Rudolf Steiner - Eterização Do Sangue
Rudolf Steiner - Eterização Do Sangue
Rudolf Steiner - Eterização Do Sangue
A Eterização do Sangue
A intervenção do Cristo esotérico na evolução terrestre
Tradução:
Rudolf Lanz
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O autoconhecimento do homem foi uma exigência imposta à nossa alma no decorrer
de todos os tempos em que houve uma busca de conhecimento, seja por caminhos
místicos, realistas ou outros; todavia —como tivemos de frisar repetidamente em outras
ocasiões —, esse autoconhecimento da alma humana não é, de maneira alguma, algo tão
fácil como muitas pessoas, mesmo entre os antroposófos, ainda imaginam. Ora, as
dificuldades do autoconhecimento humano constituem algo que o antropósofo deveria
colocar repetidamente diante da alma, já que de outro lado é o mais necessário quando
realmente queremos chegar a uma meta humanamente digna do mundo, a uma existência
e a uma atuação realmente dignas do homem.
Ocupemo-nos hoje com a seguinte pergunta: por que o autoconhecimento deve ser
difícil para o ser humano? O homem é um ser bastante complicado, e ao falarmos de sua
vida interior, anímica, de maneira alguma pretendemos representá-la como algo simples
ou elementar; queremos, ao contrário, ter a paciência e a perseverança para penetrar
cada vez mais profundamente nessa estrutura maravilhosa, nessa admirável organização
elaborada pelas potências cósmicas divino-espirituais e manifestada pelo ser humano. Po-
demos constatar dois aspectos na vida da alma humana antes de nos inteirarmos da
essência do conhecer:
Tal como o ímã tem um pólo positivo e outro negativo, tal como lá fora a claridade e
a escuridão se nos apresentam, na aparência do mundo, como matizes fundamentais da
luz, poder-se-ia dizer que também a alma possui dois pólos anímicos de sua existência. Es-
tes se nos podem evidenciar quando contemplamos o homem em duas situações da vida.
Uma delas se daria ao vermos um homem parado na rua, totalmente absorvido pela
observação de um belo e vistoso fenômeno natural; vemos como ele não move nenhuma
das mãos nem das pernas, quase não desviando o olhar do fenômeno ou objeto que lhe
prende a atenção e que ele observa; percebemos que está ocupado em formar imagens
interiores daquilo que vê. Dizemos que está absorto na contemplação, representando
mentalmente seu derredor. Seria essa a primeira situação que desejamos considerar. A
outra seria a seguinte:
Um indivíduo qualquer anda pela rua e sente-se ofendido, ferido por outro. Sem
muito refletir, sua irritação, sua ira o dominam, e como resultado de sua raiva ele faz o
seguinte: dá um murro ou algo assim em quem o ofendeu. Percebemos aí uma manifesta-
ção das energias que nascem da irritação e da raiva. São impulsos da vontade, e podemos
muito bem imaginar que não foram precedidas por muitos pensamentos e representações
mentais; o indivíduo em questão talvez não se tivesse arremetido ao golpe caso houvesse
refletido, impedindo dessa maneira a erupção de sua ira.
Enfocamos, assim, duas atitudes extremas; a pnmeira se evidencia totalmente como
uma representação mental, com total paralisia da vontade consciente; na outra, a vida
ideativa é interrompida, passando o homem a uma manifestação imediata de um impulso
volitivo. Eis os dois aspectos que nos apresentam os dois pólos extremos da alma humana.
O primeiro é o elemento impulsivo da vontade; o outro é a entrega involuntária à
observaçdo, à representação mental, o pensar enquanto a vontade silencia. Assim,
consideramos os fatos de modo totalmente exotérico, pela mera observação da vida
exterior.
Indo um pouco mais ao fundo, chegamos às esferas onde só nos podemos orientar
recorrendo à pesquisa oculta. Confrontamo-nos então com outra polaridade: a polaridade
entre vigília e sono. Sabemos o que ambos significam de um ponto de vista esotérico. De
acordo com os conceitos fundamentais de nosso conhecimento antroposófico, os quatro
membros — os corpos físico, etérico, astral e o eu — entrosam-se e interagem
organicamente durante o estado de vigflia; durante o sono, porém, o corpo físico e o
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corpo etérico jazem no leito enquanto o corpo astral e o eu estão como que espalhados
por todo o Universo imediatamente adjacente ao nosso plano físico. Poderíamos analisar
esses fatos também por um outro prisma, perguntando o seguinte: como se processa,
afinal, a observação do mundo da vida — a representação mental e o pensar, bem como a
vontade e os impulsos volitivos — durante a vigflia e durante o sono?
Ora, vejam: aprofundado-nos nas coisas, descobrimos que em certo sentido o homem
está sempre dormindo em sua atual existência física. A noite ele apenas dorme de maneira
diferente do que o faz de dia. Já num âmbito meramente exterior os Amigos podem
constatar isso, pois sabem que é possível a pessoa despertar esotericamente durante o
dia, tornando-se clarividente e capaz de ver dentro do mundo espiritual. Quanto a essa
contemplação o corpo físico comum está adormecido, e pode-se falar em despertar
quando o homem aprende a fazer uso de seus sentidos espirituais. Com relação ao sono
noturno, obviamente o homem dorme.
Pode-se, pois, dizer que o sono comum é um sono em relação ao mundo físico
exterior, enquanto a consciência diurna é, atualmente, um sono em relação ao mundo
espiritual.
Podemos encarar esse fato ainda de outra maneira. Uma observação mais profunda
nos faz perceber que o homem tem, via de regra, pouco poder sobre sua vontade
enquanto se encontra no estado de vigília comum, da vida física. A vontade é algo que em
grande parte se subtrai à vida diurna. Observem atentamente o que costumamos chamar
de vontade humana, e verão quão pouco o homem domina a si próprio, durante a vida
diurna, no que se refere a seus impulsos volitivos. Considerem quão pouco, de seus atos
entre a manhã e a noite, decorre realmente de um pensamento e de uma representação
mental próprios, de uma decisão pessoal e individual. Quando alguém bate à porta e você
diz “Entre!”, não se pode dizer que se trate realmente de uma decisão de seu próprio
pensar e querer. Quando estamos com fome e sentamos à mesa, não se pode dizer que
esta seja uma decisão de nossa vontade, pois foi provocada por nosso organismo, pelo
estado em que nos achamos. Procurem olhar para sua vida cotidiana e verão quão pouco a
vontade é diretamente influenciada pelo cerne humano. Qual a razão disso? O ocultismo
no-la ensina, ao mostrar que o ser humano dorme durante o dia no que se refere à sua
vontade, ou seja, ele não vive em seus impulsos volitivos. Podemos aprimorar nossos
conceitos e representações e, até, tornar-nos pessoas de maior moralidade e de melhor
gosto; mas nada podemos fazer em relação à nossa vontade. Aprimorando nossos
pensamentos podemos atuar indiretamente sobre a vontade, mas nada podemos fazer-lhe
diretamente, pois ela é influenciada por nossa vida diária apenas por um rodeio, pelo
caminho indireto do nosso sono. Quando dormimos não pensamos, não temos
representações mentais, pois o pensar e o imaginar passam a dormir.
A vontade, ao contrário, fica acordada e permeía nosso organismo de fora,
vivificando-o. Por isso acordamos pela manhã sentindo-nos fortalecidos, pois o que
penetra em nosso organismo tem um caráter volitivo. O fato de não percebermos essa
atuação da vontade, nada sabendo dela, pode parecer-nos totalmente plausível quando
lembramos que nossa atividade imaginativa dorme enquanto estamos dormindo. Queremos
inicialmente, portanto, dar uma sugestão para uma reflexão, uma meditação mais ampla.
Os Amigos verão, na medida em que progredirem em seu autoconhecimento, confirmar-se
esta afirmativa: o homem dorme em relação à sua vontade enquanto está acordado, e
dorme em relaçdo à sua capacidade de formar representações mentais enquanto está
adormecido. Durante o dia dorme a vontade; à noite dorme a vida das representações.
Se o homem não tem consciência do fato de sua vontade não dormir durante a noite,
isso decorre de ele entender por vigília apenas a vida das representações. A vontade não
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dorme durante a noite, e sim atua então como que num verdadeiro elemento ígneo,
trabalhando em seu corpo a fim de produzir o que foi consumido durante o dia.
Existem, pois, no homem dois pólos — os impulsos volitivos e a vida das observações
ou representações —, e em relação a esses dois pólos os homens têm um comportamento
contrário. Mas esses são apenas dois pólos. Toda a vida anímica reside em diversas
nuances entre ambos; e agora acerquemo-nos dela procurando relacionar a vida
microcósmica da alma com o que reconhecemos como mundos superiores. Vimos, pelo
recém-exposto, que um dos pólos de nossa vida anímica é a vida das representações
mentais.
Essa vida das representações mentais parece ser algo irreal ao homem exterior, que
pensa de modo materialista. Quantas vezes não ouvimos esta afirmação: “Ora,
representações e pensamentos são apenas representações e pensamentos!” Com isso se
quer indicar que quando seguramos na mão um pedaço de pão ou de carne isto é uma
realidade, enquanto um pensamento não passa de um pensamento. Opina-se que, como
não se pode comer pensamentos, estes não são reais, mas “apenas” pensamentos. E por
quê? São apenas pensamentos porque o que o homem considera como sendo seus
pensamentos comporta-se, frente aos pensamentos autênticos, como um espectro frente a
um objeto em si. Se os Senhores têm uma flor e olham para sua sombra, essa sombra
aponta para a flor, para a realidade. O mesmo acontece com os pensamentos. O pensar
humano é apenas a imagem projetada de representações mentais e entidades que se
encontram num mundo superior — naquele que se costuma chamar de plano astral. E os
Amigos têm uma imagem correta do pensar quando imaginam aqui [desenha na lousa] a
cabeça humana (não é um desenho fiel, mas apenas esquemático); os pensamentos estão
dentro da cabeça, mas esses pensamentos que se encontram na cabeça representamos
aqui, no plano astral, como seres vivos. Aí atuam os seres mais variados; fervilham
representações e ações que projetam no homem sua sombra, e esses processos refletem-
se na cabeça sob a forma do pensar. É uma idéia correta pensarmos que constantemente
correntes vão da cabeça ao plano astral; essas são as sombras que a vida dos pensamentos
produz na cabeça.
Ora, além do que podemos chamar de vida dos pensamentos existe, para a alma
humana, ainda outra vida. Na vida comum, faz-se distinção (isso não é bem exato, mas
falo dessa maneira a fim de obtermos para tanto um conceito extraído da vida comum)
entre a vida dos pensamentos e a vida das sensações. Entre os sentimentos, distinguimos
os relacionados com agrado — os simpáticos — e os relacionados com desagrado — os
antipáticos. Os primeiros se instalam em presença de atos justos e benevolentes; a
antipatia se manifesta em situações de injustiça e de malevolência. Aí já se trata de algo
mais que meras representações —é algo diferente. Fazemos representações mentais tam-
bém na presença de coisas indiferentes; mas essas vivências anímicas da simpatia e da
antipatia, só as temos diante do belo e do bom, ou do mau e do feio. Justamente tal como
os pensamentos que se realizam no homem apontam para o plano astral, tudo o que
implique simpatia ou antipatia aponta para o que chamamos de devachan inferior. E da
mesma forma eu poderia prolongar as linhas que desenhei indo ao mundo astral
estendendo-as agora até o devachan ou mundo celeste. Em nós, especialmente em nosso
peito, ocorrem processos do mundo celeste ou devachan sob forma de sentimentos de
simpatia e antipatia pelo belo e o feio, pelo bom e o ruim ou mau — de modo que
trazemos em nossa alma, juntamente com o que podemos denominar nossas sensações
diante do mundo estético-moral, as projeções do devachan inferior, do mundo celeste.
Existe ainda, na vida anímica humana, um terceiro elemento que devemos distinguir
da mera preferência por atos benévolos. Há uma diferença entre assistir a uma ação
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benévola e gostar dela, ou transformar a própria vontade em atividade, a fim de realizar
por conta própria um ato benévolo. Eu gostaria de chamar o agrado produzido por atos
bons e bonitos e o desagrado por atos ruins e feios de elemento estético, e aquilo que
impele o homem a bem agir de elemento moral. O elemento moral é superior ao
meramente estético, e o simples agrado ou desgrado está abaixo do impulso de praticar o
bem ou o mal. À medida que nossa alma se sente compelida, à medida que sente os im-
pulsos morais, esses impulsos são projeções do devachan superior, do mundo celeste
superior.
Podemos, pois, imaginar que essas três atividades anímicas superpostas em níveis
diferentes — a meramente intelectual do pensar, representar, contemplar; a estética, do
agrado e desagrado; e a moral, nos impulsos diante do bem e do mal — são imagens
microcósmicas do que decorre no macrocosmo nos três mundos — no astral, que se espelha
como mundo dos pensamentos, do intelecto; no mundo devachânico, que se projeta como
mundo estético do agrado e do desagrado; e no devachan superior, que se reflete como
moralidade.
Ligando tudo isso com o que foi dito a respeito dos dois pólos da alma humana,
devemos sentir a intelectualidade como um deles — o que domina preferencialmente a
vida diurna, quando estamos acordados em relação à vida intelectual. Durante o dia o
homem está acordado em relação ao seu intelecto; durante o sono está desperto quanto à
sua vontade. Mas como então dorme em relação ao seu intelecto, não fica consciente do
que empreende com a vontade. Indiretamente, porém, atua na vontade o que chamamos
de princípios e impulsos morais. E de fato o homem necessita de sua vida de sono para
que realmente possa chegar a uma efetiva atuação aquilo que ele assimila, em matéria de
impulsos morais, mediante a vida dos pensamentos. É verdade: o homem, tal como é hoje
na vida comum, só sabe realizar algo correto no plano intelectual, sendo muito menos
capaz disso no plano moral; aí dependemos de uma ajuda do macrocosmo.
O que reside em nós pode levar-nos um palmo adiante na intelectualidade; trilhando
o sendeiro do aprimoramento moral, necessitamos da ajuda dos deuses. Caímos no sono
para poder mergulhar na vontade divina, onde estamos despojados de nosso intelecto im-
potente e onde forças divinas transformam em força de vontade os princípios de
moralidade que assimilamos, inoculando em nossa vontade aquilo que de outro modo
apenas podemos acolher em nossos pensamentos.
Entre esses dois pólos — o da vontade, que está acordado durante a noite, e o do
intelecto, que está desperto durante o dia — situa-se a esfera estética, sempre presente
no homem. Pois o homem não está completamente desperto durante o dia; só os
indivíduos mais prosaicos, mais filisteus estão sempre despertos durante o estado de
vigília. No fundo, os homens deveriam sonhar um pouco, mesmo durante o dia; deveriam
ser capazes de sonhar também durante a vigília, de entregar-se à arte, à poesia ou
qualquer outra atividade não apenas dirigida ao solidamente real. Os que se dedicam a
essas coisas estabelecem um laço que pode retroagir sobre toda a existência como algo re-
frescante e vivificante. Entregar-se a tais pensamentos significa, de certa forma,
introduzir na vida desperta algo como um sonho. E para a vida do sono os Senhores sabem
que levamos o sonhar; aí são os sonhos reais que permeíam a consciência normal durante o
sono. Isto é algo necessário a todos os que não querem apenas levar uma vida diurna
prosaica, árida e malsã. E o sonhar ocorre de qualquer maneira à noite, não precisando de
justificação. Eis o elemento intermediário entre os dois pólos: o sonhar noturno e o
diurno, a capacidade de viver na fantasia.
Assim, também aqui temos um elemento tríplice em nossa alma: o elemento
intelectual, mediante o qual ficamos tão bem despertos e trazemos dentro de nós as
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sombras do plano astral quando durante o dia nos entregamos aos pensamentos, de modo
a surgirem as idéias mais fecundas da vida cotidiana e as grandes invenções. E durante o
sono, quando sonhamos — quando esses sonhos se desenrolam em nossa vida de sono —
projetam-se em nós as imagens da região celeste inferior ou devachan. E quando somos
ativos durante o sono, imprimindo moralidade em nossa vontade (não podemos observar
isso diretamente, mas em seus efeitos), quando durante a noite somos capazes de instilar
essa influência das potências divino-espirituais em nosso pensar, os impulsos que então
observamos são as projeções do devachan superior, do mundo celeste superior; são os
impulsos e sentimentos morais que vivem em nós e nos fazem sentir que a vida humana
tem, no fundo, uma justificação apenas quando colocamos nossas idéias a serviço do bom
e do belo, deixando nossa atuação intelectual imbuir-se da verdadeira, autêntica vida
divino-espiritual, ou seja, dos impulsos morais.
O que, dessa forma, apresentamos como sendo a vida anímica humana mediante uma
observação primeiramente exterior, exotérica, e em seguida por uma contemplação mais
mística da vida, resulta da pesquisa oculta mais profunda. Então aquilo que já descre-
vemos mais exteriormente manifesta-se em processos que a clarividência pode perceber
também no homem. Se o olhar clarividente observa o homem de hoje em estado de vigília,
evidencia-se um fluxo constante de raios luminosos dirigindo-se do coração à cabeça. Se
quiséssemos fazer disso um desenho esquemático [o qual é feito na lousa], deveríamos
desenhar aqui a região do coração; correntes dirigem-se continuamente ao cérebro e, no
interior da cabeça, fluem ao redor do órgão descrito na Anatomia como glândula pineal.
São como raios de luz ascendendo do coração à cabeça e circundando a glândula pineal.
Essas correntes têm sua origem no seguinte: o sangue humano — que é uma matéria física
— dissolve-se constantemente em substância etérica, havendo pois, na região do coração,
uma transformação constante do sangue em substância etérica sutil; esta flui então à
cabeça e envolve a glândula pineal em meio a uma cintilação. Esse processo, a eterização
do sangue, evidencia-se continuamente no homem em estado de vigília. Tivesse aqui as
regiões do cérebro e do coração, o observador oculto perceberia um fluxo constante vindo
de fora, e também de trás, em direção ao coração. Porém, essas correntes que no homem
adormecido afluem de fora, do espaço cósmico, do macrocosmo para o interior do que jaz
no leito como sendo os corpos físico e etérico, na verdade constituem algo muito curioso
quando se passa a investigá-las. Esses raios são bastante diferentes nos diversos in-
divíduos. As pessoas adormecidas são bem diferentes entre si; e se os indivíduos ainda um
pouco vaidosos soubessem o quanto de ruim denunciam ao olhar oculto quando
adormecem em reuniões públicas, eles evitariam fazê-lo, pois isso atua traiçoeiramente.
O que de fato ocorre é o seguinte: as qualidades morais manifestam-se, em alto grau,
na peculiar coloração do fluxo que penetra no homem durante o sono; desse modo, o
homem possuidor de princípios morais inferiores tem uma corrente bem diferente do que
alguém com princípios elevados. De nada adianta dissimular durante o dia. Não se pode
fingir frente às potências cósmicas superiores. Tratando-se de alguém que tenha apenas
um leve pendor por princípios não inteiramente morais, continuamente lhe afluem radia-
ções rubro-pardas ou de uma coloração que tende para essa tonalidade. E radiações
violáceas aparecem em pessoas que possuem ideais morais elevados. Ora, no momento do
despertar ou do adormecer ocorre uma espécie de luta entre o que flui descendentemente
e o que flui ascendentemente. No homem desperto, o elemento intelectual flui de baixo
para cima sob forma de efeitos luminosos, enquanto o que tem caráter moral e estético
flui de cima para baixo. E no momento do despertar e do adormecer ambas as correntes se
encontram, tornando-se possível julgar se alguém é especialmente inteligente mas possui
princípios inferiores — caso em que uma enérgica luta se desenrola nas proximidades da
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glândula pineal —, ou se possui bons princípios enquanto sua intelectualidade lhe corre de
encontro — nesse caso, evidencia-se um calmo espalhamento de um efeito luminoso
cintilante ao redor da glândula pineal: no momento do despertar ou adormecer, esta se
encontra como que mergulhada num pequeno mar de luz, e a nobreza moral se manifesta
no fato de um calmo brilho circundar a glândula pineal nesse instante. Dessa maneira se
reflete no homem sua qualidade moral. E esse calmo brilho estende-se freqüentemente
até longe, até à região cardíaca. Assim se mostram no homem duas correntes — uma do
macrocosmo e a outra, microcósmica.
Todo o alcance da maneira como as duas correntes se encontram só poderíamos
avaliar refletindo, de um lado, sobre o que foi dito antes, mais exteriormente, a respeito
da vida anímica manifesta em sua triplicidade — nos aspectos intelectual, estético e moral
—e fluindo de cima para baixo, do cérebro rumo ao coração; de outro lado, porém,
alcançamos todo o significado do que foi dito quando consideramos o correspondente
fenômeno no macrocosmo. Esse fenômeno correspondente deve ser descrito hoje tal qual
se nos apresenta como resultado das mais cuidadosas pesquisas ocultas dos últimos anos,
empreendidas nas investigações espirituais de alguns rosacruzes verdadeiramente
autênticos. Esse fenômeno macrocósmico deve ter uma descrição correspondente à do
microcósmico. E então se evidencia aí (os Amigos compreenderão o assunto cada vez mais)
que no macrocosmo se desenrola algo semelhante ao que foi dito a respeito do mi-
crocosmo. Assim como na região do coração ocorre uma constante transformação do
sangue em substância etérica, um fato semelhante ocorre no macrocosmo. Podemos
compreendê-lo ao dirigir nosso olhar ao Mistério do Gólgota, àquele momento em que o
sangue do Cristo fluiu das chagas. Esse sangue não deve ser considerado apenas como uma
substância químíca; por tudo o que foi descrito como sendo a natureza de Jesus de
Nazaré, é algo muito especial. E à medida que se derramou e fluiu para a Terra, foi dada
a esta uma substância que, ao ligar-se a ela, constituiu um acontecimento de suma
importância para todas as épocas terrestres seguintes, e que também pôde ocorrer apenas
uma vez. Que aconteceu com esse sangue nos tempos seguintes? Nada diverso do que
normalmente ocorre no coração do homem. Esse sangue percorreu, no decorrer da
evolução terrestre, um processo de eterização. E assim como nosso sangue flui do coração
para cima sob forma de éter, o sangue eterizado do Cristo Jesus vive no éter da Terra
desde o Mistério do Gólgota. O corpo etérico da Terra é permeado por aquilo que resultou
da transformação do sangue que fluiu no Gólgota; e isso é importante. Se não houvesse
ocorrido o que ocorreu por meio do Cristo Jesus, só sucederia ao homem sobre a Terra o
que foi descrito anteriormente. No entanto, desde o Mistério do Gólgota existe uma
possibilidade permanente de o efeito do sangue etérico do Cristo confluir com essas
correntes dirigidas de baixo para cima.
Devido à presença do sangue etérico de Jesus de Nazaré no corpo etérico da Terra,
esse mesmo sangue flui na corrente do sangue humano eterizado que ascende do coração
ao cérebro; no homem não ocorre, portanto, apenas o encontro previamente descrito:
encontram-se a corrente sangüínea humana propriamente dita e a corrente sangüínea do
Cristo Jesus. Mas uma ligação dessas duas correntes só vem a ocorrer quando o homem
tem um entendimento correto daquilo que está implícito no impulso do Cristo. Caso
contrário, a fusão das duas correntes não pode realizar-se: elas se repelem mutuamente e
depois ricocheteiam, da mesma maneira como antes se chocaram. Só podemos adquirir
compreensão quando, em cada época da evolução terrestre, obtemo-la do modo adequado
a essa época. Na época em que o Cristo Jesus vivia na Terra, a compreensão apropriada do
acontecimento iminente podia ocorrer àqueles que foram ter com seu precursor, João, e
se fizeram batizar segundo a fórmula expressa no Evangelho. Eles receberam o batismo
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para transformar o pecado, isto é, o carma findo de suas vidas anteriores, e para
reconhecer que o impulso mais importante da evolução terrestre estava prestes a descer
para um corpo físico. Mas a evolução da Humanidade progride, e para nossa época é
importante o homem aprender a compreender que deve aceitar o conhecimento da
Ciência Espiritual, iluminando paulatinamente o que flui do coração ao cérebro para que
este compreenda a Antroposofia. A conseqüência será a capacidade de aceitar o que está
começando a intervir a partir do século XX: em lugar do Cristo físico da Palestina, o Cristo
etérico. Ora, chegamos ao momento em que o Cristo etérico intervém na vida terrestre e
inicialmente se torna visível a um pequeno número de pessoas, como que por uma
clarividência inata. E depois, nos próximos três mil anos, será visível a um número cada
vez maior de pessoas. Isso deverá acontecer — será um acontecimento natural. Sua vinda
será tão certa como as conquistas da eletricidade no século XIX. É simplesmente um fato
real que um certo número de pessoas, passando pelo evento de Damasco, verá o Cristo
etérico. Mas será mister os homens aprenderem a observar o momento em que o Cristo se
aproximar deles. Poucas décadas, apenas, vão passar e haverá, principalmente para
jovens, a seguinte experiência — que já se está preparando:
Uma pessoa qualquer chega a determinado lugar e vivencia este ou aquele fato; se
houvesse aguçado o olhar pelo estudo da Antroposofia, já poderia perceber que
repentinamente alguém está em seu derredor, vem ajudá-la ou chamar sua atenção para
um fato qualquer — que o Cristo vem ao seu encontro... mas ela acredita tratar-se de um
ser humano físico qualquer. Um bom número de indivíduos terá a vivência seguinte:
sentados em seu quarto, com o coração apertado, pesado de mágoa, sem saber como sair
de sua situação, verão a porta se abrir.., e o Cristo etérico aparecer para dizer-lhes
palavras de consolo. O Cristo será para os homens um consolador vivo! Pode parecer gro-
tesco em nossos dias, mas será verdade: às vezes, quando pessoas estiverem reunidas em
busca de uma saída para uma situação problemática, e mesmo quando um número maior
delas se congregar numa atitude de expectativa, elas verão o Cristo etérico! Ele estará
presente, tomando parte nas deliberações e usando da palavra em reuniões. Estamos
realmente indo ao encontro desses tempos. Esse é o aspecto positivo, o elemento
construtivo que intervirá na evolução da Humanidade.
Nada se deve dizer contra os grandes progressos da civilização atual — eles são
necessários para o bem e para a libertação dos homens. Mas se considerarmos todos os
progressos exteriores no domínio das forças da Natureza, eles serão algo pequeno e
insignificante em comparação com o que o homem receberá quando vivenciar em sua alma
o despertar por meio do Cristo, que agora intervirá na cultura da Humanidade e em seus
assuntos. O que se manifestará aos homens serão forças positivas e congregadoras. O
Cristo leva forças construtivas à cultura humana.
Se observássemos os primeiros tempos pós-atlânticos, veríamos que os homens
construíam suas moradias de uma maneira diferente da atual. Eles usavam toda espécie de
materiais vegetais e limitavam-se a completá-los. Até palácios foram construídos dessa
maneira, completando-se a obra da Natureza ao se entrelaçarem galhos e plantas, etc.
Hoje, os homens têm de usar destroços para construir. Produzimos toda a cultura do
mundo exterior com materiais que resultam da destruição. E no decorrer dos próximos
anos, os Amigos compreenderão ainda melhor que muita coisa mais, em nossa civilização,
resulta de processos destrutivos.
A luz se destrói dentro de nosso processo terrestre pós-atlântico! Até a Atlântida, o
processo evolutivo da Terra era progressivo; desde então, entrou em decadência. O que é
a luz? Ela se desagrega, e a luz em desagregação é a eletricidade. O que conhecemos
como eletricidade é a luz que se autodestrói dentro da matéria. E a energia química, que
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no decorrer da evolução terrestre sofre uma alteração, é o magnetismo. E uma terceira
energia ainda surgirá. E se ao homem de hoje a eletricidade já parece uma força mila-
grosa, aquela terceira energia influenciará nossa cultura de uma maneira ainda mais
prodigiosa. Quanto mais empregarmos essa energia, mais rapidamente a Terra se
transformará num cadáver, a fim de que o elemento espiritual da Terra possa
metamorfosear-se em Júpiter. 1As energias precisam ser aplicadas na destruição da Terra,
a fim de que o homem dela se liberte e o corpo terrestre possa decair. Enquanto a Terra
progredia isso não foi feito, pois só a Terra decadente pode aproveitar a grande conquista
cultural que é a eletricidade. Por mais que isso soe estranho, precisa ser dito, pouco a
pouco. Temos de compreender o decurso do progresso evolutivo, pois com isso os homens
aprenderão a avaliar nossa cultura corretamente. Aprenderemos que é necessário destruir
a Terra, do contrário o espírito não ficará livre. Mas também se aprenderá a ter em apreço
o aspecto positivo: a penetração das forças espirituais em nossa existência terrestre!
Sendo assim, já vemos o enorme progresso no fato de o Cristo ter necessariamente
vivido durante os três anos num corpo humano bem preparado, a fim de tornar-se visível
aos olhos físicos. Pelo que então aconteceu durante aqueles três anos, os homens
tornaram-se maduros para ver o Cristo que estará presente num corpo etérico e intervirá
na vida terrestre tão concretamente como fez o Cristo físico na época da realidade
palestina. Se não observarem tais fatos com sentidos obnubilados, os homens saberão
tratar-se do corpo etérico que caminhará pelo mundo físico, mas saberão também que
esse é o único corpo etérico capaz de atuar neste mundo como normalmente só um corpo
humano físico pode fazer. Ele se distinguirá de um corpo físico apenas pela capacidade de
estar ao mesmo tempo presente em dois, três, cem, mil lugares, o que só é possível a uma
figura etérica, mas não a uma física. Esse progresso da Humanidade fará com que os dois
pólos mencionados — o intelectual e o moral — se tornem cada vez mais unos, fundindo-se
numa unidade. Isso ocorrerá porque os homens aprenderão cada vez mais, no decorrer dos
próximos milênios, a observar o Cristo etérico no mundo; eles serão permeados, também
durante o dia, pela atuação direta do Bem situado nos mundos espirituais. Enquanto
atualmente a vontade está dormindo durante o dia, de modo que o homem só pode atuar
indiretamente através da representação mental, no correr dos próximos milênios sucederá
cada vez mais o fato de essa atuação ser diretamente aprimorada também no estado de
vigilia, pela influência exercida pelo Cristo a partir de nosso tempo.
Aquilo que foi sonhado por Sócrates — que a virtude pode ser ensinada — ocorrerá
realmente. Haverá na Terra, em escala cada vez mais ampla, a possibilidade de, por meio
de ensinamentos, não apenas incentivar e estimular o intelecto, mas também difundir
impulsos morais. Schopenhauer disse o seguinte: é fácil pregar a moral; fundamentá-la é
muito difícil. Por quê? Porque com a pregação ainda não se terá difundido moral alguma. É
perfeitamente possível tomar conhecimento de princípios de moralidade e não ater-se a
eles. Para a maioria das pessoas vale a sentença de Paulo: “O espírito está pronto, mas a
carne é fraca”.2 Isso se modificará quando o fogo moral efluir dessa figura do Cristo. Mas
cada vez mais ocorrerá, na Terra, o fato de o homem compreender a necessidade do as-
pecto moral e seus impulsos. Dessa maneira ele transformará a Terra à medida que sentir
cada vez mais que o elemento moral pertence à Terra. E no futuro só poderão ser imorais
as pessoas que receberem ajuda no âmbito da imoralidade, sendo possuidas por demônios
maléficos, potências arimânicas e asúricas e aspirando a tal possessão. O estado futuro da
Terra consistirá na existência de um suficiente número de pessoas que cada vez mais
ensinarão e, ao mesmo tempo, fundamentarão a moral; mas também no fato de aqueles
1 É evidente que Steiner se referia à energia atômica, só descoberta mais tarde. (N.T.)
2 Essa frase não consta em Paulo, mas figura no Evangelho de Mateus, 26,41. (N.T.)
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que assim o desejarem por sua livre vontade virem a entregar-se às potências malévolas e
formar uma maioria do Mal, em oposição aos indivíduos bons. Ninguém será obrigado a isso
— tal situação resultará da livre vontade de cada um.
Advirá então à Terra a época em que surgirá o que, como tantas outras coisas, consta
apenas das grandiosas definições do ocultismo e do misticismo orientais: a elevação, em
alto grau, da atmosfera moral da Terra. A mística oriental fala dessa era há muitos
milênios. E desde o aparecimento do Buda fala de modo especialmente enfático daquele
estado futuro em que a Terra estará imersa numa atmosfera etérica moral. Desde a época
dos antigos Rishis erguia-se ante o misticismo oriental, qual uma grande esperança do
futuro, o seguinte: “Há de chegar à Terra esse impulso, que será parte essencial de
Vishva-Karman” — ou, como diria Zaratrustra, de Ahura-Mazdao. Assim, aquele misticismo
já tinha em vista que do ser que chamamos Cristo iria emanar esse impulso moral, essa
atmosfera moral da Terra; e que nele, no Cristo, essa mística oriental colocava sua
esperança.
Os meios do misticismo oriental não eram suficientes para imaginar isso; mas o que
viria como séquito desse evento, isso eles podiam imaginar. Podiam imaginar que as puras
figuras akáshicas3, mergulhadas no fogo e na luz do Sol, adviriam, dentro de cinco mil anos
depois da iluminação do grande Buda, como séquito daquele que não pode ser reconhecido
somente pelo misticismo oriental. Era realmente uma idéia maravilhosa: “Advirá algo que
possibilitará, mediante uma atmosfera moral purificada, que o Filho — de Luz e de Fogo —
da Terra ande pela atmosfera moral terrestre não como figura fisicamente encarnada, mas
como figura akáshica pura. Mas então, cinco mil anos depois da iluminação do Buda
Gotama, estará também presente o Mestre que ensinará aos homens como são ma-
ravilhosas essas figuras de Fogo e de Luz. Esse Mestre será o Buda Maitreya, que se
manifestará três mil anos depois de nossa era e poderá ensinar aos homens o impulso do
Cristo.” Dessa maneira a mística oriental se funde com a sabedoria cristã numa bela e
admirável unidade. E também fica claro que aquele que três mil anos depois de nossa era
se manifestará como Buda Maitreya aparece sempre de novo encarnado na Terra como
Bodisatvsa, como sucessor do Buda Gotama. Uma de suas incorporações foi a de Jeshu ben
Pandira, que viveu cem anos antes do início de nossa era. Aquele que estava encarnado
em Jeshu ben Pandira é o mesmo que futuramente será o Buda Maitreya e que de século
em século volta a aparecer num corpo carnal, ainda não propriamente como Buda, mas co-
mo Bodisatva. Também em nossa época, os ensinamentos mais significativos acerca da
entidade do Cristo e dos Filhos do Fogo dos hindus partem daquele que será futuramente
— não agora, mas futuramente — o Buda Maitreya. Será pela combinação da autêntica
mística oriental com o conhecimento cristão que se poderá reconhecer aquele que será o
futuro Buda Maitreya. Aquele que será o Buda Maitreya e que aparecerá — em contraste
com os Filhos do Fogo — como Bodisatva num corpo físico poderá ser reconhecido pelo
fato de inicialmente crescer, em sua juventude, sem que ninguém possa pressupor a
individualidade que nele reside. Os entendidos só reconhecerão em tal indivíduo aos 30 a
33 anos de idade que um Bodisatva se encontra nele. Nesse momento ocorre algo como
uma mudança da personalidade. E o próprio Buda Maltreya se dará a conhecer à
Humanidade no trigésimo terceiro ano de sua vida. Assim como o Cristo Jesus iniciou sua
obra aos trinta anos, os Bodisatvas, que continuarão a anunciar o Cristo, se revelarão no
trigésimo terceiro ano de sua vida. E o próprio Buda Maitreya, que revelará os grandes
mistérios da vida em grandes e imponentes palavras de que hoje não se pode fazer idéia,
esse Buda, como Bodisatva transformado, falará uma língua que ainda precisa ser criada,
pois ninguém poderia encontrar hoje as palavras com as quais ele se dirigirá futuramente
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aos homens. Ainda não se pode falar dessa maneira aos homens porque ainda não existe o
instrumento físico para fazê-lo. Os ensinamentos do iluminado não farão fluir apenas
doutrinas, mas impulsos morais às almas. Tais palavras ainda não podem ser pronunciadas
por uma laringe física; agora só podem existir nos mundos espirituais.
A Antroposofia é o preparo para tudo que virá no futuro. Os que levam a sério a
evolução da Humanidade não querem que a evolução anímica degenere, mas progrida de
maneira a fazer com que a Terra se liberte no que tem de espiritual, abandonando sua
parte mais grosseira qual um cadáver. Pois toda a obra poderia ser estragada pelos
homens. Os que querem que a obra cósmica seja realizada devem adquirir a compreensão
da vida espiritual pelo que chamamos hoje de Antroposofia. Assim, Antroposofia torna-se
dever; o conhecimento torna-se algo diante do qual sentimos termos responsabilidade. E
se aprendermos a sentir e a querer assim, se a partir dos mistérios do mundo sentirmos
que queremos ser antropósofos, então estaremos tendo sensações corretas. Mas então a
Antroposofia não será algo que satisfará nossa curiosidade; ela deverá tornar-se algo sem o
qual não poderemos viver. Só quando isto ocorrer é que viveremos como tijolos vivos
daquele grande edifício que deverá ser erguido nas almas humanas, podendo abranger os
homens.
Assim, a Antroposofia é a abertura diante dos fenômenos genuinamente cósmicos tal
como se apresentarão ao homem do futuro, às nossas próprias almas, estejamos
encarnados num corpo físico ou já atravessando a existência entre a morte e um novo
nascimento. Essa transformação nos afetará, seja na vida corpórea, seja depois que
abandonarmos o corpo físico. Só que os homens já deveriam adquirir aqui na Terra, num
corpo material, a compreensão desses acontecimentos — se é que devem ser tocados,
entre a morte e um novo nascimento, pelo que lá ocorre. Para os que já num corpo físico
adquirem compreensão pelo Cristo, tanto fará se no momento de vê-lo estiverem em vida
ou tiverem atravessado o portal da morte. Aqueles, porém, que agora se negam a
compreender o Cristo deverão — no caso de já terem passado pelo portal da morte na
ocasião desse evento — esperar até a próxima encarnação, pois o fundamento não pode
ser adquirido entre a morte e o nascimento. Uma vez adquirido, continuará existindo;
então o Cristo será visível entre a morte e um novo nascimento. Dessa maneira, a
Antroposofia não será algo que aprendemos para a vida física, mas algo que conservará
seu valor mesmo quando na morte houvermos deixado o corpo físico.
É com isso que eu queria contribuir hoje para a compreensão do ser humano, e como
meio para responder a muitas perguntas. O autoconhecimento é difícil pelo fato de o
homem ser um ente tão complicado. E ele o é por ser vinculado a todos os mundos e seres
superiores. O que existe dentro de nós são imagens projetadas do macrocosmo; e nossa
organização, nossos corpos físico, etérico e astral, bem como nosso eu — enfim, nossos
membros essenciais — constituem mundos dos seres divinos. O que existe em nós como
sendo os corpos físico, etérico e astral e o eu constitui um mundo; o outro mundo é o
superior, celeste. Para os seres divino-espirituais dos planos superiores, os membros
corpóreos são mundos divino-espirituais elevados, tal como para nós são os quatro
membros de nossa entidade humana. O homem é um ser tão complicado por ser um real
reflexo do mundo espiritual. É isso o que deve proporcionar-lhe consciência da dignidade
humana. Mas a partir desse conhecimento —o de que somos realmente uma imagem,
estando ainda bem longe do que deveríamos ser — e seguindo essa trilha, adquiriremos,
além da dignidade, também a correta humildade e a modéstia perante o macrocosmo e
seus deuses.
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Pergunta: O que significa a expressão do apóstolo Paulo “falar com a língua”?
Resposta: Em casos excepcionais, pode ocorrer que não apenas o fenômeno da fala esteja
presente no estado de vigília: nesse falar se manifesta algo que normalmente só
existe na consciência de sono. É esse o fenômeno a que se refere Paulo. Göethe
fala a seu respeito do mesmo ponto de vista, tendo escrito dois ensaios muito
bonitos sobre esse fenômeno.
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resíduos se dissolverão paulatinamente no éter cósmico geral. Em Vênus não
haverá mais resíduo. Ela surgirá inicialmente como puro calor, depois se tornará
luz e penetrará posteriormente no mundo espiritual. O resíduo da Terra se tor-
nará cadáver. Este, porém, é um caminho que não deverá ser acompanhado pelo
homem, pois ele seria exposto a terríveis sofrimentos. Mas com esse cadáver
seguirão seres que desse modo alcançarão um desenvolvimento superior. *
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