bloqueio AV, bradicardia, História de taquicardia ventricular Os agentes antiarrítmicos da Classe IA e da Classe III podem
do flutter atrial em ritmo sinusal taquicardia ventricular polimórfica, como torsades de pointes aumentar o potencial de refratariedade prolongada
normal sustentada, 2% Síndrome do QT longo preexistente Os fármacos que prolongam o intervalo QT (como anti-
desenvolvem torsades histamínicos, fenotiazinas e antidepressivos tricíclicos)
de pointes, exigindo aumentam o risco de arritmia
cardioversão elétrica Monitorar o intervalo QT durante a administração de ibutilida
Dofetilida Conversão da fibrilação atrial ou Iguais aos da ibutilida Iguais às da ibutilida. Outras contra- Apenas disponível por via oral
do flutter atrial em ritmo sinusal indicações incluem pacientes com Devido a seu potencial de induzir arritmias ventriculares, a
Farmacologia do Ritmo Cardíaco

normal depuração de creatinina inferior a 20 dofetilida é reservada para pacientes com fibrilação atrial e/ou
Manutenção do ritmo sinusal mL/min flutter atrial altamente sintomáticos
|

normal em pacientes com fibrilação Redução da dose em pacientes com disfunção renal
atrial ou flutter atrial sintomáticos
299

(Continua)
Resumo Farmacológico Capítulo 18 Farmacologia do Ritmo Cardíaco (Continuação)
300

Efeitos Adversos
|

Fármaco Aplicações Clínicas Graves e Comuns Contra-Indicações Considerações Terapêuticas


INIBIDORES DO RECEPTOR DE GLUTAMATO
Mecanismo — O felbamato inibe o sítio de ligação da glicina do complexo receptor NMDA-ionóforo, resultando em supressão da atividade convulsiva
Sotalol Arritmias ventriculares Bradicardia, torsades Disfunção sinusal-nodal grave, bradicardia O sotalol é um agente antiarrítmico misto da classe II e da
potencialmente fatais de pointes, contrações sinusal, bloqueio AV de segundo ou de classe III que antagoniza não-seletivamente os receptores ␤-
Manutenção do ritmo sinusal ventriculares prematuras, terceiro grau adrenérgicos e prolonga a duração do potencial de ação através
normal em pacientes com fibrilação fibrilação ventricular, Síndrome do QT longo do bloqueio dos canais de potássio
Capítulo Dezoito

atrial ou flutter atrial sintomáticos taquicardia ventricular, Choque cardiogênico, insuficiência cardíaca Utilizado freqüentemente em pacientes que não conseguem
bloqueio AV, insuficiência não controlada tolerar os efeitos adversos da amiodarona
cardíaca, broncoespasmo Asma Utilizar com cautela em pacientes com comprometimento da
Dispnéia, dor torácica, função renal ou com diabetes melito
fadiga Evitar a co-administração com ziprasidona e esparfloxacino,
que podem prolongar o intervalo QT
Bretílio Arritmias ventriculares Arritmias cardíacas Arritmias induzidas por digitálicos Agente anti-hipertensivo e agente antiarrítmico da classe III
potencialmente fatais Hipotensão ortostática
pronunciada, bradicardia,
tontura, ansiedade, aumento
da temperatura corporal
Amiodarona Fibrilação ventricular recorrente, Arritmias, assistolia, Pacientes em uso de ritonavir A formulação IV (Cordarone®) contém álcool benzílico, que
taquicardia ventricular instável bradicardia, bloqueio Doença grave do nó SA tem causado respiração entrecortada e colapso cardiovascular
Fibrilação atrial cardíaco, insuficiência Bloqueio AV de segundo ou de terceiro (síndrome de esforço respiratório) em recém-nascidos
Arritmias supraventriculares cardíaca, hipotensão, grau A toxicidade pulmonar é mais comum com doses altas
parada sinusal, Bradicardia com síncope A co-administração de ␤-bloqueadores ou de bloqueadores dos
neutropenia, pancitopenia, canais de cálcio pode aumentar o risco de bradicardia sinusal,
insuficiência hepática, parada sinusal e bloqueio AV
toxicidade pulmonar grave A co-administração de colestiramina aumenta a eliminação da
(pneumonite, alveolite, amiodarona
fibrose), disfunção da A co-administração de ciclosporina, digoxina, flecainida,
tireóide lidocaína, fenitoína, procainamida, quinidina ou teofilina pode
Fadiga, microdepósitos resultar em níveis aumentados desses fármacos
na córnea, pigmentação A co-administração de fármacos que prolongam o intervalo
cutânea azul-acinzentada, QT, como disopiramida, tioridazina, fenotiazina, pimozida,
fotossensibilidade quinidina, esparfloxacino ou antidepressivos tricíclicos, pode
resultar em prolongamento do intervalo QT e induzir torsades
de pointes
A co-administração de fenitoína pode diminuir os níveis de
amiodarona
AGENTES ANTIARRÍTMICOS DA CLASSE IV: BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO
Mecanismo — Bloqueiam preferencialmente os canais de Ca2+ cardíacos; lentificam a ascensão do potencial de ação nos tecidos do nó SA e nó AV
Verapamil Ver Resumo Farmacológico, Cap. 21
Diltiazem
ANTIARRÍTMICOS DA CLASSE IC
Mecanismo — Bloqueio acentuado dos canais de Na+ regulados por voltagem nos miócitos ventriculares (diminui a velocidade de ascensão da fase 0)
Adenosina Conversão da taquicardia Rubor facial, Bloqueio AV de segundo ou de terceiro Abre os canais de K+ acoplados à proteína G e suprime o
supraventricular paroxística em bronconconstrição em grau potencial de ação dependente do Ca2+, inibindo, assim, a
ritmo sinusal normal pacientes com asma, Não utilizar a adenosina para a fibrilação condução nodal SA, atrial e nodal AV
pressão torácica, diaforese, atrial ou flutter atrial A co-administração de carbamazepina pode aumentar o grau
inibição excessiva do nó SA de bloqueio cardíaco
ou AV Podem ocorrer arritmias transitórias no início da infusão de
adenosina
Ranolazina Angina de peito crônica Prolonga o intervalo QT, Uso concomitante de fármacos que Mecanismo de ação incerto — pode inibir a oxidação dos
síncope, disfunção renal prolongam o intervalo QT ácidos graxos, a corrente retificadora de potássio tardia ou a
aguda Síndrome do QT longo preexistente corrente de sódio tardia
Obstipação, tontura, Uso concomitante de inibidores Freqüentemente utilizada em associação com ␤-bloqueadores,
cefaléia moderadamente potentes da 3A do anlodipina ou nitratos em pacientes que não conseguiram uma
citocromo P450 resposta adequada a outros agentes antianginosos
Disfunção hepática Evitar o uso concomitante de inibidores moderadamente
potentes da 3A do citocromo P450 ou fármacos que prolongam
o intervalo QT
Evitar o uso em pacientes com comprometimento renal grave
Farmacologia do Ritmo Cardíaco
|
301

Você também pode gostar