A Polêmica Dos Transgênicos - Aspectos Técnicos, Legais e Econômicos

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A POLÊMICA DOS TRANSGÊNICOS1

Aspectos Técnicos, Legais e Econômicos

por Carmen Rachel S. M. Faria

A discussão causada pelos alimentos geneticamente modificados


ou transgênicos é de longa data, seja no Brasil, seja em âmbito internacional.
Nos últimos meses, no entanto, o debate recrudesceu, ganhando novamente as
manchetes dos principais meios de comunicação do País – sobretudo em razão
da “descoberta” do plantio ilegal de soja geneticamente modificada no Rio
Grande do Sul.

A intensa polêmica que se observa abarca componentes de saúde


pública, de proteção ao meio ambiente e de segurança alimentar, além de
relevantes aspectos econômicos. Por conseguinte, devido a essas múltiplas
abordagens e aos desafios impostos, é fundamental que a discussão se dê de
forma objetiva e desapaixonada, com base em informações claras e precisas, o
que nem sempre tem ocorrido. Os debates têm-se desviado, em muitas
circunstâncias, para o campo ideológico, onde grupos antagônicos taxam de
obscurantistas aqueles que divergem de sua opinião, o que empobrece a
discussão e acirra ainda mais a polêmica.

Por essas razões, o tema vem sendo, cada vez mais, incluído na
pauta desta Casa Legislativa, o que motivou o presente estudo, no qual
procuramos focalizar os principais aspectos da questão, com ênfase em alguns
dos seus pontos mais polêmicos.

Para maior clareza, optamos por organizar o estudo em dez


tópicos. O primeiro conceitua organismo geneticamente modificado (OGM ou
transgênico); o segundo analisa os impactos dos alimentos modificados sobre
o meio ambiente e a saúde humana; o terceiro discute a tecnologia da
1
Estudo elaborado em 30 de maio de 2003 e atualizado em 20 de outubro de 2003.
2

transgenia aplicada à agricultura e suas implicações; o quarto e o


quinto itens tratam, respectivamente, das questões legais afeitas ao tema e dos
projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. No sexto tópico, cuida-
se de apresentar, em linhas gerais, o ponto de vista de vários segmentos da
sociedade, inclusive do governo federal; o sétimo comenta, especificamente, a
questão da soja transgênica no Brasil; o oitavo e o nono tópicos enfocam,
respectivamente, a premência de estudos nacionais e a fragilidade do aparato
fiscalizador do Estado e da atuação da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio). Por fim, o décimo e último item traça um panorama
relativo aos OGMs, no âmbito internacional.

Ainda com o objetivo de facilitar o uso das informações, também


estruturamos a conclusão em itens, os quais procuram sintetizar as idéias
principais referentes aos diversos temas abordados no estudo.
1 ORGANISMO GENETICAMENTE MODIFICADO: Considerações
Preliminares

A identificação do ácido desoxirribonucléico (ADN ou DNA, na


sigla em inglês) como material genético – substância responsável pela
transmissão da informação hereditária – e, posteriormente, a determinação da
estrutura da molécula de DNA, em 1953, por Watson e Crick – ganhadores do
Prêmio Nobel em 1962 – abriram caminho para o surgimento, nos anos 70, da
engenharia genética, um dos aspectos mais notáveis da biotecnologia
moderna. A partir de então, as técnicas de engenharia genética
desenvolveram-se de forma espetacular e, hoje, os impactos advindos dos
produtos geneticamente modificados podem ser sentidos nos mais diversos
campos: saúde, agricultura, pecuária, microbiologia industrial e ambiental.
Como exemplo, a produção de insulina humana, para o tratamento do
diabetes, a partir de uma bactéria que recebeu o gene humano produtor de
insulina, na década de 1980, foi a primeira aplicação comercial da engenharia
genética.
3

A engenharia genética pode ser conceituada, simplificadamente,


como a “manipulação científica, em nível celular, para produzir organismos
alterados, ou novos, que realizem funções desejadas ou programadas,
invariavelmente, para facilitar processos de produção industrial”2. Ou seja, a
técnica de modificar, remover ou inserir genes em um organismo vivo. Assim,
é possível transferir genes entre espécies sexualmente incompatíveis, ou
mesmo entre espécies vegetais e animais, ou, ainda, entre estas e
microorganismos. A engenharia genética permite não só que genes de espécies
distintas filogeneticamente possam ser compartilhados num único organismo,
como também que novos organismos sejam produzidos.
Do ponto de vista legal, OGM, no Brasil, é conceituado como
organismo cujo material genético tenha sido modificado por qualquer técnica
de engenharia genética, definida, por sua vez, como atividade de manipulação
de moléculas ADN/ARN (Ácido Ribonucléico) recombinantes (Lei nº 8.974,
de 5 de janeiro de 1995, que será oportunamente comentada).
2 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS: Impactos sobre o Meio Ambiente e a
Saúde Humana

Os organismos geneticamente modificados (OGMs), sobretudo as


plantas transgênicas – cujas pesquisas se encontram em estágios mais
avançados, quando comparadas com as conduzidas com animais – e seus
derivados, vêm suscitando muita polêmica, tanto em âmbito nacional como
internacional.

Vários cientistas argumentam que as pesquisas com alimentos


modificados estão ainda em fase incipiente e defendem a necessidade de
estudos mais aprofundados para uma melhor avaliação das conseqüências, no
longo prazo, das manipulações genéticas, sobretudo no campo da agricultura.
2
LEITE, E.C.B. Alimentos Transgênicos: polêmica chega ao mercado. Agroanalysis, Fundação Getúlio
Vargas, junho, 1997.
4

Alegam que essas manipulações podem causar mutações


(alterações no material genético) que modificariam o funcionamento normal
dos genes naturais do organismo, com efeitos colaterais imprevisíveis.
Especialistas sustentam que, ao se alterar um gene do organismo, sem o prévio
conhecimento da função de todos os outros genes, pode estar sendo
modificada mais de uma característica desse organismo. O processo não é
totalmente controlado e surpresas indesejáveis poderiam acompanhar aquelas
mudanças ambicionadas3.

Os riscos que os OGMs podem causar sobre o equilíbrio


ecológico e para a saúde humana são de diferentes tipos. Merecem ser
lembrados 4:

• transferência não desejada de genes: genes modificados


poderiam passar, de forma incontrolada, para outros organismos. Por exemplo:
plantas modificadas para tolerarem herbicidas polinizariam espécies nativas
aparentadas, que passariam a ser resistentes também. Isso levaria ao
aparecimento de plantas indesejáveis e difíceis de serem destruídas.
Numerosas pesquisas em curso têm procurado avaliar esses riscos;

• redução da biodiversidade, como conseqüência da maior


agressividade das culturas transgênicas, que poderia levar ao desaparecimento
de variedades nativas e espécies silvestres;

• riscos ambientais maiores para os agrossistemas dos países que


detêm grande quantidade de parentes silvestres dos cultivos agrícolas, ou seja,
países onde estão localizados os centros de origem das espécies vegetais – os
centros de diversidade genética;

• eliminação de insetos e fungos, por OGMs alterados para


produção de inseticidas e fungicidas, interferindo-se, assim, nas populações de
insetos benéficos ou predadores e na comunidade de organismos do solo;
3
http:/www.ucsusa.org/agriculture – página da Union of Concerned Scientists.
4
BONNY, S. Les biotechnologies en agriculture. Futuribles, 1996. LEITE, E.C.B. Op. cit. e página da Union
of Concerned Scientists (http:/www.ucsusa.org/agriculture).
5
• plantas resistentes a vírus poderiam levar ao aparecimento de novas variantes
do mesmo vírus, inclusive com maior poder de virulência, ou levar o vírus a
procurar outro hospedeiro;
• efeitos sobre as cadeias alimentares;
• alterações do metabolismo humano e efeitos alergênicos. Por exemplo,
constatou-se que a transferência de genes da castanha-do-pará para
leguminosas, a fim de aumentar o teor de aminoácidos sulfurados na proteína
das mesmas, fez com que as pessoas alérgicas à castanha manifestassem essa
alergia ao consumir a leguminosa modificada.

Do ponto de vista da saúde humana, muitos especialistas, tanto da


comunidade científica nacional quanto da internacional, advertem, igualmente,
que os alimentos transgênicos não foram ainda de todo testados e sua
segurança, suficientemente comprovada. Poucos seriam os estudos efetivos
referentes a potenciais riscos à saúde no médio e no longo prazos. Defendem a
necessidade de ensaios toxicológicos e avaliações epidemiológicas mais
aprofundadas e conduzidas por períodos mais longos. Argumentam, enfim, ser
inconcebível, sobretudo do ponto de vista de saúde pública, um experimento
em larga escala e em tempo real — ou seja, libera-se o consumo do produto, o
problema ocorre e, a partir daí, avaliam-se e minimizam-se os riscos.
A esse respeito, os defensores da imediata adoção da tecnologia
argumentam que os alimentos geneticamente modificados disponíveis no
mercado internacional já teriam passado por rigorosas avaliações em seus
países de origem, as quais não identificaram, até o momento, riscos para a
saúde humana. Não haveria, igualmente, registros de efeitos negativos sobre a
saúde da população dos países que já aprovaram o consumo desses alimentos.
Contra esse argumento, poderia ser dito que, nos Estados Unidos, por
exemplo, os alimentos transgênicos já consumidos não são rotulados e não há
normas relativas a procedimentos de rastreabilidade. Nesses casos, não há
6

como saber se quem consome (ou consumiu) tais alimentos


apresenta ou apresentará, em conseqüência, algum problema de saúde.

Observamos, inclusive, que começam a surgir contestações às


decisões dos órgãos norte-americanos responsáveis pela análise e liberação
desses produtos, com base em denúncias de influência exercida pelas
empresas de biotecnologia interessadas.

Um acontecimento recente ilustra a existência de lacunas no


sistema regulador norte-americano – tido, por muitos, como exemplar e
mesmo infalível – e levanta sérias questões a respeito da capacidade dessas
instituições no monitoramento pós-mercado: o milho Starlink, variedade
transgênica aprovada somente para uso em ração animal, por apresentar
potencial alergênico, contaminou a cadeia produtiva convencional, o que
minou a confiança do consumidor e a credibilidade dos órgãos reguladores.

3 TRANSGENIA APLICADA À AGRICULTURA

Diversos países vêm realizando testes de campo com plantas


geneticamente modificadas, desde meados da década de 1980. As culturas
geneticamente modificadas foram desenvolvidas, inicialmente, com a
finalidade de aumentar o nível de proteção dos cultivos.

Ao que tudo indica, a melhoria da qualidade e da produtividade


dos alimentos não parece ter sido a preocupação central, visto que os
primeiros produtos agrícolas lançados em grande escala no mercado foram
modificados para tolerar os herbicidas produzidos pelas próprias empresas de
biotecnologia, em detrimento daqueles cultivos que proporcionariam reais
benefícios às populações.

Atualmente, os produtos disponíveis no mercado apresentam uma


dentre três características básicas: tolerância a certos herbicidas,
7

resistência a ataques de insetos e resistência a infecções virais.


No entanto, novas possibilidades, ainda em fase experimental, estão surgindo:
espécies adaptadas a solos pobres e a condições climáticas e ambientais
adversas, variedades agrícolas enriquecidas com proteínas e vitaminas, plantas
com propriedades medicinais.

Uma vantagem – sempre lembrada como um dos maiores


benefícios que as culturas transgênicas poderiam trazer, e que também merece
um pouco mais de reflexão – diz respeito à redução do custo de produção em
virtude de menor exigência de agrotóxicos e, conseqüentemente, maior
rentabilidade ao agricultor. Não se conhecem, no entanto, estudos e dados
confiáveis que comprovem essa tese, particularmente no Brasil. Há apenas
hipóteses e observações. Outro argumento freqüentemente invocado é que as
lavouras transgênicas seriam mais produtivas – assertiva que carece,
igualmente, de maior comprovação.

Sobre a eficácia dos herbicidas, vale lembrar que as pragas


sofrem adaptações e que é o conjunto de características de uma variedade, e
não apenas sua tolerância a um determinado herbicida, que determina sua
rentabilidade para o produtor.

O diferencial de custos entre as variedades convencionais e as


transgênicas também tem sido questionado, uma vez que o preço da semente
modificada poderia se elevar, pelo seu maior valor tecnológico e,
possivelmente, pelo caráter oligopolizado do setor sementeiro.

É preocupante que não se conheçam os impactos econômicos


decorrentes da introdução da transgenia na agricultura nacional. Esse é um
assunto igualmente não abordado, e até mesmo evitado, pelas empresas
detentoras da tecnologia. Mais uma vez, os números por vezes apresentados
pertencem ao campo das hipóteses e das observações. Não há dados
científicos que indiquem, com segurança, que o uso de variedades
transgênicas possa efetivamente reduzir custos na agricultura brasileira.
8

Outro ponto que não pode ser esquecido diz respeito ao mercado
internacional. Os europeus, por exemplo, mantêm posição de cautela em
relação ao consumo de produtos alimentícios transgênicos. O Brasil poderia
valer-se da preferência dos compradores internacionais por produtos não
transgênicos para aumentar suas exportações agrícolas e, até mesmo, obter um
sobrepreço para a mercadoria.
4 ASPECTOS LEGAIS

Principais normas que regulamentam a questão no âmbito federal:


4.1 Dispositivos Constitucionais
O marco inicial da regulamentação dos organismos
geneticamente modificados foi estabelecido pela Constituição Federal (CF) de
1988.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder
público:
..............................................................................................................
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do
País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de
material genético;
..............................................................................................................
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente;
..............................................................................................................
9
A maioria dos Estados brasileiros inseriu a matéria em suas
Constituições. Apesar de não haver necessidade de repetir o já estabelecido na
CF, o fato de terem abordado o tema – “manipulação de material genético” –
demonstra a importância conferida à matéria.
4.2 Lei de Biossegurança

A Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995 (Lei de Biossegurança) –


alterada pela Medida Provisória (MPV) nº 2.191-9, de 23 de agosto de 2001
(nº 2.137, de 28 de dezembro de 2000, na edição original) –, estabelece
normas para o uso das técnicas de engenharia genética e a liberação no meio
ambiente de organismos geneticamente modificados5. Destacamos os
seguintes aspectos:

– o estabelecimento de mecanismos de fiscalização das atividades


que utilizam técnicas de engenharia genética;

– a abrangência de atividades: construção, cultivo, manipulação,


transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de
OGMs;

– a atribuição de competências específicas aos órgãos de


fiscalização dos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

– o estabelecimento das vedações referentes às atividades


relacionadas a OGMs, das infrações e dos crimes decorrentes
da inobservância dos preceitos fixados, bem como a previsão
de penalidades aplicáveis a cada caso;

– a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança


(CTNBio) e o estabelecimento de suas competências e
composição.
5
Estudo produzido por esta Consultoria analisa de forma mais aprofundada a Lei de Biossegurança, bem
como as modificações e efeitos produzidos pela MPV nº 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, assinalando,
ainda, os principais pontos polêmicos da norma.
10

A MPV nº 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, em essência, cria a


Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e estabelece sua composição e
competências.

Recordemos que, na realidade, a CTNBio foi preliminarmente


criada por meio do Decreto nº 1.752, de 20 de dezembro de 1995, que
regulamenta a Lei de Biossegurança6, o que gerou uma série de conflitos e
trouxe sérios questionamentos quanto à sua existência e competência,
inclusive de natureza judicial, conforme reconheceu o próprio Poder
Executivo ao editar a referida MPV.
4.3 Decreto nº 4.680, de 24 de abril de 2003

Esse decreto dispõe sobre rotulagem de alimentos geneticamente


modificados. Pela norma, os alimentos destinados ao consumo humano ou
animal que sejam produzidos a partir de OGMs ou contenham tais organismos
em teor acima do limite de 1% estão obrigados a apresentar essa informação
no rótulo. A exigência aplica-se a todos os alimentos (embalados, a granel e in
natura), inclusive os produzidos a partir de animais alimentados com
transgênicos.
4.4 Estudo de Impacto Ambiental, Licenciamento Ambiental e OGMs

A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Lei de Política Nacional


do Meio Ambiente), estabelece a obrigatoriedade do licenciamento ambiental
para as obras e atividades consideradas capazes, sob qualquer forma, de causar
degradação ambiental.
6
Foram vetados os arts. 5º (criação da CTNBio) e 6º (competências da Comissão) da Lei de Biossegurança,
em razão de vício de iniciativa legislativa (art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal).
11

O estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA), por sua vez, é


instrumento previsto no texto constitucional para as atividades potencialmente
causadoras de significativa degradação do meio ambiente (art. 225, § 1º, IV) e
requisito prévio para os procedimentos de licenciamento ambiental nos casos
de atividades de impacto ambiental significativo.

A Resolução nº 305, de 12 de junho de 2002, do Conselho


Nacional do Meio Ambiente (Conama), respaldada pelo art. 8º, inciso I, da Lei
nº 6.938, de 1981, disciplina os critérios e os procedimentos a serem
observados pelo órgão competente para o licenciamento ambiental de
atividades e empreendimentos que façam uso de OGMs e derivados e, quando
for o caso, para a elaboração do EIA/RIMA (art. 1º). Pela norma, é atribuição
do órgão ambiental competente exigir o EIA/RIMA, conforme previsto no art.
225 da Constituição Federal e nos termos da Lei nº 6.938, de 1981.

Em resumo, consoante as normas vigentes, todas as atividades


que envolvam OGMs devem ser obrigatoriamente licenciadas pelos órgãos
ambientais competentes. E o poder discricionário para exigir ou não o
EIA/RIMA é do órgão ambiental licenciador e não da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio), como defendido por muitos de seus
integrantes.
4.5 Outros atos normativos federais

O arcabouço legal relativo a OGMs compreende, ainda,


instruções normativas da CTNBio, resoluções, portarias e outros atos
normativos infralegais dos demais ministérios comprometidos com o controle
e a fiscalização das atividades envolvendo OGMs e já mencionados
anteriormente.
12
5 PROPOSIÇÕES EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL
5.1 SENADO FEDERAL

Projeto de Lei do Senado nº 216, de 1999, de autoria da


Senadora Marina Silva: proíbe, em todo o território nacional, por um período
de cinco anos, o cultivo de transgênicos, bem como a importação, a
exportação e a comercialização, para consumo humano e animal, de alimentos
geneticamente modificados. Essa proibição não se estende ao cultivo
experimental, seja ele conduzido em laboratório ou em condições de campo.

Projeto de Lei do Senado nº 271, de 2000, apresentado pelo


Senador Antônio Carlos Valadares: suspende, até o ano de 2004, todas as
ações que legalizem a produção e a comercialização de organismos
geneticamente modificados, quer sejam nacionais ou internacionais. A
moratória não se aplica à pesquisa e ao cultivo experimental de transgênicos.

As duas proposições tramitam em conjunto, por versarem sobre


matéria correlata, e aguardam apreciação das Comissões de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ), de Educação (CE), de Assuntos Econômicos
(CAE) e de Assuntos Sociais (CAS), cabendo a esta última decisão
terminativa.

Projeto de Lei do Senado nº 47, de 2003, que dispõe sobre a


produção e comercialização da soja geneticamente modificada. Tramita,
igualmente, em conjunto com os PLS nº 216, de 1999, e nº 271, de 2000.

Projeto de Lei do Senado nº 188, de 1999, de autoria do


Senador Carlos Patrocínio: obriga a rotulagem de produtos contendo
organismos geneticamente modificados ou derivados de OGM.

Projeto de Lei do Senado nº 422, de 1999, de autoria do


Senador Romero Jucá: dispõe sobre a rotulagem de produtos transgênicos.
13

Esses projetos estão sob exame da Comissão de Assuntos Sociais.


5.2 CÂMARA DOS DEPUTADOS
Projeto de Lei nº 2.905, de 1997, de autoria do Deputado
Fernando Gabeira, que “impõe condições para a comercialização de alimentos
geneticamente modificados”. A esse projeto foram apensadas outras vinte
proposições versando sobre: vedação de cultivo comercial, estabelecimento de
moratória por período de dois e três anos, obrigatoriedade de rotulagem,
normas para utilização e comercialização, no País, de sementes transgênicas.
O substitutivo apresentado pelo Deputado Confúcio Moura foi aprovado pela
Comissão Especial, constituída para o exame dessas proposições, e a matéria
está aguardando apreciação do Plenário.

Além dessas proposições, foi aprovado, por unanimidade, em 7


de maio de 2003, o relatório final apresentado pelo Deputado Ronaldo
Vasconcelos à Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) nº 34, de 2000,
de autoria do Deputado Fernando Ferro, que “propõe que a Comissão de
Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias fiscalize os procedimentos
adotados pelo Poder Executivo para autorizar a liberação de plantas agrícolas
transgênicas no País”.
6 POSIÇÃO DO GOVERNO FEDERAL E DA SOCIEDADE CIVIL
O que se tem observado nas diversas esferas do atual governo
federal, a partir de recentes declarações veiculadas pela mídia, é que não há
consenso sobre a matéria – aliás, conflitos da mesma natureza marcaram a
administração passada. Os ministros da Agricultura e do Meio Ambiente, por
exemplo, continuam a divergir frontalmente a respeito da pertinência da
produção e do consumo de alimentos geneticamente modificados. Para o
14
ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
seria interessante a coexistência dos dois tipos de grão, o que diversificaria a
pauta de exportações7. Muitas entidades públicas brasileiras de pesquisa e
ensino têm, inclusive, exercido forte oposição a uma moratória dos cultivos
transgênicos, uma vez que necessitam de recursos privados para sua
manutenção.
A ministra do Meio Ambiente continua a defender a aplicação do
Princípio da Precaução8 e considera essencial a realização de estudos de
impacto ambiental antes de se decidir pela liberação das lavouras
geneticamente modificadas.
Além dos aspectos ambientais e de saúde humana, há questões
sobre estratégias econômicas e de exportação que também requerem do
governo federal atenção especial, uma vez que mercados importadores
tradicionais, como os países da União Européia, não aceitam grãos
geneticamente modificados. As exportações brasileiras de soja vêm,
progressivamente, ganhando mercado ao longo dos últimos cinco anos e, pela
primeira vez, o país exportará volume superior ao dos Estados Unidos. De
acordo com o Ministro Roberto Rodrigues, o país exportará US$ 7,5 bilhões
neste ano e os norte-americanos menos de US$ 7 bilhões. Em 2001, as
exportações de soja brasileira foram de US$ 6,1 bilhões, contra US$ 7,1
bilhões dos EUA9.

Igualmente notória, e também de longa data, é a divergência de


opiniões verificada entre organizações ambientalistas e de defesa do
consumidor, institutos de pesquisa, associações de classe, comunidade
7
Especialistas, no entanto, argumentam que o País não tem condições técnicas para garantir a segregação, o
armazenamento e a comercialização das duas variedades de grão, sem riscos de contaminação da soja
convencional pela transgênica.
8
O Princípio da Precaução (Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro, de 1992), consolidado na
legislação ambiental brasileira e nos acordos internacionais sobre Diversidade Biológica e Biossegurança,
reza que: “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado
pelos Estados (...) Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza
científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis
para prevenir a degradação ambiental”. Em resumo, na dúvida, adotam-se medidas preventivas para evitar
possíveis danos.
9
Jornal Folha de S. Paulo, 28/02/03.
15

científica, sindicatos rurais, agricultores, cooperativas


agropecuárias e empresas de biotecnologia.

As organizações integrantes do movimento “Por um Brasil Livre


de Transgênicos”10, por exemplo, já se mobilizam uma vez mais para pedir a
moratória do cultivo, comercialização e consumo de transgênicos — até que
se tenha um volume de estudos mais consistentes a respeito dos seus efeitos,
no longo prazo, sobre a saúde pública e o meio ambiente.
O Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do
Consumidor, que congrega vinte organizações em todo o País e é presidido
pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), encaminhou ao
Presidente da República, no início de março, documento no qual solicitava
que a soja transgênica plantada ilegalmente não fosse comercializada no
mercado interno e defende uma moratória, até que haja uma sólida
regulamentação técnica11.
Por sua vez, a Associação Brasileira de Agribusiness (Abag),
entidade da qual já foi presidente o atual ministro da Agricultura, promoveu
recentemente um encontro de diversos segmentos do agronegócio brasileiro12,
com a finalidade de elaborar documento de apoio à liberação do plantio e da
comercialização de culturas transgênicas, conforme noticiou, em 11 de março
do corrente ano, o jornal Folha de S. Paulo.
As empresas de biotecnologia, em sua maioria multinacionais,
apoiadas por diversas entidades de classe e empresários ligados ao setor
agrário são francamente favoráveis à liberação dos cultivos transgênicos e à
inexistência de quaisquer restrições, inclusive a rotulagem, para a
comercialização desses produtos.
10
Desse movimento fazem parte as ONGs: AS-PTA, Actionaid Brasil, Esplar, Inesc, Greenpeace, CT-IPÊ e
Fase.
11
Fonte: http://www.idec.org.br/paginas
12
Dentre as entidades convidadas destacam-se a Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja), a
Associação Brasileira de Produtores de Sementes (Abrasem), a Associação Brasileira das Indústrias de
Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).
16

7 A SOJA TRANSGÊNICA NO BRASIL, A LEI Nº 10.688, DE 13 DE


JUNHO DE 2003, E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 131, DE 25 DE
SETEMBRO DE 2003

A Monsanto do Brasil Ltda. requereu à Comissão Técnica


Nacional de Biossegurança (CTNBio), em 15 de junho de 1998, permissão
para o cultivo comercial da soja transgênica Roundup Ready (RR)13. Em 24 de
setembro do mesmo ano, por meio do Comunicado nº 5414, a CTNBio
autorizou o registro e o conseqüente plantio comercial da cultivar
geneticamente modificada. A Comissão concluiu que não haveria risco para o
meio ambiente, nem para a saúde do consumidor.

Essa soja recebeu, por meio de técnicas de engenharia genética, o


gene de uma bactéria, Agrobacterium sp., resistente ao glifosato, princípio
ativo do herbicida Roundup, produzido pela própria Monsanto. Assim, a soja
RR contém um gene modificado que a torna tolerante ao herbicida em
questão.

A autorização da CTNBio está sendo contestada na Justiça, uma


vez que prescindiu de estudos nacionais, inclusive de impacto ambiental15. Os
existentes referiam-se à eficiência agronômica e ao manejo das pragas da
lavoura. Apesar da afirmação corrente de que a soja RR não representa riscos
ao meio ambiente, tal assertiva somente poderia ser feita após a realização de
pesquisas conduzidas nas condições ambientais brasileiras. No caso em
análise, a Comissão limitou-se a citar aprovações concedidas por outros
países16.
13
Processo nº 01200.002402/98-60.
14
Íntegra do Comunicado está disponível na página da CTNBio (http://www.ctnbio.gov.br/ctnbio/legis/).
15
A CTNBio emitiu parecer favorável à liberação da soja RR, dispensando a Monsanto do Brasil Ltda. de
realizar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), em desacordo com o que determina a Constituição
Federal e a legislação ambiental vigente.
16
Diga-se, de passagem, que grande parte da documentação do Processo nº 01200.002402/98-60 encontra-se
em inglês. Constam, ainda, dos autos do processo pareceres de várias instituições, de entidades de classe e
de organizações não-governamentais que questionam os procedimentos da CTNBio, bem como a falta de
transparência e de informações relevantes para a tomada de decisão.
17

Houve, de fato, a nosso ver, inegável açodamento da CTNBio em


autorizar a liberação do produto17 – à revelia, inclusive, de argumentos
técnicos de cientistas da própria Comissão, cujo parecer expõe a insuficiência
de estudos nacionais, sobretudo relacionados com a interação planta/ambiente,
para respaldar o processo decisório18. A Comissão estaria, assim, agindo de
forma política, comprometendo sua credibilidade técnica.

Não obstante a liberação pela CTNBio, o plantio em escala


comercial da soja transgênica foi proibido no Brasil por determinação
judicial19, fato que levou o atual governo a editar as Medidas Provisórias nº
113 e nº 131, respectivamente, em março e em setembro deste ano (a serem
oportunamente comentadas). Embora a Comissão haja liberado a soja RR em
1998, sentença judicial proferida em junho de 2000, em decorrência de ação
civil pública impetrada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
(IDEC) e pela associação civil Greenpeace, determina que a CTNBio:

1. exija a realização prévia de Estudo de Impacto Ambiental


(EIA/RIMA), não só pela Monsanto, para o caso específico da
soja RR, mas para todos os outros pedidos de liberação de
transgênicos submetidos àquela Comissão, conforme previsto
na legislação vigente; e

2. elabore normas relativas à rotulagem dos alimentos


geneticamente modificados, em obediência às determinações
do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990).

A União e a Monsanto recorreram da decisão. No início de


fevereiro próximo passado, o Ministério do Meio Ambiente solicitou à
Advocacia Geral da União (AGU) que requeresse, temporariamente, a
suspensão do julgamento do recurso interposto. O pleito foi acatado pelo
17
Apesar de cumpridos os trâmites burocráticos, passaram-se apenas três meses entre a solicitação feita pela
Monsanto e a decisão da CTNBio.
18
O parecer, emitido em 14 de julho de 1998, é assinado pelos membros da Comissão Setorial Específica
Ambiental da CTNBio, Eliana M. G. Fontes (pesquisadora da Embrapa) e Evaldo F. Vilela (págs. 357e
358 do Processo).
19
Não há qualquer vedação em relação a pesquisa e experimentos de campo.
18

Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. No último dia 8


de setembro, a 5ª Turma do TRF cassou – por dois votos contra um – liminar
favorável ao recurso da Monsanto e da União, a qual fora concedida, em
agosto, pela juíza Selene Maria de Almeida, do próprio TRF. O caso não está
encerrado, pelo menos até que a mesma 5ª Turma julgue o mérito do recurso.
Não há, portanto, na legislação federal, qualquer vedação quanto
ao cultivo de produtos agrícolas geneticamente modificados, desde que
devidamente autorizado pelos órgãos competentes. É o que determina a Lei nº
8.974, de 5 de janeiro de 1995 (Lei de Biossegurança), que estabelece normas
para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação, no meio ambiente,
de organismos geneticamente modificados (OGMs). Tanto não há proibição,
que se encontram sob exame desta Casa os Projetos de Lei do Senado nº 216,
de 1999, e nº 271, de 2000, já discutidos no tópico 5 deste estudo.
No entanto, em flagrante descumprimento da decisão judicial que
veda o cultivo de transgênicos, vários agricultores plantaram a cultivar
geneticamente modificada, no que contaram com a complacência das
autoridades governamentais e a omissão e a inoperância dos órgãos de
fiscalização.

Reconhecendo a existência de plantio ilegal da soja RR,


sobretudo no Rio Grande do Sul, o governo brasileiro editou a Medida
Provisória nº 113, de 26 de março de 2003, convertida na Lei nº 10.688, de 13
de junho de 2003, que estabelece normas para a comercialização da produção
de soja transgênica da safra de 2003. A lei autoriza que a safra seja
comercializada até março de 2004, inclusive no mercado interno. É impossível
não perceber aspectos contraditórios nessa decisão. Só a safra de 2003 seria
segura dos pontos de vista ambiental e de saúde pública? E as próximas, não?
19

Com a edição da norma, o governo reconheceu oficialmente o


plantio ilegal da soja RR, o que poderá levar a Monsanto a pleitear a cobrança
de royalties sobre a “soja clandestina” que contenha o transgene da empresa.
A companhia já estaria, inclusive, discutindo com o governo brasileiro os
direitos de propriedade intelectual sobre o cultivo de sementes transgênicas no
País – uma das propostas seria cobrar royalties do exportador, que repassaria o
custo ao agricultor. Recentemente, o secretário-executivo do Ministério da
Agricultura declarou que: “A Monsanto tem colaborado muito com o governo
e já abriu mão de receber royalties da safra 2002/03. O Brasil é signatário da
legislação internacional de patentes e não pode permitir ilegalidades”20.

É indiscutível que o Brasil deva cumprir as normas legais


relativas a patentes, mas, uma vez mais, é, no mínimo, ambígua a posição das
autoridades governamentais: excepciona-se a venda da safra 2002/2003,
mantém-se a vedação de novos plantios e negocia-se a cobrança de royalties
sobre o cultivo transgênico ainda não autorizado.

Na realidade, essa decisão “aparentemente contraditória” ficou


bastante clara com a edição da MPV nº 131, de 25 de setembro, que liberou,
para a safra de 2004, o cultivo de soja transgênica – que seguia proibido, até
então, por decisão da Justiça – e eximiu os agricultores do cumprimento das
formalidades legais relativas às atividades que envolvem o uso de espécies
geneticamente modificadas.

A edição da Medida Provisória nº 131 fundamentou-se na mesma


lógica da MPV nº 113, de março de 2003 (Lei nº 10.668, de 13 de junho de
2003), que permitiu a comercialização da soja transgênica da safra de 2003,
cultivada ilegalmente no País: a do fato consumado. Da mesma forma que a
anterior, a MPV nº 131, que agora autoriza também o plantio para a próxima
safra, é casuísta e premia aqueles que agiram de forma ilegal.
20
Jornal “Valor Econômico”, de 9 de maio de 2003.
20

Uma das razões alegadas pelas autoridades governamentais para


a adoção da MPV nº 131 é a de que, como os agricultores reservaram parte
das sementes modificadas da safra atual para o plantio da safra de 2004, o
governo não teria outra forma de contornar a situação, sob pena de
agravamento da crise social nas regiões onde o fato ocorreu21. Aliás, a mesma
justificativa foi invocada para legalizar a comercialização da soja transgênica
da safra de 2003, plantada em flagrante desobediência a uma proibição
judicial.

Uma leitura mais atenta da Lei nº 10.688, de 2003, é suficiente,


no entanto, para contestar esse argumento. O disposto no art. 5º, que ora não
se aplica à safra de 2004, por força da MPV nº 131, explicitava que, para o
plantio da soja da safra de 2004 e posteriores, deveriam ser observados os
termos da legislação vigente. Os sojicultores estavam cientes, portanto, desde
o último mês de março, que o plantio de novas safras de soja transgênica
estaria condicionado às obrigações previstas nas normas ambientais
pertinentes.

Em síntese, a MPV nº 131, de 2003, determina que os grãos da


safra transgênica reservados pelos agricultores para uso próprio só poderão ser
plantados até 31 de dezembro de 2003. Veda a comercialização do grão como
semente, o cultivo em propriedade situada em Estado distinto daquele em que
foi produzido e a compra de novas sementes da categoria para o plantio22.

Tal como anteriormente previsto na Lei nº 10.668, de 2003, essa


MPV proíbe o cultivo de soja geneticamente modificada para as próximas
safras, até que se cumpram os preceitos legais vigentes. Resta saber se essas
restrições serão respeitadas pelos sojicultores e exigidas pelo Governo.
21
Exposição de Motivos nº 38, de 25 de setembro de 2003, da Casa Civil da Presidência da República.
22
Outro estudo elaborado por esta Consultora analisa de forma mais aprofundada o alcance e as implicações
da Medida Provisória nº 131, de 25 de setembro de 2003.
21

A MPV nº 131, de 2003, deixa dúvidas ainda em relação à


fiscalização do plantio, do destino e da rotulagem dos produtos derivados da
soja geneticamente modificada da safra de 2004. O Ministério da Agricultura,
responsável por fiscalizar as plantações, reconhece não dispor de fiscais em
número suficiente para a tarefa e avalia que será muito difícil proibir o plantio
e a comercialização da cultivar transgênica a partir do próximo ano. Aliás, até
o momento não foram adotadas quaisquer medidas concretas relativas à
fiscalização e à rotulagem dos produtos derivados da soja transgênica da safra
de 2003, cuja comercialização foi autorizada pela Lei nº 10.688, de 2003.

A propósito, entidades de classe ligadas ao setor do agronegócio


já estão se mobilizando para alterar a MPV, em particular, no que tange ao
Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta (TAC),
a ser obrigatoriamente firmado pelos agricultores que plantarem seus estoques
de grãos geneticamente modificados.

A insatisfação dos sojicultores com a decisão governamental em


liberar parcialmente e com ressalvas o cultivo da soja transgênica e a
disposição de burlar, uma vez mais, as normas legais ficam evidentes a partir
da posição assumida pelo Presidente da Associação Brasileira dos Produtores
de Sementes (Abrasem). Conforme publicado pela Folha de S. Paulo em 20
de outubro, o produtor, ao criticar o texto da medida provisória, afirmou que
“a soja transgênica será plantada em todos os Estados que produzem a cultura”
e que “15 milhões das 60 milhões de toneladas de soja estimadas para a safra
2003/2004 serão transgênicas”. A matéria veiculada sob o título de “MP
intensifica comércio de sementes transgênicas” relata que sementeiros dos
municípios gaúchos de Carazinho, Panambi e Cruz Alta estão fornecendo
sementes transgênicas para produtores de São Paulo, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Goiás e Paraná.

O embate deve acirrar-se com a decisão tomada pelo Governo do


Estado do Paraná de transformar seu território em área livre de cultivos
transgênicos, de modo a garantir, para a sua soja convencional, os mercados
22

internacionais já conquistados. Nesse sentido, foi aprovada, em


outubro deste ano, lei estadual que proíbe, até 31 de dezembro de 2006, o
cultivo, a comercialização e a importação de transgênicos. A lei veda,
inclusive, o trânsito dessa categoria de produto pelo porto de Paranaguá.

Relativamente à forma como o Governo Federal vem


posicionando-se frente ao tema, não nos parece que as recentes decisões
tenham sido pautadas por critérios exclusivamente técnicos e científicos.
Aliás, ainda não foi enviado ao Congresso Nacional o projeto de lei prometido
à época da edição da MPV nº 113, em março deste ano, com a finalidade de
estabelecer um novo regime jurídico para as atividades relacionadas a
organismos geneticamente modificados. Já se passaram oito meses e seu
encaminhamento adiado mais uma vez.

A edição da MPV nº 131, de 2003, após conflitos e sérias


divergências que evidenciaram a divisão do governo em relação à matéria,
vem provocando também forte reação contrária de diversos segmentos da
sociedade, inclusive por parte de associações de classe de juízes e membros do
Ministério Público.

Apesar de o Governo Federal estar convicto da plena juridicidade


da medida provisória, ela está sendo questionada no Supremo Tribunal
Federal (STF). Até o momento, o Partido Verde, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag) e o Procurador-Geral da República já
ajuizaram Ações Diretas de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar,
para suspender os efeitos da MPV nº 131, de 2003 (ADINs 3011, 3014 e 3017,
respectivamente).

Por fim, outra recente controvérsia relaciona-se ao uso do


glifosato, na modalidade de aplicação pós-emergência, na cultura de soja
transgênica Roundup Ready – cuja característica é exatamente ser tolerante,
após sua eclosão, a esse tipo de herbicida. O pedido de autorização, feito em
caráter emergencial pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
23

ao Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos (CTA) –


composto por representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, da Saúde e
da Agricultura –, foi indeferido em reunião realizada no último dia 9 de
outubro. O CTA avaliou que, para essa modalidade de aplicação do
agrotóxico, não existem dados suficientes, relativos ao limite máximo de
resíduo do herbicida aceitável nos grãos, que garanta a segurança dos
consumidores.

Enquanto não for concedida essa autorização, o agricultor que


usar o herbicida na pós-emergência da soja estará sujeito às sanções previstas
na Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que normatiza, entre outros aspectos,
o registro, a classificação, a utilização e a fiscalização de agrotóxicos.
8 EXIGÊNCIA DE ESTUDOS NACIONAIS
Por ser o Brasil rico em biodiversidade, o impacto do uso de
sementes transgênicas não pode ser avaliado apenas com base em estudos
internacionais – feitos principalmente nos Estados Unidos (EUA) e Canadá,
onde há baixa diversidade biológica –, como tem sido a tônica até o momento.

É imprescindível, portanto, realizar estudos locais, sobretudo no


que se refere aos riscos para o meio ambiente. Estudos e pesquisas feitos nos
EUA não se aplicam necessariamente a outros países, com características
ambientais e socioeconômicas diversas. Não há como sustentar o argumento
comumente empregado de que “se os Estados Unidos já aprovaram (....)”. As
condições ambientais existentes no Brasil – país tropical – são totalmente
diferentes daquelas observadas em países de clima temperado, como é o caso
dos EUA. Não é possível, portanto, aceitar como verdade absoluta, para a
realidade brasileira, estudos conduzidos naquele país.

A esse respeito, bastante oportuna é a declaração do atual


Presidente da Embrapa, veiculada pela Folha de S. Paulo no último dia 12 de
outubro, que vem ao encontro da tese acima defendida. Segundo o
24

pesquisador, “há muitos dados, inclusive do exterior. São nesses


dados que os pesquisadores da Embrapa têm se baseado para se posicionar” e
“precisamos de informações mais direcionadas às nossas condições, até
porque o país é extremamente heterogêneo e tem uma diversidade muito
grande em termos de recursos naturais”23.

São necessários não só estudos relativos aos impactos da


tecnologia sobre o meio ambiente e a saúde humana, mas também sobre: a
questão de mercado; os aspectos relacionados à redução, ou não, do uso de
agrotóxicos nos cultivos modificados; os impactos socioeconômicos, como,
por exemplo, a situação dos pequenos agricultores em face dessa nova
tecnologia, a dependência em relação aos insumos (pacote semente-herbicida)
e o monopólio das empresas sementeiras; a pressão para o patenteamento dos
seres vivos; o acesso e uso dos recursos genéticos, dada a imensa e cobiçada
biodiversidade brasileira. São pontos que requerem uma reflexão mais
aprofundada.
9 ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO E DA COMISSÃO
TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA

É notória a reduzida capacidade operacional dos órgãos de


fiscalização dos Ministérios do Meio Ambiente, da Saúde e da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento – que detêm competência legal para garantir a
segurança necessária à liberação de OGMs no meio ambiente e à
comercialização de alimentos transgênicos.

Não obstante a plantação e a comercialização da soja transgênica


terem sido proibidas por imposição da Justiça, há muito tempo denúncias já
vinham apontando o cultivo ilegal do grão modificado, sobretudo no Rio
Grande do Sul, sem que os órgãos de fiscalização competentes tivessem
tomado
23
A Embrapa, órgão subordinado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mantém acordos,
desde 1997, com a Monsanto, e nos últimos anos desenvolveu soja transgênica a partir de genes cujos direitos
de patente pertencem à multinacional.
25

qualquer providência. Conforme declarou o ministro da


Agricultura ao jornal O Estado de São Paulo, edição de 19 de fevereiro de
2003, apesar de inexistir estatística oficial a respeito do volume de soja
plantada ilegalmente, estima-se que cerca de 8% do total da safra nacional
deste ano seja da variedade transgênica, o que equivaleria a uma receita de
mais de R$ 1 bilhão. Esse fato levou o governo federal a editar a Medida
Provisória nº 113, de 26 de março de 2003, posteriormente convertida na Lei
nº 10.688, de 13 de junho de 2003, e a MPV nº 131, de 25 de setembro de
2003, às quais fizemos referência em tópico anterior.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e a organização


não-governamental Greenpeace denunciaram, por diversas vezes, a presença,
nas prateleiras dos supermercados, de produtos, nacionais e importados, nos
quais teriam sido identificados componentes transgênicos (soja ou milho).
Mais uma vez a fiscalização, a cargo do Ministério da Saúde, foi muito tímida.

Existem deficiências, portanto, em todos os órgãos de


fiscalização. Há carência de recursos humanos e de estrutura até mesmo para o
acompanhamento e a fiscalização dos plantios experimentais já autorizados
pela CTNBio, conforme reconhecem os próprios técnicos do Ministério da
Agricultura. A propósito, desde sua implantação, a Comissão já autorizou
aproximadamente mil liberações controladas, envolvendo soja, milho, arroz,
algodão, cana-de-açúcar, fumo e batata – implantadas em diversas áreas do
País.

É justo reconhecer que esse campo de ação exige infra-estrutura


de alta tecnologia e recursos humanos especializados – que não têm sido
efetivamente assegurados pelas autoridades competentes – para que se possa
garantir a liberação dos cultivos geneticamente modificados e a
comercialização de alimentos transgênicos, sem colocar em risco a saúde do
consumidor e a integridade do meio ambiente.
26

No que se refere à atuação e à credibilidade da CTNBio, outro


ponto, questionado de longa data, além daqueles já discutidos no tópico 7
deste estudo, diz respeito à sua composição. Um dos aspectos observados é
que a Comissão deveria contar, entre seus membros, de notório saber, com
cientistas de várias áreas de conhecimento, e não somente “biotecnólogos”.
Como alertam muitos especialistas, a biossegurança não deve ser examinada
só pelo ângulo da biotecnologia, e a excessiva concentração de cientistas
ligados a essa área poderia levar a uma situação indesejável – a troca de
favores entre as partes envolvidas: avaliadores e interessados no pleito.

Aliás, é no mínimo estranho que a CTNBio tenha autorizado


experimentos de campo com área de sessenta hectares e mais, como ocorrido.
E que esses ensaios autorizados o tenham sido para a Monsanto, enquanto que
“as áreas experimentais para as demais empresas e para as instituições
públicas são significativamente menores, dentro dos padrões aceitáveis pelo
bom senso e, salvo melhor juízo, pela práxis científica”24. Não há “razões
científicas que amparem a necessidade de áreas de tal dimensão para a
condução de ensaios experimentais”. Essas conclusões constam do relatório
final apresentado pelo Deputado Federal Ronaldo Vasconcellos à Proposta de
Fiscalização e Controle (PFC) nº 34, de 2000 (que “propõe que a Comissão de
Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias fiscalize os procedimentos
adotados pelo Poder Executivo para autorizar a liberação de plantas agrícolas
transgênicas no País”), aprovado em 7 de maio de 2003.

Consoante o mencionado relatório, “não se afasta possibilidade


de que referidos ensaios fizessem parte da estratégia da empresa [Monsanto]
de implantar campos de multiplicação de sementes ‘disfarçados’ de ensaios”.
Ainda, esses campos “estariam, assim, atendendo à necessidade de obter
rapidamente um estoque de sementes suficiente para alavancar os plantios
comerciais, após a liberação oficial da cultivar. Mas podem estar, também, na
24
Observe-se que os ensaios referidos foram autorizados antes da liberação comercial, pela CTNBio, da soja
transgênica.
27

raiz da disseminação de sementes transgênicas nas lavouras


clandestinas nos campos brasileiros”.

O documento aponta, além disso, que a CTNBio concedeu à


Monsanto autorização para o plantio de 110 ha de soja transgênica
(Comunicado nº 43, de 30 de junho de 1998), na qual está explícito “que se
tratava de campo com o objetivo de ‘produção de sementes de cultivares e
linhagens de soja Roundup Ready’ (...) sendo, posteriormente, destinadas às
áreas de produção”25 e que “grosso modo, esses 110 ha autorizados terão
produzido algo como 200 toneladas de sementes”. Conclui o relatório: “Já era
‘carta marcada’, em junho [1998], que a soja seria liberada (como o foi, em
outubro [1998])?”.

Outro aspecto polêmico refere-se ao fato de que a CTNBio


autorizou, sem qualquer amparo legal, a implantação de lavouras
demonstrativas de soja e milho transgênicos em campos experimentais, em
exposições agropecuárias e em propriedades particulares, com a finalidade de
“mostrar aos produtores a nova tecnologia”26. Registre-se que muitas dessas
autorizações foram emitidas antes da aprovação para plantio comercial da soja
RR, e que até hoje não houve qualquer deliberação por parte da Comissão
quanto ao cultivo comercial do milho geneticamente modificado. Mais uma
vez, cabe indagar: essas lavouras não seriam campos de multiplicação de
sementes? Ou, ainda, uma forma de pressão: a teoria do fato consumado? Esse
procedimento, contudo, já não estaria sendo mais adotado, desde fevereiro de
1999, conforme comunicado da própria CTNBio27.
25
Recorde-se que à época a cultivar ainda não havia sido liberada pela CTNBio.
26
Estudo elaborado em 1999 por José Cordeiro de Araújo, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados –
“Produtos Transgênicos na Agricultura” – mostrava que até 18 de março de 1999, a CTNBio autorizou a
implantação de 432 lavouras demonstrativas de milho.
27
Relatório final relativo à PFC nº 34, de 2000, da Câmara dos Deputados.
28
10 ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS NO ÂMBITO
INTERNACIONAL

10.1 Países que cultivam ou comercializam OGMs

Os Estados Unidos comercializam alimentos transgênicos desde a


década de 1990. O primeiro produto que chegou aos supermercados
americanos foi o tomate longa vida (tomate FLAVR-SAVR). O Canadá é
outro país que liberou, produz e defende a liberação de OGMs.

A Argentina também liberou, há cerca de sete anos, a produção e


a comercialização dos transgênicos. A Argentina, os EUA e o Canadá são os
maiores produtores de soja transgênica.

Dados do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações de


Agrobiotecnologia (International Service for the Acquisition of Agribiotech
Applications – ISSAA), ligado às indústrias norte-americanas, indicam que,
em 2002, a área mundial cultivada com transgênicos estaria ao redor de 58
milhões de hectares. Os quatro principais plantadores – responsáveis por 99%
da área global de lavouras transgênicas – seriam os EUA, com 66% da área
total, seguidos pela Argentina (23%), Canadá (6%) e China (4%). Os
principais cultivos seriam, por ordem decrescente, a soja, o milho, o algodão e
a canola28.

Ainda segundo a mesma fonte, outros países também já estariam


plantando transgênicos e seriam os responsáveis pelo 1% restante dos cultivos
geneticamente modificados: Austrália, África do Sul, Índia, Romênia, México
e Uruguai, entre outros.

Destacamos que a relação dos países que cultivam e


comercializam produtos transgênicos, aqui apresentada, teve por objetivo
traçar, de forma exemplificativa, um panorama do comércio mundial das
28
JAMES, C. Global Review of Commercialized Transgene Crops. 2002 (www. issaa.org)
29

culturas geneticamente modificadas. Não se pretendeu realizar


um levantamento exaustivo a respeito da questão.
10.2 Regulamentação: União Européia e Estados Unidos

10.2.1 União Européia

Ao mesmo tempo em que muitos países vêm liberando


comercialmente os cultivos transgênicos, a União Européia apresenta
restrições e atitude de cautela em relação ao plantio e ao consumo desses
produtos, priorizando a compra de grãos convencionais, em detrimento dos
geneticamente alterados.

A legislação comunitária vem estabelecendo, desde o início da


década de 1990, normas rígidas relativas à regulação de organismos
geneticamente modificados (OGMs), permanentemente atualizadas ao longo
dos últimos anos.

No presente, o principal instrumento legislativo é a Diretiva


2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da União Européia, de 12
de março de 2001, relativa à liberação deliberada29 de OGMs no meio
ambiente. A norma aperfeiçoou e revogou a Diretiva 90/220/CEE do
Conselho, de 23 de abril de 1990, e tem efeito a partir de 17 de outubro de
2002.

Em conformidade com o princípio da precaução, a mencionada


diretriz tem por objetivo a proteção do ambiente e da saúde humana, como
também a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e
administrativas dos Estados-Membros – os quais teriam prazo até outubro de
2002 para incorporar às respectivas normas nacionais as obrigações instituídas
pela Diretiva 2001/18/CE.
29
Liberação deliberada no ambiente inclui experimentos de campo e comercialização.
30

A diretiva em tela estabelece os critérios e procedimentos a serem


observados para a liberação de OGMs – seja com propósito comercial seja
com outras finalidades30, inclusive de pesquisa – e cobre todos os tipos de
organismos geneticamente modificados: plantas, animais e microorganismos.

Destacamos algumas das principais obrigações impostas pela


Diretiva 2001/18/CE:

– avaliação caso a caso dos possíveis riscos ambientais e à saúde


humana, preliminarmente à liberação de OGMs;

– estabelecimento de procedimentos e critérios harmonizados


para a avaliação caso a caso dos riscos potenciais resultantes
da liberação;

– realização prévia de experimentos de campo, nas fases de


investigação e desenvolvimento, em ecossistemas que possam
ser afetados pela utilização de OGMs;

– respeito aos requisitos do Protocolo de Cartagena31 relativo à


segurança biológica, anexado à Convenção sobre Diversidade
Biológica;

– garantia da rastreabilidade dos produtos que contenham ou


sejam constituídos por OGMs, em todas as fases da sua
colocação no mercado;

– rotulagem obrigatória para os produtos geneticamente


modificados comercializados no âmbito da Comunidade
Européia;
– adoção de plano de monitoramento com a finalidade de detectar
e identificar efeitos imprevistos sobre a saúde humana e o
ambiente, resultantes da liberação de produtos que contenham
ou sejam constituídos por OGMs.
30
Experimentos de campo, uso de microorganismos geneticamente modificados para processos de
biorremediação (tecnologia de utilização de microorganismos na recuperação de áreas contaminadas).
31
O Protocolo de Cartagena (ou Protocolo de Biossegurança), assinado sob a égide da Convenção sobre
Diversidade Biológica, regula o movimento transfronteiriço de OGMs.
31

Com base na Diretiva 90/220/CEE, a União Européia concedeu


dezoito autorizações relativas à liberação deliberada de OGMs, as quais
deverão ser revistas à luz das novas exigências introduzidas pela Diretiva
2001/18/CE.

Não obstante as autorizações concedidas, os consumidores


europeus se recusaram a aceitar alimentos geneticamente modificados – e
continuam opondo-se a eles –, o que levou vários Estados-Membros a invocar
o artigo 16 da Diretiva 90/220/CEE, que permite limitar ou interditar,
temporariamente, a colocação no mercado de produtos geneticamente
modificados. Essa atitude tem funcionado, na prática, como uma “moratória”,
dado que nenhum outro alimento que contenha ou seja constituído por OGMs
foi autorizado, pela União Européia, após outubro de 1998. Entre os países
que invocaram a cláusula de salvaguarda estão a França, a Alemanha e o
Reino Unido.

A União Européia também reconhece o direito do consumidor à


informação, com a rotulagem permitindo ao cidadão, devidamente informado,
escolher se deseja ou não consumir produtos geneticamente modificados.

Apesar desse entendimento, muitos dos produtos geneticamente


modificados não se enquadram, atualmente, nas normas específicas de
rotulagem existentes (Regulamentos CE 258/97, art. 8º, CE 1.139/98, CE
49/2000, e CE 50/2000)32. Essa situação deverá, em breve, ser alterada, uma
vez que exigências suplementares, relativas à rotulagem e à rastreabilidade de
alimentos geneticamente modificados, estão sendo discutidas pelo Conselho
da União Européia.

Nos termos da legislação vigente, a rotulagem é obrigatória para


os produtos que contenham, no mínimo, 1% de ingredientes transgênicos,
percentagem que está sendo revista. A rotulagem não se aplica, no entanto,
aos alimentos produzidos a partir de OGMs, mas que não apresentem traços
32
A íntegra das diretivas citadas neste estudo está disponível na página da União Européia
(http://www.europa.eu.int/comm/food/fs/gmo/gmo_legi). Acesso em maio de 2003.
32

de DNA (ácido desoxirribonucléico33) ou de proteínas derivadas


de OGM – como é o caso, por exemplo, do óleo de soja ou de milho altamente
refinado e obtido a partir de soja e milho geneticamente modificados.

Pela nova proposta legislativa em exame, será obrigatória a


rotulagem para todos os gêneros alimentícios produzidos a partir de OGMs,
independentemente de o produto final conter ou não DNA ou proteínas
derivadas de organismo geneticamente modificado. Não só os mencionados
óleos de soja e milho seriam etiquetados, como também, por exemplo,
biscoitos fabricados com óleo de milho produzido com milho transgênico.

Outra inovação a ser introduzida diz respeito à exigência da


rotulagem de todos os alimentos geneticamente modificados destinados à
alimentação animal.

Em resumo, a Diretiva 2001/18/CE, associada a uma


regulamentação mais severa a respeito de rotulagem e rastreabilidade de
alimentos transgênicos, pretende reverter o quadro de repúdio ao consumo de
alimentos geneticamente modificados – hoje presente em grande parte dos
países europeus – e conquistar a confiança dos consumidores nos produtos
autorizados, tarefa que não será de todo fácil.

10.2.2 Estados Unidos

Nos Estados Unidos (EUA), a segurança dos produtos


geneticamente modificados é avaliada, a partir de um conjunto de normas,
critérios e procedimentos específicos, por diversas instituições: a
Administração de Alimentos e Drogas (Food and Drug Administration –
FDA); o Departamento de Agricultura34 (United States Department of
Agriculture – USDA); a Agência de Proteção ao Meio Ambiente
(Environmental Protection Agency – EPA); e o Instituto Nacional de Saúde
33
ADN (DNA, na sigla em inglês) é a substância química constituinte dos genes – material hereditário.
34
Órgão equivalente ao Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária do Brasil.
33

(National Institute of Health – NIH). Nem todas as entidades


manifestam-se sobre todos os tipos de OGM. Por exemplo, organismos
geneticamente modificados não relacionados a doenças de plantas, ainda que
vinculados ao setor agrícola, não são avaliados pela USDA. No caso da soja
americana geneticamente modificada, a autorização coube à FDA.

Os alimentos transgênicos liberados no mercado norte-americano


foram autorizados com base no princípio da “equivalência substancial”35. No
caso da soja, a FDA considerou o produto transgênico “equivalente” ao
convencional, no que diz respeito a cor, textura, composição nutricional e teor
de óleo, entre outras características, e aprovou sua comercialização.

As normas americanas não exigem a segregação e a rotulagem de


produtos alimentícios geneticamente modificados, uma vez que a FDA adota o
critério da “equivalência substancial” entre o alimento geneticamente
modificado e o convencional.

A rotulagem dos alimentos geneticamente modificados começa,


no entanto, a ser questionada pelos consumidores norte-americanos. Pesquisas
de opinião em curso nos EUA vêm indicando que grande parte da população
americana quer que esses alimentos sejam etiquetados.
11 CONCLUSÃO
• Os organismos geneticamente modificados ou transgênicos (OGMs) são
definidos, basicamente, como organismos nos quais o material genético
(genes) sofreu alteração, artificialmente, por meio de técnicas de “engenharia
genética”. Essa tecnologia permite transferir genes previamente selecionados
de um indivíduo para outro, inclusive entre espécies diferentes.
35
Esse conceito tem sido alvo de críticas. Para muitos especialistas, seria um critério útil à indústria, mas
inaceitável do ponto de vista do consumidor e da saúde pública. A rigor, em termos de genoma (conjunto
de genes) a variedade modificada não é igual nem equivalente à convencional. Na verdade, um novo gene
(transgene) foi introduzido, com implicações que não seriam ainda de todo conhecidas.
34
Portanto, nada mais falso do que a idéia simplista – que alguns defensores da
tecnologia tentam passar ao público leigo – de que a transgenia seria algo
“corrente na natureza”: apenas uma forma de acelerar os processos naturais e
convencionais de melhoramento vegetal e animal.
• Os alimentos transgênicos têm suscitado muita polêmica, tanto em âmbito
nacional quanto internacional, uma vez que a tecnologia ainda é relativamente
nova e poucos seriam os estudos conclusivos a respeito da inocuidade dos
produtos ao meio ambiente e à saúde humana e animal. A controvérsia a
respeito da matéria envolve não só aspectos de ordem técnica e científica,
como também de natureza econômica, ética e política.
• Atualmente, os produtos agrícolas disponíveis no mercado apresentam uma
das três características básicas: tolerância a certos herbicidas, resistência a
ataques de insetos e resistência a infecções virais.
• A investigação dos possíveis riscos causados por alimentos transgênicos
exige a análise de uma ampla gama de aspectos, entre eles: toxicidade,
capacidade de produzir alergia, estabilidade do gene inserido, efeitos
nutricionais associados à modificação genética e possíveis efeitos não
desejados, decorrentes da inserção genética.
• A avaliação sobre a inocuidade dos alimentos geneticamente modificados
deve ser realizada individualmente, ou seja, caso a caso, não sendo possível
afirmar, de forma generalizada, que todos eles são seguros. Isso porque os
organismos transgênicos são distintos, uma vez que apresentam inserções
gênicas diferentes.
• As avaliações de risco e o monitoramento após a comercialização são de
fundamental importância no processo de análise dos efeitos dos alimentos
transgênicos.
35
• É indispensável a realização de estudos e pesquisas nacionais que abordem
aspectos políticos, sociais, econômicos e mercadológicos relativos à aplicação
de uma nova tecnologia e à introdução de um novo mercado.
• Com o advento da moderna biotecnologia, do acelerado processo de fusão
envolvendo as grandes transnacionais do setor e das leis relativas a
patenteamento de seres vivos e proteção de cultivares, o crescente e cada vez
mais sofisticado mercado de produção e venda das sementes levanta
preocupantes questões sobre a dependência da agricultura nacional frente aos
interesses econômicos das multinacionais do setor.
• Com respeito ao assunto, têm ocorrido divergências públicas e reservadas
em diferentes instâncias governamentais. Igualmente notória, e também de
longa data, é a divergência de opiniões entre entidades ambientalistas e de
defesa do consumidor, institutos de pesquisa, associações de classe,
comunidade científica, sindicatos rurais, agricultores, cooperativas
agropecuárias e empresas de biotecnologia.
• A Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995 (Lei de Biossegurança) – alterada
pela Medida Provisória (MPV) nº 2.191-9, de 23 de agosto de 2001 (nº 2.137,
de 28 de dezembro de 2000, na edição original) –, estabelece normas para o
uso das técnicas de engenharia genética e a liberação, no meio ambiente, de
organismos geneticamente modificados. Consoante as normas vigentes, todas
as atividades que envolvam OGMs devem ser obrigatoriamente licenciadas
pelos órgãos ambientais competentes. O poder discricionário para exigir ou
não o EIA/RIMA é do órgão ambiental licenciador e não da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio).
• Como já comentado, a comercialização de alimentos geneticamente
modificados – apesar do parecer favorável emitido pela CTNBio para o
plantio, em escala comercial, da soja RR – não está autorizada no Brasil. O
plantio dessa soja modificada está proibido, por determinação judicial, até que
sejam cumpridas as exigências legais referentes à realização
36
do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e à rotulagem dos produtos
transgênicos. Contudo, em virtude da constatação do plantio ilegal da cultivar,
foi aprovada, pelo Congresso Nacional, a Medida Provisória nº 113, de 2003,
convertida na Lei nº 10.688, de 13 de junho de 2003, que estabelece normas
para a comercialização da produção de soja da safra 2003.
• A Medida Provisória nº 131, de 25 de setembro de 2003, visa a liberar, para
a safra de 2004, o cultivo e a comercialização de soja transgênica – proibidos,
até então, por decisão da Justiça –, eximindo os agricultores do cumprimento
das formalidades legais relativas às atividades que envolvem o uso de espécies
geneticamente modificadas. Até o momento, o Partido Verde, a Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e o Procurador-Geral da
República já ajuizaram Ações Diretas de Inconstitucionalidade, com pedido de
liminar, para suspender os efeitos da MPV nº 131, de 2003 (ADINs 3011,
3014 e 3017, respectivamente).
• Atualmente, a fiscalização é precária, em todos os níveis. Não há técnicos e
estrutura suficientes nem para o acompanhamento e a fiscalização dos plantios
experimentais. Além disso, a atuação da CTNBio, marcada, até agora, por
atitudes pouco transparentes e autoritárias, tem sido, com freqüência,
questionada.
• Na esfera internacional, a Diretiva 2001/18/CE, da União Européia,
associada a uma regulamentação mais severa a respeito de rotulagem e
rastreabilidade de alimentos transgênicos, pretende reverter o quadro de
repúdio ao consumo de alimentos geneticamente modificados – hoje presente
em grande parte dos países europeus – e conquistar a confiança dos
consumidores nos produtos autorizados. Os Estados Unidos, por outro lado,
permanecem contrários à rotulagem. Argumentam, ainda, que não há razão
para diferenciar os alimentos transgênicos dos convencionais, uma vez que
seriam produtos equivalentes.
37
• A propósito, conforme noticiado em 15 de maio do corrente ano, os Estados
Unidos, com o apoio da Argentina e Canadá, acionaram a União Européia
junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a moratória
imposta, há cinco anos, por países do bloco europeu, à aprovação de plantas
agrícolas transgênicas. Segundo o governo americano, a União Européia
estaria violando as regras de comércio internacional.
Carmen Rachel Scavazzini Marcondes Faria
Consultora Legislativa

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