Caderno 2 - Objetivo - Português - Terceiro Ano
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Caderno 2 - Objetivo - Português - Terceiro Ano
Literatura FRENTE 2
1. José de Alencar (1829-1877) aristocrática, Alencar foi contra a lítico e crítico, aprofundando a di-
abolição do regime escravagista. mensão psicológica de suas per-
❑ Características É sempre com desprezo e irrita- sonagens, especialmente em Lucíola
Consolida o romance nacional, ção que Alencar observa os costumes e Senhora. Tentando compreender as
compondo um verdadeiro painel do urbanos de seu tempo, bem como a desarmonias e estranhezas da condu-
Brasil, que inclui todas as latitudes, vida da burguesia. A atitude do autor ta e desmascarar e denunciar certos
todos os períodos históricos e todos diante da vida urbana é sempre aspectos profundos da realidade hu-
os grupos étnicos e regionais. saudosista, regressiva e ressentida. mana e social, Alencar foi, sem em-
Ao condenar a cidade, a saída que bargo da idealização romântica,
No plano do espaço, abrange: Alencar entrevê é puramente um modesto precursor de Machado
• o sertão do Nordeste (O Serta- sentimental: o retorno à natureza, ao de Assis.
nejo); índio, ao sertão, aos campos.
• o litoral cearense (Iracema); A intuição nacionalista de Alencar ❑ Evolução
• o pampa gaúcho (O Gaúcho); levou-o a inventar uma imensa saga da obra alencariana
• a zona rural (Til ); brasileira, fundando, bem ou mal, • Primeira fase (1856-1864)
• a zona da mata fluminense (O uma mitologia mestiça, colossal e Alencar iniciou-se publicando crô-
Tronco do Ipê); telúrica, uma verdadeira sinfonia nicas na imprensa carioca, mais tarde
• a cidade, a corte no Rio (Diva, americana. reunidas em Ao Correr da Pena
Lucíola, Senhora) e demais romances Os índios e super-heróis inscre- (1856). Ganha notoriedade nesse mes-
urbanos. vem-se nesse propósito de criar uma mo ano, travando áspera polêmica
literatura nacional com arquétipos, e o acerca do poema épico pseudo-
No plano do tempo, abarca: entusiasmo com que Alencar mergu- indianista A Confederação dos Ta-
• o período pré-cabralino (Ubi- lhou nesse trabalho verdadeiramente moios, de Gonçalves de Magalhães.
rajara); enciclopédico explica os erros de Já havia publicado A Viuvinha, sem
• os primeiros contatos entre o História e Geografia e os exageros nenhuma repercussão, quando, em
índio e o colonizador nos séculos XVI imaginativos, que lhe valeram inúme- 1857, publica O Guarani, que lhe traz
e XVII (Iracema e O Guarani ); ras críticas e zombarias. rápida notoriedade. São dessa fase,
• a colonização (A Guerra dos Ainda o nacionalismo inspirou a entre outros, Lucíola, Diva, As Minas
Mascates, As Minas de Prata); luta que Alencar empreendeu em de Prata e Iracema (1865), além das
• o presente, a vida urbana no defesa do português falado no peças de teatro.
século XIX, em todos os romances Brasil, liberto do rigor das gramáticas • Segunda fase (1866-1869)
urbanos. e dicionários lusitanos. No sentido de Envolvido na política (deputado,
defesa de um uso brasileiro da língua ministro da justiça, candidato rejeita-
No plano étnico, o índio e o portuguesa, escreveu Alencar: do a senador), deixou, nessa fase, os
branco alternam-se como heróis, “Como pode um povo que chupa a escritos políticos intitulados Cartas de
modelados na honradez e galanteria manga, o abacaxi e o cambucá falar Erasmo.
dos cavaleiros medievais: Peri, Poti, como um povo que sorve a uva, a • Terceira fase (1870-1875)
Jaguarê, D. Antônio Mariz e seus pera e a nêspera?”. Abandonando a política e o tea-
cavaleiros, Arnaldo Louredo, Manuel Enriqueceu a nossa língua literária tro, desgostoso e retraído, entrou em
Caño. Alencar omite a violência de que de inúmeros brasileirismos, aprovei- nova fase criadora, publicando cerca
o índio foi vítima, indiscriminadamente; tando vocábulos, expressões e um de dez livros (entre outros, O Gaúcho,
assim, os brancos honrados, na visão fraseado tipicamente nacionais, dando Ubirajara, Senhora e O Sertanejo),
alencariana, irmanaram-se com os à frase um meneio, uma cadência além do romance póstumo Encar-
índios na construção da nacionalidade, tropical. Suas imagens e metáforas nação e da autobiografia Como e por
que o romancista idealizava morena, utilizam com beleza e entusiasmo a que Sou Romancista.
mestiça, resultado da integração da fauna e a flora do país.
natureza (índio) com a civilização Além do vigor descritivo e da jus- ❑ Divisão da obra de Alencar
(branco). teza com que “pinta” a paisagem a) Romances indianistas (for-
O negro aparece como persona- humana e a natureza, apoiado em me- mação da nacionalidade; anteceden-
gem no teatro, em O Demônio Fami- táforas que ressaltam o colorido, fun- tes aborígines):
liar e no dramalhão Mãe, cabendo dindo a realidade humana e a paisa- – O Guarani
lembrar que, fiel à sua posição política gem, Alencar desenvolveu um – Iracema
conservadora e à sua origem rural e contínuo esforço no sentido ana- – Ubirajara
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b) Romances históricos (bos- irmão, que reconduziria o guerreiro Mais rápida que a ema selvagem, a
quejos históricos e crônicas roman- branco, são e salvo, às terras piti- morena virgem corria o sertão e as matas do
ceadas dos tempos coloniais): guaras. Iracema, porém, apaixona-se Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da
grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal ro-
– As Minas de Prata por Martim, traindo o “segredo da jure-
çando, alisava apenas a verde pelúcia que
– Alfarrábios ma”, que guardava como “virgem de
vestia a terra com as primeiras águas.
– A Guerra dos Mascates Tupã” [Iracema entrega-se sexualmen- Um dia, ao pino do sol, ela repousava em
te a Martim, inebriados ambos pela um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a
droga cujo segredo ela deveria pre- sombra da oiticica, mais fresca do que o
c) Romances regionalistas (a
servar]. Acompanha o esposo, deixan- orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre
pátria brasileira; a sociedade rural):
do na sua tribo um ambiente de revol- esparziam flores sobre os úmidos cabelos.
– O Gaúcho
ta, acirrado pelos ciúmes de Irapuã, Escondidos na folhagem os pássaros ameiga-
– O Sertanejo vam o canto.
destemido chefe tabajara. Desenca-
– Til (...)
deia-se a guerra de vingança, e os
– O Tronco do Ipê Rumor suspeito quebra a doce harmonia
tabajaras são derrotados; Iracema con-
da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol
funde as venturas do amor com as
não deslumbra; sua vista perturba-se.
d) Romances urbanos (roman- amargas tristezas que despertam os
Diante dela e todo a contemplá-la, está
ces de complicação sentimental, campos juncados de cadáveres de um guerreiro estranho, se é guerreiro e não
perfis de mulher e quadros da socie- seus irmãos. Ao remorso e saudade algum mau espírito da floresta. Tem nas faces
dade): outra dor se lhe acrescenta: o arrefe- o branco das areias que bordam o mar, nos
– Cinco Minutos cimento do amor de Martim que, para olhos o azul triste das águas profundas.
– A Viuvinha amenizar a nostalgia da pátria distan- Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o
– A Pata da Gazela te, ausentava-se em longas e demo- corpo.
radas jornadas. Num dos seus regres- Foi rápido, como o olhar, o gesto de Irace-
– Sonhos d’Ouro
sos, encontra Iracema às portas da ma. A flecha embebida no arco partiu. Gotas
– Encarnação
morte, exausta pelo esforço que fize- de sangue borbulham na face do desco-
– Diva nhecido.
– Lucíola ra para alimentar o filhinho recém-nas-
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu
– Senhora cido, a quem dera o nome de Moacir,
sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O
que significa, na sua língua, “filho da moço guerreiro aprendeu na religião de sua
dor”. Martim enterra o corpo da espo- mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e
2. Romance indianista sa e parte, levando o filho e a sauda- amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
de da fiel companheira. (R. M. Pinto, O sentimento que ele pôs nos olhos e no
in Pequeno Dicionário de Literatura rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de
q Iracema Brasileira, Cultrix.) si o arco e a uiraçaba e correu para o guerreiro,
Iracema é um romance lírico que sentida da mágoa que causara.
desenvolve uma antiga lenda sobre a A mão que rápida ferira estancou mais
colonização do Ceará, terra do autor. Iracema, por sua linguagem suge- rápida e compassiva o sangue que gotejava.
A ação, centrada no encontro/desen- stiva e delicada, é um verdadeiro Depois Iracema quebrou a flecha homicida:
contro entre o europeu e o nativo poema em prosa. A narrativa procura deu a haste ao desconhecido, guardando
brasileiro, envolve a rivalidade entre representar, miticamente, o surgimen- consigo a ponta farpada.
as tribos tabajara e pitiguara. Martim to da nacionalidade brasileira pelo (Iracema, cap. II)
é europeu, branco e civilizado; Irace- contato da terra virgem (Iracema é a
ma, a bela selvagem tabajara que “virgem dos lábios de mel”) com o
foge com ele para o litoral, representa europeu civilizado. Quanto a esse
a América virgem e ingênua, cativa e sentido simbólico, já foi notado que o
dominada. nome Iracema é um anagrama de
América (anagrama é palavra formada
pela transposição das letras de outra
q Resumo palavra).
Numa atmosfera lendária, de exó-
tica e delicada poesia, desenrola-se a
história triste dos amores de Martim, TEXTO I
primeiro colonizador português no Cea-
rá, e Iracema, a jovem e bela índia taba-
Além, muito além daquela serra, que
jara, filha de Araquém, pajé da tribo.
ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Martim saíra à caça com seu amigo Iracema, de Antônio Parreiras (1869-1937),
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que
Poti, guerreiro pitiguara, e perdera-se tinha os cabelos mais negros que a asa da graú- inspirado na personagem homônima de José
do companheiro, indo ter aos campos de Alencar. Iracema, “lenda do Ceará”,
na e mais longos que seu talhe de palmeira.
metaforiza a formação de uma nova raça,
dos inimigos dos tabajaras. Encontra O favo da jati não era doce como seu morena, mestiça, tropical, uma utopia
Iracema, que o acolhe na cabana de sorriso, nem a baunilha recendia no bosque romântica e nacionalista, revestida de um
Araquém, enquanto volta Caubi, seu como seu hálito perfumado. intenso lirismo e alta poesia.
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q O Guarani mento de todos pelos selvagens. O Então passou-se sobre esse vasto
final do romance, com a palmeira deserto de água e céu uma cena estupenda,
Publicado primeiramente em fo- heroica, sobre-humana; um espetáculo gran-
arrastada pelas águas da enchente e
lhetins no Diário do Rio de Janeiro, dioso, uma sublime loucura.
abrigando na sua copa os dois seres
em 1857, O Guarani foi o desdobra- Peri alucinado suspendeu-se aos cipós
de raças diferentes, é um símbolo
mento da polêmica de Alencar com que se entrelaçavam pelos ramos das árvores
feliz da futura população do Brasil. (R.
Gonçalves de Magalhães sobre a cria- já cobertas de água e, com esforço deses-
M. Pinto, Pequeno Dicionário de
ção de uma verdadeira epopeia na- perado, cingindo o tronco da palmeira nos seus
Literatura Brasileira, Cultrix.)
cional. O livro procura ser a resposta braços hirtos, abalou-o até as raízes.
de Alencar ao problema que tanto Três vezes os seus músculos de aço,
preocupou os escritores que estabe- estorcendo-se, inclinaram a haste robusta; e
TEXTO II
leceram o Romantismo entre nós. três vezes o seu corpo vergou, cedendo à
Alencar afasta-se da épica tradicional: retração violenta da árvore, que voltava ao
Peri compreendera o gesto da índia; não
lugar que a natureza lhe havia marcado.
não escreve em verso, como fez, porém, o menor movimento para segui-la.
Luta terrível, espantosa, louca, esvairada;
Magalhães, mas em prosa, e sua nar- Fitou nela o seu olhar brilhante e sorriu.
luta da vida contra a matéria; luta do homem
rativa filia-se ao gênero mais em voga Por sua vez a menina também compreen-
contra a terra; luta da força contra a imobi-
naquela época: o romance — no sub- deu a expressão daquele sorriso e a resolução lidade.
gênero romance histórico de aven- firme e inabalável que se lia na fronte serena Houve um momento de repouso em que
turas. do prisioneiro. o homem, concentrado todo o seu poder,
Na realidade, se episódios da Insistiu por algum tempo, mas debalde. estorceu-se de novo contra a árvore; o ímpeto
colonização do Brasil nos albores do Peri tinha atirado para longe o arco e as foi terrível; e pareceu que o corpo ia despe-
século XVII constituem o entrecho da flechas e, recostando-se ao tronco da árvore, daçar-se nessa distensão horrível.
obra, o protagonista é um índio, Peri, conservava-se calmo e impassível. Ambos, árvore e homem, embalançaram-
elevado à categoria de autêntico herói De repente o índio estremeceu. se no seio das águas: a haste oscilou; as raízes
romântico. Logo depois que Filipe ll Cecília aparecera no alto da esplanada e desprenderam-se da terra já minada profunda-
da Espanha ocupa o trono de lhe acenara; sua mãozinha alva e delicada mente pela torrente.
Portugal, D. Antônio de Mariz, fidalgo agitando-se no ar parecia dizer-lhe que espe- A cúpula da palmeira, embalançando-se
da velha estirpe portuguesa, fiel à sua rasse; Peri julgou mesmo ver no rostinho gentil graciosamente, resvalou pela flor da água
pátria, prefere instalar-se no interior de sua senhora, apesar da distância, brilhar um como um ninho de garças ou alguma ilha flu-
raio de felicidade. tuante, formada pelas vegetações aquáticas.
do Brasil a servir à Coroa estrangeira.
(O Guarani, cap. II) Peri estava de novo sentado junto de sua
Com sua família e alguns homens de
senhora quase inanimada: e, tomando-a nos
armas, inicia a formação de uma
braços, disse-lhe com um acento de ventura
fazenda à margem do Rio Paquequer, suprema:
afluente do Paraíba. De um acidente TEXTO III — Tu viverás!...
resulta a morte de uma índia de uma Cecília abriu os olhos e, vendo seu amigo
tribo aimoré, que passa por isso a junto dela, ouvindo ainda suas palavras, sentiu
(...)
hostilizar os brancos colonizadores. o enlevo que deve ser o gozo da vida eterna.
Peri tinha falado com o tom inspirado que
D. Antônio de Mariz conta com a — Sim?... murmurou ela; viveremos!... lá
dão as crenças profundas; com o entusiasmo
amizade de Peri, jovem guerreiro no céu, no seio de Deus, junto daqueles que
das almas ricas de poesia e sentimento.
goitacá, de nobres instintos e amamos!...
Cecília o ouvia sorrindo e bebia uma a
extrema bravura. O selvagem devo- uma as suas palavras, como se fossem as
O anjo espanejava-se para remontar ao
tava a Cecília, a filha do fidalgo, uma berço.
partículas do ar que respirava; parecia-lhe que
adoração quase religiosa e por isso — Sobre aquele azul que tu vês, conti-
a alma de seu amigo, essa alma nobre e bela,
estendia sua proteção providencial a nuou ela, Deus mora no seu trono, rodeado
se desprendia do seu corpo em cada uma das
toda a família. Depois de inúmeros dos que o adoram. Nós iremos lá, Peri! Tu
frases solenes, e vinha embeber-se no seu
viverás com tua irmã, sempre...!
acidentes e peripécias, em que se coração, que se abria para recebê-la.
Ela embebeu os olhos nos olhos do seu
destaca a ação de Peri, conjurando A água subindo molhou as pontas das amigo, e lânguida reclinou a loura fronte.
perigos advindos não só dos indíge- largas folhas da palmeira, e uma gota, resva- O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face.
nas inimigos, mas também do vilão lando pelo leque, foi embeber-se na alva cam- Fez-se no semblante da virgem um ninho
Loredano e seus asseclas, dissimula- braia das roupas de Cecília. de castos rubores e límpidos sorrisos: os lábios
dos entre os “aventureiros” que A menina, por um movimento instintivo abriram como as asas purpúreas de um beijo
serviam a D. Antônio, este, esgotadas de terror, conchegou-se ao seu amigo; e nesse soltando o voo.
as possibilidades de resistência, pede momento supremo, em que a inundação abria A palmeira arrastada pela torrente impe-
a Peri que salve Cecília, levando-a a fauce enorme para tragá-los, murmurou tuosa fugia...
para a Corte, enquanto faz explodir docemente: E sumiu-se no horizonte.
sua casa, a fim de evitar o trucida- — Meu Deus!... Peri!... (O Guarani , Epílogo)
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1. Romance Urbano
TEXTO I TEXTO II
q Senhora
(...) Aurélia passava agora as noites solitária.
Publicado em 1875, é o terceiro
Na sala, cercada de adoradores, no meio Raras vezes aparecia Fernando, que ar-
da série “perfis de mulher”. A per- das esplêndidas reverberações de sua beleza, ranjava uma desculpa qualquer para justificar
sonagem principal é Aurélia Camargo, Aurélia, bem longe de inebriar-se da adoração sua ausência. A menina, que não pensava em
rainha dos salões cariocas na época produzida por sua formosura e do culto que lhe interrogá-lo, também não contestava esses
do Segundo Reinado. Herdeira repen- rendiam, ao contrário parecia unicamente pos- fúteis inventos. Ao contrário, buscava afastar
tina de um avô que desconhecia, suída de indignação por essa turba vil e abjeta. da conversa o tema desagradável.
Não era um triunfo que ela julgasse digno Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe
passa da pobreza a uma existência de de si, a torpe humilhação dessa gente ante sua seu amor; mas a altivez de coração não lhe
fausto social. Toda a intriga gira em riqueza. Era um desafio, que lançava ao consentia queixar-se. Além de que, ela tinha
torno do tema do casamento por mundo, orgulhosa de esmagá-lo sob a planta, sobre o amor ideias singulares, talvez inspira-
interesse, por meio do contrato e como a um réptil venenoso. das pela posição especial em que se achara ao
dote, fato comum na época. Aurélia, E o mundo é assim feito; que foi o fulgor fazer-se moça.
satânico da beleza dessa mulher a sua maior (Senhora, cap. VI)
enquanto pobre, sofrera amarga
sedução. Na acerba veemência da alma revol-
decepção ao ver Fernando Seixas, por ta, pressentiam-se abismos de paixão, e entre- q Lucíola
quem se enamorara, afastar-se diante via-se que procelas de volúpia havia de ter o
Neste romance, Alencar desen-
do aceno de um dote de trinta contos amor da virgem bacante.
Se o sinistro vislumbre se apagasse de volve um tema romântico que motivou,
de réis, quando ela de nada dispunha.
súbito, deixando a formosa estátua na penum- e ainda motiva, muita paixão. É o tema
Jurou vingar-se e, ao receber a he- da “boa prostituta”, que se redime de
bra suave da candura e inocência, o anjo casto
rança, manda sigilosamente oferecer e puro que havia naquela, como há em todas seu “pecado” por meio do amor since-
ao ex-noivo a quantia de cem contos as moças, talvez passasse despercebido pelo ro de um belo jovem, que a ama, mas
de réis para um casamento com turbilhão. que a sociedade tentará afastar dela.
moça desconhecida. Fernando As revoltas mais impetuosas de Aurélia Ela é Lúcia, meretriz de singular nobre-
repeliu inicialmente a oferta, mas, eram justamente contra a riqueza que lhe servia za de caráter, inspirada na Marguerite
de trono e sem a qual nunca, por certo, apesar da peça A Dama das Camélias, de
necessitando de dinheiro, aceitou-a,
de suas prendas, receberia como rainha
com a condição de receber vinte Alexandre Dumas Filho; ele é Paulo
desdenhosa a vassalagem que lhe rendiam.
contos de réis em adiantamento. Na Silva, um jovem promissor, de boa
Por isso mesmo considerava ela o ouro
noite de núpcias, é recebido com um vil metal que rebaixava os homens; e no família, inspirado no Alfredo da mesma
íntimo sentia-se profundamente humilhada peça. Aqui, como em Senhora,
desprezo, sofrendo a humilhação de
pensando que, para toda essa gente que a Alencar, romanticamente, apresenta o
encarar o recibo da sua compra em
cercava, ela, a sua pessoa, não merecia uma amor como operador de mudanças
posse de Aurélia. Um ano depois, comportamentais nas pessoas —
só das bajulações que tributavam a cada um de
consegue, graças a um negócio seus mil contos de réis. mudanças que trazem purificação,
antigo, receber a quantia de vinte Nunca da pena de algum Chatterton redenção, elevação. No jogo de
contos que entrega à mulher para desconhecido saíram mais cruciantes apóstro- “pecado”, “pureza”, sexo e conven-
compra de sua liberdade. Aurélia fes contra o dinheiro, do que vibrava muitas ções sociais, revela-se a concepção
vezes o lábio perfumado dessa feiticeira meni-
pede-lhe que fique, pois o seu moral de Alencar, que exprime o
na, no seio de sua opulência.
procedimento fizera com que se redi- moralismo da parcela conservadora da
Um traço basta para desenhá-la sob esta
misse de toda a venalidade [venal é face. sociedade de seu tempo.
quem se vende] e infâmia. O Convencida de que todos os seus inúme-
romance retrata os hábitos e vícios da ros apaixonados, sem exceção de um, a
sociedade fluminense da época, pretendiam unicamente pela riqueza, Aurélia TEXTO III
reagia contra essa afronta, aplicando a esses
influenciada pelos hábitos europeus e
indivíduos o mesmo estalão.
em vias de formação urbana. Com Assim costumava ela indicar o mereci- Um embaraço imprevisto, causado por
uma narrativa complexa para o mento relativo de cada um dos pretendentes, duas gôndolas1, tinha feito parar o carro. A
romance da época, é dos melhores dando-lhes certo valor monetário. Em lingua- moça ouvia-me; voltou ligeiramente a cabeça
livros de José de Alencar. (A. gem financeira, Aurélia cotava os seus adora- para olhar-me e sorriu. Qual é a mulher bonita
dores pelo preço que razoavelmente poderiam que não sorri a um elogio espontâneo e um
Coutinho, Enciclopédia de Literatura
obter no mercado matrimonial. grito ingênuo de admiração? Se não sorri nos
Brasileira, MEC) (Senhora, cap. I) lábios, sorri no coração.
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Durante que se desimpedia o caminho, aventuras, foram alguns dos ingre- arreava-se do azul diáfano onde a fantasia se
tínhamos parado para melhor admirá-la; e então dientes que conquistaram de ime- embebe com a voluptuosidade casta da
ainda mais notei a serenidade de seu olhar que diato os leitores. De fato, Alencar criança a aconchegar-se dentro, tão dentro do
nos procurava com ingênua curiosidade, sem grêmio materno.
demonstra um valioso domínio da
provocação e sem vaidade. O carro partiu; Bem longe do céu, porém, e bem presos
técnica narrativa, pois construiu sua
porém tão de repente e com tal ímpeto dos ca- à terra andavam os olhos dos nossos dois
valos por algum tempo sofreados, que a moça
trama em 62 capítulos: os 31 primei- amiguinhos, que nem haviam reparado sequer
assustou-se e deixou cair o leque. Apressei-me ros narram fatos que vão se tornando na limpidez da atmosfera. Ainda estavam na
e tive o prazer de o restituir inteiro. cada vez mais complicados, o que sazão8 feliz, em que respira o céu, como o ar
Na ocasião de entregar o leque apertei-lhe prende a curiosidade, seduzida pelos da vida, e o aroma do campo, quase sem
a ponta dos dedos presos na luva de pelica. mistérios que se lhe vão sentir.
Bem vê que tive razão assegurando-lhe que apresentando; os 31 seguintes Às flores, que a noite desabrochara; aos
não sou tímido. A minha afoiteza a fez corar; dedicam-se a desenrolar os nós da frutos silvestres que enfeitavam a copa das
agradeceu-me com um segundo sorriso e uma primeira metade do romance, o que árvores; aos passarinhos que trinavam
ligeira inclinação da cabeça; mas o sorriso atrai ainda mais a atenção, que vai embalando-se nas franças9 dos coqueiros; ao
desta vez foi tão melancólico, que me fez dizer que era da terra e bem da terra, iam os
vendo todos os mistérios sendo
ao meu companheiro: impulsos desses jovens corações, quando não
desvendados.
— Esta moça não é feliz! se volviam um para o outro, a reverem-se entre
— Não sei; mas o homem a quem ela
Pelo fato de sua história se passar si.
amar deve ser bem feliz! no interior de São Paulo, Til é O céu, essa imensa tela azul, que foi
Nunca lhe sucedeu, passeando em nos- reconhecidamente rotulado como cúpula de um berço, o da luz, e será mais tarde
sos campos, admirar alguma das brilhantes romance regionalista, tendo, portanto, véu de um leito, o da vida; a alma só o procura,
parasitas que pendem dos ramos das árvores, como preocupação a descrição dos só o contempla, quando a dor a prostra. Mas
abrindo ao sol a rubra corola? E quando ao co- costumes daquela localidade, o que para aquela que sorri e folga, o firmamento é
lher a linda flor, em vez da suave fragrância que acaba por contribuir com mais uma uma terra por descobrir e debuxa-se10
esperava, sentiu o cheiro repulsivo de torpe faceta do painel de nossa nacionali- vagamente na imaginação, como a montanha
inseto que nela dormiu, não a atirou com dade que Alencar pretendia erigir. azul desse vale de lágrimas.
desprezo para longe de si? Alguma vez deixava o rapaz de seguir
É o que se passava em mim quando essas com o passo a menina, para acompanhá-la
primeiras recordações roçaram a face da Lúcia TEXTO IV com a vista. De braços cruzados sobre a coro-
que eu encontrara na Glória. Voltei-me no leito nha da clavina11 de caça, fitava os grandes
para fugir à sua imagem e dormi. olhos pardos com tal possança d’alma, que
Eram dois, ele e ela, ambos na flor da
(Lucíola, cap. II) mais parecia absorver e entranhar em si o
beleza e da mocidade.
gracioso vulto, do que enlevar-se em sua
Vocabulário e Notas O viço da saúde rebentava-lhes no
contemplação.
1 – Gôndola: carro puxado por burros. encarnado das faces, mais aveludadas que a
(...)
açucena escarlate recém-aberta ali com os
— Que me está olhando aí? Nunca me
2. ROMANCE REGIONALISTA orvalhos da noite. No fresco sorriso dos lábios,
viu? exclamou com surpresa, mas travada
como nos olhos límpidos e brilhantes, brotava-
sempre da petulância que animava-lhe todos
Aqui está um dos aspectos mais lhes a seiva d’alma.
os movimentos.
admiráveis do autor: dá-nos um painel Ela, pequena, esbelta, ligeira, buliçosa,
— Não era para você! respondeu rápido o
das principais regiões culturais do saltitava sobre a relva, gárrula e cintilante do
moço, baixando a cabeça de modo a ocultar o
País — a região sulina, com seus prazer de pular e correr, saciando-se na delícia
rubor que lhe afogueava o rosto.
inefável de se difundir pela criação e sentir-se
pampas e suas coxilhas (O Gaúcho), a Para confirmar o disfarce, armou a clavina
flor no regaço daquela natureza luxuriante.
vida rural fluminense (O Tronco do e fez pontaria a um cardeal que se embalava
Ele, alto, ágil, de talhe robusto e bem
Ipê), o Planalto Paulista (Til) e o conformado, calcando o chão sob o grosseiro
no topo de uma palmeira.
Nordeste (O Sertanejo). Como no — Miguel!...
soco da bota com a bizarria de um príncipe que
caso do romance histórico, não é a (Til, cap. I)
pisa as ricas alfombras1, seguia de perto a
realidade, a verdade em si, que atrai o gentil companheira, que folgava pelo campo, a
romancista, e sim o tema que volutear2 e fazendo-lhe mil negaças, como a Vocabulário e Notas
possibilite dar largas à fantasia, ao borboleta que zomba dos esforços inúteis da 1 – Alfombra: tapete espesso e muito macio,
seu estilo épico e ao desejo de lançar criança para a colher. de cores e figuras diversas.
os fundamentos de uma literatura Caminhavam por uma rechã3, bordada de 2 – Volutear: andar em roda; girar, rodopiar,
ilhas de mato, que emergiam aqui e ali do voltear.
nacional.
verde gramado. Pela ramagem frondente4 das 3 – Rechã: terreno alto, extenso e plano, ter-
q Til árvores e renovos5 que abrolhavam, percebia- minando em escarpa abrupta.
se a proximidade de um grande manancial, e 4 – Frondente: frondoso, repleto de copas.
Publicado primeiramente em
entre as crepitações da brisa nas folhas, como 5 – Renovo: broto.
folhetim no jornal A República entre
um tom opaco desse arpejo da solidão, ouvia- 6 – Múrmure: murmúreo.
1871 e 1872, Til obteve bastante
se o múrmure6 soturno do Piracicaba, que leva 7 – Acendrado: de acendrar (limpar).
sucesso. Sua linguagem idealizada, a ao Tietê o tributo caudal de suas águas. 8 – Sazão: época, estação.
descrição rebuscada da paisagem, os Sete horas da manhã haviam de ser. A luz 9 – França: copa.
relacionamentos amorosos leves e de um sol esplêndido fluía no éter, que a 10 – Debuxar: esboçar.
inocentes, além do ritmo ágil das trovoada da véspera tinha acendrado7. O céu 11 – Clavina: carabina.
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1. Manuel Antônio de Almeida populares, a arraia-miúda (saloias, Luisinha. (A. S. Amora, verbete “Me-
(1831-1861) meirinhos, parteiras, barbeiros, deso- mórias de um Sargento de Milícias”,
cupados etc.), as mazelas, o jeitinho e in Pequeno Dicionário de Literatura
q Vida e obra o empreguismo são retratados direta Brasileira, Cultrix.)
Memórias de um Sargento de e objetivamente, distorcidos apenas
Milícias, seu único romance, apare- pelo tom galhofeiro e bem-humorado q Características
ceu em folhetim publicado no suple- do narrador que, divertido, Resumindo e esquematizando, as
mento dominical “A Pacotilha”, do desmascara os mecanismos de uma características principais das Memó-
Correio Mercantil, entre junho de sociedade minada pela hipocrisia e rias de um Sargento de Milícias são
1852 e julho de 1853, sob o pseu- pelo falso moralismo. as seguintes:
dônimo “Um Brasileiro”. • semelhança voluntária com o estilo
Médico (não exerceu a profissão), q Resumo da crônica histórica, assumido em
jornalista, diretor da Tipografia Nacio- As Memórias são uma narrativa tom irônico e crítico;
nal, Manuel Antônio de Almeida pare- vibrante e cheia de peripécias, o que • filiação à tradição do romance pica-
ce não ter tido pretensões à carreira torna qualquer resumo inapropriado e resco, por centrar-se nas aventuras
literária, embora revele inegável talen- pálido. Em linhas gerais, trata-se da de um herói de posição social
to na pequena obra-prima que deixou. história da vida de Leonardo, filho de inferior, a partir do qual se traça um
O estilo despretensioso, a lingua- dois imigrantes portugueses, a saloia retrato da sociedade em seus diver-
gem coloquial direta, a ausência de [camponesa, rústica] Maria da Horta- sos estratos. O pícaro, para sobre-
descrições pomposas, o apego ao liça e Leonardo, “algibebe” [vendedor viver na pobreza, dribla as condi-
concreto imediato, a presença das de roupas grosseiras] em Lisboa e ções adversas por meio de peque-
camadas populares (trabalhadores depois meirinho [oficial de justiça] no nos engodos e variados empregos;
braçais, malandros, vadios), a ausên- Rio no tempo do Rei D. João Vl: • representação de usos e costumes
cia de heróis e vilões e a imparciali- nascimento do “herói”; sua infância da sociedade carioca à época de D.
dade do narrador fizeram das Memó- de endiabrado; suas desditas de filho João (valor documental e artístico);
rias uma obra excêntrica em relação à abandonado mas sempre salvo de • ausência do idealismo heroico que
corrente formada pela ficção idea- dificuldades pelos padrinhos (a caracteriza os romances românti-
lizadora, galante, heroica e sentimen- parteira e um barbeiro); sua juventude cos, o que faz de Manuel Antônio
tal, tão ao agrado do leitor da época. de valdevinos [vagabundo]; seus de Almeida um autor de transição
Como Memórias fugisse à tipicidade amores com a dengosa mulatinha entre este período e o Realismo;
da ficção romântica, não obteve êxito Vidinha; suas malandrices com o descrição de diversos tipos popula-
no tempo em que foi publicado. truculento Major Vidigal, chefe de res, por vezes apresentados cari-
A crítica mais recente tirou-o da polícia; seu namoro com Luisinha; sua caturalmente: ciganos, barbeiros,
vala comum das obras menores, ven- prisão pelo major; seu engajamento, militares aposentados, beatas, poli-
do nele antecipações de Machado de por punição, no corpo de tropa do ciais etc.;
Assis e Lima Barreto, ao retratar o coti- mesmo major; finalmente, porque os • completo afastamento de qualquer
diano carioca, e de Mário de Andrade, fados [o destino] acabaram por Ihe forma de moralismo: o malandro
pelo humor e pelo cinismo que fazem ser propícios e não Ihe faltou a Leonardinho não é condenado, as-
do protagonista, Leonardo, um ances- proteção da madrinha, tudo tem sim como são apresentados com
tral de Macunaíma, na mais legítima “conclusão feliz”: promoção a sargen- naturalidade episódios em que se
linhagem do malandro nacional, do to de milícias e casamento com evidencia o funcionamento “ma-
“herói sem nenhum caráter”. landro” da sociedade
Como Macunaíma, Leonardo é um em todos os seus ní-
anti-herói, com características de pícaro veis, com transgres-
(tipo vadio, que vive ao sabor do sões da lei cometidas
acaso). Bastardo, “filho de uma pisa- até pelas altas figuras
dela e de um beliscão”, Leonardo en- que têm o dever de
carna um amoralismo relacionado com zelar pelo respeito à
a necessidade de sobrevivência, lei.
fome e toda sorte de sujeições que
oprimem as camadas populares.
Memórias de um Sargento de Mi-
lícias, escrito no reinado de D. Pedro II,
refere-se ao período de D. João VI,
fase de transição entre a condição Uniforme militar,
colonial e a independência. As festas em desenho de Debret.
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Enquanto o romântico capta o q Romance social, psicológico e visão mais mecanicista, mais deter-
mundo por meio do coração, do senti- de tese; poesia urbana e agres- minista, e o enquadramento do ho-
mento, o realista é, sobretudo, te (Carvalho Júnior, Bernardino mem como produto das leis da Bio-
sensorial. O amor perde a conotação Lopes, Cesário Verde); poesia logia; da hereditariedade, da Sociolo-
espiritualizante, para privilegiar o filosófico-científica (Sílvio Ro- gia e da Ecologia, contra as quais a ra-
aspecto físico. Ocorre uma “sexuali- mero); poesia social (Antero de zão e a vontade humana nada podem.
zação” do amor, e o sexo torna-se Quental, Guerra Junqueiro e Apresenta preferência pelos
tema quase obrigatório. Teófilo Braga). temas escabrosos, pela patologia
humana e social (taras, vícios,
sedução, adultério, incesto, assas-
q q Preocupação formal
Temas contemporâneos sinato, homossexualismo). A aborda-
Só o presente interessa; desa- Buscam-se a clareza, o equilíbrio,
gem dos aspectos degradantes da
parece o romance histórico. A ficção a harmonia da composição.
condição humana implica certo mo-
centra-se na crítica social (contra a ralismo, não importando a opinião
burguesia, contra o clero, contra o q Correção gramatical sobre os atos, mas os atos em si
capitalismo selvagem, contra o obs- Purismo, vernaculidade, econo- mesmos.
curantismo) e na análise psico- mia vocabular, precisão lexical. É frequente a zoomorfização, ou
lógica, voltada para a investigação seja, a aproximação, por meio de sí-
das causas profundas das ações miles, entre o homem e o animal,
q Predomínio da denotação com propósito depreciativo em rela-
humanas.
A metáfora cede lugar à meto- ção ao homem-larva, ao homem-
nímia. Linguagem simples, direta. besta, regido pelo instinto cego e
q Impassibilidade – Preferência pela narração. Uma brutal:
Contenção Emocional contribuição importante do Realismo
O autor ausenta-se da narrativa, foi a superação do tom excessiva- Rita Baiana... uma cadela no cio
assumindo uma posição neutra, im- mente declamatório e do verbalismo
parcial, desinteressado pelo destino adjetival dos românticos.
O Cortiço... uma geração que parecia
das personagens, fotografadas “por
brotar espontânea... e multiplicar-se como
dentro” (Machado de Assis) e “por 3. O Naturalismo
larvas no esterco.
fora” (Aluísio Azevedo). Busca-se
uma explicação lógica e cientifi- Surgiu na França, e seu criador e
camente aceitável para o compor- Leandra... a ‘Machona’, portuguesa feroz,
principal teórico foi Émile Zola
tamento e para as ações das perso- berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca
(Thérèse Raquin, Germinal ). Foi Zola
nagens. de animal do campo.
que cunhou a expressão romance
(A. Azevedo, O Cortiço)
experimental como designativa de
q suas aproximações com as ciências.
Personagens esféricas
Ainda no âmbito das propostas Focaliza, de preferência, as
Opondo-se à linearidade das per-
realistas, o Naturalismo representa camadas sociais inferiores, o
sonagens românticas (herói x vilão),
uma exacerbação, uma radicalização proletariado e os marginalizados.
as personagens realistas são com-
do cientificismo, do materialismo e Denuncia os aspectos degradantes,
plexas, multiformes, imprevisíveis,
do determinismo. Buscou analisar o com o propósito de tomada de
repelindo qualquer simplificação. São comportamento humano à luz das
também dinâmicas, porque evoluem consciência, visando à redenção
teorias científicas do fim do século moral e social do homem. Arte enga-
e têm profundidade psicológica. XIX, ressaltando os aspectos jada, a serviço de ideais políticos e
instintivos e biológicos do homem, sociais.
q Materialismo – submetido ao peso dos fatores que O Naturalismo peca, quase
Cientificismo determinavam sua conduta: a here- sempre, pelo reducionismo e pelo
A realidade é de caráter exclu- ditariedade, a raça, o meio am- esquematismo, restringindo-se às
sivamente material. Oposição à meta- biente e a sociedade. explicações mecanicistas, à exterio-
Inspirado no experimentalismo ridade, aos condicionamentos, inca-
física e à religiosidade.
científico de Claude Bernard (a pazes de apreender o homem em
Medicina Experimental), o Natu- toda a sua complexidade.
q Narrativa lenta ralismo assimilou a objetividade das Nos textos que se seguem, a
Ao se valorizarem as minúcias, a Ciências Naturais, fazendo do ro- passagem de O Cortiço ilustra a típica
ação e o enredo perdem a importân- mance uma espécie de laboratório da descrição naturalista, e a de A Cidade
cia para a caracterização das persona- vida, e encarando o homem como um e as Serras satiriza a atitude cientifi-
gens e dos ambientes. “caso” a ser analisado. Daí decorre a cista daquele tempo.
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1. José Maria Eça de Queirós sociedade leiriense é o cenário, com tempo, uma ampla crônica da alta
(1845-1900) os serões da Sra. Joaneira. Romance sociedade lisboeta. Se, em O Crime
malicioso, farto de observações do Padre Amaro (1875), Eça focalizou
q Vida agudas e belos quadros psicológicos. a vida devota da Província, e, em O
“Eu sou apenas um pobre O herói é o padre Amaro, que Primo Basílio (1878), retratou a classe
homem de Póvoa do Varzim.” mantém relações íntimas com média da Capital, com Os Maias
Assim Eça de Queirós se apresen- Amélia, e depois a abandona. (1888) o escritor retrata a vida das
tava. Em 1866, forma-se em Direito, • O Primo Basílio altas esferas da política, do governo,
pela Universidade de Coimbra. Exerce Análise da família burguesa. da aristocracia e dos literatos, em
o cargo de advogado, influenciado Neste romance, Eça cria tipos de- meio a jogos e festas.
pelo pai, que era juiz de direito. É sim- finitivos. O Conselheiro Acácio, que
ples espectador da Questão é o formalismo oficial: “Era alto, TEXTO I
Coimbrã, ligando-se aos realistas em magro, vestido todo de preto, com o
Lisboa, no grupo Cenáculo. Viaja, em pescoço entalado num colarinho di- Foi no domingo de Páscoa que se soube
1869, para o Egito; participa, em reito. O rosto, aguçado no queixo, ia- em Leiria que o pároco da Sé, José Miguéis,
1871, das Conferências do Cassino; se alargando até a calva, vasta e tinha morrido de madrugada com uma
vai para Leiria, como administrador do polida, um pouco amolgada no alto. apoplexia1. O pároco era um homem san-
conselho. Em 1873, vai como cônsul (...) Era muito pálido; nunca tirava as guíneo e nutrido, que passava entre o clero
para Havana; viaja pela América e, lunetas escuras. (...) Fora, outrora, diocesano pelo comilão dos comilões.
finalmente, segue para a Inglaterra e diretor-geral do Ministério do Reino e Contavam-se histórias singulares da sua
depois para a França, onde, já casado, sempre que dizia — El-Rei! erguia-se voracidade. O Carlos da botica — que o detes-
tava — costumava dizer, sempre que o via sair
vem a falecer. um pouco na cadeira. Os seus gestos
depois da sesta, com a face afogueada de
eram medidos, mesmo a tomar rapé.
sangue, muito enfartado:
q Obras Nunca usava palavras triviais, não — Lá vai a jiboia esmoer2. Um dia estoura!
a) Primeira fase: de 1866 a dizia vomitar, fazia um gesto Com efeito estourou, depois de uma ceia
1875. Há apego romântico e fanta- indicativo e empregava restituir.” de peixe — à hora em que defronte, na casa do
sioso. Escreveu folhetins na Gazeta Luísa, a heroína que se entregara, Dr. Godinho, que fazia anos, se polcava3 com
de Portugal, depois reunidos no vo- durante a ausência do marido, aos alarido. Ninguém o lamentou, e foi pouca
lume Prosas Bárbaras. Ainda a essa amores de um primo conquistador, gente ao seu enterro. Em geral não era
fase pertencem O Mistério da Estra- Basílio, encarna o papel da adúltera estimado. Era um aldeão; tinha os modos e os
da de Sintra, romance originalíssimo, que sofre desesperadamente. pulsos de um cavador, a voz rouca, cabelos nos
escrito em parceria com Ramalho Juliana, a criada, que “personifica o ouvidos, palavras muito rudes.
Nunca fora querido das devotas; arrotava no
Ortigão. Eça estava em Lisboa. Ra- descontentamento azedo e o tédio da
confessionário e, tendo vivido sempre em fre-
malho, em Liz. Durante dois meses, profissão”, possuía cartas compro-
guesias da aldeia ou da serra, não compreendia
sem nenhum plano da obra, cada metedoras da ama, e explorou plena- certas sensibilidades requintadas da devoção:
escritor remetia um folhetim ao jornal mente a situação, pondo a patroa no perdera por isso, logo ao princípio, quase todas as
Diário de Notícias, continuando o trabalho e maltratando-a. Eça declara: confessadas, que tinham passado para o polido
enredo. Também da primeira fase é “A família lisboeta é produto do na- Padre Gusmão, tão cheio de lábia!
Uma Campanha Alegre, coletânea de moro, reunião desagradável de egoís- E quando as beatas, que lhe eram fiéis,
seus artigos publicados em As Farpas mos que se contradizem, e, mais tar- lhe iam falar de escrúpulos de visões, José
— periódico de combate, que de ou mais cedo, são centros de bam- Miguéis escandalizava-as, rosnando:
analisava e criticava Portugal em bochata. Uma sociedade sobre estas — Ora histórias, santinha! Peça juízo a
todos os setores de atividade: falsas bases não está na verdade: Deus! Mais miolo na bola!
As exagerações dos jejuns sobretudo
política, educação, arte, literatura, atacá-la é um dever”.
irritavam-no:
saúde, finanças. • O Mandarim
— Coma-lhe e beba-lhe — costumava
b) Segunda fase: de 1875 a Romance de influência orienta- gritar —, coma-lhe e beba-lhe, criatura!
1888, quando Eça se integra na lista. As lutas de consciência travadas Era miguelista — e os partidos liberais, as
técnica realista (“Sobre a nudez em um homem que substitui o suas opiniões, os seus jornais enchiam-no
forte da verdade, o manto diáfano trabalho pelo enriquecimento ines- duma cólera irracionável:
da fantasia”), e aparecem os crupuloso. — Cacete! cacete! — exclamava, me-
romances: • Os Maias neando o seu enorme guarda-sol vermelho.
• O Crime do Padre Amaro Romance de crítica social, último (O Crime do Padre Amaro, cap. I)
Este livro é o introdutor do da série pertencente à segunda fase Vocabulário e Notas
romance realista em Portugal. A obra do autor. É a história do amor inces- 1 – Apoplexia: derrame cerebral.
tem a preocupação de fixar tuoso de Carlos da Maia com sua 2 – Esmoer: fazer a digestão.
instantâneos da vida provinciana. A irmã, Maria Eduarda, e, ao mesmo 3 – Polcar: dançar a polca.
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Vinha de lá, daquela aldeola de Paris! — Falava moedas de cinco mil-réis, peças, muitas,
TEXTO II devagar, recostado, com um ar íntimo, muitas, profusamente; não conhecia o
estendendo sobre o tapete, comodamente, os homem; tinha um chinó2 vermelho e uma
Luísa espreguiçou-se. Que seca ter de se seus sapatos de verniz. pera3 impudente4. Seria o diabo? Que lhe
ir vestir! Desejaria estar numa banheira de Luísa olhava-o. Achava-o mais varonil, importava? Estava rica, estava salva! Punha-se
mármore cor-de-rosa, em água tépida1, mais trigueiro. No cabelo preto anelado havia a chamar, a gritar por Juliana, a correr atrás
perfumada e adormecer! Ou numa rede de agora alguns fios brancos; mas o bigode dela, por um corredor que não findava e que
seda, com as janelinhas cerradas2, embalar-se, pequeno tinha o antigo ar moço, orgulhoso e começava a estreitar-se, a estreitar-se, até que
ouvindo música! (...) intrépido5; os olhos, quando ria, a mesma era como uma fenda por onde ela se arrastava
Tornou a espreguiçar-se. E saltando na doçura amolecida, banhada num fluido. de esguelha5, respirando mal e apertando
ponta do pé descalço, foi buscar ao aparador Reparou na ferradura de pérola da sua gravata sempre contra si o montão de libras que lhe
por detrás de uma compota um livro um pouco de cetim preto, nas pequeninas estrelas punha frialdades de metal sobre a pele nua do
enxovalhado3, veio estender-se na voltaire4, brancas bordadas nas suas meias de seda. A peito. Acordava assustada; e o contraste da
quase deitada, e, com o gesto acariciador e Bahia não o vulgarizara. Voltava mais sua miséria real com aquelas riquezas do
amoroso dos dedos sobre a orelha, começou a interessante! sonho era como um acréscimo de amargura.
ler toda interessada. — Mas tu, conta-me de ti — dizia ele com Quem lhe poderia valer? — Sebastião!
Era a Dama das Camélias5. Lia muitos um sorriso, inclinado para ela. — És feliz, tens Sebastião era rico, era bom. Mas mandá-lo
romances; tinha uma assinatura, na Baixa, ao um pequerrucho... chamar e dizer-lhe ela, ela Luísa, mulher de
mês. — Não — exclamou Luísa, rindo. — Não Jorge: — Empreste-me seiscentos mil-réis. —
(Eça de Queirós, O Primo Basílio, cap. I) tenho! Quem te disse? Para quê, minha senhora? E podia lá
— Tinham-me dito. E teu marido demora-se? responder: para resgatar umas cartas que
Vocabulário e Notas — Três, quatro semanas, creio. escrevi ao meu amante. Era lá possível! Não,
1 – Tépido: morno. Quatro semanas! Era uma viuvez! estava perdida. Restava-lhe ir para um con-
2 – Cerrado: fechado. Ofereceu-se logo para a vir ver mais vezes, vento.
3 – Enxovalhado: manchado, sujo. palrar6 um momento, pela manhã... (Eça de Queirós, O Primo Basílio, cap. Vlll)
4 – Voltaire: cadeira de encosto alto, muito con- (Eça de Queirós, O Primo Basílio, cap. III)
fortável. Vocabulário e Notas
5 – Dama das Camélias: romance de Alexandre 1 – Frêmito: agitação.
Dumas Filho, publicado em 1848. Vocabulário e Notas 2 – Chinó: peruca.
1 – Peau de suède (francês; pronúncia: pô de 3 – Pera: barba no queixo, cavanhaque.
süéd): couro acamurçado e macio. 4 – Impudente: desavergonhado, atrevido, sen-
2 – Escarlate: vermelho.
TEXTO III sual.
3 – Paquete: navio a vapor. 5 – De esguelha: de lado.
4 – Degredo: exílio, afastamento; local onde
Luísa desceu o véu branco, calçou vive o degredado.
devagar as luvas de peau de suède1 claras, deu 5 – Intrépido: arrojado, corajoso.
duas pancadinhas fofas ao espelho na gravata 6 – Palrar: conversar.
de renda e abriu a porta da sala. Mas quase
recuou; fez “ah!”, toda escarlate2. Tinha-o
reconhecido logo. Era o primo Basílio.
Houve um shake-hands demorado, um TEXTO IV
pouco trêmulo. Estavam ambos calados; ela
com todo o sangue no rosto, um sorriso vago; Que noite para Luísa! A cada momento
ele fitando-a muito, com um olhar admirado. acordava num sobressalto, abria os olhos na
Mas as palavras, as perguntas vieram logo, penumbra do quarto, e caía-lhe logo na alma,
muito precipitadamente: — Quando tinha ele como uma punhalada, aquele cuidado pungen-
chegado? Se sabia que ele estava em Lisboa? te: Que havia de fazer? Como havia de arranjar
Como soubera a morada dela? dinheiro? Seiscentos mil-réis! As suas joias
Chegara na véspera no paquete3 de valiam talvez duzentos mil-réis. Mas depois,
Bordéus. Perguntara no ministério; disseram- que diria Jorge? Tinha as pratas... Mas era o
lhe que Jorge estava no Alentejo; deram-lhe a mesmo!
adresse... A noite estava quente, e na sua inquie-
— Como tu estás mudada, Santo Deus! tação a roupa escorregara; apenas lhe restava
— Velha? o lençol sobre o corpo. Às vezes a fadiga
— Bonita! readormecia-a de um sono superficial, cortado
— Ora! de sonhos muito vivos. Via montões de libras
E ele, que tinha feito? Demorava-se? reluzirem vagamente, maços de notas agita- Eça de Queirós, por volta de 1868.
Foi abrir uma janela, dar uma luz larga, rem-se brandamente no ar. Erguia-se, saltava Fotografia de Henrique Nunes.
mais clara. Sentaram-se. Ele no sofá muito para as agarrar, mas as libras começavam a
languidamente; ela ao pé, pousada de leve à rolar, a rolar como infinitas rodinhas sobre um A terceira fase da obra de Eça de
beira de uma poltrona, toda nervosa. chão liso, e as notas desapareciam, voando
Queirós, que constitui uma profunda
Tinha deixado o “degredo”4 — disse ele. muito leves com um frêmito1 de asas irônicas.
— Viera respirar um pouco à velha Europa. Ou então era alguém que entrava na sala,
reviravolta em alguns elementos im-
Estivera em Constantinopla, na Terra Santa, curvava-se respeitosamente e começava a tirar portantes da fase anterior, será estu-
em Roma. O último ano passara-o em Paris. do chapéu, a deixar-lhe cair no regaço libras, dada na próxima aula.
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íntimo de Jacinto. Trata-se de um mangas de camisa, descarregavam caixotes grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua
narrador-testemunha, que apresenta de madeira, fardos de lona, que se miséria. (...) Na cidade findou a sua liberdade
os fatos segundo sua óptica pessoal, despregavam e se descosiam8 numa sala moral; cada manhã ela lhe impõe uma
asfaltada, ao fundo do jardim, por trás da sebe9 necessidade, e cada necessidade o arremessa
ou seja, subjetivamente, de acordo
de lilases. E eu descia, reclamado pelo meu para uma dependência; pobre e subalterno, a
com o seu humor, sua simpatia ou
Príncipe, para admirar uma nova máquina que sua vida é um constante solicitar, adular,
antipatia. nos tornaria a vida mais fácil, estabelecendo de vergar, rastejar, aturar; e rico e superior como
A ação se passa no período que um modo mais seguro nosso domínio sobre a um Jacinto, a sociedade logo o enreda em
vai de 1820 a 1893. O protagonista, substância. Durante os calores, que apertavam tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias,
Jacinto, tinha o apelido de “Príncipe depois da ascensão10, ensaiamos praxes, ritos, serviços mais disciplinares que
da Grã-Ventura”, devido à sua riqueza, esperançadamente, para refrescar as águas os dum cárcere ou dum quartel... (...) Os
saúde e sorte. Vivendo em Paris, no minerais, a Soda Water11 e os Medocs12 sentimentos mais genuinamente humanos
palacete número 202 da Avenida ligeiros13, três geleiras14, que se amontoaram logo na cidade se desumanizam! (...) Mas o
Campos Elíseos e convivendo com a na copa sucessivamente desprestigiadas. Com que a cidade mais deteriora no homem é a
alta classe local, seu ideal de vida era os morangos novos apareceu um inteligência, porque ou lha arregimenta dentro
instrumentozinho astuto, para lhes arrancar os da banalidade ou lha empurra para a extra-
expresso na “equação metafísica”:
pés, delicadamente. Depois recebemos outro, vagância. Nesta densa e pairante camada de
prodigioso, de prata e cristal, para remexer ideias e fórmulas que constitui a atmosfera
}
suma ciência freneticamente as saladas; e, na primeira vez mental das cidades, o homem que a respira,
X = suma felicidade que experimentei, todo o vinagre nela envolto, só pensa todos os pensamentos
suma potência esparrinhou15 sobre os olhos do meu Príncipe, já pensados, só exprime todas as expressões
que fugiu aos uivos! Mas ele teimava... Nos já exprimidas (...) Todos, intelectualmente, são
atos mais elementares, para aliviar ou apressar carneiros, trilhando o mesmo trilho, balando1 o
o esforço, se socorria Jacinto da dinâmica. E mesmo balido, com o focinho pendido para a
No entanto, decorrido algum tem-
agora era por intervenção de uma máquina que poeira onde pisam, em fila, as pegadas
po, ele começa a enfadar-se de sua abotoava as ceroulas. pisadas; e alguns são macacos, saltando no
vida repleta de luxo e riqueza, mas (Eça de Queirós, topo de mastros vistosos, com esgares2 e
pobre de espírito. Atacado por uma A Cidade e as Serras, cap. V) cabriolas3. Assim, meu Jacinto, na cidade,
melancolia crescente que afeta sua nesta criação tão antinatural onde o solo é de
saúde, Jacinto parte para o campo, Vocabulário e Notas pau e feltro e alcatrão, e o carvão tapa o céu, e
indo viver em sua propriedade na 1 – No mês de abril é primavera na Europa. a gente vive acamada nos prédios como o
Serra de Tormes, em Portugal. Em 2 – Pó de caliça: argamassa ressequida. paninho nas lojas, e a claridade vem pelos
contato com a natureza e o trabalho 3 – Retininte: ruidoso. canos, e as mentiras se murmuram através de
rural, ele recupera o antigo vigor e 4 – Rancho: grupo (de pessoas). arames, o homem aparece como uma criatura
5 – Petit-Bleu (francês; pronúncia aproximada: anti-humana... (...) E aqui tem o belo Jacinto o
disposição. O amor de Joaninha
peti blö – ö = som e com lábios arredondados que é a bela cidade!
completa o quadro de sua felicidade.
de o): canção popular francesa. E ante estas encanecidas4 e veneráveis
6 – Em fralda: vestido somente de camisa invectivas5, (...) o meu Príncipe vergou6 a nuca
comprida. dócil, como se elas brotassem, inesperadas e
TEXTO II 7 – Estacar: parar. frescas, duma revelação superior, naqueles
8 – Descoser: descosturar. cimos de Montmartre:
No entanto Jacinto, desesperado com
9 – Sebe: cerca. — Sim, com efeito, a cidade... É talvez uma
tantos desastres humilhadores — as torneiras
10 – Ascensão: entrada da primavera. ilusão perversa!
que dessoldavam, os elevadores que
11 – Soda Water: refrigerante; soda. (Eça de Queirós,
emperravam, o vapor que se encolhia, a
12 – Medoc: vinho dessa região francesa. A Cidade e as Serras, cap. VI)
eletricidade que se sumia —, decidiu
13 – Ligeiro: leve.
valorosamente vencer as resistências finais da
14 – Geleira: equivalente à atual geladeira.
matéria e da força por novas e mais poderosas Vocabulário e Notas
15 – Esparrinhar: espirrar.
acumulações de mecanismos. E nessas 1 – Balar: o mesmo que balir: berrar como ove-
semanas de abril1, enquanto as rosas lha, soltar balidos.
desabrochavam, a nossa agitada casa, entre TEXTO III 2 – Esgar: trejeito, careta.
aquelas quietas casas dos Campos Elísios, que 3 – Cabriola: cambalhota.
preguiçavam ao sol, incessantemente tremeu, Neste trecho de A Cidade e as 4 – Encanecido: de encanecer: embranquecer
envolta num pó de caliça2 e de empreitada, Serras, Jacinto e Zé Fernandes ob- os cabelos; experiente; antigo.
com o bruto picar de pedra, o retininte3 5 – Invectiva: ataque, crítica feroz.
servam a cidade de Paris do alto de
martelar de ferro. Nos silenciosos corredores, 6 – Vergar: curvar, dobrar.
uma colina. Essa visão panorâmica
onde me era doce fumar antes do almoço um
pensativo cigarro, circulavam agora, desde
encoraja Zé Fernandes a falar sobre
os males da civilização urbana: Entre as demais obras de Eça de
madrugada, os ranchos4 de operários, de
Queirós, estão A Relíquia, A Capital,
blusas brancas, assobiando o Petit-Bleu5, e
intimidando meus passos quando eu — Sim, é talvez tudo uma ilusão... E a A Tragédia da Rua das Flores, Contos,
atravessava em fralda6 e chinelas para o banho cidade a maior ilusão! Cartas de Inglaterra.
ou para outros retiros... (...) Certamente, meu Príncipe, uma
Cada dia estacava7 diante do portão ilusão! E a mais amarga, porque o homem
alguma lenta carroça, de onde os criados, em pensa ter na cidade a base de toda a sua
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Essas comédias foram represen- poemas de Castro Alves (em carta a poderíamos obter, / Por medo de tentar.
José de Alencar), as considerações
tadas com algum êxito durante a vida Ainda que se tenha vulgarizado a
sobre a pouca originalidade da poesia
do seu autor, e são: A Queda que as designação de romances “românti-
arcádica e o estudo sobre Eça de
Mulheres Têm para os Tolos, Desen- cos”, essas primeiras experiências
Queirós, que suscitou verdadeira po-
cantos, Quase Ministro, O Caminho com a ficção de maior fôlego não se
lêmica.
da Porta, O Protocolo, Não Consultes enquadram nos estreitos limites da
o Médico, Os Deuses de Casaca e ficção propriamente romântica: a ideali-
F) Romance
Tu, só Tu, Puro Amor, inspirada no zação das personagens centrais não é
F1) A Fase Romântica
episódio de Inês de Castro, de Os total, reservando lugar para aspectos
Os primeiros romances de Ma-
Lusíadas, e encenada em come- problemáticos de sua conduta, e a
chado de Assis (Ressurreição, A Mão
moração do tricentenário da morte do tensão bem versus mal, herói versus
e a Luva, Helena e Iaiá Garcia) podem
poeta português. vilão, não é nítida. Caberia melhor a
ser considerados experiências para o
designação de romances
salto qualitativo que viria com
“convencionais”. Já existem nesses
Memórias Póstumas de Brás Cubas
D) Crônica romances os traços que serão cons-
(1881), que inaugura a fase realista de
Machado de Assis militou na tantes na fase realista: a observação
Machado.
imprensa diária do Rio de Janeiro psicológica e o interesse como o mó-
O caráter de “experiência” fica
durante quase toda a sua vida: pas- vel principal das ações humanas.
evidente na “Advertência” com que
sou pelas redações, entre outras, do Mesmo as heroínas ditas “românti-
Machado apresenta a primeira edição
Correio Mercantil, do Diário do Rio de cas” de Machado de Assis agem
do romance Ressurreição:
Janeiro, da Gazeta de Notícias, de O movidas pelo interesse, pelo desejo
Século. As crônicas que escreveu iam Não sei o que deva pensar deste de ascensão social, e não pelo amor.
da linguagem sarcástica, dos tempos livro; ignoro sobretudo o que pensará
de militância liberal, ao intimismo das dele o leitor. A benevolência com que
páginas de Relíquias de Casa Velha. foi recebido um volume de contos e
Nomeado funcionário público, novelas, que há dois anos publiquei, me
subordinado à Secretaria de Estado, animou a escrevê-lo. É um ensaio. Vai
não pôde atuar de forma mais despretensiosamente às mãos da crítica
e do público, que o tratarão com a justiça
ostensiva no Movimento Abolicio-
que merecer.
nista, o que serviu de base a ideias de
que ele não teria tido interesse na E, concluindo a “Advertência”:
sorte dos escravos, dos quais Minha ideia ao escrever este livro foi
descendia pelo lado paterno. pôr aquele pensamento de Shakespeare:
As crônicas, pela maior liberdade Our doubts are traitors,
que permitem, revelam a tendência And make us lose the good we oft
de Machado para o divertissement, a might win,
brincadeira, o texto leve e divertido. By fearing to attempt1.
Vão do corriqueiro ao sublime, do Não quis fazer romance de costu-
cotidiano ao clássico, do pequeno ao mes; tentei o esboço de uma situação e o
grandioso, do real ao imaginário. contraste de dois caracteres; com esses Machado de Assis aos 45 anos.
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detalhe e o menor gesto são significa- Brás Cubas”, esperança frustrada de Shakespeare, parece advertir que
tivos na composição do quadro renome e riqueza. Brás Cubas conta tanto a realidade quanto as percep-
psicológico; nada é desprovido de sua infância, fala da família, de ções humanas são abaladas pelas
interesse. Essa fixação pelo porme- Marcela — a primeira amante — e de paixões. Assim, todas as “provas” e,
nor é o que se denomina microrrealis- Virgília, que foi sua namorada e que em particular, a semelhança de
mo. acaba se casando com o deputado Ezequiel, o filho do casal, com Esco-
Lobo Neves, homem ambicioso. bar, o suposto amante, são relativas,
q O estilo machadiano Virgília, que se torna amante de Brás duvidosas. Machado atinge o objetivo
Machado prima pelo equilíbrio, Cubas, é uma das grandes persona- de mostrar que a realidade é algo
pela disciplina clássica, correção gra- gens femininas de Machado. Nessa móvel e enganador. Capitu, de “olhos
matical, concisão e economia voca- obra já aparece o filósofo-mendigo de ressaca”, “oblíqua e dissimulada”,
bular. Ao contrário da nossa congênita Quincas Borba, que será a persona- brilha entre todas as personagens de
tendência ao uso imoderado do gem principal do romance seguinte Machado, não só as femininas.
adjetivo e do advérbio, tão ao gosto de Machado. Fundamentalmente
de Castro Alves, de Alencar, de Rui pessimista, Brás Cubas é também
um homem cínico, até cruel, figura q Quincas Borba (1891)
Barbosa etc., Machado é parcimo-
nioso, sóbrio, quase “britânico”. Não elegante e típica da ociosa elite cario- Quincas Borba é continuação de
é, contudo, uma linguagem simétrica ca do século XIX. Memórias Póstumas de Brás Cubas,
e mecânica, porém medida pelo seu pois, como vimos, o filósofo-mendigo,
ritmo interior, donde o segredo da personagem que dá nome a este ro-
unidade da obra. São frequentes as mance, e a sua filosofia, o Humanitis-
experiências narrativas antecipadoras mo, já tinham aparecido nas Memó-
da modernidade, pelo aspecto irônico rias, nas quais, na verdade, há um pe-
e antinarrativo. ríodo de tempo em que Quincas
Em Memórias Póstumas de Brás Borba desaparece, só voltando para
Cubas, em vez de narrar a morte de morrer na casa de Brás Cubas. O
D. Eulália Damasceno de Brito, Brás romance Quincas Borba narra em ter-
Cubas “fotografa” seu epitáfio, trans- ceira pessoa as aventuras de Quincas
pondo o ícone, a inscrição tumular: nesse intervalo, nas quais interveio,
novamente, o acaso: Quincas recebeu
uma herança e foi viver num local
Capítulo CXXV tranquilo, Barbacena, mais adequado
Epitáfio Capitu, em pintura de J. da Rocha Ferreira. à sua filosofia. Lá se passaram os
fatos principais da história. Apaixo-
AQUI JAZ nado e recusado por Maria Piedade,
q Dom Casmurro (1899) Quincas adoeceu e foi tratado por
D. EULÁLIA DAMASCENO DE BRITO Dom Casmurro é considerado Rubião, seu amigo. Este, a quem
um romance sobre o adultério. Nem o Quincas tentara explicar o Humanitis-
MORTA adultério é fato certo na história, nem mo, se interessava na verdade pela
o tema do romance se limita a ele. É fortuna do outro. E Rubião, de fato,
AOS DEZENOVE ANOS DE IDADE antes a abordagem da vaidade mas- tornou-se herdeiro universal do filó-
culina, e do vazio das instituições que sofo sob a condição de cuidar de seu
ORAI POR ELA! domina, e do mistério da mulher. cão (que se chama também Quincas
Assim, todo o conjunto de certezas Borba). Despreparado para a riqueza,
da realidade (e do Realismo) torna-se ele é explorado pelo casal Sofia e Cris-
q Memórias Póstumas frágil, ilusório e enganador. Todos os tiano Palha. Apaixona-se por ela, que é
de Brás Cubas (1881) acontecimentos narrados na obra incentivada pelo marido a ser recep-
Neste romance, em primeira ganham esta aura de dúvida por cau- tiva a seus favores. Aos poucos, vai
pessoa, o narrador-personagem Brás sa do ciúme que o próprio narrador- perdendo tudo, sem conquistar o
Cubas relata sua vida a partir de uma personagem — Bentinho, um ser me- amor de Sofia, e enlouquece, como
estranha situação: já está morto, díocre — tem de Capitu, amiguinha Quincas. Nesse romance, é desenvol-
sendo, por isso, como ele mesmo diz, de infância, depois namorada, noiva vida a teoria do Humanitismo e sua
um “defunto autor”. Com um texto e, enfim, esposa. Não há nenhuma máxima, “ao vencedor, as batatas”.
cheio de digressões e de humor, prova conclusiva do adultério de Trata-se de satirização de correntes
narra o grande projeto de sua vida, Capitu; ao contrário, a relação inter- filosóficas da época, como o Positivis-
criar o “emplasto anti-hipocondríaco textual do romance com Otelo, de mo e o Evolucionismo.
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maioria, sendo libertado, até que o q Esaú e Jacó em diversos contos e sobretudo num
hospício se esvazia de novo. O alienis- Neste caso, que sentido tem o dos mais belos e pungentes que
ta percebe então que os germes de ato? Eis outro problema fundamental escreveu: “Um Homem Célebre”.
desequilíbrio prosperaram tão facil- em Machado de Assis, que o apro- Trata-se de um compositor de
mente porque já estavam latentes em xima das preocupações de escritores polcas, Pestana, o mais famoso do
todos; portanto, o mérito não é da sua como o Conrad de Lord Jim ou de momento, reconhecido e louvado por
terapia. Não haveria um só homem The Secret Sharer, e que foi um dos onde vá, procurado pelos editores,
normal, imune às solicitações das ma- temas centrais do existencialismo abastado materialmente. No entanto,
nias, das vaidades, da falta de pon- literário contemporâneo, em Sartre e Pestana odeia as suas polcas que
deração? Analisando-se bem, vê que Camus, por exemplo. Serei eu algu- toda a gente canta e executa, porque
é o seu caso; e resolve internar-se, só ma coisa mais do que o ato que me o seu desejo é compor uma peça
no casarão vazio do hospício, onde exprime? Será a vida mais do que erudita de alta qualidade, uma sonata,
morre meses depois. E nós pergun- uma cadeia de opções? Num dos uma missa, como as que admira em
tamos: quem era louco? Ou seriam seus melhores romances, Esaú e Beethoven ou Mozart. À noite, posta-
todos loucos, caso em que ninguém o Jacó, ele retoma, já no fim da carreira, do no piano, leva horas solicitando a
é? Notemos que este conto e o este problema que pontilha a sua obra inspiração que resiste. Depois de
anterior manifestam, no fim do século inteira. Retoma-o sob a forma simbó- muitos dias, começa a sentir algo que
XIX, o que faria a voga de Pirandello a lica da rivalidade permanente de dois prenuncia a visita da deusa e a sua
partir do decênio de 1920. irmãos gêmeos, Pedro e Paulo, que emoção aumenta, sente quase as no-
representam invariavelmente a alter- tas desejadas brotando nos dedos,
nativa de qualquer ato. Um só faz o atira-se ao teclado e ... compõe mais
q Dom Casmurro contrário do outro, e evidentemente uma polca! Polcas e sempre polcas,
Outro problema que surge com as duas possibilidades são legítimas. cada vez mais brilhantes e populares
frequência na obra de Machado de O grande problema suscitado é o da é o que faz até morrer. A alternativa é
Assis é o da relação entre o fato real e validade do ato e de sua relação com negada também a ele; só lhe resta
o fato imaginado, que será um dos o intuito que o sustém. Através da fazer como é possível, não como lhe
eixos do grande romance de Marcel crônica aparentemente corriqueira de agradaria.
Proust, e que ambos analisam princi- uma família da burguesia carioca no
palmente com relação ao ciúme. A fim do Império e começo da Repú- q Conclusão
mesma reversibilidade entre a razão e blica, surge a cada instante este deba-
Isto é dito para justificar um con-
a loucura, que torna impossível demar- te, que se completa pelo terceiro per-
selho final: não procuremos na sua
car as fronteiras e, portanto, defini-las sonagem-chave, a moça Flora, que
obra uma coleção de apólogos nem
de modo satisfatório, existe entre o ambos os irmãos amam, está claro,
uma galeria de tipos singulares. Pro-
que aconteceu e o que pensamos que mas que, situada entre eles, não sabe
curemos sobretudo as situações fic-
aconteceu. (...) Uma estudiosa norte- como escolher. É a ela, como a outras
cionais que ele inventou. Tanto aque-
americana, Helen Caldwell, no livro mulheres na obra de Machado de
las onde os destinos e os aconteci-
The Brazilian Othello of Machado de Assis, que cabe encarnar a decisão
mentos se organizam segundo uma
Assis, levantou a hipótese viável, ética, o compromisso do ser no ato
espécie de encantamento gratuito;
porque bem machadiana, de que na que não volta atrás, porque uma vez
quanto as outras, ricas de significado
verdade Capitu não traiu o marido. praticado define e obriga o ser de
em sua aparente simplicidade, mani-
Como o livro é narrado por este, na quem o praticou. Os irmãos agem e
festando, com uma enganadora neu-
primeira pessoa, é preciso convir que optam sem parar, porque são as alter-
tralidade de tom, os conflitos essen-
só conhecemos a sua visão das nativas opostas; mas ela, que deve
ciais do homem consigo mesmo,
coisas, e que para a furiosa “cris- identificar-se com uma ou com outra,
com os outros homens, com as
talização” negativa de um ciumento, é se sentiria reduzida à metade se o
classes e os grupos. A visão resul-
possível até encontrar semelhanças fizesse, e só a posse das duas
tante é poderosa, como esta palestra
inexistentes, ou que são produtos do metades a realizaria; isto é impos-
não seria capaz sequer de sugerir. O
acaso (como a de Capitu com a mãe sível, porque seria suprimir a própria
melhor que posso fazer é aconselhar
de Sancha, mulher de Escobar). Mas o lei do ato, que é a opção. Simbo-
a cada um que esqueça o que eu
fato é que, dentro do universo macha- licamente, Flora morre sem escolher.
disse, compendiando os críticos, e
diano, não importa muito que a
abra diretamente os livros de Macha-
convicção de Bento seja falsa ou q “Um Homem Célebre”
do de Assis.
verdadeira, porque a consequência é Parece evidente que o tema da
exatamente a mesma nos dois casos: opção se completa por uma das
imaginária ou real, ela destrói a sua obsessões fundamentais de Macha- (SOUZA, Antonio Candido de Mello e.
casa e a sua vida. E concluímos que do de Assis, muito bem analisada por Esquema de Machado de Assis.
neste romance, como noutras situa- Lúcia Miguel-Pereira — o tema da In: Vários Escritos. São Paulo:
ções da sua obra, o real pode ser o que perfeição, a aspiração ao ato com- Livraria Duas Cidades, 1970.)
parece real. pleto, à obra total, que encontramos
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há drama moral; os protagonistas são vida e morte de um cortiço, meio pelo “gentalha”, caracterizada como um
vistos “de fora”, e a tragédia em que qual seu dono, o português João conjunto de animais, movidos pelo
as tramas desembocam decorre ape- Romão, pretende enriquecer. Ao lado, instinto e pela fome:
nas do fatalismo das doutrinas deter- há um sobrado, que simboliza um E naquela terra encharcada e fu-
ministas. nível social mais elevado e cujo megante, naquela umidade quente e
Não há o refinamento estilístico de proprietário é também um português, lodosa, começou a minhocar, a fervilhar, a
Machado de Assis, nem a potência o comendador Miranda. Os portugue- crescer um mundo, uma coisa viva, uma
verbal de Raul Pompeia, mas os diá- ses conseguem ascensão econômica geração que parecia brotar espontânea,
logos se salvam pela vivacidade, pela e social rápidas, que obtêm por meio ali mesmo, daquele lameiro e multiplicar-
frase sempre incisiva. Há visível ten- da exploração do brasileiro, repre- se como larvas no esterco.
dência lusitanizante, o que se explica sentado coletivamente pelo povo do (...)
pela origem luso-maranhense do autor. cortiço. É nesse espaço social que as As corridas até a venda reproduziam-
leis ambientais interferem no indiví- se num verminar de formigueiro
q O Mulato (1881) duo e determinam seu comportamen- assanhado.
Obra de crítica ao preconceito to. O cortiço e a negra Bertoleza,
racial e à Igreja. O mulato Raimundo, amásia de João Romão, só lhe inte- A redução das criaturas ao nível
educado na Europa, retorna a São ressam enquanto lhe são úteis. animal (zoomorfismo) é caracterís-
Luís para conhecer suas origens. Quando João Romão se casa com tica do Naturalismo e revela a in-
Apaixona-se por sua prima Ana Rosa, Zulmira, a filha do comendador, e atin-
fluência das teorias da Biologia do
mas a família lhes impede o casa- ge a posição social desejada, nem
século XIX (darwinismo, lamarquis-
mento. Pretendem fugir, mas Bertoleza, que o ajudara a subir na
mo) e do determinismo (raça, meio,
Raimundo é perseguido e morto a vida, nem o cortiço, com o qual
momento):
mando do padre Diogo, que represen- enriquecera, são mais necessários: o
... depois de correr meia légua,
ta a degradação do clero. Ana Rosa cortiço sofre um incêndio e passa por
puxando uma carga superior às suas
acaba se casando com o assassino, remodelação, e Bertoleza, rejeitada e
forças, caiu morto na rua, ao lado da car-
com quem viverá de modo feliz. denunciada à polícia (era uma escrava
roça, estrompado como uma besta.
foragida), suicida-se.
(...)
q Casa de Pensão (1884) Leandra... a ‘Machona’, portuguesa
Narrativa intermediária entre o feroz, berradoura, pulsos cabeludos e
4. Características de O Cortiço
romance de personagem (O Mulato) e grossos, anca de animal do campo.
o romance de espaço ou de cole- (...)
tividade (O Cortiço). Inspirado em um q Romance social Rita Baiana... uma cadela no cio.
caso verídico, a Questão Capistrano, Desistindo de montar um enredo
crime que sensibilizou o Rio de Janei- em função de pessoas, [Aluísio] ateve-
se à sequência de descrições muito q A força do sexo
ro entre 1876 e 1877, expressa uma
visão determinista. Amâncio Vascon- precisas onde cenas coletivas e tipos O sexo é, em O Cortiço, força
celos, personagem central, tem suas psicologicamente primários fazem, no mais degradante que a ambição e a
ações e comportamento determi- conjunto, do cortiço a personagem cobiça. A supervalorização do sexo,
nados pela formação (a educação mais convincente do nosso romance típica do determinismo biológico e do
severa, a superproteção materna, a naturalista. (Alfredo Bosi, História Con- Naturalismo, conduz Aluísio a buscar
sífilis contraída da ama de leite). Ele, cisa da Literatura Brasileira) quase todas as formas de patologia
um jovem e rico maranhense, chega Todas as existências se entrela- sexual: desde o “acanalhamento”
ao Rio de Janeiro para estudar das relações matrimoniais até o adul-
çam e repercutem umas nas outras.
Medicina. Boêmio e extravagante, tério, prostituição, lesbianismo etc.
O cortiço é o núcleo gerador de tudo
hospeda-se na pensão de João
e, feito à imagem de seu proprietário,
Coqueiro, que trama casá-lo com sua q A situação da mulher
cresce, desenvolve-se e se trans-
irmã, Amélia, para apossar-se da As mulheres são reduzidas a três
fortuna de Amâncio. Com a recusa do forma com João Romão. condições: a primeira, de objeto, usa-
rapaz, Coqueiro o denuncia falsamen- das e aviltadas pelo homem: Berto-
te por violência sexual contra a irmã, é q A crítica ao leza e Piedade; a segunda, de objeto
derrotado na justiça e, inconformado, capitalismo selvagem e sujeito, simultaneamente: Rita
mata Amâncio. O tema é a ambição e a explora- Baiana; a terceira, de sujeito — são
ção do homem pelo próprio homem. as que independem do homem,
q O Cortiço (1890) De um lado, João Romão, que aspira prostituindo-se: Léonie e Pombinha.
Ambientado no Rio de Janeiro, à riqueza, e Miranda, já rico, que
este romance narra o nascimento, aspira à nobreza. Do outro, a
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define a arte como o processo sub- de decifrar o sistema de ideias que se sons, lentos, pungidos, angústia deliciosa de
jetivo da “evolução secular do ins- poderia depreender. extremo gozo em que pode ficar a vida porque
fora uma conclusão triunfal. Notas graves,
tinto da espécie”. 1.a) Fala sobre a cultura brasi- uma, uma; pausas de silêncio e treva em que
Seria possível rastrear, em O leira, em que os desejos republica- o instrumento sucumbe e logo um dia claro de
Ateneu, aproximações também com nos de Pompeia se mostram, renascença, que ilumina o mundo como o
o Parnasianismo, com o Simbolismo investigando o “pântano das almas” momento fantástico do relâmpago, que a
e, até, antecipações modernistas. da vida emocional, sob a “tirania escuridão novamente abate...
Há reminiscências sonoras que ficam per-
C) O comportamento sexual é o mole de um tirano de sebo”. pétuas, como um eco do passado. Recorda-me,
traço mais valorizado na personali- 2.a) Fala sobre a arte, entendida às vezes, o piano, ressurge-me aquela data.
dade dos adolescentes do internato, pré-freudianamente como “educa- Do fundo repouso caído de convalescente,
divididos em “machos” e “fêmeas”, ção do instinto sexual”, e anteci- serenidade extenuada em que nos deixa a
em dominadores e dominados. Ob- pando também Nietzsche como febre, infantilizados no enfraquecimento como
a recomeçar a vida, inermes contra a sensação
serve o que diz o narrador em relação “expressão dionisíaca”: por um requinte mórbido da sensibilidade —
ao seu colega Bento Alves: Cruel, obscena, egoísta, imoral, in- eu aspirava a música como a embriaguez
Estimei-o femininamente, porque dômita, eternamente selvagem, a dulcíssima de um perfume funesto; a música
era grande, forte, bravo; porque me arte é a superioridade humana acima envolvia-me num contágio de vibração, como
podia valer, porque me respeitava, dos preceitos que se combatem, aci- se houvesse nervos no ar. As notas distantes
cresciam-me n’alma em ressonância enorme
quase tímido, como se não tivesse âni- ma da ciência que se corrige: de cisterna; eu sofria, como das palpitações
mo de ser amigo. Para me fitar espera- “embriaguez como a orgia e como o fortes do coração quando o sentimento
va que eu tirasse dele os meus olhos. êxtase”. exacerba-se — a sensualidade dissolvente dos
D) Raul Pompeia projeta no 3.a) Fala sobre as relações entre a sons.
internato toda a problemática do mundo escola e a sociedade: Lasso, sobre os lençóis, em conforto ideal
de túmulo, que a vontade morrera, eu deixava
adulto. O Ateneu é uma redução, em martirizar-me o encanto. A imaginação de asas
(...) Não é o internato que faz a sociedade;
escala, da visão que o autor tinha da o internato a reflete. A corrupção que ali viceja crescidas fugia solta.
sociedade como um todo. O móvel das vai de fora. (...) (...)
ações de Aristarco era o dinheiro, e os (...) (Raul Pompeia, O Ateneu, cap. XII)
alunos eram tratados pelo diretor A educação não faz as almas; exercita-as.
(Raul Pompeia,
conforme o segmento social a que Vocabulário e Notas
O Ateneu, cap. XI)
pertenciam seus pais. 1 – Gottschalk: Louis Moreau Gottschalk (1829-
Raul Pompeia não deixa ao arbí- Música estranha, na hora cálida. Devia ser 1869), pianista e compositor nascido em Nova
trio dos futuros intérpretes o trabalho Gottschalk1. Aquele esforço agonizante dos Orleans (EUA) e falecido no Rio de Janeiro.
MÓDULO 34 Parnasianismo
ficação no mais alto grau possível” conferências literárias e um tratado quer do ímpeto romântico, quer do
(Ezra Pound). Por isso os de versificação. convencionalismo parnasiano, valori-
modernistas, entendendo que, na Estreou em 1888 com Poesias, zando o aspecto reflexivo e filosófico
grande poesia, cada palavra deve livro saudado com entusiasmo por e as cenas da natureza, vazado em
vibrar como um novo significado, Alberto de Oliveira e Raimundo Cor- linguagem simples e acessível, já dis-
atacaram duramente o reia, que formariam, com Bilac, a tante do artificialis mo dos livros
parnasianismo, no que ele tinha de “Trindade Parnasiana”. anteriores.
ornamental e estereotipado; As Poesias, além de uma introdu- Em Tarde, Bilac procura, nos poe-
• diz-se que um artista pratica o ção em verso, chamada “Profissão mas descritivos, captar a tonalidade
Kitsch quando ele mistura formas e de Fé” — espécie de manifesto do momento fugaz, valorizando a su-
truques para impressionar o aprecia- parnasiano —, continham três partes gestão e a notação impressionista:
dor, sugerindo, por meio de efeitos distintas:
previamente estudados, conotações • Panóplias: poemas descritivos, CANTILENA
prestigiosas, ostentando falsa riqueza obedecendo rigorosamente aos câno-
nes parnasianos, aproveitando suges- Quando as estrelas surgem na tarde, surge
ou cultura. [a esperança...
O Kitsch está na base da cha- tões da antiguidade greco-romana, com
referências que tendem à super- Toda alma triste no seu desgosto sonha um
mada indústria cultural, por meio da [Messias:
ficialidade e ao puramente ornamental.
reprodução em série de obras de arte Quem sabe? o acaso, na sorte esquiva,
• Via-Láctea: trinta e cinco so-
e objetos “raros” para deleite da clas- [traz a mudança
netos, tematizando o lirismo amoroso
se média neurotizada pelo status —
platônico, com o aproveitamento de E enche de mundos as existências que
(móveis Luís XV; porcelana inglesa do sugestões românticas e clássicas. [eram vazias!
século XVIII; escultura oriental da Obra de inegável êxito junto ao leitor,
Dinastia Ming; quadros de grandes resvala o Kitsch, reeditando, em tom Quando as estrelas brilham mais vivas,
mestres e pequenos pintores, Rem- menor, a lírica de Camões e Bocage. [brilha a esperança...
brandt e Di Cavalcanti, lado a lado; O título Via-Láctea alude a uma Os olhos fulgem; loucas, ensaiam as asas
peças do artesanato marajoara, constante na poesia de Bilac: as frias:
nordestino etc., tudo adquirido no estrelas (“Ora (direis) ouvir estrelas! Tantos amores há pela terra, que a mão
supermercado da esquina). Certo / Perdeste o senso!”). [alcança!
O Parnasianismo tem muito dis- • Sarças de Fogo: poemas eróti- E há tantos astros, com outras vidas, para
so: provocar efeitos, valorizando o cos, centrados na beleza física da mu- [outros dias!
que é logro e ostentação, sob a lher e no amor carnal, reduzido a um
máscara da beleza e do prestígio. jogo bem-arranjado de palavras, Mas, de asas fracas, baixando os olhos, o
Nenhum dos nossos parnasianos foi buscando mais o efeito que a genuína [sonho cansa;
helenista, mas quase todos recor- sensualidade. É um erotismo decla- No céu e na alma, cerram-se as brumas,
reram a evoluções estereotipadas da matório, que descamba, muitas ve- [gelam as luzes:
Antiga Grécia (galerias, mármores, zes, para algo próximo à pornografia. Quando as estrelas tremem de frio, treme a
vasos, pártenons), transformadas em É o caso de “Tentação de Xenócra- [esperança...
verdadeiros fetiches. tes”, “Satânia”, “O Julgamento de
Frineia”, “Alvorada do Amor” e Tempo, o delírio da mocidade não
4. Autores outras. [reproduzes!
q Olavo Bilac (1865-1918) Em 1902, as Poesias foram Dorme o passado: quantas saudades e
Olavo Brás Martins dos Guimarães acrescidas de três outros livros: Alma
[quantas cruzes!
Bilac, já no próprio nome um alexan- Inquieta e Viagens, marcados por um Quando as estrelas morrem na aurora,
drino perfeito, cursou Medicina e veemente temperamento romântico,
[morre a esperança...
Direito, sem concluir nenhum dos cur- controlado pela disciplina formal
(Olavo Bilac)
sos. Viveu como jornalista, funcioná- aprendida com os parnasianos fran-
rio público, boêmio e poeta de largo ceses (Gautier, Leconte de Lisle e q Alberto de Oliveira
prestígio no seu tempo. Foi eleito em Heredia), além do poema épico- (1859-1937)
1913, pela revista Fon-Fon, o Prín- patriótico “O Caçador de Esmeral- Foi o mais ortodoxo dos nossos
cipe dos Poetas Brasileiros. das”, escrito em sextilhas e alexan- parnasianos e o que seguiu com
Ativista nas campanhas abolicio- drinos, evocando a figura de Fernão maior rigor as propostas da escola:
nista, republicana, civilista, pelo ser- Dias Pais, apoiado na tradição objetivismo, impassibilidade, preo-
viço militar obrigatório, pela vacina ufanista e motivado pelo civismo, cupação esteticista, rigor formal e
obrigatória, pela reurbanização do Rio que Bilac praticou na frequente tecnicismo. Coerente com as pro-
de Janeiro, pela entrada do Brasil na exaltação da pátria, de seus símbolos postas parnasianas, afastou-se do
Primeira Grande Guerra; autor da letra e heróis. sentimentalismo e da pieguice, reali-
do Hino à Bandeira, Bilac deixou, • Em 1919, aparece o livro pós- zando uma poesia descritiva, plástica,
além da obra poética que veremos, tumo Tarde, em que o poeta se em- visual, apoiada nos modelos clássicos
crônicas, novelas, poesias infantis, penha em um maior comedimento, renascentistas e arcádicos.
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vidade romântica e parnasiana, sua tões mundanas (os poetas das mais relacionado com as experiências
poesia espanta pela intensidade e “torres de marfim”, os “nefeli- de outras partes do mundo,
pelas inovações. Apoiado nas corres- batas”). notadamente de Paris, do que com a
pondências sinestésicas (sons / cores j) Antecipações da moderni- realidade portuguesa. A influência
/ imagens / sentimento), propõe uma dade: francesa foi fundamental para a
instrumentação verbal, uma poesia – ruptura com o descritivo e divulgação das novas experiências
nem descritiva nem narrativa, mas linear; rítmicas e estilísticas, por meio de
sugestiva; “nomear um objeto é – monólogo interior, captação do duas revistas editadas em Coimbra,
suprimir três quartos do prazer do fluxo de consciência; em 1889, Insubmissos e Boêmia
poema, que é feito da felicidade de – desarticulação sintática e se- Nova, e da obra que serve de marco
adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, mântica; inaugural da nova estética —
eis o sonho, (...) pois deve haver – sondagem infinitesimal da Oaristos, de Eugênio de Castro, de
sempre enigma em poesia, e é o memória. 1890.
objetivo da literatura — e não há outro
— evocar os objetos”. 2. Simbolismo português q Antônio Nobre (1867-1900)
f) Espiritualismo, misticismo, Autor de Primeiros Versos, Des-
subjetivismo intenso, ocultismo. q O contexto histórico pedidas e Só, representa a vertente
Ânsia de superação, de fuga do Não são nítidas as relações entre simbolista de raízes neorromânticas.
terreno, comunhão com os Astros, o a arte simbolista e a vida política e Esse retorno ao Romantismo
Espírito, o Alto, a Alma, o Infinito, a social portuguesa, e as ligações que evidencia-se não só na recuperação
Essência, o Desconhecido. Fixação se estabelecem nesse nível não da tradição literária, na influência de
pela Idade Média e por vocabulário esclarecem absolutamente os proble- Garrett, como no tom acentuada-
litúrgico de ambiência eclesiástica mas da poesia simbolista. mente subjetivista, marcado pela
(antífona, missal, ladainha, hinos, A Proclamação da República saudade e pela tristeza.
breviário, turíbulos, aras, incenso). parece ter definido certas tendências Suas poesias comunicam ao lei-
g) As maiúsculas alegorizantes. pré-simbolistas, numa atmosfera tor intensa depressão e profundo
Os simbolistas empregavam, sis- neorromântica, que correspon- pessimismo. O temperamento de
tematicamente, substantivos comuns deriam a duas posições ideológicas: a artista tuberculoso, descrente de
escritos com inicial maiúscula, no monárquica e a republicana. À tudo e de todos, desalentado, dava às
interior do verso, para realçá-los primeira, monárquica, corresponderia suas poesias um estranho sabor de
semanticamente, aumentando a sua o neogarrettismo (ou nacionalismo, amargura e infelicidade. O “sosis-
expressividade: integralismo), representado por mo” (expressão que deriva do título
Alberto de Oliveira e Afonso Lopes do livro Só) criou uma legião de imi-
Indefiníveis músicas supremas, Vieira. À segunda, republicana, estaria tadores idólatras e tem ressonância,
Harmonia da Cor e do Perfume... ligado o saudosismo de Teixeira de no Brasil, na poesia de Manuel Ban-
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, Pascoaes, representando o misticis- deira e Ribeiro Couto, entre outros.
Réquiem do sol que a Dor da luz resume mo panteísta que já impregnara a Antônio Nobre afastou-se do pre-
(Cruz e Sousa) Geração de 1970 (Guerra Junqueiro, ciosismo vocabular de seus contem-
entre outros). Essa vertente saudo- porâneos, utilizando o registro colo-
sista serviu de aproximação entre o quial da linguagem, inspirado na
h) É frequente o uso de reticên- neorromantismo, o simbolismo e o dicção popular, no decadentismo
cias, sugerindo a vaguidão, o indefi- modernismo da revista Orpheu, o francês (Jules Laforgue) e na lírica
nível, o inefável, bem como do co- orfismo. romântica de Garrett.
nectivo bíblico e no início do verso. A afirmação mais radical do este- A caracterização de ambientes
i) Pontos de contato com o ticismo simbolista repelia, contudo, provincianos, as recordações da in-
Parnasianismo: as correntes saudosista, naciona- fância, a atmosfera crepuscular, a
– preocupação formal, culto da lista ou regionalista, encaminhando- nostalgia, o pessimismo, a evasão do
rima, preferência pelo soneto se para a arte “pura”, sem qualquer presente e a projeção na sua infância
(não sistematicamente); compromisso, a não ser com sua dos mitos pátrios são ainda aspectos
– distanciamento da vida, des- própria elaboração. Essa é a situação dessa aproximação de Antônio Nobre
compromisso com as ques- de Eugênio de Castro, poeta muito ao Romantismo.
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Obra
TEXTO I
Clepsidra – 1920 É no monte escabroso2, solitário.
China – Coleção de artigos sobre Corta os pés como a rocha dum calvário
a cultura chinesa, reunidos em 1944. INSCRIÇÃO E queima como a areia!... Foi no entanto
Foi o poeta mais autentica-
mente simbolista de Portugal, e Eu vi a luz em um país perdido. Que choramos a dor de cada um...
um grande inovador da poética de seu A minha alma é lânguida1 e inerme2. E o vinho em que choraste era comum:
país, cuja influência se estende até os Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído! Tivemos que beber do mesmo pranto.
modernistas, como Fernando Pessoa. No chão sumir-se, como faz um verme...
Afastou-se do discursivismo
neorromântico dos poetas do seu Vocabulário e Notas Vocabulário e Notas
tempo (Antônio Nobre, Augusto Gil, 1 – Lânguido: abatido, sem forças. 1 – Desgrenhado: desordenado.
Afonso Lopes Vieira) e inovou a escri- 2 – Inerme: indefeso. 2 – Escabroso: escarpado.
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morte, de sua contingência material abolicionistas (“25 de Março”, Filho meu, de nome escrito
perecível, para que a Alma possa atin- “Escravocratas”, “Dilema”, “Auréola da minh’alma no Infinito.
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encantado da fantasia, onde, e só isso, inovou ele os metros (...) É fato que há na poesia de Al-
onde, conseguiu realizar-se, ou como consagrados, alterando e deslocando phonsus de Guimaraens um aspecto
um “cavaleiro” da mística e amatória acentos, conferindo-lhes o tom musi- lúdico, de travesti intelectualístico (o
cavalaria medieval, ou como um cal que, juntamente com o voca- medievalista, o petrarquista, o ena-
“trovador” vagabundo, de cantigas de bulário tão peculiar, criam a nota que é morado da menina morta e, talvez, o
amor, ou, num extremo de desmateri- dele e só dele na poesia brasileira. poeta simbolista: um Alphonsus lu-
alização, como espírito puro a passear E Luciana S. Picchio (La tuoso que sorri de si mesmo nos ver-
e a viver num éden de supremas Letteratura Brasiliana): sos franceses, autodenominando-se,
belezas, de suprema felicidade (A Poesia de amor e poesia místico- com transparente calembour,
Escada de Jacó, Pulvis). religiosa da qual participa, como “Vicomte de Grandeuil”), que não foi
evocação, uma paisagem de meias- ainda suficientemente estudado.
Fernando Góes fez a seguinte tintas, enfumaçada de luz crepuscular Tendentes a construir um cliché
caracterização da poesia de Alphon- (não por acaso o Penumbrismo existencial, esquecemos por vezes
sus de Guimaraens (Pequeno Di- brasileiro terá raízes também na poe- que, como queria Fernando Pessoa
cionário de Literatura Brasileira): sia de Alphonsus) ou banhado de luar. “o poeta é um fingidor”, e despre-
A poesia de A. de G. é uma poe- A mulher amada aparece sobre o leito zamos certos aspectos de Alphonsus
sia de tons velados, poesia de música de morte com a marmórea rigidez, a que aparentemente contrastam com
de câmara, que o ambiente em que inexorável juventude de uma estátua
a sua máscara oficial: o republicano, o
viveu marcou profundamente, com as sepulcral:
poeta juvenil não ainda “castigado”:
procissões, as igrejas, a vida devota,
os sinos tocando de manhã à noite. Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
de tons marfíneos, de ossatura rica, Ó minha amante, eu quero a volúpia
Poesia elegíaca, em que a lembrança
pairando no ar, num gesto brando e leve, [vermelha
da noiva que ele perdeu na mocidade dos teus beijos febris receber sobre a
que parece ordenar, mas que suplica ...
está presente dando um tom de [boca...
amargurada tristeza. O vocabulário ou:
utilizado casa-se bem a essa
Hirta e branca... Repousa a sua áurea cabeça o autor de versos satânicos que são o
sensibilidade e são frequentes as
Numa almofada de cetim bordada em lírios. reverso da medalha angélica e funé-
referências a flores roxas, a violetas, a Ei-la morta afinal como quem adormeça rea, e também o Alphonsus que se
virgens mortas, a fins de tarde. Tinha Aqui para sofrer Além novos martírios.
compraz em escrever — sem todavia
também o gosto de criar vocábulos,
assiná-los — versos facetos em jor-
tão em voga entre os simbolistas, ao De mãos postas, num sonho ausente, a
naizinhos das cidades mortas que o
mesmo tempo que a influência de [sombra espessa
hospedaram: Mariana, Conceição do
língua arcaica, o que o fez arcaizar o Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Serro.
próprio nome. A redondilha foi um dos
metros que preferiu, e o soneto Condessa Da Idade Média, morta em
[sagrados delírios,
decassílabo o que mais utilizou, Acrescente-se à lista de L. S.
dando-lhe, entretanto, uma caracte- Picchio mais um aspecto da obra de
ou, com insistência sobre o tema da
rística própria, um módulo todo pes- Alphonsus de Guimaraens que a crí-
castelã morta:
soal. Verlaine e Mallarmé foram seus tica tem descurado: a reflexão meta-
mestres, do primeiro traduzindo A suave castelã das horas mortas linguística, a poesia que tematiza o
belamente alguns poemas, ao segun- Assoma à torre do castelo. As portas,
próprio fazer poético, utilizando-se de
Que o rubro ocaso em onda ensanguentara,
do dedicando um dos seus sonetos um símbolo que remete à ave célebre
Brilham do luar à Luz celeste e clara,
em francês, em que confessa o que de Edgar Allan Poe: trata-se de um
lhe deve. Poesia pouco descritiva, que ou ainda: poema estranho e único na obra do
consegue muito mais sugerir do que Solitário de Mariana, “A Cabeça de
Quando as folhas caírem e tu fores
dizer, a música tem, nela, grande Procurar minha luz no campo-santo, Corvo” (poema que se encontra
importância: os versos de A. de G. são Hás de encontrá-la, meu amor, num canto, transcrito no capítulo sobre o
finamente melodiosos. Para alcançar Circundada de flores. Simbolismo, no livro 4).
84 –
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1. INTRODUÇÃO ❑ Oxítonos
As palavras, quando são pronunciadas, apresentam Palavras cuja sílaba tônica é a última:
uma sílaba emitida com maior intensidade sonora e
sílaba(s) emitida(s) com menor intensidade sonora. As
que apresentam maior intensidade na pronúncia – acarajé; Salomé; marajá; dendê; urutu; juruti
chamam-se tônicas e as que têm menor intensidade
chamam-se átonas.
• Sílaba átona é a que se emite com menor intensi- Palavras cuja sílaba tônica é a penúltima:
dade.
Exemplificando
– janela; telefone; parede; porta; agenda; repórter
átonas: pa - le
– paletó
tônica: tó
❑ Proparoxítonos
átonas: pa - to
– palito Palavras cuja sílaba tônica é a antepenúltima:
tônica: li
átonas: li - do
– pálido – paralelepípedo; eólico; exército; bávaro
tônica: pá
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❑ Oxítonos
– ditongos seguidos ou não de s
Acentuam-se apenas os terminados por a(s), e(s),
o(s), em, ens. Também seguem essa regra as formas
verbais oxítonas no infinitivo, quando seguidas dos Exemplificando
pronomes átonos: lo(s), la(s).
– glória, histórias
Exemplificando – tênue, vácuos
– remédio, próprios
– série, cáries
– guaraná, guaranás – armazém, armazéns
– jérsei, úteis
– você, vocês – criticá-lo
– até, através – vendê-lo
– avô, avôs – compô-lo
Nota
Não se usa o acento circunflexo nas palavras termi-
❑ Paroxítonos
nadas em oo(s) .
Acentuam-se apenas os terminados por:
– R , X , N , L , PS Exemplificando
Exemplificando
Nota
– órfã, órfãs – elétrons, prótons Não se usa o acento nos ditongos abertos tônicos
– bênção, bênçãos – álbum, álbuns ei e oi de palavras paroxítonas.
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Exemplificando 7. TREMA
O trema (¨) é usado somente nas palavras estran-
geiras e em suas derivadas.
– ideia, colmeia.
– heroico
Exemplificando
5. São acentuados i e u tônicos, seguidos ou
não de s , quando eles formarem hiato com a – Müller, mülleriano
vogal anterior. – Hübner, hübneriano
Exemplificando Nota
Não receberá acento agudo ( ) o u dos grupos
– saída, faísca – baú, balaústre gua , gue , gui , guo , que , qui , seguidos ou
– baiuca, feiura.
≠
{ frase)
que (pronome, advérbio, conjunção ou partícula
expletiva)
– 87
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Observações Complementares
– cana-de-açúcar
1. Observe que os verbos crer , dar , ler , – pé-de-meia
ver e seus derivados dobram o e na terceira – água-viva
{ ele tem
eles têm { ele mantém
eles mantêm
6. As abreviaturas devem ser acentuadas quando o
acento gráfico ocorrer antes do ponto abreviativo.
Exemplificando
– técnicas → téc.
– páginas → pág.
Cláudia, Luísa, Júnior, Antônio, César, Estêvão,
Anhangabaú, Paraná etc. – século → séc.
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conotação ou linguagem conotativa: a palavra assume decodificar: decifrar, traduzir, esclarecer, interpretar.
sentido figurado, adquirindo significados diferentes daqueles sintetizando: resumindo.
encontrados no dicionário.
– 89
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A palavra ortografia é formada por dois radicais 3. Os verbos dizer , fazer e trazer , por apresen-
gregos: orto (= correto) e grafia (= escrita).
tarem Z no seu infinitivo, são grafados com Z
Embora não possamos sistematizar o estudo de durante a sua conjugação.
ortografia como foi feito na acentuação gráfica, podemos
estabelecer algumas regras práticas para facilitar a Exemplos
escrita de certas palavras.
– ele diz, eu dizia
1. O SUFIXO IZAR
– eu fiz, ele fez
Esse sufixo grafa-se com Z quando auxilia a – ele traz, ele trazia
formar verbos, a partir de substantivos e adjetivos.
– canal + izar = canalizar Esses sufixos são grafados com S quando eles
– capital + izar = capitalizar denotam origem, nacionalidade, títulos de nobreza.
– suave + izar = suavizar Exemplos
– atual + izar = atualizar
– burguês, burguesa
– inglês, inglesa
Porém, alguns verbos são formados pelo sufixo AR ,
– marquês, marquesa
o qual é somado a uma palavra que já apresenta S .
Exemplos
5. O SUFIXO ISA
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– enxada
Exemplos
– enxoval
– eu pus, quando eu puser, se eu pusesse
– enxugar
– eu quis, quando eu quiser, se eu quisesse
– eu usei, quando eu usar, se eu usasse – enxurrada
– enxuto
Exemplos
– atrair na segunda e terceira pessoa do
presente do indicativo: tu atrais, ele atrai – encharcar (charco)
– encher (cheio)
– possuir na segunda e terceira pessoa do – enchente (cheio)
presente do indicativo: tu possuis, ele possui – enchouriçar (chouriço)
Exemplos
Porém, os verbos terminados por UAR são grafa-
E . – exalar
dos, no presente do subjuntivo, com
– executar
Exemplos – exequível
– exótico
– continuar: que eu continue, que tu – inexorável
continues... – exorbitar
– baixo – amplexo
– frouxo – clímax
– fixo
– peixe
– nexo
– queixa – paradoxo
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POR QUÊ
– aragem
– barragem
1. Final de frase ou seguido de pontuação.
– fuligem
– vertigem
Exemplos:
– ferrugem
– rabugem
— Você ainda tem coragem de perguntar por quê?
— Não sei por quê!
Eles condenam, gostaria de saber por quê, o compor-
13. O G também é usado nas palavras terminadas tamento dela.
em ágio , égio , ígio , ógio , úgio .
PORQUE
Exemplos
1. Conjunção indicando explicação ou causa, equiva-
lendo a pois, já que, uma vez que, como.
– presságio
– colégio
Exemplos:
– prestígio
– necrológio
Volte durante o dia, porque a estrada é muito ruim.
– refúgio
A situação agravou-se porque ninguém reclamou.
Porque ele sempre se atrasa, ninguém mais o espera.
2. Conjunção indicando finalidade, equivalendo a para
que, a fim de.
Emprego do Porquê
Exemplo:
2. Preposição (por) e pronome relativo (que); equiva- – Indica ideia de movimento ou aproximação, é usado
lendo a pelo qual. com verbos de movimento.
92 –
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Exemplos: Exemplos:
1. Conjunção integrante: Perguntou se não iria à festa. 5. Substantivo: pode ser substituído por falha, defeito,
2. Conjunção condicional: Falarei se não chegarem mácula, obstáculo.
agora. (caso)
3. Pronome apassivador: Há coisas que se não dizem. Exemplos:
4. Índice de indeterminação do sujeito: Lugares onde
não se vive.
Só tinha um senão: falava demais.
Não há beleza sem algum senão.
SENÃO
– 93
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Observações: Exemplos:
Exemplos:
Exemplos:
Daqui a três anos, ele estará se formando. Mal cheguei, vi que ela estava triste.
De hoje a três dias, esgota-se o prazo para o pagamento. Mal começou a chover, ele saiu.
O atirador estava a cinco metros de distância.
A cidade mais próxima fica a cem quilômetros. 3. Substantivo, sendo acompanhado de palavra deter-
minante (artigo ou pronome).
MAU
Exemplos:
– É adjetivo e significa “ruim, de má índole, de má
qualidade”. Opõe-se a bom e apresenta a forma Isto é um mal necessário.
feminina má. O mal é que ninguém tomou nenhuma atitude.
94 –
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1. LÍNGUA E LINGUAGEM trutura da língua, que só as incorpora nifesta na conversação diária, na sen-
muito lentamente, depois de aceitas sibilidade e na liberdade de expressão
Língua é um sistema de códigos por todo o grupo social. Muitas novi- do falante. Nessas situações
usado para facilitar o entendimento dades criadas na linguagem não vin- informais, muitas regras determina-
entre os elementos de um grupo so- gam na língua e caem em desuso. das pela língua padrão são quebradas
cial. Por isso, a língua é uniforme e em nome da naturalidade, da
visa a padronizar a linguagem. 2. LÍNGUA ESCRITA liberdade de expressão e da sensibili-
A linguagem, porém, é individual E LÍNGUA FALADA dade estilística do falante.
e flexível e pode variar dependendo Sob o impacto do cinema, do rá-
da idade, cultura, posição social, A língua escrita não é a simples dio, da televisão, das histórias em
profissão etc. A maneira de articular reprodução gráfica da língua falada, quadrinhos e do computador, a língua
as palavras, organizá-las na frase, no porque os sinais gráficos não conse- escrita tende a ser direta, sintética,
texto, determina nossa linguagem, guem registrar grande parte dos ele- despojada, eficaz. A língua falada, por
nosso estilo (forma de expressão pes- mentos da fala, como o timbre da sua vez, ganha um espaço
soal). voz, a entonação, e ainda os gestos e privilegiado nesta época em que pre-
As inovações linguísticas, criadas a expressão facial. Na realidade a lín- dominam os meios de comunicação
pelo falante, provocam, com o de- gua falada é mais descontraída, es- audiovisual.
correr do tempo, mudanças na es- pontânea e informal, porque se ma-
– 95
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Pues, diz que o divã no consultório do analista de Aos dezoito anos pai Norato deu uma facada
Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os num rapaz, num adjutório, e abriu o pé no mundo.
pacientes de bombacha e pé no chão. Nunca mais ninguém botou os olhos em riba dele,
— Buenas. Vá entrando e se abanque, índio afora o afilhado.
velho. — Padrinho, evim cá chamá o sinhô pra mode i
— O senhor quer que eu deite logo no divã? morá mais eu.
— Bom, se o amigo quiser dançar uma marcha, — Quá, fio, esse caco de gente num sai daqui
antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente mais não.
estendido e charlando que nem china da fronteira, — Bamo. Buli gente num bole, mais bicho... O
pra não perder tempo nem dinheiro. sinhô anda perrengado...
PAPOS
– 97
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MÓDULO 15 Verbos I
Exemplo
nós
plural
{ vós
eles / elas / vocês
Naquela época, eu ia à missa todo domingo – aqui,
o imperfeito denota um hábito, uma ação que se repetia
no passado.
98 –
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Exemplos
Se eu aprendesse os verbos...
Espero que você aprenda os verbos!
q Imperativo
É o modo da ordem, da súplica, do pedido etc.
Exemplo
—Aprenda os verbos.
5. Formas nominais
São três:
– gerúndio
– particípio
impessoal
– infinitivo
{
pessoal
{
1. Presente do
Quanto ao transitivo indireto Subjuntivo
complemento de ligação I – Presente 2. Imperativo
intransitivo do Afirmativo
transitivo direto e indireto Indicativo 3. Imperativo
1ª – vogal temática em A Negativo
Três 2ª – vogal temática em E
3ª – vogal temática em I
{
1. Pretérito Mais-
regular
que-Perfeito
Quanto à irregular
do Indicativo
conjugação anômalo II – Pretérito 2. Pretérito
Classificação defectivo Perfeito do Imperfeito do
abundante Indicativo Subjuntivo
auxiliar
3. Futuro do
impessoal
Subjuntivo
pessoal
Formação primitivo e derivado
do verbo simples e composto
{
1. Infinitivo Pessoal
2. Particípio
indicativo 3. Gerúndio
modos subjuntivo
VERBO
4. Pretérito
imperativo Imperfeito do
formas gerúndio III – Infinitivo Indicativo
infinitivo pessoal Impessoal 5. Futuro do
nominais impessoal
particípio Presente do
Indicativo
presente 6. Futuro do Preté-
imperfeito simples
composto rito do Indicativo
100 –
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Exemplificando:
–o +e
–o +a
–o +a
7) HAVER
Pres. do Subjuntivo → (que eu) pula, pulas,
pula, pulamos, pulais, pulam.
Pres. do Indicativo → hei, hás, há, havemos,
haveis, hão. 13) PÔR
Pres. do Indicativo → ponho, pões, põe,
Pres. do Subjuntivo → (que eu) haja, hajas, pomos, pondes, põem.
haja, hajamos, hajais, hajam.
14) PROVER
É conjugado como o verbo VER.
8) IR
Pres. do Indicativo → provejo, provês, provê,
Pres. do Indicativo → vou, vais, vai, vamos,
provemos, proveis, proveêm.
ides, vão.
15) REAVER
Pres. do Subjuntivo → (que eu) vá, vás, vá, É um verbo defectivo, derivado do verbo HAVER e
só é conjugado quando o verbo haver apresenta a letra V.
vamos, vades, vão.
Pres. do Indicativo → nós reavemos, vós
9) MAQUIAR reaveis.
Pres. do Indicativo → maquio, maquias, Pres. do Subjuntivo → não existe.
maquia, maquiamos, maquiais, maquiam.
16) REQUERER
Pres. do Subjuntivo → (que eu) maquie, Pres. do Indicativo → requeiro, requeres,
maquies, maquie, maquiemos, maquieis, maquiem. requer, requeremos, requereis, requerem.
102 –
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MÓDULO 16 Verbos II
eu vejo veja
nós vemos VEJAMOS (nós) ←⎯⎯⎯ VEJAMOS ⎯⎯⎯→ Não vejamos (nós)
vós VEDES – s final ⎯⎯⎯→ VEDE (vós) vejais ⎯⎯⎯→ Não vejais (vós)
eles vêem VEJAM (vocês) ←⎯⎯⎯ VEJAM ⎯⎯⎯→ Não vejam (vocês)
Exemplificando:
amar eu vender eu partir eu
vend ___
er |
+ ido = vendido
amares tu venderes tu partires tu
amar ele vender ele partir ele
amarmos nós vendermos nós partirmos nós
|
part ___
ir
+ ido = partido
amardes vós venderdes vós partides vós
amarem eles venderem eles partirem eles
Notas:
a) O particípio regular dos verbos se caracteriza por
(2) Gerúndio terminar por ADO ou IDO. Porém, alguns verbos têm o
seu particípio irregular.
|
ama ___
r
+ ndo = amando
Exemplificando:
– fazer → feito
vende ___
r | – dizer → dito
+ ndo = vendendo – escrever → escrito
– ver → visto
|
parti ___
r
– vir → vindo
+ ndo = partindo
– pôr → posto
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b) Às vezes, um verbo apresenta duplo particípio: uma forma regular e outra irregular.
Exemplificando:
EMPREGO DO PARTICÍPIO
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2. Futuro do Subjuntivo
3) HAVER
|
eles der ____
am = der Pret. Perfeito do Indicativo → eu houve, tu
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quando tu puseres, ... quando eles puserem Pret. Perfeito do Indicativo → eu quis, tu
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soubera, tu souberas, ... eles souberam quando tu vieres, ... quando eles vierem
quando tu souberes, ... quando eles souberem viesses, ... se eles viessem
Também merecem atenção no Pretérito Perfeito e
Imperfeito do Subjuntivo → se eu soubesse,
seus derivados:
se tu soubesses, ... se eles soubessem
16) DIZER
13) TER (e seus derivados: deter, manter, reter, Pret. Perfeito do Indicativo → eu disse, tu
entreter etc.) disseste, ele disse, nós dissemos, vós dissestes, eles
Pret. Perfeito do Indicativo → eu tive, tu disseram
tiveste, ... eles tiveram Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu dissera, tu disseras, ...eles disseram
tivera, tu tiveras, ... eles tiveram Futuro do Subjuntivo → quando eu disser,
Futuro do Subjuntivo → quando eu tiver, quando tu disseres, ... quando eles disserem
15) VIR (e seus derivados: intervir, provir, advir, Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
desavir-se etc.) trouxera, tu trouxeras, ... eles trouxeram
Pret. Perfeito do Indicativo → eu vim, tu vieste, Futuro do Subjuntivo → quando eu trouxer,
... eles vieram quando tu trouxeres, ... quando eles trouxerem
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu Imperfeito do Subjuntivo → se eu trouxesse,
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amar ás
vend ___
er |
+ ia = vendia
amar á
amar emos |
part ___
ir
+ ia = partia
amar eis
Fazem exceção os verbos:
amar ão
– SER → eu era
– ESTAR → eu estava
(2) Futuro do Pretérito do Indicativo
– TER → eu tinha
– PÔR → eu punha
amar ias
108 –