Alain Rouquie - O Extremo Ocidente - Introdução
Alain Rouquie - O Extremo Ocidente - Introdução
Alain Rouquie - O Extremo Ocidente - Introdução
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~ode p~cer p-aradoxal começar a tratar de uma "área..cultmal!'
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evocan o a precariedade de ~efm~o. Por mais singular que isso pos-
.. '\ sa parecer, oprÓprio conceito de América Latina é problemático. Portan-
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to, não é inútil tentar precisã-lo, remem orar-lhe a história e mesmo criti-
car-lhe o uso. De utilização corrente hoje na maioria dos países do mundo
e na nomenclatura internacional, ele não goza do benefício do rigor. UD1
PQuco ÇQmoo mais recente e muito ambíguo Terceiro MUD~ esse termo
;Mece por vezes uma fonte de confusão mais do .9l:leum instru~nto de
?elimitação preciso.
O que se entende, geograficamente, por América Latina? O conjun-
to dos países da América do Sul e da América Central? Certamente, mas ..
."......~~ O México pertence, segundo os ge6grafos, à América do Norte. Talvez,
para simplificar, se deva contentar-se com englobar sob essa denominação
nações ao sul do rio Bravo? Mas então seria preciso admitir que a Guiana
e Belize, onde se fala inglês, e o Suriname, onde se fala o neerlandês, fa-
zem parte da América "Latina". À primeira vista trata-se de um conceito
cultural. E seríamos levados a pensar que ele recobre exclusivamente as
nações de cultura latina da América. Ora, ainda que com Ouebec O Ca-
nada seja infinitamente mais latino que Belize e tanto quanto Porto Rico,
Estado livre associado 2iQS Eilados Unidos, ninguém jamais.pensou em ·r.l-
cluí-lo, mesmo ao nível de sua pr~ Ir~~:ma, no subconjunto lati.
no-americano.
22 o Ez1~ lnlroduçk> d AMica lAlina lnlrodução
23
Para além dessas imprecisões, P.Qder-se-iapensar em descobrir uma tem uma bist6r~ ainda que o Haiti, franc6fono em suas elites, possa hoje
identidade subrontinental forte, tecida de solidariedades diversas, quer se lhes servir de. álibi: ele aparece na FranQ..!1a época de NaP-OleãolIIJi&l-
I •
,!!flfam a uma cultura comum ou a 1aços de' outra natureza. Mas a própna do ao grande desfgi:lJode '~udar" as na~s "latinas" da Am~~a..im-
diversidade das nações latino-americanas corre o risco de depreciar essa Pêdii a expansaõdôSJ~s!.a~~ U~~~. A infeliz proeza mexicana foi a rea-
justificativa. A fraca densidade das relações econômicas....e mesmo culU!: lização concreta dessa idéia grandiosa. A latinidade tinha a vantagem,
~ de na~ que, durante mais de um século de vida independente, de- apagando os laços particulares da Espanha com uma parte do Novo Mun-
ram-se as costas mirando deliberadamente a Europa ou a América do do, de dar à França legítimos deveres para com seus "irmãos" americanos
.Norte, as enormes disparidades entre países - tanto sob o ângulo do ta- r cat6licos e romanos, Essa latinidade foi combatida em nome da hispani- ~
manho como do potencial econômico ou do papel regional - não favore- II dade e dos direitos da mãe pátria por Madri, onde o termo América Lati-
cem uma real consciência unitária, a despeito das ondas de retórica obri- na nem sempre tem direito de cidadania. Os Estados Unidos, por sua ve
gada que este tema provoca sem cessar. II o useram o an-americanismo à uela máquma de guerra européia antes
Eis por que se interroga sobre a própria existência da América Lati- i de adotar essa denominação vertical con orme a seus dCsfgnr;;;e que eles
I
na. De Luis Alberto Sánchez no Peru a Leopoldo Zea no México, os in~ contribuíram para divulgar.
lectuais colocaram-se o problema sem fornecer resposta definitiva. O que Latina, essa América conquistada pelos espanh6is e portugueses o é" 4.~'
~á em causa não é apenas a dimensão unitária da denominação e a iden- pelo menos até 1930, na formação de suas elites, onde a cultura francesa (f
tidade que ela éiiCerra face à pluralidade das sociedades da América dita reina inteiramente_ Deve-se dizer que essa América só é latina por seus
latina. Pois, a esse respeito, bastaria, para enfatizar a diversidade e evitar \ . "poderosos" e suas oligarquias, que somente a América do primeiro 0cu-
qualquer tentação generalizante, inverter a questão falando, como aliás já pante e dos "sem importância" (Ios de abajo), que recolhe apenas miga-
se fez, das "Américas Latinas'". Esta f6rmula tem a vantagem de reco- lhas de latinidade e resiste à cultura do conquistador, representa a auten-
I nhecer uma das dificuldades, mas com a condição de acentuar a dimensão ticidade do subcontinente? Os intelectuais dos anos 30, especialmente nos
cultural. Ora, ela também é problemãtica. países andinos, que descobriam o indígena esquecido, desconhecido, acre-
ditaram nisso. Haya de la Torre, poderosa personalidade política Pe~
che ou a ro r uma nova denominação re ·onal: a "Indo-América":-Eii
Por que Latina7 terá menos êxito que o indigenismo iterário no qual se inscreve ou o par-
tido político de vocação continental ao qual Haya deu origem. O_índio não
Esta etiqueta, amplamente aceita em nossos dias, O que recobre? De tem cartaz na América junto às classes dirigentes. Marginalizado e excluí-
onde vem? As evidências do senso comum logo se desvanecem face aos do da sociedade nacional, ele é minoritário culturalmente em todos os
fatos sociais e culturais. São latinas estas Américas negras descritas por gr:and e mesmo nos de velhas civiliza - s ré-colombianas e de
Roger Bastide? A sociedade da Guatemala, onde 50% da população des- . orte presença indígena. Assim, segundo o último recenseamento (1980),
cendem dos maias e falam línguas indígenas, a das sierras equatorianas, ·só havia no México, em 66 milhões de habitantes, 2 milhões de não-bis-
onde domina o qufchua, são latinas? O Paraguai guarani, a Patagônia dos pan6fonos e menos de 7 milhões de mexicanos que conheciam uma ou vá-
fazendeiros galeses, a Santa Catarina brasileira, povoada por alemães, tal rias línguas indígenas. Pode-se sempre sonhar, depois de Jacques Soustel-
como o sul do Chile, são latinos? Do!:.fato, referiml)-nos à cultura dos con- le, imaginando um México "que, semelhante ao Japão moderno, teria po-
quistadores e dos colonizadores es anh6is e rtu eses ara designar dido conservar no essencial sua personalidade aut6ctone inserindo-se ao
forma - S SOCIal e múltiplos comY-Qoentes.Assim se compreendem nos- mesmo tempo no mundo atual". Não foi assim, e esse continente está fa-
sos amigos espanhóis e muitos outros que preferem falar de América dado à mestiçagem e à síntese cultural.
hispânica e mesmo, para não desprezar o componente lusófono de que é Contudo, mesmo nos países mais "brancos", a trama indígena ja-
mais está totalmente ausente e participa claramente da conformação da fi-
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herdeiro o gigantesco Brasil, de Ibero-América. Pois o epíteto "latino"
sionomia nacional. Essa América, na expressão de Sandino, é bem "indo- ,li
latina". n - -
L riesde o CaInOllOnúrof,ro· doe AnnaJa, de 1~9(4) lubintitulAdo "Através das Américas Latinas", essa ~a defirri:):ã9I-ocrma.do sdbcantillente não recobre pois integralmen-
fórmula foi amplammte .utlllzada por todo&aqueles ""'" deuÍ""d'm rnf.a1izar AlII""rticY.Iarida<:Ies M·
cionais fuPndo ct. r.. ~ ÂIIiIII 01 Calutt-s des Amiriqud h'tlla. publicados pejo I",ti· te nem de forma adequada realidades unultiformes e em transformação,
M des H••••a állda de I·Ammque latine de Paris.. ou a obra cláuica de Mareei Niedrrpng sobre nem por isso se pode abandonar uma ;e6iqueta evocadora retonud.J. ~ie
ID V","" AmbiquD latiIta.. Paris, Seuít, 1962.
por todos e notada mente pelos próprios lnteressaées inosotros tos 1I
IIIlnx1uçin
u. o !x1rtm(}.()cidm/t: IlIlrodU(oo à AmtricG LAtina 25
(fi) (l.}Q;itlJ& }J r~~
mexicanos candidatos à imigração clandestina para o país mais zi~
planeta. forma uma linha de demarcação,J13 mesmo tempo culturllJ e so-
cioeconômica muito carregada de vaklr SÍ'P.~~
Talvez se possa classificar entre as nações latino-americanas todos
OS países do continente americano em vias de desenvolvimento, indepen-
dentemente de sua língua e de sua cultura, pois é bem verdade que não
~. ( ocorreria a ninguém classificar na opulenta América Anglo-Saxônia as
Antilhas anglófonas ou a Guiana. É bem verdade também que nessa zona
lítica comanda muito mais gue a geografia - o presidente Reagan
não incluiu recentemente entre os beneficiários eventuais de sua "Iniciati-
va da baía do Caribe" (Caribbean Basin Initiative) EI Salvador, que SÓ
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Uma América Periférica
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português no essencial, a despeito de florescentes culturas pré-colombia-. \ ~ - ... que Pertence Culturalmente ao Ocidente
nas e mesmo de núcleos imigrat6rios recentes mais ou menos assimilados.
Mas a ausência do Canadá (apesar de Ouebec) nesse conjunto e o fato de '
que organismos internacionais como o SEtA 0!l o BIO incluem entre os
Estados latino-americanos Trinidad-Tobago, as Bahamas e a Guiana! dão
ao perfil da "outra América" uma 'inegável coloração socioeconômica e\.
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~o, I!!.nações da Amenra l.atina ªp.arecem na estratifica ara os Estad<l5 recém-emancipado;. (Q que o
como constituindo uma espécie de "classe média", ou seja. numa situa~o historiador Tulio Halperín Donghi cham.Jlll"'a longa ~li", Ulurante a
intermediária. Dentre essas nações em transição, apenas uma, o Haíti, ual a des~o do Estado colonial não permite ainda o estabelecimento
pertence ao grupo dos países menos avançados (PMA), em companhia de e uma.nova ordem. Enquanto essas nações balbuciantes têm alguma difi-
inúmeros companheiros de infortúnio asiáticos e africanos (mas com uma culdade para encontrar um papel de acordo com sua medida, as repúbli-
renda per capita igual a mais do dobro daquele do Tchad ou da Etiópia). cas hispânicas atravessam longos períodos de turbulências anárquicas em
.(\ maior parte dos grandes países da América Latina têm economias se- que se desenvolve a desordem predadora de senhores da guerra (os cau-
mi-industriais (a indústria compondo 20 a 30% do PNB), e os três gran- dillos), e o Brasil independente parece prolongar sem sobressaltos, sob a
des, Brasi~ México Ar entin situam-se entre os Novos Países Industria- égide da monarquia unitária dos Bragança e do imperador Pedro T, o statu
':~\ .fit lizados os C, na nomenclatura da ON . Os indicadores de moderni- quo colonial.
~ colocam o Brasil, o México, o Chile, a Colômbia, Cuba e a Vene- .\~8~ , ,J"""Entre 1850 e 1880, com raras exceções referentes a certas pequenas
zuela acima dos países africanos e da maioria das nações da Ásia (exceto \'i>~tS) C> Çj" ,-te úblicas da América Central ou do Caribe, as na - s do subcontinente
as cidades-Estados). A Argentina e o Uruguai se encontram nesse aspecto ,p ::I' entram na "era econômica" que alguns batizaram de a "ordem neocolo-
entre os países avançados.
, ,?"P niaI": as economias latino-americanas e, portanto, as sociedades se inte-
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Se se buscam os fatores de homogeneidade, além desses grandes
traços, de um conjunto que não é nem o Ocidente nem o Terceiro Mundo,
mas aparece Ireqüentemente como síntese ou Justaposição dos dois, per- fr>"'t
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.r' - ,gram ao mercado internacionãI. Elas prõduzem e exportam maténas-pri. Il
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,mas. Importam bens manufaturados. Engrenagem essencial da nova di-
visão internacional do trabalho que se efetua sob a égide da Grâ-Breta- ~
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cebe-se que procedem quase todos do exterior do subcontinente, espe-
cialmente se se regride a uma acepção restritiva da América Latina, isto é, '
~ "" "çJJ-'" nha, cada país se especializa em alguns produtos, às vezes num s6. J.
N' I· \ É entre 1880 e 1930 que essa nova ordem atinge o auge. Os países r:-...
~ essencialmente cultural e clássica: as antigas colônias da Espanha e de
~ \c-.ôGJ do subcontinente vivem no apogeu de um crescimento extravertido que >li
~ Portugal no Novo Mundo.
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traz em si a ilusão de um progresso indefinido no quadro de uma de- ~
pendência consentida por seus beneficiários locais e racionalizada em no-, ~
( -v~. •• me da teoria das vantagens comparativas. A crise de 1929 vai pôr termo à ~
Paralelism» das Evoluções Históricas \~- /euforia capitosa dessa "bela época", da qual a maioria das populações Ia- ~
\ .:' e boriosas está, seguramente, excluída, desorganizando as correntes comer-
Se a existência de uma América Latina é problemática, se a diversi-
e:- ..>' _I ciais. O fim do mundo liberal é também o da hegemonia britânica. Os Es-
-v c'· ~ tados Unidos, já dominantes em seu quintal caribenho, vão substituir sua
~\c dade das sociedades e das economias se impõe, se a delimitaç.ão das dife-
preponderância pela do Reino Unido e tornar-se a metrópole exclusiva do b
"' rentes nações é um dado básico de seu funcionamento, não deixa de ser
..L'-' conjunto regional Por isso, o período que começa é ritmado pelas re- ~
:i1'~
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verdade que uma relativa unidade de destino, mais sofrida que escolhida,
aproxima as "repúblicas irmãs". Ela é legível nas grandes fases da história, , \
lações da América do Norte com os países da região ou, mais precisamen-
perceptível na identidade dos problemas e das situações que enfrentam te, pelos tipos de políticas latino-americanas que Washington põe sucessi-
atualmente essas nações. vamente em ação. Mas fases econômicas muito diferenciadas se inscrevem ~
/paralelamente a essa periodização internacional, sem que se possa aliás aí
As antigas colônias da Espanha e de Portugal, politicamente inde- ''-t
perceber um elo causal evidente,
pendentes (com exceção de Cuba, que só se emancipa em 1898) desde o , ~.
primeiro quartel do século XIX, estão mais próximas, nesse aspecto, dos ~ . t..; Essa periodização tem apenas um valor de referência e visa subli-
nhar que, além das especificidades nacionais, certos fenômenos comuns
Estados Unidos do que os países recentemente descolonizados da África ~:/'v~ ultrapassam as fronteiras. As similaridades não dependem simplesmente
ri"". Jv'
ou da Ásia. ~ um século e meio de vida independente não poderia fazer (',\'O'!--I/
~uecer a influência nrofunda de três séculos de colonização (1530-1820 ~_-/
a roximadamente ue marcaram de maneira irreversível as confi u- V/' - K i
da história, mas se encontram igualmente em estruturas análogas e pro-
blemas idênticos.
@ÇÕessociais e modelaram o destino singular das futuras nações. "I
A partir da in~ndência, o conjunto dos Es~ do~bcontincn-'e I
percorreram - com desvios e atrasos para certos países -, grosso modo,
trajetórias paralelas nas qu2is aparecem períodos claramente discerniveis.
InlrodlJ(.ão
28. o Exl~: InlrodlJ(oo d Am1ric.2 lAliM '19
(,:. ~ 1960 Crise das relações interamerica- A substituição das importações r: \iL c f:~ devido à concentração fundiária. e;
nas, em resposta ao desafio cas- entra em crise. Ela esbarra com C"J.. [ f, :r~ •••.1 ) Não é por acaso que se prevê que a Cidade do México e São Paulo
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.. trista; política de repressão do as capacidades tecnológicas e fi- vt'~-/.c serão, no ano 2000, se a evolução atual prosseguir, as duas maiores cida-
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r comunismo, onde o ativismo dos nánceiras dos países para a pro- ".'. _\ c}:" des do mundo, com mais de 20 milhões de habitantes.
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Estados Unidos toma diversas dução de bens duráveis ou de ri' <;-t' 3.A am [itude dos contrastes 'ollais é também a resultante da ur·
:-. c -. formas, desde a ajuda econômica equipamento. Assiste-se à "in- o' •...;) ,.:1' , baniza -o concen ada, das articularidades das estruturas árias e da
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J..
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, . <:' até o intervencionismo direto ou ternacionalização dos mercados ".rtP' hLus1r.Q)zaçãO. Assim se reproduz no interior de cada país o esquema
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indireto . nacionais" pela implantação de I' (p' if.:;;i
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.. sucursais das grandes compa- , ~k .~ > . Y
planetário que opõe um centro opulento a periferias miseráveis. Os con-
trastes internos são mais gritantes .que na maioria <!..OS países em vias ~e
nhias multinacionais na indústria. \.~ ....~J" desenvoJyimento, a ponto de, depois de.ter assepticamentedescrito essas
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,\~c~, l'.~-:,
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(' Semelhanças dos Constrangimentos e das Estmturas
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disparidades sob a etiqueta de "dualismo social", chegar-se a falar de "co-
lonialismo interno". Os sociólogos evocaram, por sua vez, com justeza a
w~c.,;'simultaneidade do não-contemporâneo", mas esta não se limita à pito-
o
. -~,. , -"\ '\ 'Wfi(:..:J .r(lÇSca evocação dos índios vivendo ao mesmo tempo 1.1aidade da pedra e
As semelhanças não poderiam ser superestimadas. Contudo, histó- rY 'I-\~'j:J • , ~'ilo alcance de uma flecha de laboratórios cientfficos ultramodernos. No
rias paralelas forjaram realidades que, sem serem semelhantes, têm nu- ~p. ~. Brasil, o Estado do Ceará, no Nordeste, ocupa o terceiro lugar no mundo
merosos pontos comuns que as distinguem, aliás, de outras regiões do
.mundo desenvolvida ou subdesenvolvido. Evocaremos apenas três:
1. A concentração da propriedade da te"M distribui,?º-. desi~al da.
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\, após dois PMA para a mortalidade infantil, enquanto São Paulo tem a
primeira indústria farmacêutica do continente, certos hospitais dentre os
mais modernos do mundo, e o Rio desfruta de reputação internacional em
propriedade f~iária é uma característica comum aos países da regiãg. É . relação à cirurgia plástica! Para nos restringirmos ao Brasil, uma verda-
independente da consciência que dela têm os atores e nem sempre apare- deira "terra de contrastes", um economista brasileiro pôde dizer com al-
ce como uma fonte de tensões sociais ou de debate político. Todavia, o guma razão que seu país era semelhante ao Império britânico na época da
domínio da grande propriedade agrária tem conseqüências evidentes na rainha Vitória, se a África, a índia e a Grã-Bretanha tivessem se reunido
modernização da agricultura, assim como na criação de um setor indus- num mesmo território.
trial eficaz. Afeta diretamente a influência social e, portanto, o sistema Poder-se-ia tentar multiplicar as semelhanças e as concornitâncias.
político. O fenômeno da grande propriedade é paralelo à proliferação de Os traços comuns não estão ausentes. Não se limitam, como se verá nos
micropropriedades, exíguas e antieconômicas. Se essa tendência remonta capítulos seguintes, a essas características estruturais. O termo América
à época colonial, não deixou de progredir até nossos dias: a conquista der Latina, se lhe dermos um conteúdo largamente extracultural, designa PQis
minial continuada aparece como um dado permanente na escala do conti- 'lma realidade discernível e especifica. Mas essa especilicidade forte,
nente, à qual escapam apenas revoluções agrárias radicais (Cuba). Alguns inegável, ultrapassa as peripécias socioeconômicas. Ela se inscreve no
indicadores numéricos permitirão fixar as idéias, apesar do alcance neces- tempo e no espaço regionais. Antes de fazer parte do Terceiro Mundo, es-
sariamente limitado de estatísticas que englobam o conjunto do subconti- sa América é o Novo Mundo "descoberto" no século XV e conqui~tado no
nente tomado como um todo indiferenciado: 1,4% dos estabelecimentos
rurais de mais de 1 000 hectares concentrava, por volta de 1960, 65% da 3. ~~ndo beques 0I0ndI0I. "LaDd Tenure .nd ~Iopmenl in Latin Arntrica", em Claudio Vela. et
superfície total, enquanto 72,6% unidades menores, menos de 20.hectans al., Obstada 10 CJuut~ q lAtia A:mr:rica,'honslon.·0tfom tJniversj,y.~ ••t't65.
J o Ext~ lnJroduçóc 11 Amtricc ÚIlina /111rodll(.iÍO
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~ulo XVI. Possui, segundo Pierre Chaunu, seu tempo próprio, um ter alguns critérios simples que denotam a diversidade dos Estados e das
"tempo americano" "mais denso, mais carregado de modificação, portan- sociedades. Em relação aos primeiros, a geopolítica comanda, notadamen-
to, que corre mais depressa que o nosso", produto de uma "história acele- te, a situação em relação ao centro hegemônico norte-americano; quanto
rada" feita de "recuperação gigantesca", que começa com a pré-história aos segundos, convém levar em conta os componentes etnoculturais do
do continente, tardiamente povoado, provavelmente por migrações. Talvez povoamento e os níveis de evolução social, a fim de pôr um pouco de or-
se possa pensar igualmente na pluralidade, na variedade desse "tempo dem no mosaico continental
americano" e em seu prolongamento, isto é, em suas virtudes conservado-
rasoNão apenas os índios neolíticos ladeiam aqui e ali as técnicas de ponta
do último quartel do século xx. mas as sociedades latino-americanas apa- ... "Tão perto dos Estados Unidos li:
recem como verdadeiras reservas de formas sociais ultrapassadas no resto Potências Emergentes e ~'Repúblicas das Bananas"
do mundo ocidental, e mesmo como "museus políticos" onde as substi-
tuições de elites se efetuam por justaposição, mais do que por eliminação. É conhecida a reflexão desiludida do presidente Porfirio Díaz
Aliás, não é verdade, como o assinalava Alfred Métraux, que "ao; espécies (1876-1911) sobre o México: "( ...) Tão longe de Deus e tão perto dos Es-
animais hoje extintas mantiveram-se na América até uma data muito mais tados Unidos". Ele sabia provavelmente do que falava, tendo seu país sido
recente que no Mundo Antigo"? amputado pela república imperial da metade de seu território em 1848,
Pôde-se também falar de uma "natureza americana", não só para quando da guerra que sucedeu a anexação do Texas pelos Estados Uni-
sublinhar o exagero dos elementos e o gigantismo do espaço que nada de- , dos. Os atuais Estados norte-americanos da Califôrnia, do Arizona, do
vem ao homem, mas para assinalar o domínio singular deste sobre a pai- Novo México e, além do Texas, uma parte do Utah, do Colorado, de
sagem. A natureza foi violada e agredida pela depredação e pelo des-' Oklaboma e do Kansas (ou seja, cerca de 2 200 000 km2) pertenciam ao
perdício de uma "agricultura mineira" (René Dumont) que a deixou "não México, antes do Tratado de Guadalupe Hidalgo.
I
selvagem mas desclassificada" (Claude Lévi-Strauss) e, portanto, pouco 6J A dominação dos Estados Unidos é hoje particularmente evidente
humanizada, à imagem de um continente conquistado. É o mesmo que di- nesse "Mediterrâneo americano" que formam, entre o istmo centro-ame-
zer quão equivocado seria negligenciar os fenômenos transnacionais no ricano e o arco das Antilhas, o golfo do México e o mar do Carihe. Esse
estudo desse conjunto regional. mare nostrum é considerado por Washington como a fronteira estratégica
sul dos Estados Unidos: tudo o que afeta essa zona é tido como suscetível
de afetar diretamente a segurança do país "líder do mundo livre". O con-
DIVERSIDADE Dis SOCIEDADES, SINGULARIDADE DAS NAÇÕES trole dos estreitos' e do canal interoceânico, assim como dos traçados
possíveis de novas passagens do Atlântico ao Pacífico, é considerado vital
para os EstadosUnidos: a comunicação marítima entre as costas e o oeste
-i(
transforma, é verdade, o canal do Panamá numa via fluvial doméstica, en-
(;
quanto as linhas de comunicação com os aliados europeus seriam, diz-se,
,-' ameaçadas por uma presença hostil no conjunto das Grandes Antilhas. Se-
,~"\ ~
, ,'I~
ja como for, os Estados ribeirinhos insulares ou continentais estão em li-
« (~ berdade Vigiada. J\,s nações banhadas IX;lo "lago america~9iam de
LÃ ~ I:I •. C)
'í' \)~-
uma soberania limitada los int s n cio' etró le setentrio-
.p~\ ~al. Desde Theodor? Roosevelt; que não se contentou em "tomar o a.
narná", onde os Estados Unidos impuseram em 1903·0 encrave colonial
..\
do canal, estes se arrogaram um poder de polícia internacional na zona,
ora controlando diretamente as finanças dos Estados enfraquecidos, ora
pré-colombianas em terras de um vulcanismo que não disse ainda sua úl- abaladas pela civilização européia. É e que ocorre com .aAmt!ricrtnné-
tima palavra, e possuidora, em todos os aspectos, de uma personalidade dia, a Guatemala com quase 50% de ~os, 'mas ·tam.bém.a.Nicalá~ ou
própria. Na América do Sul, distinguem-se habitualmente uma América El Salvador, que só contam 20% de índios muito acdlttmld05,(oulTlondu-
temperada. que ocupa o "cone sul" do continente e compreende a Arg...on- taS com menos de 10% (números que devem ser utilizados com todas as
I
I r-
tina, o Uruguai e o Chile, que, por seu clima, suas culturas e seu povoa- reservas que merece a definição indígena nesse continente). O México
.~
I mento, ~ a parte mais próxima do Velho Mundo, e uma América tropical, igualmente com apenas 15% de cidadãos que falam uma língua indígena,
:(d' \~ onde se classificam geralmente os países andinos, o Paraguai e o Brasil. mas com grandes concentrações em certos Estados do sul (Oaxaca, Chia-
I ~
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Este, aliás, não se deixa facilmente etiquetar] País-continente que possui pas, Yucatán), reivindica o passado dos "vencidos" em sua ideologia na-
f' fronteiras com todas as nações sul-americanas, menos Equador e Chile, cional. Na zona incaica, os indígenas que falam o qufchua e o aimará são
compreende com efeito um sul temperado povoado por europeus que se até 50% da população do Peru, da Bolívia e do Equador, com fortes con-
dedicam a culturas mediterrâneas. O Chile, país por assim dizer andino, centrações igualmente nas zonas rurais montanhosas.
parece, porém, mais temperado que tropical; quanto à Bolívia, certamen- Os POi'OS transplantados formam a América branca: simétricos dos
te, ela também é parcialmente tropical, mas ligada historicamente à Amé- '..r:' angl<ramericanos do norte, são os rioplateflSes do Uruguai e da Argentina.
rica temperada, enquanto a Colômbia e a Venezuela são, em graus diver- ('I .'. L~ • Nessas terras de povoamento recente, onde índios nômades de baIXOnível
3
;~
/\. "- >-' pciro propôs uma tipologia que não deixa de ser atraenle, ainda que ideo- Se tomarmos como indicador a maior ou menor homogeneidadc
.:.;. ,\. logicamente enviesada. Ele distingue três categorias de sociedade: os po- cultural, sendo esta estimada em função do grau de integração social e da
r
r, "os testemunhas, o.s povos transplantados e os povos novos. Os povos tes- existência de uma ou de várias culturas no seio da sociedade nacional, po-
.c temunhas. em suas variedades mes<ram~~ou andinas. são. os des- dem-se discernir três grupos':
cendentes das grandes civilizações ~.1.-. maia~incaic~orrespo.ndem
~is a países onde a prDpO!?o de índios é rclatjvamente elevada, o que
significa, entre outras coisas. que uma frasão im~rtanle da população fa-
5. Segundo Grno Germsni, '"América Latina,. ~I T_M.undo· _At~. 'P3m (10). ovt. 196B
la uma língua vernacular e que as comunidades autÓcto~ foram~pou-
. --'
36 , o Er:t~ InlrodlJ{do o AmtriaI Launa
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