Alain Rouquie - O Extremo Ocidente - Introdução

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a IA/ma

ROJQV\6, A\~ •...· Ú ~~ke~- Od~.k I~ L?~h~'i~'L


ParaIacilitar a leitura e a consulta, reduzi ao mínimo o aparato crüí-
co. Ao final de cada capítulo o leitor poderá consultar as orientações bi-
bliográficas sumárias para complementar ou estabelecer um contraponto
com o conteúdo da obra. Escolhi voluntariamente os títulos mais .acessí-
-ê A",--ér\~ L?*-,~d. ~()~E:DU5 e, 1~q
veis, especialmente de autores franceses. Dívida justa para com meus co-
legas e mestres e homenagem merecida - sem qualquer chauvinismo - a
uma escola "latino-americanista" de qualidade, cujps trabalhos suscitam o
respeito além do Atlântico.

.c' \,- INTRODUÇÁO


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f ~ o QUE É A AMÉRICA UrINAr
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~ode p~cer p-aradoxal começar a tratar de uma "área..cultmal!'
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evocan o a precariedade de ~efm~o. Por mais singular que isso pos-
.. '\ sa parecer, oprÓprio conceito de América Latina é problemático. Portan-
I .;
to, não é inútil tentar precisã-lo, remem orar-lhe a história e mesmo criti-
car-lhe o uso. De utilização corrente hoje na maioria dos países do mundo
e na nomenclatura internacional, ele não goza do benefício do rigor. UD1
PQuco ÇQmoo mais recente e muito ambíguo Terceiro MUD~ esse termo
;Mece por vezes uma fonte de confusão mais do .9l:leum instru~nto de
?elimitação preciso.
O que se entende, geograficamente, por América Latina? O conjun-
to dos países da América do Sul e da América Central? Certamente, mas ..
."......~~ O México pertence, segundo os ge6grafos, à América do Norte. Talvez,
para simplificar, se deva contentar-se com englobar sob essa denominação
nações ao sul do rio Bravo? Mas então seria preciso admitir que a Guiana
e Belize, onde se fala inglês, e o Suriname, onde se fala o neerlandês, fa-
zem parte da América "Latina". À primeira vista trata-se de um conceito
cultural. E seríamos levados a pensar que ele recobre exclusivamente as
nações de cultura latina da América. Ora, ainda que com Ouebec O Ca-
nada seja infinitamente mais latino que Belize e tanto quanto Porto Rico,
Estado livre associado 2iQS Eilados Unidos, ninguém jamais.pensou em ·r.l-
cluí-lo, mesmo ao nível de sua pr~ Ir~~:ma, no subconjunto lati.
no-americano.
22 o Ez1~ lnlroduçk> d AMica lAlina lnlrodução
23

Para além dessas imprecisões, P.Qder-se-iapensar em descobrir uma tem uma bist6r~ ainda que o Haiti, franc6fono em suas elites, possa hoje
identidade subrontinental forte, tecida de solidariedades diversas, quer se lhes servir de. álibi: ele aparece na FranQ..!1a época de NaP-OleãolIIJi&l-
I •
,!!flfam a uma cultura comum ou a 1aços de' outra natureza. Mas a própna do ao grande desfgi:lJode '~udar" as na~s "latinas" da Am~~a..im-
diversidade das nações latino-americanas corre o risco de depreciar essa Pêdii a expansaõdôSJ~s!.a~~ U~~~. A infeliz proeza mexicana foi a rea-
justificativa. A fraca densidade das relações econômicas....e mesmo culU!: lização concreta dessa idéia grandiosa. A latinidade tinha a vantagem,
~ de na~ que, durante mais de um século de vida independente, de- apagando os laços particulares da Espanha com uma parte do Novo Mun-
ram-se as costas mirando deliberadamente a Europa ou a América do do, de dar à França legítimos deveres para com seus "irmãos" americanos
.Norte, as enormes disparidades entre países - tanto sob o ângulo do ta- r cat6licos e romanos, Essa latinidade foi combatida em nome da hispani- ~
manho como do potencial econômico ou do papel regional - não favore- II dade e dos direitos da mãe pátria por Madri, onde o termo América Lati-
cem uma real consciência unitária, a despeito das ondas de retórica obri- na nem sempre tem direito de cidadania. Os Estados Unidos, por sua ve
gada que este tema provoca sem cessar. II o useram o an-americanismo à uela máquma de guerra européia antes
Eis por que se interroga sobre a própria existência da América Lati- i de adotar essa denominação vertical con orme a seus dCsfgnr;;;e que eles
I
na. De Luis Alberto Sánchez no Peru a Leopoldo Zea no México, os in~ contribuíram para divulgar.
lectuais colocaram-se o problema sem fornecer resposta definitiva. O que Latina, essa América conquistada pelos espanh6is e portugueses o é" 4.~'
~á em causa não é apenas a dimensão unitária da denominação e a iden- pelo menos até 1930, na formação de suas elites, onde a cultura francesa (f
tidade que ela éiiCerra face à pluralidade das sociedades da América dita reina inteiramente_ Deve-se dizer que essa América só é latina por seus
latina. Pois, a esse respeito, bastaria, para enfatizar a diversidade e evitar \ . "poderosos" e suas oligarquias, que somente a América do primeiro 0cu-
qualquer tentação generalizante, inverter a questão falando, como aliás já pante e dos "sem importância" (Ios de abajo), que recolhe apenas miga-
se fez, das "Américas Latinas'". Esta f6rmula tem a vantagem de reco- lhas de latinidade e resiste à cultura do conquistador, representa a auten-
I nhecer uma das dificuldades, mas com a condição de acentuar a dimensão ticidade do subcontinente? Os intelectuais dos anos 30, especialmente nos
cultural. Ora, ela também é problemãtica. países andinos, que descobriam o indígena esquecido, desconhecido, acre-
ditaram nisso. Haya de la Torre, poderosa personalidade política Pe~
che ou a ro r uma nova denominação re ·onal: a "Indo-América":-Eii
Por que Latina7 terá menos êxito que o indigenismo iterário no qual se inscreve ou o par-
tido político de vocação continental ao qual Haya deu origem. O_índio não
Esta etiqueta, amplamente aceita em nossos dias, O que recobre? De tem cartaz na América junto às classes dirigentes. Marginalizado e excluí-
onde vem? As evidências do senso comum logo se desvanecem face aos do da sociedade nacional, ele é minoritário culturalmente em todos os
fatos sociais e culturais. São latinas estas Américas negras descritas por gr:and e mesmo nos de velhas civiliza - s ré-colombianas e de
Roger Bastide? A sociedade da Guatemala, onde 50% da população des- . orte presença indígena. Assim, segundo o último recenseamento (1980),
cendem dos maias e falam línguas indígenas, a das sierras equatorianas, ·só havia no México, em 66 milhões de habitantes, 2 milhões de não-bis-
onde domina o qufchua, são latinas? O Paraguai guarani, a Patagônia dos pan6fonos e menos de 7 milhões de mexicanos que conheciam uma ou vá-
fazendeiros galeses, a Santa Catarina brasileira, povoada por alemães, tal rias línguas indígenas. Pode-se sempre sonhar, depois de Jacques Soustel-
como o sul do Chile, são latinos? Do!:.fato, referiml)-nos à cultura dos con- le, imaginando um México "que, semelhante ao Japão moderno, teria po-
quistadores e dos colonizadores es anh6is e rtu eses ara designar dido conservar no essencial sua personalidade aut6ctone inserindo-se ao
forma - S SOCIal e múltiplos comY-Qoentes.Assim se compreendem nos- mesmo tempo no mundo atual". Não foi assim, e esse continente está fa-
sos amigos espanhóis e muitos outros que preferem falar de América dado à mestiçagem e à síntese cultural.
hispânica e mesmo, para não desprezar o componente lusófono de que é Contudo, mesmo nos países mais "brancos", a trama indígena ja-
mais está totalmente ausente e participa claramente da conformação da fi-
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herdeiro o gigantesco Brasil, de Ibero-América. Pois o epíteto "latino"
sionomia nacional. Essa América, na expressão de Sandino, é bem "indo- ,li
latina". n - -

L riesde o CaInOllOnúrof,ro· doe AnnaJa, de 1~9(4) lubintitulAdo "Através das Américas Latinas", essa ~a defirri:):ã9I-ocrma.do sdbcantillente não recobre pois integralmen-
fórmula foi amplammte .utlllzada por todo&aqueles ""'" deuÍ""d'm rnf.a1izar AlII""rticY.Iarida<:Ies M·
cionais fuPndo ct. r.. ~ ÂIIiIII 01 Calutt-s des Amiriqud h'tlla. publicados pejo I",ti· te nem de forma adequada realidades unultiformes e em transformação,
M des H••••a állda de I·Ammque latine de Paris.. ou a obra cláuica de Mareei Niedrrpng sobre nem por isso se pode abandonar uma ;e6iqueta evocadora retonud.J. ~ie
ID V","" AmbiquD latiIta.. Paris, Seuít, 1962.
por todos e notada mente pelos próprios lnteressaées inosotros tos 1I
IIIlnx1uçin
u. o !x1rtm(}.()cidm/t: IlIlrodU(oo à AmtricG LAtina 25
(fi) (l.}Q;itlJ& }J r~~
mexicanos candidatos à imigração clandestina para o país mais zi~
planeta. forma uma linha de demarcação,J13 mesmo tempo culturllJ e so-
cioeconômica muito carregada de vaklr SÍ'P.~~
Talvez se possa classificar entre as nações latino-americanas todos
OS países do continente americano em vias de desenvolvimento, indepen-
dentemente de sua língua e de sua cultura, pois é bem verdade que não
~. ( ocorreria a ninguém classificar na opulenta América Anglo-Saxônia as
Antilhas anglófonas ou a Guiana. É bem verdade também que nessa zona
lítica comanda muito mais gue a geografia - o presidente Reagan
não incluiu recentemente entre os beneficiários eventuais de sua "Iniciati-
va da baía do Caribe" (Caribbean Basin Initiative) EI Salvador, que SÓ

,
Uma América Periférica

A primeira vista, estam os diante de uma América marcada pela co- •


lonização espanhola e portuguesa (e até francesa, no Haiti), que se define.?·~
por contraste com a América Anglo-Saxônia. Ali se fala pois espanhol e'
Z
.;:r,
,possui
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saída marítima para o Pacifico? Finalmente, por que não seguir
aqueles que, desprezando a geografia, propõem chamar "América do Sul"
à parte "pobre" e não desenvolvida do contin~pte7

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~ e-, ~
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português no essencial, a despeito de florescentes culturas pré-colombia-. \ ~ - ... que Pertence Culturalmente ao Ocidente
nas e mesmo de núcleos imigrat6rios recentes mais ou menos assimilados.
Mas a ausência do Canadá (apesar de Ouebec) nesse conjunto e o fato de '
que organismos internacionais como o SEtA 0!l o BIO incluem entre os
Estados latino-americanos Trinidad-Tobago, as Bahamas e a Guiana! dão
ao perfil da "outra América" uma 'inegável coloração socioeconômica e\.
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Também em relação ao resto do mundo em desenvolvimento a sin-


gularidade do subcontinente "latino" é notória. Ele faz parte,. pa..ra empre-
gar a fórmula de Valéry, de um mundo "inferido": uma "inven~o" da Eu- O
\ \, ropa que ingressou, pela conquista, na esfera da cultura ocidental. ;;-ci~- o
mesmo geo~IítiC!:.._ - - - -- ;J- ,,/.,
"g'" I 'lizaçôe5 pré-coIombianas, em crise para alguns quando da chegada dos CJ
-~-- essas nações, sejam quais forem sua riqueza e prosperidade, I~~."' ./ espanhóis, não resistiram,
•.. com efeito, aos invasores, que impuseram seu 6 ~
ocupam com efeito o mesmo lugar no crivo Norte - Sul. Elas aparecem ,.:;( J{; idioma, mas também seus valores e religião. Os próprios indígenas e os j~
em ,~s de"desen~olvi~ento ou de industriali7.ação, e nenhuma. faz parte I' V:)J J Y africanos, leva~os p~ra o "Novo M~ndo" .adotar~m .a relig~ão cristã, sob 'S
do centro desenv~~VJd~. ~m outros ter~os, es~es países se mscrevem~ ()I' '_J formas smcrét!cas dIVersas:_O Brasil é hoje a pnmeira naçao católica do.> ~
entre os Estados da penferla" do mundo mdustrlal. Mas possuem, além ar-·. " mundo. Tudo ISSO dá à regiao um lugar à parte no mundo subdesenvolvi. õ ç
disso. outras particularidades comuns. J'\. do. A América Latina aparece, nesse aspecto, como o Terceiro Mundo do 0 ?
Todos eles decendem historicamente do mercado mundial como ~.' Ocidente ou o ocidente do Terceiro Mundo, Lugar verdadeiramente0 ~
rodulores de matérias-primas e de bens alimentares (nisto o estanho da I~ambiguo. no Qual o colonizado. se identifica com o colonizador. I-t
Bolívia não se distingue da noz-moscada de Granada), mas igualmente do .,;...vvv. -VC~1 Assim, não é de admirar que o conjunto dos países latino-america.
"centro", que determina as flutuações das cotações, Ihes fornece a tecno- "u'v\.r .À,.~~ 7íOs tenha proposto à ONU em 1982, contra o sentimento dos países
logia civil e militar, os capitais e os modelos culturais. Particularidade ~ aíro-asiáticos recentemente descolonizados, que a organização hornena-
marcante e fator de unidade inegável, ~odos esses países situados no "he- ~ •. ~ geasse Cristóvão Colombo e a "descoberta" da América. Diferentemente
misfério ocidental" se encontram em graus di~s na esfera de in~- ,,- - () da África e da Ásia, esse continente não é, afinal, uma província, por vezes
da imediat.a da primeira potência industrial do mundo, que é também a distante, certamente, mas sempre reconhecível, de nossa civilização, que
rimêira nação capitalista. Privilégio perigoso, que não é compartilhado afogou, recobriu, absorveu os elementos culturais e étnicos preexistentes?
por nenhuma outra região do Terceiro Mundo, A esse respeito, os 3000 "~' . Esse caTát« "eum""u" das sociedades da Amhica Latina tem can.
km de fronteira entre o México e os Estados Unidos constituem um c· seqüências evidentes sobre o desenvolvimento socioeconômico dos países
fenómeno único. A famosa "cortina de tonillas", que fascina mi1~ões de .• / ~ . (.cfDJ)eernentes. A continuidade com o Ocidente facilita os intercâmbios eu':
rurais e técnicos que não são e.otr.2l'.acl.ospor nenhum. obstáculo lingüístico
2, Ver, por cumplo. &000 Interamericano de Dese/lYOMmrnlo. Pmgrb économiqur rt roda} en Ami- ou ideológico. A fluidez das correates rm~tórias do >Antigo ,Mundo ao
"'l'" latiNo Washin«lon (",Ialório Inual) Novo multiplicou as transferências de conhecirnentos.e de <4pitnts. Por is-
o Exz~ llllrodutdo d AJIIirica Laljoo JlIlrotiuçjo 27

~o, I!!.nações da Amenra l.atina ªp.arecem na estratifica ara os Estad<l5 recém-emancipado;. (Q que o
como constituindo uma espécie de "classe média", ou seja. numa situa~o historiador Tulio Halperín Donghi cham.Jlll"'a longa ~li", Ulurante a
intermediária. Dentre essas nações em transição, apenas uma, o Haíti, ual a des~o do Estado colonial não permite ainda o estabelecimento
pertence ao grupo dos países menos avançados (PMA), em companhia de e uma.nova ordem. Enquanto essas nações balbuciantes têm alguma difi-
inúmeros companheiros de infortúnio asiáticos e africanos (mas com uma culdade para encontrar um papel de acordo com sua medida, as repúbli-
renda per capita igual a mais do dobro daquele do Tchad ou da Etiópia). cas hispânicas atravessam longos períodos de turbulências anárquicas em
.(\ maior parte dos grandes países da América Latina têm economias se- que se desenvolve a desordem predadora de senhores da guerra (os cau-
mi-industriais (a indústria compondo 20 a 30% do PNB), e os três gran- dillos), e o Brasil independente parece prolongar sem sobressaltos, sob a
des, Brasi~ México Ar entin situam-se entre os Novos Países Industria- égide da monarquia unitária dos Bragança e do imperador Pedro T, o statu
':~\ .fit lizados os C, na nomenclatura da ON . Os indicadores de moderni- quo colonial.
~ colocam o Brasil, o México, o Chile, a Colômbia, Cuba e a Vene- .\~8~ , ,J"""Entre 1850 e 1880, com raras exceções referentes a certas pequenas
zuela acima dos países africanos e da maioria das nações da Ásia (exceto \'i>~tS) C> Çj" ,-te úblicas da América Central ou do Caribe, as na - s do subcontinente
as cidades-Estados). A Argentina e o Uruguai se encontram nesse aspecto ,p ::I' entram na "era econômica" que alguns batizaram de a "ordem neocolo-
entre os países avançados.
, ,?"P niaI": as economias latino-americanas e, portanto, as sociedades se inte-
\.
Se se buscam os fatores de homogeneidade, além desses grandes
traços, de um conjunto que não é nem o Ocidente nem o Terceiro Mundo,
mas aparece Ireqüentemente como síntese ou Justaposição dos dois, per- fr>"'t
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.r' - ,gram ao mercado internacionãI. Elas prõduzem e exportam maténas-pri. Il
_ ~
,mas. Importam bens manufaturados. Engrenagem essencial da nova di-
visão internacional do trabalho que se efetua sob a égide da Grâ-Breta- ~
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cebe-se que procedem quase todos do exterior do subcontinente, espe-
cialmente se se regride a uma acepção restritiva da América Latina, isto é, '
~ "" "çJJ-'" nha, cada país se especializa em alguns produtos, às vezes num s6. J.
N' I· \ É entre 1880 e 1930 que essa nova ordem atinge o auge. Os países r:-...
~ essencialmente cultural e clássica: as antigas colônias da Espanha e de
~ \c-.ôGJ do subcontinente vivem no apogeu de um crescimento extravertido que >li
~ Portugal no Novo Mundo.
q,i(p""
{\.~ •...... ~
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traz em si a ilusão de um progresso indefinido no quadro de uma de- ~
pendência consentida por seus beneficiários locais e racionalizada em no-, ~
( -v~. •• me da teoria das vantagens comparativas. A crise de 1929 vai pôr termo à ~

Paralelism» das Evoluções Históricas \~- /euforia capitosa dessa "bela época", da qual a maioria das populações Ia- ~
\ .:' e boriosas está, seguramente, excluída, desorganizando as correntes comer-
Se a existência de uma América Latina é problemática, se a diversi-
e:- ..>' _I ciais. O fim do mundo liberal é também o da hegemonia britânica. Os Es-
-v c'· ~ tados Unidos, já dominantes em seu quintal caribenho, vão substituir sua
~\c dade das sociedades e das economias se impõe, se a delimitaç.ão das dife-
preponderância pela do Reino Unido e tornar-se a metrópole exclusiva do b
"' rentes nações é um dado básico de seu funcionamento, não deixa de ser
..L'-' conjunto regional Por isso, o período que começa é ritmado pelas re- ~
:i1'~
I_
verdade que uma relativa unidade de destino, mais sofrida que escolhida,
aproxima as "repúblicas irmãs". Ela é legível nas grandes fases da história, , \
lações da América do Norte com os países da região ou, mais precisamen-
perceptível na identidade dos problemas e das situações que enfrentam te, pelos tipos de políticas latino-americanas que Washington põe sucessi-
atualmente essas nações. vamente em ação. Mas fases econômicas muito diferenciadas se inscrevem ~
/paralelamente a essa periodização internacional, sem que se possa aliás aí
As antigas colônias da Espanha e de Portugal, politicamente inde- ''-t
perceber um elo causal evidente,
pendentes (com exceção de Cuba, que só se emancipa em 1898) desde o , ~.
primeiro quartel do século XIX, estão mais próximas, nesse aspecto, dos ~ . t..; Essa periodização tem apenas um valor de referência e visa subli-
nhar que, além das especificidades nacionais, certos fenômenos comuns
Estados Unidos do que os países recentemente descolonizados da África ~:/'v~ ultrapassam as fronteiras. As similaridades não dependem simplesmente
ri"". Jv'
ou da Ásia. ~ um século e meio de vida independente não poderia fazer (',\'O'!--I/
~uecer a influência nrofunda de três séculos de colonização (1530-1820 ~_-/
a roximadamente ue marcaram de maneira irreversível as confi u- V/' - K i
da história, mas se encontram igualmente em estruturas análogas e pro-
blemas idênticos.
@ÇÕessociais e modelaram o destino singular das futuras nações. "I
A partir da in~ndência, o conjunto dos Es~ do~bcontincn-'e I
percorreram - com desvios e atrasos para certos países -, grosso modo,
trajetórias paralelas nas qu2is aparecem períodos claramente discerniveis.
InlrodlJ(.ão
28. o Exl~: InlrodlJ(oo d Am1ric.2 lAliM '19

- cobriam apenas 3,1'%..sa.s ~Ttícies3. Ao que tudo Indica, poucas mu-


Relações com os Estados Unidos Modelo de desenvolvimento danças ocorreram desde a publicação ~'eS dados que possam modificar
sua signjficaçã? ~obal.. • . e
1933-()() Política de boa vizinhança leve-- Industrialização autônoma subs- 2. A antiguidade da independência, como os modelos de desenvol-v"
mente intervencionista. titutiva de importações. Pro- "",'- ./ vimento adotados, determinara ••••.::.;:::guJsmd1lée 90s_processos de moder- ;f ..
dução industrial destinada ao ..', / ' nizaç40. Para resumir, a uma industrialização tardia e de AAuca autonomia t-4 ~
mercado nacional e que utiliza " "" ...r-' . corresoondeu uma furte urbanização, anterior ao nascimento da indústria. ~ ~
r: sobretudo capitais nacionais. '< "j r (' / A superterciarização das economias é a queda mais aparente de uma u;' ~ ~~
A.r c~· ", -;-;/~.t-banização refúgio, ligada ela mesma aos fatores de expulsão dos campos') <.J

(,:. ~ 1960 Crise das relações interamerica- A substituição das importações r: \iL c f:~ devido à concentração fundiária. e;
nas, em resposta ao desafio cas- entra em crise. Ela esbarra com C"J.. [ f, :r~ •••.1 ) Não é por acaso que se prevê que a Cidade do México e São Paulo
/"
J'
,.
.. trista; política de repressão do as capacidades tecnológicas e fi- vt'~-/.c serão, no ano 2000, se a evolução atual prosseguir, as duas maiores cida-
\
r comunismo, onde o ativismo dos nánceiras dos países para a pro- ".'. _\ c}:" des do mundo, com mais de 20 milhões de habitantes.
~ ~ ~._ (" l
Estados Unidos toma diversas dução de bens duráveis ou de ri' <;-t' 3.A am [itude dos contrastes 'ollais é também a resultante da ur·
:-. c -. formas, desde a ajuda econômica equipamento. Assiste-se à "in- o' •...;) ,.:1' , baniza -o concen ada, das articularidades das estruturas árias e da
,
J..
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, . <:' até o intervencionismo direto ou ternacionalização dos mercados ".rtP' hLus1r.Q)zaçãO. Assim se reproduz no interior de cada país o esquema

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indireto . nacionais" pela implantação de I' (p' if.:;;i
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.. sucursais das grandes compa- , ~k .~ > . Y
planetário que opõe um centro opulento a periferias miseráveis. Os con-
trastes internos são mais gritantes .que na maioria <!..OS países em vias ~e
nhias multinacionais na indústria. \.~ ....~J" desenvoJyimento, a ponto de, depois de.ter assepticamentedescrito essas
t- Y /
,\~c~, l'.~-:,
'J ~r- \
~
(' Semelhanças dos Constrangimentos e das Estmturas
\!'
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disparidades sob a etiqueta de "dualismo social", chegar-se a falar de "co-
lonialismo interno". Os sociólogos evocaram, por sua vez, com justeza a
w~c.,;'simultaneidade do não-contemporâneo", mas esta não se limita à pito-
o
. -~,. , -"\ '\ 'Wfi(:..:J .r(lÇSca evocação dos índios vivendo ao mesmo tempo 1.1aidade da pedra e
As semelhanças não poderiam ser superestimadas. Contudo, histó- rY 'I-\~'j:J • , ~'ilo alcance de uma flecha de laboratórios cientfficos ultramodernos. No
rias paralelas forjaram realidades que, sem serem semelhantes, têm nu- ~p. ~. Brasil, o Estado do Ceará, no Nordeste, ocupa o terceiro lugar no mundo
merosos pontos comuns que as distinguem, aliás, de outras regiões do
.mundo desenvolvida ou subdesenvolvido. Evocaremos apenas três:
1. A concentração da propriedade da te"M distribui,?º-. desi~al da.
0
,y;.N
" ,~
)
\, após dois PMA para a mortalidade infantil, enquanto São Paulo tem a
primeira indústria farmacêutica do continente, certos hospitais dentre os
mais modernos do mundo, e o Rio desfruta de reputação internacional em
propriedade f~iária é uma característica comum aos países da regiãg. É . relação à cirurgia plástica! Para nos restringirmos ao Brasil, uma verda-
independente da consciência que dela têm os atores e nem sempre apare- deira "terra de contrastes", um economista brasileiro pôde dizer com al-
ce como uma fonte de tensões sociais ou de debate político. Todavia, o guma razão que seu país era semelhante ao Império britânico na época da
domínio da grande propriedade agrária tem conseqüências evidentes na rainha Vitória, se a África, a índia e a Grã-Bretanha tivessem se reunido
modernização da agricultura, assim como na criação de um setor indus- num mesmo território.
trial eficaz. Afeta diretamente a influência social e, portanto, o sistema Poder-se-ia tentar multiplicar as semelhanças e as concornitâncias.
político. O fenômeno da grande propriedade é paralelo à proliferação de Os traços comuns não estão ausentes. Não se limitam, como se verá nos
micropropriedades, exíguas e antieconômicas. Se essa tendência remonta capítulos seguintes, a essas características estruturais. O termo América
à época colonial, não deixou de progredir até nossos dias: a conquista der Latina, se lhe dermos um conteúdo largamente extracultural, designa PQis
minial continuada aparece como um dado permanente na escala do conti- 'lma realidade discernível e especifica. Mas essa especilicidade forte,
nente, à qual escapam apenas revoluções agrárias radicais (Cuba). Alguns inegável, ultrapassa as peripécias socioeconômicas. Ela se inscreve no
indicadores numéricos permitirão fixar as idéias, apesar do alcance neces- tempo e no espaço regionais. Antes de fazer parte do Terceiro Mundo, es-
sariamente limitado de estatísticas que englobam o conjunto do subconti- sa América é o Novo Mundo "descoberto" no século XV e conqui~tado no
nente tomado como um todo indiferenciado: 1,4% dos estabelecimentos
rurais de mais de 1 000 hectares concentrava, por volta de 1960, 65% da 3. ~~ndo beques 0I0ndI0I. "LaDd Tenure .nd ~Iopmenl in Latin Arntrica", em Claudio Vela. et
superfície total, enquanto 72,6% unidades menores, menos de 20.hectans al., Obstada 10 CJuut~ q lAtia A:mr:rica,'honslon.·0tfom tJniversj,y.~ ••t't65.
J o Ext~ lnJroduçóc 11 Amtricc ÚIlina /111rodll(.iÍO
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~ulo XVI. Possui, segundo Pierre Chaunu, seu tempo próprio, um ter alguns critérios simples que denotam a diversidade dos Estados e das
"tempo americano" "mais denso, mais carregado de modificação, portan- sociedades. Em relação aos primeiros, a geopolítica comanda, notadamen-
to, que corre mais depressa que o nosso", produto de uma "história acele- te, a situação em relação ao centro hegemônico norte-americano; quanto
rada" feita de "recuperação gigantesca", que começa com a pré-história aos segundos, convém levar em conta os componentes etnoculturais do
do continente, tardiamente povoado, provavelmente por migrações. Talvez povoamento e os níveis de evolução social, a fim de pôr um pouco de or-
se possa pensar igualmente na pluralidade, na variedade desse "tempo dem no mosaico continental
americano" e em seu prolongamento, isto é, em suas virtudes conservado-
rasoNão apenas os índios neolíticos ladeiam aqui e ali as técnicas de ponta
do último quartel do século xx. mas as sociedades latino-americanas apa- ... "Tão perto dos Estados Unidos li:

recem como verdadeiras reservas de formas sociais ultrapassadas no resto Potências Emergentes e ~'Repúblicas das Bananas"
do mundo ocidental, e mesmo como "museus políticos" onde as substi-
tuições de elites se efetuam por justaposição, mais do que por eliminação. É conhecida a reflexão desiludida do presidente Porfirio Díaz
Aliás, não é verdade, como o assinalava Alfred Métraux, que "ao; espécies (1876-1911) sobre o México: "( ...) Tão longe de Deus e tão perto dos Es-
animais hoje extintas mantiveram-se na América até uma data muito mais tados Unidos". Ele sabia provavelmente do que falava, tendo seu país sido
recente que no Mundo Antigo"? amputado pela república imperial da metade de seu território em 1848,
Pôde-se também falar de uma "natureza americana", não só para quando da guerra que sucedeu a anexação do Texas pelos Estados Uni-
sublinhar o exagero dos elementos e o gigantismo do espaço que nada de- , dos. Os atuais Estados norte-americanos da Califôrnia, do Arizona, do
vem ao homem, mas para assinalar o domínio singular deste sobre a pai- Novo México e, além do Texas, uma parte do Utah, do Colorado, de
sagem. A natureza foi violada e agredida pela depredação e pelo des-' Oklaboma e do Kansas (ou seja, cerca de 2 200 000 km2) pertenciam ao
perdício de uma "agricultura mineira" (René Dumont) que a deixou "não México, antes do Tratado de Guadalupe Hidalgo.
I
selvagem mas desclassificada" (Claude Lévi-Strauss) e, portanto, pouco 6J A dominação dos Estados Unidos é hoje particularmente evidente
humanizada, à imagem de um continente conquistado. É o mesmo que di- nesse "Mediterrâneo americano" que formam, entre o istmo centro-ame-
zer quão equivocado seria negligenciar os fenômenos transnacionais no ricano e o arco das Antilhas, o golfo do México e o mar do Carihe. Esse
estudo desse conjunto regional. mare nostrum é considerado por Washington como a fronteira estratégica
sul dos Estados Unidos: tudo o que afeta essa zona é tido como suscetível
de afetar diretamente a segurança do país "líder do mundo livre". O con-
DIVERSIDADE Dis SOCIEDADES, SINGULARIDADE DAS NAÇÕES trole dos estreitos' e do canal interoceânico, assim como dos traçados
possíveis de novas passagens do Atlântico ao Pacífico, é considerado vital
para os EstadosUnidos: a comunicação marítima entre as costas e o oeste
-i(
transforma, é verdade, o canal do Panamá numa via fluvial doméstica, en-
(;
quanto as linhas de comunicação com os aliados europeus seriam, diz-se,
,-' ameaçadas por uma presença hostil no conjunto das Grandes Antilhas. Se-
,~"\ ~
, ,'I~
ja como for, os Estados ribeirinhos insulares ou continentais estão em li-
« (~ berdade Vigiada. J\,s nações banhadas IX;lo "lago america~9iam de
LÃ ~ I:I •. C)
'í' \)~-
uma soberania limitada los int s n cio' etró le setentrio-
.p~\ ~al. Desde Theodor? Roosevelt; que não se contentou em "tomar o a.
narná", onde os Estados Unidos impuseram em 1903·0 encrave colonial
..\
do canal, estes se arrogaram um poder de polícia internacional na zona,
ora controlando diretamente as finanças dos Estados enfraquecidos, ora

4. Esses esI~itos. que.Rpara:m~IÚ.Mhico. o Haili de Cuba e a República Dominicana de Porto


Rico. sio, de oeste iK' leste: o canal-de Y -tán. a Windward PMuse ou canal do Vel)/{),e o canal de
Ia Mona. E..>sa~ parece nplicar oIalo de Porto Rico ler-se tomado pouessio amerlcan&
e de 01 EatadotI Unidos continuarem I OCtIpIIr "Ihue de Guantánamo em C.uba.
J2 o rA~ )lIIrod~ à AIIIirial Latina
lnzrodução _ \ \1 vJ()~ 0: ))
f(\l:;..\t'C.... \.\ \"
fazendo desembarcar os marines para pôr termo ao "relaxamento geral ri cano", estão ao ~ tO»lpO ãonge dos Estados U nib. :e são maiores
dos laços da sociedade civilizada" entre seus vizinhos meridionais. Assim é e mais ricos: os dois mais -extenS<15~ .n;giãq, o .Brar.1l r. 'fi A-rgentina, são
que a Nicarágua Ioi ocupada militarmente de 1912 a 1925, depois nova- além disso os dois países mais industrializaêos dr, 'subcontinente. Sua voz
mente de 1926 a 1933, o Haiti de 1915 a 1934, a República Dominicana de
conta, !:~3autonomia política é antiga. Aliás, as nações da América do Sul
1916 a 1924. Finalmente Cuba se libertou do jugo espanhol em 1898 ape.n)~/)
jamais sofreram intervenção militar direta dos Estados Unidos, que utili-
nas para se converter num semiprotetorado, prevendo a emenda Platt d
zam em relação a eles estratégias mais sutis ou pelo menos mais indiretas.
1901, imposta pelos vencedores da guerra hispano-americana, um direito
Mas também o fascínio pelo anwiam way of life tem ali menos peso; vi-
de intervenção permanente dos Estados Unidos na ilha toda vez que o go-
gorosas culturas nacionais, o peso preservado da Europa frustram uma
verno não parecesse capaz de "assegurar o respeito às vidas, aos bens e às "colonização Coes-Cola" à qual alguns raros países escapam mais ao nor-
liberdades". Esta cláusula incorporada à Constituição cubana presidiu de te nessa América intermediária onde Washington faz a lei.
fato as relações desiguais entre os dois países até 1959.
É dentre essa "classe média", a que pertence igualmente o México
Essa hegemonia mesquinha não mudou nem seus métodos nem seus
- forte, apesar de Porfirio Díaz e da fatalidade geográfica, por seus
objetivos por ocasião =aos mísseis inlercontinentai~. As tropas americanas
2000000 de km1• por seus 80 milhões de habitantes, aproximadamente, e
intervieram na República Dominicana em 1965 para evitar uma "nova
por sua personalidade cultural e política -, que se destacam os Estados
Cuba" e, em outubro de 1983, na pequena lilha de Granada para dali ex- capazes de se individualizar no. cenário internacional e cujo nítido perfil se
pulsar um governo de tipo castrista. A ajuda pouco discreta de Washing- recorta claramente contra um conjunto latino-americano ainda ontem de-
ton às guerrilhas contra-revolucionárias da Nicarágua hostis ao poder san-
dicado ao continuísmo e, em grande parte, atualmente, ao anonimato sob
dinista obedece às mesmas preocupações, se não aos mesmos reflexos. Q " uma tutela paternalista e condescendente. Vêem-se. assim. emergirem
uma maneira geral, a crispação neocolonial americana conduziu os Esta- potências médias que aspiram por vezes a desempenhar um papel regional
dos Unidos a i!pçiarem na região não imIcirta..9ua~ime, contanto que e mesmo extracontinental. Mas nenhum determinismo presta contas dire-
~ fosse claramente pr6-amE.!9no, e a derru~~em, ou pelo menos a deses- tamente desse crescente poder. A presença de um recurso valorizado no
tabilizarem, todo governo <I!!e tentasse sacudir a tutela do grande irmão, mercado mundial.ou uma conjuntura portadora podem alçar um país mo-
ferisse seus interesses privados e, genericamente, o modo de produção ca- derno ao nível dos "grandes" do subcontinente: foi recentemente o caso
italista. da Venezuela, promovida pelo boom petroleiro. A ruptura com a metró-
~ém de sua situação geoestratégica, os Estados do talude norte- pole, uma quebra de aliança ou de sujeição conseguiram dar a um peque-
americano são, com exceção do México, de tamanho pequeno, com popu- no país um status desproporcional a seu peso específico: Ioi o caso da
lação reduzida (a antes perigosa Nicarágua tem menos de 3 milhões de Cuba castrista, a partir de 1960. e a Nicarágua sandinista parecia querer,
habitantes, ou 'seja, mais ou menos o número de imigrados hispânicos de num registro menor, seguir o perigoso caminho trilhado por sua irmã mais
Los Angeles!), quando não se trata de micro-Estados como comporta a velha.
poeira insular das pequenas Antilhas: compreende-se que Granada, "a Se a classificação dos Estados está sujeita às reviravoltas da história,
vermelha", e seus 120 mil habitantes não podiam opor muita resistência a das sociedades é mais estável e, talvez, mais significativa para nosso
militar ao corpo expedicionário da primeira potência mundial! É evidente propósito.
que o potencial econômico desses Estados, dentre os quais se encontram
os mais pobres e mais atrasados do subcontinente, não compensa nem sua
exigüidade nem sua infelicidade geopolftica. Em virtude do peso histórico CLima, Povoamento e Sociedades
da mono-exportação agrícola, algumas dessas repúblicas tropicais recebe-
ram o apelido depreciativo e cada vez menos exato de Banana Republics, Não é fácil recortar subconjuntos ~onais que mantenham certa
tendo: as grandes companhias fruteiras norte-americanas, como a United coerência no continente, pois com freqüência a história dJ;IDlenteJ geo-
Fruit e suas concorrentes ou filiais, ali exercido por muito tempo um po-
gra!k Assim, o Panamá,ãntigaprovíncia colombiana, não faz parte, co-
der quase absoluto. A coisa é bem diferente em relação aos Estados mais
mo tampouco o México, da América Central, reduzindo-se esta aos cinco
distantes da América do Sul.
Estados federais, na época da independência, mo torritório da capitania-
Os Estados da América meridional, com exceção daqueles que, na
geral da Guatemala. O qne tnão Útnpede .que 'entre a América tio$ul e os
fachada caribenba, são o produto de uma descolonização recente (Guiana,
Estados Unidos 'haja, na verdade, uma "América média", ZOna ,.th~tran-
Suriname) e que poderíamos assimilar às nações do "Mediterrâneo ame-
sição e de amigo estabelecimento humano, local de brilhantes !civilm.ções
J, U E.r1~. lnlrodU(M d Âl7lbica lAtina
lntrotiU(iio J5

pré-colombianas em terras de um vulcanismo que não disse ainda sua úl- abaladas pela civilização européia. É e que ocorre com .aAmt!ricrtnné-
tima palavra, e possuidora, em todos os aspectos, de uma personalidade dia, a Guatemala com quase 50% de ~os, 'mas ·tam.bém.a.Nicalá~ ou
própria. Na América do Sul, distinguem-se habitualmente uma América El Salvador, que só contam 20% de índios muito acdlttmld05,(oulTlondu-
temperada. que ocupa o "cone sul" do continente e compreende a Arg...on- taS com menos de 10% (números que devem ser utilizados com todas as
I

I r-
tina, o Uruguai e o Chile, que, por seu clima, suas culturas e seu povoa- reservas que merece a definição indígena nesse continente). O México
.~
I mento, ~ a parte mais próxima do Velho Mundo, e uma América tropical, igualmente com apenas 15% de cidadãos que falam uma língua indígena,
:(d' \~ onde se classificam geralmente os países andinos, o Paraguai e o Brasil. mas com grandes concentrações em certos Estados do sul (Oaxaca, Chia-
I ~
,.1
Este, aliás, não se deixa facilmente etiquetar] País-continente que possui pas, Yucatán), reivindica o passado dos "vencidos" em sua ideologia na-
f' fronteiras com todas as nações sul-americanas, menos Equador e Chile, cional. Na zona incaica, os indígenas que falam o qufchua e o aimará são
compreende com efeito um sul temperado povoado por europeus que se até 50% da população do Peru, da Bolívia e do Equador, com fortes con-
dedicam a culturas mediterrâneas. O Chile, país por assim dizer andino, centrações igualmente nas zonas rurais montanhosas.
parece, porém, mais temperado que tropical; quanto à Bolívia, certamen- Os POi'OS transplantados formam a América branca: simétricos dos
te, ela também é parcialmente tropical, mas ligada historicamente à Amé- '..r:' angl<ramericanos do norte, são os rioplateflSes do Uruguai e da Argentina.
rica temperada, enquanto a Colômbia e a Venezuela são, em graus diver- ('I .'. L~ • Nessas terras de povoamento recente, onde índios nômades de baIXOnível

sos, ao mesmo tempo andinas e caribenhas. É evidente a dificuldade des-


I
~::{/ ~1.• ~ultural foram impiedosamente eliminados antes da maré imigrat6ri"i,
sas classificações. ; I' -' ,\{ nasceu uma espécie de Europa austral_ Mas esses espaços aparentemente
Pode-se pensar que o povoamento é um indicador mais fino e mani- ~r c ~("/ abertos, semelhantemente à Nova Zelândia, à Austrália ou aos Estados
pulável para uma tipologia rigorosa. É verdade que se encontra uma certa .~\.-' Unidos, apresentavam características sociais diferentes, o que explica sua
correspondência entre climas e populações, ligada notadamente aos tipos \, ,-,c evolução posterior. Sua singularidade é forte. Os argentinos orgulhavam-
de culturas historicamente privilegiadas. Com efeito, a distribuição regio- se, na virada do século, de serem o "único país branco ao sul do Canadá".
nal dos três componentes do povoamento! americano - o substrato E esses prolongamentos do Velho Mundo, que ignoraram por muito tem-
I
amerfndio, os descendentes da mão-de-obra escrava africana e a imi- po o continente, não se sentiam "sul-americanos" até r-ecentemente.
gração européia do século XIX - delineia zonas de dominante identificá- Enfim, os povos novos, entre os quais Darcy Ribeiro situa o Brasil, a
I
vel, Dizemos exatamente de dominante, pois as nações mestiças são as c Colômbia e a Venezuela, assim como o Chile e as Antilhas, são o produto
mais numerosas, e amiúde, em sociedades df povoamento complexo, es- "J cP' da mestiçagem biológica e cultural. Para ele, trata-se aí da verdadeira
paços etnicamente homogêneos se justapõem, Assim, na Colômbia, os res- .,"'.1. América, aquela onde, no cadinho racial de dimensões planetárias, se for-
guardos indígenas das altas "terras frias" estão freqüentemente em conta- .
/\''\ . .~..•.. ~,(~
.\.. . ja a "ra~ cósmica" do futuro c";ntada J>.07ToséVasconcelo;.&sa classifi-
to com os vales "'negros" das "terras quentes". Grosseiramente, pode-se, ,.,.., .. .. ,...~..•
/
cação, mesmo assim hierarquizada, possui umi"Certa lõgica e contribui pa-
contudo, distinguir: uma zona de denso povoamento índio, que recobre a ~ ra dar uma apreciação global mais clara da rosa-dos-ventos latin<rameri-
, ,\,~
,
América média, e o noroeste da América do Sul, onde floresceram as
grandes civilizações; Américas negras a nordeste, no contorno caribenho, . s:
cana.
Sem querer multiplicar as classificações, não ~ inútil introduzir uma
as Antilhas e o Brasil ligados à grande especulação açucareira sobretudo '- última, fundada na homogeneidade cultural e na importância do setor tra-
da época colonial; enfim um sul, mas sobretudo um sudeste "branco", ter- dicional da sociedade. Essas tipologias são tão arbitrárias quanto os crité-
ra temperada e de acolhida da mão-de-obra livre européia, que ali foi rios escolhidos para construí-Ias, mas são indispensáveis sem dúvida para
despejada a partir do último quartel do século XIX. fornecer os matizes necessários a um estudo transversal dos fenômenos
. Utilizando as mesmas variáveis, o antropólogo brasileiro Darcy Ri- sociais continentais.

3
;~

/\. "- >-' pciro propôs uma tipologia que não deixa de ser atraenle, ainda que ideo- Se tomarmos como indicador a maior ou menor homogeneidadc
.:.;. ,\. logicamente enviesada. Ele distingue três categorias de sociedade: os po- cultural, sendo esta estimada em função do grau de integração social e da
r
r, "os testemunhas, o.s povos transplantados e os povos novos. Os povos tes- existência de uma ou de várias culturas no seio da sociedade nacional, po-
.c temunhas. em suas variedades mes<ram~~ou andinas. são. os des- dem-se discernir três grupos':
cendentes das grandes civilizações ~.1.-. maia~incaic~orrespo.ndem
~is a países onde a prDpO!?o de índios é rclatjvamente elevada, o que
significa, entre outras coisas. que uma frasão im~rtanle da população fa-
5. Segundo Grno Germsni, '"América Latina,. ~I T_M.undo· _At~. 'P3m (10). ovt. 196B
la uma língua vernacular e que as comunidades autÓcto~ foram~pou-
. --'
36 , o Er:t~ InlrodlJ{do o AmtriaI Launa

• Homogêneos: Argentina, Chile, Uruguai; e em menor grau, Haiti, EI


Salvador e Venezuela.
• HeteTOgtneos: Guatemala, Equador, Bolívia, Peru.
• Em vias de homogor~40: Brasil, México, Colômbia.
Os critérios de uma classificação dessa natureza podem ser conside-
rados eminentemente subjetivos. O grau de tradicionalismo pode ser me-
dido mais corretamente, pois ele coincide, o mais das vezes, com a im-
portância do setor agrário e do analfabetismo. Sob esse aspecto, seriam
mais tradicionais países como: Haiti, Honduras, Paraguai, EI Salvador,
Guatemala e Bolívia, enquanto seriam modernas as sociedades' da Argen- Parte I
tina, Chile, Uruguai, Colômbia e Venezuela, ou Cuba.
A multiplicação das tipologias permite delimitar um certo número
de países nas duas extremidades da corrente: ela dá uma idéia aproximati-
va, grosseira com certeza. mas útil, dos desvios, e, portanto, do leque de CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS ESTADOS
realidades sociais díspares que se ocultam sob a etiqueta "quarto de des-
pejo" que é a América Latina, sem por isso ceder às miragens do particu- , LATINO-AMERICANOS
larismo nacional e da singularidade histórica. Duas dimensões capitais
que, todavia, não fornecem as chaves que procuramos, não podendo estas
provir senão de um vaivém incessante entre os múltiplos níveis de uma
apreensão global das semelhanças e das diferenças, do continental ao lo-
cal, passando pela nação e pela região.

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