Ginástica Artística e Estatura - Mitos e Verdades
Ginástica Artística e Estatura - Mitos e Verdades
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Abstract: Among the characteristics that determine the biotype of a (the) athlete, the high
stature besides social "status", presupposes larger victory probabilities. In Brazil, the low
stature presented by athletes of AG, in spite of the conquests, it has been reason of concern
and discrimination of the modality. The objective of this revision is to call the attention of the
Brazilian society (especially of the lay public), for the dimension of the problem and through
Auxology to provide explanations as for the responsible factors for the human being's
stature.
1. INTRODUÇÃO
A etapa do alto nível ou alto rendimento é o objetivo de muitos atletas dentro do complexo processo de formação
esportiva. Considerando a característica altamente seletiva do Esporte moderno, no alto nível “destacam-se" somente os
atletas que apresentam, por exemplo, certas qualidades como as físicas que, associadas ao treinamento altamente
sistematizado, poderão proporcionar o sucesso em determinada modalidade.
O lema Olímpico Citius, Altius, Fortius (do grego: mais rápido, mais alto, mais forte), alimenta a nossa imaginação quanto às
características físicas de uma atleta de elite. No entanto, em determinadas modalidades esportivas, as características físicas
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podem não corresponder ao imaginário, como na Ginástica Artística (GA). Nessa modalidade, as atletas apresentam, em sua
maioria, estatura baixa, contrariando a imagem associada ao lema olímpico.
Atualmente, as ginastas da seleção brasileira igualam-se às melhores do mundo, pois estas têm conquistando títulos
internacionais expressivos, prova disso são os resultados em nível mundial e Olímpico1. Assim, a modalidade vem ganhando
maior destaque na mídia e, um número cada vez maior de pessoas questionam a baixa estatura das ginastas e se a mesma
estaria diretamente associada aos treinamentos intensivos da modalidade.
Considerando que grande parte das atletas de GA apresenta baixa estatura, criou-se um mito em torno desse fato. O
presente trabalho visa esclarecer esse tema polêmico e, baseado em estudos auxológicos2, discutir os vários fatores que
determinam a estatura e a relação desta com a GA, sobretudo, no gênero feminino.
Na GA, a ginasta se expressa com o próprio corpo e as exigências biomecânicas das acrobacias atingem excelência e
demanda menor energia. Quando a proporcionalidade corporal das ginastas é equilibrada, ela apresenta grande força muscular,
peso e estatura baixa (CALDERONE e colaboradores, 1986). Com relação às capacidades físicas, as mais exigidas nessa
modalidade são coordenação, flexibilidade, potência, força e capacidade anaeróbia. E entre os aspectos psicológicos:
perseverança, autoconfiança e disciplina são essenciais. Sobre as características antropométricas, aquelas que apresentam
estatura de baixa para média parecem levar vantagem. As medidas antropométricas como estatura, peso e comprimento dos
membros são fatores importantes e, em certas modalidades esportivas, até determinantes (BOMPA, 2002).
Por vezes, o fator estatura baixa está vinculado às características biomecânicas da modalidade. Segundo Nunomura (1998), a
ginasta desafia as leis da física buscando o domínio do corpo nas mais variadas situações: em inversão, em rotação, em
diferentes alturas e equipamentos e coordena, simultaneamente, as ações de diversos segmentos corporais. Ou seja, o corpo
da ginasta se torna um projétil vivo, que utiliza conceitos da biomecânica para se lançar ao espaço, otimizar os movimentos e
realizar acrobacias em frações de segundos e, a seguir, aterrissar com absoluto controle. As ginastas utilizam o próprio corpo
para interagir com aparelhos que diferem em altura e têm medidas altamente específicas, e buscam adequar-se a estas
variações.
Segundo Adrian e Cooper (1995), o limite de 10 centímetros de largura da trave de equilíbrio permite à ginasta pouca
margem de erro para as laterais. Assim, a atleta deve adequar suas medidas (altura, tamanho do pé e alavancas) ao aparelho e
tirar o máximo de vantagem dos conceitos biomecânicos, aliados ao seu talento e características individuais. Sobre este
aspecto, Peltenburg e colaboradores (1984) mencionam que, do ponto de vista da biomecânica, medidas menores das ginastas
de alto nível, favorecem a realização de acrobacias mais complexas, principalmente as rotações no eixo transversal e suas
variações.
3. ALTO NÍVEL NA GA
1
Daniele Hypolito foi medalha de prata na Bélgica em 2001; Daiane dos Santos foi campeã mundial de solo nos EUA em 2003 e o Brasil fica em 8º lugar por
equipe, classificando pela primeira vez uma equipe completa para os Jogos Olímpicos de Atenas. Em 2004 Daiane foi medalha de ouro nas etapas da copa do
mundo: Rio de Janeiro; Birmingham; Lyon e Cottbus. Em Atenas 2004, a ginasta ficou em 5º lugar na final de Solo. No ano de 2005, Daiane foi medalha de ouro
no solo nas etapas da copa do mundo de São Paulo e Paris. O ginasta Diego Hypolito foi campeão de solo no mundial da Austrália em 2005 e medalha de
prata no mundial da Dinamarca em 2006, com a equipe feminina classificando-s em 7º lugar.
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Segundo Bompa (2002a), desde a antiguidade Clássica já havia o hábito de se treinar sistematicamente para atividades
militares e olímpicas competitivas. Caine e colaboradores (2001), detalhando a rotina da GA de alto nível, mencionam que
nesse estágio as atletas treinam entre 24 e 36 horas por semana, de 4 a 6 horas por dia e durante os 12 meses do ano. Outros
autores também fazem referência ao volume de horas de treinamento na GA de alto nível (THEINTZ e colaboradores, 1993;
DALY e colaboradores, 2005) ¨As ginastas treinam 7 horas por dia, folgando apenas aos domingos, isso quando não há
competições¨ (ROMERO , 2003, p.95).
Atualmente, em eventos internacionais como os Campeonatos Mundiais e as Olimpíadas, a ginasta começa a competir a
partir dos 16 anos de idade, quando deve dominar as habilidades necessárias à execução das tarefas específicas de cada
aparelho, ou seja, as séries. Nessa fase, ocorre um decréscimo acentuado na aprendizagem de novos elementos, o que alguns
denominariam de fase de manutenção (BOMPA, 2002b). Embora o volume de aprendizagem diminua consideravelmente, há um
aumento proporcional do volume de treino para o aprimoramento técnico e eliminação de pequenas falhas que possam
comprometer a qualidade da performance. Em campeonatos de alto nível, uma queda pode significar a perda de uma
classificação importante, incentivando a ginasta a treinar cada vez mais para evitar os erros. A profissionalização ocorrida nas
modalidades esportivas olímpicas fez com que os atletas se dedicassem exclusivamente ao esporte e as exigências nos
treinamentos e competições são diretamente proporcionais ao nível dos atletas (ROMERO, 2003). O sucesso internacional da
ginástica brasileira atraiu a atenção da mídia, evidenciando-se as conquistas e a rotina de treinamento das ginastas. Como toda
modalidade esportiva, o treinamento do alto nível na GA requer muita dedicação e esforço. As conquistas atuais e a
perspectiva de outras impulsionam as atletas a se dedicarem cada vez mais, incluindo sacrifícios de diversas naturezas para
obter sucesso no alto nível.
Claessens e colaboradores (1992) destacam que as ginastas iniciam muito jovens na modalidade e precisam treinar muitas
horas por semana para alcançar o alto nível, citando as ginastas holandesas que iniciavam os treinos por volta dos 7.5 anos de
idade e treinavam em média 25 horas por semana. Outras pesquisas mencionam que as ginastas iniciam por volta de 5/6 anos
de idade e treinam mais de 20-30 horas por semana (DALY e colaboradores, 2002). Mas, principalmente o público leigo,
acredita que tais esforços prejudiquem o crescimento. Por outro lado, a predominância de ginastas muito jovens é parte do
contexto atual da modalidade. Ao longo da história da GA, foi possível observar que há 40 anos, predominavam as mulheres
mais velhas, como a ginasta Larisa Latynina, que foi campeã olímpica aos 34 anos de idade. Na década de 70, começaram a
surgir as “pequenas notáveis” como Olga Korbut e Nadia Comaneci que, no auge de suas carreiras, ainda encontravam-se
entre o período da infância e da adolescência. Com as modificações das regras da modalidade e os avanços tecnológicos,
estimulou-se a participação das mais jovens e, atualmente, adolescentes a partir de 15 anos (a completar 16 no mesmo ano)
podem competir nos Jogos Olímpicos.
A participação de crianças em eventos competitivos não é novidade e não causa surpresa. A questão são os vários anos de
preparação aos quais são submetidas até chegar ao pódio. Assim, são anos de treinamento intensivo iniciados bem cedo para
atingir o pico de performance por volta dos 15 anos de idade. A preparação na GA pode ocorrer mais cedo do que
imaginamos, se lembrarmos que no Campeonato Mundial que antecede os Jogos Olímpicos, as ginastas devem estar entre 14
para 15 anos de idade e, na Olimpíada propriamente dita, elas podem estar na transição de 15 para 16 anos de idade. Na
opinião de Balvi (2003), o campeão é o somatório de fatores intrínsecos e extrínsecos favoráveis. Ainda que as condições
genéticas não sejam as ideais, fatores extrínsecos como a qualidade da instrução, a infra-estrutura e o apoio adequados podem
favorecer a formação do atleta. Assim, mesmo que a campeã mundial (2003) e vice-campeã olímpica (2004) de GA, a ginasta
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Estudos relacionados ao crescimento humano
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Svetlana Khorkina (1,65m de altura) seja “alta demais” para os padrões da GA, ela reúne outras qualidades tornando-a uma das
melhores do mundo, que obteve sucesso em três edições dos Jogos Olímpicos.
Outras expressões da GA, como a ginasta Svetlana Boguinskaia (1.65m), campeã mundial por diversas vezes e que
participou de três Olimpíadas, Tracee Talavera (1.70m) que foi bicampeã individual Americana e medalha de bronze nas
Olimpíadas de Los Angeles, a brasileira Luiza Parente (1.67m) campeã Pan Americana (Salto e Assimétrica), participante dos
Jogos Olímpicos de Seul/88 e Barcelona/92 ou Marci Bernholtz do Canadá (1.73m) também apresentavam proporções acima da
média. No masculino, podemos mencionar Igor Cassina, Jani Tanskanen ou Rasmus Brandthof, respectivamente com 1.80m,
1.82m e 1.85m de altura contrastando completamente com o biótipo idealizado para a GA. O que teria levado ginastas com
essas características a obterem sucesso se são justamente contrárias às evidências científicas sobre as vantagens biomecânicas
na GA. Será que as teorias estariam equivocadas?
Assim, parece pouco coerente enfatizar que apenas ginastas de baixa estatura se destacam na GA. Então, o que diferenciaria
ginastas de alto nível? Atualmente, se os sistemas de treinamento não são mais guardados a sete chaves como outrora, será que
o segredo para formação das grandes campeãs estaria apenas na seleção do biótipo ideal? Tal afirmação merece considerações,
pois como mencionamos anteriormente, ginastas de renome internacional contrariavam as características ideais para a
modalidade, especialmente em estatura. O controle emocional, a perseverança, a autoconfiança, a potência, a agilidade, entre
outras qualidades também são importantes para o sucesso na GA de alto nível. Enfim, estes fatos vêm se alastrando por anos e
deixam a sociedade brasileira em dúvida: prevalece a seleção natural daquelas com menores proporções ou a modalidade é
responsável pelas dimensões corporais das ginastas, principalmente a estatura?
Alguns autores são contundentes quanto à proporção física adequada à modalidade:
A proporcionalidade humana tem sido observada há milhares de anos, fato que não acontecia até o quinto século a.C, quando o grego Policleto esculpiu
Doryphoros “O lançador de dardos”, que apresentava o corpo ideal e as proporções de um atleta campeão. Essa figura foi empregada por escultores por
muitos séculos como modelo de proporcionalidade (BLOOMFIELD, 2000,p.205).
No alto nível, as proporções corporais desempenham papel fundamental nas diferentes modalidades e a variável estatura
geralmente representa o fiel da balança, ou seja, determina a maior ou menor probabilidade de sucesso (GAGLIARDI e
colaboradores, 2003).
4. MEIO AMBIENTE
É consenso entre diversos autores a grande influência que o meio ambiente pode exercer sobre o processo de crescimento
e desenvolvimento humano (BEE, 1996; MALINA e BOUCHARD, 2002; ECKERT, 1993; GUEDES e GUEDES, 1997;
GALLAHUE e OZMUN, 2003).
FRAGOSO e VIEIRA (2000) definem o estado nutricional e a doença como variáveis ambientais primárias. Essas variáveis
favoreceriam crianças nascidas em famílias com número reduzido de filhos e situação sócio-econômica favorável. O primeiro
(nutricional), dentro do chamado espaço-família, implicaria na divisão de recursos entre maior ou menor número de filhos,
enquanto a segunda hipótese (ambiente intra-uterino) estaria relacionada ao vigor físico da mãe no momento da concepção.
Pietiläinen e colaboradores (2002) mencionam que a correlação das medidas do tamanho do corpo no nascimento e na
idade adulta pode refletir um programa genético (genetic programing), que é individual e causado pelo meio ambiente intra-
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uterino. Os autores acrescentam que o meio ambiente intra-uterino exerce um papel significativo no crescimento, porém, o
fator nutricional adequado ou inadequado pode afetar o crescimento subseqüente independente do fator genético.
O número de filhos e a condição sócio-econômica da família são aspectos significativos a serem considerados nos estudos
sobre estatura. O primeiro filho viveria por mais tempo em situação privilegiada e usufruiria, com exclusividade, dos recursos
disponíveis na família, acrescentando que a maior altura final adulta estará condicionada aos fatores ambientais, ao rendimento
econômico e às famílias com número reduzido de filhos (FRAGOSO e VIEIRA, 2000).
De acordo com Guedes e Guedes (1997), fatores originários diretamente do meio ambiente tais como restrições dietéticas,
clima e os aspectos sócio-econômicos, diferentes dos fatores de origem genética, podem agir permanente ou temporariamente
sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente. Segundo os autores, alguns pesquisadores valorizam os atributos
individuais provenientes dos fatores hereditários (genótipo), enquanto outros dão maior ênfase aos fatores do meio ambiente
por acreditarem que para expressar todo o potencial genético o indivíduo dependerá fundamentalmente das condições
ambientais, o que dará origem ao fenótipo.
5. MATURAÇÃO
Segundo Barbanti (2003), maturação é o avanço qualitativo na constituição biológica dos sistemas, órgãos e células na
composição bioquímica. Malina e Bouchard (2002) referem-se à maturação como o tempo e a velocidade com que
determinadas mudanças ocorrem no organismo, e ao “timing”, momento em que tais alterações ocorrem em direção a um
estado biológico maduro. Certamente, o processo de maturação é mais perceptível na adolescência, quando o organismo passa
por diversas mudanças e as características infantis cedem lugar àquelas adultas. Esse processo é desencadeado por alterações
hormonais e recebe influência de fatores genéticos, ambientais e nutricionais, e da interação entre eles. Alguns eventos como a
alteração na composição corporal, crescimento em estatura acelerado (estirão) e aparecimento das características sexuais
secundárias, indicam que o processo de maturação está em curso. No entanto, tais eventos são individualizados e ocorrem em
momentos diferentes para meninos e meninas. No caso das meninas, a menarca é um fator marcante e sinaliza a ocorrência
mais acentuada do processo de maturação (TANNER, 1963).
De acordo com a tabela de Tanner (1963), em que o autor secciona os eventos da maturação durante a puberdade em
cinco estágios, a menarca ocorre entre o terceiro e quarto estágios, após o período de maior velocidade de crescimento. Ou
seja, após esse evento, a velocidade de crescimento diminui consideravelmente.
Da mesma forma que a hereditariedade e estatura, podemos estabelecer também uma relação entre hereditariedade e
maturação. Ou seja, filhos de pais com maturação tardia (os eventos ocorrem mais tarde com relação à média populacional),
tendem a apresentar a mesma característica. Para ilustrar esse fato, podemos citar o estudo de Theintz e colaboradores
(1989), em que os autores analisaram dados de ginastas, nadadoras e um grupo de controle e verificaram que a menarca das
mães das ginastas ocorreu mais tarde em relação aos demais grupos. E mais, os valores dos dados de estatura e de peso dos
pais das ginastas também foram menores em relação aos outros dois grupos.
6. HEREDITARIEDADE E ESTATURA
O fator hereditário tem chamado atenção da humanidade desde 1906, quando “Walter Betson” pôs em uso o termo
“genética” (MOSKATOVA, 1998). Os diversos estudos sobre crescimento evidenciam o papel do fator genético na
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determinação da estatura final. Entretanto, as variáveis que envolvem fatores hereditários precisam ser consideradas para se
obter os índices de características herdadas.
“O fator genético ou hereditário refere-se à marca registrada que a criança traz consigo, a qual determina o seu potencial de crescimento e
desenvolvimento. Filhos de pais com estatura elevada, trazem consigo um potencial para atingir uma estatura de média para alta” (BÖHME, 1996, p.2).
Sabe-se que o meio ambiente, a situação sócio-econômica e as questões relacionadas à saúde podem influenciar no
crescimento e, conseqüentemente, na estatura final, ainda que esta seja um dos fatores sujeito a intenso controle genético
(PEREIRA e ARAÚJO, 1993).
A hereditariedade é um fator no qual se origina o genótipo, que dependerá das influências (positivas/negativas) do meio
ambiente (interno/externo) para se manifestar na forma do fenótipo. O crescimento é um processo complexo com grande
dependência genética e para se atingir o potencial genético máximo do fator estatura, as condições ambientais também devem
ser favoráveis (THEINTZ e colaboradores, 1993).
Ao relacionarmos a hereditariedade ao crescimento em estatura, no período pré-natal, a criança não expressa totalmente o
próprio genótipo. A criança que apresenta potencial genético para estatura alta (pai 1,95m x mãe 1,60m)3, sofre desaceleração
do seu comprimento nas últimas semanas de vida intra-uterina devido à falta de espaço disponível no útero materno. Após o
nascimento, ocorre uma recuperação na curva de velocidade de crescimento (GUEDES e GUEDES, 1997).
Segundo Malina e Bouchard (2002) estudos com pais-filhos, irmãos e gêmeos são amplamente utilizados na busca de
informações sobre os aspectos herdados geneticamente e relacionados ao processo de crescimento em estatura e peso. Os
autores esclarecem que o controle genético para a estatura adulta é maior do que, por exemplo, o controle genético para o
peso corporal adulto e enfatizam que a contribuição genética para a estatura adulta é mais acentuada em populações bem
nutridas e em populações caucasianas.
“Nossa herança genética é individual e específica para a espécie, de modo que cada um de nós recebe instruções para tendências de crescimento únicas e
compartilhadas” (BEE, 1996, p.134).
A autora menciona que não só a forma, mas o tamanho do corpo também sofre influência da herança genética, e a
tendência de pais altos é ter filhos altos, assim como pais baixos tenderão a ter filhos baixos. Corroborando com Bee (1996),
na mesma linha de pesquisa, MALINA e BOUCHARD (2002) mencionam que crianças que têm pais altos (A x A) são em média
mais altas que as crianças cujos pais são baixos (B x B) e acrescentam que essas tendências, embora razoáveis, podem
apresentar exceções, pois os efeitos genéticos ficam bem abaixo de 100%. Os autores apresentam outras combinações de
tendências hereditárias em crianças tendo como base a estatura dos pais (Fig. 1).
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Figura 1.
7. ESTATURA ADULTA
A estatura adulta é alcançada no final da adolescência e, de acordo com as características individuais, o crescimento
continua, em média, até os 20 anos de idade, e começa a declinar por volta dos 30 anos. O declínio da estatura ocorre com o
avanço da idade em função da compressão dos discos intervertebrais, perda de minerais contidos nas vértebras e mudanças na
postura (BOUCHARD, MALINA e PERUSSE, 1997).
Hall 1978, citado por Fragoso e Vieira (2000), verificou que existiam alterações na estatura com o avanço da idade em
homens e mulheres. Enquanto para os homens a estatura diminui, progressivamente, de idade para idade (entre os 18-19 anos
e os 70-79 anos), para as mulheres a estatura não apresenta diferenças significativas na faixa etária entre 18-19 anos e 50-59
anos, mas a estatura média diminui, abruptamente, após os 59 anos de idade (p.232).
Para Sorkin, Denis e Andres, (1999) entre os 30 e 70 anos de idade, a estatura do homem diminui em média 3cm e a da
mulher 5cm e, após os 80 anos, a diminuição na estatura passa a ser em média de 5 e 8cm respectivamente.
Luo e colaboradores (1998) afirmam que estudos utilizando a média corrigida da estatura dos pais para a predição da
estatura adulta dos filhos surgiram há mais de três décadas. Na época, Tanner e colaboradores, 1970 citado por Luo e
colaboradores (1998), apresentaram a fórmula [(altura do pai + altura da mãe ÷ 2) + 6.5 cm para meninos e – 6.5 cm para
meninas], amplamente utilizada por pesquisadores vários anos depois (BRÄMSWIG e colaboradores, 1990; THEINTZ e
colaboradores, 1993; THEINTZ e colaboradores, 1989). Posteriormente, Tanner e colaboradores, 1975; 1983 citado por
Guedes e Guedes (1997), propuseram novos modelos para predição da estatura, que se mostraram complexos e de difícil
aplicação face às variáveis que integravam as fórmulas como: índice de aumento da estatura, a idade esquelética em anos
anteriores e informações sobre a menarca.
No Brasil, para calcular a estatura adulta da criança, médicos pediatras normalmente utilizam a fórmula: soma da estatura
dos pais + 13 cm para os meninos ou – 13 cm para as meninas ÷ 2. A exemplo da fórmula de Tanner, esses cálculos indicam a
estatura alvo, ou seja, a altura que a criança poderá atingir na vida adulta. Por tratar-se de uma estimativa do potencial genético
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Exemplo ilustrativo do autor deste trabalho
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para a estatura, resultados com variações de até ±10 cm são tidos como normais. Em geral, estudos para predição da estatura
adulta se baseiam em crianças saudáveis e, normalmente, são utilizados em análises clínicas para avaliar e, posteriormente,
“tratar” crianças com problemas aparentes de crescimento (LUO e colaboradores, 1998). Reportando-se à GA, pais de
ginastas apresentam, normalmente, estatura e massa corporal significativamente menor do que pais de atletas de outras
modalidades como natação, tênis, futebol, entre outras (THEINTZ e colaboradores, 1993; THEINTZ e colaboradores, 1989).
Obviamente, a projeção para a estatura adulta da ginasta será menor se comparada aos atletas de outras modalidades.
9. MITOS E VERDADES
Sem dúvida, a pergunta que persegue constantemente aqueles envolvidos diretamente com a GA é: o treinamento prejudica
o crescimento em estatura? Em especial no Brasil, essa dúvida parece ter encontrado respaldo e muitos acreditam que as
ginastas serão menores em decorrência do treinamento sistematizado da modalidade. A questão gerou um paradigma, criando
um mito em torno da GA. O relato de técnicos e de professores aponta como uma das conseqüências desse mito o fato de
muitos pais proibirem a filha de praticar GA, pois temem o comprometimento da estatura final na vida adulta.
Certas afirmações médicas de que a prática de GA interfere no crescimento em estatura também têm corroborado para a
dimensão dessa crença no Brasil. Atualmente, a ginástica brasileira iguala-se aos melhores países do mundo e tem conquistado
títulos expressivos nos torneios internacionais. Conseqüentemente, a GA ganha destaque na mídia e cada vez mais pessoas
questionam o fato da estatura baixa de muitas ginastas, e se isso estaria realmente relacionado aos treinamentos da
modalidade.
No entanto, no decorrer desta pesquisa, foram apresentadas diversas informações que podem colaborar no esclarecimento
dessa dúvida tão freqüente. O primeiro ponto passível de discussão é o treinamento intensivo como causa da estatura baixa
nas ginastas. Primeiramente, devemos considerar que, em se tratando de alto nível, todas as modalidades demandam muitas
horas de treinamento. Sendo assim, todos os atletas de alto nível de todas as modalidades deveriam apresentar problemas de
estatura, mas não é o que ocorre. Parecem existir determinadas características físicas predominantes em virtude das próprias
exigências de cada modalidade. Como exemplo, podemos citar o voleibol, em que muitos atletas brasileiros que compuseram a
seleção vice-campeã olímpica em 1984, provavelmente não teriam chance de sequer serem reservas na seleção medalha de
ouro em Atenas 2004. Isso em virtude da evolução das regras e do desenvolvimento da própria modalidade, que exige
jogadores de porte avantajado, sobretudo em altura e envergadura. O mesmo se aplica à GA. Com as exigências do alto nível,
aqueles com menores alavancas, do ponto de vista biomecânico, levam vantagem, principalmente em acrobacias de extrema
complexidade. Portanto, em se tratando do alto nível na GA, são esses os atletas que ganham destaque e visibilidade na mídia,
ou seja, com proporções corporais menores, maior força relativa e domínio corporal. Entretanto, como ressaltado
anteriormente, uma única qualidade física não deve ser considerada de maneira isolada.
Assim, a candidata à atleta de GA não deve ser rotulada ou selecionada por um único atributo, pois outras dimensões,
como a psicológica, por exemplo, pode compensar alguma lacuna, levando-a a obter sucesso na modalidade. Outros pontos
que podemos ressaltar em relação ao treinamento são seu volume e intensidade. Muitos acreditam que a carga de treinamento
na GA é muito alta e isso acarretaria a ocorrência da estatura baixa. Isso pode ser considerado um mito, pois a estrutura de
treinamento da GA envolve outros componentes de preparação tais como a artística, a coreográfica, a flexibilidade, entre
outros, o que evidenciam a diversidade em intensidade e volume. Obviamente, a relação direta que se faz entre duração do
treinamento e intensidade, nem sempre é absoluta. Por vezes, a duração do treino pode refletir a intensidade de esforço e de
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exigências, mas quando da preparação coreográfica ou flexibilidade, por exemplo, a demanda é bem menor se comparada ao
período de aprendizagem de elementos novos, em que a repetição é mais acentuada. Sobre a interferência da intensidade e do
volume de treinamento sobre o crescimento, o estudo de DALY e colaboradores (2005), afirma que ginastas intermediárias e
de alto nível apresentam um estirão de crescimento semelhante na adolescência, com um período entre curto e normal. As
ginastas apresentam maturação lenta e uma freqüência alta de picos de crescimento oscilatórios. Para os autores, os resultados
sugerem que o treinamento pode alterar o tempo de crescimento e maturação, porém, deixam claro que esses aspectos
ocorrem apenas com algumas ginastas e, portanto, não podem ser generalizados. No entanto, o treinamento pode influenciar
na taxa de lipídios do organismo das atletas, fato que tem relação com a produção hormonal, que passa a ser menor nestes em
comparação com indivíduos não-atletas. Theintz e colaboradores (1993) mencionam que os principais responsáveis pelas
alterações nos níveis do hormônio de crescimento nas ginastas são o controle alimentar rigoroso (dieta) que pode causar baixa
taxa de gordura devido à ingestão calórica insuficiente e a intensidade dos treinamentos.
Damsgaard (2000) menciona que os fatores hormonais de atletas pré-púberes e púberes de natação, tênis, handebol e GA
não são afetados pela intensidade dos treinamentos do alto rendimento. Juul e colaboradores citado por Damsgaard (2000),
afirmam que os níveis de IGF-I (insulin-like growth factor I) não apresentam diferença significativa entre atletas e crianças
normais e que os níveis de hormônios eram exclusivamente dependentes da idade, estágio maturacional e estatura de ambos os
grupos. O IGF-I é uma importante referência para indicar a secreção do hormônio de crescimento (growth hormone-GH) em
crianças. Considerando que os hormônios são responsáveis pelo desencadeamento de uma série de processos durante o
período de crescimento e maturação, a produção baixa dos mesmos pode acarretar atrasos. Ainda que ocorra atraso do
crescimento e da maturação, existe uma recuperação (catch-up) com a suspensão ou diminuição do treinamento. Assim, os
atletas voltam ao seu curso normal de crescimento (THEINTZ e colaboradores, 1989). Mas, o déficit no crescimento também
pode ter outra causa: a hereditariedade. Assim, filhos de pais que apresentaram maturação tardia tendem a apresentar a mesma
característica.
Pesquisadores demonstraram que mães de ginastas meninas apresentaram maturação tardia em relação ao grupo de mães
de nadadoras e do grupo de controle (THEINTZ e colaboradores, 1989).
Portanto, as pesquisas pressupõem que a estatura final das ginastas recebe forte influência dos fatores genéticos e
ambientais, como reportado anteriormente no presente estudo.
A partir do exposto, não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre o treinamento de alto nível da GA e a
estatura baixa, em especial, nas meninas, pois não encontramos sustentação literária (CAINE e colaboradores, 2001).
Segundo a literatura especializada, o volume muito alto de prática esportiva durante a fase de crescimento pode
comprometer a produção hormonal e provocar alterações no ritmo e intensidade desse processo. Mas o fato não se reporta
unicamente à modalidade GA.
É preciso considerar que há diversos fatores que influenciam no processo de crescimento e na maturação e que somente
estudos longitudinais com grupos populacionais consideráveis poderão evidenciar qualquer relação de causa e efeito, e se
houver, se positiva ou negativa. Outro aspecto essencial a considerar é a individualidade dos praticantes e as particularidades
de cada contexto de treinamento. Parâmetros que visam quantificar ou padronizar, numericamente, a qualidade e intensidade
dos treinamentos também são suscetíveis a erros.
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Assim, para levantar evidências e esclarecimentos sobre a estatura das atletas de GA, os estudos deveriam focar sobre
outras fases do processo de treinamento, como por exemplo, a fase final ou posterior à prestação esportiva. Ou seja, é
possível que através de pesquisas retrospectivas com ex-ginastas, que tenham encerrado a carreira há muitos anos, possamos
encontrar novos dados que possibilitem elucidar com maior clareza o mito da estatura baixa relacionado à GA, especialmente
no Brasil.
Os estudos auxológicos deixam claro que a estatura depende da inter-relação entre vários fatores e, no caso da GA, não
podemos esquecer um aspecto unânime entre os pesquisadores para justificar a estatura apresentada pela maioria das ginastas:
A rigorosa seleção natural imposta pela modalidade no alto nível.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFI
BIBLIOGRÁFIC
FICA
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Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte – Volume 5, número 2 , 2006
Ginástica artística e estatura: mitos e verdades na sociedade brasileira
Contatos
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Endereço: Avenida Mackenzie, 905 – Tamboré – Barueri – SP Cep. 06460 130 Recebido em: 25/11/06
E-mail: [email protected] Aceito em: 06/12/06
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