Manauais de Cinema, I-Roteiros - Laboratório de Guionismo
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Luís Nogueira
Manuais de Cinema I
Laboratório de Guionismo
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Livros LabCom
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Série: Estudos em Comunicação
Direcção: António Fidalgo
Design da Capa: Madalena Sena
Paginação: Marco Oliveira
Covilhã, 2010
ISBN: 978-989-654-041-8
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Índice
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
A Técnica 5
Método . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Função . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
Paginação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Sinopse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Nota de intenções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Caracterização das personagens . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
O Processo Criativo 39
Ideia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Estratégia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Formato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Género . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Experimentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Estilo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Mensagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Intertextualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Moldura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
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Auto-reflexividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
A Narrativa 63
Definição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Teoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Clássica/moderna/contemporânea . . . . . . . . . . . . . . . 76
História/enredo/descrição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
Cena/sequência/acto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
Conflito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
Peripécia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
Desfecho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Personagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Diálogos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Encenação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
Narrador/focalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
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Introdução
Comecemos por uma curta introdução que apresente, justifique e expli-
que este livro. A faculdade e a competência narrativas são ancestrais
e universais. Em todos os tempos e em todos os lugares o ser humano
contou e conta histórias. A narrativa, fictícia ou factual, é uma das
formas fundamentais de atribuição de sentido à existência e a cada um
dos seus momentos. Daí o seu apelo imediato e o seu sucesso popular:
todos somos capazes de partilhar uma narrativa, de a relatar ou mesmo
de a inventar.
Ao longo da história do cinema, a sua propensão narrativa tornou-
se progressiva e fatalmente dominante. A grande notoriedade que o
cinema conseguiu ao longo do século XX, quer enquanto arte quer –
e sobretudo – enquanto indústria, em muito se deve a esse privilégio
formal e temático da narrativa. Tal sucede ao ponto de quase podermos
dizer que para o espectador comum, genericamente, cinema e cinema
narrativo se confundem.
Quer do ponto de vista do puro entretenimento, quer de uma pers-
pectiva artística mais erudita e ambiciosa, a narrativa abre inúmeras
possibilidades – ela pode divertir, emocionar, problematizar, reflectir,
educar, entre outras funções simultaneamente desempenhadas ou não.
Num contexto mediático e cultural como o actual, em que a narrativa
está em constante questionamento e redefinição, em função da metamor-
fose tecnológica dos media a que se tem assistido e das formas inéditas
que esta origina, a sua relevância no discurso cinematográfico permanece
intacta.
Se começamos esta introdução ao guionismo a sublinhar a impor-
tância da narrativa na criação cinematográfica é porque esta realmente
detém aí um papel primordial. O guião cinematográfico funciona, sobre-
tudo, como um instrumento de organização da informação narrativa e de
partilha de uma história entre os diferentes participantes na concretiza-
ção de uma ficção cinematográfica. Importa notar que se nos referimos
à ficção, é porque este género constitui o nosso objecto – não nos debru-
çaremos aqui sobre o guião para documentário ou outros géneros.
Esta relevância do guião na produção cinematográfica é, contudo,
bastante desigual, existindo variadas perspectivas, métodos e aborda-
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A Técnica
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Método
Começamos então por uma sugestão metodológica, porque, apesar de
a capacidade narrativa ser universal – pois todos nós nos arriscamos
ou comprazemos a contar histórias, respondendo a uma necessidade hu-
mana de partilha, entretenimento ou aprendizagem –, todos concorda-
mos que existem modos mais elegantes e cativantes de o fazer do que
outros. Entre o momento inicial em que surge o ímpeto ou a necessi-
dade de contar uma história e a forma final que esta há-de adquirir,
são várias as fases que ela atravessará. A metodologia que se sugere
não passa disso mesmo, de uma sugestão, prévia e sumária, que visa
acrescentar, dentro do possível, alguma sustentação metodológica à ca-
pacidade – inata ou adquirida – de cada um para a narração. Eis então
algumas das preocupações e operações a ponderar desde logo.
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uma destas partes como no todo. Estamos em crer que esta lógica de
integração ajudará a perceber melhor em que medida uma narrativa
deve ser entendida como um sistema em que o todo é superior à soma
das suas partes.
Função
Um guião é um texto com uma função muito evidente: guiar o processo
de execução de algo. No cinema não é diferente. Ele serve para que
os diversos intervenientes saibam o que lhes é pedido, em que direcção
vai o projecto e quais as metas a atingir. Existem diversos tipos de
guiões – por exemplo, podemos falar do guião de uma entrevista, de
uma reunião, de um jogo, etc. O guião é, portanto, um instrumento
de concepção e planificação recorrentemente utilizado nas mais diversas
actividades, e que assume as mais diversas formas. No entanto, é no
guião cinematográfico que encontramos a mais consistente e estável das
suas manifestações, quer ao nível morfológico quer ao nível teleológico.
O formato de guião que aqui se apresenta é o utilizado convencional-
mente na indústria audiovisual e cinematográfica americana, o qual, com
algumas mais ou menos significativas variações, é utilizado um pouco por
toda a parte, nos mais diversos contextos produtivos. É designado sim-
plesmente por guião, por guião americano ou por guião literário (neste
último caso, para o distinguir do guião técnico, o qual abordaremos mais
adiante). Este tipo de guião é utilizado não só no cinema de ficção, mas
também noutras obras audiovisuais (telenovelas, séries televisivas ou
sit-coms, por exemplo).
Há alguns aspectos que devem ser tidos em conta, de uma forma
genérica, quando redigimos um guião e é a eles que nos referiremos
de seguida – não esquecendo, contudo, que a importância atribuída ao
guião é variável e depende sobretudo das metodologias criativas dos au-
tores e dos procedimentos próprios de cada sistema de produção. Assim,
naquilo que genericamente se designa por cinema de autor, são conhe-
cidos diversos casos de renúncia a um guião exaustivo ou mesmo de
recusa da sua utilização, ao passo que em regimes de produção indus-
trial e comercialmente estruturados, o guião se revela um instrumento
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• evidentes ganhos ao nível dos custos (uma vez que é possível corri-
gir a história antes do dispendioso processo de filmagem começar);
• uma contínua maturação das ideias (já que é possível fazer e refazer
alterações até à forma final desejada);
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Forma
Apesar de se tratar de um tipo de escrita com uma forma sujeita a diver-
sos constrangimentos, não é, de todo, impossível trazer para o guionismo
certos elementos e procedimentos estilísticos que acrescentem valor ao
texto. Será sempre importante, porém, entender esses constrangimentos
formais como decisivos e imprescindíveis – já que o guião deve ser de fá-
cil consulta e interpretação e não motivo de deleite estético. E entender
também que qualquer desvio ou ousadia estilística só ganhará sentido e
valor dentro dessas imposições.
Não sendo uma obra final, isto é, não possuindo um fim em si mesmo,
o guião é um texto transitório, um esboço; logo pode sofrer alterações
pontuais ou transformações radicais (determinadas pelo produtor, rea-
lizador, actores, etc.) entre o momento da redacção e o filme final a que
dará origem. Porém, a natureza transitória do guião não diminui ou
elimina, de forma alguma, a sua importância enquanto ferramenta de
trabalho em equipa, sobretudo no cinema narrativo.
Em que consiste propriamente um guião? Consiste na utilização
da linguagem escrita para exprimir, sugerir, evocar ou mostrar ideias
cuja concretização definitiva se efectuará através de imagens e sons. O
processo criativo global de um filme consiste, portanto, numa espécie de
dupla transformação criativa: em primeiro lugar, existe uma passagem
das ideias da imaginação do guionista para as palavras no texto do guião,
e depois, das ideias expressas no texto do guião para o seu registo e
manipulação em qualquer suporte cinematográfico. O guião é, portanto,
uma espécie de veículo, de ponte, de local de passagem:
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Guionista Realizador
O que filmar Como filmar
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Guião Filme
Uma gota de suor brilha na sua face (. . . ) Plano de pormenor
A vasta planície acorda suavemente (. . . ) Plano Geral
Um tiro. . . um grito. . . um cadáver. . . uma rua Montagem
em silêncio (. . . )
A sua face é puro medo (. . . ) Grande plano
Acompanhamos X ao longo da rua (. . . ) Travelling horizontal
Aproximamo-nos cada vez mais do corpo no chão Travellling à frente
(. . . )
Através do olhar de X, vemos todo o cenário de- Plano subjectivo
vastado (. . . )
Abre a porta de casa e. . . entra no carro (. . . ) Raccord
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• ser conciso
Uma norma geral da escrita de guiões poderá, então, ser assim resu-
mida: todo o conteúdo deve ser narrativamente significativo (isto é, pos-
suir um significado e uma justificação no contexto da história contada,
para o seu desenrolar e o seu desfecho) e expressivamente fascinante
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Paginação
No que respeita à paginação do guião, deve ser fácil distinguir, numa
percepção imediata, meramente através da mancha gráfica do texto, en-
tre os diálogos e as acções. Este é um dos aspectos fundamentais da
paginação, uma vez que permite uma rápida localização dos respectivos
conteúdos. Esta e outras normas gráficas devem ser tidas necessaria-
mente em conta, sobretudo se pensarmos que um guião será objecto de
consulta recorrente, utilizado por variadíssimas pessoas e que tem fre-
quentemente mais de uma centena de páginas. A depuração formal a
que durante décadas o texto do guião foi sujeito encontra a sua justi-
ficação na funcionalidade do mesmo: fácil leitura e fácil consulta pelos
técnicos e artistas.
Refira-se ainda que, do ponto de vista técnico, é possível estabele-
cer uma relação entre a extensão do texto e a duração do filme: uma
página de texto corresponde, aproximadamente, a um minuto de filme.
O tamanho médio de um guião cinematográfico de longa-metragem é
de 100 a 120 páginas. Todas estas equivalências são apenas possíveis
mediante uma forma de paginação específica do texto, cujos requisitos
se enunciam de seguida e que é ilustrada com diversos exemplos.
A função de fácil leitura e consulta a que o guião deve obedecer levou
à homogeneização de uma série de aspectos da sua apresentação como as
margens, o espaçamento, os alinhamentos e o tipo de letra. Em termos
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Margens:
(nota: os valores indicados têm como referência a margem da caixa
de texto)
Alinhamento:
Espaçamento:
Numeração da página:
• ao cimo, à direita
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Letra:
• Tamanho: 12
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que quando existe mudança da tipologia do local (de INT. para EXT.
ou vice-versa) deixa de ser válida.
Exemplo:
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Não é necessário usar (continua) no fim dos diálogos nem no fim de uma
página, mesmo que a cena continue na página seguinte.
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Por fim:
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Sinopse
Uma narrativa, como qualquer texto, de qualquer tipo, reivindica aquilo
que poderíamos definir como uma espécie de retórica, isto é, uma com-
petência técnica e estilística própria. No que respeita à narrativa, uma
sinopse pode ser mais ou menos extensa, mas permitirá sempre uma per-
cepção bastante precisa dos elementos e momentos fundamentais de uma
história. Assim sendo, em função de formatos e desígnios determinados,
é sempre possível utilizar a sinopse como modo de reflexão e maturação
de uma obra e de ponderação das suas opções formais. O guionismo
cinematográfico não costuma dispensar a sinopse, precisamente na me-
dida em que esta serve como primeira abordagem à matéria narrativa
que deverá moldar. A sinopse é um esboço que indicia escolhas e avalia
o potencial de uma história.
No que respeita ao guionismo, a forma convencional de tornar a
tarefa narrativa bem sucedida consiste numa boa definição e estrutura-
ção do enredo, ou seja, no modo como se conta uma história – aquilo
que muitas vezes se designa também por intriga ou, em linguagem anglo-
saxónica, plot. Enredar o espectador numa teia de emoções ou intrigá-lo
com uma espécie de desafio intelectual são duas estratégias comuns de
comprovada eficiência.
Assim, toda a narrativa deve suscitar emoções intensas ou lançar
reptos fascinantes ao espectador – por isso, toda a boa história é sus-
tentada num conflito que, independentemente do seu tipo, provoca no
espectador, por um lado, sentimentos de empatia, de simpatia ou de
antipatia, e, por outro, o lança numa espécie de inquietação intelectual
através dos desafios e questões que lhe coloca. De algum modo, pode-
mos afirmar que nenhuma história sobrevive crítica e criativamente se
não provocar envolvência afectiva ou empenho intelectual – de algum
modo, estes seriam os critérios de uma narrativa ideal. Daí que a indife-
rença ou desinteresse perante uma história seja o primeiro sinal da sua
fragilidade.
A ideia de conflito torna-se, então, determinante: tanto emocional
como intelectualmente, a adesão do espectador é uma consequência da
forma como o conflito é narrado, isto é, como surge, como é desvelado
e como se resolve – é nesse percurso que tudo se joga do ponto de vista
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Narrativa ideal
Envolvência emocional
(enredar)
Empenho intelectual
(intrigar)
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Conflito
protagonista+objectivo ↔ antagonista+obstáculos
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Sinopse narrativa
Protagonista
Objectivo
Antagonista
Conflito
Tempo
Espaço
Desenlace
Princípio + meio + fim
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Sinopse criativa
História
Tema
Género
Actores
Realizador
Sinopse
Clara + objectiva + concisa + apelativa
Produção vs. Promoção
História vs. Obra
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Nota de intenções
A sinopse não esgota uma história ou uma obra. A nota de intenções
pode ser uma ferramenta fundamental para se pensar e criar um filme.
Como a designação indica, pretende-se que a nota de intenções seja um
texto que dê conta das intenções que sustentam e movem um projecto
cinematográfico. A nota de intenções pode referir-se a qualquer uma
das fases ou das áreas criativas: guião e narrativa, realização, direcção
de fotografia, ou a todos em simultâneo. O mais importante é que esse
texto permita compreender de forma tão profunda quanto possível ou
desejável os propósitos, os métodos e os motivos dos autores.
Da nota de intenções do guionista podem constar todos os tópicos
eventualmente relevantes no seu processo criativo: o género, o tema, a
mensagem, as personagens, o tom, o estilo, entre outros. Mas alguns
outros aspectos podem ser igualmente objecto de atenção neste texto
em que se explicam ou justificam as opções criativas de um ponto de
vista narrativo: compreender as intenções subjacentes ao projecto em
mãos pode ser uma forma de definir, amadurecer e clarificar as ideias à
medida que o processo criativo vai decorrendo.
De seguida apresenta-se uma lista, necessariamente não exaustiva,
de alguns aspectos que uma nota de intenções pode abordar. Ponderar
esta lista haverá de ajudar-nos a suprir duas dificuldades de partida:
evitar o óbvio e o convencional, colocando hipóteses e alternativas, e
averiguar a relevância da ideia, deslindando para ela uma mensagem
forte.
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O Processo Criativo
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Ideia
Tanto na génese do processo criativo como no seu decurso, uma ideia
pode assumir uma pluralidade enorme de formas, seja do ponto de vista
da expressão, seja do ponto de vista do conteúdo. Revela-se difícil, por
isso, saber exactamente o que é uma ideia, a sua origem, a sua causa,
a sua forma. Ainda assim, todos nós, de forma mais humilde ou mais
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clara
simples
intrigante
consistente
original
irreverente
complexa
madura
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Autor
Se há figura indispensável no processo criativo ela é seguramente a do
autor, assuma este qualquer uma das múltiplas formas em que se pode
manifestar (e entendemos aqui por autor todo aquele que, de algum
modo, contribui para o surgimento e desenvolvimento de uma ideia ou
para a concretização de uma obra). Ainda assim, parece-nos que um
aspecto não pode ser, de modo algum, deixado de ter em conta no que
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Estratégia
Toda a obra está dependente dos recursos disponíveis e dos propósitos
perseguidos. E estes serão os dois factores fundamentais a determinar a
estratégia criativa adoptada. Temos, portanto, meios e fins. E podemos
adequar uns a outros tendo em atenção estratégias de amplitude global
ou estratégias de incidência pontual, de natureza comercial ou de natu-
reza artística. Em todos os casos, trata-se de conseguir um determinado
efeito e, mais que isso, compreender como se pode atingi-lo.
É manifesto que qualquer obra possui um propósito e um efeito do-
minante. Nuns casos, trata-se de ensinar, revelando a obra um intento
didáctico muito claramente assumido – ensinar a distinguir o bem e o
mal, por exemplo, seja num conto infantil seja numa obra de denúncia.
Noutros trata-se de persuadir, isto é, de inculcar valores, de incentivar
atitudes, de influenciar decisões, de reforçar crenças. É possível também
procurar o escândalo ou o choque, colocando uma obra em confronto
com os valores éticos ou artísticos vigentes. De igual modo, existe em
muitas obras uma propensão para a exploração do pathos do espectador,
seja, frequentemente, para provocar a comoção, seja para promover o
entretenimento.
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Público
A relação do cinema com o público é, seguramente, uma das mais proble-
máticas e controversas, atravessando a história do cinema e prolongando-
se na actualidade. Em grande medida, tal facto prende-se com a dificul-
dade em qualificar, estrita e inapelavelmente, o cinema enquanto arte
ou enquanto entretenimento. Para esta problemática muito contribui o
facto de o cinema viver um dilema constante: por um lado, esta forma
de expressão sempre se destinou às massas (desde os tempos dos nicke-
lodeon até aos modernos multiplexes, passando pelos magníficos movie
palaces das décadas de ouro do cinema); por outro, ao longo de toda
a história do cinema, sempre existiram autores, críticos e teóricos que
defenderam para o cinema uma ambição criativa que lhe assegurasse um
lugar de pleno direito no sistema das artes (sendo que esta busca da arte
cinematográfica em toda a sua nobreza não poderia deixar de implicar
um afastamento do espectador médio e um rumo ao elitismo).
As concepções do cinema como arte ou do cinema como indústria
acabariam por determinar igualmente a relação entre autor e público.
Não é raro encontrarmos autores cuja preocupação última é a vastidão
do seu público ou que assumem perante ele uma atitude de indiferença
ou mesmo de desdém – de alguma forma, esta atitude assenta no pressu-
posto de que a arte não tem de ser universalmente acessível e que deve
seguir o seu caminho de especulação formal sem pudores públicos. Em
sentido divergente, não é raro encontrarmos produtores cinematográficos
capazes de sacrificar a autonomia criativa dos realizadores em nome da
máxima audiência e – consequência mais desejada – do máximo lucro.
Da relevância do público e das lutas criativas, teóricas e económicas que
este originou são inúmeros os exemplos históricos.
No entanto, uma análise mais atenta do público cinematográfico ha-
verá de mostrar-nos que não estamos perante uma dupla, mas sim uma
múltipla tipologia dos públicos: não encontramos apenas um público
cinéfilo e elitista, embrenhado na discussão das mais infímas ou mais
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Luís Nogueira 47
Formato
Qualquer ideia é desde logo condicionada por um constrangimento: o
formato em que vai ser trabalhada. Ainda que, virtualmente, qualquer
ideia possa ser concretizada em qualquer formato – expandindo ou res-
tringindo a abrangência e a profundidade da abordagem –, a verdade é
que o formato escolhido acabará por ter implicações quer ao nível esté-
tico quer ao nível técnico. Assim, a escolha apropriada do formato é,
muitas vezes, a primeira preocupação de um autor. Abordaremos aqui
resumidamente as duas modalidades mais relevantes na criação cinema-
tográfica: a longa e a curta-metragem.
O que distingue a curta-metragem é a condensação e depuração dos
temas ou dos eventos. Daí que, no que respeita à ficção, tanto a ca-
racterização das personagens como os eventos apresentados se cinjam
aos seus aspectos essenciais ou aos seus momentos decisivos. Assim,
os acontecimentos tendem a ser dramaticamente fortes e ricos de signi-
ficado, e as personagens brevemente delineadas, incisivas e fortemente
simbólicas. A curta-metragem tende, por isso, a centrar-se numa ou em
muito poucas personagens, cingir-se a uma ou poucas situações, com
uma linha narrativa muito clara. Se se trata de uma curta-metragem
experimental ou documental, por seu lado, procura-se explorar de forma
concisa uma ideia ou um tema.
Quanto à longa-metragem (e demais formatos longos, como séries
e sequelas), trata-se de um formato que permite necessariamente uma
maior densidade e minúcia na caracterização das personagens, na des-
crição dos acontecimentos ou na abordagem de um tema ou exploração
de uma ideia. As relações entre personagens tendem a ser mais detalha-
das e profundas e o número de personagens é também maior – embora
exista um protagonista claro ou um núcleo de personagens principais.
No que respeita aos eventos, a cadeia de acontecimentos que constitui a
história tende a ganhar complexidade, podendo mesmo estender-se infi-
nitamente – como se constata pelas narrativas-mosaico, pelas prequelas
e sequelas tão recorrentes na actualidade ou pelos serials de outras déca-
das, bastando para tal introduzir novas personagens e novos núcleos da
acção ou retrocedendo e avançando na cronologia dos acontecimentos.
Podemos, portanto, constatar que, ao nível da ficção, o formato é
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Género
Para sabermos sobre o que é um filme e o que esperar dele (aquando
da sua realização e aquando do seu visionamento), podemos também
socorrer-nos da tradição dos géneros. O género permite, sobretudo,
identificar padrões recorrentes da organização formal de uma obra: qual
a estrutura narrativa, que tipo de personagens, que tipo de mensagem,
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que situações narrativas, que ideias, que valores, que locais. Os géneros
constituem, portanto, uma espécie de grelha classificativa dos filmes.
Sabemos de antemão que um mesmo tema pode ser abordado se-
gundo diversas convenções narrativas, dando origem a diferentes en-
redos, com diferentes mensagens – no fundo, a diversos géneros. Os
géneros permitem ao autor trabalhar uma ideia dentro de moldes fa-
miliares e ao espectador construir expectativas bastante aproximadas
relativamente ao que vai encontrar numa obra: tipo de situações, tipo
de personagens, tipo de emoções, etc.
No que respeita aos géneros, importa efectuar dois sublinhados:
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Experimentação
Como todas as artes, também o cinema tende a cristalizar as suas for-
mas em convenções mais ou menos partilhadas e respeitadas. Daí que
uma exigência e um ímpeto de experimentação sejam constantemente
reafirmados. O que se procura é, neste caso, fugir à repetição tanto
de formas como de conteúdos. Existe como que um imperativo para a
ousadia, a originalidade e a diferença – no fundo trata-se de buscar cons-
tantemente o novo e o insólito, a distinção que acrescente algum valor
estético. Ainda assim, devemos sublinhar que nada disto é possível sem
um sólido conhecimento das convenções e da tradição.
A melhor e talvez a única forma de fugir ao vulgar ou ao comum será
a colocação de hipóteses. Ao colocarmos uma hipótese estamos a espe-
cular criativamente. As hipóteses apenas são limitadas pela imaginação
do criador e pela consistência da sua lógica. Se bem que nem todas as
hipóteses se transformam em excelentes ideias ou possuem a qualidade
necessária para originar uma obra de referência, dificilmente o processo
criativo pode deixar de passar por essa fase e essa estratégia. Assim,
o procedimento a adoptar neste caso é colocar a questão “E se. . . ?”. A
partir daqui tudo é possível; mas nem tudo é desejável – daí que se
deva avaliar o potencial da hipótese submetendo-a à questão: “Valerá
a pena?”. Quando a resposta é positiva, estamos em vias de encontrar
uma ideia central forte para trabalhar.
As hipóteses podem remeter para os mais diversos aspectos: um
tema, uma situação, uma personagem, um estilo, um género, por exem-
plo. Em todo o caso, ter-se-á sempre um objectivo em mente: apresentar
novas abordagens sobre um determinado assunto e avaliar o potencial
criativo do mesmo.
A colocação de hipóteses é, como referimos, extremamente abran-
gente e livre. Tudo podemos questionar ou subverter. Partindo de situ-
ações, temas ou ideias familiares, e levando-as ao limite da estranheza,
podemos encontrar nelas um potencial de que não se suspeitava previ-
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Estilo
Se tendencialmente um género, seja ele cinematográfico ou outro, se
revela uma forma extremamente eficiente para descortinar semelhanças
entre diversas obras e desse modo arrumá-las em função de um conjunto
de características partilhadas que acabarão por instituir um cânone, o
estilo acaba por funcionar em sentido aparentemente oposto: é através
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Mensagem
Um hábito comum do espectador, que corresponde, no fundo, a uma
preocupação manifesta ou latente do autor, é frequentemente formulado
na questão: qual é a mensagem? E se o espectador revela insistente-
mente essa preocupação, o autor não poderá deixar de, também ele,
ainda que de maneira distinta, ter esse aspecto em questão. Como pri-
meira e fundamental consideração, devemos referir que, como veremos
de seguida, a mensagem pode assumir as mais diversas formas e propó-
sitos. E dificilmente uma obra se reduz a uma única mensagem – aliás,
quando tal acontece, tal deve ser motivo de apreensão.
A mensagem é, no fundo, o sentido ou os sentidos que a obra pretende
transmitir ou sugerir, instaurando um horizonte de interpretação mais
ou menos vasto e provável. Ela pode ser mais aberta ou mais fechada,
mais implícita ou mais explícita, mais superficial ou mais profunda.
Em princípio, a mensagem de uma obra divide-se entre dois pólos, um
que tem a ver com os valores estéticos, em que a mensagem se prende
essencialmente com a própria obra enquanto tal, isto é, com a forma
como lida com a assumpção ou a ruptura de um conjunto de preceitos
estéticos que lhe estão subjacentes, um outro que poderíamos designar
por arte comprometida, ou seja, uma perspectiva da arte que assume
esta como um veículo para a disseminação de ideias que extravasam
claramente o âmbito da estética, assumindo preocupações éticas, sociais
ou políticas, por exemplo, na sua concretização. Sob o primeiro tipo
podemos encontrar, como manifestação mais radical, o chamado cinema
experimental; sob o segundo, encontramos muito do cinema documental.
Em todo caso, nunca estas distinções são absolutamente estanques.
A mensagem pode ser, ainda, explicitamente formulada – acontece
nas obras de denúncia, de propaganda, de intervenção cívica ou política,
por exemplo. Ou pode ser implícita: mesmo quando a mensagem não é
explicitamente formulada, há algo que uma obra nos diz, uma posição
que toma e de que nos faz comungar ou condenar. Esta polaridade entre
uma mensagem explícita e uma mensagem implícita faz-nos regressar à
questão inicial da relação entre a obra e o seu público. Assim, a respon-
sabilidade pela mensagem de uma obra é necessariamente partilhada: o
autor terá, em maior ou menor medida, a preocupação de que a mensa-
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gem seja inteligível ou clara para o espectador, mas este terá igualmente
a obrigação de se empenhar na decifração dessa mesma mensagem.
Uma obra que exponha imediata e cabalmente a sua mensagem ten-
derá a esgotar o seu interesse de modo breve. Daí que algum grau de
mistério ou especulação deva ser deixado em aberto para o espectador.
Quanto maior o mistério e a abertura da mensagem, maior a interpe-
lação ao espectador. Quando se sublinha a importância do subtexto,
da conotação, da alegoria ou da metáfora é disso que falamos. Importa
ainda referir que uma mensagem pode assumir um carácter mais deli-
berado – em que se percebe exactamente qual o propósito do autor –
ou assumir a forma de uma revelação involuntária, querendo com isto
dizer-se que a mensagem e o sentido das obras mudam consoante as
circunstâncias, ou seja, em função da época, do local, do espectador.
Assim, se a mensagem é uma espécie de juízo acerca de um facto ou
de uma ideia ou uma espécie de ensinamento que se retira acerca dos
mesmos, determinando de algum modo a interpretação de uma obra,
a verdade é que, dependendo dos propósitos desta, a mensagem pode
ser, por exemplo, mais evidente, mais constrangedora, mais difusa ou
mais polémica. Em todo o caso, a mensagem deve ser suficientemente
clara (isto é, que permita uma expectativa de interpretação da obra, por
mais desviante que esta possa parecer) e aberta (isto é, que impeça o
esgotamento repentino ou retarde a esterilidade hermenêutica).
Tema
O tema de uma obra pode ser resumido, na sua forma mais densa e
decisiva, num substantivo: a verdade, a morte, o amor, a beleza. Desta
forma, podemos dizer que o tema remete sempre para um ideal abs-
tracto e absoluto que é abordado em obras (narrativas, por exemplo)
concretas. O tema será, portanto, o cerne substantivo de algo e cor-
responde, no fundo, à ideia fundamental de uma obra. Ele sumariza,
unifica, centraliza, agrega e guia as ideias que se criam em volta de um
determinado assunto.
Estas características do tema ajudam-nos a compreender melhor a
sua relevância: na medida em que sumariza, ele permite ter uma pers-
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pectiva de conjunto sobre o que uma obra trata e sobre a própria obra;
na medida em que unifica, ele ajuda a dar uma sensação de totalidade
a uma obra; na medida em que centraliza, ele tende a criar uma ordem
hierárquica para as partes da/na obra; na medida em que agrega, ele
tende a estancar a dispersão criativa ou semântica que ameaça todas
as obras; na medida em que guia, ele permite tanto ao autor como ao
espectador orientar-se na planificação, na execução e na interpretação
de uma obra. Conhecer o tema de forma sólida, profunda e abrangente
torna-se determinante. Sem um correcto reconhecimento do tema, cor-
remos o risco de perder objectividade e critério na avaliação de uma
ideia ou de uma obra.
Se o tema de uma obra tende a ser visto como algo absoluto, ele pode
ser igualmente tratado de forma contextual ou circunstancial. Assim,
podemos abordar os temas da verdade, da morte ou do amor em contex-
tos extremamente distintos: em tempos de paz ou em tempos de guerra,
em termos políticos ou sociais, por exemplo. Por outro lado, existem
diversos tipos de tema, que podemos descrever do seguinte modo: o
tema central, a que já aludimos; os temas laterais, que se relacionam de
algum modo com o anterior, mas se lhe submetem em termos de impor-
tância; os temas transversais, que remetem e atravessam conjuntos mais
ou menos vastos de obras.
Deste modo, se é certo que elegemos sempre um tema central na
criação ou na interpretação de uma obra, não deixa de ser igualmente
verdade que temas diversos podem conviver numa obra e variar ao longo
desta. Assim sendo, uma obra pode ilustrar vários temas e um mesmo
tema pode ser tratado em obras muito diversas. Contudo, está bom
de ver, é o tema central de uma obra que deverá ter, necessariamente,
uma atenção privilegiada. E se umas vezes partimos de um tema e
construímos uma obra que o ilustre ou problematize, noutros casos é
apenas à medida que uma obra vai ganhando forma que desvendamos o
seu tema nuclear.
Além de dever ser uma ideia, um conceito ou um assunto nuclear
numa obra, um tema deve ser igualmente relevante numa ou em várias
destas dimensões: social, estética, política, ética ou cultural. Como sa-
bemos, desde a mitologia clássica ou das escrituras bíblicas que podemos
verificar a recorrência de temas que sustentam, ainda e sempre, a maior
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parte das narrativas dos nossos dias: amor, morte, vingança, opressão,
assassínio, solidão, soberba, etc. A persistência dessas obras (e desses
temas) prende-se exactamente com o facto de elegerem como tema forte
e central questões sólidas, universais e abstractas, e ao mesmo tempo
decisivas em termos civilizacionais – ou seja, no âmbito da cultura, da
política, da ética ou da arte.
Intertextualidade
Num regime criativo como o contemporâneo, em que a mistura e cru-
zamento de procedimentos, materiais, temas e estilos se tornou uma
evidência incontornável e frequentemente aplaudida, o conceito de in-
tertextualidade ganha uma pertinência assinalável. Como sabemos da
tradição das mais diversas artes, uma obra nunca existe isolada. Um
texto encontra-se sempre numa rede com outros textos que o comen-
tam, o citam, o refazem, o recuperam, o analisam. No que respeita
ao cinema, essa relação plural, diversa e inesgotável dos textos entre si
assume um papel fundamental no processo criativo.
Enunciamos brevemente algumas das modalidades em que estas re-
lações – que podem ocorrer entre o cinema e as outras artes ou entre
diferentes filmes – podem ser identificadas. As adaptações cinemato-
gráficas são uma forma frequente e um dos dispositivos fundamentais
do processo criativo. Se no início do cinema predominavam as adapta-
ções de peças teatrais ou de textos literários, com o decurso do tempo
as fontes de inspiração tornar-se-iam as mais diversas: séries televisi-
vas, bandas desenhadas, videojogos ou simples brinquedos tornaram-se
objecto de constante adaptação. Algo semelhantes, mas ocorrendo no
âmbito estrito do cinema, são os remakes. Neste caso trata-se de tomar
em mãos uma obra cinematográfica que, por algum motivo, mantém o
seu potencial e apelo ao longo do tempo, actualizando-a num novo con-
texto. Tanto em relação às adaptações como ao remake, importa referir
que a estratégia de releitura de uma obra pode obedecer a diversos pa-
râmetros: literal (quando se faz uma transposição quase automática da
obra de partida); fiel (quando as alterações em relação à obra de origem
são mínimas e inofensivas); parcial (quando existe alusão aos elementos
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Moldura
Quando falamos de dar uma moldura a um filme, estamos naturalmente
a transpor esta definição da pintura de uma forma metafórica. À seme-
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Auto-reflexividade
O cinema, como, aliás, as demais artes, desde sempre se tomou a si
mesmo como objecto de questionamento estético e intelectual. É como
se o cinema precisasse de se investigar a si próprio para se compreender
e definir. Dos sofisticados inquéritos e inquietações de Jean-Luc Godard
ou Peter Greenaway aos mais singelos making-of ou aos documentários
mais didácticos e informativos, uma longa tradição de auto-reflexividade
pode ser constatada na história e na actualidade do cinema.
Este fascínio auto-direccionado quase se torna, em certas circuns-
tâncias, um fetichismo desmedido. No fundo, trata-se aqui de tentar
compreender o cinema ora como um meio ora como um fim. Num caso,
trata-se de compreender o próprio processo criativo e as possibilidades
que esta arte oferece para transmitir ideias extra-cinematográficas. No
outro, trata-se de explorar as potencialidades do cinema em si mesmo,
não escondendo e mesmo, por vezes, sublinhando que estamos perante
um filme, portanto, perante uma obra construída e não perante uma
inofensiva representação da realidade.
Em certa medida, podemos dizer que este tema da auto-reflexividade
do cinema se prende a uma dupla questão: por um lado, a da consciência
do meio, ou seja, a assumpção de que tudo o que vemos no cinema é uma
mediação incontornável; por outro lado, o meio enquanto consciência,
ou seja, uma vontade e uma faculdade de tomar o meio como uma forma
de construção de uma obra, procurando compreender todo o potencial
criativo da sua aparelhagem técnica e do seu património artístico e o
modo como replica a mente criadora do sujeito.
Podemos assim dizer que o cinema se assume, nestes casos, como es-
pelho de si mesmo. Em paralelo com esta estratégia de auto-referência
podemos encontrar uma outra que remete já não para o meio, mas para
o autor que dele se socorre. Estamos aqui a falar dos elementos au-
tobiográficos que, de modo insistente e incisivo nuns casos e de modo
mais pontual e discreto noutros, acabam sempre por perpassar um filme.
Neste aspecto e nestes casos, o cinema será uma forma de auto-retrato
– e não será o processo criativo sempre isso mesmo, de algum modo?
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A Narrativa
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Definição
O termo ‘narrativa’ (que etimologicamente significa conhecer ou dar a
conhecer – do sânscrito gnarus) constitui uma daquelas designações que,
pela sua polissemia, dificilmente se presta a uma definição inequívoca.
Umas vezes é utilizada para designar o próprio acto da narração; outras,
pode remeter para o conteúdo desse acto; é ainda entendida, muitas ve-
zes, como modo do discurso (ao lado da lírica e do drama, categorização
nem sempre estável e clara, proveniente da Antiguidade).
Assim sendo, importa clarificar o modo como aqui entendemos esta
terminologia:
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Começamos desde logo por uma distinção geral que se pode estabe-
lecer em função do modo como a narrativa se relaciona com aquilo que
em semiótica se designa por referente, isto é, com o assunto que aborda
ou com a realidade que apresenta. Podemos assim falar de narrativa
factual e de narrativa ficcional. Ainda que se trate de uma distinção
problemática e de fronteiras nem sempre evidentes, podemos dizer que
um certo tom ou um certo propósito surgem constantemente a classifi-
car uma narrativa dentro de uma ou outra daquelas categorias, através
de mecanismos de identificação estilística e temática. Não nos ocupare-
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Teoria
A teorização acerca da narrativa possui uma extensa e variada história,
nem sempre pacífica e constantemente inconclusiva. Desde a antigui-
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Clássica/moderna/contemporânea
Apesar da arbitrariedade que qualquer delimitação histórica ou tipoló-
gica implica, propomos aqui uma divisão da narrativa cinematográfica
em três momentos: clássica, moderna e contemporânea, sendo que um
conjunto de ligações, sobreposições e mesmo contradições pode ser en-
contrado no interior de cada período ou na linha que os entrelaça.
Apesar de reconhecermos a existência de um molde narrativo clara-
mente dominante na história do cinema, cujo apogeu se poderá encon-
trar no período clássico do cinema americano, entre os anos 1930 e 1950,
facilmente verificamos que, em paralelo ou em conflito com este, mui-
tas outras abordagens foram sendo experimentadas ao longo do tempo.
Faremos de seguida uma caracterização relativamente detalhada da es-
trutura narrativa clássica e procederemos depois à caracterização de
algumas das variações com que esta se foi confrontando, foi confrontada
ou se confronta.
A acção, aquilo que acontece, possui uma importância determinante
na narrativa, uma vez que uma história se constrói, habitualmente, em
função das acções efectuadas por um protagonista no sentido de atingir
um determinado objectivo, ou seja, genericamente, da resolução de um
problema. Assim sendo, há alguém (o protagonista) que age com vista
à prossecução de um fim, um propósito. Neste modelo de narrativa, que
podemos chamar de narrativa clássica, e na qual assenta grande parte
do cinema de ficção, está sempre implícita uma teleologia (um objectivo
perseguido) que origina um desenlace (um fecho da história). A acção,
ou história, é entendida como uma totalidade composta por diversos
eventos interligados de uma forma causal, sendo que esta causalidade
atribui coerência ao decurso dos acontecimentos e permite encontrar no
momento do desfecho a resposta a todas as questões.
Um dos ensinamentos fundamentais da competência narrativa, refe-
rido já por Aristóteles na “Poética”, consiste na reivindicação dos atri-
butos de unidade e totalidade para a acção narrada. As suas diversas
partes constituem um todo, uma peça única. Essa totalidade é assegu-
rada pela existência de um princípio, um meio e um fim que se ligam de
uma forma consequente. Cada uma destas partes constitui aquilo que
se designa por um acto. Assim, podemos dizer que a estrutura narra-
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tiva clássica se divide em três actos, cada um dos quais, por seu lado,
possui um princípio, um meio e um fim, bem como propósitos formal e
funcionalmente bem precisos.
Embora o nome de cada um desses actos possa variar, a organização
da história é geralmente a seguinte: o primeiro acto constitui a exposi-
ção, muitas vezes também designada por introdução ou preparação da
acção; no segundo acto dá-se o desenvolvimento da acção – este acto
pode ser também designado por conflito ou complicação; por fim, o ter-
ceiro acto consiste na resolução, desfecho ou desenlace e é o momento
em que a história se conclui. A passagem entre cada um destes actos é
feita através de uma peripécia relevante, também chamada plot point.
A peripécia no fim do primeiro acto e a peripécia no fim do segundo
acto acabam por se espelhar e reverter, estando, por isso, intimamente
ligadas e constituindo os pilares da narrativa. Existe, portanto, uma
progressão, um crescendo e um desfecho que orientam toda a narrativa.
Designamos este molde formal por estrutura dos três actos, a mais con-
vencional forma de relato narrativo cinematográfico. Cada um destes
actos é caracterizado em seguida de modo resumido.
O primeiro acto permite criar e apresentar o contexto da história.
É nesta parte que o guionista apresenta as circunstâncias de espaço e
tempo dos acontecimentos, e caracteriza o protagonista e as suas relações
com as demais personagens. No fundo, toda a situação de equilíbrio
inicial é descrita. É neste momento que se estabelece o tom geral do
filme e se indica o objectivo do protagonista, o qual é uma consequência
do incidente perturbador que vem romper o equilíbrio vigente e originar
o conflito. De alguma forma, podemos designar esta parte como um
prólogo da história, uma introdução.
Quer dramática quer estilisticamente, estas sequências iniciais são
importantes para convencer não só o público do interesse do filme, mas
também os possíveis produtores. Assim, deve ter-se cuidado com a pri-
meira impressão que se dá, pois esta, como em tudo, tem tendência a
marcar e permanecer. Deste modo, deve procurar-se, desde logo, cativar
a atenção e o interesse do espectador. Por isso, frequentemente, e uma
vez que a descrição tende a predominar nesta parte, recorre-se a uma
peripécia, um acontecimento invulgar, espectacular ou intrigante apre-
sentado logo no início da história para despertar o interesse e prender
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História/enredo/descrição
Quando podemos dizer que temos uma história? Em princípio, quando
um conjunto de acontecimentos se ligam por relações de causalidade cla-
ras, sofrendo uma certa transformação que os há-de conduzir para um
desfecho, de forma progressiva e dramaticamente crescente. Mas uma
história pode existir sem um, algum ou todos estes aspectos: ela pode,
ao contrário do que usualmente acontece, ser mais episódica do que en-
cadeada ou mais centrada na personagem do que nos acontecimentos.
Porém, dois elementos são fundamentais: os acontecimentos e as perso-
nagens.
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Uma narrativa pode ser vista como uma espécie de sistema, de modo
que a eliminação ou alteração de uma das partes significa a mudança do
todo. Ao construir o enredo, o objectivo será encontrar a forma mais
criativa, harmoniosa e emocionante de contar a história. Deste modo,
uma boa estrutura (ou seja, a relação das partes entre si e das partes
com o todo) é, naturalmente, um dos pontos-chave na construção de um
bom guião.
De algum modo, podemos dizer que uma narrativa se decompõe e re-
compõe num conjunto de unidades parcelares, os eventos, que podemos
enunciar segundo uma ordem crescente de complexidade e abrangência:
o gesto, a atitude, a situação, a cena, a sequência, o acto, a história. Po-
demos, portanto, fragmentar a história em unidades cada vez menores
ou podemos integrar as unidades parcelares até constituir a globalidade
da história. Assim, partindo do princípio que existe sempre uma relação
causal ou temática a reger a ligação dos diversos elementos, podemos
afirmar que um conjunto de gestos configura uma atitude, que um con-
junto de atitudes origina uma situação, que um conjunto de situações
origina uma cena, que um conjunto de cenas origina uma sequência,
que um conjunto de sequências se integra num acto, e que o conjunto
dos actos origina a história. A criação, selecção e ordenação de cada
uma destas unidades num enredo revelar-se-á fundamental para que se
obtenha o máximo de tensão dramática e de expectativa narrativa.
A ordem em que as acções são apresentadas pode ou não coincidir
com a sua sequência cronológica e nem todas as acções de uma histó-
ria possuem o mesmo valor dramático ou narrativo. Daí que a história
seja refeita através do enredo: por exemplo, os acontecimentos podem
ser apresentados anacronicamente, através de analepses e prolepses; al-
guns deles podem ser suprimidos, sem que se perca a inteligibilidade da
história, através de elipses; outros são estendidos, através de paráfra-
ses; outros são enfatizados através de hipérboles; outros são atenuados,
através de eufemismos. O enredo ganha grande parte da sua relevância,
portanto, em função da ordem e da perspectiva em que se apresentam os
acontecimentos, desse modo dando-lhes um valor estratégico. Ordena-
ção, perspectiva e valoração dos eventos são operações feitas, assim, em
função dos objectivos fundamentais do enredo: apresentar a acção, des-
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Cena/sequência/acto
A cena é a unidade nuclear no guionismo e na arte narrativa em geral.
A cena designa no teatro grego antigo a construção em madeira (skêné,
que significa ‘barraca’) existente no local da representação e que servia
como pano de fundo ou como sustentáculo dos cenários. Depois, por
extensão, passou a designar o palco e seguidamente um qualquer lugar
imaginário onde decorre a acção. Posteriormente, passou a referir uma
parte unitária da acção, ou seja, uma acção (ou situação) completa em
si mesma. Com a noção de cena está intimamente ligada a ideia de
encenação (mise en scène, expressão proveniente da prática teatral) e
que no fundo é o que guionista faz ao escrever o guião: encenar acções
no espaço e no tempo.
Na escrita de um guião, a cena é o elemento fulcral, onde algo espe-
cífico acontece. É uma unidade de acção, de espaço e de tempo. Existe
uma cena quando a acção decorre num mesmo lugar e num tempo con-
tínuo. É através das cenas que contamos visualmente a história, aquilo
que acontece. A cena é, digamos, a unidade mínima do guião.
Em cada cena tem lugar um evento que, no guião, é transmitido
através da descrição dos lugares, dos objectos, dos sons, das acções das
personagens e dos diálogos. São as cenas que fazem o filme e muitas
vezes é através de cenas específicas que os filmes são recordados. É
através delas que o desenrolar da narrativa se processa. Por isso, a
forma das cenas afecta naturalmente a forma do filme.
A divisão da estrutura narrativa em actos (conjunto de sequências),
sequências (conjunto de cenas) e cenas (conjunto de acções) permite
ter uma perspectiva dupla sobre o enredo: por um lado, uma perspec-
tiva conjunta que engloba todas as partes; por outro, uma perspectiva
detalhada que permite analisar cada acção isoladamente. A conjuga-
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Conflito
O conflito pode ser visto como o princípio fundamental que explica e jus-
tifica a dinâmica de uma história. O tipo de enredo adoptado para uma
narrativa determinará a hierarquização dos conflitos. Assim, na estru-
tura narrativa convencional, embora as diferentes personagens de uma
história vivam conflitos próprios, e mesmo cada personagem viva diferen-
tes conflitos em simultâneo, com diversos motivos e distintas intenções,
é necessário eleger um conflito de entre eles, o qual irá constituir a linha
de acção principal para ser desenrolada por completo, obedecendo ao
sentido de unidade e totalidade próprios da estrutura narrativa.
O conflito principal da história determina e é determinado pelo ob-
jectivo do protagonista. Convencionalmente, todas as acções paralelas e
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Peripécia
A peripécia (designada em linguagem anglófona por plot point) é o tipo
de acontecimento ou evento mais relevante e decisivo numa história.
Trata-se de um evento mais ou menos imprevisto que provoca uma al-
teração brusca ou uma inflexão substancial na direcção da acção. Por
vezes, a peripécia faz mesmo a história seguir um rumo completamente
oposto ao percorrido até então. Ao longo da narrativa podem ocorrer
várias peripécias. A sua força dramática e as suas consequências no
desenrolar da história podem ser maiores ou menores, mas a progressão
da narrativa nunca lhe é indiferente.
Quando se escreve um guião ou se narra qualquer história é neces-
sário saber o sentido dessa história, ou seja, é necessário que exista uma
linha condutora dos eventos em direcção à resolução. Aquilo que faz o
enredo progredir, o que faz com que a história avance, são as peripécias,
os eventos dramática e narrativamente críticos que fazem a acção tomar
uma ou outra direcção.
Pela elevada intensidade com que interferem no rumo da história,
as peripécias causam uma notável tensão dramática e expectativa nar-
rativa: mistério, dúvida e surpresa são alguns dos efeitos da peripécia,
ajudando desse modo a manter ou a relançar o interesse do espectador
pela história.
Quando se localizam no início de uma história, as peripécias abrem
possibilidades para o destino da personagem e da história, exibindo uma
tendência para a incerteza acerca do decurso e do desfecho dos aconte-
cimentos. Pelo contrário, as peripécias que surgem mais tardiamente
na narrativa ajudam a definir o destino da personagem e da história,
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Desfecho
O desfecho (também designado por clímax ou desenlace) é um evento
ou um conjunto de eventos que, na fase final da narrativa, dá resposta
às questões colocadas ou permite a resolução dos conflitos que se desen-
rolaram ao longo da mesma. É neste momento que as expectativas são
finalmente confirmadas ou contrariadas e a tensão é finalmente aliviada.
O desfecho é um dos dispositivos fundamentais da competência e da
estratégia narrativa: a ordenação dos eventos e a gestão da informação
é feita com o propósito de a tensão dramática ser a mais elevada neste
ponto e de a expectativa ser mantida até aí. Há um enigma, uma ques-
tão, uma dúvida, um mistério ou um desejo que são consecutivamente
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Personagem
A personagem é o elemento narrativo em torno do qual gira a acção.
Quer isto dizer que qualquer evento é sempre consequência da acção de
(ou sobre) uma personagem (seja enquanto agente ou enquanto paci-
ente). Por isso é muito importante reter que é aquilo que acontece às
personagens que dá espessura dramática e tensão emocional à narrativa.
Ao conjunto de dimensões, aspectos e outras características da per-
sonagem podemos chamar perfil. O perfil seria então, na sua versão mais
resumida, a descrição dos traços fundamentais da personagem e deve re-
flectir tanto a sua história, isto é, as suas origens, as suas mudanças e o
seu destino, como o seu tipo, isto é, a sua caracterização em relação a
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Diálogos
Apesar de algumas tentativas iniciais, o cinema começou sem diálogos.
Só a partir de 1927, imagem e som passaram a conviver sincronicamente.
Nem todos receberam com entusiasmo essa inovação, mas, na medida
em que o cinema assumia um predomínio da narrativa e em que a in-
terlocução é um dado fundamental da experiência humana, revelar-se-ia
inevitável a sua vulgarização.
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Encenação
A encenação (ou mise en scène) é, no cinema, uma responsabilidade do
realizador. No entanto, é com base no guião que este desenvolverá o
seu trabalho. Por isso, cabe ao guionista fornecer as indicações gerais e
pertinentes com que o realizador lidará no momento da rodagem.
Um dos elementos que deve ser tido em conta é o dos ambientes ou
das atmosferas que se criam. Um ambiente pode ajudar a caracterizar
uma personagem ou criar um contexto apropriado para uma acção. A luz
e a hora do dia em que os acontecimentos ocorrem, os objectos e adereços
que constituem um cenário ou os ritmos das acções das personagens são
alguns dos aspectos que devem ser tidos em conta no momento de criar
uma cena.
Por outro lado, os sons e, eventualmente, a música podem ajudar
de igual modo a compreender e a valorizar de forma mais adequada os
acontecimentos ou os estados de ânimo das personagens. Ao guionista
pode caber, por isso, uma palavra acerca destes elementos sonoros.
No fundo, a encenação consiste em descrever e dramatizar – ou seja,
dar um valor afectivo – as acções e reacções das personagens. E essas
acções e reacções podem ser explícitas ou não: o fora-de-campo, por
exemplo, pode ser um elemento fulcral na construção narrativa de uma
história. Como o pode ser a elipse.
De igual modo, através da descrição das acções e reacções podemos,
desde logo, ajudar a criar a cadência ou o tom de uma cena e, dessa
forma, sugerir opções de montagem que o filme reflectirá.
Por fim, não devemos deixar de ter em atenção que existem muitas
formas de trabalhar uma narrativa. Daí que possamos falar de estili-
zação – seja através de uma estilística mais realista ou mais burlesca,
mais minimal ou mais sumptuosa, o guionista pode comprometer-se com
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Narrador/focalização
Não pode, necessariamente, existir narrativa sem um narrador. O con-
ceito de narrador nem sempre é, porém, consensual. Importa desde logo
referir que o narrador não deve ser confundido com o autor. Existe uma
diferença conceptual e funcional entre estas duas entidades, sendo o nar-
rador uma criação do autor, isto é, uma figura responsável pela narração
ou uma estância a partir da qual os acontecimentos são narrados. Desse
modo, não pode ser confundido com o autor de uma obra.
A presença do narrador pode ser evidente, como acontece, por exem-
plo, quando uma personagem relata ou comenta a história directamente
para a câmara (caso, ainda assim, raro no cinema narrativo), ou la-
tente, como acontece na maior parte dos filmes, nos quais a presença do
narrador é bastante difusa (isto é, não existe uma figura identificada,
responsável pelo relato, mas sim uma estância a partir da qual a histó-
ria vai sendo desenrolada e perspectivada e que pode ser ocupada por
diversas entidades ou personagens).
A narratologia literária oferece-nos uma grelha tipológica do narra-
dor que vantajosamente podemos transpor para a narrativa cinemato-
gráfica. O importante é, mais do que uma descrição de cada tipo de
narrador, a compreensão das vantagens estratégicas que cada um deles
oferece, de modo a encontrar-se a melhor forma de contar a história.
Temos assim o narrador autodiegético (ou na primeira pessoa): neste
caso, o narrador relata as suas experiências enquanto protagonista da
história – narrador e protagonista coincidem, portanto. Esta coincidên-
cia entre narrador e protagonista tem várias consequências: na medida
em que participa dos acontecimentos, o relato adquire uma qualidade de
autenticidade ou de confidência; na medida em que a personagem é niti-
damente identificada, cria condições para uma empatia imediata entre o
espectador e aquela; na medida em que o narrador é o protagonista, ele
fará incidir o seu testemunho selectivamente, dedicando especial atenção
aos acontecimentos fundamentais da (sua) história.
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Tempo
O tempo é um dos elementos e factores fundamentais de configuração de
uma narrativa. Existe um tempo da história e um tempo do discurso,
que quase nunca coincidem. Por isso podemos contar qualquer história
em qualquer duração: milénios em minutos, instantes em dias. O tempo
pode ser moldado. Em volta desta ideia de moldagem do tempo no
cinema se construiu muita da reflexão acerca desta arte. Temos assim
que duas questões são fundamentais: a ordem e a velocidade. Acerca da
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Verosimilhança
Um dos conceitos fundamentais da ficção narrativa é o de verosimi-
lhança. Trata-se de um dos critérios decisivos de avaliação da adesão do
espectador à história que lhe é relatada. A verosimilhança permite me-
dir a credibilidade de uma história. E esta credibilidade é fundamental
para que o espectador se comprometa com o seu desenrolar. Importa
referir que não se trata de limitar o conteúdo da história a pressupostos
realistas, mas sim de encontrar e assegurar a credibilidade de um acon-
tecimento através da explicação verosímil das suas causas, ou seja, das
premissas que regem a lógica de um determinado universo – quer isto
dizer que tudo é possível, mas em função de determinadas premissas e
circunstâncias.
Quando a verosimilhança dos acontecimentos é assegurada, a incre-
dulidade do espectador é suspensa (aquilo que se conhece por suspensão
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Bibliografia e filmografia
Para concluir e para complementar propomos uma bibliografia e uma
filmografia. Este livro não pretende explicar exaustivamente a narra-
tiva cinematográfica nem, de forma alguma, ter a palavra final sobre
o guionismo. Ficam sempre inúmeras coisas por abordar ou explicar.
Quisemos apenas, por um lado, elencar e explicitar as questões funda-
mentais com que um (jovem) guionista ou estudante de cinema se pode
confrontar no início do seu trabalho ou os aspectos fundamentais que,
em nosso entender, deve ter em conta nesta matéria.
Tentámos, por outro lado, dar um contributo original possível para
acrescentar à muita bibliografia existente sobre estes assuntos. Partimos
de ideias de outros e tentámos interpretá-las e integrá-las no nosso pró-
prio sistema de valores e referências. De seguida adiantamos algumas
obras importantes para uma compreensão mais vasta e profunda destas
temáticas.
Para uma abordagem mais técnica ao guião, tratada na primeira
parte, aqui ficam alguns títulos. . .
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E alguns modernos. . .
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