Jinarajadasa - A Nova Humanidade Da Intuição
Jinarajadasa - A Nova Humanidade Da Intuição
Jinarajadasa - A Nova Humanidade Da Intuição
C. JINARAJADASA
«Magister in Artibus» pela Universidade de Cambridge
Foi Presidente da Sociedade Teosófica
A Nova Humanidade da
Intuição
LISBOA-1938
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OBRAS DO MESMO AUTOR
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Notícia biográfica
As conferências editadas neste livro foram pronunciadas pelo Dr. C. Jinarajadasa, durante a
sua recente passagem por Portugal, em Fevereiro do ano de 1938. Julgam os editores que alguns
dados biográficos sobre a personalidade do eminente filósofo aumentarão, no leitor que o não
conheça, o interesse pelos assuntos versados e a confiança na autoridade do conferente. É esta a
única razão por que nos permitimos preceder d’algumas palavras nossas os ensinamentos
ministrados pelo Mestre insigne.
O Dr. Jinarajadasa, cujo nome significa «Servo do Rei Vitorioso», nasceu em Colombo, na ilha
de Ceilão, em I875. Seus pais, de religião budista, educaram-no em conformidade com os princípios
que professavam, até que aos l3 anos o enviaram para Inglaterra, onde tomou contato com a
educação ocidental. Obtido o acesso à Universidade de Cambridge, aí alcançou o título de
«Magister in Artibus», Tomou grau em Sânscrito e Filosofia, e também estudou Leis.
De regresso a Ceilão, foi nomeado Vice-Presidente do «Ananda College» onde exerceu o
professorado. Voltou à Europa, fixando-se na Itália, para frequentar durante dois anos a
Universidade de Pavia.
A partir de 1904, o Dr. Jinarajadasa consagrou-se exclusivamente ao serviço da
Sociedade Teosófica, organização de Fraternidade Universal, com sede em Adyar na Índia, e
filiação em 49 países. Desde então, animado por um poder de vontade inquebrantável, tem
percorrido o mundo inteiro, numa missão de paz e de altruísmo, de amor pelo próximo e de
incitamento às práticas do Bem, do Bom e do Belo, Constantemente estuda, e cativando os
discípulos pela sua requintada distinção, e a todos ensina o que sabe, na medida do que
possam ou queiram aprender.
Para condignamente exercer esta elevada missão, possui o Dr. Jinarajadasa todas as
faculdades requeridas - inteligência luminosa, profundo saber, preciosas virtudes, fulgurantes
aptidões de escultor da ideia e cinzelador da palavra. A sua prosa, ilustrada de imagens e de
conceitos que cintilam como gemas preciosas, consegue cristalizar em formas lapidares as
mais abstratas concepções do mundo mental.
Acrescentemos ainda que a prodigiosa facilidade com que assimila as línguas
estrangeiras o torta uma espécie de cidadão do Universo, que se encontra sempre em
terreno familiar e se dirige aos seus auditórios no idioma regional. A sua copiosa
preparação filológica permite-lhe apreender o sentido de cada vocábulo pela etimologia,
sendo rara a palavra cujo significado lhe escapa. Só assim se justifica o milagroso caso - de
que somos testemunha direta -- de ter ele aprendido a falar português ao fim de quatro
lições de simples pronúncia da versão das suas obras, E se não conquistou de assalto uma
pronúncia impecável, alcançou pelo menos uma posse tão plena dos elementos da língua,
que pôde, a breve trecho, improvisar em português as preleções que nos fazia.
Realizando, por tantos predicados, o arquétipo do Homem Integral - aquele «homem
perfeito" que atingiu o limite da evolução humana e vai transpondo a fronteira da
Evolução Divina - o Dr. Jinarajadasa reveste na sua personalidade o aspecto trînico do
Artista, do Filósofo e do Santo.
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Como Esteta, todo envolto num deslumbramento de Ideal, vai cantando através do
mundo o seu hino à Beleza ; vai soletrando em cada expressão da forma as estrofes do poema
do Belo: vai revelando, aos que têm ouvidos para ouvir, os acordes harmônicos da sinfonia da
Vida.
Como Sábio, ensina-nos a cosmogonia, a antropogênese, a evolução, a estrutura do
átomo, a física e a química nos seus aspectos ignorados, surpreendidos por clarividência, em
trabalhos de colaboração com Annie Besaut e Leadbeater.
Como Santo, predica-nos a mais alta moral e conduz-nos, pelo seu exemplo, à pratica
de todas as virtudes : a tolerância, a pureza, a fraternidade, a coragem, a compaixão, a
modéstia e finalmente a renúncia. Ensina-nos a discernir entre o ilusório e o Real, entre o
efêmero e o Eterno, Inicia-nos no mistério sagrado de descobrir as mais ínfimas parcelas da
Verdade, disseminadas nas aluviões do «erro», como as pepitas de ouro perdidas entre as
areias das antigas torrentes. Porque a luz da Verdade nem sempre refulge como um farol;
antes vagamente lampeja, afogada na sombra. Mas, ansiosa de liberação, Ela espreita os
momentos em que entre si se debatem os Quadrilheiros da Treva, que a afogam no poço, e
logo se mostra e um instante fulgura, como a faísca que ressalta do choque de duas
pederneiras, pondo no coração da noite uma fugidia palpitação de luz.
Dir-se-ia que o retrato psíquico de Jinarajadasa, o Artista, o Filósofo e o Santo, foi
expressamente traçado no maravilhoso poema IF de Rudyard Kipling; cuja versão livre
pedimos licença para oferecer ao Mestre querido. Ele encarna, numa radiosa e viva
realidade, aquele herói de sonho invocado no poema simbólico:
SE ...
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Se podes encarar, com indiferença igual,
O Triunfo e a Derrota - eternos impostores;
Se podes ver o Bem oculto em todo o mal
E resignar, sorrindo, o amor dos teus amores;
Se podes resistir a raiva ou a vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega, eivadas de peçonha,
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste;
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ÍNDICE
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A Nova Humanidade da Intuição
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A Teosofia e o Destino da Humanidade
As vidas da maior parte dentre nós estão tão cumuladas de ânsias e de dificuldades
que mal sentimos o desejo de perguntar: «O que vai por esse mundo ?» Cada um de nós vive
num círculo muito seu, com as suas obrigações, esperanças e sonhos, círculo que contém
aqueles que lhe estão mais próximos e os que lhe são mais caros; mas é, no fim de contas,
um círculo bem restrito. De vez em quando temos que sair dele, quando algum dever nos
força a abandonar o pequeno âmbito dos amigos e do lar, e a entrar num círculo maior - o
da cidade; e em raras ocasiões temos que intervir num círculo, ainda maior - o da Nação,
sempre que esta careça do nosso concurso patriótico, nalguma obra nacional. Mas, outras
nações, o mundo como um todo, são para nós, realidades distantes, de mal definidos
contornos. É certo que recebemos pelos Jornais notícias de todas as partes do mundo; le-
mo-las com uma vaga curiosidade, mas os países onde se produzem os acontecimentos
estão tão longe, que esses acontecimentos parece não terem relação íntima com os nossos
negócios.
A religião concorre para tornar mais estreitos os nossos pontos de vista. Cada religião
é, em princípio, um evangelho a anunciar-nos o advento de um mundo celeste; se somos
instruídos em certos deveres para com o nosso próximo e a comunidade, é na mira de que
as virtudes adquiridas por essas obrigações nos qualifiquem para entrar no Céu. Mas cada
religião nega fundamentalmente que este mundo e as suas atividades possam dar-nos
qualquer inspiração. Talvez os gregos fossem o único povo que acreditou que este mundo e
os seus acontecimentos estivessem na íntima relação com o mundo espiritual. Procuraram
o melhor que havia neste mundo, porque este melhor era uma ligeira indicação do Eterno
Melhor, no mundo espiritual. Por isso, viam no atletismo e nos jogos uma finalidade
espiritual, ligada à finalidade material de saúde e divertimento; eram intensamente
perspicazes, quanto ao desenvolvimento da vida política, porque esta era para eles o meio
de produzir um tipo de cidadão, não só saudável, mas culto, alegre e de índole espiritual.
Por muito mergulhados que estejamos nos nossos negócios, não deixam eles, na
realidade, de estar ligados aos interesses do mundo, como um todo. A nossa saúde, por
exemplo, depende em primeiro lugar da saúde geral da nossa comunidade, mas depende
igualmente, logo a seguir, da saúde do mundo. Suponhamos que a peste bubônica se
declara num país donde recebemos certos gêneros, como trigo e arroz; a nossa repartição
de saúde não permite o desembarque nos nossos portos dessas mercadorias, sem que
sejam previamente desinfetadas pelo gás cianídrico. E o custo de tudo isto, bem como a
demora, agrava os preços por que as pagamos.
Quando, em 1918, a epidemia da influenza foi passando de uns países para outros,.
ficamos sabendo que nenhuma nação pode viver isolada das restantes.
É curioso que, se bem que nos tivessem ensinado na escola que o mundo forma um
todo, a impressão recebida foi puramente mental. Nas nossas lições de geografia
aprendemos a conhecer as capitais dos vários países, os seus rios e cordilheiras; mas esse
conhecimento nunca prendeu a nossa imaginação.
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Em certo número de pessoas desperta já a ideia do mundo com um todo, quer quando
as suas simpatias são profundamente abaladas, pela tragédia de povos desamparados, quer
quando a sua sensibilidade artística aumenta e se interessa pela literatura, poesia, pintura,
escultura e demais artes, tanto das outras nações como da sua própria. Quando nasce em
nós a concepção do gênero humano como um todo, do gênero humano representado por
uma escada ascendente de realizações culturais, então já procuramos a resposta à
pergunta, «que vai por esse mundo»?
Há duas fontes únicas onde habitualmente procuramos essa resposta. Uma é a
religião, a outra, a ciência. A primeira conforme já indicamos, não nos dá resposta alguma.
Ela não nos explica por que é que Deus dispôs que as raças do gênero humano se sucedam
umas após outras e desapareçam, e que as civilizações realizem, apenas, uns certos
aspectos de cultura e outros não. A este mundo, como um todo, com os seus multiplicados
progressos em milhares de atividades, como negócios, política, artes, não interessa a
religião. Não que ela tenha qualquer coisa contra essas atividades, mas estão fora do seu
âmbito, circunscrito às rezas, cerimônias e contemplações.
A Ciência, essa sim, responde àquela pergunta «que vai por esse mundo»? Vede o
mundo do passado, diz a ciência; os museus cheios de antiguidades patenteiam-se à vossa
contemplação, revelando-vos a história do homem e da natureza. Olhai o mundo do
presente, diz a ciência, e vereis desfilar perante vós, como numa procissão, todas as
realizações na indústria, na locomoção, na medicina e em mil e uma comodidades para
conforto do lar e da cidade. Vede o mundo do futuro, diz a ciência, e descortinareis um
quadro sem esperança. Porque um dia, ainda que seja daqui a muitos milhões de anos, o
gênero humano deixará de existir, porque o sol perderá o seu calor e a terra tornar-se-á
num planeta gerado. Igualmente sabemos o que a ciência tem a dizer a nosso respeito
como homem e como mulheres. Temos vindo trepando desde o reino animal; e este é o
nosso passado. Vivemos num mundo de luta, onde a sobrevivência do mais apto é a lei e
onde o forte calca aos pés o fraco, na sua marcha para super-homem. Isto é o nosso
presente. Quanto ao nosso futuro, é simplesmente deixar-nos apagar, como se apaga uma
candeia, quando o coração parar de bater.
Haverá em qualquer parte outra resposta mais atraente do que a que nos é dada pela
ciência? Sim, essa resposta dá-a a Teosofia. Eu não vo-la apresento, meramente, como
especulação duma escola de filosofia; ela proclama-se representante dos ensinamentos de
uma dinastia ininterrupta de sábios.
Naturalmente, não encontrareis razões para escutá-la, só pelos atributos que se
arroga. Mas peço-vos que examineis o que ela proclama e ajuizeis se as suas afirmações
serão razoáveis no conjunto e se poderão oferecer-vos uma hipótese viável. Isto é, afinal, o
método usado pela Ciência. O cientista, quando depara fatos inexplicáveis, arranja para eles
uma hipótese plausível. Procura, em seguida, verificar essa hipótese, aplicando-a aos fatos.
O seu objetivo é descobrir, em primeiro lugar, se ela explica esses fatos e em seguida, se
conduz à descoberta de fatos novos. Nem todas as hipóteses são necessariamente
verdadeiras; neste caso novas hipóteses são formuladas. Se nenhuma delas resolve o
problema, o cientista fica esperando. É isto precisamente o que desejo que façais: examinar
a hipótese Teosófica pondo-a de parte, conscientemente, se ela vos não satisfizer. Qual é a
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resposta Teosófica, à cerca do mundo? É que todos os acontecimentos que nele decorrem
obedecem a uma plano. Por outras palavras, que os acontecimentos da história não são
devidos a meros acasos, mas que por detrás de todos eles existe um plano que o homem
pode compreender. Consideremos os acontecimentos do mundo. O mais remoto que se
conhece é-nos relatado por Platão, que se refere a uma tradição do Egito com respeito a
uma grande civilização que floresceu num continente chamado a Atlântida, no local onde
hoje se encontra o Oceano Atlântico. A civilização Atlante, segundo a lenda, dominou no
Mediterrâneo.
Esse continente afundou-se, há cerca de 10.000 anos, numa erupção vulcânica. Depois
dos Atlântes, novos povos surgiram; cada nação tem o seu começo, o seu apogeu e o seu
lento declínio. Caldeia, e Babilônia, Egito, Grécia, Roma, desapareceram. A China e Índia
mantêm-se. No simples decurso de um século o Japão tornou-se um povo poderoso.
Sabemos como Colombo descobriu o Novo Mundo. Lentamente, a seguir, os povos da
Europa, emigraram do Ocidente para as Américas do Norte e do Sul, até que, três séculos
depois, tendo morrido os aborígenes ou poucos existindo atualmente, novos povos
habitam os dois continentes. As correntes de emigração ainda não cessaram. Outras
correntes se dirigiram da Europa para o Oriente e zonas meridionais, para a Austrália e
África do Sul.
A Teosofia declara que todos estes acontecimentos fazem parte de um plano. A
descoberta do Novo Mundo, a aparição de novos povos e o desaparecimento dos velhos,
são partes de um plano, como o são também os embates de vários povos que dão origem
às rivalidades nacionais que tantas e tantas vezes trazem consigo a guerra. Na mesma
ordem de ideias, tudo quanto chamamos civilização as ciências, as artes, os sistemas
econômicos, culturais, surgem como partes desse plano.
O plano de quem? perguntareis. Quem tem controlado os acontecimentos mundiais,
de modo que, o que aparece como obra do acaso, é na realidade a execução de um plano?
Deus, ia eu imediatamente responder; mas hesitei, por uma razão: A palavra Deus arrasta
vulgarmente consigo a ideia de uma pessoa; no Cristianismo, a imagem de uma pessoa
idosa, um Pai, ou a tríplice imagem de um Pai, um Filho e um Espírito Santo; na Índia a
imagem de um Deus muitos braços e mesmo, algumas vezes, de muitas cabeças.
Todas essas concepções de Deus como forma humana são incompatíveis com a
vastidão do Universo. Quando falamos em Deus, queremos com isto dignificar uma
inteligência que funciona em toda a sua plenitude, na orla do Universo como aqui entre
nós, desde a origem dos tempos até ao momento atual.
Mas a verdadeira essência da explicação Teosófica é esta: Há uma inteligência em ação
por toda a parte, operando em harmonia com um plano. Entretanto quando dizemos
inteligência e que ela age e idealiza, temos que atribuir alguma ideia de personalidade a
essa inteligência. Por outro lado, temos que pôr de parte a forma humana a essa
personalidade, porque, como podia uma forma humana possuir uma mente atuando
simultaneamente no extremo do Universo, e aqui entre nós?
A palavra que me parece mais apropriada é a dos Estoicos Gregos - o Logos.
Esta palavras tanto pode significar o nome ou o rótulo com que designamos um
objeto, como o pensamento Íntimo que ele representa. Logos, quere dizer Razão. Para os
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Estoicos, o Universo inteiro era o Logos, isto é, uma expressão da mais alta razão. Há alguns
séculos atrás, em Alexandria, Filon, filósofo judeu, desenvolveu a ideia do Logos, dando-lhe
o sentido de Deus, mas não, em forma humana. Veio mais tarde S. João, e proclamou que o
Logos, a Razão Divina que mantém o Universo, a mais alta concepção que se possa fazer de
Deus, se manifestou na Terra em Jesus-Cristo.
Na frase latina da missa Romana - Et Verbum caro factum est «e o Verbo fez-se carne»
que nos indica o momento de ajoelhar, a palavra grega Logos é traduzida como Verbum, o
Verbo.
Por muitas razões, portanto, a palavra Logos é a mais conveniente, não só porque
afasta a ideia duma personalidade humana, mas ainda porque traduz plenamente os
pensamentos mais elevados que associamos à ideia de Deus.
O universo tem uma estrutura fundamental que é o Plano do Logos. É a vontade do
Logos que cria a nebulosa da qual se geram as estrelas; é a mesma vontade que criou a
primeira célula da matéria viva. Este pensamento já existia entre os judeus, porque no
Velho Testamento aparecem estas palavras - «O Senhor pela sua Sabedoria fez a terra, pela
compreensão, fundou dos Céus», (Provérbios 3.19). Em harmonia com o plano do Logos,
tudo foi concebido desde a origem do tempo: Nem um só instante a Sua vontade deixa de
dirigir cada acontecimento. É o que Cristo quer e significar quando afirma que «nem uma
ave pode cair do ramo, sem a vontade do Pai».
A nossa Terra, tão vasta para nós, é uma ínfima parcela de matéria, comparada com a
vastidão do Universo e assim como a Sua Vontade interpenetra o Universo, assim
interpenetra a Terra. Qualquer acontecimento, desde os movimentos dos prótons e
elétrons às migrações dos povos de continente para continente, é a manifestação da
vontade e do plano de Logos. Tudo o que foi, é e há de ser, são expressões e incorporações
do Logos.
Eu bem sei que tudo isto deve parecer uma mera suposição, uma teoria que parece
incapaz de ser provada. Mas vejamos o que a teoria desenvolve quando aplicada, como o
fazem os Teósofos. Quando o Teósofo observa o Universo, proclama os seguintes
postulados:
1) Antes de o Universo vir à manifestação, como um sistema de força, matéria, ação e
lei, já existia como um pensamento, no Mental do Logos. Este pensamento revestiu-se de
matéria. Todo o Universo, portanto, desde cada elétron a todas as miríades de estrelas, está
impregnado do pensamento do Logos.
2) O pensamento do Logos, quando assim vestido de matéria, e tornado universo, está
destinado a evoluir, isto é: a mudar sucessivamente de um para outro estado. Em todas
essas mudanças opera a Vontade do Logos. A evolução não é, pois, como a ciência afirma,
um processo mecânico de modificações por experiências e falências, mas um processo
dirigido por uma inteligência, para determinado fim.
3) Tudo quanto existe, da mais pesada partícula da matéria ao ser mais espiritual que
possamos imaginar, todos os milhões de tipos de organismos que a evolução produz, desde
a ameba ao anjo, não são meras criações do Logos: São Ele próprio. Geralmente, quando se
pensa em Deus criando o Universo, julga-se que Ele procede à maneira de um oleiro,
manipulando uma vasilha; feita esta, o oleiro e a vasilha são coisas à parte. Não é esta a
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concepção Teosófica, de Logos. Este é duplo na Sua natureza. Ele é, ao mesmo tempo,
transcendente e Imanente. Socorrendo-me, ainda da imagem do oleiro e da vasilha, o
oleiro na sua natureza transcendente, fica aparte do vaso, como artista que operou na
argila, para fazer dela um artefato. Mas se nós imaginarmos que a argila empregada faz
parte do corpo do oleiro e que este utilizou parte do seu corpo na execução da Sua Obra,
então há uma unidade entre o Oleiro e o vaso. Podemos, neste caso, dizer que o oleiro está
imamente no vaso.
De modo análogo, tudo o que existe, toda a substância, seja de que natureza for, da
mais leve à mais pesada; todos os aspectos de força, eletricidade, luz e calor; todas as
formas da vida, como as plantas, os animais e os homens; todas estas coisas são o Logos, a
Sua verdadeira Substância, no seu aspecto de Divindade Imamente. Todavia e ao mesmo
tempo, o Logos, como Transcendente Divindade, existe fora de tudo quanto d'Ele emanou.
4) Desde que tudo quanto existe é o próprio Logos, desde que tudo quanto age, move
e acontece são incorporações do Logos, todo o Universo é a sua auto-revelação. Sabemos
que o Universo muda constantemente, mas as suas mudanças não são como as torrentes
que, nascendo das montanhas, correm para o mar, achando os seus caminhos ao capricho
do acaso; mas como os botões de rosa, cujas mudanças fazem desabrochar a flor
maravilhosa. Cada pétala encontra-se em miniatura, dobrada dentro do botão; a admirável
e artística estrutura, o delicado perfume, a brilhante revelação de uma «alegria que ficou
eterna», tudo isto está oculto no botão. O botão cresce para nos revelar uma beleza oculta.
Do mesmo modo, o universo transforma-se, para revelar a natureza do Logos como uma
Beleza Absoluta.
5) O Logos não é só uma Beleza absoluta, é também a fonte de toda a espécie de amor
que nos seja dado conceber. O amor da Mãe pelo filho, do amante pela preferida, do Santo
pelo seu Deus, todos estes amores são meros símbolos, quando comparados com a
realidade do Logos como Amor. Assim como todo o Universo está embebido em
inteligência, dentro do Mental do Logos, assim também todo o Universo está impregnado
do seu Amor. A despeito de tudo o que parece terrível na evolução, a luta pela vida e a sua
crueldade; a despeito da aparente surdez de Deus aos clamores da humanidade sofredora,
o Amor é a raiz de todas as coisas. Se o elétron e o próton estão ligados numa unidade de
positivo e negativo, não é apenas porque o Mental do Logos os mantém assim em
equilíbrio, é também porque o Seu Amor os envolve. Todos os cantos dos poetas, todos os
hinos devocionais dos santos são longínquos clarões irradiados da natureza do Logos, como
amor.
6) O Logos, que é a Beleza Perfeita, que é Amor Ideal, não é uma Deidade estática, isto
é, uma personalidade que não age e se limita a contemplar. O Logos é um construtor. Ele
manipulou de si próprio um universo e opera nele, de modo que o que é bom engendra
uma coisa melhor e o melhor engendra o ótimo. O Logos age sobre o seu Universo como
um artista. O escultor diante do mármore tem na sua mente a imagem que vai nascer; e
então começa a desbastar do mármore todas as parcelas inúteis à sua estátua; «Quanto
mais mármore é suprimido, mais vulto cria a estátua».
7) Nesta ação do Logos para criar um Universo Perfeito, o homem é necessário. O
papel que lhe é reservado consiste em ser o Agente, o Instrumento, o Cooperador do
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Logos. Tal é a natureza do Logos, em Amor e Beleza, que Ele deseja que existam miradas de
seres, que se deleitem em Amor e beleza, e descubram pouco a pouco a alegria do auto-
sacrifício e serviço do próximo foi para este fim que o Logos nos criou, a milhões de almas
que compõem a humanidade. Eu disse «nos criou», mas não quero afirmar com isso que o
Logos nos criasse de alguma substância que existisse fora d'Ele. A verdadeira essência da
concepção Teosófica está em que o homem foi emanado ou criado pelo Logos, da Sua
própria Natureza. Nós somos fragmentos do Logos semelhantes a Ele em todos os sentidos.
Somos unidades, ao passo que Ele é o todo. Assim como, quando arde uma pilha de lenha e
se erguem as chamas, tênues fagulhas saltam da madeira, cada uma delas existindo na
chama rugidora e fazendo parte dela; assim é a nossa alma com as suas raízes no Logos. O
Logos e a alma do homem são, para sempre, uma unidade. Todavia, o Logos deseja, ao
mesmo tempo, que o homem sinta a sua separatividade, porque graças a esse sentimento
de separatividade o homem adquire a consciência como ser individual.
8) As almas dos homens foram destinadas a ser os colaboradores do Logos, os seus
companheiros de trabalho, quando Ele concebeu o plano dum Universo Perfeito. Mas,
antes que a alma possa cooperar em qualquer finalidade útil, ela tem de compreender o
Plano do Logos e possuir faculdades criadoras capazes de contribuir para a execução. E
disto ressalta a necessidade para a alma, que é divina em essência, de entrar num Círculo
de nascimentos e mortes, para tomar parte no processo chamado Evolução. A alma tem
que aprender como uma criança na escola, de classe para classe, ou como um aprendiz
numa oficina aprende a criar uma coisa tão perfeita como o mestre. Tem a alma de
conhecer como há de agir dum modo reto, isto é, em conformidade com o plano; como há
de criar beleza, isto é, refletir o Mental do Logos, supremo guia para os vários
desenvolvimentos, através das idades, a que chamamos civilização.
Assim, o que a Teosofia proclama é que todos os acontecimentos mundiais têm uma
finalidade, que é treinar as almas até se tornarem em verdadeiros agentes do Logos.
Passemos a examinar os métodos da ação do Logos.
Para que as almas que Ele de Si emana possam começar a própria educação, é
necessário que elas vivam e atuem no mundo físico. Elas devem, por conseguinte, viver em
corpos físicos. O Logos planeia e trabalha durante milhões de anos, para produzir o
primeiro corpo humano. A ciência vai-nos dizer como o Logos prepara tudo isto. Uma parte
da nebulosa que começou com o nosso Sol quebrou-se e arrefeceu lentamente, até tornar-
se a terra; os elementos químicos, oxigênio, hidrogênio, carvão, ferro, enxofre e outros
combinaram-se e fizeram a primeira forma de matéria organizada - o protoplasma. Este é
separado em tênues unidades, resguardada cada uma no seu invólucro, dentro do qual se
opera uma nova disposição de elementos, dando lugar à primeira célula. O trabalho
procede então por etapas: os organismos unicelulares dão nascimento a organismos multi
celulares e lentamente aparece o que a Ciência chama a escada da evolução. Bactérias,
fungos, plantas de esporos, plantas de sementes insetos, peixes, répteis, aves, mamíferos,
tudo aparece em conformidade com o plano de Logos. Então, entre os mamíferos, entram
em cena os antropoides. Toda esta obra de evolução é apenas uma preparação, um
prelúdio, para uma obra real a ultimar pela evolução.
Quando os melhores corpos, ainda simiescos foram produzidos - já bastante fortes
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para resistirem aos acidentes que acompanham a vida nas condições selvagens, e com
cérebros já capazes de pensar e de conceber planos - então, as almas dos homens geradas
no Logos, que se achavam esperando «no seio do Pai», fizeram a sua entrada na cena do
mundo. Serviram-se de corpos semelhantes aos dos macacos e neles viveram como
homens primitivos.
O homem primitivo participa do anjo e do demônio. E anjo pela sua alma imortal,
sempre viva no seio do Pai; e demônio pelo corpo em que tem de viver, carregado dos
instintos de uma longa hereditariedade animal. Os instintos, no homem primitivo, como a
crueldade a raiva cega, o egoísmo feroz, não fazem parte da natureza da alma. O anjo acha-
se cavalgado pelo demônio e por ser fraco ou sonolento é o demônio quem comanda. O
selvagem vive em plena animalidade seguindo a lei do mais apto, numa guerra que aceita
como natural. Mas o anjo tem que dominar se a alma quiser realizar a sua obra. É a
alvorada da civilização. O seu início faz-se por intermédio de instrutores religiosos e
legisladores. Os instrutores religiosos fazem ver ao selvagem que o amor deve tornar-se a
lei da vida e que o auto-sacrifício e a não-competição é a lei do homem; eles procuram
despertar a intuição adormecida do selvagem, para que ele possa compreender. Porque
esse selvagem é uma alma imortal e o conhecimento da verdade reside nele, embora
profundamente sepultada. Sob o mágico influxo do amor e da compaixão do mestre, o
selvagem desperta para a vida, por um certo tempo, como uma alma, e compreende. Mas a
luta pela existência é áspera, é cercada de ódios por todos os lados e ele acaba por
esquecer a divina lição e regressa à vida de ódio e crueldade.
Mas nem tudo se obliterou na sua memória; a alma dentro dele manifesta o seu poder
no amor aos filhos, ao seu camarada ou amigo ou num súbito impulso em sacrificar a sua
vida pela família ou pela tribo.
O selvagem entra, finalmente no caminho da civilização.
Por sua vez, os legisladores ensinaram-no a lavrar a terra, originando entre esses
homens primitivos hábitos e cerimônias que os levam a constituir-se em tribos. Regulam o
direito de propriedade, as penalidades por injúrias feitas ou recebidas e os meios de curar
as doenças.
Como resultado da obra conjunta dos legisladores e dos instrutores religiosos, produz-
se um intercâmbio de serviços entre os selvagens, com alguns intervalos de paz, a espaçar
as disputas e os combates. Aqui e além uma alma começa a cantar, de si e dos outros, a
respeito dos seus labores, alegrias e prazeres; outra molda o barro, ou grava na madeira ou
no osso; outra ainda, exprime os seus sentimentos na dança. Passo a passo, o anjo começa
a pôr um freio ao diabo associado à matéria de que o corpo é feito.
Assim a civilização começa e continua. Confrontemos agora o quadro da civilização
atual com o do passado. Quem sabe quantas raças do gênero humano têm surgido no
mundo? Só conhecemos aquelas que ainda hoje existem; das do passado, só se encontram
aqui e além pedaços de esqueletos sepultados no seio da terra. A Ciência diz-nos que o
globo arrefeceu há 2.000 milhões de anos, para se converter na terra viável à humanidade,
de modo que pode afirmar-se que o homem existe para além de um milhão de anos, pelo
menos.
Os ensinamentos Teosóficos dizem-nos, porém, que a história do homem na terra,
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começou há vários milhões de anos. Se considerarmos todos os fatos acumulados no
passado, como é que esses fatos se nos apresentam? Uma das analogias com que os
podemos identificar é a ideia das classes numa escola. Um tipo primitivo de civilização é
comparável à aula infantil; outro representa já uma classe mais elevada. Podemos agrupar
as culturas de vários povos, por classes em ordem ascendente.
Se depois disto, aceitarmos a hipótese teosófica de que a lei de progresso para as almas
é o processo da reencarnação, veremos algumas as das razões por que existe a civilização e
porque tem ela vários graus de desenvolvimento, desde o selvagem ao homem civilizado. A
civilização é a escola da alma, onde ela vai aprender as lições que o Logos lhe prepara.
Ao passo que a alma entra no processo da reencarnação, uma outra lei intervém --: a
Lei do Karma. É a lei de causa e efeito. é fácil de compreender como ela opera na esfera
moral: «Semeia um ato e colherás um hábito; semeia um hábito e colherás um caráter;
semeia um caráter e colherás um destino». Tudo o que o homem produz em ação,
pensamento ou sentimento, é sempre seguido da correspondente realização. É o Karma
quem decreta que, se uma pessoa injuria outra, tem de lhe pagar em benefícios a dívida
contraída.
Ofensor e ofendido ficam ligados pelo Karma e terão de se encontrar novamente,
ainda que muitas vidas e mortes se interponham entre a dívida e o seu pagamento.
Identicamente, todo o amor constitui um laço: aquele que ama e o que é amado têm de
juntar-se de novo, auxiliando-se mutuamente para uma vida mais nobre. O indivíduo contrai
laços Kármicos com a esposa, filhos e parentes; com amigos e inimigos e com a sua tribo
como um todo. Há Karma individual, atuando entre indivíduos; mas há também um Karma
coletivo, de tribo ou nação como um todo, consoante o bem ou o mal que como um todo
praticam.
O indivíduo renasce, vida após vida; ele semeia, colhe e torna a semear, tanto bons
como maus pensamentos, emoções boas e más, boas ou más ações. Porém, os indivíduos
que formam uma coletividade renascem igualmente como coletividade. Uma nação que
deixa de existir, não se dissipa como o nevoeiro; séculos mais tarde essa nação renasce
como outro povo ou raça, mas composta das mesmas almas que criaram laços Kármicos
entre si e com a nação. Porque os indivíduos não viajam sós mas em Grupos. Felizes
seremos, se pudermos ter sempre conosco as pessoas que amamos e bem longe de nós
aqueles que nos odeiem, embora tanto amigos como inimigos marchem avante na
realização da sua Divindade.
Comecei por perguntar: Que vai por esse mundo? ...mas o que é o mundo de hoje?...
Um bem triste mundo, na verdade!
Enquanto escrevia estas palavras, no mês de Novembro, ia lendo o que se passava na
China. Em Junho último, estava no Japão e em Julho na China e nas cidades como Shangai,
Cantão, Hangchow, Soochow, onde centenas de pessoas indefesas foram mortas por
bombas. Tenho, pois, razões para saber, por uma realidade vivida, o que é o mundo de
hoje.
Mas as verdades Teosóficas dão-me conforto e iluminação. Em primeiro lugar, cada
homem mulher ou criança massacrada, cada soldado de qualquer dos partidos, que
sacrificou a vida pela grandeza da sua nação, tem que voltar a vida, não uma mas muitas
28
vezes. Cada oportunidade de ventura que perderem deve ir de novo ao seu encontro. E
então, quando contemplo os ciúmes das nações, o seu completo desprezo pela
humanidade, quando sob a pressão do medo ou do imperialismo elas executam
inacreditáveis brutalidades, eu sei que há uma Lei do Karma que não sofre contradições.
Quem semeia ventos colhe tempestades. A Justiça existe sempre, ainda que leve séculos a
produzir os seus efeitos Kármicos.
Um provérbio espanhol diz «Cada cual es hijo de sus obras». Cada qual é filho das suas
obras; isto é verdade, tanto para cada um de nós como para as próprias nações. A Teosofia
ensina-nos a maneira como, na próxima vez em que tivermos de ser filhos das nossas obras,
podemos, pelo menos, ser umas lindas crianças, em vez de disformes bebes.
Assim como, para cada um de nós, a Vontade do Logos atua segundo um plano para a
nossa perfeição, assim para cada povo ou nação, existe m plano semelhante. Disse Mazzini
que Deus tinha gravada na fronte de cada nação uma palavra. Muitas idades terão de
decorrer antes que uma nação, nas suas múltiplas encarnações, descubra finalmente qual a
palavra de amor e de beleza que terá de pronunciar, como contribuição ao divino esquema.
Mas Deus é paciente e espera através das idades, que compreendamos o Seu Plano e
rejubilemos com Ele em dar-lhe plena realização.
Desde o primeiro dia - já lá vão milhões de anos - em que as almas dos homens
apareceram em humanas formas, o Logos tem trabalhado em construir a civilização,
encaminhando-a passo a passo para a completa perfeição. Ele envia-nos fundadores de
religiões, legisladores, dirigentes, poetas e cantores. Foi a Sua Vontade que organizou entre
os homens as suas várias ocupações. Uma ideia radical domina cada ato do Logos:
despertar no homem a vontade de realizar a sua verdadeira natureza, como fragmento do
Divino. Todas as formas de cultura, todas as atividades que o gênero humano tenha criado
em religião, ciência, artes, comércio ou administração têm sido guiadas. O Logos é
Omnipotente, mas não exerce a sua Omnipotência sobre nós. Ele podia forçar-nos a aceitar
o Seu Plano, como cegos instrumentos da Sua Vontade. Mas não o faz; deixa-nos a
liberdade de seguir as nossas inclinações.
Mas constantemente apela para as nossas intuições, afim de trabalharmos com Ele,
por intermédio dos instrutores que nos envia. Mas no estado presente da nossa evolução
compreendemos mal a Sua Vontade e menos ainda cuidamos de obedecer-lhe.
É por isso que o homem, através das idades, tem contrafeito nas suas obras a Vontade
Divina. Mas, pouco a pouco, à medida que mais almas se tornem cultas e espirituais,
aumentará o número daqueles que cooperam com Deus. Faz parte do Seu Plano que todos
nós, um dia colaboremos com Ele; então, a Sua Vontade será feita na terra, em qualquer
instituição humana, como hoje é feita no Céu.
A humanidade está agora num estágio em que grandes benefícios lhe podem advir, se
as melhores, entre as nações, quiserem compreender-se e cooperar. Depois de muitos
séculos de projetos, o Plano de Logos tem em vista formar uma organização mundial,
agrupando todas as nações numa administração única, tal como está delineada na
Sociedade das Nações. O plano do Logos ligou todas as nações pela ciência: o telégrafo, o
telefone, a telefonia sem fios, as máquinas de imprimir e milhares de outros
desenvolvimentos da civilização têm aparecido porque assim estava planejado.
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O mundo inteiro está hoje ligado de maneira a tornar-se, queiram ou não queiram as
nações, uma entidade econômica, cuja saúde faz a saúde das nações, mas cuja desgraça é a
desgraça de todas. A única maneira, atualmente, de uma nação encontrar felicidade e
prosperidade, consiste em partilhar a felicidade e a prosperidade com o mundo inteiro. A
aspiração atual de muitos idealistas que sonham com uma Federação mundial é apenas a
sombra, no espírito dos sonhadores, da realidade que é o Plano do Logos.
E porque o Plano do Logos atua hoje de uma maneira especialmente imperativa, que a
felicidade de cada um de nós depende da nossa unificação com a Divina vontade. É esta a
nossa tarefa suprema nesta Vida. Quem serve a Divina Vontade eleva-se a altitudes de
felicidade e crescimento, inacessíveis àqueles que ficam surdos ao seus apelos. As nossas
vidas, hoje, são sucessos ou insucessos, conforme procedemos ou não como agentes do
Plano do Logos.
A todos está aberto este glorioso destino. Para aqueles que se encontram em lugares
de destaque, como os dirigentes e chefes de nações, muitas são as oportunidades de servir
o Grande Plano.
Um desses chefes soube aproveitar uma oportunidade esplêndida: foi Woodrow
Wilson, Presidente dos Estados Unidos, cujo espírito criou a Liga das Nações. Cinquenta e
seis Estados aceitaram este sonho; só com o seu próprio povo foi mal sucedido. A sua vida
foi um documentário do dito dum outro americano. «Um homem de acordo com Deus, vale
por uma maioria». Wilson, na sua nação, tornou-se o agente da Vontade do Logos, embora
muitos milhões dos seus concidadãos recusem uma grande oportunidade.
Quem procedeu de acordo com Deus, ele ou todos os outros?
Nem todos nós estamos em lugares de destaque; contudo, a Vontade do Logos chama-
nos a cooperar nos limites da nossa esfera de utilidade. No lar, na comunidade, no exercício
da nossa profissão, podemos ser os agentes da Vontade de Deus.
Podemos sempre trabalhar pela unidade, recusando-nos a auxiliar qualquer atividade
que separe uns dos outros os homens ou as nações. Algumas vezes, com uma única palavra
no momento preciso, podemos fazer muito para sustentar o Plano de Deus.
Há três versos de Dante que perfeitamente descrevem o que o mundo é hoje e o que,
um dia, pode vir a ser:
Ch'io ho veduto tutto 'I verno prima
Il prun mostrarsi rigido e feroce,
Poscia portar la rosa in su la cima.
«Porque vi, durante todo o inverno,
A silva mostrar- se arisca e feroz,
Mas hastear depois a rosa lá no cimo.»
Quando contemplamos o mundo, parece-nos que não há senão espinhos na árvore da
vida: mas falando como Teósofo, devo afirmar-vos que as rosas também fazem parte do
Plano de Deus. A rapidez do seu desabrochar depende de mim, de vós, de todo o mundo.
Eu gostaria de que tivésseis essa visão do Mental de Deus - esse mundo de rosas. Gostaria
de que conservásseis, como o verdadeiro sentido desta conferência as seis últimas palavras
dos versos de Dante, la rosa in su la cima, a rosa hasteada lá no cimo. Esta é a visão
teosófica do Destino da Humanidade: «A rosa lá no cimo» La Rosa in su la cima.
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O Princípio da Beleza
Há uns dizeres de Budha que nos podem servir de guia para a descoberta da nossa
própria natureza. Aparecem-nos como o primeiro preceito do Dhammapada, Os
Mandamentos da Lei: «O Pensamento, na mente, foi quem nos fez. Tudo o que somos foi
pelo pensamento executado e construído - Se o mental do homem tem maus pensamentos,
a dor segue-o como as rodas do carro seguem o boi - Tudo quanto nós somos é o que
pensamos e quisemos - Os nossos pensamentos dão-nos forma e estrutura. - Se tudo
suportarmos com pureza de pensamento, a alegria seguir-nos-á, seguramente, como a
nossa própria sombra».
A mesma relação entre o mental e o caráter se encontra no velho adágio: «Tal como o
homem pensou, no seu coração, assim ele será». Muitos instrutores nos dizem a mesma
verdade de que o que fazemos na vida e aquilo em que nos tornamos depende do que
pensamos.
Este fato incontestável encontra-se na base de todas as religiões, filosofias e ciências.
O que e cada uma delas senão uma exposição, feita ao nosso espírito, da natureza do
Universo? Cada uma reforça o corolário de que é condição nossa moldar as nossas vidas
por aquilo que nos dizem as religiões as filosofias ou as ciências.
O intuito da vida é Dharma ou dever, diz uma religião; é realizar a vontade de Deus, diz
outra. O intuito da vida é observar as leis da natureza e aproveitar os seus poderes, o diz a
ciência. E a filosofia, em todas as suas variantes, diz-vos que o intuito da vida é obrigar o
nosso espírito a revelar a verdadeira natureza de cada coisa.
Cada um destes ensinamentos, quando bem compreendido, é considerado como a
base da nossa conduta; é talvez mais ainda, o principal guia das nossas reações na vida, de
maneira que possamos transformar as nossas existências individual e coletiva, para revelar
os mais altos aspectos da civilização.
Os ensinamentos que nos são dados podem resumir-se·no seguinte «Deus é
omnipotente e deve ser obedecido»; ou então: «a Natureza é lei e devemos obedecer-lhe».
A humanidade no passado, seguindo a religião e a filosofia, construiu tipos de
civilização cujas notas técnicas foram o culto e o dever. A humanidade, hoje em dia, está
produzindo um novo tipo de civilização cujas notas fundamentais são a auto-expressão e o
domínio da natureza.
Uma maneira completamente diferente de encarar a natureza da vida começou com
Platão. Para ele, a verdadeira finalidade da vida era a Beleza Absoluta. O Belo era Deus e
Deus está sempre esforçando-se por se revelar a si mesmo, através do Universo que Ele
próprio criou. Tal como para o homem religioso o fim principal de cada acontecimento é a
«Santidade do Senhor» e para o homem da ciência é o «matemático puro», cujo mental
matemático opera em todas as coisas, assim, para quem aceita as doutrinas de Platão todos
os acontecimentos da vida levam à descoberta da natureza do Belo.
Se aceitarmos o postulado de Platão de que Deus é Beleza, e lhe juntarmos o antigo
postulado de que tudo quanto existe é Deus, então a essência do Belo está em toda a
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parte. Além disso, visto que não podemos admitir que exista seja o que for fora de Deus,
cada coisa existente deve, por consequência, revelar constantemente Beleza.
Mas pode este princípio manter-se de pé? Não está a Natureza «com os dentes tintos
de sangue e a presa entre as garras?» Não a vemos nós dirigindo uma guerra cruel de
indivíduos contra indivíduos de espécie contra espécie? Por toda a parte a natureza é
destruidora, com o consequente sofrimento para a criatura aniquilada. Aqui e ali, nas flores
como nas aves, podemos ver como a natureza trabalhou para produzir o solo. Mas por cada
objeto atraente e belo, podemos observar dez feios e repelentes. Serão, pois, verdadeiros
os ensinamentos de Platão?
Este é o problema que se nos apresenta.
Mas o mesmo acontece com a religião. Quando declara que Deus é amor, quantos
exemplos poderíamos apresentar para presumir que Ele é cruel? Mas os nossos exemplos
não provam que Ele seja cruel, mas somente que, se Ele é amor, não estamos ainda
habilitados a compreender certas manifestações do Seu amor. Do mesmo modo
encontraremos beleza por toda a parte, mesmo no que nos pareça feio, se tão somente
soubermos observar como deve ser.
A descoberta do Belo requer da parte do homem dois atributos. Em primeiro lugar,
compreender o Belo; em seguida, saber a maneira de o criar. A primeira parte, o
conhecimento do Belo, depende do treino do seu mental e das suas emoções. Quando
estes elementos estão devidamente desenvolvidos, então os olhos veem beleza onde
dantes viam negrura e fealdade.
O homem primitivo reage às manifestações da natureza, primeiramente com espanto
e assombro e mais tarde com um sentimento de maravilhada admiração.
A natureza revela-se ao selvagem como um manancial de terror. Olhar para uma
queda de água dá-lhe o sentimento de força diante da qual ele sente o que um pequeno
inseto sentiria diante de qualquer enorme bicho que o quisesse devorar. A floresta está
cheia de pavor para o selvagem: o trovão, o relâmpago, as tempestades as inundações e
dilúvios causam-lhe susto. Mas isto é o primeiro estado. O segundo começa quando o
sentimento da admiração aparece: eis então um ligeiro movimento estético de prazer. Mas
há uma qualidade de prazer diferente dos seus prazeres normais. Os prazeres habituais do
selvagem são intensamente pessoais: ele mesmo deliberou criá-los, e quando finalmente os
alcançou, o círculo desses prazeres rodeia-o sendo ele o seu próprio centro, e ele diz
consigo estou contente, sou feliz. Mas o sentimento do Belo começa quando o sentimento
do prazer se torna impessoal. O sentimento de admiração, diante de uma catarata é então
devido ao fato de que, por um instante esqueceu a sua própria pessoa. Este sentimento de
admiração precisa de desenvolver-se a pouco e pouco. As emoções concorrem para este
efeito com o seu auxílio. No selvagem a maior parte delas centram-se nele próprio;
momentos há, porém, em que ele experimenta uma emoção, por muito ligeira que seja,
despida desse egoísmo. Quando a isto se junta uma certa serenidade uma espécie de
vibração rítmica e impregnada de paz, mesmo que seja momentaneamente, então .a
natureza emocional torna-se capaz de um sentimento de admiração. Com a expansão da
natureza emocional, quando a sua braveza é dominada por um espírito algo evoluído, a
mais alta sensação estética aumenta rapidamente.
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O sentido do Belo torna-se também mais agudo e instintivo. Muito antes de o espírito
poder explicar por que um objeto é belo, o sentido estético reconhece a presença da Beleza
nos objetos. Quando o indivíduo manifesta a tendência para desenvolver em si o sentido do
Belo, está apto a iniciar a segunda parte da sua tarefa, que é criar a Beleza.
Quando uma emoção alheia a todo o sentimento egoísta é suficientemente forte, isto
é, quando tem uma qualidade dinâmica, como uma mola enrolada, então, a emoção vasa
em qualquer molde artístico. O desenrolar da mola resulta em um ato que, por débil que
seja, dá corpo a qualquer coisa de belo. Pode ser, por exemplo, uma sequência de sons que
surpreendem o selvagem, como um princípio de melodia; pode ser também um movimento
de dança, ou algumas frases ou sentenças que contenham em si um embrião de poesia.
Por meio de uma lenta e constante ação recíproca, entre a percepção de belo e a sua
criação, o homem acha na vida um novo princípio em atividade, diferente do princípio do
amor ou da bondade ou da santidade. É o princípio da Beleza. Quando os olhos espirituais
do homem se abrem para Deus, como Beleza, vislumbram um novo evangelho, para viver
por ele. Já o Divino, como Amor, como Deus, como Lei, como Santidade, nos conduziu à
verdade e ao contentamento. Mas quando o Divino, como Beleza, entra em nossas vidas,
uma nova dimensão se ajunta à nossa compreensão do que é a vida, e do que nós próprios
podemos vir a ser.
O supremo mistério da existência é que toda a vida é «o abismo chamando o abismo».
Que o homem, a unidade, e Deus, o Todo, não são dois, mas um, é a proclamação que o
Misticismo sempre lançou, através das idades. O Hinduísmo ensina isto na velha máxima,
Tad Brahma tad asmi. «Esse Brahman, esse sou eu». É o mesmo mistério que nos é
revelado, quando S. Paulo nos diz que em cada homem habita «O Cristo em vós, a
esperança de Glória».
Pelo fato de que a vida é o abismo chamando abismo, existe na religião a constante
tentativa de lembrar essa verdade ao homem, pelas preces e cerimônias. Quando a religião
estabelece o problema da vida como a Vontade de Deus, o homem é levado a exercer a sua
própria vontade com referência a Deus. Ele deve rezar muitas vezes ao dia; deve realizar
tais e tais cerimônias, para exaltar a Graça de Deus; constantemente a vontade do homem
é afeiçoada para se tornar o espelho da Vontade de Deus. «Islam!» diz o Muçulmano, em
seu coração e em seu espírito, cinco vezes ao dia; isto significa «a Tua Vontade é a minha
vontade!»
Quando a Vontade de Deus esmaga uma alma com tais dores e tais privações que ela
suplica o aniquilamento, de preferência a continuar a sofrer, o ato de vontade do homem
que diz «Seja feita a vossa vontade» não é dissemelhante da vontade de Deus, na qualidade
do seu poder. É o mesmo mistério do abismo chamando o abismo que o poeta revela
quando grita, no seu leito de dor, as conhecidas frases:
"Eu sou o senhor do meu destino,
Eu sou o comandante da minha alma»,
Onde quer que o mistério da vida esteja fixado com uma forte convicção, aí surge a
tentativa de fazer, noite e dia, da vida integral do homem, um espelho desta convicção, até
nas mínimas ações. É somente quando um homem molda conscientemente, a sua vida, de
maneira a fazer dela o espelho de uma vida mais ampla, que ele atrai a si a sabedoria e a
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força dessa vida mais ampla.
E assim deve ser com aquele que procura conhecer Deus, no aspecto Beleza. Ele deve
treinar as suas emoções e os seus pensamentos até refletirem, como um espelho, as
emoções e os pensamentos da própria Divindade. Ele, o abismo menor, deve
constantemente chamar pelo abismo maior, o Divino. Daí resulta a necessidade de estudar
a ciência de belo e de aprender a criar pela sua técnica. Assim como o homem religioso
vive, em cada hora, por um evangelho de consagração à Vontade de Deus, assim deve o
amante do Belo treinar-se, a cada instante, a saudar em todas as coisas a beleza oculta de
Deus.
Cumpre-lhe galgar, degrau a degrau, a escada da Beleza. O primeiro degrau é distinguir
o Belo nas mais singelas coisas da natureza. A flor que desabrocha à beira do caminho,
mesmo que seja duma erva brava, não será um espelho de beleza?
Quando um homem se empenha em procurar a Beleza, a mãe natura revela-lha a cada
hora. A beleza matemática das conchas do mar, a beleza simétrica das árvores, a sinfonia
de cor, de linha e de forma que resplende nas flores, nas folhas do outono, toda essa beleza
nos fornece a jorros a natureza-mãe. Logo outros degraus se sucedem - a beleza do nascer
e do pôr do sol, a beleza das quedas de água, a beleza que as palavras não podem
descrever, de uma majestosa cadeia de montanhas; elas transmitem às nossas emoções
uma mensagem animada de um tal poder de penetração, que passa além dos limites da
inteligência e atinge a intuição espiritual. Depois, ainda, como novos degraus, vem a beleza
das palavras, a beleza da melodia, a beleza do ritmo na dança. Diante de nós e acima de
nós, vai-se erguendo a visão da alma revelando-nos a beleza das crianças, do homem, da
donzela. Desde que a sensibilidade à beleza esteja desenvolvida nos sentidos, a apreciação
da beleza passa para além deles. O espírito começa a sentir a beleza numa outra esfera,
aprende a encontrá-la nas ideias, no caráter, na maneira de conceber e executar os planos.
É nesta altura que o amante do belo insiste em se rodear de coisas belas. Porque,
quando o homem sentir o abismo dentro de si próprio, cumpre-lhe, se tem de viver, no
verdadeiro sentido de palavra «vida», saudar o abismo fora dele, em cada momento que
passa. Não importa qual seja a natureza do abismo que o homem descobre dentro de si;
pode ser, como no homem religioso, o sentido da santidade, do Dharma, do sacrifício.
Então, assim como a sua sombra o segue quando se expõe ao sol, assim a visão do abismo
maior que está fora dele deve estar sempre presente diante dos seus sentidos, do seu
espírito, da sua intuição. Deve, portanto rezar; mas não há necessidade de um sacerdote
que lhe componha as orações para seu uso. Se há falta de orações na sua religião, ele
formulará orações próprias, segundo as necessidade do seu coração. A insistência desse
coração devocional dará uma forma poética às suas orações, dramatizará para si próprio os
movimentos do mundo invisível de Deus, até construir para eles um drama que será
representado na terra sob a forma de algum ritual esplendoroso.
Com uma persistência semelhante, o amante da beleza clama «Vida! Mais Vida!» e
procura cercar-se de espelhos que reflitam a beleza que está nos altos planos. De tudo
quanto o homem cria e que serve às suas necessidades, desde os móveis caseiros, desde os
utensílios de cozinha, desde os objetos grandes e pequenos que as suas mãos tocam, que
os seus olhos veem, no lar, na repartição, na oficina, ele exige beleza de linhas, de forma e
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de cor. Por toda a parte, à sua roda, em casa, na cidade, nos caminhos, nos parques, nos
seus aposentos, onde quer que não encontre resposta, ele vagueia como um fantasma
esfaimado à procura daquele suave refrigério, que lhe há de dar o mínimo de força de que
precisa para outras tarefas diárias.
Mas o reconhecimento da beleza depende da habilidade de a criar. Até mesmo os
sentidos do selvagem podem tornar-se atentos a um pouco de beleza; mas a beleza cobre-
se de vários véus e é apenas o primeiro deles que os sentidos conseguem observar.
Precisam de um certo treino para poderem penetrar além do primeiro véu e ver os outros.
É aqui que a faculdade de criar se torna indispensável. Com cada ato de criar ai alguma
cousa de belo, a apreciação da beleza vai aumentando.
O poder de criar o belo é um dom que reside em todos nós. Porque a beleza é um
atributo da alma que só espera, para descer até ao nosso eu inferior, que desbravemos o
caminho para a mensagem do nosso Eu superior.
É bem verdade que os grandes mestres criadores do Belo formam um grupo de almas
à parte das hostes das almas vulgares; à medida que vão surgindo da Natureza Divina, o
Demiurgo, que a todos nos criou, imprimiu sobre elas um atributo raro de que serão
condutores especiais os mestres artistas, que não somente serão os guias, pelas suas
qualidades geniais, mas serão ainda os instrutores dos outros, nos mistérios do Belo.
Beethoven e Shakespeare, Homero e Dante, Phídeas e Giotto são almas que saíram do
infinito, no princípio dos tempos, com o Germen do gênio para a sua arte especial, que não
era outorgada a toda a gente. A grande massa do gênero humano, por muito que possa
desenvolver-se na arte de criar beleza, nunca alcançará as supremas alturas daqueles
grandes reveladores de Deus, Senhor-do-Belo. Entretanto, visto que somos almas e todos
perpetuamente residimos «no seio do Pai», podemos também, até certo ponto, revelar a
Sua Beleza.
Quando somos sensitivos - quando os nossos olhos verdadeiramente veem e os nossos
ouvidos verdadeiramente ouvem - então, a natureza segreda-nos quais as pequenas vias
por que podemos iniciar a nossa modesta ação criadora. O ritmo do corpo, enquanto
marchamos, pode sugerir-nos a maneira de juntar palavras obedecendo a um ritmo; os
gorjeios das aves podem despertar em nós a primeira frase duma melodia. Em remotas
eras, o selvagem espreitava um cervídeo, e logo que a inspiração o impelia, esculpia num
osso a imagem que os seus olhos tinham visto, ou pintava as suas impressões numa parede
da caverna, com terras de diferentes cores. Quando a imaginação desperta, animada por
uma justa visão, e justos sentimentos, germina então em nós o impulso de criar a ação
dramática ou declamar um poema ou narrar um incidente tanto ao vivo, que nos revela o
próprio narrador unificado, por um instante, com o incidente que o agitou.
Um dia virá, quando os homens despertarem para a compreensão do verdadeiro
significado da Vida, um dia virá em que os mestres-criadores, na poesia ou na pintura, na
escultura ou no drama, no canto ou na dança, esses gênios que são as estrelas do nosso
firmamento, compreenderão finalmente o duplo papel que Deus, Senhor-do-Belo, lhes
distribuiu. O primeiro é criar; o segundo ensinar aos outros a arte de criar. Quando,
chegado esse momento, frequentarmos as escolas como colegiais, as nossas lições não
consistirão apenas em fazer de nós licenciados e bacharéis em literatura, matemáticas,
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geografia, história e outras matérias; mas o poeta laureado da terra, dirigirá o seu curso de
poetas, para nos ensinar a arte de escrever poemas; o mestre-criador de sinfonias, dirigirá
o seu curso de músicos, para nos ensinar a arte música, habilitando-nos, do mesmo passo, a
apreciá-la e a criá-la. As nossas mãos infantis, aprenderão a sentir o deleite de desenhar e
compreender como uma simples linha pode revelar uma qualidade da vida e tornar-se,
deste modo, o espelho duma vida mais ampla da natureza. Bem poucos, talvez, dentre nós,
terão a noção do pouco que aprendemos em crianças; de como, por carência de
conhecimentos, nos tornamos confusos nas nossas reações, sempre que a vida,
caminhando mais rapidamente para nós de dia para dia, exige uma resposta.
Bem poucos há, entre os criadores de beleza, que nos saibam explicar o mistério que
nela reside.
Raras vezes o artistas é simultaneamente um instrutor, e muito menos um filósofo. A
sua mais alta função é criar e não ensinar. Ele nunca pode, em boa verdade, explicar
cabalmente o significado da sua criação; tem que deixar essa missão a outros.
Quando Goethe, que criou o fausto, era já velho, pediram-lhe que explicasse o
significado oculto da grande drama; e o resposta foi: «Quem me dera sabê-lo I»
Quando perguntaram a Haendel o que sentiu quando escreveu o «Messias», só pôde
responder: «Imaginava ver o céu todo diante de mim e até o próprio Deus».
Entre aqueles que têm tentado descrever o. sentido oculto da Beleza, foi talvez Jâmî, o
poeta Sûfî da Pérsia, que melhor o conseguiu. É ainda um problema para os escolásticos
saber qual a influência que o Sufismo recebeu das doutrinas Platônicas; mas é ponto bem
assente que, embora os Mestres Sutis fossem Mahometanos, ensinavam a doutrina não-
islâmica da união mística de Deus com a alma humana. São ambos, Deus e a alma, como o
ser Bem-Amado e o seu adorador; o adorador, a alma, dilui-se em adoração no objeto do
seu amor, que é Deus. O êxtase místico da união dos dois é simbolizado pelo «vinho»: no
ato de o beber, a alma tem a revelação dos meios de alcançar o Bem-Amado.
No poema de Jâmî, que descreve o amor de Yûsûf por Zuleykhâ, é assim o canto, que
foi delicadamente traduzido pelo grande escolástico Persa, o falecido Professor E. O.
Browne, de Cambridge:
A Beleza não pode suportar
O segredo ou o véu nem se resigna a estagnar,
Sem ser vista e admirada: Ela quebrará todas as algemas
E mesmo da fresta da sua prisão, revelar-se-à ao mundo.
Vede como a tulipa cresce nos prados das terras altas
E como ela se atavia, para receber um beijo embalsamado
Da primavera; e como, d'entre os espinhos,
A rosa silvestre ostenta as suas galas
E revela a sua alma amorosa. Também Tu,
Quando algum sublime pensamento ou imagem formosa
Ou profundo mistério lampeja na Tua alma,
Não podes resignar-te a deixá-lo passar
E apoderas-te dele, até à hora em que,
Pela palavra ou escrita possas soltar-lhe o voo,
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Para encanto do mundo.
Onde quer que a beleza more,
É esta a sua natureza e a herança que lhe coube
Da Beleza Eterna, que emergiu
Dos reinos da pureza, para iluminar os mundos
E todas as almas que nos mundos palpitam.
Quando um lampejo seu brilhou sobre o universo
E sobre os anjos, esse simples relâmpago
Deslumbrou-os, e os seus sentidos turbilhonaram,
Como um céu revolto, Nas mais diversas formas,
Cada espelho a refletiu e por toda a parte
Seu louvor foi cantado em novas harmonias.
.............................................
De cada partícula de matéria fez Ele um espelho
Forçando-o a refletir a beleza da Sua face.
Essa beleza evola-se da rosa; e o rouxinol
Queda-se enamorado ao contemplá-la.
A essa luz foi buscar a candeia
A fascinação que atrai a borboleta
A imolar-se nela. No resplendor do sol
Essa beleza fulgurou e logo a flor do lótus
Ergueu altiva a fronte sobre as águas.
Cada lustrosa madeixa do cabelo de Leylâ
Atraiu o coração de Majnûn
Porque um raio divino em seu rosto brilhou.
Foi Ele quem emprestou aos lábios de Shirin
Aquela suavidade que teve o condão de roubar
O coração de Parvîz e a vida de Ferhâd.
Em toda a parte a Sua Beleza se mostra
E brilha através das formas das terrenas belezas,
Obscurecida como através dum véu. Assim se revelou
Na face de José, destruindo a paz de Zuleykhâ.
Onde quer que tu vejas um véu, por detrás desse véu
Ele se oculta. Onde haja um coração
Inclinado ao amor, é por ele encantado.
No seu amor os corações têm vida.
Suspirando por Ele a nossa alma triunfa.
Todo o coração que parece adorar
As mais lindas beldades deste mundo,
Na realidade, só a Ele adora.
É uma dura experiência humana que numerosos erros são possíveis àquele que trilha o
caminho para a mais alta meta da sua consagração. Nada há mais puro do que o seu desejo,
mas não deixa por isso de cair no erro, por ver a verdade na ilusão e confundir o transitório
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com o eterno. A pureza das intenções não nos preserva de cair em erros calamitosos; a
sabedoria e o discernimento são também necessários, se quisermos atingir a nossa meta
com o mínimo de sofrimento. Nenhum caminho dá lugar a tantos erros como o da Beleza,
porque o que o homem aceita e venera como beleza não é, necessariamente, a Beleza
Eterna a que a sua mais alta imaginação aspira. A falsa aparência da beleza foi graficamente
descrita na frase francesa beauté du diable, beleza do diabo. É essa beleza transitória da
juventude e da frescura que hipnotiza os nossos sentidos, faz fugir o terreno debaixo dos
nossos pés e nos arrasta a terríveis consequências.
Nem todos os aspectos da natureza são obrigatoriamente belos. Ela produz, algumas
vezes, monstruosidades, quando a sua ação normal foi deformada por forças estranhas ao
seu plano original. A forma humana é bela quando se desenvolve em harmonia com as leis
naturais da saúde e judiciosa construção; mas uma alteração qualquer, na glândula pituitária
do cérebro dum homem, é o bastante para que os ossos das faces, mãos e pés aumentem
de tamanho. Sabemos que o homem em questão sofre de acromegalia, uma doença para a
qual ainda se não descobriu a cura. Mas porque a natureza produziu um corpo
acromegálico, não é motivo para dar os agradecimentos a um escultor que talhasse na
pedra uma tal deformidade.
Nenhum artista tem direito a esse nome, quando se limite a reproduzir, com o seu
poder criador, a natureza «como ela é». Para isso, basta uma máquina fotográfica. Só é
artista aquele que faz passar toda a natureza pelo cadinho da sua imaginação e a destila até
que o ouro fique separado das escórias. A beleza do diabo aparece-nos sob múltiplos
disfarces e precisamos de treinar os nossos sentidos até que eles nos digam a verdade, a
verdade eterna, e não o erro atraente mas passageiro. O artista, principalmente o
principiante, deve procurar que a sua imaginação se não torne mórbida, por qualquer vírus
sutil que lhe empeçonhe os desejos. Nem tudo o que a nossa imaginação cria é
forçosamente arte. É porque os sentidos e a imaginação não chegam para nos guiar à
Eterna Beleza, que a Sua investigação é inseparável de uma vida de pureza, domínio-
próprio e caridade. Estas virtudes refinam as nossas reações aos sentidos; quando a
natureza nos apresenta as suas transformações, podemos então distinguir a verdadeira
beleza da beleza do diabo. Onde há verdadeira aspiração, onde o artista anseia por
sacrificar seja o que for, até a própria vida, para poder criar a suprema perfeição; quando a
sua alma for como uma chama, elevando-se para a Eterna Beleza, então, mesmo que se
deixe empolgar por uma beleza impudica - a beleza do diabo - os resultados dos seus erros
não serão duradoiros. Ainda que se tenha desviado do verdadeiro caminho, ele voltará
atrás a retomá-lo.
A vida dos que aspiram à Verdade, a Deus, a Santidade e à Beleza, não seria tão árdua
se não fôssemos tantas vezes encandeados pela Maya das coisas, se não confundíssemos o
ilusório com o real. Entretanto, tudo irá pelo melhor, se a nossa afirmação estiver liberta da
pecha do personalismo. Nenhuma alma pode ficar transviada por muito tempo, se os seus
desejos não são maculados de egoísmo. Dois grandes artistas nos expõem esta verdade. No
fausto de Goethe, Deus explica a Mefistófeles como o homem de bem, mesmo quando
perde o rumo, acaba sempre por regressar ao bom caminho.
Posto que seja ainda confuso o serviço que me presta,
38
Breve o conduzirei a uma manhã mais clara.
Não antevê o jardineiro, enquanto enxerta a árvore,
As flores e os frutos das primaveras futuras?
«Confuso o serviço que me presta». Porque andaremos sempre confundidos, tomando
a beleza adulterada pela verdadeira? Dante fornece-nos a explicação. No Paraíso, Beatriz,
que é a Sabedoria" explica-lhe que, quando uma alma se transvia, ha sempre uma fração de
verdade naquilo que a conduziu ao erro.
Yo veggio ben si come già risplende
Nello intelIetto tuo I'eterna luce
Che vista sola sempre amore acende:
E s'altra cosa vostro amor seduce,
Non é se non di quella alcun vestigio
Mal conosciuto que quivi traluce.
Eu vejo claramente como já resplandece
Na tua inteligência aquela Eterna Luz
Que, uma vez vislumbrada, para sempre acende o amor.
E se alguma outra coisa o vosso amor atrai,
Não pode ser senão algum vestígio d'Ela
Mal conhecido, que através transluz.
41
A Ciência e o Mental Divino
54
As crianças - Agentes de Deus
58
Uma característica notável do método de Montessorí é que os mestres pouco têm a
fazer na maneira de ensinar, no significado vulgar da palavra. O ritmo da criança, a sua
psicologia, os modos de expansão da sua consciência tem sido estudados; é esta ciência
que os professores devem aprender. Mas a função do professor é preparar o material de
que a criança carece para o seu estudo, que ela por si mesma organizará. Ela estudará por si
e pela forma que lhe for mais agradável e propícia. O professor não diz: «Agora, meninos,
vamos fazer isto». Primeiro, porque se não pode exigir de todas as crianças a mesma coisa;
e segundo, porque elas não precisam que lho digam. Porque as crianças estão ansiosas por
executar não o que o professor planeja, mas o que elas próprias planejam. A mais frisante
ilustração do seu método é o que as crianças de Montessori declaram nesta frase:
«Ensina-me a fazer isto sozinho».
Queixamo-nos, muitas vezes, de que as crianças não prestam atenção e são
turbulentas e impertinentes. Mas é porque não as ajudamos a achar aquilo que as
interessa. Montessori, diz ainda:
«Logo que as crianças encontram o que as interessa, deixam imediatamente de estar
turbulentas e a sua distração desaparece como por encanto.»
No método de Montessori, exige-se que os pais e professores tenham o que ela chama
«a humildade espiritual que os prepare para poderem compreender as crianças». Quando o
mestre possui essa atitude mental negativa para com a criança, livre de preconceitos
relativamente à natureza da criança, o espírito do professor atinge uma condição que
Montessori descreve como «predispondo àquele estado do entendimento aberto à
iluminação divina». Assim como São Francisco de Assis, na sua humildade e negatividade
mental, olhava para as aves e lhes fazia prédicas (e diz a história que elas acenavam
afirmativamente com as cabeças aos seus sermões), assim o professor Montessorista, com
a sua atitude mental negativa, se torna um pouquinho santo, com as santas características
de iluminação.
Gostaria de falar mais extensamente sobre o método de Montessori, mas não me é
possível fazê-lo aqui. Preciso, porém, de chamar a vossa atenção para um notável
desenvolvimento desse método. Durante os últimos anos, Maria Montessori não só veio a
ser quase santa, mas começou a ver as crianças com os olhos místicos dos santos, quer do
cristianismo, quer do hinduísmo. Porque em ambas estas religiões, Deus apareceu como
uma Criança Divina, Jesus para os Cristãos e Krishna para os Hindus.
Há também um fato bastante estranho, mas que a minha experiência considera
verdadeiro; é que, se amarmos as crianças, começaremos a compreender Deus de um
modo novo; e inversamente, há uma maneira de amar Deus de tal forma, que todas as
crianças passam a ser-nos queridas.
Não admira, pois, o que disse Montessori: «O que o professor deve procurar é ver a
criança como a viu Jesus». Como a viu Jesus? Todos conhecem o episódio:
«Trouxeram-lhe criancinhas para que Ele as tocasse e os discípulos repeliram as
pessoas que as conduziam.
Mas quando Jesus viu isso, mostrou-se contrariado e disse-lhes:
Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais de o fazer, porque deles é reino de
Deus.
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E, na verdade vos digo, que quem não receber o reino de Deus como uma criancinha,
nele não entrará.
E tomando-as nos braços, pôs sobre elas as mãos, abençoando-as.»
Eu evoco sem cessar a bela frase que Madame Montessori proferiu uma vez, falando
comigo. Chamou ela à criança un piccolo Messia - um pequeno Messias - É esta maravilhosa
concepção da criança, como reveladora dos mistérios de Deus, que ela procura explicar,
repetidas vezes, no seu último livro, A criança. Quero terminar esta parte da minha
conferência com três citações daquela obra. Eis as palavras da autora:
1) «Há alguma coisa de místico na ideia de que o mais frágil bebe tem a sua vida
mental. Ela pode conduzir-nos a contemplar um recém-nascido no mesmo espírito em que
na religião, contemplamos o Menino Jesus: como a encadernação de um Deus
verdadeiramente presente num frágil tabernáculo. Assim, podemos imaginar uma alma
humana, oculta no tenro e impotente corpo de um bebe, uma alma já desenvolvida e
sensível, apesar de muda».
2) «Nunca ninguém poderia prever que a criança encerrasse em si um segredo da vida,
apto a levantar o véu dos mistérios da alma humana; e que represente uma quantidade
desconhecida, cuja descoberta habilita o homem a resolver os seus problemas individuais e
sociais».
3) «Na vívida descrição do Evangelho, transparece a nossa obrigação de ajudar o Cristo
oculto em todos os pobres, em cada prisioneiro, em cada desventurado. Mas se
parafrasearmos a maravilhosa cena e a aplicarmos à criança, acharemos que Cristo vai
auxiliar todos os homens na forma da criança».
«Eu amava-vos e vim despertar-vos de manhã e vós repelistes-me.*
Senhor, quando viestes à nossa casa de manhã, para nos acordar?
E quando foi que vos expulsamos?
A criança que nasceu de vós e que veio para vos chamar, era Eu. A criança que pedia
que a não abandonásseis, era Eu.
Loucos que nós somos! Era o Messias! Era o Messias que vinha acordar-nos e ensinar-
nos a amar. E nós vimos nele apenas a maldade de uma criança e deixamos perder os
nossos corações.»
* Referência a uma cena narrada no livro, em que uma criança acorda, de manhã cedo,
vai para beijar seus pais e é repreendida. «Não te tínhamos dito que não nos acordares
de manhã?» A criança replicou, «Eu não vos acordei, apenas vos toquei porque queria
dar-vos um beijo».
Haverá ainda a descobrir uma compreensão mais plena da criança, depois de
Montessori? A minha resposta é Sim; e não só vai a caminho de ser descoberta, mas até já
o foi, de fato, há quarenta anos, por um dos nossos chefes teosóficos. Refiro-me a
Leadbeater, que faleceu em 1934 com 87 anos de idade. Há quarenta e quatro anos fez
uma conferência intitulada As nossas relações com as crianças; essa conferência tem sido
reeditada várias vezes e é bem conhecida de todos os Teósofos que têm trabalhado em
proveito das crianças.
Este Teósofo, Charles W. Leadbeater, tinha uma grande faculdade - a de saber
trabalhar com as crianças, Foi durante algum tempo pastor numa paróquia da Igreja
60
Anglicana, ensinava as crianças a cantar em coro e dirigia o trabalho nas Escolas Dominicais;
mais tarde, foi diretor de uma escola de rapazes em Ceilão. Ele é bem conhecido por um
grande número de obras sobre clarividência e descreveu, há 41 anos, o que tinha
observado nas crianças, por aquela sua faculdade. Era, exatamente o que Montessori
conseguiu descobrir, pelo seu longo estudo sobre os pequeninos. Vou agora expor-vos o
que os Teósofos têm a dizer a respeito do bem-estar da criança e da educação, em geral.
Não calculais, provavelmente, quanto os Teósofos têm produzido neste ramo de
educação. Há hoje um grande movimento chamado New Education Fellowship (A Liga da
Nova Educação).
Tem-se espalhado por quase todos os países da Europa e do Norte da América e quase
todos os dirigentes notáveis da educação se encontram entre os seus principais
funcionários ou dentro das suas comissões. Publica uma revista em três línguas. Tem
realizado congressos nas principais capitais da Europa, os últimos dos quais tiveram lugar
na Austrália e na África do Sul. Mas este poderoso movimento da Nova Educação começou
na Inglaterra, por um grupo de Teósofos que fundaram a Theosophical Fraternity in
Education (A Fraternidade Teosófica na Educação). Alguns. Teósofos ricos gastaram
milhares de libras em escolas experimentais, em ligação com esta obra de fraternidade. A
Índia, já tem hoje escolas dessa orientação em vários locais; há uma escola na Austrália,
outra na Nova Zelândia. De fato, um dos primeiros resultados dos nossos estudos.
teosóficos é compreender a criança sob um novo ponto de vista.
O A. B. C. deste ponto de vista teosófico é considerar a criança como uma alma. Mas
não é uma alma de bebe, que começa pela primeira vez a sua vida. Cada bebe é uma alma
que já traz, na sua bagagem, um longo passado de experiências. progressivas. Apesar de se
considerar um recém-nascido como um desamparado, o corpo do bebe é o representante
na terra de uma alma imortal que viveu e agiu noutros corpos, em épocas passadas, e
encarnações anteriores.
Por conseguinte o cérebro do bebe tem armazenado, dentro de si, caráter e cultura.
Naturalmente, enquanto o cérebro não estiver organizado e desenvolvido, nem o caráter
nem a memória da alma se podem manifestar. Quando Montessori diz: «Há uma parte da
alma da criança que ficou sempre desconhecida, mas que deve ser compreendida» a
explicação é que, na criança estamos tratando com uma alma que já está cheia de
experiências e faculdades. Vou agora citar o que C. W. Leadbeater escreveu há 41 anos:*
«Agora, se quisermos compreender as nossas obrigações para com a criança, devemos
primeiramente considerar como ela chegou a ser o que é, quere dizer - devemos fazê-la
regressar em pensamento às suas anteriores encarnações. Talvez fosse, há quinhentos
anos, um cidadão romano, um filósofo de Alexandria, talvez um primitivo ibero; mas
quaisquer que tenham sido as suas circunstâncias exteriores, ela tem uma disposição que
lhe é própria - um caráter com qualidades várias, mais ou menos desenvolvidas, umas boas,
outras más».
* Our Relation to Children, por C. W. Leadbeater, brochura publicada pela Theosophical
Publishing House, Adyar, Madras, Índia.
A alma da criança acabou a sua última encarnação, da mesma maneira como toda a
gente finda a sua vida terrestre, com qualidades boas e más. Mas quando ela volta à terra,
61
«Observamos que as suas qualidades não são, como dantes, qualidades em ação;
existem apenas em germes e, por enquanto, exercem unicamente a sua influência em
assegurar-se um possível campo de manifestações, fornecendo a matéria mais conveniente
para a sua expansão nos vários veículos da criança. A possibilidade de desenvolver mais
uma vez, nesta vida, as mesmas tendências definidas, como na vida anterior, depende em
larga escala do estímulo ou da resistência oferecidos pelo ambiente, durante os seus
primeiros anos. Quaisquer dessas tendências, boas ou más, podem ser prontamente
incitadas à atividade ou deixadas como que esmorecer, à falta desse estímulo. Se forem
estimuladas, elas tornam-se na vida do homem um fator mais poderoso do que foram na
sua anterior existência; se forem contrariadas, ficam durante toda a vida como um germes
que não frutificou e não podem fazer a sua aparição, de forma alguma, na sua nova
encarnação.
É esta a condição da criança, quando pela primeira vez é confiada aos cuidados de
seus pais. Não se pode dizer que ela possua já um corpo mental ou astral definido, mas tem
em volta e dentro de si a matéria com que eles hão de ser construídos.
Ela possui tendências de toda a espécie, algumas boas, outras más, e é em
conformidade com essas tendências que essa construção deve ser regulada. Este
desenvolvimento, por sua vez, depende quase inteiramente das influências que, de fora,
vêm gravar-se nela durante os seus primeiros anos.
Não podemos fazer ideia da plasticidade desses veículos ainda por formar. Sabemos
que o corpo físico da criança, se o seu treino tiver sido começado suficientemente cedo,
pode ser consideravelmente modificado. Um acrobata, por exemplo, pega numa criança de
cinco ou seis anos, cujos ossos e músculos não estão ainda consolidados como os nossos, e
habitua-lhe gradualmente os membros e o corpo a tomarem toda a espécie de posições,
que seriam absolutamente impossíveis para a maior parte dos adultos, mesmo com um
grande treino. Todavia, os nossos corpos, naquela idade, não diferiam de modo especial do
dessa criança, e se tivessem sido submetidos aos mesmos exercícios, tornar-se-iam tão
flexíveis e elásticos como o seu, o que não poderia acontecer agora que os nossos corpos
estão completamente organizados; e, ainda mesmo que os exercícios se prolongassem, não
lhes poderiam imprimir essa flexibilidade.
Ora se o corpo físico da criança é assim plástico e prontamente amoldável, ainda mais
o são os seus corpos astral e mental. Eles estremecem responsivamente às vibrações que
encontram e são intensamente receptivos a todas as influências boas ou más que imanam
do ambiente em que se encontram. Assemelham-se também ao corpo físico por esta outra
característica - que, embora na adolescência sejam tão susceptíveis e facilmente moldáveis,
bem depressa endurecem e consolidam, e adquirem hábitos definidos que, uma vez
firmemente estabelecidos, não podem ser alterados senão com grandes dificuldades.
Quando compreendermos isto, veremos imediatamente a importância capital do
ambiente em que a criança passa os seus primeiros anos e a pesada responsabilidade que
recai nos pais, devendo estes cuidar que as condições do desenvolvimento da criança sejam
tão boas quanto estiver ao seu alcance. A pequenina criatura é, nas nossas mãos, uma
argila que moldamos quase a nosso talante; a cada momento os germens das boas e más
qualidades, trazidas da última vida estão despertando a atividade; a cada momento, vão
62
sendo construídos esses veículos que hão de condicionar o todo da sua vida futura;
compete-nos despertar os germes do bem e deixar morrer os germes do mal. Numa
latitude cuja extensão nunca foi compreendida, mesmo pelos pais mais extremosos, o
futuro da criança fica dependente da sua vigilância.
Pensai em todos os amigos que tão bem conheceis e tentai imaginar que esplendidos
espécimes da humanidade eles seriam, se todas as suas boas qualidades fossem
enormemente intensificadas, e as menos estimáveis fossem absolutamente expurgadas do
seu caráter.
É este o resultado que podereis produzir no vosso filho, se cumprirdes plenamente os
deveres que tendes para com ele; podeis fazer dele um padrão da humanidade se
quiserdes dar-vos a esse incomodo.
Mas como? direis vós; por meio de preceitos? pela educação? Sim, na verdade muito
se pode fazer por este meios, na ocasião oportuna; mas tendes nas vossas mãos um outro
poder muito maior - um poder que podeis começar a exercer desde o nascimento da
criança ou mesmo antes - o poder da influência da vossa própria vida. Isto é um fado até
certo ponto reconhecido, pois a maioria das pessoas bem educadas têm cuidado com os
seus atos e palavras, diante das crianças, e seriam depravados os pais que usassem de uma
linguagem grosseira ou se deixassem levar por ataques de cólera na presença dos filhos;
mas o que um homem nem sempre concebe é que, se deseja evitar o prejuízo mais grave às
criancinhas, deve aprender a policiar, não só as suas palavras e atos, mas também os seus
pensamentos. É certo que se não pode ver desde logo o efeito pernicioso de um mau
pensamento ou emoção inferior no espírito da criança, mas nem por isso deixa de ser mais
real, mais terrível, mais insidioso, e o seu alcance é maior do que o mal que ressalta à vista.
Se um pai se permite nutrir sentimentos de cólera ou de ciúme, inveja ou avareza,
egoísmo ou orgulho, ainda mesmo que os não exteriorize, as vibrações causadas por eles
no seu próprio corpo astral, bastam para atuar eficazmente sobre o corpo astral da criança,
extremamente plástico, afinando as suas vibrações pelo mesmo diapasão, despertando à
atividade germes desses pecados que possam ter sido trazidos da vida passada. Desde que
esses maus hábitos assentem arraiais, tornam-se excessivamente difíceis de corrigir; e é
isto o que precisamente se dá na maior parte das crianças que vemos em volta de nós.
A aura da criança, vista por um clarividente, tem muitas vezes um belo aspecto - é
pura e de cor brilhante, livre ainda das manchas de sensualidade e avareza e das densas
nuvens de má vontade e egoísmo que tão frequentemente obscurecem toda a vida do
adulto. Nela se podem ver, ainda latentes, todos os germes e tendências de que já falamos
- umas boas, outras más; e assim, as possibilidades da vida futura da criança ficam patentes
aos olhos do observador.
Mas quão triste é ver as mudanças que quase invariavelmente se produzem na aura
dessa amorável criança, no decorrer dos anos, e verificar como persistentemente as
tendências maléficas são alimentadas e favorecidas pelo ambiente, e como as boas são
inteiramente desprezadas! E assim se vão desperdiçando, encarnação após encarnação; e
uma vida que, com um pouco mais de cuidado e de abstenções por parte dos pais e
professores, poderia produzir ricos frutos de desenvolvimento espiritual, fica reduzida
praticamente a zero e, ao terminar, magra colheita deixa para armazenar no ego, do qual
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tem sido uma expressão tão limitada.
Quando observamos o desleixo criminoso com que os responsáveis pela educação das
crianças as deixam constantemente cercadas por toda a espécie de maus e mundanos
pensamentos, deixamos de nos admirar da extraordinária lentidão da evolução humana, e
do progresso quase imperceptível que o ego realiza, vidas após vidas, gastas na luta e no
torvelinho deste mundo inferior. E todavia, quanto progresso se poderia ter obtido com um
pouco mais de atenção!»
Em diferentes passagens, Montessori frisa o fato de serem os pais os únicos
responsáveis da conduta anti social que as crianças manifestam. Ela descreve, com
abundância de exemplos, o orgulho sutil e o ressentimento dos pais que procuram dominar
e esmagar os filhos, como esses pais são inconscientemente egocêntricos, e tudo em nome
da afeição que consagram aos filhos. É a influência dos pais - e também dos mestres e das
amas - que o nosso escritor teósofo descreveu há 41 anos. Eis as suas palavras:
«Devemos, pois, ter a maior cautela no ambiente reservado às crianças; e as pessoas
que persistirem em pensamentos grosseiros e desamoráveis devem finalmente reconhecer
que, enquanto assim procedem, são incompetentes para se aproximarem dos novos, sem
perigo de os infectar com um contágio mais virulento que a febre. Muita cautela se deve
ter, por exemplo, na seleção das amas a quem tantas vezes as crianças têm de ser
entregues, pois é óbvio que, quanto menos as confiarmos nas mãos de criadas, tanto
melhor. As criadas têm, muitas vezes, uma grande afeição pelas crianças a seu cargo e
tratam-nas como se fossem do seu próprio sangue; mas não é este invariavelmente o caso
e, mesmo que assim seja, devemos lembrar-nos que as criadas são quase inevitavelmente
menos educadas do que as patroas e portanto, a criança que foi excessivamente
abandonada à sua companhia está constantemente sujeita a impates de pensamentos de
ordem inferior ao do nível dos pais. Assim, as mais que desejam que o seu filho venha a ser
um homem educado e de inteligência delicada devem confiá-lo o menos possível a
estranhos e sobretudo, tomar cuidado com os seus próprios pensamentos, enquanto olham
por ele.
A grande e capital regra deve ser para a mãe não permitir que em si própria se
alberguem pensamentos ou desejos que não queira ver reproduzidos no seu filho. Mas não
basta esta mera conquista negativa sobre si mesma, porque felizmente tudo quanto se tem
dito sobre a influência e poder do pensamento, aplica-se tanto aos bons como aos maus e,
por isso, os deveres dos pais têm tantos aspectos positivos como negativos. Não só eles se
devem abster com o maior cuidado de reforçar com os seus pensamentos indignos ou
egoístas as tendências que possam existir nos filhos, mas é também seu dever cultivar em si
próprios fortes e generosos afetos, pensamentos puros, nobres e elevadas aspirações, com
o fim de que estes impulsos venham a reagir sobre os entes que lhes foram confiados,
acelerar o que de bom haja latente neles, e criar uma tendência para qualquer boa
qualidade que ainda não esteja representada no seu caráter.
Nem devem ter receio de que esses esforços não colham o seu efeito, por se sentirem
incapazes de seguir a sua ação por falta de visão astral. Para a vista experimentada de um
clarividente todo o processo da transmissão se torna perceptível; ele distinguiria as
vibrações fixadas no mental dos pais pelo iniciar do pensamento; vê-lo-ia irradiar e notaria
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a vibração simpática criada pelo seu contato com o corpo mental do filho; e se renovar as
suas observações por intervalos, durante um período considerável, discernirá a gradual mas
permanente mudança operada no corpo mental, pela repetição do mesmo estímulo ao
progresso. Se os pais possuírem a visão astral, será sem dúvida um grande auxílio para eles
verem exatamente quais as capacidades dos seus filhos e em que direção elas
necessitariam desenvolver-se; mas, se não tiverem ainda obtido essa vantagem, não devem
por isso ter a menor dúvida sobre o resultado, porque este deve seguir matematicamente o
esforço, quer o processo da sua ação possa ou não ser apercebido por eles.
E não só devem os pais vigiar os seus pensamentos, mas também o seu humor. A
criança é pronta em observar e ressentir a injustiça; e, se ela for repreendida por um ato
que noutra ocasião só provocou riso, não é de admirar que o seu sentimento da
invariabilidade das leis da natureza se ache ofendido. Ainda mais: quando a tristeza e as
contrariedades, enevoarem a alma dos pais, como acontece tantas vezes neste mundo, é
obrigação deles tentar evitar quanto possível que o peso das suas mortificações venha
recair sobre a criança; pelo menos, na presença desta, devem fazer um esforço especial
para serem alegres e resignados, para que a triste e plúmbea cor da depressão da sua aura
não se estenda à aura dos filhos.
Mais ainda: muitos pais, cheios das melhores intenções, tem uma natureza inquieta e
melancólica - atormentando-se por ninharias e aborrecendo-se a si mesmos e aos filhos por
coisas que não têm a mínima importância. Se eles pudessem observar por clarividência o
desassossego e inquietação que sofreram as suas auras e pudessem ver como estas
vibrações vão introduzir uma desnecessária agitação nas auras sensíveis dos filhos, não se
surpreenderiam das suas crises de mau gênio e de excitação nervosa, antes se
convenceriam de que são mais dignos de censura do que as crianças. O que os pais devem
ter em vista, como principal objetivo, é conservar um espírito tranquilo e sereno - essa paz
que transcende toda a compreensão - a perfeita calma que provém da confiança em que
tudo acabará bem.
É evidente ainda que o treino do caráter dos pais exigido por estas considerações é, a
todos os respeitos, esplêndido, e que, auxiliando deste modo a evolução de seus filhos, eles
beneficiam num grau incalculável, porque os pensamentos que a princípio se empenharam
em manter com um esforço consciente, por amor de seus filhos, tornar-se-ão em breve
habituais e acabarão por formar o plano de fundo da vida interior dos pais.
Não se suponha que estas precauções se possam desprezar quando os filhos tiverem
mais idade, porque, posto que a sua extraordinária sensibilidade à influência do ambiente
comece logo que o ego toma posse do embrião, algumas vezes muito antes do nascimento,
ela continua, em muitos casos, até ao período de maturidade. Se tais influências, como as
que acima foram sugeridas, se vincaram na criança durante a meninice, o rapaz de doze ou
catorze anos encontrar-se-á muito melhor equipado para os esforços que se lhe depararem
na vida do que outros companheiros, menos afortunados com que se não tomaram
especiais precauções. Mas devemos lembrar que o adolescente se conserva ainda mais
impressionável que um adulto e que o mesmo forte auxílio e guia do plano mental deve
continuar para que os bons hábitos, quer de pensamentos, quer de seções, não venham a
ceder a novas tentações que possivelmente virão a assaltá-los. Posto que nos primeiros
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anos fosse natural, principalmente para os pais, prestarem essa assistência, tudo quanto se
disse acerca das suas obrigações aplica-se igualmente a quem quer que venha a ter contato
com as crianças, seja qual for o seu papel, mormente aos que tomam sobre si as tremendas
responsabilidades do ensino. A influência para bem ou para mal de um mestre sobre os
seus discípulos, não pode ser prontamente medida e, como atrás disse, ela depende não só
de que ele diz ou faz, mas ainda mais do que ele pensa. Muitos professores reprovam
repetidas vezes nos rapazes a exibição de tendências, por cuja criação eles são diretamente
responsáveis; se os seus pensamentos são impuros ou egoístas, eles verão o egoísmo e a
impureza refletidos em volta de si e o mal causado por tais pensamentos não termina com
aqueles que lhes deram origem. »
Vou dar apenas mais uma citação do nosso escritor teósofo, que diz respeito a uma
relação fundamental entre pais e filhos.
«Não podemos deixar de insistir repetidamente e com energia que a família é uma
responsabilidade muitíssimo pesada, de natureza religiosa, por mais ligeira e
impensadamente que ela possa ser tomada. Aqueles que introduzem no mundo uma
criança, tornam-se diretamente responsáveis perante as leis do karma, pelas oportunidades
da evolução que têm de dar a esse ego, e pesadas serão as sanções que cairão sobre eles, se
pelo seu desleixo ou egoísmo, puserem obstáculos no seu caminho ou deixarem de lhe
prestar todo o amparo e guia que esse ego tenha de esperar deles. E todavia, quantas vezes
os pais modernos ignoram completamente essa evidente responsabilidade; quantas vezes a
criança é para eles apenas um motivo de fátua vaidade ou um objeto de impensada
negligência!»
Nos último livro de Montessori, intitulado A Criança indica-nos ela um fato digno de
nota:
«O homem que, até hoje, só construiu um mundo para o adulto, deve meter mãos à
obra e edificar um mundo para a criança».
Mas porque há de ser a criança assim distinguida? E, então os pobres, os doentes, os
cegos e os aleijados? Por que razão a criança em especial? Por um motivo que vou explicar:
O mundo em que vivemos é imperfeito. A maior parte da gente toma-o como ele é.
Não faz esforço algum para o tornar melhor. Mas alguns dentre nós sentem que não
podemos ser felizes enquanto houver tanta miséria e tanta degradação que se podia evitar.
Queremos ardentemente trabalhar em alguma reforma. Para isso precisamos duma visão
clara e de força. Quanto à visão clara, há um grande número de evangelhos reformadores,
mas são um tanto confusos e gostaríamos de saber que esquema de reforma produziria o
maior e mais rápido benefício. E quanto à força, o problema da reforma é tão vasto e
esmagador que ficamos muitas vezes completamente desanimados, e sentimos que é
perder tempo tentar seja o que for.
A visão e a força que necessitamos hão de vir da criança. É por esta razão que intitulei
esta palestra «As crianças, agentes de Deus». Porque, de um modo místico, as crianças
podem abrir-nos um livro de sabedoria e das suas faces alegres podem irradiar raios de
força, para nos encher de coragem.
Como vivemos num mundo de ação, homens e mulheres, lidando nos seus deveres e
ocupações diárias, temos tendência a esquecer que o nosso mundo de ação está enraizado
66
no mundo espiritual.
Tudo o que nos inspira para fazermos o melhor e tornarmo-nos melhores deriva, não
deste mundo visível e material, mas doutro que é invisível e espiritual. Os homens chamam
muitas vezes a esse outro mundo Deus e dão o nome de religião, à ponte entre o nosso
mundo e Ele. Há muitas formas de religião. Antigamente, na Índia, o instrutor era o
tabernáculo íntimo da santidade; e aquele que encontrava o seu Mestre, o seu Guru,
encontrava Deus. Esta ponte existe ainda hoje na Índia.
Na Grécia antiga, era a Mocidade a ponte entre o homem e Deus. No Cristianismo da
Idade Média a ponte era a mulher. Para muitos, ainda hoje assim é. Exatamente do mesmo
modo, é a Criança a mais nova das pontes entre Deus e o homem. É este um dos segredos
do mundo de hoje. Foi para nos revelar este segredo que Cristo na Palestina e Krishna na
Índia viveram como crianças.
Se Deus, a indescritível Majestade do universo, a fonte de toda a Verdade e Beleza,
«se fez carne» e viveu num berço e brincou como uma criança, na Palestina e da Índia, foi
por mostrar que todas as crianças têm em si a natureza de Cristo e de Krishna. Se
lançarmos a vista numa nova direção e descobrirmos «o segredo da infância», saberemos
que as crianças são alguma coisa mais do que crianças. Elas são mensageiras de um reino
de beleza, sabedoria e força; elas podem conduzir-nos pela mão ao cume da montanha de
Pisgah e mostrar-nos a terra dos nossos sonhos e esperanças.
Se, tão somente, souberdes amar as crianças ou não as podendo amar, aprenderdes
ao menos a olhar para elas com admiração e intenso desejo de compreender, então é
porque Deus se encontra bem perto. Não é preciso dirigir-vos a uma igreja ou templo para
O achardes nem tão pouco abandonar as cidades populosas e ir procurá-Lo aos campos e às
florestas. Qualquer criancinha vos dirá onde está Deus. Quanto a mim, sei bem onde Ele
está; as crianças indicam-me sempre o caminho.
O mesmo pode dar-se convosco. Se a religião nada vos diz, voltai-vos para as crianças.
Encontrareis nelas uma nova e bela religião que vos revelará o mundo na juventude e na
beleza.
Se pudéssemos construir para todos o mundo perfeito! Ele virá, certamente, um dia.
As crianças de hoje, agentes de Deus, realização essa obra, se lhes dermos tão somente o
auxílio que elas reclamam de nós, quando são pequeninas. Porque em elas atingindo o seu
pleno desenvolvimento, como homens e como mulheres, elas saberão conseguir aquilo
mesmo em que nós outros fracassamos.
Assim eu vos revelo o grande mistério da vida de hoje, As Crianças - agentes de Deus.
67
O Trabalho do Cristo no Mundo de Hoje
Afirmam certas pessoas que o Cristianismo faliu porque, segundo esses críticos, a base
da vida civilizada, nas nações Cristãs, é realmente bárbara e nada tem de cristã. A verdade é
que o Cristianismo ainda não foi experimentado. Tomo a liberdade de dizer que há
demasiado Cristianismo e muita falta de Cristo. Porque é que um movimento espiritual
iniciado há dois mil anos, com um evangelho de regeneração de toda a humanidade
conseguiu tão fraco resultado? É porque pouco a pouco, os ensinamentos do Cristo
deixaram de ser compreendidos.
Permiti-me, antes de mais nada, observar convosco, num rápido golpe de vista, o que
se passou com a concepção do Cristo, desde os dias em que Ele surgiu na Palestina.
Verificamos que, quando Ele caminhava entre os Seus discípulos, era, para a maioria deles,
uma espécie de irmão mais velho; muito poucos, dentre eles, percebiam, dum modo
efetivo, alguma coisa da Sua natureza divina. Como sabeis, quando Ele morreu e voltou de
novo, a princípio não o reconheceram. No entanto, era por eles tão amado que n'Ele
pressentiam, em realidade, o florescimento do seu idealismo.
Depois, seguindo esta linha de desenvolvimento, encontramos São Paulo que - embora
jamais o houvesse visto com os seus olhos físicos, - pregava com intenso fervor a doutrina
da «salvação pelo Cristo». Acrescentava, porém, o conceito de que Cristo é, por assim dizer,
o tipo daquilo que todos os homens podem vir a ser, pois São Paulo fala da Idea mística do
«Cristo em vós, esperança de glória». Ele proclama que todos devemos, um dia, chegar à
estatura de Cristo; e que Este é, em Sua grandeza, como as «primícias dos que dormiam».
São Paulo introduz o conceito da existência de uma relação mística entre todos os homens
e Cristo.
Segue-se a isto um desenvolvimento ulterior - digo ulterior porque certos
pesquisadores afirmam que o Evangelho de São João é, evidentemente, posterior aos
escritos de São Paulo - no qual São João nos revela o Cristo sob um aspecto cósmico. Cristo
torna-se o «Verbo», a Razão Divina, o Logos dos Estoicos e de Filon, o Judeu, «feito carne»:
O Logos dos Estoicos, a ordem divina no Universo, o Deus «que geometriza» e assim cria
este universo, viu-o São João espelhado na maravilhosa personalidade d'Aquele que andava
pela Palestina. Essa concepção, a de que a totalidade do universo, em seu esplendor e
sabedoria, se pode refletir em um ser humano, não fazia parte da doutrina dos Estoicos;
São João trouxe para o Cristianismo esse conceito do Cristo cósmico.
Na fase seguinte de desenvolvimento, a religião passa além de Cristo, Pessoa, exceto
em uma manifestação mística d'Ele, na Santa Eucaristia. A Igreja aparece em seguida e
começa a falar em Seu nome. Os Sacramentos tomam o lugar de Cristo; proclama-se que,
no Sacramento da Eucaristia, Cristo, em pessoa, está presente, Cristo, a Divindade. Em dado
local, por esse tempo, acrescenta-se a isto o conceito da Virgem Maria, como mediadora
entre a humanidade e Cristo.
Segue-se, em breve, a essa Idea, o conceito do sacerdote humano como intercessor
entre o homem e a Virgem Maria e Cristo. É claramente reconhecido nos ensinamentos da
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Igreja Católica Romana, que o sacerdote, ao celebrar a cerimônia da Missa, reveste,
durante a celebração, algo a natureza de Cristo. Assim como Cristo foi, ao mesmo tempo,
Deus e homem, assim o sacerdote é conjuntamente Cristo.
Vêm, depois, todos os movimentos da Reforma, que são principalmente uma tentativa
para regressar à personalidade de Cristo, afastando-se dos Sacramentos, assim como das
Igrejas, da Virgem Maria e do sacerdote. A partir da época da Reforma, volta de novo ao
Cristianismo algo da compreensão do Cristo Pessoal. Este ensinamento não tolera o
aparecimento de um mediador entre a alma humana e Cristo.
Porém, sob o meu ponto de vista, o maior dos erros foi cometido, no tempo da
Reforma, pelo fato de os reformadores não compreenderem que pudesse haver muitos e
muitos modos de aproximar-se d'Ele. Não compreenderam que todos os Sacramentos e
mesmo a grande instituição da Igreja podiam ter sido planejados por Ele, como canais de
aproximação; repeliram tudo isto por suporem que tais desenvolvimentos se interpusessem
no caminho do homem para Cristo. Não havia nos reformadores compreensão de que, à
medida que uma religião se vai desenvolvendo, o seu Fundador permanece por detrás dela
para guiá-la; de que uma religião não é uma doutrina exposta de uma só vez, e
exclusivamente em determinada época; de que uma religião não é como uma cisterna de
onde flui a água, uma vez coletada; e de que mais se assemelha à fonte que, pela pressão
da água no sub solo, borbulha sempre; de modo que surgem, em cada religião, novos
ensinamentos e modalidades, novas revelações, inspiradas pelo respectivo Fundador. Os
chefes ulteriores da Reforma não compreenderam a possibilidade de existir uma verdade
por detrás do conceito da Virgem Maria, como mediadora. Todos esses aspectos do
Cristianismo foram por eles postos de lado por causa do seu desejo de realizar o Cristo
Pessoal.
Depois veio a grande mutação, que ainda está na memória dos mais idosos dentre vós,
que consistiu em ser posta em dúvida toda a concepção do Cristo, e que é chamada pelos
eruditos «a mais alta crítica». Resumindo rapidamente, o resultado desta crítica foi a dúvida
sobre a divindade de Cristo, pois destruiu a ideia da inspiração divina da Bíblia. Com o
abandono dessa Idea da inspiração divina, houve a tendência a fazer desaparecer do ensino
dos colégios teológicos protestantes, a concepção aceita relativamente a Cristo, ou seja a
da sua Divindade.
Muitas pessoas houve que tinham amado Cristo, menos pela Sua divindade do que
pela Sua magnífica humanidade, e que não puderam convencer-se da existência de provas
históricas suficientes, mostrando que os milagres atribuídos a Cristo se realizaram, e que os
vários atributos que se costuma associar à Idea de divindade existiram realmente na Pessoa
de Cristo. Mas, embora possam ter perdido a compreensão da Sua Divindade aqueles,
contudo, que o tinham realmente amado chegaram a uma concepção ainda mais ampla: a
da necessidade, sempre maior para o mundo, de um Cristo, não tanto já como Divino, mas
como esplêndido Modelo, que concentrava em sua natureza todo o idealismo do mundo. É
este aspecto humano do Cristo, como homem entre os homens, que fascinou também a
mente oriental; alguns de nós, no Oriente, que lemos os Evangelhos, nos sentimos
absolutamente em casa. Compreendemos o que foi que Ele se esforçou por transmitir
como mensagem Sua.
69
Mas, embora o conceito de Cristo como um grande exemplo de uma humanidade
glorificada seja atraente, há no entanto, nos corações de muitos que O amam como o maior
dos homens, um secreto desejo de senti-Lo também como sendo, de certo modo, um
reflexo do Divino. Porque é digno de nota que toda a compreensão que temos tido
relativamente à Divindade nos veio por intermédio de um ser humano. É somente através
da grandeza de um ser humano que nos elevamos até a percepção da natureza da
Divindade.
Permiti que considere agora a doutrina aceita pela maioria dos cristãos ponderados, e
sobre a qual estes se esforçam por fundar uma filosofia da vida - a de que Cristo é o Grande
Modelo, alguém que nos inspira a todos, em nossas vidas diárias, em virtude da vida que
Ele viveu. Desta crença emana uma pergunta que surge na própria raiz de muitos
movimentos cristãos de hoje em dia. É a seguinte: «Está Cristo agora ao nosso alcance?
Pode Ele guiar-nos, hoje, como guiou os Seus discípulos há 2.000 anos?»
Naturalmente, a resposta da Igreja é e sempre foi Sim. Porém, Ele está no céu, desde a
Sua Ascensão e não sobre a terra. Contudo, quando o cristão de espírito filantrópico encara
os problemas deste mundo e busca o seu melhoramento, já não é de um Cristo «que está
no Céu» que se trata, mas sim da necessidade d'Ele aqui na terra, para nos dar conselhos
relativos aos nossos atuais problemas humanos. «Pode Ele ensinar-nos o que devemos
fazer? Pode Ele dar organização ao nosso idealismo, no mundo moderno, de modo a
podermos executar a Sua vontade, tornando esta terra um Céu?» Porque, se Cristo por tal
modo amou o mundo que a Si próprio se ofereceu para salvá-lo, Ele por certo não havia de
limitar-se a fazê-lo somente uma vez. Não deveria Ele - se o Seu amor fosse tão perfeito
agora, como dantes - vir à terra, de novo, repetidas vezes, para salvá-la? Podereis imaginar
alguém da natureza do Cristo, com o coração tão cheio de amor pela humanidade,
permanecendo em qualquer espécie de Céu e deixando o mundo ser o que é? De certo, um
Ser tão compassivo ansiaria sempre por estar com os seus filhos e irmãos, para lhes aliviar o
fardo neste mundo.
Para mim, a pergunta a que vários movimentos cristãos procuraram responder é esta:
«Podemos entrar em contacto com o Cristo hoje em dia, nesta cidade de Lisboa, neste ano
da graça de 1938?»
Vim perante vós, para responder a esta pergunta embora eu não tenha sido sequer
batizado. Bem podereis dizer, portanto: «Como podeis ter a presunção de responder a esta
pergunta?» Ouso responder porque conheço o Cristo desde a minha infância; e no entanto
não sou cristão, mas sim budista, e ainda parcialmente; parcialmente porque sou, primeiro
e acima de tudo, um teósofo. Foi por causa de minha Teosofia, desde a meninice, que,
seguindo uma outra tradição, eu encontrei Cristo e tenho estado a servi-Lo durante longos
anos. Ora, vou fazer-vos agora, várias afirmações sobre Cristo e o Seu trabalho no mundo, e
cada uma delas poderá, facilmente, ser posta em dúvida. Mas eu, vo-lo peço, não vos
sintais, de modo algum, compelidos a aceitar seja o que for que eu diga. Examinai a minha
tese, como se ela fosse um quadro que alguém houvesse pintado: se algo nele vos parecer
repulsivo, deixai o quadro de lado. Porém, pode bem ser que eu abra, em alguns de vós,
uma nova espécie de compreensão, relativamente a este grande problema do Cristo no
mundo de hoje.
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Disse que através de toda a história do Cristianismo houve uma corrente de ideias
entre as duas concepções do Cristo, como Deus e como homem, algo semelhante a um
pêndulo oscilando entre dois extremos. A Igreja, muito sabiamente, reuniu-os ambos e
declarou que Ele é, a um tempo, Deus e homem. É, porém, causa difícil, para muitos
cristãos que possuem espírito crítico, compreender como podem ambas essas causas ser
verdadeiras, principalmente quando verificam que as narrativas do Evangelho não
encontram base Suficiente nas provas históricas.
Há um anunciado vital que encontrareis em toda a parte nos ensinamentos místicos;
dentro do Cristianismo verifica-se, até certo ponto, nos de São Paulo: é que a natureza do
Divino existe também em nós, seres humanos. Quantos de vós se recordam da crítica que
os judeus ortodoxos fizeram a Cristo, quando Ele proclamou que era Deus. A sua resposta
reconduziu os seus críticos às seguintes palavras dos salmos que todos eles veneravam: «Eu
disse que sois Deuses e todos filhos do Altíssimo». Foi esse ensinamento, de que reside em
nós algo da natureza do Cristo que nos deu São Paulo ao falar do «Cristo em vós» e este
ensinamento é bem conhecido na Índia, onde se proclama que a natureza de Brahman, a
Divindade Absoluta, está em todos os homens.
Esta concepção é fundamental em tudo o que vos vou dizer, relativamente àquilo que o
Cristo está tentado fazer no mundo de hoje. Permiti, portanto, que vos esclareça a minha
convicção de que em todos nós, desde o selvagem até ao mais magnificente produto da
mais requintada civilização, existe a natureza do Divino, exatamente como o carvalho já
preexiste na bolota. No selvagem primitivo, porém, a Divindade é como um Deus
acorrentado; num grande Salvador da humanidade, é como um Deus que rompeu as suas
cadeias. Deste ponto de vista que vos estou explanando - de que o divino existe em todos.
nós - a vida, com suas alegrias e pesares, com suas vitórias e desastres, torna-se o
laboratório, a oficina, onde libertamos a nossa Divindade prisioneira.
Se aceitardes esta concepção do crescimento da alma, verificareis muito rapidamente
que, se o Divino no homem tem que ser libertado, até chegar à medida completa do Cristo,
como disse São Paulo, isto não pode ser levado a efeito numa vida somente. Tendes que
admitir que essa tarefa ou é continuada além do túmulo, na eternidade, ou por um
processo de retorno a esta terra, onde já existem as experiências necessárias para o
crescimento.
Somos, pois, Deuses, em nossa natureza essencial e, enquanto vivemos, estamos
empenhados no trabalho de libertar das Suas cadeias a Divindade que está dentro de nós.
No entanto, apesar de sermos todos, grandes e pequenos, essencialmente divinos, há uma
diferença entre nós e o Cristo. A diferença reside nisto: dentre os eleitos que conseguem
libertar a Divindade que está dentro deles, alguns há que voluntariamente escolhem por
missão cumprir um ato especial de sacrifício. Esse ato de sacrifício é de natureza tão
estupenda que a mente do homem recua ao contemplá-lo. Por isso é tão difícil
compreender a natureza de Cristo, como homem e Deus.
Mas, abreviando, significa isto que a alma - alma semelhante à nossa - que realizou a
sua Divindade e chegou à perfeição, como todos nós chegaremos um dia, continua o
desenvolvimento da sua Divindade, e faz uma grande oferenda de sacrifício, de amor, de
sofrimento e de devoção, com o objetivo de manter-se entre a humanidade, como
71
Mediador. Ser um Mediador significa baixar até nós, na própria natureza individual, as
indescritíveis glórias da Divindade, e depois de as envolver no véu da condição humana,
revelá-las à humanidade. É um trabalho que não deixa de ter analogia com o que faz a mãe
pelo filho que traz no seio; ela absorve no seu ser os produtos da terra, transmuta-os em
sangue, e depois envia-os à criança para dar-lhe o que é necessário ao crescimento. Em
virtude dessa atuação, a criança pode viver até tornar-se um indivíduo separado. De modo
análogo, Aquele que chamamos o Cristo ajuda cada alma, pois há muito que Ele se
determinou a fazer-nos esta magnífica oferenda de manter-se entre a humanidade, como
Mediador. É essa uma relação indescritivelmente estupenda, pois cada qual, entre os
bilhões de homens, vive n'Ele e de todos Ele é consciente.
Existem no mundo, em nossos dias, talvez um bilhão e oitocentos milhões de pessoas
vivas. Que é feito dos mortos que já existiram? Em nossos estudos teosóficos calculamos
que o número de almas que formam a nossa humanidade é de cerca de sessenta bilhões.
Pode, algum de nós imaginar a natureza da mente de um ser, em cuja consciência vivam
todos estes sessenta bilhões de almas, de modo que, onde quer que estejam - seja no
mundo dos vivos ou no outro mundo - ele conheça os seus pensamentos, a tal ponto que,
quando qualquer deles o chame ou para Ele se volte, Ele logo responda? O fato parece
inconcebível. Seria indiscutivelmente a própria Divindade. No entanto, foi para isso que
Cristo trabalhou, até alcançar o seu maravilhoso objetivo. Assim, Ele vive hoje no mundo, e
não distante dele. Vive aqui sobre a terra, em um corpo de carne; no entanto, é tal a
natureza da Sua consciência, que as glórias do Céu estão também com Ele, rodeando-O.
Cada vez que se faz a afirmação de que o Cristo se encontra na terra e que sempre
aqui esteve, logo perguntam: «Onde está Ele? Podemos meter-nos a caminho para o
encontrar?» Tão imersos se acham em uma concepção material da alma e das suas funções,
que pensam não poder «vê-lo» permanente e que nem o Cristo os pode ver a eles, a não ser
que se defrontem face a face. Mas, se O víssemos face a face, quantos de nós seriam
ajudados por essa experiência? Quantos dentre os Judeus e os Romanos O viram na
Palestina, e no entanto não O «viram»? E a não ser os Doze Discípulos, quantos dentre os
santos do Cristianismo O viram com os seus olhos? Nenhum. No entanto, apesar de O não
terem visto, os santos O «viram» por modo tão maravilhoso que se tornaram Seus
mensageiros. Não, não necessitamos de viajar corporalmente para «vê-Lo»; temos que
viajar com o nosso espírito. E como Ele nos conhece a cada um, quer se voltem ou não para
Ele os nossos pensamentos, o encontrar o Cristo não é questão de defrontar face a face o
corpo que Ele atualmente usa.
Neste ponto é para mim estranho, como oriental que sou, ouvir dizer que alguns
cristãos imaginam que a grandeza de Cristo - Seu amor que tudo abrange, Sua presença
instantânea, onde quer que uma alma Se lhe abra - sofreria uma limitação pelo fato de
viver em um corpo da atualidade, tal como aconteceu na Palestina. Sustentam, como o fez
o Bispo Inglês Wilberforce, que, exatamente pelo fato d'Ele não mais se achar na terra, e
ser invisível para nós no Céu desde a Sua Ascensão, é que Ele está mais próximo da
humanidade. Pensam que o fato de ter o Cristo um corpo terreno o torna menos divino,
menos responsivo às necessidades dos bilhões de Cristãos.
Todos estes temores são devidos a uma falta de compreensão, no Ocidente, daquilo
72
que são os Grandes Seres. Na Índia possuímos ainda tradições a respeito d'Eles e sabemos
que Seus maravilhosos atributos não se encontram diminuídos pelo fato de velarem a sua
glória, por amor de nós, e viverem em formas humanas para nos ajudarem, Assim, nas
lendas budistas, o Buda vinha sempre rodeado de Devas ou Anjos que aguardavam as Suas
ordens. Todas as manhãs, ao romper da aurora, Ele observava o mundo, por meio dos Seus
poderes místicos, a fim de verificar que alma, especialmente, entre os bilhões de homens,
mais necessitava do Seu auxílio nesse dia. Hoje, que ouvimos por meio dos nossos
aparelhos de rádio, podemos facilmente compreender. Com quantos comprimentos de
ondas de várias estações de rádio podem os melhores aparelhos «sintonizar-se»? Se um
mero mecanismo pode pôr-nos em contato com tantas estações que nos enviam o seu
apelo, não será lícito imaginar que possa haver processos de consciência desconhecidos
para a mente vulgar, mas utilizados pelos Grandes Seres, que Lhes permitam ouvir
instantaneamente todo o apelo que se Lhes dirija?
Tal é o Cristo. O fato de, para os fins do Seu trabalho em prol dos homens, viver em
um corpo de carne, não o impede de se encontrar rodeado de Anjos, prontos a executar-
Lhe as ordens, nem de revelar diariamente a Sua natureza em milhares de altares, ao serem
proferidas as palavras de consagração na Santa Eucaristia; nem tampouco que cada clamor
que a Ele sobe seja por Ele ouvido, seja qual for o ponto do mundo de onde emane o apelo.
Pelo fato de ser Ele o Cristo, o Mediador entre Deus e o homem, toda a humanidade é
Sua, e não somente aqueles que foram batizados no credo particular que Ele fundou na
Palestina. E porque Ele assim é, todos os homens têm um laço com Ele e Ele se derrama a Si
próprio sobre toda a humanidade, através dos canais que já foram estabelecidos no
passado e que serão estabelecidos no futuro. Toda a religião é d'Ele: o Hinduísmo, o
Budismo, o Jainismo, o Zoroastrismo, o Judaísmo, o Mahometismo, o Cristianismo. Ele
espalha a Sua ternura viva e a Sua inspiração sobre todos, seja qual for o seu credo, pois o
mundo é Seu e toda a humanidade é Sua, para que Ele a ajude a atingir uma vida mais
ampla. Tal como a mãe envolve os Seus filhos num único abraço, assim Ele encerra dentro
de Si todas as fés, por grandes ou pequenas que sejam. Que Lhe importam a Ele as divisões
em religiões e seitas, se Ele traz as forcas divinas do alto para todas elas? Assim como
certos aparelhos elétricos «transformam» correntes de dezenas de milhar de voltes para
voltagens menores, que podemos utilizar sem perigo, assim Ele «transforma» as forças de
Deus, de modo a podermos assimilá-las. É este o Seu sacrifício.
E estas forças que Ele «faz descer» para nosso uso não pertencem somente à religião.
As ciências e as artes, as filosofias e o misticismo são também o resultado da Sua ação para
elevar os homens até Deus e para trazer Deus até aos homens.
Cristo está sempre a trabalhar. E que trabalho é o d'Ele? É libertar o Cristo que está em
todos os homens. Como Ele é o Cristo e se encontra a meio caminho entre o homem e
Deus; como Ele é o Revelador do Divino no homem, por maneira que nem vós nem eu
ainda o podemos ser; esforça-se por tornar igualmente cada ser humano num mediador à
Sua semelhança. Não foi por um mero arrebatamento místico que São Paulo nos falou de
«Cristo em vós, esperança de Glória. » Ao olhar para nós, o Cristo vê-se a Si próprio em nós
e é por isso que todo o mundo é d'Ele.
O Seu trabalho é organizar o mundo de tal forma que, estágio a estágio, ciclo a ciclo, o
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Cristo que dorme em cada um de nós possa despertar, até que todos os homens, por toda a
parte, no meio de todas as crenças, seja qual for o nome que a si próprios deem, possam
viver conscientes da grandeza da Divindade que neles reside. Organizar o mundo - eis o Seu
trabalho que desejo fazer-vos compreender. O Cristo que eu conheço não é Aquele que
está sentado no Céu rodeado de Anjos; mas um outro que perpetuamente se esforça por
organizar o mundo, utilizando para isso os poderes da Divindade que alcançou pelo Seu
sacrifício.
Neste trabalho de organização, há uma parte especial que desejo focar - é o trabalho
que realizou no século passado. Nesse período, verificareis que teve lugar uma unificação
misteriosa de todo o mundo, por meio da ciência e das invenções. Foram desenvolvidas
relações, unindo nação a nação, pelo telégrafo e pela rádio, pelos caminhos de ferro e por
vapores, pelos livros e jornais, por conferências e viagens. Essas relações tanto se
entrelaçaram, inextricavelmente, que hoje a catástrofe econômica de um país afeta o
mundo todo. Por outras palavras, estabeleceu-se uma unificação como jamais existiu e isto
não se deu por acaso. É a resultante de uma grande tentativa, por parte de Cristo e por
parte d' Aqueles que trabalham sob as suas ordens, no sentido de produzir um novo tipo de
civilização, destinada ao mundo inteiro e na qual os homens se elevarão acima das linhas
divisórias de raças e credos, e se reconhecerão como irmãos, trabalhando com um
propósito comum.
Há muito que Ele vem organizando esta nova era que ainda não chegou. Os idealistas
de todos os países têm sonhado com esse futuro que podemos ter como certo, visto que
Ele está trabalhando para isso. Embora a plena realização do seu plano possa retardar-se
por uma geração ou duas, ela tem de consumar-se, pois Cristo meteu ombros à empresa,
pelo amor que dedica a todos os homens.
E com Ele colaboram outros, os Mestres de Sabedoria, e esses trabalhadores invisíveis
no nosso mundo, a quem chamamos Anjos. Um poderoso trabalho está a fazer-se para toda
a humanidade, e é Cristo que está por detrás dele, guiando e dirigindo. Ele não se encontra
sentado à mão direita de Deus Padre, a receber meramente a adoração; está mais ocupado,
mais ativo e mais cheio de trabalho do que o maior monarca ou administrador, pois tem de
dirigir a organização do mundo inteiro e de todos os seus setores, esforçando-se por reunir
homens de vários temperamentos, credos e raças.
Como parte deste Seu trabalho de lançar a grande civilização mundial que esta para
vir, foi fundada em 1875 a Sociedade Teosófica. Porque o trabalho de unificação não pode
ser realizado enquanto as ideais do mundo não forem modificadas; por isto é que a
Sociedade Teosófica veio à existência, a fim de orientar as nossas ideais em direção à
Fraternidade Universal. Mostrando as verdades comuns a todas as religiões, a Sociedade
rompeu muitas barreiras que se antepunham aos homens, e os impediam de trabalhar com
um propósito comum. Iniciadas por dois Mestres da Sabedoria, que são discípulos de Cristo
e a têm dirigido no seu desenvolvimento, a Sociedade Teosófica é a precursora das grandes
realizações do futuro.
Mas a Sociedade Teosófica não está isolada neste trabalho que visa a unidade; há
ainda outros movimentos, o mais importante dos quais é hoje a Sociedade das Nações.
Nascida no meio, de grandes dificuldades, vivendo apenas, em certas ocasiões pelo menos,
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na imaginação de alguns, a Sociedade é ainda, por todos os respeitos, a única esperança de
futuro, pois é uma tentativa de trazer ao pensamento da humanidade a concepção de uma
organização mundial, duma consciência mundial, dum plano mundial, a soerguer os
homens do estreito campo das nacionalidades, para os levar a uma ideia mais ampla do
mundo como um todo. Outro movimento unificador, atrás do qual está o Cristo, é a
atividade mundial dos Escoteiros.
Assim, pois, digo-vos que é Cristo que atua em todos os movimentos, que observa a
política, a ciência, a arte, que possui Seus canais em todos os países e religiões, que se
encontra acima de todas as linhas divisórias, com as quais limitamos as coisas deste mundo.
Como qualquer pessoa pode ver, todos os movimentos idealistas encontram hoje em
dia oposição. Onde quer que se observe esta Sua tentativa, visando uma federação
mundial, uma consciência mundial, uma organização mundial, a paz mundial, sempre linhas
divisórias locais e mesquinhas surgem, a diminuir e a dificultar-lhe a ação. Até mesmo os
cristãos mais devotados não compreendem que, por detrás deste grande sonho de um
mundo unido, está alguém para quem o mundo inteiro é igual e em cujo Coração habitam
os milhões de cidadãos de cada nação.
O seu trabalho encontra uma oposição que todos devemos esforçar-nos por eliminar;
é esse, praticamente, o objetivo desta minha conferência. Se para vós ela tiver algum
significado, deverá ser este: que Aquele a quem chamais Cristo, e a quem eu chamo por
esse e outros nomes mais, necessita de cada um de nós para alguma fração de Seu trabalho.
O político, o homem de Estado, o artista, o instrutor religioso, o educador, o potentado dos
negócios, o homem e a mulher de afazeres diários, todos são necessários. Não existe um
único ser humano que não possa ajudá-Lo no grande trabalho que Ele planejou para o Dia
que há de vir, quando tivermos varrido para o passado todas as linhas divisórias de
nacionalidade e de credo.
Nada pode haver, certamente, de mais inspirador para vós, cristãos - para vós que vos
julgais mais perto d'Ele - do que poderdes convencer-vos de que Ele vive aqui, na terra, de
que Ele sabe que vos esforçais em prol do idealismo, que Ele está por detrás de todos os
planos desinteressados, e que estes têm a Sua promessa de êxito, Podeis reconhecer, pelo
testemunho de alguns dos nossos contemporâneos, como esses que fazem parte do
chamado «movimento de Oxford», em cuja consciência uma minúscula parte da Sua
consciência transitou, que Ele está perto. Os homens e mulheres daquele movimento
compreenderam que, para eles, toda a vida mudara. A vossa vida mudará também, se
diretamente por vós mesmos, chegardes à certeza destas coisas.
Há milhões de pessoas no Ocidente para quem Cristo é o símbolo de tudo que de mais
elevado elas podem sonhar. Às vezes, porém, este símbolo permanece um mero símbolo e
não desce para mais perto dos níveis terrenos. Se, no entanto, puderdes compreender que
Ele é o vosso irmão mais Velho, o vosso Mestre, a Divindade em vós, como ansiais que Ele
seja, não mudará toda a vossa vida? Como podereis alcançar a certeza acerca destas
coisas? Eu posso, apenas, sugerir alguns meios para isso.
Um deles é ingressar neste grande sonho de um trabalho para todos os homens, de
um mundo e de um plano para toda a família humana, isto é, não permitir que nenhum
pensamento de nacionalidade ou de religião ou as vossas próprias convicções internas
75
fechem a porta ao íntimo instinto que vos leva a identificar-vos com o que há de mais nobre
no mundo inteiro, em todos os povos. Isto não é empresa fácil: é belo para contemplar
como ideal; mas, quando ledes num periódico a notícia de alguma coisa que foi feita para o
vosso país, o subconsciente da nacionalidade provoca desde logo, um desvio do critério
justo. Se lealmente desejais manter pela vossa esperança o sonho de um só mundo e uma
só humanidade, sacrificando-lhe tudo o que for mister, vereis que vários fatos
impressionantes ocorrerão na vossa vida, até que, pelos vossos próprios meios, reconheçais
que o Cristo existe e, por detrás do vosso idealismo, triunfalmente mora.
É esta uma grandiosa experiência. Não será decerto, uma empresa fácil; o reino de
Deus não se abrirá para vós mecanicamente; forçoso vos será tomá-lo de assalto. Este
trabalho de encontrar o Cristo é o mais difícil e, também, o mais belo trabalho do mundo, o
único a que o vosso coração se dedicará quando souberdes o que é o vosso coração.
O segundo processo é identificar-vos, pela mais profunda simpatia, com o sofrimento,
onde quer que ele exista. Se alguém estiver sofrendo entre os vossos semelhantes, podeis
seguramente auxiliá-lo, ainda que só tenhais simpatia que lhe dar. Não disse Ele: «Na
verdade vos digo que quanto fizestes a um dos Meus irmãos mais pequeninos, foi a mim
que o fizestes»? Tentai a experiência: fazei a menor das coisas pelos vossos irmãos, mas
fazei-a em Seu nome, com um novo sentido de consagração e vede o resultado.
Outro processo existe, a que constantemente me reporto, por ser, para mim, muito
real. Lembrai-vos de como na Palestina Ele amava as crianças. Talvez, de certo modo
misterioso, ao olhar os seus semblantes, Ele se esquecesse das perturbações que O
rodeavam. E assim o mesmo acontece hoje, pois onde quer que a criança seja olhada como
um dos mais preciosos mistérios que este mundo possui, verificareis às vezes que uma
Outra Pessoa olha através dos vossos olhos para a criança, e estremecendo admirados,
perguntar-vos-eis. «Que quere dizer isto? Vejo na criança algo que nunca havia visto
antes!» Isto acontece porque Cristo vos mostra o que Ele vê na criança.
Existem também, naturalmente, processos místicos que se encontram nas igrejas; em
seus grandes cerimoniais residem certos mistérios relativos aos Sacramentos. Podeis
encontrá-lo por meio deles, se essas modalidades falarem ao vosso temperamento. Esses
meios, porém, não são os únicos; nem o são tampouco estes que descrevi, pois todo o
Cristão pode descobrir qualquer processo novo e ensinar aos seus semelhantes mais um
caminho que este grande Amoroso de toda a humanidade tenha preparado para poder
baixar a viver entre os homens.
A compreensão dos modos pelos quais o Cristo trabalha para o mundo exige um
mental e um coração amplamente abertos. Os melhores guias serão os vossos mais íntimos
instintos e intuições, se andardes em busca de Cristo.
É perfeitamente verdadeiro que para vos adiantardes no caminho que conduz a Ele,
não necessitais de igrejas ou cerimônias; Ele vos falará através do Cristo que está em vós, e
vos guiará pelo vosso caminho. Mas, seja qual for, jamais esse caminho será fácil.
Significará sacrifício após sacrifício, pois tendes que tornar-vos como Ele é. Tendes que
compreender o seu Plano para o mundo inteiro; tendes que vos elevar como Ele, acima de
toda a espécie de preconceitos; tendes, quase, de revestir o manto da própria Divindade, se
vos quiserdes manter ao Seu lado como Seu agente e mediador para o mundo. É um
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destino magnífico, mas que exige sacrifício. Esse sacrifício, porém, será cheio de alegria,
pois sabeis que graças a Ele vos aproximareis um passo mais, d'Aquele que é o vosso
Mestre.
Se trilhardes esse caminho, Ele vos dará as Suas guias de marcha. Não serão
necessariamente as mesmas que a do vosso vizinho, que também está procurando a
verdade. Cristo possui igualmente o Seu trabalho para aqueles que nasceram em outros
credos e outras tradições. Não disse Ele? - «Tenho outras ovelhas que não pertencem a este
aprisco, também devo ampara-Ias». Ele tem o Seu trabalho para vós e para todo o homem
que ame os seus semelhantes, pois Ele está por detrás de todos, em todos Se esforçando
por libertar o Cristo cativo. Como e quando, porém, Ele vos dará as Suas guias de marcha, é
assunto entre Ele e vós.
Eu somente vos posso dar o testemunho de que isso acontecerá. Se vos sentirdes
ardentes e desejosos de fazer os sacrifícios necessários, vós O encontrareis e então a vossa
vida se transformará. É um caminho cheio de dificuldades, sob certos aspectos; mas é
também cheio de alegria e de compreensão, pois que lutareis pela execução do Seu plano
para o Seu mundo, e, sabendo isto, quando parecer que estais fracassando no conceito dos
homens, tereis pelo contrário obtido um pleno êxito, porque Ele estará por detrás do vosso
esforço e do vosso idealismo.
É uma vida difícil, pois tereis de ser Sua testemunha. A palavra grega mártir quere
dizer testemunho. Tendes que ser o Seu mártir, para um mundo uno, uma humanidade una,
um Deus único; Seu mártir, onde quer que dirijais os vossos passos, esforçando-vos sempre
por trazer, para dentro do vosso coração, o mundo inteiro com todos os seus milhões de
seres. É uma vida dura e contudo não o é. Como disse um dos antigos poetas ingleses,
«Os seus mandamentos não são penosos
Senão na medida em que os homens assim o julgam;
Não curo de saber onde ele me envia,
Desde que me dê forças para chegar até lá.
«Quando» e «para onde» é tudo o mesmo;
Em Suas obras, que não nas minhas,
Jamais estarei sozinho.»
«Em suas obras, que não nas vossas.» Isto significa que deveis fazer da vossa vida
diária a sua obra - no escritório, no mercado, mesmo nas vossas dificuldades e em tudo que
as acompanha. Só depois de realizada esta espécie de união da vossa vida com a d’Ele, é
que deixareis para sempre de andar sós.
Assim, irmãos, quero dar-vos esta mensagem de que também eu O conheço de que
também eu sei alguma coisa de todos os esplendores que a vossa religião refere a Seu
respeito. Há, porém outros esplendores ainda, e o maior de todos é que Ele encerra, em
Seu seio, toda a humanidade, sem distinção de credo, de sexo, de casta ou de cor, Em
todos, Ele se esforça per libertar o Cristo oculto. Ele deseja que todos vós trabalheis pelo
Seu plano de um Mundo Uno - o Seu mundo, que será também o vosso.
Se o desejo, no fundo do vosso coração, não é salvar a vossa alma, mas abolir o mal, a
miséria e a injustiça que tornam a vida dos vossos irmãos tão cheia de dores; se o Cristo de
que necessiteis não é um Senhor e Mestre sentado no Céu, mas Aquele que está aqui na
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terra, e ao serviço de quem, jubilosamente, podeis consagrar-vos, como o fizeram os
Cavaleiros do Cristianismo que foram, mundo além, em Seu Santo Nome; se não souberdes
ou não puderdes procurar esse Cristo no seio da Igreja - trilhai então este caminho que eu
trilhei. Eu vos posso testemunhar que, por um passo que derdes para Cristo, Ele dará dez
para vós. Pois, mais sincera e ansiosamente do que O procuras, Ele vos procura.
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SOCIEDADE TEOSÓFICA
Objetivos
Ao redor da sede central da Índia, que se fixou como base do movimento, toram-se
agrupando os estudiosos que procuram alcançar um pouco de Luz sobre o seu Caminho. Em
49 países se organizaram seções nacionais da S. T., atraídas pelos maravilhosos
ensinamentos que a Teosofia vinha trazendo ao mundo.
Vamos enumerar essas seções pela ordem cronológica da sua fundação:
América, Inglaterra, Índia, Austrália, Suécia, Nova Zelândia, Holanda, França, Itália,
Alemanha, Cuba, Hungria, Finlândia, Rússia, Checoslováquia, Africa do Sul, Escócia, Suíça,
Bélgica, Índias Neerlardesas, Birmânia, Austria, Noruega, Egito, Dinamarca, Irlanda, México,
Canadá, Argentina, Chile, Brasil, Bulgária, Islândia, Espanha, Portugal, País de Gales,
Polônia, Uruguai, Porto Rico, România. Iuguslavia, Ceilão, Grécia, América Central, África
Central do Sul, Paraguai, Peru, Ilhas Filipinas e China.
Pontos de vista da S. T.
Todos os membros da S. T. estão unidos pelo mesmo desejo de acabar com os ódios
que dividem e infelicitam a famllia humana, por rivalidade de religião, de política, de
nacionalidade ou de classe. Nêste propósito se conjugam os homens de boa vontade, sejam
quais forem as suas opiniões, para estudar as verdades ocultas na obscuridade dos dogmas
e comunicar o fruto das suas investigações a todos aquêles que por tais assuntos se
interessem. A sua solidariedade não provém duma fé cega, mas duma aspiração comum
para a Verdade, que consideram como a recompensa de um esfôrço digno e de uma vida
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pura, devotada ao serviço dos altos ideais. Pensam que a Fé deve nascer do estudo e da
intuição, e apoiar-se no Conhecimento, em vez de aceitar, sem os compreender, os dogmas
ou as afiro mações de quem quer que seja.
Os teósofos estendem a sua tolerância a todos, mesmo aos intolerantes; não querem
punir a ignrãncia mas destrui-Ia. Consideram as diversas religiões como expressões parciais
da Sabedoria Divina, e em vez de condenarem as religiões alheias, estudam-nas com
interêsse e respeito.
A Teosofia apresenta uma filosofia que torna a vida compreensível nos seus mais
desconsertantes e contraditórios aspectos. Ela demonstra a natureza inviolável das leis que
governam a evolução do mundo e prova que essas leis são a justiça e o amor. Reduz a
morte ao seu verdadeiro papel de «incidente periódico numa vida sem fim», e abre-nos as
portas duma existência mais plena, mais radiosa, mais em harmonia com a dignidade
humana e a magnanimidade divina. Restitue ao mundo a Ciência da alma, ensinando ao
homem a reconhecer a sua «almas como sendo ele próprio, enquanto a mente e o corpo
físico não passam de instrumentos ao seu serviço. Esclarece as Escrituras e doutrinas de
cada religião, pondo-as de acordo, desvendando as suas significações ocultas e justificando-
as assim perante o tribunal da inteligência, como na sua pureza original, são sempre
justificadas aos olhos da intuição,
A S. T. não pretende monopolizar a teosofia, porque a Sabedoria Dívina não pode ser
limitada; mas os seus mernbros estudam estas verdades e esforçam-se por «vivê-las»,
Todos aqueles que simpatizarem com os fins da S. T. e desejarem adquirir o Conhecimento,
praticar a tolerância e devotar-se aos altos ideais, serão acolhidos com alegria no seio da
fraternidade.
SECÇÃO PORTUGUESA
A Sociedade Teosófica de Portugal tem a sua sede em Lisboa - Rua Passos Manoel,
20, cave.
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