15 Lições de um Bilionário
Os pilares de um dos maiores gestores de ações do Brasil
Imagine saber quando ocorrerão os ciclos de altas da Bolsa? Pedro
Cerize é um desses. Sócio-fundador da Skopos Investimentos – um
dos fundos mais rentáveis do Brasil – ele divulgou uma carta aos seus
cotistas em 2004 para dizer que a Bolsa bateria os 30 mil pontos em
dólares.
Na época, o mercado registrava apenas 5 mil pontos. Por isso, muitos
gestores e investidores ficaram espantados. Cerize acertou e seus
clientes ganharam uma fortuna.
Formado pela FGV (Fundação Getulio Vargas), ele começou do zero
no mundo dos investimentos e hoje é responsável por administrar
bilhões.
O mesmo ocorreu quando ele decidiu fazer Triathlon. Cerize começou
a estudar e foi autodidata para correr, nadar e pedalar. E funcionou. O
gestor conquistou um título mundial de Ironman.
Não à toa é fácil entender por que Pedro Cerize costuma dizer que
“só tem sucesso quem persiste, se prepara e nunca desiste”.
Foi o que ele fez nos investimentos e nos esportes.
Para você entender e se inspirar, a Inversa selecionou as 15 maiores
lições do Pedro Cerize para o sucesso nos investimentos.
Esperamos que você goste.
Boa leitura!
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1. Os melhores ativos do investidor
2. Persistência X Genialidade
3. Fugido para o Brasil
4. O papel da ciência nos investimentos
5. Política X Bolsa
6. O livro da minha vida
7. Saúde física X financeira
8. Cuidado com esta fase
9. O que é aposentadoria para você?
10. Como eu compro Dólar
11. Ame o processo, não suas ações
12. Lemming Investor
13.Educando pelo exemplo e cuidando do seu dinheiro
14.Negócios são pessoas
15. Analisando o mercado com imagens mentais
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Lição 1
Os melhores ativos do
investidor
Um dos ativos mais valiosos que existem - e também um dos menos
valorizados - é o tempo. A desigualdade de renda é muito maior
que a desigualdade de tempo de vida. As pessoas pensam em como
acumular dinheiro enquanto desperdiçam a vida.
Por isso tento ser simples e claro aqui. Seu tempo pela minha ideia:
tem que ser uma troca justa.
Mas essa troca só será justa se eu apresentar algo útil. O meu desafio
sempre foi tentar encontrar algo novo para dizer. E quanto mais eu
escrevo, mais impossível me parece a tarefa de produzir algo inédito.
Refletindo sobre esse tema, concluí que a única coisa realmente
original que posso escrever é sobre minhas experiências pessoais,
todo o resto já foi escrito, já foi pensado.
Tirei um peso enorme das costas. Quantos seres humanos com
mentes brilhantes vivem ou já viveram antes de mim? Por que eu
acharia que seria capaz de pensar algo realmente novo sobre a vida ou
sobre os investimentos? Desde os antigos filósofos aos mais recentes
matemáticos, físicos, escritores e, por que não, investidores, quantas
mentes brilhantes já se debruçaram sobre os mesmos temas que eu?
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Lição 1 Os melhores ativos do investidor
Tenho essa sensação que meu pensamento é um mosaico de tudo
que eu já li, ouvi e vivi. Minha função aqui é só repassar o que eu
aprendi com os outros.
E daí me veio essa revelação: algumas coisas que eu li me ajudaram
muito a me tornar a pessoa que sou hoje. Provavelmente essas leituras
foram, de longe, o melhor investimento que fiz. Custaram quase nada
e trouxeram efeitos permanentes na minha forma de agir. Tornaram-
me uma pessoa e um investidor melhor.
Mas algumas dessas leituras não foram de fácil acesso. Estavam
escondidas em obras maiores ou pouco amigas do leitor. Se algum
dia eu conseguir transferir para você o que eu aprendi de uma forma
mais simples, já me dou por satisfeito na minha missão de escrever
sobre investimentos. E se, aliado a essa teoria, contar uma história de
vida que fixe no leitor esse conceito, melhor ainda.
As mais brilhantes mentes que já viveram deixaram escritos seus
ensinamentos. E muitos desses ensinamentos estão ao nosso alcance.
As melhores lições que tive sobre investimento vieram de poucas
pessoas, em conceitos simples, mas poderosos.
Não tente criar nada. Busque nessas pessoas a base de sua formação.
Encontre naquilo que você leu algo que o toque profundamente. Algo
que você gostaria de aplicar no seu dia a dia. Mas, antes, tente explicar
esse ensinamento para alguém. Não para um especialista, mas para
uma pessoa normal.
A melhor maneira de aprender algo é encontrar uma forma de ensinar
o que você aprendeu. E se a sua explicação não estiver clara para o
outro é porque ainda não está clara para você.
O tempo é um ativo valioso demais para ser desperdiçado. Tempo e
retorno combinados são poderosíssimos. Todo jovem é um bilionário
em potencial.
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Lição 1 Os melhores ativos do investidor
A fórmula é simples, mas não é fácil. O que é mais difícil? Acumular um
patrimônio de R$1 bilhão ou ter um retorno de 30% na sua carteira
de investimentos?
Abaixo eu tenho a resposta para essa pergunta.
Taxa de retorno para se atingir um patrimônio de R$1 bilhão aos 70 anos
para diferentes capitais iniciais e idades:
A primeira linha mostra as idades iniciais do investidor e a primeira
coluna, o seu capital inicial investido. Os percentuais na tabela são
as taxas de retorno anuais necessárias para se ter R$1 bilhão aos
70 anos. A cor verde é a faixa que eu considero factível com muito
trabalho e disciplina. A amarela precisa contar um pouco com a sorte.
A laranja (acima de 30%) é como um sonho. Acontece para poucos.
Os melhores ativos de um investidor são o tempo e o conhecimento.
Não desperdice seu tempo e busque o conhecimento puro, aquele
que não muda nunca. Informação não é conhecimento. Ruído não é
informação. Não perca seu tempo com ruídos. Só o conhecimento
puro vai permitir que você saiba separar um do outro.
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Lição 2
Persistência X Genialidade
Sou o filho mais velho de sete irmãos. Antes de mim, minha mãe
perdeu dois bebês na gravidez e isso criou nela o medo de não poder
ter filhos. Um dia, ela recebeu um bilhete de uma prima dizendo que
ela já estava grávida e que a criança que iria nascer seria muito especial.
Ela acreditou piamente na história e, com a confirmação da gravidez
e o sucesso na gestação, a convicção dela só aumentou.
Isso seria apenas uma curiosidade se ela guardasse a história para ela.
Mas eu cresci ouvindo-a contar essa história para as outras pessoas.
As crianças acreditam nos pais e eu sempre acreditei que estava
destinado a grandes feitos, que eu era especial.
Isso fez maravilhas para minha autoconfiança.
Olhando em retrospectiva, sou um sobrevivente das loucuras que fiz
na adolescência. No interior, era comum adolescente dirigir. Nunca
me passou pela cabeça a hipótese de morrer em um acidente. Eu
acreditava que estava destinado a algo maior e que não iria morrer
jovem e, por isso, quase morri várias vezes.
Sempre tive notas boas estudando o mínimo necessário. Após me
formar, comecei a trabalhar em uma corretora onde ninguém fazia
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Lição 2 Persistência X Genialidade
análise de empresas. Pelo fato de ser o único ali fazendo, eu acreditei
que eu era único no mercado. Eu achava que sabia mais do que todo
mundo.
Operando no limite da alavancagem em um mercado de alta, confundi
sorte com genialidade e bastou uma pequena crise (México, 1995)
para que eu perdesse tudo.
Aquilo foi meu primeiro grande choque. Foi ali que eu percebi que
“talvez” eu não fosse tão esperto assim.
Essa perda, e muitas outras ao longo de minha carreira, além de um
período no divã, acabaram com minhas ilusões de grandiosidade.
Percebi que o meu sucesso até então não era fruto da genialidade,
mas da persistência.
Pelo fato de acreditar em um futuro “especial”, os tombos não
foram suficientes pra me fazer desistir. Os esportes de endurance só
reforçaram em mim essa convicção.
Só tem sucesso quem persiste, se prepara e nunca desiste.
Cresci assistindo aos Trapalhões e hoje entendo porque gostei tanto
na época de um episódio em que, apesar de apanhar muito, Didi não
desistia de chamar um valentão de Piolho. Eu me identifiquei com o
personagem.
Por isso, hoje me sinto extremamente desconfortável quando alguém,
mesmo que tentando agradar, se dirige a mim com termos do tipo
“mestre” ou “gênio”.
É uma situação em que não é possível desmentir o interlocutor sem
parecer um falso modesto ou não desmentir e aceitar ser colocado
em uma posição que você não merece.
E, intimamente, eu sinto medo quando, por alguma razão, volta em
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Lição 2 Persistência X Genialidade
mim aquele sentimento de ser “especial”. Esse sentimento sempre
vem antes de um grande erro.
Lembre-se sempre disso: quando você estiver confiante demais nas
suas habilidades no mercado, você está muito próximo de cometer
um erro grave.
Se você quiser entender o que realmente se passa na cabeça de um
gênio, leia: “O senhor está brincando, Sr. Feynman!”; Richard P. Feynman,
Editora Elsevier; Rio de Janeiro; 2006. Prêmio Nobel de Física em 1965,
Feynman era o mais jovem físico a participar do Projeto Manhattan.
Nesse livro, ele dá pistas – de forma agradável de ler e sem pedantismo
– de como funcionam essas mentes realmente brilhantes.
Foi o livro que mais me marcou em 2018, principalmente no que
diz respeito à importância de simplificar ao máximo os conceitos
complexos, a ponto de ser possível explicá-los a um leigo. Este é o
meu grande desafio ao escrever.
E é dele que vou pedir emprestado as quatro estratégias para aumentar
nossa produtividade.
Através das perguntas diárias dos leitores ficou claro para mim que o
grande desafio do investidor individual está dividido em dois aspectos
principais: vieses cognitivos e dispersão de foco.
As pessoas querem aprender e operar instrumentos complexos muito
antes de dominarem os conceitos básicos e, a meu ver, muito mais
relevantes. Com isso, o processo de aprendizado é longo e muitas
vezes pouco produtivo.
As quatro estratégias de produtividade de Feynman:
1. Pare de tentar saber tudo.
Um grande investidor um dia me disse: Pedro, você só vai ganhar
dinheiro o dia que parar de tentar ganhar dinheiro em tudo.
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Lição 2 Persistência X Genialidade
2. Não se preocupe sobre o que os outros estão pensando.
Pensamento independente é extremamente raro e valioso no mundo
dos investidores. Muitas vezes o analista para de olhar o que é a
realidade e passa a analisar somente o que o mercado vai achar que
é a realidade.
3. Não pense sobre o que você quer ser, mas sobre o que você quer
fazer.
Não comece a investir sonhando com como vai ser viver uma vida de
milionário. Pense em como vai ser o seu dia a dia como investidor.
Como vai ser desafiador e prazeroso o processo de investir com
sabedoria. Quando isso acontecer, se tornar milionário vai ser uma
consequência.
4. Tenha senso de humor e fale honestamente.
Não é vergonha errar. Aprender a rir de nossos erros e falar
honestamente sobre eles nos tornam investidores melhores. Mas,
principalmente, nos tornam pessoas mais agradáveis.
Lendo essas estratégias simples não deixo de imaginar o que deve
se passar na cabeça de um gênio desse calibre. Uma mente capaz de
desenvolver teorias inéditas de eletrodinâmica quântica e, ao mesmo
tempo, ter a clareza de pensamento para produzir ensinamentos tão
básicos e aplicáveis em todos aspectos de nossa vida.
Uma pessoa que no leito de morte brinca: “Eu odiaria morrer duas
vezes. É tão tedioso”.
Contei a vocês minha história de que persistência é a característica
mais importante do investidor.
Mas você não precisa perder tudo e se reerguer para provar o seu
valor. Aprenda com os erros dos outros. Eu odiaria ficar pobre três
vezes. É tão tedioso.
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Lição 3
Fugido para o Brasil
No começo de 2018, eu tomei algumas decisões baseadas na
minha incerteza sobre o desfecho das eleições. O Brasil escolheria
democraticamente qual direção iria tomar no futuro. De maneira
simplificada, poderíamos escolher seguir o caminho da Colômbia ou
da Venezuela.
Era uma encruzilhada muito importante para que um plano de ação
fosse feito no calor das eleições. Vou contar agora qual era o meu
plano.
Se a esquerda ganhasse as eleições, inicialmente, eu migraria todos
os meus recursos líquidos para o exterior. A decisão de me mudar
com minha família dependeria da confirmação dos meus medos em
relação ao caminho que seria escolhido. Essa era a decisão e hoje
estou feliz e otimista de estar no Brasil.
Acho que muitos que estão lendo esse e-book devem entender esse
sentimento. O fato de que alguém pretende colocar “ordem” na casa
já me deixa otimista em fazer negócios, em investir novamente por
aqui.
Mas minha decisão de sair do Brasil precisava ser seguida de outra:
para onde ir e qual moeda utilizar como base de cálculo. Isso parece
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Lição 3 Fugido para o Brasil
uma decisão simples, mas é extremamente complexa. Uma pessoa
que pensa em reais (meu caso), quando aloca parte de seu patrimônio
em dólares, euros, ouro, criptomoedas, etc, sempre usa como régua o
real, porque o objetivo final é voltar ao real.
Só faz sentido dizer que ganhou dinheiro (reais) comprando dólares
se o objetivo é voltar a ter reais. O norte-americano não acha que
ganhou ou perdeu reais na medida em que o dólar sobe ou desce.
Assim, escolher a moeda de base de cálculo era fundamental. E foi
aí que percebi que não existe hoje uma moeda muito óbvia para
servir de base. Não pretendo expor aqui um estudo macroeconômico
complexo, mas apenas responder duas questões básicas:
- O país emissor da moeda produz ativos, bens e serviços que são úteis?
Ativos incluem empresas e imóveis. Serviços abrangem educação e
saúde.
- O modelo econômico atual é sustentável ou precisa de ajustes para
continuar existindo?
- Esse país está caro ou barato? Essa parece uma pergunta boba,
mas todos temos uma resposta clara quando viajamos de que se
determinado país está caro ou barato. Do táxi do aeroporto ao preço
do hotel, passando pelas compras e restaurantes, em pouco tempo
sabemos se o país está caro ou barato.
A taxa de câmbio é o preço mais importante de um país. Voltarei a
falar mais sobre isso no futuro.
E foi tentando responder essas três perguntas que me dei conta de
que os países desenvolvidos hoje têm um problema: como resolver
a situação fiscal sem mergulhar numa recessão? Europa e Estados
Unidos não conseguem crescer sem juro próximo de zero e déficit
público sustentando a demanda.
Já o Brasil está numa situação oposta: basta resolver o problema
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Lição 3 Fugido para o Brasil
fiscal para que a economia volte a crescer. Se isso acontecesse,
as curvas longas de juros iriam desabar, o mercado de crédito iria
florescer naturalmente e o financiamento para investimento estaria
disponível, junto à confiança do empresário.
Precisamos resolver nosso problema de segurança pública, facilitar a
vida de quem pretende fazer negócios e dar segurança jurídica para
contratos. Atualmente somos apenas um país barato. Mas a agenda
do governo eleito passa fundamentalmente por resolver as outras
duas questões que fazem um país ser atrativo para o capital global:
segurança e liberdade econômica.
Negócios são pessoas. Países são pessoas. Essa eleição de 2018
pode ter sido a primeira depois da virada do pêndulo ideológico.
Esse pêndulo é muito mais lento que os mercados, mas muito mais
duradouro que carreiras políticas. Se isso for verdade, estamos apenas
no início de um processo longo.
Se em 2018 eu estava considerando fugir do Brasil, em 2028
poderemos ver não só o capital, mas pessoas produtivas e com
capital financeiro e intelectual considerando fugir PARA o Brasil.
Nesse dia, vamos olhar pra 2018 e lembrar com saudade de como
tudo era barato no Brasil: ações e imóveis serão ativos valiosos e
nossa moeda vai valer mais.
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Lição 4
O papel da ciência nos
investimentos
Eu admiro pessoas inteligentes, mas fico incomodado com pessoas
que tentam exibir inteligência, possuindo-a ou não. O minimalismo
na demonstração de uma ideia é meu ideal de genialidade. Quer um
exemplo: E = Mc^2 (Energia é igual a massa vezes a velocidade da luz
ao quadrado). A teoria que explica o universo está aí.
Já em finanças temos o contrário. Órfãos de uma matéria que pudesse
ser classificada como científica, com dificuldade de gerar experimentos
controláveis e reproduzíveis ao longo do tempo, tornaram algo
simples em uma aproximação falha e desnecessariamente complexa
da realidade, que explica muito mais o passado do que prevê o futuro.
Markowitz demonstrou que o risco de dois ativos pode ser calculado
pela fórmula:
Einstein deve ter morrido de inveja. Para que simplificar se podemos
complicar? Se pelo menos a fórmula funcionasse para o futuro e não
apenas para o passado, teríamos um instrumento útil.
E dessas “aproximações” teóricas desenvolveu-se toda uma teoria de
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Lição 4 O papel da ciência nos investimentos
finanças. Milhões de horas de estudos foram gastas nessa matéria.
Horas em que pessoas inteligentes poderiam ter treinado a usar o
bom senso e instrumentos simples para estimar o risco de um ativo e
qual retorno esperado, não em função do comportamento do preço,
mas da natureza do mesmo no mundo real. Se abdica de pensar e se
foca em calcular. Essa é a teoria moderna de portfólio.
O tempo todo ouvimos que Bolsa é investimento de longo prazo.
Mas por que algo pode ser bom no longo prazo e ruim no curto? No
longo prazo, é bom você fazer atividade física, mas no curto prazo o
bom mesmo é cerveja e churrasco? O que faz sentido no longo prazo
não deveria ser o mesmo que o que faz sentido amanhã?
Minha missão é explicar por que esse dito popular faz sentido. É
normal vermos o Ibovespa oscilar 1% em um dia. Mas é menos normal
vermos o índice oscilar 5% em uma semana, e mais raro ainda 21%
em um mês. Por quê?
Não vou demonstrar a fórmula (nem me lembro mais), mas o que eu
me lembro é que a oscilação de preço futuro cresce em função da raiz
quadrada do tempo.
Oscilações de preço de uma semana (de cinco dias úteis) são
aproximadamente raiz de 5 vezes maiores que as oscilações de um dia.
Ou seja, oscilações de 1% ao dia acontecem com frequência parecida
que oscilações de 2,23% em uma semana e 4,6% em um mês.
Já o retorno de um ativo ou classe de ativos, tende a se compor de
forma exponencial ao longo do tempo. O retorno médio de 1% ao
mês tende a 12,68% ao ano e 230% ao longo de 10 anos.
Pronto! Agora fica fácil de entender porque a probabilidade de ganhar
no longo prazo é maior do que no curto. O retorno cresce em função
exponencial com o tempo e o risco em função da raiz quadrada do
tempo. Essa é a notícia boa.
Agora vamos à parte ruim. O retorno esperado não é constante ao
15
Lição 4 O papel da ciência nos investimentos
longo do tempo. Ele depende do preço que você paga pelo ativo. Isso
fica muito mais fácil de entender na renda fixa, mas, em função da
opacidade dos retornos futuros das ações, investidores esquecem que
o preço pago é muito importante na definição do retorno esperado.
Não é o retorno passado que determina o retorno esperado. É o preço
pago que faz isso.
É o que vimos com as NTN-Bs longas que estavam sendo negociadas
a aproximadamente 6% ao ano mais inflação. Atualmente, estão
negociando a aproximadamente 4% ao ano. Quem comprou lá atrás,
dependendo do prazo, teve ganhos de 40-50% ao ano, investindo
num título que rendia só 6% ao ano.
A melhor forma de visualizar isso é imaginar que você vai subir uma
montanha com inclinação média de 6% durante 30Km. Você sabe que
ao final vai chegar ao topo da montanha que é de 1.800 metros. Mas
depois de 1Km de escalada dura, você percebe que já chegou a 500
metros de altitude. Você sabe que daqui para frente, só restam 1.400
pra subir. Você não tem a ilusão que por algum fenômeno inexplicável,
dessa vez você vai chegar a 15.000 metros de altitude escalando a
montanha.
Porém, para quem investe em renda fixa isso parece mais intuitivo de
ser compreendido do que para quem compra ações. O investidor de
Bolsa não sabe a altura da montanha. Depois de um tempo subindo,
ele imagina que vai subir para sempre. Até que ele percebe que antes
do pico ele vai ter que descer novamente até um vale intermediário
antes de retomar a subida. Não tente prever qual vai ser o pico da
montanha, mas, não tenha a ilusão que a subida será constante. Isso
simplesmente não acontece.
Recentemente, todos nós escalamos uma bela montanha. Estamos
todos orgulhosos do nosso feito. Olhando apenas para a história,
acho que o pico ainda está distante. Mas essa escalada sempre estará
envolta em neblina ou escuridão. Sendo assim, depois de uma longa
subida é melhor estar preparado para um vale e não se empolgar
demais com o que já foi feito.
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Lição 5
Política X Bolsa
A China mudou a restrição constitucional que limitava a reeleição do
líder supremo daquele país a dois mandatos (10 anos). Na prática,
abriu espaço para a permanência do atual líder (Xi Jinping) por tempo
indeterminado. Muitos analistas leram essa notícia com um ceticismo
típico da mentalidade ocidental, que teme a ascensão ao poder de
ditadores vitalícios.
Como a verdade do que aconteceu nos bastidores só será conhecida,
eventualmente, em um futuro distante, resta apenas especular sobre
o verdadeiro motivo que levou a China a mudar sua constituição sem
uma crise institucional aparente.
Um pouco de história
Mao Tsé-Tung emergiu como líder supremo depois da longa revolução
comunista que aconteceu na China. Isso aconteceu em 1949, quando
o derrotado Chiang Kai-shek se isolou em Taiwan.
Mao, por sua vez, em 1954, reformou a constituição transformando
sua presidência em vitalícia. De líder carismático e unânime, viu seu
governo degringolar quando os ideais de igualdade promovidos no
“Grande Salto à Frente” não deram resultado. Ideias econômicas
mais moderadas foram enterradas pela “Revolução Cultural”, e o país
17
Lição 5 Política X Bolsa
mergulhou no isolacionismo econômico.
Milhões morreram de fome, mas o mito do pai da revolução nunca
morreu e sua imagem ainda permanece na Praça Tiananmen e nas
notas de Yuan. Com sua morte em 1976, sem sucessão definida,
foram necessários cinco anos para que Deng Xiaoping se consolidasse
definitivamente no poder e, então, iniciasse as reformas econômicas
e abertura comercial que semearam as bases do crescimento da
economia chinesa na virada do século.
Foi dele também a ideia de reformar a constituição, limitando os
mandatos dos líderes a 2 termos. Negociou a retomada de Hong Kong
para controle chinês, em 1992, o que se concretizou em 1997. Em
1993, transferiu o poder a Jiang Zemin, que permaneceu como líder
supremo até 2003.
Nessa fase a China entrou definitivamente na economia global com
crescimento de dois dígitos ano após ano. Hu Jintao assumiu em 2003
e manteve a política de pesados investimentos em infraestrutura, e o
milagre chinês atingiu seu apogeu com a realização da Olimpíada de
Pequim, em 2008.
Desde então, os exageros da política de crescimento de PIB a qualquer
custo, que provocaram excesso de investimento em diversos setores
e de riscos sistêmicos consideráveis por causa da alavancagem do
sistema financeiro, são apontados como o motivo de uma grande
crise financeira potencial. Em 2013, Xi Jinping assumiu com desafios
enormes: 1) reequilibrar a economia para um crescimento menor (de
10% para 7%), 2) mudar o motor de crescimento de infraestrutura
para consumo local, 3) retomar o controle financeiro de províncias
que sistematicamente burlavam as ordens de Pequim; e 4) controlar
o caos ambiental provocado pelo crescimento desordenado de
indústrias poluidoras.
Aparentemente, com sua competência e sua habilidade política,
todos esses desafios têm sido conduzidos com relativo sucesso. Com
isso, cresceu o poder de Xi Jinping e, logo após a renovação de seu
18
Lição 5 Política X Bolsa
segundo mandato, foi feito o anúncio de que ele poderia continuar
sendo “reeleito” indefinidamente para o cargo.
Nesses quase 70 anos de história, vimos mais uma vez o pêndulo oscilar
de uma escolha de líder vitalício para mandato limitado e novamente
para mandato vitalício. Mas o que motivou o Partido Comunista -
na sua missão de permanecer para sempre no comando da China
- a mudar novamente de posição? Quais as lições que tiramos para
analisar os ciclos de poder em democracias mais desenvolvidas, mais
especificamente os EUA?
Uma explicação plausível para essa volta às origens está no fato de
que, mesmo em uma sociedade não democrática, o grupo que está
no poder precisa sacrificar interesses de longo prazo em favor de
políticas que tragam ganhos na disputa de poder no curto prazo (no
caso chinês, a cada 5 anos).
Na ânsia de bater as metas dos planos quinquenais, tanto Jiang Zemin
quanto Hu Jintao podem ter colocado o longo prazo do partido em
risco: entenda estabilidade econômica como premissa de estabilidade
política. Se mandatos definidos colocam em risco a estabilidade
de longo prazo, não seria melhor colocar alguém que não precisa
apresentar resultados a cada 5 anos? E se, ao mesmo tempo, Xi
Jinping, tenha surgido aos olhos da maioria como a figura capaz de
desempenhar esse papel de líder vitalício, não seria essa a hora de
voltar ao modelo tradicional?
Implicações da política nos ciclos das Bolsas
A primeira preocupação de um presidente recém-eleito ao tomar
posse, é: o que fazer para ser reeleito. Essa é uma regra universal.
O objetivo de um político é permanecer no poder, com seu grupo
político. Em princípio isso não é um problema, pois ele sabe que se
fizer as coisas certas suas chances de reeleição aumentam.
Mas o problema surge quando existe uma defasagem temporal entre
os benefícios sentidos pelo eleitor por uma medida e seus custos
19
Lição 5 Política X Bolsa
reais para o país. Dilma reduziu o valor da tarifa de energia, congelou
os preços da gasolina, aumentou os gastos públicos, turbinou crédito
de qualidade negativa usando bancos públicos, desonerou setores da
economia e pressionou o BC a derrubar as taxas de juro.
Incialmente, isso deu a ela o fôlego necessário para ganhar, por
margem estreita, as eleições. Mas a conta veio rápido demais e as
consequências econômicas dessas medidas foram tão severas que
romperam a frágil sustentação política de seu governo.
Trump está fazendo coisas com característica semelhante. Reduzir
taxação e criar medidas protecionistas ajudam a acelerar ainda mais
uma economia que já está praticamente a pleno emprego (como o
Brasil de 2012), num momento em que a inflação já mostra alguns
sinais de crescimento. Isso (mais uma vitória militar) pode dar a ele
o empurrão que falta para se tornar um candidato forte à reeleição,
algo impensável para muitos que achavam que ele não terminaria o
mandato.
O ponto central dessa linha de raciocínio é que a China pode ter
desistido dos benefícios da reciclagem de poder para evitar que
políticos arrisquem o longo prazo em favor de ganhos políticos de
curto prazo.
E se os EUA estiverem nos últimos estágios de alta dessa onda que
começou em 2009? Poderia isso colocar em risco nossa tese da
Quinta Onda no Brasil?
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20
Lição 6
O livro da minha vida
Uma fonte importante de ideias para escrever vem justamente das
perguntas que recebo. Uma vez me perguntaram, dado que eu não
posso sugerir nomes de empresas listadas na Bolsa para investir, quais
as variáveis mais importantes que eu uso para comprar uma ação.
Eu poderia citar quais “eu” acredito serem as mais importantes, mas
isso seria uma tentativa grosseira de esconder o plágio. Na verdade, eu
sempre tentei, nem sempre com sucesso, usar os princípios descritos
num livro chamado “The Warren Buffett Way”, Robert Hagstrom.
Cheguei a esse livro depois de conhecer em 1995 o Bruno Rocha, uma
pessoa que sem dúvida marcou definitivamente a minha carreira. Na
época ele ainda recebia corretores (eu era um) no modesto escritório
da Dynamo, uma gestora independente de recursos focada em
ações. É difícil descrever como isso era raro naqueles dias. Gestora
independente focada em ações: os caras estavam uma década à frente
dos desbravadores (na qual modestamente me incluo).
Fiquei impressionado com a inteligência e a clareza de raciocínio do
Bruno. Vi como a jovem equipe dele estava determinada a buscar
aquilo que eles pregavam e ele, muito gentilmente, me disse que os
princípios que eles seguiam eram inspirados em Warren Buffett. Por
isso, cheguei até o livro que citei acima. Nos anos seguintes, li tudo o
que escreveram sobre Buffett e tudo o que Buffett tinha escrito até
21
Lição 6 O livro da minha vida
então: A cartas anuais da Berkshire Hathaway.
Mas, obviamente, eu era um profissional no ramo. Esse era o meu
papel. Aprender com os melhores e tentar fazer o mesmo. Mas a
teoria tinha que ser adaptada para a realidade brasileira (o que não é
difícil) e ao fato de termos poucas escolhas de empresas listadas que
correspondiam plenamente aos princípios pregados no livro.
Vou abordar um aspecto tratado no livro: a análise do negócio. Para
isso, você deve se fazer 3 perguntas:
1) O negócio é simples e de fácil entendimento? Leigos são atraídos
pelo que não entendem como moscas pela luz. Mas se você quer
realmente ser um investidor, você deve ser capaz de entender o que
a empresa faz.
2) O negócio tem um histórico operacional consistente? Números não
mentem no longo prazo. Um bom negócio deve ter um histórico, de
preferência longo, de altos retornos operacionais. Simplificando, ele
tem que ganhar dinheiro na sua atividade principal nos altos e baixos
da economia.
3) O negócio tem uma perspectiva favorável no longo prazo? Muitos
negócios simples e com excelente histórico de rentabilidade deixaram
de existir quando surgiu uma tecnologia que revolucionou o ambiente
de negócio. Pense na Kodak e na Xerox. De gigantes à falência em
menos de uma década.
Agora que você já sabe o que é importante olhar a respeito de
um negócio, reflita um pouco sobre cada ação de sua carteira e se
questione se elas possuem as 3 características citadas acima.
Em resumo: um bom negócio deve ser de fácil entendimento (pelo
menos para você), ter um histórico longo e consistente de resultados
operacionais favoráveis e perspectivas propícias no longo prazo. Essa
é a definição de AAA, bom no passado, no presente e no futuro.
22
Lição 6 O livro da minha vida
Vamos para outros aspectos utilizados por Buffett. Essa parte será um
pouco mais árida para leitura. Mas garanto: é muito menos complexo
que um tratado de medicina. Qualquer um pode entender e aplicar.
Análise da gestão
Para fazer essa análise, você deve pensar nas perguntas abaixo a
respeito da gestão da empresa em que você pretende investir.
- A gestão é racional? Competência de gestão não significa
automaticamente racionalidade. Muitos projetos são bem tocados
e mesmo assim geram retornos baixos. O gestor racional entende
que o papel dele, além de gerir eficientemente o negócio, é alocar
de maneira racional o capital dos acionistas. E o que não pode ser
investido a taxas altas deve ser devolvido na forma de dividendos.
- A gestão é transparente com os acionistas? A tendência natural do
ser humano é tentar esconder as coisas ruins e alardear as coisas boas.
Buffett prefere aqueles que são transparentes principalmente com
o que deu errado. Isso evita surpresas negativas e, paradoxalmente,
aumenta a confiança do dono no executivo. E o dono também deve
fazer sua parte e entender que erros são normais. Rigor excessivo
com os erros inibe o empreendedorismo e torna tentador, para o
executivo, esconder os problemas que aconteceram. Atenha-se ao
conjunto da obra e receba com naturalidade o relatório de falhas e
medidas para amenizá-las. Desconfie de quem nunca errou: ou ele
não faz nada, ou mente.
- A gestão é capaz de resistir ao “Imperativo Institucional”? Esse é
um aspecto muito pouco entendido e, ao mesmo tempo, fundamental
na análise da gestão. Frequentemente, vemos algumas “modas”,
tendências que invariavelmente atraem as boas empresas para
armadilhas que muitas vezes destroem muito dinheiro dos acionistas.
Podemos ver ciclos de terceirização seguidos de verticalização.
Pagamentos de dividendos à custa de aumento de endividamento,
seguidos de períodos de “deleverage” (desalavancagem).
23
Lição 6 O livro da minha vida
Mas o principal, sem dúvida nenhuma, são as aquisições. Na maioria
das vezes, em um processo de aquisição, grande parte dos benefícios
é monetizada pelo vendedor. Aos compradores, sobram o trabalho de
ganho de sinergia, o risco inerente ao negócio e uma dívida para pagar.
Mas, para o executivo da empresa compradora, toda aquisição é uma
“vitória”, uma conquista de poder. Resistir ao imperativo institucional
representa, antes de tudo, não ceder à pressão (imperativo) do sistema
para tomar medidas que vão contra o interesse do acionista no longo
prazo.
Análise Financeira
Seguiremos agora para a análise financeira. Você precisa saber, desde
já, que estou falando de uma análise um pouco peculiar. Fuja dos
padrões de análise de múltiplo, de ciclos financeiros e indicadores
tradicionais de análise de balanços.
- Foque no retorno sobre o patrimônio, não no lucro por ação.
Muitas companhias têm como meta o crescimento do lucro por ação
no longo prazo. Assumindo que o múltiplo permaneça mais ou menos
constante: a lógica indica que quanto mais o lucro por ação subir,
mais subirá o preço da ação. Mas isso pode esconder alguns truques
que distorcem essa análise.
Suponha que existam dois negócios. Um excelente, com retorno de
30% ao ano negociando a 20x o lucro. Outro com retorno de 10% ao
ano negociando a 10x o lucro.
Se o primeiro negócio compra o segundo, pagando em ações, seu
lucro por ação vai subir com a operação (emite ações a 20x para
comprar lucros a 10x). Mas o resultado da fusão será uma empresa
com retorno entre 10% e 30%. Como no longo prazo o resultado
converge para o retorno sobre o patrimônio, apesar da aceleração do
lucro por ação, o retorno vai cair.
- Calcule o lucro do dono ao investir. Muitas empresas detêm ativos
ou participações em outras empresas que geram lucro que não passam
24
Lição 6 O livro da minha vida
pelo resultado. Foque no resultado do negócio como um todo.
- Procure negócios com margens elevadas. Se temos 2 negócios
ganhando o mesmo lucro, mas um com uma margem de 50% e outro
com uma margem de 2%, escolha o primeiro. Numa eventual piora
das condições do mercado, o primeiro pode ver sua margem cair
para 40% e ainda se manter lucrativo, enquanto o outro pode entrar
rapidamente no prejuízo, muitas vezes de maneira irremediável.
- Tenha certeza de que, para cada real retido na companhia, ela gere
ao menos um real de valor de mercado. Isso é consequência de tudo
o que foi dito até aqui. Se o mercado confia que a empresa mantém
com ela o capital remunerando bem, todo resultado retido se valoriza
em proporção igual, ou superior, no mercado. Essa análise, porém, só
pode ser feita em períodos longos de tempo em que as oscilações do
dia a dia perdem a relevância.
Análise do Valor de Mercado
Este é o ponto em que a maioria das pessoas gasta a maior parte do
tempo, tentando calcular o valor justo de um negócio e comparando
com o valor de mercado.
Primeiro avalia-se o valor justo do negócio. Isso é feito a partir de
métricas simples e relativamente estáveis. Se temos um negócio
estável operacionalmente, com gestão racional e honesta, com
margens e retorno sobre patrimônio elevados, podemos estimar com
razoável precisão uma faixa de valor para a empresa.
Depois vem a pergunta: é possível comprar o negócio, com um
desconto suficientemente alto, que dê uma margem de segurança ao
comprador, em caso de erro na avaliação do seu valor? Pois saiba que
um negócio perfeito, precificado como tal, não gera oportunidades de
lucro.
Aqui, duas coisas podem ser perigosas: achar que uma ação está
barata demais ou que uma empresa é boa demais para não fazer parte
25
Lição 6 O livro da minha vida
da sua carteira. Escolha sempre uma empresa muito boa, mesmo que
razoavelmente precificada. Melhor isso do que uma empresa razoável
precificada no que parece ser barato demais.
Esses princípios influenciaram meu estilo de investir. Nem todos os
meus ganhos seguiram essa cartilha, mas todos os meus grandes
erros estavam fora dela. E para compor o seu dinheiro, errar pouco
faz toda diferença.
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26
Lição 7
Saúde física X financeira
Ao longo dos anos, acompanho de perto a dinâmica diária dos
movimentos da Bolsa. Sempre me causava espanto a quantidade de
besteiras e teorias absolutamente infundadas sobre o que estava
acontecendo no mercado de ações. Aquele era um tema que eu
conhecia e podia avaliar.
Uma dúvida que sempre me assustava era: será que o que estou
lendo sobre outros temas também contém tanta imprecisão? Isso só
acentuou meu ceticismo sobre tudo o que eu leio e ouço dos supostos
“especialistas”.
Quando comecei a correr, inicialmente procurei algumas assessorias
esportivas em busca de orientação. Encontrei naqueles profissionais
uma semelhança enorme com o tradicional corretor de ações. A
maioria das pessoas considera o corretor uma pessoa capacitada a dar
conselhos sobre como investir. Eu aprendi desde muito cedo, como
corretor, que o papel do corretor é fazer o cliente operar, não ganhar
dinheiro.
Decidi continuar treinando sozinho e comprei vários livros sobre
treinamento para maratonas. De certa forma, fui um autodidata e meu
próprio técnico nessa fase. Só mais tarde, já no triathlon, fui entender
a verdadeira importância de um técnico.
27
Lição 7 Saúde física X financeira
Entre os autores principais sobre o tema, havia um médico sul-africano
chamado Tim Noakes, que escreveu o que eu considero a obra mais
completa sobre corrida: “The Lore of Running”.
Foi dele também uma teoria inédita sobre o que limita o desempenho
humano: o cérebro. Através do que ele chamou de “governador
central”, ele controla a capacidade fisiológica do esforço impedindo
que o atleta se mate (literalmente) durante a atividade física.
No seu livro “Waterlogged”, quebrou o mito criado pela indústria de
isotônicos de que devemos nos hidratar abundantemente durante a
corrida. Ele sempre se embasa em experimentos científicos controlados
e observação prática de atletas vencedores. Até então, Dr. Noakes
era respeitado na comunidade acadêmica mundial e uma referência
em seu país.
Mas, por volta de 2010, Noakes começou a falar mais frequentemente
sobre os benefícios de uma dieta LCHF (baixo carboidrato e alta
gordura). Isso ia contra o que ele mesmo tinha prescrito nas suas
recomendações para alimentação em sua obra mais famosa, “The Lore
of Running”.
Ele passou a pregar que, mesmo sem evidências científicas, a
comunidade médica aceitou uma relação de causalidade entre o
colesterol e doenças cardiovasculares (CVD). Todos nós crescemos
ouvindo que gordura é ruim. Que uma dieta saudável é uma dieta
com pouquíssima gordura. E que essa gordura deve ser na maior parte
de origem vegetal. Na esteira dessa teoria, toda indústria de alimento
se ajustou, criando infinitos produtos “light”, “low fat”, etc. A indústria
farmacêutica fez sua parte com a multibilionária linha de estatinas,
especificamente desenvolvidas para reduzir o colesterol.
Apesar de essa verdade ter sido universalmente aceita, o que se
observou foi um aumento exponencial da população obesa. Casos
de diabetes tipo 2 dispararam e a mortalidade por CVD não diminuiu,
apesar da ampla redução do tabagismo. Noakes atacou frontalmente
o status quo médico e acadêmico.
28
Lição 7 Saúde física X financeira
A partir desse ponto, a relação começou a se deteriorar com a
comunidade acadêmica. No entanto, milhares de seguidores, agora
observando suas recomendações de alimentação, reportavam grandes
melhoras na saúde, perda de peso e em alguns casos a reversão de
diabetes tipo 2.
E uma dessas seguidoras um dia perguntou a ele pelo Twitter se
haveria algum risco ao bebê caso ela amamentasse mantendo uma
dieta LCHF. Ele respondeu que não via risco nenhum para a criança.
Esse foi o estopim de um pedido, no órgão de regulação médica, de
suspensão dos direitos de clinicar por conduta antiética ao colocar em
risco a saúde de uma criança, ao indicar uma dieta sem confirmações
científicas de eficiência ou segurança.
Dr. Noakes há muitos anos já não clinicava mais. Mesmo assim, fez
desse processo uma grande discussão pública sobre o assunto.
Ao contrário do que diziam seus acusadores, todas as suas
recomendações estavam baseadas em amplos estudos acadêmicos
demonstrando não só a segurança, mas a eficiência da dieta que ele
propunha.
Depois de alguns anos de batalha jurídica, Noakes prevaleceu. Provou
aos seus julgadores que estava embasado cientificamente e que nunca
colocou em risco a saúde de ninguém que seguiu seus conselhos. A
história foi contada em “Lore of Nutrition” em que ele mostra como
tomou contato com essa nova linha de pensamento.
Foi lendo “The Art and Science of Low Carbohydrate Living”, dos médicos
Jeff Volek e Stephen Phinney, que ele teve conhecimento das pesquisas
de longa data já realizadas a respeito do tema. Mas foi justamente
toda publicidade do caso que trouxe mais audiência para teorias que
iam frontalmente contra o que se tinha como verdades absolutas.
Depois de ler Phinney&Volek, decidi fazer em mim mesmo o
experimento. Antes de fazer a dieta, coletei exames de sangue que
deveriam ficar negativamente influenciados se eu passasse a ingerir
29
Lição 7 Saúde física X financeira
uma dieta primordialmente composta de gorduras. Não estou falando
de gorduras ditas “saudáveis”. Estou falando de muito queijo, bacon e
manteiga.
Com a prática esportiva, preciso ingerir de 3 a 4 mil calorias por dia
para não perder peso. Desse total, 70% a 80 % vêm de gordura, nas
mais diversas formas. A adaptação não é muito fácil, principalmente
nas duas primeiras semanas, e a performance nos treinos cai muito
nos primeiros meses. Mas o que é surpreendente é a ausência de
fome.
No passado, com minha dieta muito focada em carboidratos saudáveis,
eu estava sempre com fome. Qualquer diminuição de treinos era
percebida imediatamente na balança. Durante treinos longos de
pedal, tinha de usar gel ou bebidas energéticas para não quebrar no
final. Atualmente, pedalo de 3 a 4 horas somente com água. Perdi
4 quilos com facilidade e já estou no peso ideal de prova, mesmo
estando longe do pico de volume de treinos. Tudo isso consumindo
uma dieta que é quase que o oposto da sugerida para alguém na
minha condição.
Depois de 3 meses repeti os exames. Resultado: caiu o colesterol
ruim, aumentou dramaticamente o colesterol bom. Caíram a glicemia,
a insulina e os marcadores inflamatórios (PCR). Mostrei meus exames
à minha irmã, que é endocrinologista. Ela disse que nunca viu alguém
com um nível de colesterol bom HDL (117) tão alto. Em tese, ou
eu sou uma anomalia estatística, ou a teoria atualmente aceita está
errada. O tempo dirá.
Não recomendo que você mude sua dieta hoje sem estudar bem
como funciona a dieta cetogênica (LCHF). Ela não admite erros nem
meio termo na conduta. Seja sempre cético e estude bem antes de
fazer qualquer mudança relevante.
Se você sempre teve dinheiro na renda fixa, não mude tudo para renda
variável sem se preparar. Acho que estudo precede sempre a ação.
Estude antes de agir.
30
Lição 7 Saúde física X financeira
Se não podemos ter confiança cega nem numa atividade que deveria
se guiar unicamente pela ciência (medicina), por que temos a tendência
de acreditar que economistas ou analistas financeiros lidando com
fenômenos muito menos previsíveis têm a capacidade de acertar o
diagnóstico sobre o futuro?
Por isso, minha sugestão é que ao procurar conselhos financeiros
você seja bastante cético. Isso se aplica inclusive aos meus conselhos.
Há duas coisas sobre as quais não podemos nos descuidar: de nossa
saúde física e da nossa saúde financeira.
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31
Lição 8
Cuidado com esta fase
Já tive minha fase de piloto de avião. Comecei com a ideia de
pilotar ultraleves avançados. São aviões pequenos, e a burocracia de
manutenção e a obtenção de brevê são mais simples.
Meu primeiro teco-teco foi um kit chamado RV-9. Equipado com
motor Lycoming (mesmo dos Cessnas), ele é uma delícia de aeronave
para voar. Mas com o nascimento dos meus filhos (gêmeos), decidi
que precisava de algo mais confiável e optei por um Cirrus SR22. O
primeiro avião com paraquedas na aviação civil.
Enquanto o avião não chegava, tirei a licença de Piloto Privado (PP) no
aeroclube de Jundiaí. Já devidamente licenciado, fui juntamente com
um piloto experiente de Cirrus para Minesota (EUA) buscar o avião.
Basicamente, eu nunca tinha voado um Cirrus e nisso o comandante
Copini era craque. Ele, por sua vez, não falava inglês. Combinamos
forças e fizemos uma viagem inesquecível até o Brasil. Quando cheguei
já estava familiarizado com o novo avião e, em pouco tempo, já voava
com a minha família.
Assim como em tudo o que eu faço, nessa época mergulhei na
literatura sobre teoria de voo e causas de acidentes aéreos. Nada mais
representa o conceito “Skin in the game” do que pilotar. Eu queria
saber o que acontecia na maioria dos acidentes aéreos. Minha grande
32
Lição 8 Cuidado com esta fase
preocupação era saber quais eram as falhas mecânicas mais comuns.
Percebi que em 98% dos casos de quedas de pequenas aeronaves
a principal razão era falha humana - combinada ou não com outros
fatores.
Na minha apólice de seguro estava escrito que não haveria cobertura
em caso de queda por pane seca (falta gasolina). Pensei comigo: como
é que alguém chega ao ponto de cair por falta de gasolina? Para o meu
espanto, descobri que na aviação de pequeno porte essa é a causa
de 50% das quedas. Isso mesmo, metade dos acidentes acontece por
falta de gasolina.
Dentre os inúmeros livros que li, um me chamou muito a atenção: “The
Killing Zone: Why & How pilots die”, do Paul E. Craig. O autor, instrutor
experiente e estudioso de acidentes aéreos, mostra que existe uma
chamada Zona da Morte, quando o piloto novato atinge entre 40 e
250 horas de experiência de voo, com pico em torno de 150 horas
de voo.
Parece paradoxal que o risco de acidente aumente com a experiência.
A explicação para o fenômeno é que, nessa fase, o piloto - ainda
novato - se sente seguro e autoconfiante e comete erros mortais.
Com o tempo e com os sustos, vai ganhando experiência (e juízo) e a
taxa de mortalidade se estabiliza.
Quando li o livro me lembrei imediatamente da minha carreira como
investidor.
No começo, eu não sabia nada. Tinha medo de tudo, estudava com
cuidado o que fazer e tinha a disciplina de zerar perdas. Com o
tempo comecei a me achar o entendido no assunto. Já via meu futuro
brilhante nos mercados. Em 1995, com a crise do México, sofri meu
primeiro acidente fatal e perdi tudo que tinha juntado desde 1992,
quando comecei minha carreira. Ainda bem que eu era investidor,
não piloto.
Mais recentemente, me deparei com um gráfico interessante que
33
Lição 8 Cuidado com esta fase
compara “Grau de Conhecimento” com “Experiência”.
Basicamente, como investidor (e como piloto), passamos por 3 fases
distintas:
- Iniciante: Temos a consciência de que não sabemos o assunto e,
por isso, somos prudentes e buscamos ao máximo a ajuda de pessoas
com experiência no tema.
- Perigosa: Assumimos que já sabemos investir e que temos
conhecimento suficiente para gerir nossos recursos com confiança.
Aliás, confiança é a palavra-chave aqui. Excesso de confiança é sem
dúvida mais perigoso do que a falta de conhecimento nos mercados
financeiros.
-Experiência: Nessa fase, apesar de saber muito mais do que nas
fases anteriores, temos consciência das nossas limitações e de quanto
ainda falta para entendermos o assunto.
Por isso, quando Iniciantes me perguntam o que vai acontecer, eu
digo que não sei. Muitos se sentem ofendidos, imaginando que estou
guardando para mim o mapa do tesouro.
Dizem que o mercado é composto por aqueles que não sabem
34
Lição 8 Cuidado com esta fase
(iniciantes ou experientes) e os que não sabem que não sabem
(perigosos). Tente descobrir em que fase você se encontra hoje.
Todos temos que passar pela fase do perigo, mas o importante é
saber que estamos nela. Isso pode salvar sua vida financeira.
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Lição 9
O que é aposentadoria para
você?
Tenho um amigo (já posso chamá-lo assim) que, ao longo de uma
vida, construiu uma grande empresa e ficou rico. Rico mesmo, não
rico como cantor sertanejo. Um dia ele me contou que, ao completar
60 anos, naquele momento em que finalmente se contempla a
possibilidade de aposentadoria, tomou uma resolução de vida: não
frequentar coquetéis, nunca mais.
Essa decisão ilustrou para mim o que representa a aposentadoria:
deixar de fazer tudo o que não gostamos, mas fazemos apenas porque
precisamos ganhar dinheiro.
Aposentar não é deixar de trabalhar. É deixar de trabalhar por dinheiro.
Fazer algo por prazer, mesmo que seja um trabalho, não é a mesma
coisa que fazer algo de que não gostamos para conseguir pagar as
contas. Para o meu amigo, se aposentar era parar de ir a coquetéis.
O resto ele fazia por prazer e, portanto, não fazia sentido parar
simplesmente porque tinha completado 60 anos.
Se você é um felizardo (casos raros) que ganha dinheiro fazendo
exatamente o que gosta, você já pode se considerar um aposentado.
Só precisa cuidar de sua saúde para continuar fazendo o que gosta
e pagar as suas contas. Se não é o caso, você pode repensar sua
aposentadoria através do seguinte prisma...
36
Lição 9 O que é aposentadoria para você?
Quanto dinheiro você precisa gastar por ano?
Divida as despesas em alguns grupos principais.
-Moradia: Custo do aluguel da casa em que você vive (mesmo que
seja casa própria).
-Alimentação e vestuário: Gastos com itens básicos de sobrevivência.
- Saúde: Custo de seu plano de saúde, mesmo que você não tenha
um ou que sua empresa pague para você. Se você não tem plano de
saúde, no fundo, você está vendendo para você mesmo uma apólice
e um dia vai ter que arcar com os custos dessa venda.
-Educação: Sua e de seus filhos.
- Lazer em geral: Isso inclui viagens e esportes, academia e tudo aquilo
que torna a vida mais interessante.
Imagine como essas despesas vão evoluir no futuro. A despesa com
saúde sempre vai subir; educação sobe também, mas eventualmente
pode desaparecer. Os outros são mais ou menos estáveis e controláveis
por você.
Agora, você precisa criar uma carteira de ativos que gere renda
suficiente para pagar essas despesas. A primeira e mais óbvia é o
imóvel próprio. Não considere seu imóvel um patrimônio, considere
um pagamento adiantado de um aluguel vitalício. Seu primeiro imóvel
paga a sua despesa de moradia.
Suponha que a sua única opção de investimento sejam imóveis.
Imagine agora que você compre outro imóvel que gere um aluguel
suficiente para pagar a sua alimentação. Assim, sucessivamente,
cada novo imóvel que você adquirir deve custear suas despesas de
saúde, educação e lazer. No seu quinto imóvel, você já terá garantido
uma renda que pague todas as suas despesas. A partir desse dia, o
trabalho para você será uma opção, não uma necessidade. Você estará
aposentado.
Agora substitua um imóvel por uma carteira que contenha 8 ações
de empresas muito sólidas e que, somente com o dividendo anual,
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Lição 9 O que é aposentadoria para você?
garantam o mesmo rendimento desse imóvel. Substitua outro por um
título longo indexado à inflação e que, apenas com o cupom anual de
juros, substitua a renda de um terceiro imóvel. Substitua um terceiro
imóvel por uma carteira diversificada de fundos imobiliários cujo
rendimento seja equivalente.
Pronto, você está aposentado!
Seu imóvel próprio paga a sua moradia. Uma carteira de ações paga a
sua saúde (essa seleção de ativos precisa crescer ao longo do tempo).
A carteira de renda fixa paga a alimentação e o vestuário. Um outro
imóvel alugado (eventualmente comercial) paga pela educação. O
rendimento dos fundos imobiliários paga pelo seu lazer.
A partir desse dia, seu trabalho é uma opção. Escolha bem e tenha
uma vida plena e feliz. Isso não significa uma vida sem atividade.
Por sinal, encontrei um dia meu amigo em um coquetel, e questionei
o que ele estava fazendo ali. Ele me respondeu que, na verdade, nem
todos os coquetéis são chatos. Ele só vai aos que quer.
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Lição 10
Como eu compro Dólar
É comum as pessoas me perguntarem quais os melhores instrumentos
para se investir em dólar. A resposta mais óbvia são os fundos cambiais.
Mas eu acho que essa é a pior opção.
O fundo cambial nunca dá certo no Brasil. Tenho a sensação de que
os investidores só perdem e quase nunca ganham.
Acho que comprar dólar futuro no Brasil, no passado, quando o CDI
era muito mais alto do que o custo lá fora, dava a sensação de você
carregar uma pedra de gelo: você teria que comprar e se livrar logo,
senão ela derreteria na sua mão por causa do custo de carregamento.
Eu, pessoalmente, compro dólar de duas formas: ou dólar futuro ou
opções de dólar futuro. E em contratos líquidos, que tenham market
maker e competição por preços.
Esses são, em minha opinião, os melhores instrumentos.
O instrumento mais eficiente, mais barato que existe, é o dólar futuro
primeiro vencimento. Todos os outros são mais caros.
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39
Lição 11
Ame o processo, não suas
ações
Como tratar investimentos passados que estão “micados” na carteira?
Qual a melhor estratégia? Zerar a posição agora com “prejuízo” ou
aguardar mais um pouco para “recuperar” a perda? Esse é o principal
e mais comum erro entre pessoas físicas que começam a operar ações.
Para explicar como eu acredito que você deveria se comportar em
relação às suas ações, vou recorrer a um filme marcante na história
das finanças globais: Como se fosse a Primeira Vez - uma comédia
romântica, com Drew Barrymore e Adam Sandler.
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Lição 11 Ame o processo, não suas ações
A trama do filme é simples: um cara (Sandler) encontra a garota dos
seus sonhos (Barrymore) e se apaixona por ela. Mas a garota, apesar
de parecer perfeitamente normal, tem um problema. Toda noite ela se
esquece de tudo. No dia seguinte, ele é obrigado a fazer toda a corte
para reconquistá-la. Meu conselho: daqui pra frente, comporte-se
como a garota esquecida do filme. Você vai ser um investidor muito
melhor.
Ela tem um problema de memória, mas não significa que não tenha
nenhuma memória. Ela tem dentro dela um conjunto de valores que
determina quais os elementos que busca num homem. Assim, a cada
dia que esse homem aparece, ela recorrentemente se apaixona por
ele. Isso explica por que o cara consegue conquistá-la todo dia. Os
fundamentos (analista adora essa palavra) estão lá. Se um dia ele mudar,
ela para de gostar dele e não vai estar influenciada pelas experiências
passadas, ou seja, pela história do relacionamento até aquele dia.
Muita gente comprou Petrobras no aumento de capital lá em 2008,
quando as pessoas colocaram dinheiro e o governo colocou petróleo
do pré-sal. Até hoje estão esperando o preço voltar ao valor nominal
que pagaram 10 anos atrás. Essa é uma âncora absolutamente
irracional. Seu objetivo na Bolsa é ganhar dinheiro, e não ganhar na
ação com a qual você perdeu dinheiro. Qualquer ação serve pra você.
Você precisa desenvolver um conjunto de valores que determina o
que uma ação deve ter pra te conquistar todos os dias.
Divido esses valores em três categorias principais.
Características do Negócio: Alguns negócios têm barreiras de entrada
que fazem com que eles tenham um retorno superior ao longo prazo.
Destaco: marca, canal de distribuição, custo elevado de substituição ou
monopólios naturais. Essas características são mutáveis, mas tendem
a se movimentar lentamente. Para isso, basta se fazer uma pergunta:
essa empresa vai sobreviver e crescer nos próximos 10 anos?
Características da Gestão: Um negócio precisa de gestores com
mentalidade de donos. Os interesses deles têm que ser os interesses
41
Lição 11 Ame o processo, não suas ações
dos acionistas. Devem também ser competentes no que fazem. Não
necessariamente gênios, ungidos pelo toque de Midas e saudados
nas capas de revistas de negócios. Melhor um burro que te carrega
do que um cavalo que te derruba. Essa também é uma característica
relativamente estável. Desconfie de empresas com trocas constantes
na direção.
Preço da ação na Bolsa: Essa é a variável que muda todo dia. De maneira
geral, se você gosta das duas primeiras deve ser bem tolerante com
a terceira. Não venda simplesmente porque está no lucro. Esse é o
maior erro que você pode cometer. Pense como é raro encontrar uma
pessoa de que você gosta. Para se desfazer do que você realmente
gosta e que está dando certo, coloque um preço que faça você não
gostar mais dela. E fique de olho…
Depois que você vendeu, se o preço cair, você poderá voltar.
Esse é um princípio fácil de explicar, mas muito difícil de se aplicar.
Vender algo com prejuízo mexe com nosso ego. É preciso admitir
que você errou. Mas essa é a melhor coisa a fazer. Cada dia que você
segura um erro, você comete o mesmo erro. Mesmo após 25 anos
fazendo isso, vivo me policiando para não fazer novamente. Uma
coisa que me ajudou muito foi parar de calcular o preço médio da
minha posição. Como tenho várias posições, com o tempo não me
lembro mais quanto paguei por cada ação.
Com isso, a cada manhã, olho pra minha carteira como Drew Barrymore
olha pra Adam Sandler no filme: Interessante, será que vale a pena?
Ao final de cada dia, na maioria das vezes, concluo que sim.
Ler no Espaço do Assinante
42
Lição 12
Lemming Investor
O homem se diferencia dos animais por ter uma consciência, por ser
racional. Bom, é assim que me ensinaram na escola. Em outras áreas
da ciência, físicos e matemáticos encontraram equações que geravam
padrões similares aos encontrados na natureza.
Benoit Mandelbrot, por exemplo, ficou conhecido principalmente, por
suas contribuições no campo da geometria fractal — o próprio termo
“fractal” foi determinado por ele em 1975. A forma de crescimento
da copa das árvores, a formação de cristais de neve, o padrão de
descargas elétricas em tempestades e muitos outros fenômenos
naturais pareciam obedecer a essa equação.
Posteriormente, o matemático usou essa mesma teoria para explicar
os movimentos dos mercados. Mas, ao mesmo tempo em que ele
afirmava que esses fenômenos pareciam seguir uma equação
matemática definitiva, ele assumia que não era possível prever com
certeza o fenômeno, pois um componente de aleatoriedade sempre
estava presente.
É como se Deus tivesse criado um jogo com regras precisas e tivesse
adicionado a essas regras o aleatório.
A maioria dos investidores sonha com a possibilidade de que seja
43
Lição 12 Lemming Investor
possível adivinhar o futuro. Como se fosse plausível saber o resultado
antes de todos os outros por conhecer suficientemente as condições
iniciais do jogo. E, muitas vezes, por períodos curtos de tempo, essa
“ciência” parece funcionar. E, a cada sucesso, cresce a confiança no
“modelo” preditivo e racional de tomada de decisões.
Nessas fases, os formuladores esquecem-se das leis naturais às quais
os homens estão subordinados.
Mais recentemente, estudos de comportamento humano demonstram
que esse “ser racional” constantemente age de forma irracional. E
pior, previsivelmente irracional. Já existe um catálogo de quais são os
vieses no processo de decisão, e, mesmo assim, continuamos agindo
igual.
No entanto, não estamos sozinhos nessa área. Se um extraterrestre
observasse a Terra durante uma grande guerra, teria dificuldade de
entender qual a lógica evolutiva naquele comportamento natural.
Seria esse um processo natural de controle populacional? E se fosse,
por que não aconteceram outras grandes guerras depois que a
população mundial ultrapassou largamente a que existia antes dela?
E se a aptidão para a guerra fosse um atributo negativo, por que os
humanos beligerantes não tenderam à extinção?
Esse cientista extraterrestre teria dificuldades de entender tudo o
que se passa por aqui, assim como os cientistas têm dificuldade de
entender a migração dos lemmings.
44
Lição 12 Lemming Investor
A cada 3 ou 4 anos, grande parte da população desses animais comete
suicídio coletivo. Como um lemming vive aproximadamente dois anos,
poderíamos traduzir isso para 110 a 150 anos humanos.
Trazendo isso para os mercados, vemos gerações de investidores
que estudam o passado e olham com espanto como tantas pessoas
agiram irracionalmente em alguns momentos.
Não imaginam que isso um dia possa acontecer com eles. Passam a
confiar em seus modelos e esquecem que continuamos humanos.
Acham que se algo funcionou por 30 anos, podem ter certeza de que
o modelo é seguro.
Assim como os lemmings trocam de local em busca de água e comida
enquanto crescem e se multiplicam, a cada crise investidores buscam
novos locais. E, para isso, é necessário atravessar rios. Em pânico, e
em grandes grupos, os investidores fogem para a liquidez. E depois
de 150 anos fazendo isso, eventualmente chegam a um abismo e se
jogam em um mar de liquidez e morrem afogados.
Essa metáfora sempre me assustou. Inclusive em 2002 – e ao final foi
só um alarme falso –, pois do outro lado estava um gramado verdinho
com a China crescendo e levando junto os produtores de commodities,
como o Brasil.
Estamos sentindo certo nervosismo entre a comunidade de
investidores. Podemos passar novamente por um período de pânico
em que muitos vão buscar a liquidez. Eu vou ficar quietinho no meu
pasto seco e evitar entrar de cabeça no mar.
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Lição 13
Educando pelo exemplo e
cuidando do seu dinheiro
Vou contar apenas uma história e dar um conselho. Prometo ser
rápido.
Eu cresci num mundo muito diferente do atual. Meu pai e meus tios
fumavam dentro de casa. O programa da Xuxa estava começando e
nunca me passou pela cabeça que havia algo errado ali. Era comum os
homens da família contarem vantagem sobre a resistência ao álcool,
principalmente nas festas de fim-de-semana. Esse era o exemplo que
eu buscava seguir.
Ninguém praticava esporte, nem defendia os animais e o meio
ambiente, e temas como homofobia e machismo eram simplesmente
inexistentes. Somos ao mesmo tempo produto do meio em que
vivemos e dos hábitos que adotamos.
Um dia, na adolescência, meu pai ficou bravo por me ver chegar
embriagado em casa. Eu disse a ele: “Se você bebe, por que eu não
posso beber?” Touché! Ponto para o moleque. Mas meu pai me pagou
na mesma moeda. Depois daquele dia, ele nunca mais bebeu e nunca
mais pediu para eu não beber. Hoje eu não bebo mais nada.
Se você é pai ou mãe, vai entender melhor o meu conselho. Cuide do
seu dinheiro como você cuidaria do dinheiro dos seus filhos. Somos
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Lição 13 Educando pelo exemplo e cuidando do seu dinheiro
muito negligentes com nós mesmos. Comemos mal, não damos
prioridade para a nossa saúde, nem nos preocupamos muito em
continuar aprendendo. Mas, quando se trata de nossos filhos, tudo
muda. Queremos dar a eles uma alimentação saudável, uma boa noite
de sono, uma boa escola e o melhor médico.
Cuidamos ainda menos do nosso dinheiro que da nossa saúde.
Preguiça de ler o prospecto do fundo de investimento, de saber o que
a empresa por trás da ação faz, de se educar continuamente sobre
o mercado, nos sentimos tentados diante de promessas de ganho
rápido e milagroso... Esses são apenas alguns exemplos de desleixo
com nossa vida financeira.
E se o dinheiro não fosse seu, mas sim de um fundo para sustentar
o futuro e educação dos seus filhos, você agiria como? Compraria
o primeiro fundo que o seu gerente indicasse? Entraria em uma
ação simplesmente porque o seu amigo deu uma dica em uma festa
de aniversário? Imagine ainda que no futuro você não estará aqui
para ajudar. E seu filho vai continuar tocando a vida financeira dele,
exatamente igual você fazia.
Cuide de você mesmo e de seu dinheiro como você cuida daqueles
que você ama. Só essa mudança de atitude fará uma grande diferença
na sua saúde financeira.
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Lição 14
Negócios são pessoas
O meu papel aqui não é recomendar ou desaconselhar investimentos
em empresas específicas, mas sim falar da importância da gestão na
análise de investimentos. E esse é um trabalho que você, investidor,
deve fazer.
Vou dar um exemplo que ocorreu durante a presidência de Michel
Temer. A Petrobras voltou a registrar lucro líquido relevante. Li, em
várias matérias de negócios, analistas aplaudindo a gestão de Pedro
Parente. Isso veio na sequência de uma entrevista que me deixou
admirado: Jorge Paulo Lemann veio a público dizer que está se
sentindo ultrapassado como gestor. Ele reconhece que: 1) apenas a
busca por eficiência e o corte de custos já não são suficientes para
garantir sucesso nos negócios; e 2) que, atualmente, a vantagem
competitiva de marcas consagradas já não é garantia de um retorno
superior sempre. O homem que, até outro dia, era chamado de Midas
pela mesma imprensa que hoje aplaude o trabalho de Pedro Parente
na Petrobras, diz que aprendeu sua lição e vai mudar no futuro.
Minha admiração por Parente vem muito antes de ele se tornar o ícone
atual. Em um tempo remoto, em que a Skopos fazia apresentações
anuais aos investidores (Skopos Day), ele foi um dos palestrantes. Aliás,
baseado em uma palestra dele sobre ciência política em geral (ele não
falou sobre o Brasil) que observo tudo que acontece no mundo: desde
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Lição 14 Negócios são pessoas
analisar o que o Trump está fazendo até buscar explicações sobre o
que de fato acontece nos bastidores do partido comunista chinês. O
grande feito do Pedro Parente foi ter administrado o apagão do FHC
de uma forma que evitou uma catástrofe econômica - que eu via na
época como inevitável. Criou ali a base do sistema de geração atual,
muito mais robusto que o anterior.
Apesar dos avanços importantes na gestão, é difícil empresas estatais
chegarem a padrões de eficiência comparáveis aos de empresas
privadas. E não é uma questão de querer fazer mais, mas sim de fazer
o que precisa ser feito em uma empresa estatal. Além disso, empresas
de commodity dependem de dois elementos incontroláveis: câmbio
e preço da commodity, que são variáveis sobre as quais a gestão
não tem controle, principalmente no médio e longo prazos. Por isso,
também não vi o Pedro Parente indo aos jornais se vangloriar de seus
feitos. Ele sabe que seu papel é defender os interesses da companhia
e, principalmente, não colocá-los contra o interesse político de quem
o colocou lá. Isso eu sei por que foi ele mesmo que me ensinou.
O interesse de quem está no poder é permanecer no poder ou ser
importante na escolha de seu sucessor.
Quando vejo pessoas como Lemann e Parente, tendo a ficar otimista
com o futuro. Porém, quando vejo não só o mercado, mas também
pessoas, em geral, buscando ídolos e não ideias, sinto que ainda
estamos longe de chegar lá.
A única proteção definitiva para empresas estatais é a privatização.
Essa é uma tarefa dificílima, porque não podemos sair do mal atual,
de ver esse ativo sendo usado para benefícios políticos ou ilícitos,
e passar para outro mal, de termos monopólios/oligopólios privados
(sem estímulo à competição de mercado) tomando conta de setores
fundamentais para a competitividade de um país. Essas empresas
não deveriam continuar como estão, mas não poderiam ser vendidas
como são. Antes de um gestor, precisaremos de um líder político para
enxergar isso e hoje o único que vejo dessa forma não parece ser o
que vai ser eleito.
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Lição 14 Negócios são pessoas
A humildade de Lemann de reconhecer a necessidade de se aprimorar
sempre, e a nobreza do Pedro de não chamar para si méritos que
não são dele, e nem mesmo os que são em benefício do bem maior
da empresa, são raros, mas existem. Assim como Churchill, que
praticamente sozinho mudou o destino de uma nação e de um
continente, de tempos em tempos encontramos pessoas que fazem
a diferença. Mas em vez de ficar tentando achar esses salvadores da
pátria todo dia, deveríamos nos apegar aos ideais que eles pregam.
Pessoas passam, mas as ideias ficam.
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Lição 15
Analisando o mercado com
imagens mentais
Um dos grandes desafios de qualquer gestor é tentar explicar aos seus
investidores como ele está vendo o mercado e como essa visão se
traduz nas posições do fundo. A tendência é a construção de cenários
complexos, baseados em premissas no mínimo questionáveis e, na
maioria das vezes, selecionadas para explicar o que foi feito, e não
para antecipar o futuro.
Depois de algumas tentativas frustradas de explicar o que eu pensava,
passei a utilizar algumas imagens que operadores antigos tinham para
o mercado. Era muito mais fácil entender dessa forma.
Vou listar algumas dessas imagens e como cada uma delas pode ser
usada para analisar o mercado atual. Basta você escolher a sua.
Piquenique no Vulcão: Vulcões exercem uma atração grande ao
homem. São uma força gigantesca da natureza e mostram que existe
uma diferença muito grande entre prever o que vai acontecer e quando
vai acontecer. Vistas de longe, suas erupções são um espetáculo, mas,
de perto, um risco enorme. Como as erupções são pouco frequentes,
vulcões são atrações turísticas e muita gente vai lá fazer piquenique.
Antes de uma erupção, alguns sinais - geralmente tremores - são
sentidos. Isso acontece exatamente igual nos mercados. Mas o turista
(investidor) que chegou até ali, apesar do tremor, imagina que é muito
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Lição 15 Analisando o mercado com imagens mentais
improvável que o vulcão vá explodir. E fica ali até que, eventualmente,
o vulcão explode. Exatamente igual aos mercados.
Bola descendo uma escada: Melhor descrição de uma tendência de
baixa. Mesmo nas baixas há dias em que vemos movimentos bruscos
de alta. Não se deixe enganar... Enquanto a escada (tendência) não
acabar, a bola (preço) vai continuar a descer.
Panela com água no fogo: Quando colocamos água para ferver, você
tem certeza de que a água está esquentando. Mas, olhando de fora,
nada parece mudar até que rapidamente a água entra em ebulição.
Muitas vezes isso acontece com empresas. Você sabe que as coisas
estão melhorando, mas observando apenas a água (preço) parece que
nada está mudando. Vemos isso também em política, quando algumas
tendências vão crescendo lentamente e entram em ebulição muito
rapidamente.
Foguete de estágios: Quando lançado, um foguete parece iniciar
sua subida lentamente. Com o passar do tempo, a aceleração vai
aumentando. De tempos em tempos, um estágio se descola e, nesse
breve período, a aceleração diminui e eventualmente para, até que
o próximo estágio seja acionado. Mas, como investidores, nunca
sabemos exatamente quantos estágios tem um foguete. A cada
parada na aceleração ficamos na expectativa de saber se existe outro
estágio, ou se vamos ser atraídos de volta à Terra pela gravidade. Essa
é a figura que melhor explica uma tendência de alta.
Caminhada no escuro à beira de um abismo: Para quem caminha
no escuro em direção ao abismo só o último passo interessa. Muitas
vezes, por estarmos andando no escuro, estamos à beira do precipício
e o caminho parece tranquilo, sem solavancos, até que damos o último
passo.
Atualmente, vejo o mercado americano de juros como a panela de
água no fogo e a Bolsa brasileira como o foguete de estágios.
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