Educação Ambiental e Quilobolas

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CULTURA

QUILOMBOLA: ENTRE AUSÊNCIAS


DE POLÍTICAS PÚBLICAS E
PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA
Lediane da Silva Borges1
João Batista do Carmo Silva2
Doriedson do Socorro Rodrigues3

Resumo: O estudo analisou as relações entre a Educação Ambiental e a cultura


quilombola, materializadas em saberes, práticas ambientais e culturais na comunidade
Quilombola de Bailique Centro (Oeiras do Pará). Para isso, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica e de campo, com abordagem qualitativa. A coleta de dados foi mediante
entrevistas semiestruturadas. O estudo revelou problemáticas socioambientais,
educacionais, de infraestrutura e de saúde, entre outros serviços públicos. Conclui-se
que, mesmo com a ausência de políticas públicas educacionais e ambientais, voltadas
para sustentabilidade, a materialidade de saberes ambientais está fundada na
preocupação da conservação da bio-sócio-diversidade local, explicitada a partir de
ações de trabalho, vivenciadas no coletivo.
Palavras-chave: Educação Ambiental; Saberes Ambientais e Culturais; Formação
Humana.

Abstract: The study analyzed the relationship between environmental education and
quilombola culture, materialized in knowledge, environmental and cultural practices in
the Quilombola community of Bailique Centro (Baião-Pará). For this, a bibliographic
and field research was carried out, which according to the problem is qualitative, whose
data collection was through semi-structured interviews for socio-environmental
analysis. The study revealed socio-environmental, educational, infrastructure and
health issues, among other public services. It follows that, even with the absence of
public educational and environmental policies, focused on sustainability, the materiality
of environmental knowledge is based on the concern for the conservation of local bio-
socio-diversity, made explicit through work actions, experienced in the collective.
Keywords: Environmental Education; Environmental and Cultural Knowledge; Human
Formation.

1 Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] .


2 Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] .
revista brasileira
de 3 Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] .

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Introdução
O presente estudo é um recorte da monografia, apresentada ao curso
de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), cuja
pesquisa foi realizada com os moradores do povoado quilombola 4 de Bailique
Centro, município de Baião, Estado do Pará, tendo como questão central
analisar os saberes ambientais decorrentes das experiências do fazer
cotidiano, vinculadas à vida de homens e mulheres quilombolas, expressas em
tradições orais e traduzidas nas suas expressões concretas de existência,
como afirma Oliveira (2011), em integração com práticas de trabalho que
orientam a organização social e os modos de vida de grupos sociais da
comunidade quilombola de Bailique Centro (Baião-Pará-Amazônia-Brasil),
problematizando-se as relações que estabelecem com esses saberes, como
são constituídos e desenvolvidos na comunidade.
O espaço físico social, onde foi realizada a pesquisa, centra-se na
comunidade remanescente quilombola de Bailique Centro, localizado nas
proximidades do km 83 da Br. 422, à margem direita do rio Tocantins, entre os
municípios de Oeiras do Pará e Baião-PA, área quilombola, que faz parte do
território rural intitulado e reconhecido pelo Instituto de Terras do Pará
(ITERPA) como Associação de Remanescentes de Quilombos de Bailique
(ARQBI), para ocupação e uso das famílias remanescente de quilombos da
comunidade Bailique, com área total de 2.000m² (ITERPA, 2002).
O acesso à comunidade é por via terrestre ou fluvial, pela BR 422,
estrada de chão batido e pelo Rio Tocantins que liga vários Municípios, entre
eles, Baião. Assim, podemos traçar a trajetória do Município de Cametá à
comunidade de Bailique Centro, percorrendo 83km de estrada de chão, e
adentrando-se ao lado esquerdo ao ramal, percorrendo, desse modo, mais
1,300 km, para enfim chegar a área de estudo, totalizando uma trajetória de 84,
300 km.
Nas Figuras 1 a 3 identificamos a rota utilizada para o deslocamento da
cidade de Cametá e de Baião até o lócus de pesquisa, bem como a área
estudada e a rua principal da comunidade, tendo como ponto de referência a
escola e as residências dos nove moradores, entre mulheres e homens,
intérpretes desta pesquisa.

4 Segundo afirma Pinto (2010), quilombola diz respeito à povoação (ou habitante desta), originária de
antigo reduto de negros fugitivos, os resistentes do processo escravistas. A autora também ressalta que,
de origem Kimbundo (Sul de Angola), as palavras quilombo e mocambo têm significados diferentes.
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Figura 1: Mapa da trajetória do Município de Cametá e Baião até o lócus da pesquisa.
Fonte: Elaborado pelos próprios autores (2020).

Figura 2: Delimitação Empírica da área de estudo.


Fonte: Elaborado pelos próprios autores (2020).

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Figura 3: Rua de acesso principal da comunidade de Bailique Centro.
Fonte: Elaborado pelos próprios autores (2020).

Este estudo, baseado em pesquisas sobre o mote em tela e nas


narrativas dos sujeitos da pesquisa, teve como objetivo analisar as relações
entre a Educação Ambiental e a cultura quilombola, materializadas em saberes,
práticas ambientais e culturais na comunidade Quilombola de Bailique Centro
(Oeiras do Pará).
Os processos metodológicos foram estabelecidos a partir de diálogos
com autores, que se ocupam da temática em estudo, como: Leff (2001), Tuan
(1980), Laraia (2009), além de outros que auxiliaram nas análises da sua
constituição. Da mesma forma, realizamos a pesquisa de campo, a partir da
observação no lócus, cujo instrumento de coletas de dados utilizado foram as
entrevistas semiestruturadas com análise socioambiental.
Optamos por uma investigação qualitativa, esta que, segundo Araujo
(2012), possibilita observar, registrar e analisar as narrativas dos moradores, as
relações sócio-culturais-ambientais e de trabalho da comunidade pesquisada,
procedendo, em seguida, a uma etnografia da vida dos seus sujeitos com suas
experiências cotidianas, os procedimentos, as atitudes e os valores das
pessoas, conforme Godoy (1995).
Para isso, contamos com a colaboração de 06 (seis) sujeitos entre
homens e mulheres, na faixa etária de 35 a 81 anos que explicitam, em suas
narrativas, saberes e práticas ambientais, sendo os dados analisados na
correlação entre desafios a enfrentar pela comunidade no que concerne às
práticas cultural e ambiental e a presença/ausência de políticas públicas nessa
perspectiva, observando-se a Educação Ambiental, suas potencialidades e
limites nos diálogos com os povos e comunidades tradicionais afro-brasileiras,
a partir de Bailique-Pará. Optamos também por manter somente a inicial da
letra do nome dos sujeitos, visto que eles preferem se identificar dessa
maneira, para os propósitos da presente pesquisa.
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Destacamos que, para uma percepção do cotidiano, da cultura e das
tradições da população quilombola em estudo, foi necessário estabelecer um
relacionamento com alguns sujeitos da comunidade, a fim de favorecer o
acesso às histórias de vida e às suas experiências no dia a dia, analisando
como os saberes e os fazeres dos remanescentes quilombolas dialogam com a
Educação Ambiental, a partir das “Histórias de Vida”.
Na comunidade Quilombola de Bailique Centro, a maioria dos moradores
vive da caça, pesca e em específico da agricultura familiar, precisamente da
roça na produção de farinha, milho e arroz e das criações de animais e cultivo
dos vegetais, sendo que a base da economia é a produção agrícola de
subsistência. Além disso, recebem apoio de programas sociais, como o Bolsa
Família.
A comunidade apresenta, também, traços culturais afro-brasileiros,
herdados pelos primeiros moradores, cujos costumes, valores, respeito,
valorização do ambiente, crenças, danças, comidas, linguagem, lendas,
artesanatos e outras estão gravadas na memória como forma de simbologia e
valorização cultural e constantemente sendo repassadas às novas gerações,
legado de um longo processo acumulativo que reflete o conhecimento e a
experiência, resultando no esforço da comunidade, como assevera Laraia
(2009).
A realidade rural quilombola de Bailique Centro é marcada pela
precariedade social, econômica e política. Contudo, mesmo com as
dificuldades existentes, têm-se garantido sustentavelmente os recursos da
natureza e o desenvolvimento da Educação Ambiental no território, visto que
essas comunidades quilombolas, de acordo com Shiva (2003, p. 22): “[...]
criaram uma forma de saber e descobriram maneiras de tirar seu sustento da
natureza” mesmo enfrentando problemáticas socioambientais de infraestrutura,
tais como: falta de saneamento básico e de água tratada, atendimento de
saúde precários e insuficientes, falta de coleta de resíduo sólido e outras –
suas práticas de trabalho e organização social são pensadas nas
preocupações de conservação da bio-sócio-diversidade local.
As crianças, assim como os jovens, aprendem desde cedo algumas
práticas de agricultura e cuidados com o ambiente, como: adubar a terra com
restos de materiais orgânicos da natureza, plantar e colher em tempos
determinados, cuidar do solo e água etc.; é uma “[...] rede de saberes
quilombolas que não se reconhece em teoria senão em prática através do
trabalho, pela agricultura, pela convivência diária”, como ressalta Muñoz (2003,
p. 14).
O dia todo, os moradores mantêm o contato direto com o ambiente.
Quando não estão na lavoura, estão no quintal cuidando dos animais, plantas,
varrendo terreiro, capinando, colhendo milho, arroz ou coletando produtos do
mato, fazendo remédios ou alguma alimentação que vem da própria natureza.
Com base no exposto, além dessa Introdução, este artigo organiza-se em
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de quatro seções, descritas a seguir:
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Na primeira, discutimos aspectos teóricos de Educação Ambiental em
interação com elementos de Cultura Quilombola; na segunda, abordamos os
saberes ambientais em Comunidades Quilombolas; na terceira, explicitamos
como se Constituem e Expressam os Saberes Culturais e Ambientais; e na
quarta, problematizamos esses Saberes Ambientais com as lutas e as práticas
de resistências da Comunidade Quilombola de Bailique Centro, Oeiras do
Pará-PA.
Após essas discussões, temos as Considerações Finais e, por fim,
Referências, nas quais são informadas as fontes de consulta utilizadas para o
aporte teórico desta pesquisa.

Educação Ambiental e Cultura Quilombola


A Educação Ambiental e Cultura Quilombola nas comunidades
tradicionais não se concretizam sem o reconhecimento da realidade histórica
dos sujeitos que nela vivem. Por isso, identificar seus processos culturais, sua
socialização e as relações de trabalho, vividas pelos sujeitos em suas práticas
diárias, implica reconhecer, nesse sentido, que a Educação Ambiental e a
Cultura Quilombola favorecem a identidade de uma comunidade e o
reconhecimento de diferentes saberes e fazeres já construídos, a partir de suas
histórias de vida.
A perspectiva ambiental consiste num modo de perceber o mundo como
ele está evidenciado em vários elementos para a constituição e manutenção da
vida, pois, à medida que o indivíduo intervém na natureza, em busca de
satisfazer sua necessidade, surgem tensões, agressões e produções ao
ambiente natural. “O ambiente não é o meio que circunda a espécie e as
populações biológicas é uma categoria sociológica relativa a uma racionalidade
social, configurada por comportamento, valores e saberes” (LEFF, 2010,
p.160).
Essa relação humano-natureza vai além de compreender a
biodiversidade, é o que afirma Leff (2010), visto que há necessidade de o
indivíduo manter a relação social entre os seres vivos e o ambiente por
intermédio da sociologia do conhecimento que ‘abre’ um campo de estudo a
respeito da condição ambiental (ecológicas e sociais) que induz a produção e a
transformação do conhecimento ambiental.
A relação do humano-natureza já vem sendo desenvolvida
historicamente, uma vez que não se pode pensar Educação Ambiental sem
pensar na ação humana sobre a natureza. E esta ação pode ser vista de duas
formas: uma coletiva e outra transformadora (modificar), como específica
Charlot e Silva (2005, p. 66): “[...] Não se pode, pois, pensar separadamente a
natureza, a organização social, o tipo de indivíduo que existe em um dado
momento da história”.

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Infelizmente, muitos confundem a relação do homem-natureza com as
relações sociais dos homens entre si. A natureza não é objeto eterno e
imutável, situação observada por meio do resultado da ação coletiva de
transformação do mundo pelo homem. Segundo Laraia (2009, p. 24),

O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado.


Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que
reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas
numerosas gerações que o antecederam. A manipulação
adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as
inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da
ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda
uma comunidade.

Na perspectiva cultural, o termo cultura já vem sendo evidenciado por


diversos autores, ao longo da história da humanidade, com definições bastante
distintas, sendo, desse modo, um termo amplo. A cultura pode ter sentido como
questão de poder, no processo de competição e do conflito ou considerada
como símbolo por causa dos sentimentos, sentidos, de significado que esta
tem de um determinado povo. Como questão de poder pelo simples fato de que
o ser humano exerce uma forma de interesse próprio por meio da cultura.

Saberes Ambientais em Comunidades Quilombolas


Os povos quilombolas historicamente desenvolveram suas culturas em
profunda relação com o ambiente natural. Entretanto, pouco se sabe sobre o
papel dos elementos da natureza na formação desses povos e na construção
de seus saberes tradicionais. De acordo com a recomendação da Convenção
sobre a Diversidade Biológica, os saberes tradicionais devem ser
reconhecidos, respeitados, mantidos e preservados para a conservação e o
uso sustentado da diversidade biológica (MMA, 1998). Entendemos, assim, que
a sobrevivência desses povos e a própria conservação da biodiversidade
dependem da recuperação desses saberes que, aliados às novas tecnologias,
devem garantir os projetos das comunidades tradicionais.
Nessa proposta, os saberes tradicionais tornam-se fundamentais para as
novas gerações de quilombolas e para a construção de um diálogo de saberes
que, na concepção de Leff (2006), implica na apropriação de conhecimentos e
saberes de diferentes racionalidades culturais e identidades étnicas,
produzindo novas significações sociais, novas formas de subjetividade e
posicionamentos políticos em relação ao mundo.
O diálogo de saberes nasce no encontro de identidades. O ser, além de
sua condição existencial geral e genérica, diferencia-se em identidades
coletivas que se constituem na diversidade cultural e em uma política da
revista brasileira diferença, mobilizando os atores sociais para a construção de alternativas de
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reapropriação da natureza em um campo conflitivo de poder, onde se
desenvolvem sentidos diferenciados, muitas vezes antagônicos, de projetos
políticos para a construção de um futuro sustentável, como afiança Leff (2006).
A relação do ser humano com o real é caracterizada por sua
intermediação por intermédio do saber. Para Leff (2006), a história é produto da
intervenção do pensamento no mundo, não obra da natureza. O autor defende
o que intitula “saber ambiental” como a visão sujeito e objeto do conhecimento,
quando reconhece as potencialidades do real e incorpora identidades e valores
culturais.
A importância da Educação Ambiental como uma dimensão essencial do
A importância da Educação Ambiental como uma dimensão essencial do
processo pedagógico, situa-se no centro do projeto educativo de
desenvolvimento do ser humano, enquanto ser da natureza, conforme
sugestão de Carlos Frederico Loureiro (2004).
Assim, pensando a realidade da população quilombola de Bailique
Centro, diante do quadro de degradação socioambiental expresso na
atualidade, acreditamos que os fundamentos da Educação Ambiental possam
contribuir com uma ação educativa, emancipatória e transformadora,
favorecendo e potencializando a autonomia no propósito de melhorar as
condições de vida de seu povo e, dessa maneira, apostar na força de uma
educação também ambiental, engajada, séria e verdadeira.
Para isso, foi pensado um processo pedagógico que se desenvolve a
partir da realidade e do cotidiano quilombola, valorizando os saberes
ambientais, conduzindo os alunos e a comunidade à compreensão complexa e
integrada do ambiente, a fim de estabelecer, como desafio para a educação
quilombola, uma efetiva aproximação aos significados sobre ambiente e
natureza, próprios dos quilombolas. Tal conquista revelaria o reconhecimento
da pluralidade e diversidade, da valorização e sistematização dos
conhecimentos tradicionais, da organização social, de suas formas de
representação de mundo.
A escola deve ser um espaço que oportuniza o diálogo com os
“conhecimentos universais” ou dialoga com os “outros” saberes, nesse caso, os
ambientais na própria comunidade quilombola, tendo como horizonte a vivência
de uma pedagogia intercultural. Logo, com o propósito de uma educação
quilombola, as leituras de ambiente apresentam-se significativas para propor o
currículo.

Os Saberes Ambientais e a Educação Ambiental em Comunidades


Quilombolas
A Educação está presente no cotidiano do Quilombo de várias maneiras,
visto que a relação da Educação com a Educação Ambiental se encontra na
comunidade, tanto no modo formal quanto no informal. As rotinas das famílias revista brasileira
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na comunidade apresentam simbologias que auxiliam na conservação dos
fazeres que as identificam.
A riqueza de saberes é construída coletivamente, falam sobre as formas
de vida, os ciclos naturais, o clima, a vegetação, entre outros elementos; é
parte da vida das pessoas que ali vivem e conhecem sobre a comunidade; é
essa riqueza de saberes que age no uso e na manutenção da biodiversidade
do local. Esses saberes são também os caminhos para a práxis de Educação
Ambiental nas comunidades quilombolas, tendo esses conhecimentos como
ferramentas pedagógicas que podem auxiliar a relação educativo Ambiental.
As comunidades, que reconhecem a sua cultura e preservam os seus
costumes como uma riqueza de seu povo, sabem usar os seus saberes a favor
de todos. Para Leff (2001, p. 145):

O saber ambiental excede as “ciências ambientais”,


constituídas como um conjunto de especializações surgidas da
incorporação dos enfoques ecológicos às disciplinas
tradicionais – antropologia ecológica, ecologia urbana, saúde,
psicologia, economia e engenharia ambientais – e se estende
além do campo de articulação das ciências, para abrir-se ao
terreno dos valores éticos, dos conhecimentos práticos e dos
saberes tradicionais.

O saber Ambiental, alcançado pelo uso da interdisciplinaridade, pode


proporcionar várias opções de análise do uso desses saberes tanto pela
comunidade quanto pelos estudiosos.
Santos (2008) afirma que os grupos sociais tradicionais têm seu
dinamismo e tempos próprios: observação, oralidade, experiência íntima e
mítica com o espaço vivido e relações de trabalho são vivenciadas em círculos
familiares e de amizade. A hipótese inicial é a de que os saberes ecológicos
são repassados intergeracionalmente e são usados como ferramentas de
Educação Ambiental pelas novas gerações do quilombo. Para tanto, acredita-
se que a capacidade de aprender, com a própria vivência, vem de experiências
vividas “do” e “no” espaço do quilombo.
Tuan (1980) enfatiza que os valores e as atitudes se relacionam com as
necessidades biológicas, à cultura e com os valores pessoais, estabelecidos na
interação com a sociedade. Isso sugere afirmar que a relação humana com o
meio ambiente deve ser vista por meio de uma perspectiva não somente social,
e sim também ecológica e temporal. Isso é o que se pretende ao analisarmos a
transmissão dos conhecimentos adquiridos ao longo da vida pelos idosos para
os mais jovens na comunidade do Quilombo de Bailique Centro.
Ao se tratar dos sistemas de manejos dos recursos naturais, as
comunidades quilombolas têm se preocupado em respeitar o ciclo da natureza
revista brasileira como plantar e colher no tempo correto e reutilizar os próprios recursos que a
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natureza fornece, realizando, desse modo, as técnicas de compostagens e
adubação. Os sistemas de manejos, principalmente na agricultura da
mandioca, açaí e pimenta do reino, têm garantido, sustentavelmente, os
recursos da localidade, nesse caso, a comunidade de Bailique Centro
pesquisada; a natureza por si só faz o seu ciclo e os moradores esperam esse
processo, a fim de preservar e cuidar da mata.
Geralmente, os moradores adubam as terras com a própria roçagem
feita ou com restos de vegetais (materiais orgânicos da natureza, por exemplo:
mato, pau podre) e animais mortos na região. Esses manejos ou técnicas,
feitas pelos moradores, mostram-nos um conjunto de saberes e conhecimentos
desenvolvidos e herdados pelos quilombolas da localidade.
Portanto, os saberes ambientais, nas comunidades quilombolas, têm
influenciado na preservação do meio ambiente, principalmente da localidade
pesquisada, onde tentamos assimilar o valor dos saberes desenvolvidos pelos
moradores para a sensibilização em Educação Ambiental.
O saber aqui analisado é justamente relacionado com a identidade dos
moradores de Bailique Centro, uma vez que esses saberes se refletem por
meio dos bens imateriais, como: os conhecimentos, os valores, as habilidades,
os saberes que, com a produção dos bens materiais, surgem. Por conseguinte,
esse tipo de saber é o resultado do trabalho humano e do contexto histórico
social, favorecendo as habilidades, os valores, as atitudes e as posturas que,
voltados para prática, possibilitam o aprendizado de novas técnicas do
aprender-fazendo.
Contudo, esses saberes são caminhos para o desenvolvimento da
Educação Ambiental nas comunidades quilombolas, considerando esses
conhecimentos como ferramentas pedagógicas que podem auxiliar a relação
educativo- ambiental. Assim, observamos a importância da Educação
Ambiental como uma dimensão do processo pedagógico para o
desenvolvimento do ser humano. A partir da análise da população quilombola
de Bailique Centro, acreditamos que essa dimensão possa contribuir para uma
ação educativa e transformadora para, desse modo, apostar numa Educação
Ambiental, engajada, séria e verdadeira.

Como se Constituem e Expressam os Saberes Culturais e Ambientais


Alguns moradores já vêm realizando, há bastante tempo, a prática da
agricultura familiar. Muitos plantam verduras, legumes, frutas, mandioca, milho,
arroz, pimenta do reino etc.; realizam as técnicas da compostagem em suas
casas ou nas roças e reutilizam os restos de recursos naturais, como: folhas,
terra preta, resto de animais mortos nos pés das plantações, respeitam o
período de reproduções das plantas e animais. Passaram também a criar
animais, como: galinha, porco, peru, pato etc. e reutilizar suas fezes e moinha
para compostagem.
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Notamos que esses saberes são construídos com base na vivência da
comunidade e isso prioriza a integração do homem e da natureza, garantindo
um saber ambiental que, embora muitas pessoas da comunidade não
compreendam cientificamente, os desenvolvem, conforme Berger Filho e
Sparemberger (2008, s/p) afirmam que “[...] esses conhecimentos aparecem no
cotidiano através de ações de caráter religioso, material e conhecimento do
ciclo de vida com caráter holístico, animista, que prioriza a integração
equilibrada do homem e da natureza”.
Observamos nas falas da moradora “M” (38 anos): “[...] aqui em casa
nós planta de tudo e recada resto de alimentos, pau seco, folha e põe nas
plantas é o melhor adubo”. Ao invés de comprarem produtos químicos, eles
utilizam os restos de vegetais e animais misturados com terra preta (húmus) e
colocam nas plantações, realizando o manejo sustentável na agricultura,
respeitando o período da colheita e o clima da região. Isso, além de ser uma
maneira sustentável para contribuir com o ambiente, garante também o
consumo diário das famílias (renda e alimentação) e valoriza os saberes
ambientais.
As técnicas de preparo da terra vêm sendo desenvolvida, há bastante
tempo e repassadas a novas gerações, como afirma morador “P” (79 anos):
“[...] Eu aprendi assim e ensinei meus filhos; a gente usa o que tem na mata.
Hoje em dia, dona, que muitos não querem fazer isso, preferem comprar e
muitos têm preguiça de colher o que a nossa natureza dá”.
Quando os moradores pretendem plantar, geralmente, eles preparam o
solo com os recursos da natureza com técnicas de adubação e de
compostagem, esperando determinado período para que o solo esteja
completamente pronto e, desse modo, podem realizar o plantio e,
posteriormente, com o tempo, a colheita. O plantio, caso seja pequeno, eles
acontecem ao redor das casas; e se forem grandes são realizados em áreas
separadas, chamadas roças. Embora os moradores não percebam
cientificamente sobre o saber ambiental, eles o executam em sua prática diária.
Autores, como Leff (2006), defendem esses conhecimentos dos povos
quilombolas como um saber quando são reconhecidas as potencialidades do
real e incorporadas identidades e valores culturais.
As plantações de grande produção são as da mandioca para a produção
de farinha, da pimenta do reino e do açaí. Todas essas plantações requerem
um preparo e um manejo no solo e esses saberes ambientais são práticas
diárias das famílias que adquirem esses conhecimentos de seus antepassados,
visto que não recebem ajuda de técnicos e engenheiro agrônomo. Sempre há
um cuidado com o solo, geralmente é capinado o terreno e reutilizados os
restos de recursos naturais do próprio solo como adubo orgânico.
No campo da agroecologia, as plantas leguminosas, como o feijão,
fazem a adubação verde. Estas, quando plantadas junto a outra espécie,
fertilizam o solo. A tradição de plantio de mandioca se associou com milho ou
revista brasileira arroz no plantio de feijão e de maxixe. Nesse encontro, construíram novas
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significações e práticas sociais, a partir de premissas comuns: complexidade e
magia das plantas. A comunidade realiza a prática e o plantio das leguminosas
devido à experiência repassada pelos antepassados sem compreenderem o
saber ambiental que, conseguido pela interdisciplinaridade, pode proporcionar
uma análise desses saberes tanto pela comunidade quanto pelos estudiosos.
Nos quintais ou terreno dos moradores, além das plantas frutíferas e das
grandes colheitas, veem-se também o plantio de plantas medicinais, como:
boldo, jucá, urtiga, quebra pedra, erva cidreira, canela, gengibre, pata de vaca,
terramicina, mastruz, unha do gato, pau pereira, barbatimão, pau verônica etc.
Plantas que têm efeito cicatrizantes e anestésico, servindo para curar
dores e problemas no fígado, estômago, diabetes etc.; e são usadas
diariamente pelos moradores, substituindo os medicamentos farmacêuticos. Os
moradores utilizam as plantas medicinais como plantas curativas e esse saber
sobre as plantas tem sido repassado às novas gerações que alegam ser
melhores que os medicamentos farmacêuticos, como afirmado nas falas dos
moradores.
Esses conhecimentos das plantas medicinais vêm sendo repassados
de geração a geração como forma de um saber ambiental. A comunidade local
reconhece a sua cultura; preserva os seus costumes como uma riqueza de seu
povo; e sabe usar os seus saberes a favor de todos.
As igrejas da localidade também falam em resgatar os saberes
culturais e ambientais dos seus antepassados principalmente para os jovens,
adolescente e crianças, o que reforça a identidade do morador e o
compromisso social e ambiental. Assim, é reafirmado que, por meio da
Educação, é possível criar sujeitos críticos, autônomos, participativos e
emancipados, de acordo com Amorim (2005).
Por intermédio das danças que ainda acontecem na comunidade,
como feijoada, farinhada, samba de cacete, quadrilhas, notamos o
desenvolvimento dos saberes culturais com elementos ambientais.
Outra forma de notar os saberes ambientais, desenvolvidos pela
comunidade, é quanto aos traços na alimentação dos moradores, como a
farinha, tapioca, tucupi, milho, arroz, feijão, carne seca, peixe seco, xibé (água
e farinha), verduras e frutas, herdadas e cultivadas pelos seus antepassados,
que são comidas e têm grandes valores, repassados de geração a geração
como uma das formas de repassar o conhecimento cultural e ambiental.
Para compreender a respeito da constituição dos saberes ambientais na
comunidade quilombola de Bailique Centro, analisamos como os seus
costumes, crenças, valores, ensinamentos, termos simbólicos da cultura local,
podem manter o saber ambiental, desenvolvido pelos moradores ao longo da
história da comunidade.
Nas entrevistas, os diálogos consistiram em como era e como é o
ambiente natural e qual o grau de diversidade viva (natural e cultural). A revista brasileira
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maioria dos entrevistados relata que há 50 anos havia bastantes animais e
plantas, rios e igarapés; uma vegetação preservada, baseada no princípio da
sustentabilidade e que, atualmente, algumas famílias infelizmente têm pouco
se preocupado com a preservação natural e cultural.
Inferimos nas repostas dos moradores quanto à noção de pertencimento
e a relação que estes têm com o ambiente, visto que a maioria, ainda, utiliza e
preserva os recursos da natureza, acreditando no princípio de depender e se
relacionar com o sagrado e o natural.
Ao perguntar sobre agricultura familiar e sua prática diária, a maioria dos
entrevistados alega realizar tal prática por esta ser a base da sustentação
familiar.
Ao perguntar sobre a questão dos resíduos sólidos, a maioria dos
entrevistados alega que os moradores não estão preocupados, não se tem o
cuidado com seu destino, com a noção de consumismo e muito menos com os
problemas ambientais. Enquanto a minoria acredita que queimar e enterrar é a
solução.
Em uma das entrevistas, notamos que a maioria dos entrevistados não
conhece a Lei da Educação Ambiental. Mesmo que a maior parte dos
entrevistados não conheça de fato a Lei sobre a Educação Ambiental, eles, em
sua prática diária, são orientados para conservarem a bio-sócio-diversidade
local.
Devido à importância da cultura e do ambiente, constatamos uma
relação com o que eles acreditam ser sagrados, por pertencerem ao ambiente
e dependerem totalmente da natureza. E essa relação com o ambiente é
cotidiana, portanto, o convívio com as plantas e outros elementos da natureza
é observado na prática e nas falas da maioria dos entrevistados. Assim,
cotidianamente os moradores realizam práticas de adubação, técnica de
compostagem, práticas com agricultura familiar e manejos sustentáveis.
Ao falar nas entrevistas sobre a valorização da biodiversidade na
localidade, todos os colaboradores relataram que existe uma profunda relação
com as plantas, visto que esses saberes ambientais sobre as plantas, a relação
com o ambiente e as questões dos problemas ambientais são repassadas
pelos antigos moradores, além de serem discutidas em reuniões da associação
da comunidade e pelas igrejas do local.
Quanto à questão da água e do solo da região, a metade dos
entrevistados alega que cuida e preserva, de forma sustentável, os recursos da
natureza.
Após analisar o ambiente, perguntamos para os entrevistados sobre
questões como infraestrutura, saneamento básico, água tratada e assistência
em saúde: todos os sujeitos contam que na comunidade não se contemplam
essas questões devido, não existirem políticas públicas para a localidade.

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Observamos que, mesmo que a comunidade esteja enfrentando
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problemáticas socioambientais de infraestrutura, como a inexistência de
saneamento básico e de água tratada; a falta da coleta dos resíduos sólidos; o
acesso e o atendimento de saúde são precários e insuficientes e/ou
inexistência assistência técnica, entre outras dificuldades que venham interferir
politicamente e socialmente, além da necessária melhoria da qualidade de vida
e das condições ambientais, ainda assim suas práticas de trabalho e
organização social são orientadas por preocupações de conservação da bio-
sócio-diversidade local por meio da agricultura familiar e de seus manejos,
além dos desenvolvimentos de projetos.
O desenvolvimento dos projetos e da prática de organização de trabalho,
como a agricultura familiar e seus manejos, contribuem economicamente para
a região, uma vez que, além dos moradores garantirem um equilíbrio ambiental
e um ambiente sustentável, a comunidade pode desenvolver os saberes
culturais e ambientais, além dos recursos financeiros, colaborando para uma
alimentação saudável e uma qualidade de vida dos moradores do local. Dessa
forma os saberes ambientais e culturais, que os quilombolas de Bailique criam
e recriam, podem promover a autonomia e luta política para a libertação, de
acordo com os moldes de educação, pensada por Paulo Freire (1993).
Observamos que os moradores quilombolas tentam refletir sobre as
transformações sociais, culturais e ambientais e transmitem os saberes aos
mais novos, assim, estes redescobrem o valor dos saberes tradicionais e das
antigas práticas da comunidade. É nessa transmissão de saberes que
acontece o processo de preservação das raízes quilombolas no Bailique
Centro. Esses saberes são transmitidos por meio da oralidade, deixados pela
ancestralidade, principalmente pelas pessoas mais idosas.

Saberes Ambientais e práticas de resistências da Comunidade


Quilombola de Bailique Centro, Oieiras do Pará
O cotidiano na Comunidade Quilombola é permeado pelos saberes
tradicionais, tanto pelo modo de ser e de viver das pessoas quanto também
pelas relações existentes entre eles e o meio ambiente, nas atividades diárias,
visto que, no atendimento às necessidades de sobrevivência, surgem os
conhecimentos ecológicos, saberes e fazeres próprios da cultura da
Comunidade.
A comunidade ainda conserva saberes e práticas importantes nos seus
aspectos ecológicos, como: técnicas de adubação, restauração de igarapés,
utilização de plantas medicinais etc., principalmente na forma de uso e
preservação dos recursos naturais, uma vez que aprenderam a interagir com o
ambiente em que vivem, num processo de saber local que, de acordo com
Geertz (1997), é passado para as gerações futuras, oralmente ou por meio de
observações do cotidiano.
Observamos na pesquisa que os quilombolas tentam refletir sobre as
transformações sociais e culturais, acontecidas no Quilombo, e como transmitir revista brasileira
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os conhecimentos aos mais novos. Nessa situação, os mais novos descobriram
atitudes que reafirmam o valor dos saberes tradicionais e das antigas práticas
da comunidade. É nessa transmissão de saberes que se encontra a principal
força positiva do processo de preservação das raízes quilombolas no Bailique,
fortalecendo, dessa maneira, a cultural local. Esses modos de uso dos recursos
naturais, por esse grupo quilombola, garantiu a sobrevivência sustentável da
comunidade, visto que manteve e conservou a área da comunidade, além de
manter também a sua riqueza cultural.
Segundo Cardoso (2002), os quilombos no Brasil representaram
espaços de resistência de negros, índios e escravos brancos em geral. Nações
e etnias diversas se assentaram nesses territórios, a maioria de origem
africana. Os quilombos existiram não só no Brasil, mas em outros países da
América Latina conhecidos como palanques ou chimarrões e remetiam a um
lugar de encontro de nações, de resistência, contraponto da sociedade colonial.
De acordo com Gomes (2009, p. 12):

Os quilombos representam as primeiras “aglomerações”,


formadas por escravos fugidos, durante o período colonial
brasileiro‖. Os quilombos em sua maioria eram agrícolas, mas
alguns eram chamados de primeiras “cidades livres”, onde ex-
escravos negros, índios e brancos conviviam. Relembrando
que o Brasil recebeu mais de 100 nações africanas diversas,
além das nações indígenas aqui existentes e outras etnias
europeias, a diversidade cultural dentro dos quilombos e entre
quilombos é algo importante a se analisar.

Os quilombos, também denominados por Cardoso (2002) de núcleos


populacionais de resistência de ex-escravos, existiram em todo o Brasil. Nos
quilombos se constroem encontros e diálogos entre povos de cultura e
simbologia diversas. Grupos étnicos indígenas, na diversidade de mais de 900
nações que aqui estavam antes do período colonial, uniram-se aos povos
africanos. Mais de 100 etnias africanas diversas trazidas para o País
associaram-se a esses grupos brasileiros e outros oprimidos — os europeus
pobres — e traduziram no território usado a cultura possível: os quilombos, os
primeiros povos livres e agroecológicos (CARDOSO, 2002).
A população quilombola não é homogênea no sentido étnico, muito
menos do ponto de vista político-cultural, visto que os quilombos têm
características e funções diversas em cada região. Logo, é necessário
caracterizar os quilombos, sob o olhar de diferentes autores.
Moura (2004) observa que a palavra quilombo é de origem banta que,
durante a escravidão no Brasil, significou ajuntamento de escravos fugidos e
acrescenta que o primeiro quilombo, que se têm referências, data de 1573;
refuta a teoria de que os quilombos no Brasil foram uma versão brasileira de
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estrutura homônima que floresceu em Angola nos séculos XVII e XVI que, para
Roger Bastide (2001), é quase o início do tráfico negreiro.
Apesar de o termo quilombo ser um aportuguesamento da palavra
kilombu, que em quimbundo significa arraial ou acampamento e
coincidentemente as comunidades brasileiras de ex-escravos se organizavam
sob a forma de acampamento, Moura (2004) não crê que seja possível a
comprovação da hipótese da origem angolana das comunidades de escravos
rebeldes. Para o autor, essa hipótese perde consistência, uma vez que se
considera que os primeiros escravos africanos tinham a Guiné como
procedência de origem e não Angola.
Os terreiros e quilombos também podem ser pensados enquanto
comunidades negras principalmente para o movimento negro, como descreve
Sodré (2006) em seus textos, ao se pensar num agrupamento humano, como o
Quilombo dos Palmares, ou na organização litúrgica de um terreiro
contemporâneo, surgindo a imagem da comunidade, isto é, indivíduos
interdependentes por laços de sangue, etnia, território, religião ou projeto
consensual. A produção dos saberes ambientais afro-brasileiro pode solicitar
uma compreensão mais complexa do que a de Sodré (2006). O desafio que se
apresenta passa por entender as formas que as medições adquirem dentro dos
saberes ambientais desse possível projeto identitário, cujos processos de
mediação são alguns dos elementos identificados e analisados neste estudo.
Portanto, os saberes e os fazeres dos remanescentes quilombolas vêm
dialogando com a Educação Ambiental, a partir das “Histórias de Vida”. Então,
recuperar os conhecimentos como forma de saberes, construídos aos longos
dos anos, é o que garante uma relação direta com o meio ambiente, permitindo
manter um patrimônio natural e cultural nas comunidades quilombolas. Assim,
os descendentes de quilombos têm a oportunidade de reconhecer a
importância da questão ambiental, reparando os danos causados em seus
territórios e criando responsabilidades a tal situação.
Pensar na Educação Ambiental nas comunidades tradicionais é
conhecer a realidade dos sujeitos, compreender seus processos culturais, sua
socialização e as relações de trabalho, vividas por esses sujeitos em suas
práticas cotidianas. Nesse sentido, buscamos identificar e validar a identidade
quilombola, avaliando os diferentes saberes e fazeres já construídos, a partir
de suas histórias de vida.
Na Comunidade Quilombola de Bailique Centro, as terras dos
moradores são denominadas quintais. A biodiversidade é comum no entorno
da casa dos moradores. Possibilitam a convivência com plantas, pequenos
animais e vida cultural. Festas de casamento, aniversários, rezas e batizados,
pagodes, jogos de bola, e churrascos passam por ali, e os quintais com plantas
e animais promovem trocas, processos de socialização e relações de
vizinhança, que poucos imaginariam existir e resistir.
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Conclusões
Observamos que, no cotidiano da comunidade quilombola pesquisada,
o ambiente local é dinâmico, diversificado e rico em conhecimentos de saberes
tradicionais, notados pelos modos de ser e de viver dos moradores, das
relações que eles têm com o meio ambiente, nas práticas diárias,
principalmente no sentido do uso e da preservação dos recursos naturais, que
são conhecimentos ecológicos desenvolvidos. É um dia a dia cheio de saberes
e fazeres próprios da cultura da Comunidade.
Verificamos também que os conhecimentos sobre os saberes
ambientais e culturais são transmitidos para os mais novos, assim eles têm a
oportunidade de redescobrirem o valor dos saberes tradicionais e das práticas
antigas da comunidade, dando a oportunidade dos mais velhos refletirem sobre
as transformações sociais, culturais e ambientais. Dessa maneira, nessa
transmissão de saberes, o processo de preservação das raízes quilombolas no
Bailique são conservados.
Notamos que os saberes ambientais, desenvolvidos por intermédio de
uma Educação Ambiental informal nas comunidades quilombolas, têm
influenciado na preservação do meio ambiente principalmente da localidade
pesquisada. E que esse saber está relacionado com a identidade e o
conhecimento dos moradores, refletindo em seus valores e habilidades,
possibilitando o aprendizado de novas técnicas do aprender-fazendo,
ferramentas pedagógicas que podem auxiliar no desenvolvimento da Educação
Ambiental em comunidades quilombolas.
Os dados demostram que os espaços de produção, as práticas, as
roças, o processo de produção de farinha, o manejo da agricultura, o tempo de
plantio e a colheita se configuram com práticas de resistências, onde são
trabalhadas formas de organização social e a sociabilidade, sustentada pelos
saberes culturais da comunidade, almejando, assim, a sustentabilidade e o
desenvolvimento dos saberes ambientais.
Acrescentamos que as tradições, os valores e os conhecimentos são
formas de saberes culturais que interferem positivamente nos modos de vida
da comunidade. A dimensão cultural assume um sentido simbólico de
representações de coisas e também um conjunto de práticas de resistências:
social, política e cultural que orientam a construção dos espaços e a base
econômica e ambiental. Portanto, a cultura aqui é vista como uma excelente
maneira de orientar as formas de apropriação e uso dos recursos naturais,
carregando em si uma potencialidade para construção e reconstrução das
práticas e saberes das comunidades tradicionais.
Portanto, ao analisar o local em sua dimensão histórica, cultural e
natural, verificando o grau de diversidade viva (natural e cultural) no contexto
local e consideramos criticamente a construção da noção de pertencimento, os
resultados apontaram as seguintes informações:
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• o saber ambiental está sendo desenvolvido pela maior parte dos
moradores;
• muitos moradores conhecem, mas não compreendem a Educação
Ambiental, atribuindo a esse termo somente a questão dos resíduos
sólidos e a água;
• os jovens estão menos engajados e pouco se preocupam com a
valorização ambiental;
• a maior parte dos moradores não desconhece o saber ambiental,
embora os executem;
• todos os sujeitos da pesquisa contam que na comunidade não se
contemplam essas questões, devido não existirem políticas públicas
para a localidade.
• muitos moradores, principalmente os jovens, não executam a noção de
pertencimento como as pessoas idosas;
• o ambiente é visto pela maioria dos moradores como o local de trabalho,
onde pode ser desenvolvida a agricultura familiar que se torna a fonte de
sobrevivência;
• existe um relacionamento de individualização e já se faz presente nas
práticas de produção, nos mutirões em prol de áreas ecologicamente
frágeis, e no pensamento do homem rural;
• por fim, a terra ou o ambiente é compreendido como espaço de trabalho,
moradia, sobrevivência, convivência comunitária, pertencimento, relação
com a natureza e de educação.

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