101 Poetas Paranaenses v1
101 Poetas Paranaenses v1
101 Poetas Paranaenses v1
POETAS
PARANAENSES
V.1 (1844-1959)
organização
Ademir Demarchi
Com uma produção pujante, plena
Com
atividade.
uma produção
A produção
pujante,
do
01
a poesia paranaense não poderia grupo
a poesia
aqui
paranaense
reunido, não
em poderia
alguma
deixar de refletir os movimentos medida,
deixar deantecipou
refletir osmuito
movimentos
do que
que, desde 1853, quando a pro- seria
que, edesde
ainda1853,
é realizado
quandoentre
a pro-
os
víncia do Paraná foi emancipada poetas
víncia do
nascidos
Paranáoufoiradicados
emancipada
no
TAS de São Paulo, se alastraram pelo
Brasil. Do romantismo de Júlia
Estado.
de São ÉPaulo,
Leminski,
o casosedaalastraram
Brasil. Do ainda
obra de Paulo
romantismo
muito infl
pelo
de uente
Júlia
NSES
da Costa, considerada uma das na
da poética
Costa, de
considerada
autores do presente.
uma das
primeiras mulheres a escrever primeiras
Esta obra
mulheres
também faz
a escrever
ver que
1959)
poesia no Estado, passando pelo os
poesia
poetas
no Estado,
paranaenses
passandosempre
pelo
marcante movimento simbolista, estiveram
marcante atentos
movimento
ao que
simbolista,
os seus
encabeçado por Dario Vellozo e pares
encabeçado
faziam por
em outros
Dario pontos
Vellozodoe
Emiliano Perneta, até chegar ao Brasil
Emiliano
e doPerneta,
mundo e,até
apesar
chegar
disso,
ao
apuro estético de Dalton Trevi- os
apuro
autores
estético
aqui de
nascidos
DaltonouTrevi-
radi-
san e Jamil Snege, este primeiro cados
san e Jamil
construíram
Snege, uma
este primeiro
tradição
volume de 101 poetas paranaenses poética de 101 poetas paranaenses
volume caracterizada pela multi-
— antologia de escritas poética do — antologia
plicidade de de escritas
vozes poética do
indispensável
século XIX ao XXI apresenta um séculoentender
para XIX ao XXIa poesia
apresenta
e, enfium
m,
painel vasto do que aconteceu de apainel
literatura
vasto do
brasileira
que aconteceu
como um de
melhor na poesia paranaense ao todo.
melhor na poesia paranaense ao
longo de cem anos. longo de cem anos.
O trabalho aqui compilado O trabalho aqui compilado
por Ademir Demarchi, que tam- por Ademir Demarchi, que tam-
tas poéticas
bém organizou o segundo volume bém organizou o segundo volume
X ao XXI da antologia, faz um recorte da da antologia, faz um recorte da
produção lírica paranaense, apre- produção lírica paranaense, apre-
sentando poetas nascidos em um sentando poetas nascidos em um
período que vai da segunda meta- período que vai da segunda meta-
ção
de do século XIX até o final dos de do século XIX até o final dos
marchi
anos 1950. anos 1950.
São cinquenta poetas, dos São cinquenta poetas, dos
mais diversos matizes: dos pionei- mais diversos matizes: dos pionei-
ros já citados até a geração que os ros já citados até a geração que os
sucedeu, muitos deles ainda em sucedeu, muitos deles ainda em
101
poetas
paranaenses
v.1 (1844-1959)
v.1 (1844-1959)
seleção e apresentação
ademir demarchi
Paulino Viapiana
Secretário de Estado da Cultura
Rogério Pereira
Diretor da Biblioteca Pública do Paraná
Núcleo de Edições
Marcio Renato dos Santos
Omar Godoy
Edição
Luiz Rebinski Junior
Preparação de originais
Mellissa R. Pitta
Revisão
Vanessa Rodrigues
Capa
Rafael Campos Rocha
Projeto Gráfico e Diagramação
Clarissa Menini
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16
a poesia
que se vive
o leitor
que se vire
17
1 Jorge Luis Borges. Os conjurados. Trad. Pepe Escobar, São Paulo: Três, 1985.
2 De certa forma este trabalho é um desdobramento ampliado do livro Passagens: an-
tologias de poetas contemporâneos do Paraná, que elaborei para a Imprensa Oficial
em 2002 para a Coleção Brasil Diferente, criada por Miguel Sanches Neto. Onze
anos se passaram, por isso, ainda que possa ser complementar quanto a questões lá
problematizadas e por ter um número maior de poemas, este está atualizado em
relação aos que lá foram incluídos. Na ocasião do lançamento de Passagens, Wil-
son Martins publicou uma resenha na Gazeta do Povo de 30/9/2002, “Meu nome é
legião”, em que ironizava aquela “horda” chegando: “Como os antigos exércitos ro-
manos, elas avançam em formação cerrada, as juvenilidades Auriverdes da poesia
brasileira, recrutando os seus guerrilheiros em todas as províncias do Império, de
Itambaracá, no Paraná, a Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e também em Ara-
raquara, Maringá, Curitiba, Bauru, Paranaguá, Londrina, S. João do Caiuá e Pato
Branco, além de Onças, SC, e Pato Branco…” Daí que, se vivo fosse, faria a ele esta
homenagem com uma horda aumentada para 101...
3 Toda a discussão sobre essa forma de lidar com a cultura, as ciências, as lutas so-
ciais etc., está em Mil Platôs,de Deleuze e Guattari. Os autores a teorizam de-
finindo que “não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa
estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente linhas. Quando Glenn Gould
acelera a execução de uma passagem não age exclusivamente como virtuoso; trans-
forma os pontos musicais em linhas, faz proliferar o conjunto”; um rizoma não ces-
sa de conectar cadeias semióticas, lida com o descentramento; “qualquer ponto
de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo”; ou seja, tal como
sugerem os autores e tal como entendo a forma de situarmo-nos na Babel polifônica
(Bakhtin) contemporânea, com esse compósito teórico possibilita-se, sob essa visada,
uma elaboração ou reelaboração simultânea do conhecimento a partir de todos os
pontos, sujeitos a reinterpretações por diferentes entendimentos ou concei- tualiza-
ções. A ideia de polifonismo, conforme as definições de Bakhtin em seu estudo sobre
Dostoiévski, aplicada tanto aos sujeitos quanto aos textos, possibilita novas recons-
tituições desses sujeitos na e pela interatividade. Uma antologia, assim composta
e lida, resulta, ao final, numa visada muito mais abrangente e complexa do cam-
po, enriquecendo a discussão estética que, em última instância, alcança as pecu-
liaridades e preferências estéticas ou de gosto de cada um. A bibliografia utilizada
para esta edição é a que está mencionada nas bibliografias dos autores; outras fon-
tes mais específicas são mencionadas nas notas e a que se refere às questões teóri-
cas que dão base para a introdução e seleção são: BAKHTIN, Mikhail. Problemas
da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitá-
ria, 2008; BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 2. ed., São Paulo:
Perspectiva, 1987; BRAITH, Beth (org.) Bakhtin, dialogismo e construção do sentido.
2. ed., rev., Campinas: Ed. da Unicamp, 2005; CHARTIER, Roger. A história cul-
tural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand; Lisboa: Difel, 1988;
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Trad.
Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 1995.
4 Paulo Leminski, num debate no Nicolau n.o 4, dizia que “o Paraná é Estado recente.
Estamos fundando uma tradição, um passado, um repertório coletivo”, sendo ele mes-
mo um dos que se empenharam em atingir uma alta consciência crítica nesse cená-
rio, buscando respostas com uma obra criativa complexa que abriu várias frentes de
batalha. MARQUARDT, Eduard. “O primeiro ano de Nicolau: ‘Nós do Paraná’”, in:
http://www.elsonfroes.com.br/kamiquase/nicolau3.htm, consultado em 30/9/2013.
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20
júlia da costa 25
emiliano perneta 31
emilio de meneses 41
dario vellozo 51
jean itiberé (João Itiberê da Cunha) 62
silveira neto 69
tasso da silveira 77
nenpuku sato 81
brasil pinheiro machado 85
helena kolody 91
glauco flores de sá brito 101
colombo de sousa 109
arthur barthelmess 117
dalton trevisan 123
josé paulo paes 131
foed castro chamma 135
alberto cardoso 143
walmor marcellino 147
sylvio back 155
26
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| VII |
29
30
Ao Mário de Barros
32
33
Escureceu. Silenciosa,
A Noite faz a toilette:
Na cabeleira tenebrosa
Engasta a lua um alfinete.
34
Ao Ismael Martins
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| II |
| III |
| IV |
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| VI |
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[Oliveira Lima]
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47
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49
Emilio de Meneses (Curitiba, 1866 — 1918) foi jornalista e poeta. Eleito para
a Academia Brasileira de Letras, faleceu antes de tomar posse. Entre suas prin-
cipais obras, destacam-se Marcha fúnebre (sonetos, 1892), Poemas da morte
(1901) e Obra reunida (1981).
50
52
53
54
55
56
[do Prelúdio]
Íon, no Espaço
Poeira komica na amplidão,
— Terra! —
Num círculo de aço,
Na órbita que o Destino retraçou;
Terra de servidão!...
Terra de expiação!...
Terra de redempção!...
Domínio de Mayá, — a encantadora,
Que vida e morte encerra,
De philtros cheia a ânfora sonora;
— TERRA —
Um mundo para o Homem,
Cujo corpo o teu limo formou;
Um nada do Infinito;
Penumbra das almas, cuja essência
A Essência Eterna irradiou;
Caçoula em que Formas se consomem,
Quando a alma revoa,
Livre à Carne, ao Desejo, que agrilhoa!...
— Terra!
57
(...)
Inquire o Mago:
58
(...)
Sacrifícios humanos! Sangue a rodo,
Sangue que as Larvas bibulas absorvem,
Do alto monte de Morven
Baixando,
Tumultuando,
Negrejando
O horizonte...
Lodo!
(...)
ATHENAS!
Um prelúdio de sol na ânfora da noite...
Um prelúdio de sol!...
Prelúdio!... — Dilúculo nascente,
59
(...)
Que o Destino se cumpra!
Que da ATLÂNTIDA o Gênio a mente forme
Do homem fraternal!
E seja a Terra dos Palmares,
Na UNIDADE — intangível,
A Pátria Universal,
A TERRA UNIVERSAL!
60
61
PERVERSITÉ
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65
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(Poema em prosa)
A Domingos Nascimento
Especialmente traduzido para a revista Club Coritybano
| II |
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A Nestor Victor
74
75
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78
Tasso da Silveira (Curitiba, 1895 — 1968) foi filho do poeta simbolista Silvei-
ra Neto, que fazia parte do grupo da revista O Cenáculo. Tasso foi colaborador
das revistas Árvore Nova, América Latina, Terra do Sol e Festa, esta última
fundada com Andrade Muricy. Em 1962, publicou Puro canto — poesias com-
pletas, reunindo livros como A alma heroica dos homens, Alegorias do homem
novo, As imagens acesas, O canto absoluto, entre outros. Em 1966 publicou seu
último livro, Poemas de antes.
79
lavre a terra
feito um deus como
Kunitokotatchi no Mikoto
lavrando a terra
plante também
um país de haicai
o barulho do trovão
ecoa na imensidão da selva
feito filhotes de trovão
a lua crescente
na sobrancelha do papagaio
você não percebe?
pássaros migrando
por toda a minha vida
ceifar tudo que planto
82
jardim de violetas
agora somos dois
no banco a borboleta
sementes de algodão
agora são de vento
as minhas mãos
flor do café
lavando essa roupa
flutua mais branca
via láctea
em qualquer lugar que eu viva
envelheço
83
84
Missa internacional
Com gentes de todas as raças
Ouvindo o padre alemão rezar em latim.
86
II
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89
90
93
PRISÃO
Puseste a gaiola
Suspensa de um ramo em flor,
Num dia de sol.
94
Mendiga,
busco o vestígio de teu olhar
nos olhos que te fitaram.
95
96
97
NAVEGANTE
Navegou
no veleiro dos livros.
Desembarcou
e conferiu.
98
O mundo é a paisagem
que me atinge
de passagem.
99
Em ti começa o mundo
Vêm depois os acessórios: a luz
O verde murmúrio de pássaros
e o mar
Se te ausentas é tudo
morte, solidão
anulando o sol, árvores
riachos
A vida és tu
Começa em ti o mundo
consciente e a música
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Terceiro
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TRIZ
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CÉU
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114
115
sabiá galinhão
duma figa
ciscando
profano
na terra macia
no mole do chão
da horta
estrumada
atrás
de minhoca
atrás de coró
quem daria
nesta hora
por tua lírica
três patacas
furadas?
118
fora
Voluntário
da Pátria
voltou
com duas
cunhãs
iguais
como pingos d’água
uma mulher
outra
cunhada
um dia
uma sumiu
ou então
quien lo sabe
os dois pingos
se juntaram
num pingo só
(cunhã
a cunhada
diferença
quase nada)
119
ar é frio
o rio
ainda morno
dentro chão
secreto forno?
nasce a neblina
na grande noite dentro
em vagarosas
fátuas
vagas brancas
galgando tenuemente
as barrancas
ninguém
nunca ficou
para saber
como se adensa
na madrugada
a branca massa
agora imensa
dependurada
no varal do nada
120
rio estuado
em largo quase lago
o paredão da Serra
por uma vez
aqui se abranda
em rampa mole
facinha de subir
era o sinal
ali seria
seria ali
voilá! voici!
e ali foi
só não durou
em 1846
se fez
no mesmo ano
acabou
121
122
[...]
124
[...]
se não me currar
em todas as posições indecentes
desde o cabelo até a unha do pé
taradão como só você
é certo que faleci me finei
todinha morta
se não me crucificar
entre beijos orgasmos tabefes ganidos
só me cabe morrer
minha morte é fatal
de sete mortes morrida
mortinha de amor é Sulamita
125
[...]
126
127
128
129
MURILIANA
132
José Paulo Paes (Taquaritinga, 1926 — 1998) colaborou com a revista Joa-
quim, além de escrever em outros jornais e traduzir para o português obras de
Charles Dickens, Laurence Sterne e Lewis Carroll. Publicou o livro de poemas
O aluno, em 1947.
133
Ir a ti
colher as iras
crespas do ar
os verdes cachos
eriçados
de espinho,
despir do solo
o resto de uvas
que espremi no frio
armar na grama
os ramos de amor
presos à terra,
as raízes
do grito
cortar o rito
das retinas
queimadas,
lavrar o ouro
o ímpeto rubro
do riso
136
o olhar veloz
a amedrontada noite
o aflito ouvido
da estrada,
desatar a fala
das árvores
as fitas
das serpentes
o azul do voo
as asas
das borboletas
desatar
as asas pretas
dos corvos
folhas de carvão
no ar
137
queimar a língua
das águas
varar os cabelos
da noite
queimar a luz
atrás do grito
das aves
carpir o capim
colher o arroz
cortar a lã
dos carneiros
o fogo da boca
o ruído
das palavras
dobrar as cordas do ar
presas ao vento
138
comer a ameixa
139
|I|
| VII |
140
Foed Castro Chamma (Irati, 1927 — 2010) publicou, entre outros, Iniciação
ao sonho (poemas, 1955), O poder da palavra (poemas, 1959) e Labirinto (poe-
mas, 1967).
141
144
Minha poenau
quando partiu
calmos mares sonhava
planando espumarada
ancoradouros festivos buscava
Como a vida
o mar é de veneta
A poenau
carregada de versos
chocou-se com a fúria das tempestades
a lira maestra das rotas
quebrou-se no peito das rochas
a musa sereia-encantanda
quedou-se no pélago marino
145
146
148
149
150
151
Sílica e enxofre no ar
que pesado se respira,
tem um filtro a saturar
o suor que temos dentro.
152
[...]
Afinal, eu me apresento
jogando força à minha voz,
mesmo gesto em descompasso,
não sei, não sou mas faço.
Eu de minha parte
canto.
Faço profissão de arte.
Protesto. Canto.
Primeiro um canto fraco,
mas canto de precisão,
chamado de reunião.
Mesmo inseguro
talhando algum perigo
canto o homem do futuro.
E quem quiser cante comigo.
153
154
só dorso de luz
nada que atordoe
o fio do fundo
nada que turve
a aura mínima
só pura abulia
nada que perturbe
o eco do fugaz
nada que urgente
o átimo imerso
só voo mortiço
nada que perfure
a nódoa cerúlea
nada que arruíne
o ícone ínfimo
156
TODAVIA
157
mãos e coxas
(orvalhadas)
seios e boca
(vozes sem vezo)
Pálpebras
(inermes)
torpedeiam
os jardins
do desejo
a memória
(essa cafetã!)
esboça
um sorriso
amarelo
158
a duração do desejo
toda carne é erva
a duração do desejo
toda carne é excesso
a duração do desejo
toda carne é tirana
a duração do desejo
toda carne é escarcéu
a duração do desejo
toda carne é cantárida
a duração do desejo
toda carne é líquida
159
160
161
164
165
166
13
167
168
169
Toma a máquina
do meu corpo
e nela transporta socorro
para os teus aflitos
É de pouca serventia, sei
— o coração me arde,
meus músculos estão fracos —
mas podes usá-la à exaustão.
E quando não mais prestar,
Senhor, escolhe uma tíbia
e faze uma flauta.
170
Deixem-me arder
Deixem-me queimar as asas
nessa vela,
nesse sol, nesse leires que envenena
as couves embrutecidas
pela treva.
Deixem-me arder.
Se ofendo sua lógica,
sua prosódias, seus anéis
de sempre elegante curvatura,
esmaguem minha musculatura
e os ossos que a sustêm.
Mas me deixem arder
Deixem-me arder de infinito
nesse iníquo delíquio
de existir.
E se os ofendo,
soprem minhas cinzas,
derramem minha lixívia,
mas me deixem auferir
as estrelas como o úmero roto
açoita o músculo que seu voo
desencanta.
Deixem-me luzir
definhar meu luminoso espanto
onde só lhes é permitido
sobraçar espasmos
e guarda-chuvas.
171
172
Se eu fosse mulher,
eu seria a turca
dos peitos caídos.
Teria tido
um amor açougueiro,
um amor bancário,
um amor burocrata;
e um tumor benigno
bem junto à omoplata.
Minhas entranhas
não me dariam
tanto incômodo
quanto uma pequena
inflamação na virilha.
Leria romances,
apesar da conjuntivite crônica;
e descobriria meu nome
numa pequena rua torta de Siracusa.
173
Brasas no leito.
Pedra de gelo no peito.
O coração, um duende
com uma perna decepada
por um gato.
Turca-dos-peitos-caídos:
vinte anos depois,
o cheiro de carne moída
das mãos do açougueiro persiste
apesar dos banhos de phebo.
Turca-dos-fins-de-semana:
lesma no prato, moela de galinha,
pedaço de algodão
para disfarçar uma retração das gengivas.
174
175
178
179
1.
2.
180
4.
181
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183
186
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188
189
190
191
Manoel de Andrade (Rio Negrinho, 1940) tem uma obra poética marcada
pelo engajamento político, movido pelo ideais revolucionários que se espa-
lharam pela América Latina a partir da Revolução Cubana. É autor dos livros
Poemas para a liberdade (2009) e Cantares (2007).
192
aqui as aves
não gorjeiam
corvejam
me cassaram a liminar
194
De Mínimas tatuagens
195
o polaco preto
quanto chegou no céu
não disse nada
e assinou embaixo
da madrugada
De Entreato
¿que é a poesia?
quantos quilômetros
os carros e os rolos das minhas máquinas de escrever
196
a maçã do amor.
mais um cacófato.
teda bara
usava rebites nos seios
197
198
199
labaredas no firmamento.
incrível que eu haja demorado tanto, de novo.
as imagens do meu filme de cowboy incharam
travando o aparelho de projeção.
o anjo do senhor me dissera, na esquina:
— você retorna depois, sossélla, nem olhe para lá
enquanto fomos subindo pela rua almirante tamandaré.
era compreensível, pois ele só falava em céu sujo.
anos a fio.
aí eu fui entender o significado de joão l.
andar numa bicicleta com rodas quadradas
num bairro obscuro
e a carne moída em cima e ao lado da sepultura dela
completamente louca e morta.
o que chorei e briguei com deus...
as cenas familiares arderam antes no fogão de lenha.
foram enterrados no inferno, aqueles dois.
— com um milhão de diabos navajos, ward bond
não sobrou nada.
200
Sérgio Rubens Sossélla (Curitiba, 1942 — 2003) foi juiz de Direito no Paraná
e publicou mais de 300 livros, entre os quais Tatuagens de Nathannaël (poe-
mas, 1981), Aos vencedores as batalhas (poemas, 1987) e A linguagem prometida
(poemas, 2000).
201
204
205
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
206
207
alma de papoula
lágrimas
para as cebolas
dez dedos de fada
caralho
de novo cheirando a alho
que viagem
ficar aqui
parada
210
nenhum coração
suporta
o pouco
basta um galhinho
e vira trapezista
o passarinho
Lembra o tempo
em que você sentia
e sentir
era a forma
mais sábia de saber
211
vai ficar
ou é de férias
que você vem?
212
não me agradam
essas coisas que despertam
barulho, susto, água fria
tudo na minha cara
mais nenhum sonho por perto
não me agradam
essas coisas que adormecem
vazio, escuro, calmaria
tudo que lembra morte
quando nada mais dá certo
não me agradam
essas coisas sem poesia
uma noite só noite
um dia só dia
213
216
217
218
CERIMÔNIA EM SONHO
219
As margaridas brotam
as salsas não e Bruto
fugiu. Diabo de cão.
Ninguém apareceu
na Semana Santa.
Nem você,
seu fariseu.
220
Pego no álbum
ligo o picape
ouço o Moulin Rouge
de saudade
do seu pai.
E da roseira brava
na nossa casa
da minha tina
do balanço quebrado
dos meus turbantes
as lavandas velhas
e da esperança
nos anos 50.
Li o livro
que você esqueceu.
O tal Lady Amante
de não sei o quê.
Mas que livro horrível
de tão físico,
meu filho.
221
O PINHEIRO
Jair Ferreira dos Santos (Cornélio Procópio, 1946) está radicado no Rio de
Janeiro desde a década de 1970. Foi editor da revista Veredas, do Centro Cul-
tural Banco do Brasil. Publicou, entre outros, Kafka na cama (contos, 1980), A
faca serena (poemas, 1983), O que é pós-moderno (ensaio, 1986) e Cybersenzala
(contos, 2006).
222
224
225
Só
Sem deus e sem partido.
Sem amores.
Convicções extraviadas
junto com os dentes de sorrir
e os laços de família.
226
227
|I|
| II |
228
| VI |
a procissão caminha
passos, meninas do colégio
à frente, minha prima
bela e lampeira
em sua caixa de boneca
já não chora, já não diz — “Mamãe”
muda
desfila o dia de gala
seu medo passou completamente
230
sujo inteiramente
como as luvas
um homem feio vem
chapéu de feltro velho, abas ensebadas
e com pá completa seu serviço
231
| XI |
232
233
mas
na hora vaga que precede o dia
bebem vitamina e comem
como crianças
o pastel que despenca seu recheio
234
quando amanhece
todas as putas viram fadas
235
maus
versos e bons planos
faço isso há anos
escrevo
tenho todos os dentes
peso até excessivo
adoeço raramente
nasci no brasil
logo, não existo
proletária do espírito
salário não paga minha fome
236
237
O ódio se aprende.
A mãe não ensinou nada disso.
A mãe olhou pra mim pequeno e disse:
Dá a outra face quando te sangrarem uma.
Quando pequeno não via sinais de ódio
nem quando a colher de pau dançava nas costelas,
a vara de marmelo assobiava nas costas.
240
Esperança
nasce da morte da paixão
na própria tampa do caixão,
da matéria da mortalha
se faz teto e agasalho.
Esperar
mas esperar como rodas
sua fala redonda.
Esperar
241
Esperar
mas esperar como galo
abrir asas, criar calo.
Esperar
mas esperar como o cavalo.
242
243
o cão polaco
de pólvora
lágrimas
muros
— o General Inferno —
244
Wislawa — perdão —
Te vou compondo de teus pedaços
Como quem anseia o inteiro traço.
246
MÍNIMO IMENSO
| I |
Eu sou só isso
Mas tudo isso
Eu sol?
| II |
Ao despir o manto
Dá-me mais metáforas
Que água
247
Ao pisar a pedra
Deixa-me ser delicado
Como quem pertence
| IV |
|V|
| VI |
Imenso universo
Da minha vida pequena
Eu sou apenas
248
Limpo o pó do espelho
O que me diz esta água fria
Severa fonte de Mallarmé?
Verdade ou ironia?
249
|I|
| II |
Ao Reginaldo Fernandes
UM TIGRE
DOIS CISNES
TRÊS SIGNOS
252
...............................
...................
...............................
...................
Prefiro, menestrel
de beira & borda,
roer, como um de Roma
rato, a Corda.
ENSEJO
Anjos
tangem
banjos
para o
ensejo.
253
Semidespida musa,
ensandecido bardo.
Semidesfeito leito,
semissugado lábio.
LA ESTACIÓN FLORIDA
O TAO DA FODA
254
Jaques Brand (Curitiba, 1948) é jornalista com passagem pelas redações dos
jornais Folha de Londrina, O Estado do Paraná, Tribuna do Paraná, Jornal do
Estado e da revista Panorama, além de ter colaborado com o jornal Nicolau. É
autor de Brisais (poemas, 1997).
255
O orgulho
de ver teu brilho
no olhar do filho
Eram dois
ou duzentos pernilongos
no quarto escuro
258
Eram dois
ou duzentos pernilongos
vaiando no escuro
Frio na barriga
suor na nuca
Mas foi
simplesmente mulher
depois de cervejas frias
e partidas de sinuca
Os cabelos eram
sem cor definida
A cama era bamba
e tremia como eu
O nome era Aparecida
Depois
virou lembrança
mas o preço valeu
para o resto da vida
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263
morde morde
abre a vala
salga
tem palavra
que te lambe a alma
lambe lambe
faz que sara
nunca se sabe
266
Ionona
bafo perfumado
quando cuspia
cimentava rachaduras onde o peito queima
(pequenos infernos...)
Gercina Placidina
esquentava um tijolo
em seu fogão a lenha
envolvia um saco de algodão
e vinha aos meus pés hibernos
267
religiosamente
e serve o jantar
268
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271
272
bichinhos de Deus
coatis, os mamilos teus,
tange o bico rosa
273
há um Deus de luto
no demasiado rútilo
que se liquida ao norte
por uma estrela de gelo
e a lua simples nos olmos
carrega em impuro siena
pelas mãos do Deus abrupto
acre oficina de sustos
274
há um Deus silente
na tinta incendiada
de sonetos e poentes
manhã de ouro encardida
cincerros da madrugada
sussuro de Deus com pluma
no andado quase ar voante
de chá e voal o vento
275
aguada de inverno
um telhado contra o azul
lavado de estrelas
Wilson Bueno (Jaguapitã, 1949 — 2010) foi jornalista, com passagem pelas
redações de O Estado do Paraná e O Globo, dirigiu o jornal literário Nicolau.
Autor, entre outros, de Bolero's Bar (crônicas e contos, 1986), Manual de zoofi-
lia (poemas, 1991), Mar Paraguayo (romance, 1992), Meu tio Roseno, a cavalo
(novela, 2000), Amar-te a ti nem sei se com carícias (romance, 2004) e Mano,
a noite está velha (2011).
276
278
Enquanto é tempo
ninguém foi ver se eu estava na esquina
ou se, pelo menos, minha palavra estava
e dizia a que veio
batendo de frente
de perfil
de quina
a poesia é um escândalo
atrás do outro
o poeta, um bando
movido à cicatriz
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POEMA VII
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294
Quando eu desperto
desperta um outro dentro de mim
que por sua vez desperta outro
e esse a tantos outros
como se fosse um cardume
por isso eu navego assim
São tantos e tão diferentes
cantando dentro de mim.
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296
RESTAURADOR DE SONHOS
FELIZ ANIVERSÁRIO
GALO
297
CANONIZAÇÃO DE SANTA
HELENA KOLODY
298
300
301
302
A mulher-gato
vem nos salvar
nesse nosso dia
insuportável?
O homem-aranha
vem nos redimir
quando tentamos
coisas irremediáveis?
Não.
Apenas um gato e
uma aranha
surgem rasteiros
no meu telhado
no meu telhado cheio
de goteiras
cheio de passados
que não se importam
se estão
do meu agrado.
303
Quando a gente
se olha no espelho:
os sinais da velhice
os cabelos na pia
os sinais na planície
armada pelo corpo
plácido bonito
amado e esquecido
um dia na memória
página relida
como se nunca visse
o vidro e sua vida.
304
a vida?
já vi esse filme
afinal
eu sempre morro
no final
306
a morte
é um vício
muito antigo
só que nunca
aconteceu comigo
pode ir
que eu não ligo
eu fico por aqui
separando
o tijolo do trigo
307
308
309
Luiz Antonio Solda (Itararé, 1952) vive em Curitiba desde a década de 1960.
Foi diretor de arte em agências de publicidade e colaborou em jornais curiti-
banos e brasileiros. Atualmente, tem uma coluna de humor gráfico na revista
Ideias, da Travessa dos Editores. Publicou, entre outros, Saldos & retalhos (po-
emas, 1994), Kamikase do espanto (prosa, poemas e desenhos, 2001) e Almana-
que do professor Thimpor (prosa poética, 2001).
310
Eu te aprendi cidade
Eu te conheço e saúdo
Eu te conheço cidade
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314
LIÇÃO
315
O tempo
enfiou-me o cansaço
das bíblias e dos ídolos
sob as retinas.
Cristalizou-me a esperança
e volatizou-me o medo
costurando o amor
e o ódio
no rebanho de luas.
O tempo
deu-me filhos
amigos, inimigos,
pessoas que rondaram meu coração
como lobos
como cordeiros
ou ainda como
companheiros.
316
O tempo
deu-me cabelos brancos
e paciência.
Deu-me
a certeza da dúvida
como motor do mundo.
317
320
Estou precisando
De um samba bom
Maria Leonora,
Por que levou meu cachorrinho?
Você me gelou
Muito abaixo de zero
Maria Leonora,
Ele não mastiga mais
A barra da calça
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323
Se de mais desfruta
Pensa que sabe ou intui
É no nada que se engana
Em nosso vizinho
No irmão querido
No mendigo petulante
Não nos reconhecemos
324
325
indumentária de cossaco
refletida nos copos
de avenidas sonsas
Curitiba, meu frio, minha luta
o sonho de toda onça
é ter um casaco de pele de puta
travestidos lares
procurando-nos, todos os bares
nunca mais
nossa sede nunca mais
será a mesma
328
CIRANDAR
329
fazendo reportagem
lá no Centro Espírita
mando matéria?
intacto
apenas o coração
do cacto
330
aceito o plano b
te odiar
deve doer menos
e o alfabeto inteiro
na língua do oceano?
(pergunta o colibri)
se posso ampliar tudo
para que dois planos?
o plano “r”
resgata tudo
rói ruínas resolutas
reinaugura rosas
rente rubros rancores
332
BEATRIZ
Perhaps/Happiness-
333
334
CENTAURO ITALIANO
335
Bárbara Lia (Assaí, 1955) tem textos publicados em diversas antologias, como O
que é poesia? (2009) e Amar, verbo atemporal — 100 poemas de amor (2012). Pu-
blicou ainda O sal das rosas (poemas, 2007) e Solidão calcinada (romance, 2008).
336
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341
342
Cesar Bond (Irati, 1956 — 2004) publicou, entre outros, Esses homens tão cha-
péus (poemas, 1980) e As mulheres são todas (poemas, 1984).
343
346
347
O Caingangue me estende
as mãos
mãos limpas de terra
curtidas de embiras
nos seus olhos, noites grandes
caçadas, roçados, colheitas
aventuras de terra e rio
pinha, pinhante, pinhão
milho, mandioca, feijão
cestos trançados do viver
:a vida: no todo dia
a poesia tosca do chão
movimento, andanças
bichos no cio
balaios, chocalhos
arcos e flechas, pintados
em anilina, azuis e verdes
linguagens de mata, dias
noites, sons e tempestades
os curumins inventam
brinquedos com cipós e frutos
de estação
alaridam como gralhas
ao redor da fogueira
as pequenas almas puras
o futuro, nada ou pouco
lhes diz
em poeta, invado aquela
348
349
350
351
352
1.
355
Há um degrau de morte
no desvão da escada.
Aranhas, aos montes,
o preenchem de tênues
dúvidas. Austeras, tecem
o sono, em lugar da espada,
em ingênuos arremedos
do arremesso final e inquieto.
Há luzes na calçada,
mas o espaço pouco entre
ela e a noite é interrogação.
Pergunta que paira
na irrespondível chegada
de uma insossa manhã
quase impossível e frágil.
Tão frágil que mal se ouve
os passos que rangem
na escada invisível
que se esconde e se mostra
por trás do espelho.
356
No avesso do quarto
exíguo do hotel barato,
reflete a telha chã e vã
que reconstrói o dia pelo inverso.
Na luz que entra e se espalha
pela extensão da cama velha,
ainda se sente o soar dos passos,
a ecoar no brilho da lâmina
que os olhos então dispersos
registram ainda como estranha,
límpida e marmórea lápide.
357
1.
Desculpe-me, Clarice,
nunca devorei uma barata.
Não por nojo físico
ou metafísico desprazer.
Compreendo-as,
em seu fugir pelos cantos.
Conheço-as todas,
e divido com elas,
companheiras insones,
as noites do não-dormir.
358
Comer baratas?
Comer-me-ia eu mesmo.
359
A pétala azul
de porcelana antiga
despencou sobre a mesa
amarela. Inteira e fresca
a dália se mantém
ereta.
360
361
marli marmelo
entrou na lanchonete
e como se fosse borboleta
pousou no balcão amarelo
beth canivete
deu um beijo no garçon
do pó de estrelas
aspiro o brilho
longe da insensatez
dos dias
364
o que o sujeito
enriquece
não é o adjetivo
(só parece)
de palavras
vivi um bocado
pra chegar
ao predicado
juntando letras
(no céu branco
estrelas pretas)
desprezo o jugo
de bancos e caretas
às vezes me perguntam
: e o tempo futuro, poeta?
seguro a barra e respondo
: quando vier, conjugo
365
componho navios
de meus destroços
inútil partitura
meus ossos
dos sonhos
restarão rastros?
366
é maio
e o sol desmaia
no bosque
no ócio
na praia
noitou cedo
quem diria
meio rosa
quando prosa
quando pessoa
poesia
meio junkie
meio jeca
meio dândi
meio dark
mamãe vou passear
no parque
da antropofagia
367
ouço um som
como de sinos
na sombra
um cristão carrega
crisântemos clandestinos
faço de conta
que sou feliz
vou aonde aponta
o meu nariz
368
não me xingue
não se zangue
é só o jorro
do meu sangue
369
370
essa história
sei de cor
todo caminho
vai dar no bar
voo
não existe
sorte azar
não existe
tudo é risco
arrisque
leão de zoo
tem os olhos tristes
lua porcelana
chá de jasmim
outono sopra
flautas
de bambu
dentro de mim
371
374
na tarde líquida
caramujos deixam viscosidade e grude
entre as árvores
cascas camuflam-se nos troncos
até que antenas marrons
despontam para lembrar
que é tenso e úmido
lamber escargots
como o primeiro beijo
prossigo entre as folhas
em rotas de seda
tecelã da brisa que acende
a memória de um canto breve
até a última ciranda
perdida nos galhos
trincar a fruta
entre a língua
o gozo
e o sumo
375
no último beijo
transversal de línguas
poliglota
falo de amor
delicadezas doem
376
377
Célia Musilli (Londrina, 1957) assina uma coluna semanal no jornal Folha de
Londrina e é autora de Sensível desafio (poesia, 2006) e Todas as mulheres em
mim (prosa poética, 2010).
378
marta rocha
a torta perfeita
380
De Paraguayos do Universo,
em parceria com Marcos Prado
381
382
383
| I |
Torrentes de rápidos
sobre pedras lisas, sobre pedras ásperas,
sobre pedras ríspidas, sobre pedras límpidas.
Tudo é igual e diferente de si mesmo.
Leitos de rios secos, securas de estrume,
restos de sementes, relevos do vento.
386
387
[...]
Você me diz:
A imagem reinventa
em teu rosto a paisagem.
Entre os corpos
brancos do sal evaporado
a febre porejando
seus anéis de serpente.
388
389
homens em roda
esfumaçam um maracá
em forma de rosto
com folhas
de tabaco em fogo,
enquanto o velho
390
Para Teodoro
(sob a Constelação da Ema, cujas penas são
desenhadas por claro-escuros da Via Láctea)
391
392
em cada greta
e grumo
do terreno
foi descobrindo
grelos
e vergônteas,
ocelos verdes
e outros
arremedos
no alfobre
farto de bolor
e mofo,
sobre os sulcos
cheios
de refolhos
— em cada covo
um eco de silêncio,
a própria sombra
um paroxismo
de roxos
393
Josely Vianna Baptista (Curitiba, 1957) é considerada uma das mais habili-
dosas tradutoras da língua espanhola para o português. Assina traduções de li-
vros de Jorge Luís Borges, Lezama Lima, Julio Cortázar e Enrique Vila-Matas.
Publicou, entre outros, Ar (poemas, 1991) e Sol sobre nuvens (poemas, 2007).
394
quando o céu e
a terra
se encontram
o hábito negro
do monge
desaparece
e sem alarde
a imensidão
do céu
forra-se jade
o cão
sonha a cidade
o ouro que
invade
entardece
sombra na
luz cega o
deserto insondável
396
vagar
com as vestes
gorjear o
corpo
ser pássaro
noturno
deitar a
alma no verso
cobrir-se de
céu
do sim e do não
ser véu
ser a dor
no abraço ao chão
amar o deserto
amar
ao longe que
além do
vazio há o monge
e o cão
397
O MAPA
o território líquido
das distâncias sem dor
398
Luce Bakun
399
400
| II |
401
402
”
occaecat cupidatat non proident, sunt in culpa qui
officia deserunt mollit anim id est laborum.”
Ademir Demarchi
ISBN 978-85-66382-10-5
9 788566 382105