Defesa Do Pós-Positivismo Thomas

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Número 02 - 2008 - Salvador - Bahia - Brasil

UMA DEFESA DO PÓS-POSITIVISMO

THOMAS DA ROSA DE BUSTAMANTE*

Por pós-positivismo entende-se um tipo de teoria jurídica que, sem necessariamente


negar a utilidade e a razoabilidade dos critérios positivos utilizados pelas teorias positivistas
para identificar o direito válido em determinada sociedade, transcende os limites do
pensamento positivista e, dessa forma, nega a tese da separação entre direito e moral. O
conceito de “pós-positivismo” é definido a partir da própria noção de “positivismo”, que ele
pretende deixar para trás. De certa maneira, o pós-positivismo se contrapõe ao positivismo, já
que com ele não compartilha a tese da separação entre direito e moral, mas é exagerado dizer
que ele é necessariamente antipositivista, como era o direito natural clássico, pois os
principais critérios utilizados pelo positivismo para delimitar o conceito de direito – a
validade formal e a eficácia social –, ao contrário de serem desprezados pelo pós-positivista,
são necessariamente incorporados à sua teoria. Por isso se pode dizer, com García Figueroa,
que o pós-positivismo (ou neoconstitucionalismo externo, como ele prefere chamar) não é,
como o jusnaturalismo, uma teoria meramente reativa ao positivismo jurídico1.
O debate entre positivistas e pós-positivistas gira em torno tanto de uma divergência
teórica sobre o conceito de direito quanto também, e talvez até num grau mais intenso, em
torno de uma diferença metateórica. O positivista e o pós-positivista divergem não apenas
quanto ao objeto de estudo da teoria jurídica – o direito – mas também quanto às próprias
tarefas, propósitos e justificativas das suas construções teóricas.

*
Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutor em Direito pela PUC-Rio. Mestre em Direito pela
UERJ.
1
García Figueroa, Alfonso. El paradigma jurídico del neoconstitucionalismo: un análisis metateórico y una
propuesta de desarrollo, in. García Figueroa, A. (org.). Racionalidad y Derecho. Madrid : Centro de Estudios
Políticos y Constitucionales, 2006 (265-290).

1
Em seguida, irei fazer, ainda que de forma incipiente, uma defesa do pós-positivismo,
bem como elucidar como esse tipo de teoria jurídica articula produtivamente as esferas do
direito e da moralidade, ao entender o direito como uma prática social argumentativa dotada
de uma pretensão de racionalidade que lhe confere um caráter tanto real (empírico) quanto
ideal (normativo) e faz com que a sua descrição não possa ser feita com independência de
uma reflexão crítica por parte de quem pretenda compreendê-lo.

I.

Iniciemos por esboçar o nosso conceito de “positivismo”, pois este será o ponto de
partida para a sua superação.
O positivismo, embora seja uma expressão que apareça normalmente no singular,
refere-se a uma imensa pluralidade de concepções diferentes sobre o direito. Entre essas
concepções, cabe destacar algumas.
O imperativismo, por exemplo, sustentava – no início do século XIX, com Bentham e
Austin, entre outros – que o direito era redutível a uma série de comandos endereçados aos
subordinados por parte de um soberano. Uma lei pode, nessa perspectiva, ser definida como
“um conjunto de signos declarativos de uma vontade concebida ou adotada pelo soberano em
um Estado, concernente à conduta a ser observada em certo caso por uma certa pessoa ou
classe de pessoas, que no caso em questão estão ou devam estar sujeitas ao seu poder”2.
O realismo, por sua vez, vê o direito como o resultado de certas “regularidades
sociais” que derivam da “repetida e constante execução de certas condutas externas”3. Como
explica García Figueroa, “o realismo jurídico embasou boa parte de sua análise do direito na
concepção do raciocínio jurídico como um processo psicológico. (...) O direito é o que os
juízes dizem que é direito e a sua origem se encontra no processo psicológico que dá lugar à
sentença. Dado que não existe ex ante um sistema jurídico de justificação que preceda à
decisão judicial e sobre o qual esta possa se apoiar, o estudo do direito fica redirecionado (...)
para a análise da explicação dos motivos desse processo psicológico do aplicador do direito”4.

2
Bentham, Jeremy. Of Laws in General (edited by H. L. A. Hart). London: Athlone Press, 1970, p. 1.
3
La Torre, Massimo. Epílogo: Diritto e morale. Una relazione controversa, in. La Torre, Massimo, Norme,
istituizioni, valori – Per una teoria istituzionalistica del diritto. Roma-Bari: Laterza, 1999, (289-330), p. 298.
4
García Figueroa, Alfonso. La Motivación: conceptos fundamentales, in. Gascón Abellán, Marina; García
Figueroa, Alfonso (orgs). La argumentación en el Derecho, 2. ed. Lima: Palestra, 2005 (135-189), p. 145-6.

2
O normativismo, por seu turno, vê o direito como um conjunto ou sistema de normas
que podem ser expressas em proposições e identificadas a partir de suas fontes, a partir da
forma ou procedimento por meio da qual elas são criadas pelas autoridades dotadas de
competência para estabelecer comandos normativos obrigatórios à luz de um critério
fundamental de identificação do direito – como, v.g., a norma fundamental hipotética de
Kelsen – tido como válido hic et nunc. Numa palavra, “o direito regula a sua própria
criação”5.
A relação entre essas teorias pode ser estabelecida da seguinte maneira, nos dizeres de
Massimo La Torre: “Para o imperativismo o significado da norma é redutível às condições
fáticas de sua emanação. Para o realismo o sentido da norma é redutível às condições fáticas
de sua observância. Para o normativismo genuíno, enfim, o significado da norma é redutível
ao seu conteúdo proposicional. Podemos reclassificar estas doutrinas também da forma
seguinte: como aquelas que respectivamente concebem o direito como vontade, como história
ou como forma”6.
O que essas teorias – além de todas as que genericamente podem ser qualificadas
como “positivistas” – têm em comum é a tese da separação entre direito e moral, que são
vistas como ordens normativas autônomas entre as quais não existem conexões necessárias.
Nino qualifica essa como sendo a tese central do positivismo; segundo esta, “o direito é um
fenômeno social que pode ser identificado e descrito por um observador externo sem recorrer
a considerações acerca de sua justificação ou valor moral ou acerca do dever moral de
obedecê-lo e aplicá-lo. Em outras palavras, e para repetir um velho slogan: que o direito que
‘é’ pode e deve ser cuidadosamente distinguido do direito que ‘deve ser’”7.
Talvez a forma mais desenvolvida de positivismo contemporâneo seja a teoria jurídica
de Herbert Hart, que reúne elementos tanto do normativismo quanto das teorias
institucionalistas tradicionais e busca caracterizar o direito como uma “prática social” que
pode ser identificada por meio de uma master rule semelhante, mas não idêntica, à norma
fundamental de Kelsen. Hart denomina a esse critério “regra de reconhecimento”. A regra
(secundária) de reconhecimento “é aceita e usada para a identificação das regras (primárias)
de conduta («primary rules of obligation»)”. Onde quer que seja aceita uma regra de

5
Guastini, Riccardo. On the Theory of Legal Sources. A Continental Point of View, in. Ratio Juris, Vol. 20, n.
2, 2007 (302-9), p. 305.
6
La Torre, Massimo. Epílogo: Diritto e morale. Una relazione controversa, in. La Torre, Massimo, Norme,
istituizioni, valori – Per una teoria istituzionalistica del diritto. Roma-Bari: Laterza, 1999, (289-330), p. 298.
7
Nino, Carlos Santiago. La superación de la controversia ‘positivismo vs. iusnaturalismo' a partir da ofensiva
antipositivista de Dworkin, in. La validez del Derecho. 2. reimp. Buenos Aires: Astrea, 2003 (145-173), p. 148.

3
reconhecimento R, tanto os indivíduos privados quanto as autoridades competentes para
aplicar o direito são providos de critérios institucionais para identificar as regras primárias de
comportamento8: “podemos simplesmente dizer que a afirmação de que uma regra particular é
válida significa que ela satisfaz todos os critérios providos pela regra de reconhecimento”9.
Portanto, assim como Kelsen, Hart prevê uma única norma básica que funciona como critério
supremo – ou ainda, como um teste – para determinar a validade de todas as demais normas
que compõem o ordenamento jurídico10. Mas apesar dessa importante semelhança entre os
dois grandes juristas do positivismo há também sérias diferenças. Diferentemente do que
ocorre em relação à norma fundamental kelseniana, a questão da existência e do conteúdo da
regra de reconhecimento hartiana, ou seja, de “quais são os critérios de validade em qualquer
sistema jurídico”, é vista como “uma empírica – embora complexa – questão de fato”11. A
regra de reconhecimento, ao invés de uma hipótese lógica ou um pressuposto de ordem
transcendental – como a norma fundamental de Kelsen –, é uma norma última cuja existência
pode ser empiricamente verificável, já que consiste em uma prática social12. Encontrá-la,
portanto, requer do teórico do direito uma atenta análise da perspectiva interna, isto é, do
ponto de vista do jurista prático, e não estritamente daquele do observador externo: “devemos
lembrar que a regra de reconhecimento propriamente dita pode ser visualizada de dois pontos
de vista: um é expresso por meio de um enunciado de fato externo segundo o qual a regra
existe na prática efetiva do sistema; o outro é expresso por meio dos enunciados de validade
internos feitos por aqueles que a usam para identificar o direito”13.
Mesmo para estudar o direito desde uma perspectiva externa – que é a perspectiva do
positivismo de modo geral, inclusive o de Hart, na medida em que sua preocupação central é
identificar o direito válido (descritivamente), e não dizer como devem os juízes decidir casos
concretos (normativamente) – é necessário partir dos enunciados internos formulados pelos
operadores do direito. Como explica Ruiz Manero, “a regra de reconhecimento hartiana se
apresenta como uma regra juridicamente última – isto é, como uma regra que não é
juridicamente válida nem inválida – que existe unicamente como prática consuetudinária dos

8
Hart, Herbert L. A., The Concept of Law, 2. ed. Oxford: OUP, 1994, p. 100.
9
Idem, p. 103.
10
Hart, Herbert L. A., The Concept of Law, 2. ed. Oxford: OUP, 1994, p. 105; Kelsen, Hans. Teoria Geral do
Direito e do Estado (trad. Luís Carlos Borges). São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 163.
11
Hart, Herbert L. A., The Concept of Law, 2. ed. Oxford: OUP, 1994, p. 292.
12
Idem, p. 111.
13
Idem, p. 112.

4
órgãos de aplicação, ou seja, enquanto estes órgãos aceitem e usem de forma consensual uns
mesmos critérios últimos de validade jurídica”14.
Por isso, no pensamento jurídico de Hart somente se pode alcançar o conteúdo do
direito positivo a partir da análise das regras que os próprios juristas acatam ao exercer sua
atividade. É necessário, mesmo para o teórico do direito, que procura descrever “com
neutralidade” e de forma objetiva um determinado sistema jurídico, recorrer à perspectiva
interna dos aplicadores deste direito (ainda que o jurista teórico ou cientista do direito
desaprove moralmente as normas que fazem parte de tal sistema).
Embora fascinante, a filosofia jurídica de Hart não pode ser analisada com detalhe
aqui. Limito-me a enunciar, de forma sucinta, as três teses fundamentais que definem o direito
para este autor. Como nos relata José Juan Moreso,

“o núcleo do positivismo jurídico hartiano pode ser capturado pelas três teses que se
seguem: I) A tese das fontes sociais: a existência e o conteúdo do direito em certa
sociedade dependem de um conjunto de fatos sociais, i.e., um conjunto de ações
adotadas por membros dessa sociedade; II) A tese da separação: a validade jurídica
de uma norma (i.e., o fato de que tal norma pertence a um certo sistema jurídico) não
conduz necessariamente à sua validade moral, e, da mesma forma, a validade moral
de uma norma não conduz necessariamente à sua validade jurídica; III) A tese dos
limites do direito (ou tese da discricionariedade): normas juridicamente válidas
não regulam claramente cada comportamento. Dessa forma, quando o direito é
indeterminado, os juízes possuem discricionariedade”15.

Em torno dessas três teses, move-se um importante debate no interior do próprio


positivismo contemporâneo, que tem ocupado lugar de destaque na filosofia jurídica
produzida tanto no mundo anglo-saxão quanto em países latinos como Argentina, Espanha e
Itália. Trata-se da disputa entre, de um lado, os defensores do positivismo tradicional – agora
renomeado “excludente” – e do positivismo incorporacionista ou inclusivo. Essa última
vertente, com efeito, surge a partir das críticas desferidas por Ronald Dworkin à teoria
jurídica de Hart e, principalmente, da resposta dada por este último jurista no (inacabado)
Posfácio à segunda edição de sua obra “O conceito de direito”.
Esse positivismo soft (Hart), incorporacionista (Coleman) ou inclusivo (Waluchow)
apresenta uma versão frágil da tese da separação, já que admite, contingentemente, que o
direito incorpore parâmetros morais em sua regra de reconhecimento, de sorte que, nesses

14
Ruiz Manero, Juan. Jurisdicción y normas – Dos estudios sobre función jurisdiccional y teoría del Derecho.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1990, p. 14.
15
Moreso, José Juan. In Defense of Inclusive Legal Positivism, in. Chiassoni, P. (org), The Legal Ought –
Proceedings of the IVR Mid-Term Congress in Genoa (June 19-20, 2000).Torino: Giappichelli, 2005 (37-63), p.
38-9.

5
casos, seja necessário recorrer à moralidade para o fim de identificar a validade de uma norma
jurídica particular. O seguinte excerto de Hart, embora talvez excessivamente extenso,
reproduz o cerne do argumento do soft positivism:

“Dworkin, ao atribuir a mim uma doutrina do tipo ‘plain-fact positivism’, tratou


equivocadamente a minha teoria como não apenas exigindo (como ela o faz) que a
existência e a autoridade da regra de reconhecimento dependam do fato de sua
aceitação pelos tribunais, mas também exigindo (como ela não o faz) que os critérios
de validade jurídica que a regra de reconhecimento prevê devam consistir
exclusivamente em um tipo particular de fatos brutos que ele denomina questões de
‘pedigree’ e que concernem à maneira e à forma de criação ou adoção do direito.
Essa visão é duplamente equivocada. Primeiro, ela ignora o meu reconhecimento
explícito de que a regra de reconhecimento pode incorporar como critérios de
validade jurídica a conformidade a certos princípios morais ou valores substanciais;
por isso a minha doutrina é o que se tem denominado ‘soft positivism’ e não o que
Dworkin caracteriza como ‘plain-fact positivism’. Em segundo lugar, não há nada
em meu livro que sugira que os critérios puramente factuais (plain-fact criteria)
providos pela regra de reconhecimento devam ser apenas questões de pedigree; eles
podem ao contrário ser (compostos por) constrições substantivas (substantive
constraints) ao conteúdo da legislação, tais como a Décima-Sexta ou a Décima-
Nona Emendas à Constituição dos Estados Unidos, no que diz respeito ao
estabelecimento de uma religião ou à restrições no direito de votar”16.

Como se vê, Hart acredita expressamente que o direito pode contingentemente


incorporar critérios morais às suas regras secundárias de reconhecimento: “a existência e o
conteúdo do direito podem ser identificados por referência às fontes sociais do direito (...) e
sem referência à moral, exceto quando o direito identificado desta maneira tenha ele próprio
incorporado critérios morais para a identificação do direito”17.
De outro lado, os positivistas excludentes se concentram especificamente na tese das
fontes sociais do direito e a interpretam no sentido de que “a existência de toda norma jurídica
há de provir, exclusivamente, de uma fonte social; ou seja, de um fato ao qual o próprio
sistema jurídico tenha atribuído o caráter de uma fonte do direito”18. Nessa perspectiva,
apenas a forma – e não a matéria ou conteúdo – de uma norma jurídica é que determina o seu
caráter jurídico. Nesse sentido, quando uma norma jurídica for invalidada por razões de
conteúdo – por exemplo, quando se pronuncia a inconstitucionalidade de uma lei por
contrariar o disposto na Constituição –, essas razões que levam à inconstitucionalidade são
razões jurídicas, pois as normas superiores em questão podem também ser identificadas sem
qualquer referência à moral, mas apenas pelo seu pedigree.

16
Hart, Herbert L. A., Postscript, in. The concept of law, 2. ed. Oxford, OUP, 1994 (238-276), p. 250.
17
Idem, p. 269.
18
Escudero Alday, Rafael. Los Calificativos del Positivismo Jurídico – El debate sobre la incorporación de la
moral. Madrid: Civitas, 2004, p. 209.

6
Se relacionarmos, então, essas duas vertentes do positivismo contemporâneo (ou
positivismo hartiano, embora, pelo menos na minha interpretação, Hart possa definitivamente
ser incluído entre os representantes do positivismo inclusivo, apesar de não se valer dessa
nomenclatura) com as três teses que, segundo Moreso, constituem o núcleo do pensamento
jurídico hartiano, podemos dizer que o positivismo inclusivo e o positivismo exclusivo
constituem diferentes interpretações daquelas três teses, que são re-enunciadas da seguinte
maneira:
Teses nucleares do positivismo excludente:

“I. Tese das fontes sociais: a existência e o conteúdo do direito em uma certa
sociedade somente dependem de um conjunto de fatos sociais, i.e., de um conjunto
de ações pelos membros de tal sociedade, que podem ser identificados sem recorrer
à moralidade; II. Tese da separação: é necessariamente o caso que a validade
jurídica de uma norma não depende de sua validade moral; III. A tese dos limites
do direito (ou da discricionariedade): quando o direito recorre à moral, os juízes
necessariamente possuem discricionariedade”19.

Teses nucleares do positivismo inclusivo:

“I. Tese das fontes sociais: a existência e o conteúdo do direito em certas


sociedades depende de um conjunto de fatos sociais, i.e, em um conjunto de ações
adotadas pelos membros de tal sociedade, que podem contingentemente recorrer a
standards morais, tornando-os juridicamente válidos; II. Tese da separação: não é
necessariamente o caso que a validade jurídica de uma norma dependa de sua
validade moral; III. Tese dos limites do direito (ou discricionariedade): ao menos
em alguns casos em que o direito recorre à moralidade, ela claramente regula certas
condutas e, dessa forma, não confere qualquer discricionariedade aos juízes”20.

Comparando-se as duas perspectivas, vê-se que o positivismo ‘hard’ ou ‘excludente’ e


o positivismo ‘soft’ ou ‘inclusivo’ diferem na verdade em dois aspectos, não três. O primeiro
deles está na interpretação da tese das fontes sociais, que repercute diretamente na tese da
separação. Com efeito, as teses I e II, nas duas interpretações, parecem implicar-se
reciprocamente: o positivista excludente imagina que a validade jurídica necessariamente
independe da validade moral porque a validade de uma norma jurídica tem como referência
unicamente as fontes sociais do direito, ao passo que o positivista inclusivo imagina que a

19
Moreso, José Juan. In Defense of Inclusive Legal Positivism, in. Chiassoni, P. (org), The Legal Ought –
Proceedings of tue IVR Mid-Term Congress in Genoa (June 19-20, 2000).Torino: Giappichelli, 2005 (37-63), p.
39-40.
20
Idem, p. 41.

7
validade jurídica pode, contingentemente, depender da validade moral porque imagina que o
direito em dada sociedade possa incorporar critérios morais em sua regra de reconhecimento.
O segundo ponto – diferença quanto à tese da discricionariedade –, por sua vez, está
na realidade mais ligado a uma atitude diversa no que se refere à moral, e não especialmente
ao direito. O positivista excludente, tal como retratado por Moreso, acredita na completa falta
de objetividade da moral. Ele é profundamente cético quanto à racionalidade das normas
morais e parece acreditar que sempre a moral possui caráter meramente subjetivo e
controvertido. O positivista inclusivo, por sua vez, reconhece que ao menos em algumas
situações é possível um consenso fundamentado acerca de uma questão moral qualquer, de
sorte que se as normas jurídicas fazem expressa referência a um conceito moral, nem sempre
a decisão judicial que aplica essas normas será discricionária, já que essa (a
discricionariedade) se reduz às situações de indeterminação do status da conduta devida no
caso concreto.

II.

A interpretação que, segundo Moreso, o positivismo excludente dá à tese III é, por si


só, uma razão suficiente para rejeitá-lo, na minha opinião. O ceticismo quanto à moral, ou
seja, o não-cognitivismo ético radical parece ser um traço marcante desse tipo de positivismo.
É como se a moral como um todo fosse sempre controvertida e toda e qualquer remissão do
direito a ela ensejasse, na prática, uma decisão puramente arbitrária ou subjetiva do aplicador
do direito. O positivismo excludente, portanto, é partidário de um profundo ceticismo quanto
à justificação das decisões jurídicas, que fica reduzida a uma série de inferências lógicas e
deixa completamente descoberto o problema da justificação externa ou escolha das premissas
relevantes na argumentação jurídica. Numa palavra, “quando o direito não determine a
decisão (em casos difíceis), a função da teoria é [apenas] de trazer à baila uma tipologia
desses casos, mostrar quais são as causas da indeterminação: a existência de lacunas, de
contradições etc.”21.
Eugenio Bulygin, entre outros, constitui exemplo paradigmático desse tipo de
ceticismo. Para esse autor,

21
Atienza, Manuel. Is Legal Positivism a Sustainable Legal Theory?, in. Gizbert-Studnicki, T.; Stelmach, J.
(orgs.). Law and Legal Cultures in the 21st Century – Diversity and Unity – Plenary Lectures: 23rd IVR World
Congress, Aug. 1-6, 2007, Cracow, Poland. Warszawa: Oficyna, 2007 (229-245), p. 232.

8
“é importante não confundir esses dois tipos muito diferentes de atividades. Uma
coisa é justificar e outra bastante diferente é persuadir ou convencer. Uma
justificação lógica – e eu acredito que a justificação é sempre uma operação lógica –
é certamente uma ‘cadeia de proposições’, uma ‘passagem de uma proposição para
outra’ de acordo com certas regras (que são precisamente regras lógicas)”22.

Para o jurista argentino, a teoria jurídica nada tem a ver com a persuasão. Para a
persuasão, “o recurso à lógica formal não é nem suficiente, nem necessário; a lógica aqui é
simplesmente irrelevante. Uma foto de uma mulher bonita pode ser muito mais motivadora
para vender um automóvel do que todos os argumentos demonstrando as suas virtudes”23.
O positivismo excludente de Bulygin implica, portanto, um profundo ceticismo
metodológico quanto à argumentação jurídica, de sorte que em todos os casos em que não seja
possível uma justificação estritamente dedutiva das decisões jurídicas – o que se dá em todas
as hipóteses de “textura aberta” da linguagem, por exemplo –, haverá necessariamente uma
liberdade ilimitada para o aplicador do direito. Como explica o próprio Bulygin:

“Eu sou cético [em relação à teoria da argumentação jurídica] porque eu não
conheço qualquer regra que permita justificar novas premissas. Aquelas que estão
mencionadas em escritos de autores que pertencem a essa tendência ou são
logicamente inválidas (como os argumentos per analogia ou e contrario) ou triviais.
Robert Alexy é quem fez grandes esforços para estabelecer tais regras; e até mesmo
tentou encontrar uma fórmula matemática para permitir a ponderação de razões
conflitantes. A sua falha apenas reforça meu ceticismo”24.

Pode-se ver, portanto, que o positivismo excludente de Bulygin é uma teoria que se
revela incompatível com qualquer teoria da justificação jurídica.
O positivismo inclusivo, por outro lado, se encontra em uma direção oposta. Ele
parece crer que ao menos em algumas situações a moral é suficientemente objetiva para
constituir uma guia de conduta social para os participantes em discursos jurídicos. Quando o
direito expressamente tenha incorporado critérios morais em sua regra de reconhecimento,
isso pode significar inclusive uma limitação na discricionariedade dos aplicadores do direito.
O positivismo inclusivo de Waluchow25, por exemplo, rejeita a tese de que haveria uma
contraposição entre a “certeza” dos critérios formais e a necessária “incerteza” dos critérios

22
Bulygin, Eugenio. Normative Positivism vs. Theory of Legal Argumentation, in. Gizbert-Studnicki, T.;
Stelmach, J. (orgs.). Law and Legal Cultures in the 21st Century – Diversity and Unity – Plenary Lectures: 23rd
IVR World Congress, Aug. 1-6, 2007, Cracow, Poland. Warszawa: Oficyna, 2007 (221-8), p. 224.
23
Idem, ibidem.
24
Idem, p. 225.
25
Waluchow, W. Inclusive Legal Positivism. Oxford: Clarendon, 1994.

9
materiais ou que, de alguma forma, façam referência à moralidade. O seguinte comentário de
Rafael Escudero captura bem esse ponto:

“A exageração da certeza produziu (...) uma falsa contraposição entre a segurança


que gera todo critério formal de validez, pois – se afirma – é simples saber se o
órgão do qual tenha emanado a norma era competente ou não para tanto e se foi
seguido ou não o procedimento preestabelecido para a criação dessa norma, e a mais
absoluta indeterminação a que levam os critérios materiais de validade, posto que –
se continua afirmando – é extremamente difícil, se não impossível, saber o que é a
justiça, a dignidade ou o livre desenvolvimento da personalidade. Waluchow nega a
forma como se coloca essa dicotomia. Em sua opinião, não é tão simples conhecer,
sempre e em todo caso, se uma norma satisfez adequadamente a prova formal ou de
pedigree; do mesmo modo, (afirma) que tampouco é correto alegar uma
impossibilidade de alcançar, jamais, um acordo sobre o significado dos termos
morais”26.

Fica evidente, pois, que o positivismo inclusivo, ao contrário do exclusivo, não leva
necessariamente ao não-cognitivismo ético. Ele não é contraditório com um cognitivismo
ético e com as teorias morais e filosóficas sobre a racionalidade prática. Sem embargo,
permanece atrelado às premissas fundamentais do positivismo jurídico. Isso implica,
naturalmente, que a eventual conexão existente entre direito e moral, se houver, possui
sempre um caráter contingente, bem como que haverá, nas respostas oferecidas à questão
acerca da validade de uma determinada norma jurídica, uma primazia absoluta das razões
jurídicas sobre as morais para se determinar o conteúdo do direito válido.

III.

A rejeição do positivismo excludente não basta, porém, para ajustar a teoria jurídica às
necessidades práticas dos aplicadores do direito contemporâneo. Aliás, em minha opinião, as
modalidades de positivismo jurídico enfraquecido ou “qualificado” são menos díspares do
positivismo tradicional do que se poderia imaginar. Todas as teorias positivistas compartilham
um modo de pensar que, penso eu, não deve ser adotado pelos teóricos do direito
contemporâneo.
Esse modo de pensar transparece com mais clareza quando analisamos não apenas a
tese III, mas as teses I e II no esquema que Moreso utilizou para descrever o positivismo
contemporâneo. Mas para entender as teses I e II, antes é recomendável uma investigação

26
Escudero Alday, Rafael. Los Calificativos del Positivismo Jurídico – El debate sobre la incorporación de la
moral. Madrid: Civitas, 2004, p. 144.

10
sobre as próprias finalidades, métodos e características da teoria e da filosofia jurídicas. O
enfrentamento das teorias positivistas envolve uma análise tanto das teses teóricas que ele
sustenta sobre o direito quanto, como já adiantamos, das teses metateóricas que elas
pressupõem sobre a teoria jurídica.
Nas linhas que se seguem, irei me concentrar nessas últimas questões, que
transparecem claramente, por exemplo, no debate entre Hart e Dworkin sobre o conceito de
direito. A proposta de Hart é, como ele mesmo esclarece, puramente descritiva:

“Minha proposta é descritiva, pois ela é moralmente neutra e não possui qualquer
pretensão justificatória: ela não busca justificar ou endossar sob fundamentos morais
ou de outra natureza as formas e estruturas que aparecem em minha teoria geral do
direito, apesar de um entendimento claro sobre estes ser, como eu penso, uma
importante questão preliminar para qualquer crítica moral valiosa ao direito”27.

A de Dworkin, por outro lado, é de realizar uma teoria que seja não uma “descrição
neutra da prática jurídica, mas uma interpretação dela que busque não apenas decrevê-la
senão também justificá-la – mostrar porque essa prática possui valor e como ela deve ser
conduzida para poder proteger e alcançar esse valor”28. O seguinte comentário de Dworkin
captura bem o ponto de tensão entre os dois autores:

“Nós discordamos não somente sobre como o direito deve ser identificado, mas
também sobre que tipo de teoria uma resposta a essa questão constitui. Ele acreditou
que uma tal teoria é apenas e puramente uma descrição da prática jurídica. Eu
acredito que tal teoria é uma interpretação da prática jurídica que a faz descansar em
pretensões morais e éticas”29.

Ao ver a teoria jurídica como uma atividade interpretativa, Dworkin reduz, se não
elimina, a distância que antes havia entre a teoria jurídica (jurisprudence) e a própria prática
que ela procura descrever. Reduz-se a distância, também, entre a teoria jurídica e a filosofia
do direito. O método de trabalho e o tipo de discurso desenvolvido por um filósofo do direito
– para interpretar a prática social que ele examina – e por um juiz – para justificar as decisões
que ele toma – não apresentam diferenças relevantes, pois as mesmas razões transitam nos
dois tipos de discurso.

27
Hart, Herbert L. A., Postscript, in. The concept of law, 2. ed. Oxford, OUP, 1994 (238-276), p. 240.
28
Dworkin, Ronald. Hart’s Postscript and the Character of Legal Philosophy, in. Oxford Journal of Legal
Studies, Vol. 24, n. 1, 2004 (1-37), p. 2.
29
Idem, p. 5.

11
Na perspectiva de Dworkin, a função da teoria jurídica (“jurisprudence” no sentido
anglo-saxão do termo) é apresentar interpretações construtivas da prática jurídica; é “tentar
retratar a prática jurídica como um todo no seu melhor ângulo, alcançar um equilíbrio entre a
prática jurídica tal como ela é encontrada pelo cientista do direito e a melhor justificação
possível desta prática”30. Daí, Dworkin sustentar – a meu ver com razão – que não há linha
precisa que divida a “jurisprudence” e a aplicação judicial do direito (“adjudication”):
“qualquer opinion de um juiz é em si uma peça de filosofia do direito, mesmo quando a
filosofia é escondida e a parte visível do argumento é dominada por citações e listas de
fatos”31.
A razão dessa conexão intrínseca entre filosofia jurídica e prática jurídica está em uma
particularidade específica do direito, que o singulariza entre as práticas sociais: a prática
jurídica, “diferentemente de outros fenômenos sociais, é argumentativa”32. Portanto, quando
se analisa o fenômeno jurídico do ponto de vista interno – ou seja, daqueles que formulam as
pretensões de validade normativa relevantes para a justificação de uma decisão jurídica – “não
se busca predições acerca das pretensões formuladas no discurso jurídico, mas argumentos
sobre qual dessas pretensões é razoável e por que”33. Por isso, após rejeitar todas as por ele
denominadas “teorias semânticas do direito”34 – entre as quais se incluem tanto o positivismo
jurídico clássico, segundo o qual “o direito depende somente de meros fatos históricos”
(“plain-fact view”), tais como a existência de um comando de alguém ou algum grupo
ocupando a posição de soberano (Bentham, Austin) ou a circunstância de uma determinada
regra jurídica ter sido incorporada ao ordenamento de acordo com um teste de origem
(“pedigree”) formado por um critério de identificação do direito válido que funcione como
uma “master-rule” (Hart, Kelsen), quanto o realismo e o jusnaturalismo –, Dworkin propõe
um modelo construtivista de interpretação jurídica denominado “direito como integridade”
(“Law as integrity”).
O modelo de Dworkin – Law as integrity – é um modelo construtivista que se põe
entre os dois extremos da concepção objetivista (e otimista) da interpretação, “segundo a qual
os textos legais têm um significado próprio e objetivo e interpretar consiste em (meramente)
averiguá-lo ou conhecê-lo”, e da concepção subjetivista (e cética), “segundo a qual os textos

30
Dworkin, Ronald. Law’s Empire. Cambridge, MA: Belknap, 11th printing, 2000, p. 90.
31
Idem, ibidem.
32
Idem, p. 13.
33
Idem, ibidem.
34
Ou seja, teorias adotadas por filósofos do direito que acreditam na existência de certos critérios lingüísticos
para identificar uma proposição jurídica (Idem, p. 32).

12
legais não têm um significado próprio ou objetivo e interpretar consiste justamente em decidir
ou estabelecer um que estará influenciado pelas atitudes valorativas dos intérpretes e/ou
interesses sociais, econômicos etc. que rodeiam o caso”, dando certo valor a ambas as
perspectivas35.
A idéia de integrity pressupõe um modelo de comunidade segundo o qual os
indivíduos que compõem essa comunidade compartilham uma determinada compreensão
acerca da moral e dos fundamentos da convivência em sociedade. É um modelo que “insiste
que as pessoas são membros de uma comunidade somente quando elas aceitem que estão
governadas da seguinte maneira forte: elas aceitam que estão governadas por princípios
comuns, e não apenas regras obtidas por simples compromissos políticos”36. Em termos
práticos e políticos, a idéia de integridade exige “que os standards públicos da comunidade
sejam tanto constituídos quanto visualizados, na medida em que isso seja possível, de modo a
expressar um único e coerente esquema de justiça e eqüidade (fairness), na relação correta
entre estas”37. Refere-se, portanto, aos princípios tidos como fundamentais para o esquema
político (e jurídico) como um todo38.
No plano específico do direito, pode-se sintetizar o modelo de Dworkin da seguinte
maneira:

Juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade (integrity) decidem casos


difíceis ao tentar encontrar, em um conjunto coerente de princípios sobre os direitos
e deveres do povo, a melhor interpretação construtiva da estrutura política e da
doutrina jurídica de sua comunidade39.

Uma descrição metateórica análoga à de Dworkin se encontra, também, em Manuel


Atienza, ao propor o seu modelo de “direito como argumentação”. Com efeito, Atienza, após
fazer uma revisão geral das concepções contemporâneas de teoria jurídica, sintetiza três
principais perspectivas de análise do direito normalmente encontradas. À primeira delas
Atienza denomina estrutural. Esta concepção se refere, argumenta, às diversas formas de
normativismo: “o que se busca é identificar ou encontrar, para dizê-lo com uma metáfora, os
componentes do edifício jurídico, com o que se chega aos diversos tipos de normas e,

35
Gáscon Abellán, Marina. La actividad judicial: problemas interpretativos, in. Gascón Abellán, Marina; García
Figueroa, Alfonso (orgs). La argumentación en el Derecho, 2. ed. Lima: Palestra, 2005 (101-34), p. 109.
36
Dworkin, Ronald. Law’s Empire. Cambridge, MA: Belknap, 11th printing, 2000, p. 211.
37
Idem, p. 219.
38
Ibidem.
39
Idem, p. 255.

13
eventualmente, a outros enunciados como os que contêm definições jurídicas ou juízos de
valor”. A segunda, por seu turno, Atienza chama de perspectiva sociológica. O direito é visto
não simplesmente como linguagem, mas como realidade social, como comportamento
humano. O terceiro enfoque, finalmente, denominado valorativo, “dirige-se a mostrar o que
deveria ser o direito, quais são os requisitos do direito justo”40.
A esses três enfoques, Atienza contrapõe um quarto que considera mais adequado para
entender o direito: o enfoque argumentativo: “consiste em ver o direito como um intento, uma
técnica, para a solução de determinados problemas práticos. Trata-se de uma visão
instrumental, pragmática e dinâmica do direito que pressupõe, utiliza e, de certo modo, dá
sentido às perspectivas teóricas anteriores e que conduz, em definitivo, a considerar o direito
como argumentação”41. Atienza distingue, nesse sentido, entre os conceitos de explicação e
justificação das decisões jurídicas: “explicar uma decisão consiste em mostrar quais são as
causas que a motivaram ou os fins que se pretende alcançar ao tomar essa decisão. Justificar,
sem embargo, implica oferecer razões dirigidas a mostrar o caráter aceitável ou correto desta
decisão”42.
No entanto, embora Atienza distinga, no nível teórico, entre esses dois conceitos, ele
sem dúvida acredita que as duas atividades (explicação e justificação) são tarefas da teoria
jurídica argumentativa que ele propõe. Como Dworkin, Atienza busca aproximar, reconectar,
a teoria e a prática jurídicas, de sorte que, partindo-se da premissa de que o direito deve ser
visto como uma prática social, “a teoria jurídica, de certo modo, deve fazer parte dessa
prática”43.
Trata-se, novamente, de uma teoria que se opõe frontalmente à metateoria descritivista
presente nas concepções positivistas. O seguinte excerto, onde Atienza critica especificamente
o positivismo de Bulygin, parece capturar essa perspectiva:

“O desejo de construir uma teoria descritiva e axiologicamente neutra está


proximamente conectado ao fato de que a teoria jurídica positivista permaneceu,
durante todo o século passado, em um estado de ‘incomunicabilidade’ básica com o
discurso prático geral e com o discurso da dogmática jurídica. Uma teoria do direito
concebida dessa maneira simplesmente não podia participar dos discursos de
justificação ou crítica dos nossos modelos constitucionais – os quais são encontrados

40
Atienza, Manuel. El sentido del Derecho. Barcelona: Ariel, 2001, p. 251-2.
41
Idem, ibidem.
42
Idem, p. 254.
43
Atienza, Manuel. Is Legal Positivism a Sustainable Legal Theory?, in. Gizbert-Studnicki, T.; Stelmach, J.
(orgs.). Law and Legal Cultures in the 21st Century – Diversity and Unity – Plenary Lectures: 23rd IVR World
Congress, Aug. 1-6, 2007, Cracow, Poland. Warszawa: Oficyna, 2007 (229-245), p. 242.

14
na política e na filosofia – nem naqueles em que se busca fazer uma mediação entre
os materiais normativos brutos estabelecidos pelo legislador, entendido em sentido
amplo, e os organismos que devem resolver conflitos jurídicos – os discursos
encontrados na dogmática jurídica. Pode-se dizer que esse descritivismo implicou
claras limitações quanto ao interesse que a teoria do direito pode exercer fora dos
seus círculos de estudiosos”44.

Atienza sustenta, nessa linha de raciocínio, uma esterilidade ou irrelevância da teoria


positivista para a prática jurídica, decorrente do fato de ela deixar de enxergar o direito como
uma prática justificativa e, por isso, negligenciar a dimensão valorativa do direito.
Se as teses de Dworkin e Atienza estiverem certas, o positivismo deve então ser
caracterizado como uma teoria descritiva e construída na perspectiva do observador
sociológico, que se situa num plano externo em relação à prática social denominada “direito”.
O positivismo é uma teoria “sobre o que os juízes fazem”. O pós-positivismo, por seu turno, é
visto como uma teoria normativa, uma teoria em que o conceito de direito é reformulado para
o “contexto da argumentação judicial, em que se emprega o conceito de direito para expressar
razões que justifiquem decisões”45. Aqui, a teoria jurídica já não é mais uma teoria “sobre o
que eles, os juízes, fazem”, mas uma teoria sobre o que os juízes devem fazer ou sobre como
eles devem entender a sua própria prática. O positivismo acaba sendo – quer queiram os seus
defensores, quer não – um obstáculo ao desenvolvimento de teorias da argumentação jurídica
que frisam o momento justificativo da prática jurídica e buscam estabelecer certos critérios
pragmáticos, técnicos e racionais para fundamentar as decisões e as normas individuais que se
estabelecem na aplicação do direito.
Com efeito, a teoria jurídica pós-positivista parece mais afinada com a prática
argumentativa constituída pelo direito por abandonar a pretensão, a meu ver difícil de se
realizar e muito pouco frutífera para a prática jurídica, de meramente conhecer e descrever o
direito tal como ele é, adotando um ponto de vista interno [meramente] cognitivo (como o de
Hart, que sustenta que o direito deve ser identificado de acordo com a regra de
reconhecimento aceita pelos que fazem parte do discurso jurídico), e passar a adotar, como
Dworkin, Atienza, Alexy e todos os que advogam um imbricamento entre a teoria jurídica, a
filosofia do direito e a teoria da argumentação jurídica, um ponto de vista interno normativo,
ou seja, a perspectiva dos que participam do discurso jurídico e esgrimam argumentos para

44
Idem p. 241.
45
Nino, Carlos Santiago. El enfoque esencialista del concepto de Derecho, in. La validez del Derecho. 2. reimp.
Buenos Aires: Astrea, 2003 (175-195), p. 191.

15
definir o direito de certa maneira, de uma maneira tida como idealmente (ou quiçá
moralmente) correta46.
Aqui, a própria possibilidade de enunciados meramente descritivos acerca do direito é
posta em cheque, como se argúi por exemplo Massimo La Torre:

“Creio que as ‘teses lógicas’ [que se limitam a contrapor ‘ser’ e ‘dever-ser’ e


advogam a intransitabilidade de uma esfera à outra] não funcionam. E não
funcionam pelo simples fato de que nem o jurista ‘dogmático’ e nem o juiz se
limitam a ‘afirmar’ (‘accertare’) o direito vigente. Quando estes afirmam aquilo que
‘é’ direito, buscam com isso indicar uma orientação à ação humana, e dizem dessa
forma o que ‘deve ser’. Do ponto de vista do juiz, do advogado, ou também do
jurista dogmático, a declaração/descrição do que é direito vigente, de fato, serve
como argumento no interior de um raciocínio dirigido a obter uma conclusão em
torno da conduta que deve ser adotada em um caso concreto. O ponto de vista deles
é o ponto de vista interno normativo e os seus enunciados são engaged; ao invés de
destacados, são impregnados”47.

O pós-positivismo reclama, para além de uma teoria geral descritiva do direito, uma
teoria normativa do direito e da argumentação jurídica. O centro das atenções se desloca dos
casos fáceis do passado para os casos difíceis que ainda não estão resolvidos. Mais
importantes são as decisões dos casos futuros e a busca de instrumentos adequados para
resolver esses problemas. Dilui-se a distinção entre “descrição” e “prescrição”, pois as teorias
do direito “tendem a oferecer não somente aspectos cognitivos referidos a fatos sociais do
passado, mas também pretensões prescritivas no sentido de oferecer critérios adequados para
resolver problemas práticos”48. Como salientam Aleksander Peczenik e Jaap Hage, há uma
interdependência entre direito e moral que faz ser possível afirmar que “o enunciado do jurista
acerca do direito válido (de lege lata) não é então nem meramente descritivo e nem
meramente normativo. São enunciados ‘fusionados’ no sentido de Svein Eng”49. Para este
último autor (Eng), a pressuposição de que os enunciados individuais são ou descritivos ou
normativos merece ser considerada como um ‘preconceito’. Os enunciados do jurista acerca
do direito vigente (de lege lata) não seriam nem só normativos e nem só descritivos, mas
enunciados fusionados. Os conceitos de “proposição descritiva” e “proposição prescritiva”
podem ser vistos como pontos extremos de uma escala graduada que vai do “puramente

46
La Torre, Massimo. Epílogo: Diritto e morale. Una relazione controversa, in. La Torre, Massimo, Norme,
istituizioni, valori – Per una teoria istituzionalistica del diritto. Roma-Bari: Laterza, 1999, (289-330), p. 320.
47
Idem, p. 316.
48
Calsamiglia, Albert. Postpositivismo, in. Doxa – Cuadernos de Filosofía del Derecho, Vol. 21-I, (209-220), p.
212.
49
Peczenik, Aleksander; Hage, Jaap. Conocimiento jurídico, ¿sobre qué? (trad. Ángeles Ródenas), in. Doxa –
Cuadernos de Filosofía del Derecho, Vol. 22, 1999 (25-48), p. 37.

16
descritivo” ao “puramente normativo”. O conceito de enunciados fusionados tem origem na
seguinte constatação: “proposições descritivas e normativas podem ser mais ou menos
estritamente interligadas, de sorte que é mais ou menos difícil separar psicologicamente essas
proposições. Em alguns casos as proposições estão tão firmemente interligadas que na prática
é difícil separá-las mesmo se quisermos: o enunciado individual, após ter sido interpretado,
não pode nem ser tido como expressando uma proposição individual, seja de modalidade
descritiva ou normativa, nem como expressando uma série de proposições que podem ser
separadas e categorizadas como ou descritivas ou normativas. Esse tipo de frase expressa
proposições que não podem ser categorizadas nem como descritivas nem como
normativas”50.
Percebe-se, portanto, que o pós-positivismo jurídico é marcado por um abrandamento
da distinção entre enunciados de lege ferenda – recomendações justificadas para o legislador
– e enunciados de lege lata – descrição/conhecimento do direito vigente –, com repercussões
diretas para a teoria jurídica, a quem é atribuída a função de produzir coerência para o
direito51. Além de caracterizar-se como um “tipo de argumentação que busca o conhecimento
do direito existente”, ela pode, em certos casos, conduzir a uma (legítima) mudança do
próprio direito52. A dogmática jurídica assume a função de “sistematizar e interpretar o direito
válido”, assim como de “ordenar o direito diante de princípios de largo alcance”, trabalho este
que está “quase sempre orientado por valores”53.
Essa teoria normativa – que é uma teoria do direito ideal – só pode se viabilizar com
um certo avizinhamento à filosofia do direito, revisando a forma tradicional – positivista – de
se demarcar as fronteiras entre a teoria jurídica e a filosofia do direito. Como explicam Alexy
e Dreier, a filosofia do direito tradicionalmente foi tida como a teoria do direito natural e/ou
direito da razão, ou seja, como “teoria ética do direito justo ou correto”, enquanto a teoria
geral do direito era visualizada como uma “teoria geral do direito positivo”54. No entanto, tal
distinção somente poderia ser mantida se a teoria jurídica fosse definida como “uma teoria
geral do direito positivo, excluindo-se qualquer preocupação com o problema da justiça”55,
de modo que não deve ser acolhida porque pressupõe a tese central do positivismo, i. e., que
50
Eng, Svein. Fusion of Descriptive and Normative Propositions. The Concepts of ‘Descriptive Proposition’ and
‘Normative Proposition’ as Concepts of Degree, in. Ratio Juris, Vol. 13, n. 3, 2000 (236-260), p. 237.
51
Peczenik, Aleksander. A Theory of Legal Doctrine, in Ratio Juris, Vol. 14, n. 1, 2001 (75-105), p. 79-80.
52
Peczenik, Aleksander; Hage, Jaap. Conocimiento jurídico, ¿sobre qué? (trad. Ángeles Ródenas), in. Doxa –
Cuadernos de Filosofía del Derecho, Vol. 22, 1999 (25-48), p. 33.
53
Idem, ibidem.
54
Alexy, Robert; Dreier, Ralf . The Concept of Jurisprudence, in. Ratio Juris, Vol. 3, n. 1, 1990 (1-13), p. 2.
55
Idem, ibidem.

17
não haveria uma relação conceitualmente necessária entre o direito como ele é (direito
positivo) e o direito como ele deve ser (direito ideal, racional ou natural)56. Uma teoria pós-
positivista do direito deve ser uma teoria pré-benthamita no sentido em que MacCormick
descreveu o projeto de construtivismo jurídico de Dworkin:

“O ponto central sobre Dworkin é que ele é um pré-Benthamita. Dworkin considera


a perspectiva de ciência do direito (jurisprudence) adotada desde Bentham, com sua
insistência na separação entre ciência do direito expositória e censorial, fatos
jurídicos e valores etc., inepta para encontrar a verdade, tal como os pré-Raphaelitas
consideravam a perspectiva que eles abandonaram em suas pinturas. A ambição
enunciada por Dworkin é re-enunciar a teoria jurídica em termos tais que
reunifiquem as atividades de exposição e valoração do direito (exposition and
censorship). A teoria jurídica, nessa perspectiva, não é mais separada da teoria moral
e política, mas apresenta uma relação íntima com essa última. Tão importantes
quanto qualquer coisa nos escritos de Dworkin são os elementos de ética e política
que ele considera essenciais para a elucidação do sistema jurídico (law) e dos
direitos individuais (rights)”57.

É, portanto, uma teoria que não aceita as dicotomias básicas do positivismo jurídico e
o confinamento da teoria jurídica na moldura fechada do cientificismo cartesiano; é uma
teoria que descarta o “intransigente dualismo” entre ser e dever-ser, realidade e valor,
conhecimento e vontade, direito e moral, direito positivo e direito ideal58, e passa a
“desmascarar” o raciocínio jurídico prático59 para desnudar os juízos de valor e as razões de
natureza moral que têm lugar na aplicação do direito, a fim de reconhecer o papel da
argumentação para justificá-los de forma razoável60.
Talvez a forma mais completa de caracterizar a “teoria jurídica” seja compreendê-la
como uma teoria jurídica integral ou compreensiva em que se dissolvem velhas fronteiras
demarcadas entre a escola analítica, o realismo jurídico, as teorias hermenêuticas e as
jusnaturalistas, na medida em que os métodos e interesses de todas estas podem e devem
conviver de forma produtiva61. Essa teoria jurídica integral passa a reivindicar para si não
apenas uma função descritiva dos processos de intelecção e aplicação do direito, mas uma

56
Idem, p. 3.
57
MacCormick, Neil. Dworkin as Pre-Benthamite, in. The Philosophical Review, Vol. LXXXVII, n. 4, 1978
(585-607), p. 586.
58
Perelman, Chaïm. A teoria pura do direito e a argumentação, in. Ética e Direito (trad. Maria Ermantina
Galvão). São Paulo: Martins Fontes, 2000 (473-480), p. 475.
59
Perelman, Chaïm. O raciocínio jurídico, in. Ética e Direito (trad. Maria Ermantina Galvão). São Paulo:
Martins Fontes, 2000 (480-490), p. 481.
60
Perelman, Chaïm. A teoria pura do direito e a argumentação, in. Ética e Direito (trad. Maria Ermantina
Galvão). São Paulo: Martins Fontes, 2000 (473-480), p. 480.
61
Aarnio, Aulis; Alexy, Robert; Peczenik, Aleksander. The foundation of legal reasoning - Part I, in.
Rechtstheorie, Vol. 12, heft 1, 1981 (133-158), p. 133-4.

18
conotação prescritiva que se destina a interferir em e aprimorar, cada vez mais, a prática
jurídica em geral por meio de uma perspectiva interdisciplinar que consagre uma teoria
jurídica voltada para certas “conseqüências normativas”62.
Trata-se de uma concepção de teoria voltada para a racionalização dos discursos
práticos de realização do direito e que pode encontrar sustentação na teoria da ação
comunicativa de Jürgen Habermas, que acredita em certo conteúdo normativo da
modernidade, o qual é capaz alcançar um grau satisfatório de integração social por meio de
interações racionalmente reguladas de atos de fala orientados para o entendimento, sendo que
o direito, de um lado, constitui um medium onde essa interação é realizada, funcionando
“como um transformador que assegura que a rede de comunicação global social
sociointegradora não se rompa”63, e, de outro lado, desempenha, diferentemente do que
imaginava a teoria crítica que antecedeu a Habermas, um papel civilizatório na medida em
que é um “mecanismo de garantia de efetivação dos impulsos emancipatórios oriundos do
pensamento político moderno e transpostos para os textos constitucionais da modernidade”64.
Para Habermas (2002, p. 507), “as sociedades modernas, amplamente descentralizadas,
mantêm na ação comunicativa cotidiana um centro virtual de auto-entendimento”65; a ação
(prática) comunicativa possui, aqui, uma importante tarefa de legitimação, pois “as esferas
públicas autônomas somente podem extrair suas forças dos recursos dos mundos da vida
extensamente racionalizados. Isto vale sobretudo para a cultura, isto é, para o potencial de
interpretação do mundo e de si mesmas que possuem a ciência e a filosofia, para o potencial
de esclarecimento das idéias jurídicas e morais estritamente universalistas, e não por último,
para os conteúdos de experiências radicais da modernidade estética”66. Parece natural que,
neste ambiente filosófico, a teoria jurídica, em especial, assuma essas conotações normativas,
principalmente ao darmos conta do papel do direito nos processos (comunicativos) de
integração social e da relevância das conotações normativas da racionalidade moderna para a
justificação das pretensões discursivas subjacentes ao agir comunicativo.

62
Peczenik, Aleksander; Hage, Jaap. Conocimiento jurídico, ¿sobre qué? (trad. Ángeles Ródenas), in. Doxa –
Cuadernos de Filosofía del Derecho, Vol. 22, 1999 (25-48), p. 34.
63
Habermas, Jürgen. Facticidad y Validez: Sobre el derecho y el Estado democrático de derecho en términos de
teoría del discurso, 4. ed. (trad. Manuel Jiménez Redondo). Madrid: Trotta, 2005, p. 120.
64
Maia, Antonio Cavalcanti. Prefácio: Considerações acerca do papel civilizatório do direito, in. Maia, Antonio
Cavalcanti; Melo, Carolina de Campos; Citadino, Giselli; Pogrebinschi, Thamy (orgs). Perspectivas atuais da
Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005 (ix-xxvii), p. xix.
65
Habermas, Jürgen, O conteúdo normativo da modernidade, in. O discurso filosófico da modernidade (trad.
Luiz Sérgio Repa et Rodnei Nascimento). São Paulo: Martins Fontes, 2002 (467-509) p. 507.
66
Idem, p. 507.

19
Talvez a forma mais madura de descrever a teoria jurídica contemporânea seja o
tridimensionalismo alexyano, que reivindica para a teoria jurídica uma dimensão analítica,
outra empírica e finalmente outra normativa. Para Alexy67, essas três dimensões se
complementam e interagem a todo o momento, mas podem ser perfeitamente
individualizadas. À dimensão analítica cumpre a “consideração sistemático-conceitual do
direito válido”, passando pelas construções jurídicas em geral e chegando até a “investigação
da estrutura do sistema jurídico”68; a dimensão empírica, por seu turno, tem um duplo
significado: trata do “conhecimento do direito positivamente válido” e da “utilização de
premissas empíricas na argumentação jurídica”; finalmente, a dimensão normativa vai mais
além das duas primeiras, pois trata da “orientação e crítica da práxis jurídica”, sendo
constitutiva dessa dimensão “a questão de saber qual é, no caso concreto e sobre a base do
direito válido, a decisão correta”69.
Essa visão tridimensional da teoria jurídica reflete de forma satisfatória a concepção
de teoria jurídica que caracterizo como pós-positivista. Ao cientista do direito passa a
interessar em especial a justificação de juízos de valor, bem como a fundamentação de
decisões acerca da aplicação de princípios institucionalizados juridicamente, mas de conteúdo
idêntico a valores e normas morais. Principalmente no campo dos direitos fundamentais –
terreno mais rico do debate jurídico-constitucional contemporâneo –, nota-se uma “abertura
do direito frente à moral”, conseqüência imediata da vigência de certos princípios
constitucionais70. Instrumentos metodológicos como a denominada ponderação de princípios
constitucionais passam a ser considerados métodos racionais a serviço da ciência do direito.
Como Alexy salienta com precisão, abandona-se um modelo de decisão – onde o
“estabelecimento do resultado do enunciado de preferência [na ponderação] é um processo
psíquico racionalmente incontrolável” – em favor de um modelo de fundamentação – onde a
ponderação pode ser entendida como um procedimento racional, já que é possível estabelecer
um enunciado de preferência controlável racionalmente, tendo em vista certas regras da
racionalidade prática71. Onde havia discricionariedade, passa a haver justificação racional
de soluções para problemas jurídicos.

67
Alexy, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales (trad. Ernesto Garzón Valdés). Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 1997, p. 29-34.
68
Idem, p. 30.
69
Idem, p. 32.
70
Idem, p. 525.
71
Idem, p. 158.

20
Com o renascimento da razão prática, torna-se possível a justificação das pesagens ou
ponderações de princípios e valores embora, é evidente, não se possa afastar por completo
todas as pressuposições arbitrárias do raciocínio jurídico-prático72. Como esclarece Alexy, “é
claro que estas exigências [estabelecidas pelas regras da razão prática] têm caráter ideal.
Diante das condições reais podem ser realizadas somente de forma aproximada. Isto exclui a
criação de uma certeza absoluta em todos os casos. Se a racionalidade fosse equiparada à
certeza, isso daria origem a uma objeção fundada. Sem embargo, este não é o caso. A razão
prática não é daquelas coisas que podem ser realizadas só perfeitamente ou não em absoluto.
É realizável aproximadamente e sua realização suficiente não garante nenhuma correção
definitiva mas tão somente relativa”73.

IV.

Ainda no terreno das características metateóricas do pós-positivismo, cumpre voltar,


por derradeiro, ao argumento – a que já aduzi, mas no qual ainda não me aprofundei –
segundo o qual o positivismo deve ser rejeitado porque sua postura meramente descritivista da
prática jurídica atravanca o desenvolvimento das teorias da argumentação jurídica de modo
geral.
Não deixa de ser sintomático, nesse sentido, que todos os juristas que, adotando o
ponto de vista interno normativo a que fiz referência na seção anterior, buscam construir uma
teoria da argumentação jurídica acabam sendo forçados a adotar um pós-positivismo jurídico.
O positivista coerente permanece, com o perdão da palavra, “atolado” em uma filosofia
meramente analítica que não estabelece diálogos com outros saberes e que é extremamente
desinteressante para a prática. Acaba se fechando num grupo de juristas “iniciados” que não
consegue atrair o interesse dos jovens e legitima a idéia segundo a qual as valorações jurídicas
adotadas pelos que aplicam o direito em sua atividade profissional tem um certo caráter
misterioso, que não pode ser fiscalizado com as armas oferecidas pela racionalidade prática.
Um exemplo interessante é a teoria de Neil MacCormick. Com efeito, não falta quem,
sem alegar muitas dificuldades, considere a teoria institucionalista de MacCormick um
exemplar de “positivismo jurídico”. Não obstante, desde os seus primeiros escritos,

72
Peczenik, Aleksander, Dimensiones morales del derecho (trad. Juan A. Pérez Lledó), in. Doxa – Cuadernos de
Filosofia del Derecho, Vol. 8, 1990 (89-109), p. 96.
73
Alexy, Robert. Sistema jurídico y razón práctica (trad. Jorge M. Seña), in, El concepto y la validez del
Derecho y otros ensayos, 2. ed. Barcelona: Gedisa, 2004 (159-77), p. 176.

21
MacCormick aponta uma série de problemas que atormentam todas as teorias positivistas. A
teoria institucionalista de MacCormick possui importantes pontos de contato tanto com Hart
quanto com Dworkin. De Hart, MacCormick extrai a “tese da validade”, segundo a qual
“todos os sistemas jurídicos compreendem, ou pelo menos incluem, um conjunto de regras
identificáveis por referência aos critérios comuns de reconhecimento”, sendo que “o que faz
desses critérios ‘critérios de reconhecimento’ é a aceitação comum pelos juízes de tal sistema
de que é seu dever aplicar as regras identificadas por meio deles”74. Ao mesmo tempo, porém,
MacCormick aponta um sério problema para o positivismo jurídico, em especial o de Herbert
Hart. Critica, fundamentalmente, a postura exclusivamente descritiva e “neutra” do
positivismo jurídico em relação ao direito. O teórico do direito limita-se a formular
enunciados descritivos do tipo “do ponto de vista daqueles que trabalham no sistema, aquela
decisão deve ser tomada”, mas não trata de justificar – ele próprio – a decisão descrita: “uma
descrição positivista do sistema tal como ele opera [de facto] não pode responder ao particular
tipo de questão que pode surgir internamente do sistema jurídico: ‘porque nós devemos tratar
todas as decisões de acordo com uma regra válida como sendo suficientemente justificadas?’,
e essa é uma questão que pode ser – e de fato é de tempo em tempo – levantada”75. Essa
crítica – posta em 1978, com a edição de seu Legal Reasoning and Legal Theory – foi
posteriormente levada adiante para desembocar em uma “teoria institucionalista pós-
positivista do direito”76. Romper com o positivismo foi a única saída para MacCormick
advogar, ao mesmo tempo, uma teoria da argumentação jurídica que pretendesse ser
normativamente relevante e uma teoria institucionalista do direito que pudesse ser
suficientemente explicativa para identificar critérios determinantes para a validade jurídica.
De Dworkin, por outro lado, MacCormick incorpora a noção de coerência – tida como
um dos parâmetros mais relevantes de sua teoria da argumentação jurídica para o fim de
justificar racionalmente uma decisão –, bem como a idéia de que uma prática social como o
direito pressupõe um “mútuo entendimento” nela incorporado77, mas não qualquer “mútuo
entendimento”, pois o que faz uma regra jurídica “valer/ser reconhecida institucionalmente”
não é apenas a conformidade com uma regra constitutiva que determine o seu significado –

74
MacCormick, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford: Clarendon, 1978, p. 54.
75
Idem, p. 62-3.
76
MacCormick, Neil, Preâmbulo, in. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito (trad. Waldéa Barcellos). São
Paulo: Martins Fontes, 2006 (IX-XX), p. XVIII.
77
MacCormick, Neil. Norms, institutions and institutional facts, in. Law and Philosophy, Vol. 17, 1998 (301-
345), p. 305.

22
como no modelo de Searle78 –, mas os princípios de fundo (“underlying principles”) que
constituem a causa última (“final cause”) de uma determinada instituição79. Assim como
Dworkin, MacCormick acredita que o sentido da prática social denominada direito emana dos
princípios que produzem coerência (na nomenclatura de MacCormick) ou integridade (que
representa a mesma idéia no vocabulário de Dworkin) e pertencem, a um só tempo, à moral e
ao próprio direito positivo. Ao mesmo tempo, porém, critica a proposta de Dworkin de
conciliar um construtivismo jurídico e moral com a tese (nada construtivista) de que haveria
uma única resposta correta para cada problema jurídico nos casos difíceis. Haveria uma
ambigüidade no coração da teoria jurídica de Dworkin, que MacCormick expressa da seguinte
maneira:

“O tipo de unidade – unidade em substância, e não apenas em método – entre


direito, política e moral para o qual Dworkin argumenta foi até o momento tido
como um traço característico do pensamento jusnaturalista. Mas em suas
manifestações clássicas o direito natural era encontrado naquilo que Dworkin hoje
caracteriza como uma “moralidade natural”, que ele expressamente rejeita. Ele não
pode na minha opinião fazer um giro para esse “modelo construtivista” e ao mesmo
tempo asseverar essa unidade em substância e método. Ele não pode, especialmente,
manter a asserção, que deixou a comunidade jurisprudencial em alerta, de que há em
cada caso difícil uma única resposta correta para todos os tópicos de discussão entre
as partes”80.

Não obstante, apesar dessa e outras objeções – que se ligam ao fato de MacCormick
adotar uma posição mais realista quanto aos limites da razão prática – há de modo geral uma
concordância quanto ao tipo de prática social que constitui o direito e ao papel desempenhado
pelos princípios ao produzir unidade de sentido para essa prática. Em consonância com o não
positivismo de Dworkin e Alexy, a teoria institucionalista – apesar de concordar com Hart que
as regras jurídicas adquirem “força” ou validade com fundamento em “normas de segundo
nível (‘second-tier norms’) que estipulam os termos de autorização ou concessão de poder
para tomar decisões”81 – enxerga uma relação entre direito e moral por meio da qual esta
última estabelece limites ao conteúdo possível das regras que integram o primeiro, à

78
Searle, John R. Speech Acts – An essay in the Philosophy of Language. Cambridge: Cambridge University
Press, 1970, p. 33.
79
MacCormick, Neil. Norms, institutions and institutional facts, in. Law and Philosophy, Vol. 17, 1998 (301-
345), p. 332-6.
80
MacCormick, Neil. Dworkin as Pre-Benthamite, in. The Philosophical Review, Vol. LXXXVII, n. 4, 1978
(585-607), p. 589.
81
MacCormick, Neil. Norms, institutions and institutional facts, in. Law and Philosophy, Vol. 17, 1998 (301-
345), p. 317.

23
semelhança do que faz Alexy ao revisitar a “fórmula de Radbruch”82. Como o jusfilósofo
escocês esclarece na introdução de sua mais recente obra,

“Um mínimo de justiça é essencial. Não há nada na natureza de uma ordem


normativa institucional que exija de nós admitir como direito práticas ou regras e
ordenações que, (sob a ótica de) qualquer posição moral razoavelmente sustentável
(e) aceita por qualquer agente dotado de autonomia, caracterizar-se-ia como uma
violação séria às exigências básicas de justiça. Um grau mínimo da exigência de se
evitar grave injustiça pode perfeitamente ser aceito como constituindo um limite à
validade das normas jurídicas. No mundo contemporâneo, esses limites foram
inclusive, em certa extensão, institucionalizados por meio dos instrumentos de
proteção dos direitos humanos discutidos no capítulo 11. Essa conclusão exige
reconhecer que a teoria institucional do direito na sua forma presente, apesar de
originalmente ter se desenvolvido dentro da linha de pensamento conhecida como
‘positivismo jurídico’, não é hoje uma teoria ‘positivista’. Quer se escolha ou não
classificá-la como pertencente à tradição do ‘direito natural’, ela é certamente pós-
positivista”83.

De fato, embora a teoria institucionalista de MacCormick tenha partido de dentro da


tradição do positivismo jurídico – como ele próprio reconhece84–, sempre esteve presente nos
seus escritos sobre argumentação jurídica certa reserva quanto à inabilidade de qualquer
estudo justeorético que permaneça atrelado à tradição positivista para justificar – e não apenas
explicar – as normas e decisões jurídicas que constituem o seu objeto de análise85. Ainda que
MacCormick, ao descrever o direito como uma ordem normativa institucional – que se
distingue de práticas e ordens e normativas informais como a moral por conter normas
“explicitamente formuladas em textos autênticos”, prolatados por organismos (agencies)
oficiais dotados de autoridade86–, tenha se valido do método juspositivista das teorias
institucionalistas que o antecedaram, segundo o qual “o direito é estudado tal como ele ‘é’,
distinguindo-se os planos da descrição e da prescrição (ou valoração) de normas e
instituições” e separando-se nitidamente o direito e a moral87, o objetivo de sua teoria, que
somente foi aproximado na sua versão final, foi levar mais adiante do que Hart (levou) o seu
insigh relativo ao “aspecto interno” da conduta que é governada por normas88.

82
Alexy, Robert. A Defence of Radbruch’s Formula, in. Dyzenhaus, David (org), Recrafting the Rule of Law:
The Limits of Legal Order. Oxford: Hart Publishing, 1999 (15-39).
83
MacCormick, Neil. Institutions of Law. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 4.
84
MacCormick, Neil. Institutions and Laws Again, in. Texas Law Review, Vol. 77, 1999 (1.429-1.441), p. 1.429.
85
MacCormick, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford: Clarendon, 1978, p. 62-5.
86
MacCormick, Neil. Institutions and Laws Again, in. Texas Law Review, Vol. 77, 1999 (1.429-1.441), p. 1.431.
87
La Torre, Massimo. Norme, istituizioni, valori – Per una teoria istituzionalistica del diritto. Roma-Bari:
Laterza, 1999, p. 133.
88
MacCormick, Neil. Institutions and Laws Again, in. Texas Law Review, Vol. 77, 1999 (1.429-1.441), p. 1.432.

24
Com as teorias institucionalistas da primeira metade do Século XX, MacCormick
compartilha uma concepção pluralista do sistema jurídico que não identifica necessariamente
o direito e o Estado. Tal como a teoria institucionalista de Santi Romano, a de MacCormick
sustenta uma pluralidade de ordenamentos jurídicos, “dos quais o Estado não é mais que uma
variante”. Como explica La Torre, a teoria de Romano tem como uma de suas características
fortes o antiestatismo:

“Para uma teoria que identifica direito e Estado, ou melhor, que reconduz o direito à
‘forma de Estado’, é natural que aquele (o direito) seja composto por comandos do
poder estatal. Romano, porém, é anti-estatista em duas direções. Por um lado porque
nega que o direito seja composto principalmente por aqueles atos que tenham sido
considerados típicos da atividade estatal: as prescrições, os imperativos, as sanções.
Por outro lado, porque nega a pretensão do Estado de ser o único ordenamento
jurídico válido e eficaz em um certo território, optando portanto pela tese da
pluralidade dos ordenamentos jurídicos”89.

Mesmo com fundamentos não rigorosamente idênticos, o institucionalismo de


MacCormick compartilha esse pluralismo: “certamente é verdade tanto que o Estado não é a
única associação humana significativa que nós conhecemos, quanto que os arrengements do
Estado para dar conta da existência de corporações e da ordem intrinsecamente normativa de
outras entidades sociais não deveriam ser tidos como um obstáculo às condições
ontologicamente necessárias para a existência de tais associações, de tais ordens sociais”90.
MacCormick consegue ver, para além do Estado, outras ordens normativas institucionais
(jurídicas, portanto) como o direito internacional público, a Comunidade Européia, os
sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, o direito eclesiástico de várias
igrejas, e os sistemas normativos relativos às associações esportivas nacionais e
internacionais91. Tão importante quanto a institucionalização formal (por um agente oficial) é
a circunstância de a ordem normativa que constitui o direito ser fundada em termos de
“mútuas crenças” (e princípios) compartilhadas pelos indivíduos que interagem entre si de
acordo com essa ordem92.
MacCormick se vale, portanto, de um método positivista para reconhecer as ordens
normativas que constituem “direito” – a regra de reconhecimento hartiana. Mas ele admite

89
La Torre, Massimo. Norme, istituizioni, valori – Per una teoria istituzionalistica del diritto. Roma-Bari:
Laterza, 1999, p. 132.
90
MacCormick, Neil. Institutions and Laws Again, in. Texas Law Review, Vol. 77, 1999 (1.429-1.441), p. 1.435.
91
Idem, p. 1.431.
92
MacCormick, Neil. Institutions and Laws Again, in. Texas Law Review, Vol. 77, 1999 (1.429-1.441);
MacCormick, Neil. Institutions of Law. Oxford: Oxford University Press, 2007; MacCormick, Neil. Norms,
institutions and institutional facts, in. Law and Philosophy, Vol. 17, 1998 (301-345).

25
também que essa regra-mestra (“master-rule”) é útil para reconhecer e incorporar ao direito
princípios morais como os de Dworkin (v. supra), transformando-os também em princípios
jurídicos e estabelecendo uma importante relação entre direito e moral, pois as normas morais
reconhecidas como princípios jurídicos pelos órgãos que a aplicam passam também a formar
parte do direito. Num momento posterior, chega inclusive a romper de vez com o positivismo,
pois em seus estudos mais recentes estabelece um autêntico limite à tese positivista da
validade, exigindo um mínimo de justiça material para que qualquer ordem normativa possa
ser caracterizada como jurídica93. Utiliza, portanto, um argumento positivista para dizer o que
é direito e um argumento não-positivista para dizer o que não é direito.

V.

O exemplo de MacCormick serve para nos mostrar que o que eu chamo pós-
positivismo não é, ao contrário do que Alexy diria, uma teoria antipositivista, ou seja, uma
teoria meramente reativa ao positivismo.
A própria teoria de Alexy, por exemplo, incorpora uma série de critérios tipicamente
positivistas para identificar o direito, embora, diferentemente dos positivistas, não se contente
com eles e busque estabelecer tanto uma conexão entre o direito real (positivo, efetivo) e o
direito ideal (justo, racional) – por meio da tese da pretensão de correção – quanto um limite
para a validade de normas cujo conteúdo seja moralmente repugnante – por meio do
argumento da injustiça, consubstanciado na ‘formula de Radbruch’.
Por causa desses critérios, García Figueroa percebeu em Alexy – talvez o mais
ferrenho combatente do positivismo jurídico contemporâneo – um certo positivismo latente:

“Poder-se-ia dizer que em Alexy se percebe uma espécie de positivismo latente. Este
positivismo latente se manifesta no fato de que a subtração de certos elementos
concretos na teoria de Alexy conduz sem violência a um modelo positivista. Sua tese
do caso especial, despojada da pretensão de correção, desemboca na tese da
discricionariedade positivista. Sua teoria do direito sem a mesma pretensão de
correção perde imediatamente os argumentos da injustiça e dos princípios. Na
realidade, dá a impressão de que Alexy combina entre si duas tradições difíceis de
conciliar: o positivismo e o antipositivismo alemães. Este ecletismo é, por certo,

93
MacCormick, Law, Morality and Positivism, in. MacCormick, Neil; Weinberger, Ota. An Institutional Theory
of Law. Dordrecht: D. Reidel Publishing, 1986 (127-44), p. 141; MacCormick, Neil. Institutions of Law.
Oxford: Oxford University Press, 2007, capítulos 14 e 15.

26
uma constante no pensamento de Alexy, que se converte normalmente em uma fonte
de críticas de teorias contrapostas das quais ele, sem embargo, participa”94.

O diagnóstico de García Figueroa acerca de Alexy me parece, ao menos em suas


linhas gerais, uma caracterização correta da teoria jurídica de Robert Alexy. De fato, pode-se
verificar no autor alemão um conceito de direito que incorpora uma série de elementos típicos
dos teóricos positivistas do direito. De Kelsen, por exemplo, Alexy herda a idéia de uma
norma fundamental hipotética, que permanece em sua teoria como um critério válido e
necessário para identificar o direito. Das vertentes mais empíricas do positivismo, como o
realismo, por exemplo, ele herda também a tese de que a eficácia social de uma norma é um
elemento importante para se determinar a natureza do direito, o qual deve integrar também o
próprio conceito de direito.
A única diferença entre Alexy e os positivistas, no que se refere ao problema teórico (e
não mais metateórico) de determinar o conceito de direito, está na inclusão de elementos
morais no conceito de direito, como se pode perceber nas páginas introdutórias de seu livro
“O conceito e a validez do direito”:

“Por outro lado, todas as teorias não-positivistas sustentam a tese da vinculação.


Segundo ela, o conceito de direito deve ser definido de maneira tal que contenha
elementos morais. Nenhum não-positivista que mereça ser levado a sério exclui do
conceito de direito os elementos da legalidade conforme ao ordenamento e da
eficácia social. O que o diferencia dos positivistas é por assim dizer a concepção de
que o direito deve ser definido de forma tal que, além destas características que
apontam a fatos, se incluam também elementos morais”95.

García Figueroa tem razão, portanto, quando vê em Alexy um certo ecletismo que
combina elementos da tradição positivista e da tradição jusnaturalista. Esse ecletismo, no
entanto, longe de tornar a sua teoria infundada, é o que lhe faz interessante. É esse ecletismo
que permite superar a dicotomia “jusnaturalismo versus positivismo”, e contribuir para
vindicar um conceito de direito que seja relevante para a prática jurídica, ao fixar limites para
a validade de uma norma jurídica e ao constituir, em si mesmo, um fator de (re)aproximação
entre o direito real e o direito ideal.
Alexy parece ter sucesso em sua empreitada teórica porque ele percebe, como
MacCormick veio a perceber mais tarde (como vimos na seção IV deste ensaio), que não há

94
García Figueroa, Princípios y positivismo jurídico – El no positivismo principialista en las teorías de Ronald
Dworkin y Robert Alexy, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1998, p. 330.
95
Alexy, Robert. El concepto y la validez del Derecho (trad. Jorge M Seña), 2. ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p.
14.

27
incompatibilidade radical entre os critérios positivistas da validade formal e da eficácia social
e o critério jusnaturalista da correção substancial. Todos podem, produtivamente, ser
combinados em um único conceito de direito, de modo tal que os dois critérios positivistas
valem como um meio para dizer o que constitui direito positivo e o critério jusnaturalista vale
para estabelecer um limite material a esse direito. Alexy define o direito da seguinte maneira:

“O direito é um sistema de normas que (1) formula uma pretensão de correção, (2)
consiste na totalidade das normas que pertencem a uma Constituição em geral eficaz
e não extremamente injustas, como também na totalidade das normas promulgadas
de acordo com esta Constituição e que possuem um mínimo de eficácia social ou de
probabilidade de eficácia e não são extremamente injustas e à qual (3) pertencem os
princípios e os outros argumentos normativos nos quais se apóia o procedimento da
aplicação do direito e/ou tem que se apoiar a fim de satisfazer à pretensão de
correção”96.

A pretensão de correção tem a função de, juntamente com o argumento dos princípios,
a que ela conduz, estabelecer para o aplicador do direito o dever de decidir não apenas de
acordo com o direito positivamente válido, mas também de forma (moralmente) correta. Isso
é extremamente relevante para Alexy porque pode favorecer à aproximação, na interpretação
e aplicação do direito, entre o direito real e o direito ideal. O argumento da injustiça, por outro
lado, ao estabelecer a cláusula segundo a qual as normas extremamente injustas podem vir a
perder a sua validade em casos extremos, serve para estabelecer uma espécie de marco ou
umbral de injustiça a partir do qual cessa a validade de todas as normas que sustentam uma
pretensão de juridicidade.
A primeira tese alexyana, da pretensão de correção, decorre do seguinte enunciado de
partida: os atos de fala regulativos trazem consigo uma pretensão de correção normativa.
Com fundamento nessa tese é que Alexy sustenta que em todos os atos de produção e
aplicação do direito existe uma pretensão implícita (ilocucionariamente) de que se trata de um
ato correto. No núcleo dessa pretensão estariam contidas: (1) uma “afirmação de que o ato
jurídico é material e procedimentalmente correto”; (2) uma pretensão (que gera uma
garantia) de fundamentabilidade dessa afirmação; e (3) uma expectativa de reconhecimento
da correção por todos os destinatários da norma jurídica97.

96
Idem, p. 123.
97
Alexy, Robert. Derecho y Corrección (trad. José Antonio Seoane e Eduardo Roberto Sodero), in. La
Institucionalización de la Justicia. Granada: Comares, 2005 (31-54), p. 35-6.

28
Mas como demonstrar essa tese? Alexy responde no seguinte sentido: “as pretensões
implícitas podem ser explicitadas mostrando que sua negação é absurda”98. Adota, assim, a
estratégia pragmático-formal de demonstrar que a negação explícita da pretensão de correção
representa uma contradição entre o conteúdo do ato jurídico (seja de uma lei, uma decisão
judicial etc.) e o conteúdo da afirmação implicitamente realizada ao editá-lo. A esse tipo de
contradição Alexy denomina “contradição performativa”99. Todo participante de um discurso
jurídico que negue expressamente a pretensão de correção está cometendo uma contradição
desta natureza. Assim, estariam incidindo em uma contradição performativa tanto uma
assembléia constituinte que promulgasse uma constituição cujo artigo 1º estabelecesse que “X
é um Estado injusto”, quanto um juiz que adotasse como máxima uma forma invertida dos
três preceitos fundamentais da justiça de Ulpiano (Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere,
neminem laedere, ‘suum cuique tribuere’), ou seja, a máxima “os preceitos jurídicos são
esses: viver desonestamente, causar danos ao outro e não dar a cada um o que é seu”100 (pois
as decisões que esse juiz prolatasse, objetivamente interpretadas, conteriam uma afirmação
implícita contrária a essa máxima).
Alexy sustenta, em um dos pontos fundamentais para justificar a definição de direito –
e assim, a própria filosofia do direito – que ele propõe, que a pretensão de correção tem a
importante função de estabelecer uma conexão necessária entre direito e moral, a qual se
apresenta como uma conexão complexa que tem ao mesmo tempo um caráter conceitualmente
necessário e qualificativo: é necessário porque todos os sistemas jurídicos necessariamente
pressupõem a pretensão de correção (e assim não seriam sistemas jurídicos se não a
pressupusessem), mas qualificativo (em contraposição a um caráter classificador) porque os
sistemas e normas jurídicos que não atenderem às exigências da pretensão de correção, apesar
de conceitualmente defeituosos, permanecem válidos em sentido jurídico101.
Mas um positivista naturalmente poderia perguntar: qual a relevância de uma
pretensão de correção, se ela possui apenas um caráter “qualificativo”? A essa pergunta o não-
positivismo alexyano responde no sentido de que a pretensão de correção implica um “dever

98
Alexy, Robert. Derecho y Moral (trad. José Antonio Seoane e Eduardo Roberto Sodero), in. La
Institucionalización de la Justicia. Granada: Comares, 2005 (17-29), p. 21.
99
Alexy, Robert. Derecho y Corrección (trad. José Antonio Seoane e Eduardo Roberto Sodero), in. La
Institucionalización de la Justicia. Granada: Comares, 2005 (31-54), p. 38.
100
Idem, p. 39-40.
101
Alexy, Robert. El concepto y la validez del Derecho (trad. Jorge M Seña), 2. ed. Barcelona: Gedisa, 2004.

29
jurídico de decidir corretamente”102. Ela atribui ao direito um caráter ideal que é
especialmente relevante para aqueles que analisam o direito desde a perspectiva do
participante. Assim, quando o direito consagra uma injustiça (e, dessa forma, não realiza o
estado de coisas exigido pela pretensão de correção), estamos diante não apenas de um defeito
moral, mas também de um defeito jurídico. Nas palavras de Alexy, “a pretensão de correção
transforma um defeito moral em defeito jurídico. E isso de maneira nenhuma é trivial. É a
conversão do positivismo para não-positivismo. A pretensão de correção do direito não é, de
forma nenhuma, idêntica à pretensão de correção moral, mas ela inclui uma pretensão de
correção moral”103.
A pretensão de correção atribui ao direito, portanto, um caráter ideal que desautoriza
todos os positivismos que definem o ordenamento jurídico como mera facticidade ou
expressão do poder ou autoridade. Essa dimensão ideal do direito serve de fundamento para
um princípio geral de moralidade que é válido como norma jurídica implícita em todas as
Constituições jurídicas. Junto à pretensão de correção, reconhece-se dessa maneira uma
norma pragmaticamente pressuposta que estabelece um dever (ainda que seja um dever-ser
ideal) de construir e aplicar corretamente o direito. Por essa via pode-se justificar o princípio
da moralidade como um princípio geral do direito que é válido para todos os ramos ou setores
do ordenamento jurídico e independe de qualquer formulação expressa. Esse princípio,
enquanto tal, funciona como um mandado de otimização que, ao mesmo tempo, se irradia
sobre o campo da teoria da argumentação (pois atua como uma metanorma ou regra de
argumentação para interpretar e aplicar corretamente o direito positivo) e estabelece um dever
jurídico prima facie – tendo em vista o seu caráter de “princípio jurídico”, ou seja, de “norma
que ordena que algo seja realizado na máxima medida possível, dentro das possibilidades
fáticas e jurídicas”104– de que as normas e decisões jurídicas em geral sejam moralmente
corretas.
O argumento da injustiça, por outro lado, visa estabelecer um “umbral de injustiça” a
partir do qual cessa a validade das normas jurídicas formalmente reconhecidas e socialmente
eficazes. O argumento da injustiça, em Alexy, é vindicado sob a forma da fórmula de
Radbruch, que é expressamente acatada em sua filosofia do direito.

102
Alexy, Robert. Alexy, Robert. Derecho y Corrección (trad. José Antonio Seoane e Eduardo Roberto Sodero),
in. La Institucionalización de la Justicia. Granada: Comares, 2005 (31-54), p. 46.
103
Alexy, Robert. On the Necessary Connection between Law and Morality: Bulygin’s Critique. Ratio Juris, vol.
13, n. 2, 2000 (138-47), p. 146.
104
Alexy, Robert. Teoría de los derechos fundamentales (trad. E. Garzó Valdés). Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1997, p. 86.

30
A Fórmula de Radbruch foi forjada como uma reação ao nazismo e às atrocidades
praticadas durante esse período supostamente “em nome do direito”. Gustav Radbruch, ao
formulá-la, foi sem dúvida nenhuma um participante na difícil empreitada de reconstruir uma
sociedade minimamente civilizada, além de uma ética e um direito, no contexto de
barbaridade e destruição deixado por Hitler105.
Em seus ensaios publicados nos pós-guerra, Radbruch sustenta que o direito é
informado por três valores básicos: bem público (“public benefit”), segurança jurídica (“legal
certainty”) e justiça (“justice”)106. Radbruch sustenta a possibilidade de ponderação entre
esses três valores, de modo que “pode haver leis que sejam tão injustas e socialmente danosas
que a validade, e o próprio caráter jurídico, devem lhes ser negados” com base em um núcleo
duro de princípios que gozam de um “consenso de largo alcance”, estabelecido através do
trabalho de séculos e consagrado nas declarações de direitos humanos107.
Na aplicação e harmonização desses princípios e dos três valores fundamentais citados
logo atrás, Radbruch propõe que seja observada a seguinte fórmula, que constituiu talvez o
mais influente argumento jusnaturalista do século XX:

“O conflito entre a justiça e a segurança jurídica pode ser bem resolvido da seguinte
maneira: o direito positivo, garantido pela legislação e pelo poder, tem precedência
mesmo quando o seu conteúdo é injusto e falha em garantir o bem comum, a não ser
que o conflito entre a lei positiva e a justiça alcance um grau tão intolerável que a
lei, enquanto ‘direito defeituoso’, deve sucumbir à justiça. É impossível traçar uma
fronteira clara entre os casos de ‘antijuridicidade legal’ e de leis que são válidas
apesar de suas imperfeições. Uma distinção, no entanto, pode ser traçada com
especial clareza: Onde não há sequer uma busca da justiça, onde a igualdade, núcleo
da justiça, é deliberadamente traída na criação do direito positivo, então a lei
positiva não é apenas ‘direito defeituoso’, mas carece por completo da própria
natureza de direito”108.

105
Para uma contextualização histórica e uma nota bibliográfica necessárias para entender o papel ativo de
Radbruch como intelectual e político progressista na República de Weimer, assim como enquanto filósofo do
direito anti-nazista, ver Paulson (Paulson, Stanley. On the Brackground and Significance of Gustav Radbruch’s
Post-War Papers, in. Oxford Journal of Legal Studies, Vol. 26, n. 1, 2006 (17-40)), onde há também indicação de
bibliografia mais aprofundada no tema. No entanto, o papel de participante em um discurso ético jurídico,
desempenhado por Radbruch, transparece em seus próprios escritos, independentemente da contextualização
histórica. Veja-se: “Nós devemos acreditar que essa ‘antijuridicidade legal’ [refere-se Radbruch aqui à
“lawlessness”, na boa tradução de B. L. Paulson e S. Paulson] irá permanecer uma aberração isolada do povo
alemão, uma loucura para nunca-ser-repetida. Nós devemos nos preparar, entretanto, para qualquer
eventualidade. Nós devemos nos armar contra a recorrência de um direito criminoso, como o de Hitler, através
da superação do positivismo, o qual tornou impotentes todas as defesas possíveis contra os abusos da legislação
do nacional socialismo” (Radbruch, Gustav. Statutory Lawlessness and Supra-Statutory Law (trad. Bonnie
Litchewski Paulson e Stanley Paulson), in. Oxford Journal of Legal Studies, Vol. 26, n. 1, 2006 (1-11), p. 8).
106
Radbruch, Gustav. Five Minutes of Legal Philosophy (trad. Bonnie Litchewski Paulson e Stanley Paulson),
in. Oxford Journal of Legal Studies, Vol. 26, n. 1, 2006 (13-15), p. 14.
107
Idem, p. 14-5.
108
Radbruch, Gustav. Statutory Lawlessness and Supra-Statutory Law (trad. Bonnie Litchewski Paulson e
Stanley Paulson), in. Oxford Journal of Legal Studies, Vol. 26, n. 1, 2006 (1-11), p., p. 7.

31
É precisamente nessa passagem que Alexy se concentra para estabelecer sua versão da
Fórmula de Radbruch, que, em uma formulação mais sintética, reza: “O direito extremamente
injusto não é direito”109.
Como é fácil perceber, a formulação de Radbruch representa a defesa de um direito
natural racional que deveria ser objetivado através de um consenso histórico. No entanto, o
“consenso histórico” de Radbruch, que está na raiz da fundamentação desse critério negativo
de validade jurídica, aparece aqui mais como uma hipótese empírica do que como um
argumento filosófico. Mesmo se esse “consenso histórico” for verdadeiro, ele não basta para
fundamentar o argumento da extrema injustiça, mesmo porque ele não impediu o surgimento
do nazismo e toda a desumanidade praticada in nomine iuris durante os anos que antecederam
os escritos jusnaturalistas de Radbruch, e nenhum fato puramente sociológico é capaz garantir
que esse consenso não possa ser desconstituído110.
Portanto, se a Fórmula de Radbruch puder ser filosoficamente reconhecida, na versão
que Alexy propõe, deve vir acompanhada de um critério que permita ao jurista prático (que é
o principal destinatário das teorias do direito elaboradas a partir do ponto de vista interno) dar
objetividade à sua aplicação, pois sem isso ela não se acomoda bem com a teoria da
argumentação jurídica que Alexy pressupõe e à concepção de racionalidade (construtivismo
kantiano) que está por detrás dela. Alexy está ciente desse problema, e por isso propõe um
princípio de aplicação para a fórmula que tornaria as conclusões obtidas através da sua
aplicação “racionalmente justificáveis”. O princípio adota a seguinte forma:

PA: Quanto mais extrema a injustiça, mais certo será o conhecimento sobre a sua
existência111.

Para Alexy, “esse princípio conecta considerações materiais e epistemológicas”, e


assim provê uma justificação, por exemplo, para as conclusões da Corte Constitucional Alemã

109
Alexy, Robert. A Defence of Radbruch’s Formula, in. Dyzenhaus, David (org), Recrafting the Rule of Law:
The Limits of Legal Order. Oxford: Hart Publishing, 1999 (15-39), p. 16.
110
Vale frisar aqui que, apesar da beleza retórica do texto de Radbruch, falta nos escritos de Radbruch uma
externalização dos pressupostos filosóficos do seu argumento da injustiça. Como ressalta Stanley L. Paulson
(Paulson, Stanley. On the Brackground and Significance of Gustav Radbruch’s Post-War Papers, in. Oxford
Journal of Legal Studies, Vol. 26, n. 1, 2006 (17-40) p. 30), “em termos filosóficos, Radbruch em nenhum lugar
aduz um argumento em favor dos [três] valores absolutos que ele propõe”.
111
Alexy, Robert. El concepto y la validez del Derecho (trad. Jorge M Seña), 2. ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p.
57.

32
de que a Ordenação n. 11 (que cassou a propriedade e a nacionalidade de judeus em função da
raça) “alcançou um ‘grau intolerável’ e (...) evidente” de injustiça112.
Como se pode perceber, Alexy estabelece também uma teoria jurídica pós-positivista.
Pós-positivista, e não antipositivista, porque reconhece a utilidade dos critérios positivistas de
identificação do direito, embora os combine com critérios originalmente de inspiração
jusnaturalistas para chegar a um conceito compreensivo de direito que faz uma espécie de
síntese produtiva do conhecimento jurídico e possui não apenas um potencial explicativo
elevado, mas uma relevância normativa inequívoca para a prática jurídica e para os discursos
de justificação de decisões onde são empregados conceitos da teoria jurídica pelos aplicadores
do direito.
Voltando ao comentário de García Figueroa, podemos concluir, portanto, que em
Alexy há sim um positivismo latente, mas que Alexy supera as fronteiras positivistas e rompe
com a tese negativa do positivismo jurídico (a tese da separação), de sorte que, por isso, pode
ser caracterizado como um pós-positivista.

VI.

A análise da teoria de Alexy, em especial, nos revela uma grande virtude das teorias
pós-positivistas: a sua renovada atenção para o direito “ideal”. A teoria de Alexy é uma teoria
que dá conta da tensão estrutural entre o direito positivo e a idéia de direito, isto é, entre a
positividade do direito e a pretensão de racionalidade que ele evoca, e busca reduzir a
distância entre o direito real ou positivo e o direito ideal ou correto.
Uma reflexão histórica e filosófica sobre o direito revela que há, em qualquer
ordenamento jurídico, uma tensão entre facticidade e validade, entre a eficácia
social/positividade do direito e a resgatabilidade racional das pretensões de legitimidade que
necessariamente se erige no discurso jurídico; entre a idéia (de uma regulação justa) e a
realidade (do direito vigente)113. Nessa direção, Habermas sustenta que “as formas de
comunicação articuladas em termos de Estado de direito, nas quais se desenvolvem a
formação da vontade política, a produção legislativa e a prática das decisões judiciais,

112
Idem, Ibidem. Para um comentário mais aprofundado sobre a versão alexyana da fórmula de Radbruch, bem
como uma proposta de aperfeiçoamento em PA, ver Bustamante, Thomas. Pós-positivismo: o argumento da
injustiça além da fórmula de Radbruch, in. Revista de Direito do Estado, Vol. 4, 2006 (199-230), especialmente
p. 224 e seguintes.
113
Habermas, Jürgen. Facticidad y Validez: Sobre el derecho y el Estado democrático de derecho en términos de
teoría del discurso, 4. ed. (trad. Manuel Jiménez Redondo). Madrid: Trotta, 2005, p. 66.

33
aparecem desde esta perspectiva (da racionalidade comunicativa) como parte de um processo
mais amplo de racionalização dos mundos da vida das sociedades modernas, submetidos à
pressão de imperativos sistêmicos”114. O direito, ao contrário do que a teoria crítica que
antecedeu a Habermas acreditava, desempenha um papel central enquanto medium de
interação social, pois através dos discursos normativos conduzidos pelos participantes do
processo de formação de normas e decisões legítimas, são possibilitados “processos de
entendimento racionalmente motivadores” dotados de certa “força de integração social”115.
Mas para o direito conseguir desempenhar suas tarefas de integração social ele necessita
equacionar a tensão existente entre facticidade e validez, de modo a garantir uma regulação da
vida social que a um só tempo seja racional, justificável, e tome em conta o Direito positivo
vigente aqui e agora: “A validez que pretendemos para nossas elocuções e para nossas práticas
de justificação se distingue da vigência social de standards aos quais estamos faticamente
acostumados e das expectativas às quais estamos simplesmente habituados ou que tenham
sido estabilizadas mediante ameaças de sanção”116. O problema que se põe nas sociedades
modernas é justamente “como estabilizar a validez de uma ordem social em que desde o ponto
de vista dos próprios atores (participantes) se estabelece uma clara diferenciação entre a ação
comunicativa, que se realiza de forma autônoma, e as interações de tipo estratégico
[condicionada por fatores externos no sentido kantiano, como inclinações humanas motivadas
pelo dinheiro, pelo poder administrativo etc.]”117.
Para estabilizar essa tensão – que é a única forma de racionalizar o mundo da vida nas
sociedades contemporâneas, caracterizadas por um pluralismo e pelo desencantamento das
normas que estabelecem a organização social, já que não se legitimam mais por uma
autoridade religiosa – Habermas tenta vindicar um conceito de validez jurídica (de uma
norma) que signifique “que sejam garantidas ambas as coisas de uma só vez”: “tanto a
legalidade [eficácia jurídica em sentido estrito]... como também a legitimidade da própria
regra”118.
No momento em que se abandona a perspectiva externa do positivismo (que tenta
construir uma teoria do direito da perspectiva do observador, preocupada apenas em descrever
o sistema jurídico tal como ele é) e se passa a assumir uma perspectiva interna (e normativa)

114
Idem, p. 67.
115
Idem, ibidem.
116
Idem, p. 82.
117
Idem, p. 87.
118
Idem, p. 93.

34
que vise a estudar o direito do ponto de vista dos próprios participantes do processo de
produção de normas e decisões legítimas, percebe-se com clareza que a justificação do direito
como prática social e a justificação das decisões particulares que se toma com base no direito
não pode prescindir de uma metodologia, um processo racional para conciliar essa tensão
entre ratio e auctoritas, haja vista que o problema fundamental enfrentado pelos juízes na sua
atividade prática é justamente como construir uma solução bem ordenada do ponto de vista
moral e, ao mesmo tempo, juridicamente válida.
Se fizermos uma breve retrospectiva histórica, veremos que essa tensão esteve
presente, ora com prevalência de um elemento, ora de outro, em todos os ordenamentos
jurídicos minimamente desenvolvidos de que se tem notícia. O positivismo seria apenas um
caso de hipertrofia do elemento “facticidade” (por isso, aliás, é que ele se distanciou da
prática jurídica ao partir da pressuposição ilusória de que normas morais não desempenham
necessariamente um papel na justificação e na decisão de casos jurídicos). No direito romano
clássico, por exemplo, a disputa entre os proculianos e os sabinianos, que representavam as
duas grandes escolas de juristas do referido período, é expressiva dessa tensão. Como explica
Stein, a diferença mais marcante entre as duas escolas está no terreno do método jurídico
desenvolvido pelos proculianos, e em especial por Labeo, o fundador desta escola. Em
relação aos casos em que não havia uma lex a solucionar diretamente o problema posto diante
do jurista, casos de “direito não escrito”, “o método de Labeo pressupunha que por detrás das
regras do direito não escrito, que estava aguardando ser definido pelos juristas, havia uma
subestrutura de princípios racionais, e eram esses princípios racionais que indicavam, nos
casos de dúvida, os limites das próprias regras”119. Contrariamente a outros juristas de sua
época, Labeo justificava suas decisões com razões (e “isso o levava a referir normalmente a
outros casos em que o mesmo raciocínio se aplicava”); ele via o direito como um conjunto de
regras baseadas em uma firme fundação de princípios básicos:

“Onde o Direito relevante não estava escrito, ele não estava necessariamente incerto.
A noção de obrigação já havia sido tão refinada pelas discussões jurídicas que a sua
estrutura básica estava solidamente estabelecida. (...) Os proculianos insistiam na
tese de que essa estrutura era um todo coerente e racional e que os seus princípios
fundamentais deveriam ser tornados efetivos onde quer que eles fossem
aplicáveis”120.

119
Stein, Peter. The Two Schools of Jurists in the Early Roman Principate, in. Cambridge Law Journal, Vol. 31,
1972 (8-31), p. 13-14.
120
Idem, p. 30.

35
Os Sabinianos, por sua vez, confiavam apenas na “experiência do passado e tinham
uma visão limitada acerca das capacidades do direito em face de novas situações”:

“Em contraste com os Proculianos, os Sabinianos às vezes pareciam liberais e às


vezes conservadores. Eles iriam sem dúvida concordar com Justice Holmes quando
ele inicia a sua obra The Common Law com os dizeres: ‘a vida do direito não foi
lógica: foi experiência’. Como os common lawyers tradicionais, eles desdenhavam
de argumentos dogmáticos, racionalistas, e estavam mais interessados nas decisões
em si mesmas do que na maneira pela qual elas eram alcançadas”121.

Nota-se claramente a tensão a que nos referimos nas duas grandes escolas do
pensamento jurídico do principado romano. Enquanto os proculianos enfatizavam a
necessidade de ordenar o direito segundo princípios comuns que lhe garantiriam
racionalidade, os sabinianos apenas se interessavam pelas “decisões” jurídicas tais como elas
se manifestavam, do mesmo modo como os realistas anglo-americanos radicalizavam o
elemento “autoridade” na descrição que faziam da prática jurídica.
Não se pode negar que em diferentes momentos da história do direito romano a ênfase
foi posta no elemento “razão” e no elemento “autoridade”. Enquanto não contavam com
qualquer autoridade de natureza política, “mas exclusivamente com o prestígio de natureza
moral e a reputação de conhecedores do direito”, os juristas romanos “fiavam-se [apenas] na
força da argumentação com a qual estribavam suas opiniões e do convencimento racional dela
derivado”, desenvolvendo uma práxis jurídica retórica e argumentativa122. Mais tarde, com o
jus publice respondendi, estabelecido por Augusto no final do século I a.C., “as respostas
dadas pelos juristas aquinhoados com este privilégio passaram a ter maior autoridade quando
em confronto com as opiniões dos juristas destituídos dessa prerrogativa”123.
Em diferentes momentos históricos, mais ênfase foi colocada em cada um dos pólos
dessa tensão estrutural, mas o diálogo e a dialética entre ratio e auctoritas sempre foi uma
característica do direito romano.
De modo semelhante, o ius commune medieval, especialmente no seu período mais
fértil, entre os séculos XVII e XIX, na França e na Itália, está caracterizado pela presença
permanente da tensão entre os fatores “auctoritates et rationes” na prática jurisprudencial:

121
Idem, p. 31.
122
Maia, Antonio Cavalcanti. Considerações sobre os juristas romanos, in. Lyra Tavares, Ana Lúcia; Lacombe
Camargo, Margarida Maria; Maia, Antonio Cavalcanti (orgs.). Direito Público Romano e Política. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005 (137-152), p. 150.
123
Idem, p. 148.

36
“Essa dialética gira em torno do princípio da autoridade do precedente judicial. Em
um ponto extremo, e bastante abstrato, de tal dialética está a situação na qual os
juízes decidem sempre e somente sobre a base do precedente judicial, sobre a
autoridade do ipse dixit. No outro extremo, também bastante abstrato, está a situação
em que os juízes decidem sempre e somente com base nas suas razões ou na sua
interpretatio ou pesquisa acerca do ‘que é direito’. Nesse sentido, é uma dialética
entre o princípio de autoridade (do precedente) e o da sua racionalidade”124 (Gorla,
1981-g, p. 276).

Até mesmo nos Estados Unidos – o maior reduto do realismo jurídico – há quem
prefira – a nosso ver com grande razão – descrever a práxis judicial como um locus onde há
de ser construído um equilíbrio entre reason e fiat, pondo definitivamente em cheque a
perspectiva unilateral do realismo de Holmes e seus seguidores. Por todos, Fuller constitui um
exemplo dessa tendência:

“Hoje já se passou quase meio século desde que Holmes encerrou seu famoso
dictum: ‘As profecias acerca dos que as cortes farão de fato, e nada mais pretensioso
do que isso, são o que eu entendo por «o direito»’. Como desde a sua enunciação
essa visão foi adotada por dúzias de teóricos, ela passou a ser identificada como uma
escola independente de teoria jurídica (jurisprudence), e literalmente volumes
inteiros foram escritos sobre ela. A despeito disso, em todos os tempos ninguém
jamais enunciou uma regra jurídica que fosse apenas uma predição da atividade
judicial, excluindo-se toda referência às razões que motivam essa ação. E eu estou
disposto a profetizar que ninguém jamais o fará. Essa proposta é impossível de ser
realizada pela razão de que a atividade judicial não pode ser predita ou mesmo
descrita de forma significativa, senão nos termos das razões que lhes servem de
fundamento”125.

Na Inglaterra, de igual modo, Simpson critica incisivamente a teoria positivista dos


precedentes judiciais que ainda hoje predomina no cenário inglês. O argumento mais
interessante de Simpson contra a definição do common law como apenas um conjunto de
regras válidas em função de uma autoridade absoluta, para mim, pode ser resumido no
seguinte excerto: “argumentos sobre se «isso» ou «aquilo» é direito normalmente encontram
suporte em referências a idéias que não são especificamente jurídicas (...). Elas fundamentam-
se na razão e não na autoridade. Ninguém, eu penso, poderia sustentar que a racionalidade no
common law se reduza a regras”126. Mais interessante do que o decisionismo positivista seria
uma teoria do common law que concebesse as regras contidas nos precedentes judiciais como

124
Gorla, Gino. La Giurisprudenza, in. Diritto Comparato e Diritto Comune Europeo. Milano: Giuffrè, 1981
(263-301), p. 276.
125
Fuller, Lon L. Reason and Fiat in Case Law, in. Harvard Law Review, Vol. 59, 1946 (376-95), p. 386.
126
Simpson, A. W. The Common Law and Legal Theory, in. Simpson, A. W. B. (org), Oxford Essays in
Jurisprudence (Second Series). Oxford: Clarendon, 1973 (75-99), p. 87.

37
“não sacrossantas”, e portanto submetidas a exceções127. O direito seria visto não apenas
como algo criado pelo homem, mas uma ordem racional que pode ser reconduzida a
princípios gerais que a tornam racionalmente compreensível.
Podemos perceber, portanto, que na prática jurídica a atividade de adjudicação
encontra rotineiramente o desafio de estabelecer decisões que, de alguma maneira, reduzam a
distância entre o direito institucionalmente fixado – o direito real ou positivo – e o direito
racional, justo, ou ideal – um direito moralmente correto. Essa questão nos remete, mais uma
vez, ao tema da diferenciação entre direito e moral e das relações existentes entre ambos os
sistemas normativos.
Para Habermas, “as questões jurídicas e as questões morais se referem, certamente,
aos mesmos problemas”128, mas o direito e moral podem ser diferenciados da seguinte
maneira: “em que pese o ponto de referência comum, a moral e o direito se distinguem prima
facie em que a moral pós-tradicional não representa mais do que uma forma de saber cultural,
ao passo que o direito cobra por sua vez obrigatoriedade no plano institucional. O direito não
é um sistema de símbolos, mas um sistema de ação”129. Expressamente contra a
“representação platônica de que a ordem jurídica nada faz senão refletir e concretizar no
mundo fenomênico a ordem intangível de um ‘reino dos fins’”130, que pressupõe um direito
natural que está acima do direito positivo, Habermas sustenta que existe uma relação de
complementaridade entre direito e moral que se manifesta, ao mesmo tempo, no fato de o
direito só conseguir se legitimar com argumentos morais e no fato de a moral necessitar da
facticidade jurídica para poder se impor (deixando, assim, de ser apenas um saber cultural).
Essa relação de complementaridade significa que ambas as classes de regras (jurídicas e
morais) são complementares mas diferenciadas:

“Como alternativa à subordinação que o direito natural atribui do direito positivo à


moral, o melhor é considerar o direito positivo, precisamente na sua actuabilidade,
como um complemento funcional da moral (...). O direito compensa, por assim
dizer, as debilidades funcionais de uma moral que, considerada desde a perspectiva
do observador, não proporciona muitas vezes senão resultados cognitivamente
indeterminados e motivacionalmente inseguros. Mas a relação de
complementaridade não significa de modo algum uma neutralidade moral do direito,
pois através do processo de produção legislativa penetram no direito razões morais.
Mesmo quando os pontos de vista morais não sejam suficientemente seletivos para a

127
Idem, p. 88.
128
Habermas, Jürgen. Facticidad y Validez: Sobre el derecho y el Estado democrático de derecho en términos de
teoría del discurso, 4. ed. (trad. Manuel Jiménez Redondo). Madrid: Trotta, 2005, p. 171.
129
Idem, ibidem.
130
Idem, ibidem.

38
legitimação de programas jurídicos, a política e o direito têm de estar em
consonância com a moral sobre uma base pós-metafísica de fundamentação”131.

A conclusão em destaque no trecho de Habermas que acabei de citar implica,


necessariamente, uma tese normativa sobre o conteúdo do direito positivo; uma tese que, se
aceita, nos convida a rever tese positivista da separação entre direito e moral. Embora direito e
moral possam, segundo Habermas, ser conceitualmente diferenciados pelo caráter
institucional do primeiro, ambos os sistemas normativos são necessariamente complementares
e necessitam um do outro. E não é só. Ambos parecem limitar um ao outro e condicionar,
ainda que de forma tênue, o conteúdo do outro.

VII.

Com fundamento em tudo que estudamos nas seções anteriores, podemos agora
enunciar com clareza as teses fundamentais do tipo de teoria jurídica que eu denomino pós-
positivismo.
No nível teórico, o pós-positivismo consiste em estabelecer limites ao conteúdo do
direito identificado por meio dos critérios formais ou institucionais dos quais se vale o
positivismo. Como explica Dreier, isso não deixa de ser compatível com a tese da
“superioridade do direito sobre a moral” na prática jurídica, de sorte que mesmo as normas
jurídicas moralmente repugnantes permanecem válidas embora defeituosas. A superação do
elemento institucional do direito por razões não-institucionais deve ser reservada para casos
extremos:

“Com isto, a tese da prioridade do direito sobre a moral obteve [no Estado
democrático] um fundamento teórico-jurídico e teórico-estatal que até hoje não
perdeu totalmente a atualidade e o poder de convicção; neste contexto há razão para
assinalar que esta tese da prioridade do direito sobre a moral de nenhuma maneira é
idêntica à tese da separação positivista. Esta tese sustenta que não existe nenhuma
conexão necessária entre direito e moral, tampouco a nível do direito constitucional,
e inclui, como tese teórico-jurídica, o postulado da prioridade do direito sobre a
moral. Mas a tese da prioridade não inclui a tese da separação. Ela pode mais
produtivamente ser formulada como tese ético-jurídica que afirma que o direito
positivo, especialmente o direito legislativo estatal, só tem prioridade sobre a moral

131
Habermas, Jürgen. Epílogo a la Cuarta Edición, in. Facticidad y Validez: Sobre el derecho y el Estado
democrático de derecho en términos de teoría del discurso, 4. ed. (trad. Manuel Jiménez Redondo). Madrid:
Trotta, 2005 (645-683), p. 651.

39
se a organização do Estado, especialmente a formação da vontade estatal, satisfaz
certas exigências mínimas da ética estatal”132.

O pós-positivismo exige também, como frisaram Alexy (supra, seção V) e Habermas


(supra, seção VI), estabelecer uma obrigação jurídica de decidir conforme a moral, ainda que
seja uma obrigação frágil cuja violação não conduz necessariamente à invalidade de todas as
normas jurídicas injustas. Essa perspectiva, que decorre do reconhecimento de um caráter
ideal para o direito ou da existência de uma pretensão de correção (no caso específico de
Alexy), permite justificar a existência de um dever jurídico de decidir da forma o mais correta
possível, e nesse sentido de reduzir a tensão estrutural entre facticidade e validade que se
manifesta no interior dos sistemas jurídicos.
No nível metateórico, por sua vez, o pós-positivismo roga uma teoria jurídica que seja
a um só tempo descritiva e prescritiva, ou seja, uma teoria dotada de pretensões normativas,
que veja o direito como uma prática social argumentativa e que esteja preocupada não apenas
em descrever essa prática, senão também justificá-la com razões. Os enunciados da teoria
jurídica são, por conseguinte, enunciados fusionados no sentido de Eng, e pretendem interferir
sobre a prática jurídica na medida em que o teórico do direito está consciente de que o seu
trabalho influi na e contribui para a prática social que ele examina. Adota-se, como
sintetizamos nas palavras de Massimo La Torre citadas anteriormente, um ponto de vista
interno normativo.
Essa metateoria que o pós-positivismo propõe implica a assunção de uma teoria da
argumentação jurídica, que está indissociavelmente conectada à teoria jurídica. Uma teoria
onde transitam argumentos filosóficos sobre o direito. Implica também, uma certa identidade
entre o discurso da filosofia do direito e o discurso da prática jurídica, pois em ambos há não
apenas a pretensão de explicar o direito tal como ele é, mas também a pretensão de justificá-
lo.
As decisões jurídicas, afirmam os pós-positivistas, devem ser racionais, e isso não é
apenas um truque verbal ou uma desavença teórica. É uma forma de ingressar na prática
jurídica e lutar para, sempre, melhorá-la. A teoria pós-positivista, diferentemente da teoria
positivista, é uma teoria normativamente relevante.

132
Dreier, Ralf. Derecho y Moral, in. Garzón Valdés (org.). Derecho y Filosofía. Barcelona-Caracas: Alfa, 1985
(71-110), p. 78.

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