Impactos Da Violência Na Saúde Njaine2007
Impactos Da Violência Na Saúde Njaine2007
Impactos Da Violência Na Saúde Njaine2007
Kathie Njaine
Simone Gonçalves de Assis
Patricia Constantino
(orgs.)
NJAINE, K., ASSIS, S. G., and CONSTANTINO, P. Impactos da Violência na Saúde [online]. Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007, 418 p. ISBN: 978-85-7541-588-7. Available from: doi:
10.7476/9788575415887. Also available in ePUB from: http://books.scielo.org/id/7yzrw/epub/njaine-
9788575415887.epub.
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Impactos da
Violência na Saúde
Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz
PRESIDENTE
Paulo Ernani Gadelha
DIRETORA DIRETOR
Nísia Trindade Lima Hermano Albuquerque de Castro
EDITORES CIENTÍFICOS
Carlos Machado de Freitas
Gilberto Hochman
CONSELHO EDITORIAL
Claudia Nunes Duarte dos Santos
Jane Russo
Ligia Maria Vieira da Silva
Maria Cecília de Souza Minayo
Marilia Santini de Oliveira
Moisés Goldbaum
Pedro Paulo Chieffi
Ricardo Lourenço de Oliveira
Ricardo Ventura Santos
Soraya Vargas Côrtes
Impactos da
Violência na Saúde
Kathie Njaine
Simone Gonçalves de Assis
Patricia Constantino
Organizadoras
Copyright © 2007 dos autores
Todos os direitos de edição reservados à Fundação Oswaldo Cruz/Editora e EAD
1a edição: 2007
2a edição revista: 2009
1ª reimpressão: 2010
3ª edição revista e ampliada: 2013
1ª reimpressão: 2014
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde/Fiocruz
Biblioteca de Saúde Pública
CDD – 371.35
2014
Editora Fiocruz Coordenação de Educação a Distância da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
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Manguinhos – Rio de Janeiro – RJ Rua Leopoldo Bulhões, 1480
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Telefax: (21) 3882-9006 Tel.: (21) 2598-2996
www.fiocruz.br/editora www.ead.fiocruz.br
Todos nós brasileiros somos carne da carne daqueles pretos
e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual,
a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna
e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer
de nós a gente sofrida que somos e a gente insensível e
brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de
senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade
destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor
intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo
exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres,
sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.
Darcy Ribeiro
Autores
Alba Lucy Giraldo Figueroa
Antropóloga pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHSS), Paris; doutora em antropologia. Atua
no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Edson Silva
Jornalista; pesquisador do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS)/Grupo Mídia Sem Fronteiras nas áreas de jornalismo, prevenção da violência e cultura de paz; editor
do site www.redepazbrasil.ufms.br.
Luciana Phebo
Pediatra; mestre em saúde pública pela Johns Hopkins University, nos Estados Unidos; formada em saúde
internacional pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS); coordenadora do escritório do Fundo
das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Rio de Janeiro; atuou no programa Epidemic Intelligent
Service/Centers for Disease Control and Prevention, nas Secretarias Municipal e Estadual de Saúde do Rio de
Janeiro e no projeto Viva Rio; coordenou a Assessoria de Prevenção de Acidentes e Violência (Apav/SES/RJ).
Miriam Schenker
Psicóloga; doutora em ciências pelo Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz); terapeuta de família;
coordenadora científica do Departamento de Medicina Integral Familiar e Comunitária; pesquisadora-
colaboradora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp/
Fiocruz) na área de violência familiar e de violência, família e uso de drogas.
Paulo Amarante
Médico; doutor em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz);
professor e pesquisador titular da Ensp e da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz); atua na área de
psiquiatria nos temas reforma psiquiátrica, filosofia da ciência, saúde mental, instituições de saúde e história
da psiquiatria.
Renata Pires Pesce
Pesquisadora; mestre em saúde da mulher e da criança pelo Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz);
colaboradora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp/
Fiocruz); especialista na área de violência contra a criança e o adolescente.
Romeu Gomes
Pedagogo; professor de sociologia e psicologia licenciado pelo MEC; livre docente em psicologia pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); doutor em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz); pesquisador titular do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz);
pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com experiência em
pesquisa sobre os temas violência, sexualidade e antropologia da saúde.
Rosana Morgado
Assistente social; doutora em sociologia; professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ); coordenadora do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Política Social (NEPPS/ESS);
pesquisadora do Núcleo de Estudos e Trabalhos sobre Infância e Juventude (NETIJ/ESS).
Simone Gryner
Psicanalista; especialista em psicologia clínica e em violência doméstica pela PUC-Rio; coordenadora
executiva do Núcleo de Atenção à Violência (NAV); organizadora dos livros Lugar de palavra (NAV/SMDS/
BID/2003) e A violência começa quando a palavra perde o valor (NAV/SMS/2004).
Prefácio .................................................................................................................. 13
Apresentação ......................................................................................................... 15
1. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde individual e coletiva ......... 21
Maria Cecília de Souza Minayo
III
A gestão em saúde na prevenção e atenção às situações de violência
Posfácio .................................................................................................................415
Siglas .....................................................................................................................417
Prefácio
13
O Ministério da Saúde, com base no reconhecimento da violência como
questão de saúde pública e, ao mesmo tempo, de sua conexão com fenô-
menos sociais relativos às desigualdades, ao desemprego, à pobreza, ao
desrespeito aos direitos humanos e à impunidade, entre outros fatores,
priorizou a temática. Assim, publicou-se a Política Nacional de Redução
da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (Portaria GM/MS n.
737, de 16 de maio de 2001), implantou-se a Rede Nacional de Preven-
ção da Violência e Promoção da Saúde (Portaria GM/MS n. 936, de 18
de maio de 2004) e incluiu-se a redução das violências como prioridade
na Política Nacional de Promoção da Saúde (Portaria GM/MS n. 687, de
30 de março de 2006).
14
Apresentação
Prezado(a) leitor(a),
15
No caso brasileiro, em 16 de maio de 2001, o Ministro da Saúde promul-
gou uma portaria (MS/GM n. 737 de 16/05/2001) denominada Política
Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências oficiali-
zando e legitimando uma proposta de enfrentamento do problema pelo
setor. Após a formulação da Política, cujo principal efeito foi legitimar
e integrar ações que vinham sendo realizadas com muita competência,
planos de ação e vários documentos de normalização vêm sendo formu-
lados e implantados.
16
A segunda parte deste livro trata da atenção a pessoas em situação de
violência, considerando os ciclos de vida e das condições de vulnerabi-
lidades nos aspectos individuais e coletivos. Buscamos contribuir para
uma reflexão sobre as possibilidades de ação nos vários níveis de atenção do
setor saúde diante da violência (atendimento, prevenção, reabilitação
e promoção de vida saudável). Acreditamos, também, que outros seto-
res que lidam com a questão da violência possam estar alimentando-se
desta discussão.
As Organizadoras
17
I Bases conceituais e históricas
da violência e setor saúde
Ilustração: Edvaldo Jacinto Correia (2007).
1. Conceitos, teorias e tipologias
de violência: a violência faz
mal à saúde
Para refletir
Você observa alguma mudança no perfil de doenças e de saúde da população
de seu município nos últimos 20 anos?
21
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Você concorda com os argumentos que foram apresentados no último
parágrafo?
22
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
A violência é histórica
Cada sociedade, dentro de épocas específicas, apresenta formas parti-
culares. Por exemplo, há uma configuração peculiar da violência social,
econômica, política e institucional no Brasil, na China, na Holanda. Da
mesma forma, a violência social, política e econômica da época colonial
brasileira não é a mesma que se vivencia hoje, num mundo que passa
por grandes transformações.
23
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
24
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
Para refletir
Essa reflexão inicial trouxe alguma contribuição para você? Com base na
experiência e na vivência que possui do assunto, que pontos você destacaria?
25
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Qual a sua visão sobre a comum associação entre as definições de violência e
de acidentes?
26
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
Acidentes de trânsito
Esses eventos violentos matam cerca de 25 a 30 mil brasileiros por ano,
e entre 250 mil e 300 mil pessoas sofrem lesões mais ou menos graves
que demandam gastos públicos, custos sociais e geram incapacitações.
Mas esse quadro pouco comove a população.
Para refletir
Será que há menos mortes por atropelamento e colisão de veículos do
que por câncer ou consequências da Aids, doenças que tanto mobilizam a
sociedade?
Pense no seu Estado e no seu município.
27
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Como está a situação do trânsito em seu município?
As ruas são bem sinalizadas?
Existe algum ponto onde ocorrem mais acidentes?
Alguma estrada ou via expressa atravessa a localidade?
Você já havia pensado que os profissionais da saúde, por meio da vigilância e
análise das informações, poderiam se articular com outros setores e prevenir
a ocorrência de acidentes?
28
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
Problemas de pedestres
Os pedestres não são os principais responsáveis pelos acidentes e vio-
lências no trânsito, mas no Brasil são as maiores vítimas, dentre as
quais se destacam crianças e idosos. A educação para o trânsito, cada
vez mais, tem que fazer parte das habilidades de qualquer cidadão. No
caso dos idosos, as autoridades precisam levar em conta o crescimento
dessa população e sensibilizar e orientar motoristas e a comunidade para
compreender e respeitar suas limitações, como maior lentidão, perda
de visão e de audição. Quando entram nos veículos públicos, é preciso
esperá-los e ajudá-los a se acomodar. Estudos mostram que a terça parte
desse grupo, quando sofre queda ou atropelamento, morre imediata-
mente ou, como consequência do acidente, no primeiro ano a seguir.
Para refletir
Você já observou como os pedestres de seu município se comportam nas vias
públicas e nas travessias? Que grupos são as maiores vítimas dos acidentes
de trânsito na localidade?
29
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Acidentes domiciliares
Embora sejam muitas as modalidades desse problema, chamamos aten-
ção para os dois tipos principais:
30
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
Para refletir
Antes de continuar a leitura, procure identificar, com base na sua experiência,
os tipos de ação ou relação que provocam danos para a sua vida pessoal e
para a comunidade em que você vive.
Hoje, no país, existe uma concentração da mortalidade por violências nas cida-
des com mais de 100 mil habitantes: em cerca de 27 municípios que correspon-
dem a 1% da totalidade, mas que possuem 25% da população do país, ocorre-
ram 50% das mortes violentas no ano 2000 (data tomada como exemplo, pois,
como vimos, as taxas são mais ou menos permanentes e altas). Os 224 municí-
pios com mais de 100 mil habitantes concentram hoje 62,1% de toda a morta-
lidade por causas externas do país.
31
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Existe investimento municipal na formação dos jovens pobres de sua cidade?
Como está a questão do emprego para esses jovens?
As principais formas de violência que ocorrem em sua cidade atingem
principalmente os jovens ou outros grupos?
Violência estrutural
Diz respeito às mais diferentes formas de manutenção das desigualdades
sociais, culturais, de gênero, etárias e étnicas que produzem a miséria,
a fome, e as várias formas de submissão e exploração de umas pessoas
pelas outras. Mais cruel é a violência que mantém a miséria de grande
parte da população do país.
país Todos os autores que estudam o fenômeno
da miséria e da desigualdade social mostram que sua naturalização o
torna o chão de onde brotam várias outras formas de relação violenta.
32
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
Dentre os diversos tipos de violação dos direitos humanos, a tortura é Direitos humanos são os direitos
fundamentais de todas as pessoas,
um ato de violência intensa que ameaça gravemente a integridade física sejam elas mulheres, homens, negros,
e mental de toda e qualquer pessoa. Dentre essas pessoas estão os presos, homossexuais, índios, idosos, pessoas
portadoras de deficiências, populações
os refugiados ou em medida de segurança. A tortura perpassa vários tipos de fronteiras, estrangeiros e emigrantes,
de violência, com destaque para a violência institucional e criminal. refugiados, portadores de HIV positivo,
crianças e adolescentes, policiais, presos,
despossuídos e os que têm acesso à
Violência institucional riqueza. Todos devem ser respeitados
como pessoas e sua integridade física,
protegida e assegurada.
É aquela que se realiza dentro das instituições, sobretudo por meio de
suas regras, normas de funcionamento e relações burocráticas e políti-
cas, reproduzindo as estruturas sociais injustas. Uma dessas modalidades
de violência ocorre na forma como são oferecidos, negados ou negligen-
ciados os serviços públicos. Os serviços de saúde, de seguridade social
e de segurança pública são os principais exemplos dados pela própria A lei brasileira n. 9.455, de 7 de
população quando se refere à violência institucional: a maior parte das abril de 1997, que define e
penaliza os crimes de tortura,
queixas dos idosos, quando comparecem às delegacias de proteção, é está no site da Rede Nacional
contra o INSS e os atendimentos na rede do SUS. E os jovens recla- dos Direitos Humanos http://
www.rndh.gov.br e no site:
mam principalmente das forças policiais que os tratam como se fossem http://www.interlegis.gov.br/
“criminógenos”, ou pelo fato de serem jovens ou por serem pobres. No processo_legislativo/2002011713
4514/20021107143927/200211
caso do setor saúde, a tentativa de criar um programa transversal de 07145057/link.2006-01-24.8861
humanização do SUS,SUS em última instância, é o reconhecimento de que 816470
a tendência da instituição e dos profissionais é a burocratização ou a tec- O Programa Nacional dos Direitos
Humanos também aprofunda
nificação. Essas falhas se apresentam na despersonalização dos pacientes esse tema. Está disponível em:
e na substituição de uma relação dialógica por exames e procedimen- http://www.mj.gov.br/sedh/pndh/
pndhII/Texto%20Integral%20
tos que transformam o setor saúde em produtor de violência contra os PNDH%20II.pdf
usuários.
33
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Na instituição na qual você trabalha, há alguma forma de violência institucional?
Que sintomas de burocratização e impessoalidade mais fazem sofrer os
pacientes e seus familiares?
Violência interpessoal
O conflito não é ruim: ele faz parte A violência é, principalmente, uma forma de relação e de comunicação.
das relações sociais e humanas. O
problema é transformar o conflito Quando essa interação ocorre com prepotência, intimidação, discrimi-
em intransigência, exigindo que o nação, raiva, vingança e inveja, costuma produzir danos morais, psi-
outro (seja ele filho, mulher, marido,
companheiro, colega, subalterno,
cológicos e físicos, inclusive morte. Devemos distinguir entre conflito e
classe, grupo social ou país) se cale e violência. O conflito sempre existiu nas relações entre casais, entre pais
se anule, usando autoritarismo,
maus-tratos, ameaças ou
e filhos, entre vizinhos, entre chefes e subordinados, por exemplo.
provocando sua morte.
Portanto, o que é grave no caso das interações entre as pessoas é a inca-
pacidade de resolver conflitos por meio da conversa, da explicitação
civilizada de pontos de vista diferentes, da compreensão das razões de
cada uma das partes, buscando, pela negociação, uma saída pacífica para
os problemas. O crescimento das taxas de morte e de internação por
violência em hospitais públicos mostra um processo de exacerbação das
relações sociais – das formas violentas de resolver conflitos – entre os
brasileiros. Sabemos que grande parte das mortes por agressões corpo-
a-corpo, por armas brancas e armas de fogo ou por uso de outros objetos
contundentes se deve à violência interpessoal. Esse processo afeta mais
a população pobre e está associado ao aumento das desigualdades, ao
efeito do desemprego crescente, à falta de perspectiva no mercado de
trabalho, à facilidade de acesso a armas, à impunidade, à arbitrariedade
policial, à ausência ou à omissão das políticas públicas.
Violência intrafamiliar
Para conhecer mais sobre a Muita gente chama a violência que ocorre dentro das casas de violência
construção social de gênero e suas
conexões com a violência
doméstica. Nesse caso o foco da análise e da compreensão é o espaço do lar
doméstica lar.
intrafamiliar leia o Capítulo 7, Neste texto, o conceito de violência é tratado como fruto e consequência
“Violência de gênero na vida adulta”.
de relações
relações. Por isso, damos preferência ao termo intrafamiliar
intrafamiliar. Na prática,
violência doméstica e violência intrafamiliar se referem ao mesmo problema.
Ambos os termos dizem respeito aos conflitos familiares transformados em
intolerância, abusos e opressão. Ambos os conceitos dizem respeito a esse
34
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
Violência auto-infligida
Assim são chamados os suicídios, as tentativas, as ideações de se matar
e as automutilações. No Brasil, cerca de quatro habitantes por 100 mil,
em média, se suicidam, e um número difícil de se calcular tenta se auto-
infligir a morte. Os números desse fenômeno no nosso país são muito Um texto interessante sobre
suicídio, direcionado para
inferiores aos de outros, sobretudo na Europa, Ásia e Estados Unidos. profissionais da saúde, é
Mas os estudiosos da violência chamam atenção para o fato de que existe Prevenção do suicídio: um
manual de atenção de saúde para
uma relação muito forte entre homicídios e suicídios: ambos expressam profissionais da atenção básica,
sintomas destruidores da sociedade. Apesar de, comparativamente, suas publicado em 2000 pela OMS.
35
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Violência cultural
A violência cultural é aquela que se expressa por meio de valores, cren-
ças e práticas, de tal modo repetidos e reproduzidos que se tornam natu-
ralizados.
Violência de gênero
Constitui-se em formas de opressão e de crueldade nas relações entre
homens e mulheres, estruturalmente construídas, reproduzidas na coti-
dianidade e geralmente sofridas pelas mulheres. Esse tipo de violência
se apresenta como forma de dominação e existe em qualquer classe
social, entre todas as raças, etnias e faixas etárias. Sua expressão maior é o
machismo naturalizado na socialização que é feita por homens e mulhe- mulhe-
res. A violência de gênero que vitima sobretudo as mulheres é uma
res
questão de saúde pública e uma violação explícita aos direitos humanos.
Estimamos que esse problema social cause mais mortes às mulheres de 15
a 44 anos do que o câncer, a malária, os acidentes de trânsito e as guer-
ras. Suas várias formas de opressão, de dominação e de crueldade incluem
assassinatos, estupros, abusos físicos, sexuais e emocionais, prostituição
forçada, mutilação genital, violência racial e outras. Os perpetradores
costumam ser parceiros, familiares, conhecidos, estranhos ou agentes do
Estado (GOMES et al., 2005).
36
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
Violência racial
Uma das mais cruéis e insidiosas formas de violência cultural é a discri-
minação por raça. No Brasil, essa manifestação ocorre principalmente
contra a pessoa negra e tem origem no período colonial escravocrata.
Estudiosos mostram que geralmente a violência racial vem acompa-
nhada pela desigualdade social e econômica: no Brasil, os negros pos-
suem menor escolaridade e menores salários. Vivem nas periferias das
grandes cidades e estão excluídos de vários direitos sociais. Também
morrem mais homens negros do que brancos e se destacam os óbitos
por transtornos mentais (uso de álcool e drogas), doenças infecciosas e
parasitárias (de tuberculose a HIV/Aids) e homicídios (BATISTA, 2005).
RAÇA
37
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Dos três tipos de violência cultural citados, qual você considera prioritário
para sua ação na saúde pública? Por quê?
Natureza da violência
Geralmente a natureza dos atos violentos pode ser reconhecida em
quatro modalidades de expressão, também denominadas de abusos
ou maus-tratos: física
física, psicológica
psicológica, sexual e envolvendo negligência,
negligência
abandono ou privação de cuidados.
cuidados
Os termos violências
violências, abusos
abusos, maus-tratos não necessariamente significam a
mesma coisa. Há várias discussões teóricas a respeito, pois cada um deles traz uma
carga ideológica e histórica específica. No entanto, para os efeitos práticos e de
divulgação que pretendemos, os termos serão usados como sinônimos e indiscrimi-
nadamente.
O termo abuso físico significa o uso da força para produzir lesões, trau-
mas, feridas, dores ou incapacidades em outrem (BRASIL, 2001). A vio-
lência física costuma ocorrer em todos os ambientes sociais. Mas é muito
importante saber o impacto que ela tem para crianças e adolescentes no
38
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
O abuso sexual diz respeito ao ato ou ao jogo que ocorre nas relações
hétero ou homossexuais e visa estimular a vítima ou utilizá-la para obter
excitação sexual nas práticas eróticas, pornográficas e sexuais impostas
por meio de aliciamento, violência física ou ameaças. Estudos têm mos-
trado que, frequentemente, crianças e adolescentes vítimas de abuso
sexual costumam sofrer também outros tipos de violência, como a física
e a psicológica; tendem a sentir muita culpa e a ter baixa auto-estima;
podem apresentar problemas de crescimento e de desenvolvimento
físico e emocional; e tendem a ser mais vulneráveis a ideias e tentativas
de suicídio. Muitas saem de casa quando os abusadores são os pais ou
padrastos, passando a viver nas ruas, expostas a agressões e à cultura
da delinquência. Grande parte delas costuma sofrer de enfermidades
psicossomáticas e sexualmente transmissíveis.
39
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Conclusões
As informações aqui contidas certamente não refletem a magnitude e a
totalidade de expressões de violência hoje existentes no Brasil. Mas neste
texto temos apenas a função de apoiar a reflexão e permitir que os ser-
viços de saúde possam dimensionar e compreender os problemas locais.
40
Conceitos, teorias e tipologias de violência:Unidades
a violência
defaz
Aprendizagem
mal à saúde
de seu grupo. Por isso, o marco da promoção da saúde é central para que
se instalem mecanismos e práticas a partir da atenção básica e das outras
etapas dos serviços.
educação, de serviços sociais, de justiça, de segurança pública, do minis- Você pode saber mais no site do
Ministério do Meio Ambiente ou
tério público, do poder legislativo e, sempre, com os movimentos sociais, no endereço
visando à promoção de uma sociedade cujo valor primordial seja a vida http://www.cartadaterrabrasil.
org/11_carta.htm
(e não a morte) e à convivência saudável de seus cidadãos.
Referências
BARRETO, M. L.; CARMO, H. Mudanças em padrões de morbimortalidade: conceitos e métodos. In:
MONTEIRO, C. A. Velhos e novos males da saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec; Nupens, 1995. p. 07-32.
BATISTA, L. E. Masculinidade, raça/cor e saúde. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 1, n. 10,
p. 71-80, 2005.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM n. 737, de 16 de maio de 2001: política nacional de
redução da morbimortalidade por acidentes e violências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 96,
18 maio 2001. Seção 1e.
FREUD, S. Por que a guerra? In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 241-259. v.22.
41
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
GOMES, R.; MINAYO, M.C.S; SILVA, C.F.R. Violência contra a mulher: uma questão transnacional e
transcultural das relações de gênero. In: SOUZA, E.R.; MINAYO, M.C.S. (Org.). Impacto da violência
na saúde dos brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. p. 117-140.
KRUG, E. G. et al. (Org.). Relatório mundial sobre violência e saúde. Geneva: Organização Mundial
da Saúde, 2002.
Lei brasileira n. 9.455, de 7 de abril de 1997, que define e penaliza os crimes de tortura. Disponível
em: <http://www.rndh.gov.br e http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/20020117134514/
20021107143927/20021107145057/link.2006-01-24.8861816470.> Acesso em: 17 ago. 2008.
MAIO, M. C.; SANTOS, R. V. (Org.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2006.
MINAYO, M. C. S. Violência: um problema para a saúde dos brasileiros. In: SOUZA, E. R.; MINAYO,
M. C. S. (Org.). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. p.
09-33.
SOUZA, E. R.; MINAYO, M. C. S. (Org.). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília:
Ministério da Saúde, 2005.
SOUZA, E.R. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde.
Ciência e saúde coletiva, v. 10, n. 1, p. 59-70, 2005.
42
Unidades de Aprendizagem
Políticas públicas é um conceito aplicativo do universo maior da polí- Políticas públicas são ações articuladas
pelo Estado com recursos financeiros
tica, representando as estratégias por meio das quais o Estado estabelece e humanos próprios. Envolvem uma
prioridades e justifica a alocação dos recursos de que dispõe. dimensão temporal e se propõem a
ter alguma capacidade de impacto
sobre determinado problema. As
políticas públicas tratam desde a
implantação de serviços até projetos de
Toda política pública é fruto de uma demanda da sociedade. Sua inclusão na
natureza ética, compreendendo vários
agenda do Estado e, depois, como prioridade de determinado governo, geral- níveis de relação entre o Estado e a
mente é precedida de uma história que inclui pressões do contexto internacio- sociedade civil. Seu traço definidor e
nal e nacional. Esse é o caso da Política Nacional de Redução da Morbimortali- característico é a presença do aparelho
público-estatal na definição, indução, no
dade por Acidentes e Violências, que veio sintetizar anseios da sociedade acompanhamento e na avaliação das
internacional e brasileira de tratar o tema da violência como problema de saú-
saú- propostas, mesmo quando, para sua
de pública.
pública realização, ocorram parcerias e consórcios
com instituições não-governamentais
e universidades, entre outras.
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
O documento final, denominado Depois desse processo, o texto foi encaminhado à Comissão Tripartite e
Política nacional de redução da
morbimortalidade por acidentes e
aprovado por essa instância do SUS, que reúne representantes do Minis-
violências, foi aprovado oficialmente tério da Saúde e os presidentes do Conselho Nacional dos Secretários Esta-
por meio da publicação da Portaria
duais de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional dos Secretários Munici-
MS/GM n. 737, de 16 de maio de 2001.
pais de Saúde (Conasems). Em abril de 2001, o Conselho Nacional de
Saúde (CNS)confirmou o parecer da Comissão Tripartite.
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por Acidentes
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Desde que a Portaria MS/GM n. 737 foi promulgada, várias ações vêm
sendo executadas sob o influxo e a orientação do documento supraci-
tado. A partir do nível central do SUS: (a) foi construído um Programa de
Redução de Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito com recursos
do DPVAT (seguro de danos pessoais causados por veículos automotores
de vias terrestres); (b) foram incentivadas várias ações locais em estados
e municípios, dentre elas a de implantação de um programa específico
para coleta de dados, contemplando variáveis que não vinham sendo
levadas em conta nos sistemas tradicionais; e (c) foram realizados semi-
nários macrorregionais sobre violência urbana e saúde pública em uma
parceria do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Saúde com
o Congresso Nacional.
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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Processo de formulação e ética de ação da Política Nacional de Redução de MorbimortalidadeUnidades
por Acidentes
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Conclusões
Quando analisamos o texto da Política Nacional de Redução da Mor-
bimortalidade por Acidentes e Violências, passados alguns anos de sua
promulgação, observamos que a partir de então houve um processo cres-
cente de tomada de consciência sobre a necessidade de incluir o tema
violência no pensamento e na ação da saúde. Também houve a inserção
de novos temas e grupos ali inicialmente não contemplados, como é o
caso das violências e discriminações por raça, cor e opção sexual. Atual-
mente, por exemplo, a sociedade brasileira colocou na agenda pública,
de forma contundente, a discriminação contra a população portadora de
deficiências.
Por fim, é importante ressaltar que a publicação deste livro é uma estra-
tégia importante para elevar o nível de informação e de compreensão do
problema em pauta, visando à promoção de ações específicas e eficazes
no nível local.
Referências
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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SOUZA, E. R.; MINAYO, M. C. S. (Org.). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília:
Ministério da Saúde, 2005.
56
Unidades de Aprendizagem
57
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Família e sociedade
A família é uma unidade social constituída de indivíduos que comparti-
lham circunstâncias afetivas, sociais, econômicas, culturais e históricas.
Ela se forma por vínculos de consanguinidade (mediante um ancestral
comum), de alianças (casamento, co-habitação) ou de convivência (com-
padres e agregados). Cada um de nós tem a sua própria família, conhece
mais ou menos o seu sistema de parentesco, o modo como ele foi formado
por vínculos afetivo-sexuais e como foram gerados física e socialmente
seus novos membros.
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Violência,
Unidadesfamília
de Aprendizagem
e sociedade
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
b) Família tradicional – Pais que se casaram uma vez e moram junto com os fi-
lhos.
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Unidadesfamília
de Aprendizagem
e sociedade
Diferenças étnico-raciais
O Brasil é uma nação multirracial marcada por diferenças étnico-raciais
nas quais os afrodescendentes encontram-se majoritariamente em posi-
ções subalternas. A escravização em nosso país caracterizou-se por sig-
nificativa miscigenação racial e uma menor rigidez hierárquica entre
senhores e escravos, com marcadores raciais fluidos e manipuláveis,
dependentes da língua e do costume do colonizador. Moura (1990) alerta
sobre o tratamento dispensado às populações não-brancas na formação
da nação brasileira: (1) uma ideologia que tende a excluir ou minimi-
zar a contribuição dos não-brancos à dinâmica social; (2) uma visão de
negros, índios e mestiços como seres sem capacidade civilizadora; (3)
uma visão de que os negros não teriam condições de dirigir a sociedade.
O século XX foi marcado por práticas discriminatórias e racistas acober-
tadas por um discurso que pressupunha uma vivência democrática e
harmônica entre as raças. O dilema social que hoje se coloca e que afeta
as famílias de negros, mestiços e índios consiste em como inseri-los nos
quadros sociais, preservar suas culturas e minimizar as desigualdades e
discriminações.
Para refletir
Na sua experiência profissional você percebe discriminações étnico-raciais?
Como é o comportamento dos que discriminam e dos que são discriminados?
61
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Visão antropológica
Claude Lévi-Strauss, antropólogo belga, desenvolveu um método de
investigação e interpretação antropológica, denominado estruturalismo
estruturalismo.
O conceito básico dessa teoria é o de estrutura social,
social que não é empiri-
camente observável, mas dá sentido aos dados empíricos. Por exemplo:
a estrutura de um edifício, mesmo oculta, organiza, relaciona, distribui e
sustenta todos os elementos observáveis da construção – os andares, os
apartamentos, as entradas e saídas, os corredores.
62
Violência,
Unidadesfamília
de Aprendizagem
e sociedade
Visão sociológica
A sociologia da organização familiar costuma apresentar uma classifica-
ção que ajuda a diferenciar seus modos de apresentação: modelos hie hie--
rárquicos e igualitários
igualitários. A família de organização hierárquica prevalece
nas camadas populares contemporâneas (FIGUEIRA, 1987). Relativa-
mente organizada, mapeada
mapeada, apesar de conflitos internos, nesse modelo
de família rege a intrínseca diferença entre homem e mulher, com for-
mas de comportamento próprias a cada sexo. As funções e os papéis
familiares são nitidamente delineados, prevalecendo tanto a superio-
ridade do homem, devido à sua relação com o trabalho fora de casa,
quanto a expectativa do exercício da monogamia ser somente referido
à mulher. Do ponto de vista da autoridade, nesse modelo o indivíduo é
incluído no grupo que sempre tem precedência e preferência, valendo,
portanto, sacrifícios dos desejos pessoais para o bem coletivo.
63
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Qual das duas organizações familiares abrigaria maior probabilidade de
violência intrafamiliar a hierárquica ou a igualitária? Discuta a sua resposta
com outros parceiros.
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Violência,
Unidadesfamília
de Aprendizagem
e sociedade
Os autores dizem que “temos de nos arranjar com os pais que o destino
nos deu... embora a criança não seja simplesmente passiva no processo
de sua socialização, são os adultos que estabelecem as regras do jogo”
(BERGER; LUCKMANN, 2002, p. 180). É pela percepção das primeiras
pessoas significativas (os pais ou seus substitutos) que a criança introjeta
a realidade particular de como vê o mundo. Dessa forma, o mundo social
é filtrado para a criança, que o interioriza como sendo o mundo, único
existente e concebível. Esse processo não é unilateral e, sim, dialético,
porque se dá entre a identidade atribuída pelos adultos à pessoa e a
forma particular de ela se apropriar dessa identidade.
Para refletir
Qual o papel da família e da cultura na formação da identidade das pessoas?
Faça essa análise com base nos conceitos já enunciados.
Nas famílias com dinâmica de violência é comum haver uma cristalização dos
papéis em relação ao lugar de quem foi vitimado e o agente agressor. Esses lu-
gares podem ser ocupados pelas mesmas pessoas, anos a fio, ou ser comparti-
lhados por diferentes membros do grupo.
65
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Visão psicossocial
Na visão sistêmica, a família constitui-se no grupo primeiro de pertenci-
mento, no qual se estabelecem relações de dependência e vínculos afe-
tivos entre os seus membros. Possui uma estrutura hierárquica e dinâ-
mica e funciona como um sistema em interação recíproca e constante
com os grupos e as instituições sociais. Tem como objetivo enfrentar as
crises, facilitando o espaço de formação, crescimento, desenvolvimento
e individuação de seus membros.
66
Violência,
Unidadesfamília
de Aprendizagem
e sociedade
Nas classes de baixa renda, de uma forma geral, o jovem precisa tra-
balhar e cuidar de seus irmãos; as famílias são basicamente geridas
por mulheres; as meninas têm filhos cedo e, na mesma casa, convi-
vem as três gerações, que cuidam e trabalham para seu auto-sustento.
Eventos traumáticos ocorrem com frequência: pobreza, muito estresse
relacionado à sobrevivência, rupturas de vínculos, uso abusivo de dro-
gas, comunidades que convivem com a violência do tráfico de drogas e
armas, entre outros.
O bebê e os pais O choro e o sorriso do bebê são condutas que auxiliam aos
pais a se aproximarem para comunicar e assegurar os cuidados
necessários à sua sobrevivência. A capacidade do cuidador de
reconhecer ou não as necessidades do bebê pode assegurar ou
ameaçar a sua saúde psíquica e a violência contra o bebê pode
produzir sérios danos ou até a morte.
67
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Sua experiência profissional é predominantemente com qual dos segmentos
da família: crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos? Trace um paralelo
entre sua experiência e os fatores de risco apresentados no quadro 1.
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Violência,
Unidadesfamília
de Aprendizagem
e sociedade
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Distribuição desigual de autoridade e poder, Autoridade e poder marcados pelo diálogo entre
conforme os papéis de gênero, sociais, sexuais adultos e filhos com participação em assuntos nos
atribuídos a seus membros. quais eles possam contribuir.
Famílias amalgamadas, com diferenciação Famílias cujo objetivo é criar os filhos para
difusa de papéis e limites, e nível muito baixo lutarem por seus ideais, incentivando a liberdade
de autonomia de seus membros. de reflexão e ação.
Famílias fechadas em si, sem abertura para o Famílias que gostam da convivência familiar
mundo externo, por isso mantendo padrões aliada à troca com o mundo externo para seu
repetitivos de conduta. desenvolvimento e crescimento.
Famílias em situação de crise e de perdas, sem Famílias que aprenderam a acatar e a lidar com as
instrumental para lidar com ambas. crises, crescendo com elas.
Maior incidência de violência na família devido Não uso ou uso “social” ou “recreativo” de
a uso abusivo de drogas. drogas, minimizando a violência familiar.
História de antecedentes criminais ou uso de Famílias sem história de uso de armas e sem
armas na família. antecedentes criminais.
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Violência,
Unidadesfamília
de Aprendizagem
e sociedade
VIOLÊNCIA E AFETO*
Já não aceitamos essas condutas, nem mesmo a palmatória que era usada pela
professora nas escolas. Mas, com toda a civilidade que conseguimos, a humani-
dade ainda não é competente diante de seu impulso destrutivo. Guerra, terro-
rismo, corrupção são perversões humanas que trazem o prazer de “fortes” sobre
“fracos”, o prazer do exercício da opressão.
71
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Como especialista, afirmo que bater, gritar e humilhar causam dano permanen-
te à mente em desenvolvimento. Sabemos todos que a violência é endêmica.
Portanto, é preciso escutar melhor e se responsabilizar, porque a violência nasce
quando morrem a palavra e o afeto.
* Fonte: Agência O Globo/Iencarelli, A. M. (2006).
** Ana Maria Iencarelli é psicanalista e presidente da Associação Brasileira de Proteção à Infância e à Adolescência.
PALMADAS*
72
Violência,
Unidadesfamília
de Aprendizagem
e sociedade
Uma questão das mais relevantes consiste em determinar onde termina a sobe-
rania do Estado, onde fronteiras são estabelecidas que delimitem que a sua no-
ção de bem se introduza. O Estado, por exemplo, poderia ter a função de reger
as relações de poder entre os cidadãos, uma função de legalidade ao assegurar
a paz pública e a de evitar uma exacerbação das tensões sociais pelas gritantes
desigualdades, sem que daí se siga uma outra função, a que consiste em impor
para cada um o que considera como o “bem”. Sociedades totalitárias foram as
que “sabiam” o que deveria ser a humanidade e procuraram impor, a ferro e
fogo, esse tipo de sabedoria como sendo absoluta. Essa situação política limite
pode nos mostrar a que ponto pode chegar a atuação do Estado, se um freio
não for posto à sua ação, e ele começa em casos tão anódinos como o de uma
“palmadinha”.
73
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
poderá irromper em seu lar. O dever ser moral se esvai em proveito de uma instân-
cia estatal, que passaria a controlar ainda mais a vida de cada cidadão, reduzindo
drasticamente a liberdade de escolha e minando a base mesma da família.
Aliás, seria essa uma boa razão para um referendo. Que tal as seguintes pergun-
tas: “Cabe ao Estado disciplinar as relações entre pais e filhos? Cabe ao Estado
determinar se palmadas devem ou não ser aplicadas por pais aos seus filhos?”
* Fonte: Agência O Globo/Rosenfield, D. L. (2006).
** Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
k
Para que você tenha mais elementos Do outro lado está Denis Lerrer Rosenfield, para quem “talvez estejamos
para uma reflexão crítica sobre a crença
cultural de que a agressão física seria
diante de uma das maiores excrescências em termos de projeto de lei, o
uma forma justificada de disciplina e que procura proibir que pais punam seus filhos com palmadas”. O autor,
não exatamente uma agressão física,
recomendamos a visita ao site http://
que se coloca contra a lei referida, alerta que um discurso politicamente
www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/index2. correto, como o que não permite que os pais batam em seus filhos,
htm, do Laboratório de Estudos da
Criança (Lacri/USP), que há anos
“embute, por meio de uma lei, o Estado dentro da família, tornando-a
veicula a campanha “palmada tributária de uma instância que ‘sabe’ o que é melhor para os seus mem-
deseduca”, introduzindo na sociedade
o debate sobre a questão.
bros”. Um Estado “totalitário”, na visão de Rosenfield.
74
Violência,
Unidadesfamília
de Aprendizagem
e sociedade
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de Aprendizagem
e sociedade
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77
Unidades de Aprendizagem
79
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para as ciências sociais ligadas à saúde, o risco pode ser mais bem entendido
como um conceito instituído histórica e culturalmente. Entram em cena os valo-
res imaginários e subjetivos, impossíveis de serem descartados quando se tenta
entender por que alguém decide enfrentar um risco ou não. Recentemente, so-
ciólogos e antropólogos vêm dando prioridade à discussão da noção de viver
arriscadamente como parte do sentido de aventura e prazer. A tendência à bus-
ca de sentido da vida na emoção e adrenalina é uma característica da atualida-
de, da dita sociedade de risco. Podemos dizer que a ideia de risco e o seu en-
frentamento sempre fizeram parte da vida, constituindo-se em essência da
existência humana.
Na área da saúde, esse aspecto subjetivo não tem tido enfoque prioritário. Tra-
dicionalmente, o risco é concebido como um correspondente epidemiológico do
conceito matemático de probabilidade, podendo ser definido como a probabili-
dade de um membro de uma população específica desenvolver uma dada doen-
ça em certo período, conforme apresentado no Capítulo 5. No nosso caso, po-
demos dizer que significa a probabilidade de se ter determinado atributo que
facilita se tornar vítima ou agente de violência, em um período determinado. Por
estarmos falando de probabilidade, temos que ter clareza que estamos indican-
do a chance de surgirem alguns comportamentos, em vez de estarmos afirman
afirman--
do esse fato (CONSTANTINO, 2006).
Uma interessante revisão sobre Apresentamos a seguir os fatores de risco para alguns grupos etários
o assunto pode ser vista no ou de maior vulnerabilidade, a partir de uma abordagem ecológica que
Relatório mundial sobre violência
e saúde, da Organização considera as interações que ocorrem entre diversos sistemas, hierarqui-
Mundial da Saúde, 2002, camente dispostos: indivíduo, relacionamento, comunidade e sociedade.
organizado por Krug E. G. et al.
Nesse enfoque, valem mais as interações entre os níveis do que o poder
80
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
Para refletir
A partir de sua experiência, procure relacionar os fatores de risco à violência.
Criança e adolescente
Na violência contra a criança e o adolescente, por parte dos pais e de
outros responsáveis, vários estudos indicam que crianças mais novas
sofrem mais agressões físicas fatais e não-fatais, e, dentre elas, os meni-
nos. As meninas correm mais risco em relação ao infanticídio, ao abuso
sexual, à negligência educacional e nutricional, e à prostituição forçada.
Quanto à estrutura e aos recursos familiares, pais/mães jovens, soltei-
ros, pobres, desempregados e com nível educacional inferior ao de seus
parceiros que não cometem violência têm mais risco de usar a violência
contra seus filhos. Ambientes familiares instáveis e com muitas crianças
(quatro ou mais) são também muito vulneráveis. Pais com baixa auto-
estima, controle deficiente de seus impulsos, problemas de saúde mental
e comportamentos anti-sociais estão mais sujeitos a praticar abuso físico
contra seus filhos; eles também apresentam dificuldade para lidar com o
estresse, para buscar sistemas de apoio social, bem como tendem a apre-
sentar comportamento irritadiço e perturbações ao estado de humor e
atitudes de seus filhos, sendo mais controladores e hostis. Um outro
fator importante sugerido é o maior risco de pais que foram maltratados
na infância fazerem o mesmo com seus filhos. A violência perpetrada
por parceiros íntimos também é muito associada à violência contra os
filhos, criando um lar onde as agressões e violências tornam-se forma
privilegiada de resolução de conflitos. Outras características parentais –
como o abuso de substâncias, o estresse e o isolamento social, às vezes
oriundas da mudança de emprego, perda de renda, problemas de saúde
ou outros aspectos do ambiente familiar – podem aumentar o nível de
conflito em casa e afetar a habilidade dos membros em lidar com esses
conflitos e encontrar apoio (KRUG et al., 2002).
81
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Jovens e infrações
Para a violência juvenil, os fatores individuais de risco são as lesões e
complicações associadas à gravidez e ao parto, o que poderia produ-
zir danos neurológicos que facilitariam a ocorrência de violência. No
entanto, nessas complicações gestacionais, o prognóstico de risco da
violência ocorre, apenas ou principalmente, quando tais problemas se
combinam com outros, típicos do meio em que a criança vive. Entre os
fatores relacionados à personalidade e ao comportamento estão: hipe-
ratividade, impulsividade, controle comportamental deficiente e pro-
blemas de atenção. Os baixos níveis de desempenho escolar têm sido
também associados à violência juvenil. Fatores associados às relações
interpessoais dos jovens com sua família, amigos e colegas também
podem afetar muito o comportamento agressivo e violento, e podem
moldar os traços de personalidade. Na família, também contribuem o
monitoramento e a supervisão deficiente dos pais, e o uso de punições
físicas severas para disciplinar as crianças, os conflitos familiares e a
ligação afetiva deficiente entre os pais e as crianças. E mais: o grande
número de crianças na família, mãe muito jovem e o baixo nível de coe-
são familiar. A estrutura familiar com a presença de apenas um dos pais
na família é um fator importante, pois, nessas situações, as restrições de
acesso a apoio e recursos econômicos deficientes podem ser as causas de
violências futuras (KRUG et al., 2002).
82
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
Homens e mulheres
No que se refere à violência perpetrada por parceiros íntimos, ainda é
limitada a informação sobre quais fatores se destacam no risco a essa
forma de violência. No Quadro 1 é apresentado um resumo de fato-
res que são colocados como risco à violência do homem contra a sua
parceira, havendo um desconhecimento de estudos que investiguem
os fatores que elevariam a violência da mulher contra o homem. As
informações expostas devem ser vistas como incompletas e altamente
experimentais (KRUG et al., 2002).
Pouca idade Conflito no casamento Fracas sanções comunitárias à violência Normas tradicionais de gênero
doméstica
Baixa renda
83
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Estupro é o ato de constranger a Quadro 2 – Fatores que aumentam o risco de o homem cometer estupro
mulher de qualquer idade ou
condição à conjunção carnal, por Fatores individuais Fatores relacionais Fatores comunitários Fatores sociais
meio de violência ou grave ameaça.
Do ponto de vista jurídico, é crime Uso de álcool e drogas Colegas sexualmente Pobreza (resultando Normas sociais que
previsto no artigo 213 do Código agressivos e em crise da identidade apóiam a violência
Penal Brasileiro. O estupro deve ser delinquentes masculina) sexual
diferenciado do atentado violento ao
pudor, que consiste em constranger Fantasias de coação Ambiente familiar Falta de oportunidade Normas sociais que
alguém mediante violência ou grave sexual e outras atitudes caracterizado pela de emprego apóiam a superioridade
ameaça a praticar ou permitir que se que apóiam a violência violência física e masculina e o direito
pratique ato libidinoso diverso da sexual poucos recursos sexual
conjugação carnal. O atentado
violento ao pudor também é crime Tendências impulsivas e Forte ambiente familiar Falta de apoio Leis e políticas fracas
previsto no artigo 214 do Código anti-sociais ou relacionamento institucional pela relacionadas à violência
Penal Brasileiro. Há projeto de lei em patriarcal polícia e pelo sistema sexual e à igualdade de
tramitação no Congresso Nacional judiciário gênero
que visa eliminar a restrição do crime
de estupro somente à relação sexual Preferência por sexo Ambiente familiar sem Tolerância em relação à Altos níveis de crimes
com uma mulher, como é hoje. impessoal apoio emocional agressão sexual e de outras formas de
violência
Fonte: Reproduzido do Relatório mundial sobre violência e saúde (KRUG et al., 2002).
Para refletir
Você pode exemplificar fatores de risco de violência para os homens no
dia a dia do seu serviço?
Idoso
No que se refere à violência contra o idoso, há controvérsias quanto ao
nível de debilidade cognitiva e física daqueles que são vítimas de abuso,
assim como o gênero mais vulnerável. Um importante fator de risco
é a natureza do relacionamento anterior entre a pessoa que cuida e o
idoso. A combinação entre estresse, relacionamento do cuidador com
o idoso, comportamento violento e agressividade por parte de quem
recebe os cuidados, e ainda a depressão de quem cuida é um “gatilho”
para a violência contra a pessoa idosa. Os agressores são mais propensos
a distúrbio de personalidade, a problemas de alcoolismo e a dificuldades
financeiras.
84
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
Populações
A violência coletiva se deve a alguns outros fatores de risco: Violência coletiva é aquela
identificada pelos conflitos violentos
entre nações e grupos, estupro como
1. Fatores políticos:
políticos ausência de processos democráticos e desigualdade
arma de guerra, movimentos de
de acesso ao poder (seja por área geográfica, classe social, religião, raça grandes grupos de pessoas
desalojadas, guerras entre gangues e
ou etnia). vandalismo de massas.
2. Fatores econômicos:
econômicos distribuição e acesso excessivamente desigual a
recursos (particularmente de saúde e educação), controle dos recursos
naturais mais importantes, controle de produção ou tráfico de drogas.
4. Fatores demográficos:
demográficos rápida mudança demográfica.
Para refletir
No dia a dia do seu serviço, independentemente do grupo vitimado pela
violência, quais dos fatores de risco apresentados parecem exercer mais
influência para que ocorra violência?
85
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Fatores de proteção
86
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
Para refletir
Ações preventivas de enfrentamento à violência são desenvolvidas no serviço
no qual você está inserido?
Em caso positivo, você consegue identificar em qual nível de prevenção as
ações estão mais assentadas?
87
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Empoderamento significa o aumento A promoção da saúde é uma ação intersetorial. Baseia-se no fortaleci-
do poder e da autonomia pessoal e
coletiva de indivíduos e grupos
mento de fatores protetores para evitar ou controlar os riscos, estimular
sociais nas relações interpessoais e capacidades, o exercício do autocuidado e da ajuda mútua. Requer que
institucionais, principalmente
daqueles submetidos a relações de os indivíduos, as famílias, os grupos e a sociedade se responsabilizem e
opressão, discriminação e dominação se comprometam em adotar um estilo de vida saudável, um compor-
social (VASCONCELOS, 2004).
tamento de responsabilidade e cuidado mútuo entre si e com o meio
ambiente. Precisa de requisitos como: paz, educação, habitação, alimen-
tação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e
equidade. Pressupõe cinco campos de ação: a elaboração/implementa-
ção de políticas públicas saudáveis; a criação de ambientes favoráveis à
Sobre promoção da saúde, leia,
o texto da Política Nacional de
saúde; o reforço da ação comunitária (empoderamento comunitário);
Promoção da Saúde, publicado na o desenvolvimento de habilidades pessoais (empoderamento dos indi-
Portaria n. 687, de 30 de março
de 2006, do Ministério da Saúde.
víduos pela aquisição de conhecimentos associada ao poder político); a
Veja também o texto Promoção reorientação do sistema de saúde (BUSS, 2000).
da saúde e qualidade de vida, de
Paulo Marchiori Buss, em Ciência
& Saúde, volume 5, ano 2000, Não se pode conceber que promoção da saúde signifique delegar apenas
disponível em http://www.scielo. à população o cuidado com sua própria qualidade de vida, isentando o
br/pdf/csc/v5n1/7087.pdf
Estado de uma atuação firme e protetora. É necessário aliar
atividades, processos e recursos, de ordem institucional, gover-
namental ou da cidadania, orientados a propiciar a melhoria
das condições de bem-estar e acesso a bens e serviços sociais,
que favoreçam o desenvolvimento de estratégias que permitam
à população maior controle sobre sua saúde e suas condições de
vida, nos níveis individual e coletivo (GUTIERREZ, 1997).
88
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
Para refletir
Pense sobre a importância dos mecanismos de promoção da saúde no
enfrentamento da violência.
89
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
k proteção individual:
individual gênero, status socioeconômico, idade,
características pessoais, como auto-estima, autonomia, autocon-
trole, temperamento flexível e afetuoso, entre outros;
k proteção familiar:
familiar apoio, bom relacionamento, saúde mental
dos pais, entre outros;
k proteção social:
social apoio e bom relacionamento em escola, traba-
lho, instituições, entre outros.
90
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
O bebê e a criança
O bebê – ainda no ventre e até o seu nascimento – recebe estímulos de
sua mãe biológica. Nesse momento inicia-se uma ligação afetiva vital.
Quanto mais afeto e segurança nessa fase da vida, mais ele estará forta-
lecido e protegido. Como forma de apoio e suporte, o acompanhamento
do bebê no pré-natal e da saúde materno-infantil pelo profissional da
saúde é um recurso protetor importante (CYRULNIK, 2004).
91
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
O adolescente e o jovem
Priorizar a adolescência e a juventude como foco das ações preventivas é
uma medida que vem sendo tomada em vários países, pois nesse grupo
etário está a maioria das vítimas e dos autores dos crimes e da violência.
A relevância do tema é tão grande que vários governos têm tomado o
enfrentamento à violência juvenil como foco prioritário de ação.
92
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
O adulto
Na fase adulta, os fatores de proteção são ampliados. Os afetos alcan-
çam maior desenvolvimento e demandam o estabelecimento de novos
núcleos familiares. A intimidade afetiva com o parceiro ou a parceira e
filhos é uma fonte protetora importante. A competência e a satisfação
com o trabalho fortalecem a autoconfiança e a auto-estima, oferecendo
proteção. Alguns fatores de proteção se mantêm importantes na fase
adulta e outros são incluídos:
93
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
O idoso
Os fatores de proteção da pessoa idosa acompanham a ideia de enve-
lhecimento ativo, pela experiência positiva de longevidade com pre-
servação das capacidades e do potencial de desenvolvimento (WORLD
HEALTH ORGANIZATION, 2002). Converge no horizonte de melhoria
da saúde e da qualidade de vida do idoso, com foco em mudanças com-
portamentais/práticas de saúde e em dimensões subjetivas e sociais do
bem-estar. Nessa fase, é preciso estimular o controle sobre a vida, enfa-
tizando dimensões do autocuidado, da competência e do sentimento de
integridade. Destaque também ao desenvolvimento da espiritualidade
e da presença de apoio e suporte social. E ao revigoramento pela boa
condição física e capacidade para lidar com os problemas. Promover a
cidadania do idoso é um fator protetor fundamental, cabendo ao Estado
regulamentar e garantir o espaço social reservado a eles.
94
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
Para refletir
É possível potencializar fatores de proteção para a clientela atendida por você?
Que fatores de proteção poderiam ser trabalhados?
Como isso poderia ser feito?
95
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Escola Ações realizadas em creches, pré-escolas e escolas de ensino fundamental e médio. São voltadas
especialmente para os alunos, mas muitas atingem também a família. Há ainda algumas ações de
capacitação de professores para atuarem na questão da violência, especialmente no âmbito familiar.
Comunidade Ações que buscam a melhoria do relacionamento familiar e a conexão da família com serviços e
equipamentos sociais, visando ao incremento do apoio social à família. As ações são de envolvimento
comunitário (lazer supervisionado, promoção de renda, troca de experiências e apoio social, por exemplo).
Serviços de saúde Intervenções que promovem o atendimento aos casos de violência familiar. Também há grande investimento
em ações que estimulam a capacitação profissional para uma ação de educação em saúde.
Outros serviços Intervenções sociais que resultam em mudanças na família, proporcionadas por órgãos de assistência social,
segurança pública, justiça, entre outros, com finalidades variadas. São exemplos os abrigos para vítimas de
violência, as ações voltadas para capacitação e melhoria do atendimento prestado pelos policiais, as ações
dos operadores de direito, os programas de renda mínima e apoio ao trabalhador, dentre muitos outros.
Quanto aos tipos de intervenções
Treinamento parental Educação/informação dirigida aos pais sobre desenvolvimento infantil e fatores que predispõem os filhos
aos comportamentos violentos; desenvolvimento de habilidades de comunicação com os filhos; resolução
de conflitos de forma não violenta; desenvolvimento de habilidades parentais mais efetivas; estabelecimento
de limites claros e flexíveis, com regras e delegação de tarefas apropriadas para a idade, acordadas entre
todos os membros da família; supervisão do cotidiano familiar e dos filhos; manutenção da hierarquia
familiar; responsabilidade sobre o bem-estar dos filhos.
Acompanhamento domiciliar Busca, por meio de visitas domiciliares, acompanhar de perto a família, dando suporte, apoio, informação e,
por vezes, treinamento aos integrantes do núcleo familiar. Tem como foco de atuação mais comum mães e
crianças pequenas.
Terapia familiar Ações realizadas individual ou coletivamente, abrangendo uma gama de abordagens (psicanalítica,
psicodramática, construtivista, sistêmica, existencialista, entre outras). Variam também quanto ao
envolvimento dos atores familiares: filhos, pais e agressores. Tem como propósitos melhorar a forma como
os familiares lidam com os problemas; facilitar a expressão dos sentimentos, questões, medos; ensinar
resolução de problemas e habilidades de prevenção.
Apoio social Busca promover a inclusão da família ao meio que a cerca: escola, comunidade, trabalho, entre outros.
Casas/abrigos de proteção Ações que têm por finalidade retirar momentaneamente mulheres, crianças e idosos do ambiente familiar
violento, dando suporte emocional para a interrupção do relacionamento violento.
Capacitação profissional Programas voltados para a formação profissional nas várias áreas relacionadas a prevenção e atendimento
das pessoas envolvidas em situação de violência familiar.
Fonte: Adaptação de Paulo Mesquita Neto et al. (2004).
96
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
97
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
98
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
99
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Você tem conhecimento sobre o desenvolvimento de programas de
prevenção à violência na cidade onde trabalha?
100
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
101
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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102
É possível prevenir a violência? Refletindo sobre risco, proteção, prevenção
Unidades
e promoção
de Aprendizagem
da saúde
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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Disponível em: <http://www.who.int/hpr/ageing>. Acesso em: 15 maio 2006.
104
Unidades de Aprendizagem
5. Indicadores epidemiológicos
de morbimortalidade por
acidentes e violências
105
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Indicadores são medidas usadas para Porém, antes de passar para a operacionalização dos indicadores, é
descrever e analisar uma situação
existente, avaliar o cumprimento dos importante conceituar o que é um indicador. Aqui abordaremos os mais
objetivos, as metas e suas mudanças frequentemente usados.
ao longo do tempo, além de prever
tendências futuras.
Do ponto de vista quantitativo, números absolutos podem ser utiliza-
dos como indicadores, tais como a contagem-incidência de casos novos
106
Indicadores epidemiológicos de morbimortalidade
Unidades
por acidentes
de Aprendizagem
e violências
Para refletir
No seu município, você sabe quantas mortes por acidentes de trânsito
ocorreram no último ano?
Uma das formas para você obter
Converse com algum profissional da saúde ou do trânsito sobre as possíveis essa informação é pesquisando
causas determinantes dessas mortes. no site www.datasus.gov.br.
Para isso, depois de acessar
o site, marque a opção
Informações de Saúde e
Observe que os indicadores expressos em números absolutos devem ser selecione Estatísticas Vitais.
Vitais
Aparecerá a tela onde você
utilizados com cautela quando se fazem comparações, em virtude de terá que marcar Óbitos por
suas limitações intrínsecas. Eles são úteis no planejamento e na admi- Causas Externas e selecionar a
opção Abrangência Geográfica.
Geográfica
nistração da saúde, como, por exemplo, para estimativa do número de Isso feito, aparecerá a tela
leitos, medicamentos e insumos em geral. com as diversas opções de
análises que poderão ser feitas
de acordo com o seu interesse e
Para que as frequências de morbidade e mortalidade possam ser compa- as variáveis disponíveis.
radas, torna-se necessário transformá-las em “valores relativos”, isto é,
em numeradores das frações. É importante saber que essas medidas são
denominadas proporção, razão e taxa.
107
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Exemplo 1
No numerador da proporção é Número de óbitos por homicídios em relação ao número de óbitos total
registrada a frequência absoluta do
evento, que constitui subconjunto da de causas externas. Assim, a proporção de homicídios dentre as causas
frequência contida no denominador. externas seria:
Para refletir
E no seu município, você sabe qual é a proporção de mortes por homicídios
em relação ao total de causas externas? Considerando as variáveis sexo e
idade, você saberia dizer qual o grupo mais atingido?
Coeficiente é uma medida em que Em epidemiologia é comum o uso do conceito de risco. Nesse caso, o
os eventos do numerador são casos
ocorridos em uma população que se risco é a chance ou probabilidade de, numa determinada população, um
encontra sob risco de adoecer ou indivíduo ou grupo vir a adoecer ou morrer. Esse risco costuma ser
morrer por determinado agravo ou
doença, em um dado período de medido por meio de um coeficiente.
tempo e local.
108
Indicadores epidemiológicos de morbimortalidade
Unidades
por acidentes
de Aprendizagem
e violências
Potências de 10
102 = 10 x 10 = 100
103 = 10 x 10 x 10 = 1.000
104 = 10 x 10 x 10 x 10 = 10.000
105 = 10 x 10 x 10 x 10 x 10 = 100.000
Exemplo 2
O coeficiente de mortalidade por causas externas seria o número de óbi-
tos por causas externas no município, em relação às pessoas residentes
nessa cidade, em cada ano. Assim, teríamos:
Ou seja, ocorreram 40 óbitos por
causas externas em cada
100.000 habitantes
Para refletir
Qual é o coeficiente de mortalidade por causas externas do seu município no
último ano, para o qual existe essa informação?
Comparado com o coeficiente de outras localidades, esse coeficiente é mais
alto ou mais baixo?
Você pode identificar as razões pelas quais ele tem essa intensidade?
109
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Exemplo 3
Razão entre o número de casos de homicídios no sexo masculino e
o número de casos de homicídios no sexo feminino. Assim, a razão
homem/mulher em relação aos homicídios seria:
Para refletir
No ano de 2003, nas capitais do Brasil morreram 5,6 homens em relação a
cada mulher por causas externas em geral; 12,3 homens em relação a cada
mulher por homicídios; e 4,4 homens em relação a cada mulher por suicídios.
Em sua opinião, por que ocorre essa sobremortalidade no sexo masculino?
Indicadores de mortalidade e de
morbidade
Os indicadores epidemiológicos são, tradicionalmente, calculados atra-
vés de indicadores gerais e específicos de mortalidade e de morbidade.
Indicadores de mortalidade
Mortalidade é a variável característica das comunidades de seres vivos.
Refere-se ao conjunto dos indivíduos que morrem em um dado intervalo
de tempo. O risco ou a probabilidade de qualquer pessoa na população
vir a morrer em decorrência de uma doença ou agravo, como no caso
das causas externas, é calculado pela taxa ou coeficiente de mortalidade.
Representa a intensidade com que os óbitos provocados por uma deter-
minada doença ou agravo ocorrem em uma certa população.
110
Indicadores epidemiológicos de morbimortalidade
Unidades
por acidentes
de Aprendizagem
e violências
111
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Exemplo 4
O coeficiente de mortalidade masculina por homicídio é o número de
óbitos ocorridos por essa causa na população masculina dividido pela
população masculina residente na cidade X, no período Y. Assim, o cál-
culo seria:
Mais detalhes sobre a qualidade dessas Para identificar os principais indicadores de mortalidade específica por
informações podem ser encontrados
no Capítulo 14 da Parte III.
causas externas consulte o Quadro 1, a seguir.
112
Quadro 1 – Principais indicadores de mortalidade específica por causas externas e seus grupos de causas
Variável Definição operacional Indicador Cálculo dos indicadores Fonte Unidade de
análise
Óbito por violência Soma para o sexo masculino e Taxa de mortalidade por suicídio, (número de óbitos por tipo de violência Sistema de Local de
estratificado por para o feminino. Causa básica homicídio, acidente de transporte, nas faixas etárias e sexo de interesse/ Informação de residência e ano
faixas etárias e sexo de CID-10 – OMS : V01–V99; nas faixas etárias e sexo de população exposta ao risco, segundo o Mortalidade do óbito.
interesse do estudo. X85-Y09; Y35 –Y36. interesse do estudo. numerador) x 100.000. (SIM).
Óbito por violência Soma por faixa etária de estudo. Taxa de mortalidade por suicídio, (número de óbitos por tipo de Sistema de Local de
estratificado por Causa básica CID-10 – OMS : homicídio, acidente de transporte, violência, segundo faixa etária/ Informação de residência e ano
grupos etários. V01–V99; X85-Y09;Y35 –Y36. nas faixas etárias de interesse do população exposta ao risco, segundo o Mortalidade do óbito.
estudo. numerador) x 100.000. (SIM).
Óbito por violência Soma de homicídio, suicídio Proporção de óbitos raça/cor (número de óbitos por violência Sistema de Local de
estratificado por e acidente de transporte por branca, preta por homicídio, segundo raça/cor, nas faixas etárias e Informação de residência e ano
raça/cor. raça/cor branca, preta. CID-10 suicídio, acidente de transporte, sexo de interesse do estudo/n. total de Mortalidade do óbito.
– OMS : V01–V99; X85-Y 09; nas faixas etárias e sexo de óbitos por violência, segundo sexo e (SIM).
Y35 –Y36. interesse do estudo. faixa etária do numerador) x 100.
Óbitos por acidente Causa básica CID-10 – OMS: Taxa de mortalidade por acidente (número de óbitos por acidente de Sistema de Local de
de transporte V01-V99. de transporte nas faixas etárias e transporte nas faixas etárias e sexo de Informação de residência e ano
(atropelamentos e sexo de interesse do estudo. interesse do estudo/população exposta Mortalidade do óbito.
outros acidentes de ao risco, segundo o numerador) x (SIM).
transporte). 100.000.
Óbitos por Causa básica CID-10 – OMS: Taxa de mortalidade por (número de óbitos por atropelamento Sistema de Local de
atropelamentos. V01-V09. atropelamento nas faixas etárias e nas faixas etárias e sexo de interesse/ Informação de residência e ano
sexo de interesse do estudo. população exposta ao risco, segundo Mortalidade do óbito.
escolha do numerador) x 100.000. (SIM).
Óbitos por outros Causa básica CID-10 – OMS: Taxa de mortalidade por outros (número de óbitos por outros Sistema de Local de
acidentes de V10-V99. acidentes de transporte, nas faixas acidentes de transporte, nas faixas Informação de residência e ano
Indicadores epidemiológicos de morbimortalidade
transporte, nas faixas etárias e sexo de interesse do etárias e sexo de interesse do estudo/ Mortalidade do óbito.
etárias e sexo de estudo. população exposta ao risco, segundo o (SIM).
interesse do estudo. numerador) x 100.000.
Unidades
por acidentes
113
de Aprendizagem
e violências
114
Quadro 1 – Principais indicadores de mortalidade específica por causas externas e seus grupos de causas (cont.)
Variável Definição operacional Indicador Cálculo dos indicadores Fonte Unidade de
análise
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Óbitos por homicídio, Causa básica CID-10 – OMS: Taxa de mortalidade por homicídio, (número de óbitos por homicídio, nas Sistema de Local de
nas faixas etárias e X85 – Y09 e Y35 a Y36. nas faixas etárias e sexo de faixas etárias e sexo de interesse do Informação de residência e ano
sexo de interesse do interesse do estudo. estudo/população exposta ao risco) x Mortalidade do óbito.
estudo. 100.000. (SIM).
Óbitos por arma Causa básica CID-10 – OMS: Taxa de mortalidade por homicídio (número de óbitos por homicídio Sistema de Local de
de fogo, nas faixas X94 e X95. por arma de fogo, nas faixas por arma de fogo, nas faixas etárias Informação de residência e ano
etárias e sexo de etárias e sexo de interesse do e sexo de interesse do estudo/ Mortalidade do óbito.
interesse do estudo. estudo. população exposta ao risco, segundo o (SIM).
numerador) x 100.000.
Óbitos por arma Causa básica CID-10 – OMS: Taxa de mortalidade por homicídio (número de óbitos por homicídio Sistema de Local de
branca, nas faixas X99. por arma branca, nas faixas etárias por arma branca, nas faixas etárias Informação de residência e ano
etárias e sexo de e sexo de interesse do estudo. e sexo de interesse do estudo/ Mortalidade do óbito.
interesse do estudo. população exposta ao risco, segundo o (SIM).
numerador) x 100.000.
Óbitos por suicídio, Causa básica CID-10 – OMS: Taxa de mortalidade por suicídio, (número de óbitos por suicídio, nas Sistema de Local de
nas faixas etárias e X60 a X84. nas faixas etárias e sexo de faixas etárias e sexo de interesse do Informação de residência e ano
sexo de interesse do interesse do estudo. estudo/população exposta ao risco, Mortalidade do óbito.
estudo. segundo o numerador) x 100.000. (SIM).
Indicadores epidemiológicos de morbimortalidade
Unidades
por acidentes
de Aprendizagem
e violências
Exemplo 5
A mortalidade proporcional por mortes violentas em adolescentes de 10
a 19 anos de idade segundo a raça/cor branca e preta é o número de óbi-
tos ocorridos entre adolescentes da raça/cor branca e da raça/cor preta
dividido pelo número total de óbitos de adolescentes de 10 a 19 anos,
multiplicado por 100, na cidade X, no período Y. Assim, o cálculo seria:
115
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
PARA PRATICAR
Respostas:
1. As agressões são os eventos mais frequentes dentre os tipos de mortes por causas externas, com 51.043
mortes no ano estudado. Essa causa corresponde a 40,3% de todos os óbitos por causas externas do muni-
cípio no ano de 2003.
2. A análise dos coeficientes permite dizer que as mortes por agressão representam o maior risco de morta-
lidade destre as causas externas: 28,9 óbitos por 100 mil habitantes no ano de 2003.
116
Indicadores epidemiológicos de morbimortalidade
Unidades
por acidentes
de Aprendizagem
e violências
PARA PRATICAR
0–9 13,9 8,2 11,1 0,9 0,7 0,8 5,18 3,44 4,3
Total 119,7 21,3 69,7 52,8 4,3 28,2 31,05 7,02 18,9
1
Coeficientes por 100 mil habitantes.
Respostas:
117
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
PARA PRATICAR
Faixa etária
Até 9 anos 1,0 0,9 1,3 1,1 1,0 0,9
10 a 14 anos 4,2 9,7 7,7 1,7 2,3 2,7
15 a 19 anos 64,8 152,5 123,3 6,6 11,5 9,9
20 a 24 anos 102,3 218,5 185,4 6,6 13,2 10,3
25 a 29 anos 96,5 177,2 163,6 7,6 15,2 11,2
30 a 39 anos 69,8 120,5 112,5 5,9 12,1 8,4
40 a 49 anos 49,4 67,9 75,4 4,7 7,3 6,6
50 a 59 anos 35,0 42,3 46,3 3,9 3,8 2,9
60 anos ou mais 22,9 16,5 25,7 4,7 3,2 4,0
Fonte: Cano (2004), com base em dados do SIM/Datasus/Ministério da Saúde.
118
Indicadores epidemiológicos de morbimortalidade
Unidades
por acidentes
de Aprendizagem
e violências
Respostas:
1. Os homens na faixa etária de 15 a 39 anos constituem o grupo mais atingido por homicídio no município
X, em 2003; em relação à cor da pele, os coeficientes de mortalidade por homicídios são bem mais levados
entre as pessoas de cor preta e parda, na faixa etária dos 15 aos 39 anos.
2. No grupo de mulheres entre 15 e 39 anos também se observam os maiores coeficientes, mas a realidade
dos homicídios nesse grupo é bem menos intensa. Por exemplo: a faixa mais atingida entre as mulheres (25
a 29 anos) apresenta taxas que oscilam entre 7,6 por 100 mil entre brancas e 15,2 entre pessoas com cor de
pele preta. Entre os homens de 25 a 29 anos, os coeficientes variam entre 96,5 para os brancos e 177,2 para
os jovens de cor preta e parda, por 100 mil habitantes.
k
Indicadores de morbidade
Outra forma de caracterizar epidemiologicamente a violência é a partir
dos dados de morbidade, ou seja, de lesões, ferimentos e danos não letais
provocados por acidentes e violências, também definidos no Capítulo 1
como violências físicas, sexuais, psicológicas e negligências.
Incidência
A medida da incidência traz a ideia da intensidade com que uma doença
acontece numa população e mede a frequência ou probabilidade de
ocorrência de casos novos da doença na população. Alta incidência sig-
nifica alto risco coletivo de adoecer.
Exemplo 6
A incidência de abuso sexual entre mulheres de um determinado muni-
cípio é o número de casos novos de mulheres vítimas de abuso sexual
registrado em um determinado município, em dado período. Assim, o
cálculo da incidência seria:
119
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Historicamente as mulheres têm sido as maiores vítimas de violência sexual.
A cada ano surgem casos novos, caracterizando uma incidência crescente. Com
base nesse indicador, como você situa a violência sexual no seu município?
Prevalência
Prevalência é o número total de O verbo prevalecer significa ser mais, ter mais valor, preponderar, pre-
casos (novos e antigos) de uma
doença existentes em um
dominar. A prevalência indica a qualidade daquilo que predomina.
determinado local e período. Portanto, prevalência implica acontecer e permanecer existindo num
momento considerado.
120
Indicadores epidemiológicos de morbimortalidade
Unidades
por acidentes
de Aprendizagem
e violências
Para os acidentes e violências, a morbidade costuma ser registrada no Para mais detalhes sobre esse
sistema de informação, consulte o
Sistema de Informação Hospitalar por meio do diagnóstico primário Capítulo 15 da Parte III.
(que designa a natureza da lesão: fratura, traumatismo etc.) e por meio
do diagnóstico secundário (a causa externa que provocou a lesão ou o
ferimento: queda, acidente de trânsito, agressão etc.).
Incidência
Prevalência
Número de casos
Curas
Óbitos
PARA PRATICAR
121
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
122
Indicadores epidemiológicos de morbimortalidade
Unidades
por acidentes
de Aprendizagem
e violências
Coeficiente de mortalidade
específica por causa,
Mede o risco de morrer
segundo sexo,idade,
raça/cor
Referências
ALMEIDA FILHO, N.; ROUQUAYROL, M. Z. Indicadores epidemiológicos. In: ALMEIDA FILHO, N.
Introdução à epidemiologia. Rio de Janeiro: Medsi, 2002. p. 127-168.
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p. 71-80, 2005.
CANO, Ignacio et al. Cor e vitimização por homicídios no Brasil. [S.l.: s.n.], 2004.
123
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
RODRIGUES, E. M. S. Lesões causadas no trânsito: importante problema de saúde pública. [S.l.: s.n.,
2000].
SOUZA, E. R.; LIMA, M. L. C. Panorama da violência urbana no Brasil e suas capitais. Ciência e saúde
coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 363-373, abr./jun. 2006.
124
II Atenção a pessoas em situação
de violência sob as perspectivas
do ciclo de vida e das
vulnerabilidades
Ilustração: Edvaldo Jacinto Correia (2007).
6. Crianças e adolescentes em
situação de violência
127
Impactos da Violência na Saúde
a extorsão,
o insulto,
a ameaça,
o cascudo,
a bofetada,
a surra,
o açoite, ...
128
Crianças e adolescentes em situação de violência
129
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
130
Crianças e adolescentes em situação de violência
O trabalho interdisciplinar e interinstitucional deve se pautar em uma Proteção social são formas
institucionalizadas que as sociedades
concepção clara sobre o significado de proteção social, na busca de
constituem para proteger parte ou o
superação da fragmentação das políticas sociais. Ele deve visar à cons- conjunto de seus membros.
trução de uma rede de proteção que otimize o oferecimento de serviços
e favoreça a qualificação e a ampliação do atendimento. Podem assim
ser destacados quatro campos fundamentais nesse processo de articula-
ção: a saúde, a educação, a assistência e o jurídico.
A assistência social vive hoje um momento propício para o fortaleci- Seguridade Social, segundo a
Constituição de 1988, artigo 194, é
mento de ações integradas. O Sistema Único de Assistência Social prevê, um conjunto integrado de ações de
no seu nível de proteção especial, a atuação diante da violação de direi- iniciativa dos poderes públicos e da
sociedade, destinadas a assegurar os
tos através dos Centros de Referência Especializada de Assistência Social direitos relativos à saúde, à previdência
(Creas), enfatizando a necessidade do fortalecimento da rede de prote- e à assistência social. Preconizava-se
um orçamento único e com diversas
ção social em âmbito regional. No que se refere à temática da violência
fontes de financiamento para os
doméstica, destaca-se como diretriz o aprofundamento da articulação componentes da saúde, assistência e
previdência social. No entanto, hoje
com os Conselhos dos Direitos e os Conselhos Tutelares.
nota-se que “é crescente a cisão entre
dispositivos ainda em vigor da
Constituição Brasileira, a construção da
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social, onde previdência,
Seguridade Social não contributiva, que prevê os mínimos sociais, rea- saúde e assistência social constituem
braços integrados e articulados de
lizada por meio de um conjunto integrado de iniciativa pública e da uma política social abrangente”
sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (NORONHA e SOARES, 2001).
131
Impactos da Violência na Saúde
CASO VALÉRIA
132
Crianças e adolescentes em situação de violência
133
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Vale ressaltar que situações críticas, em que exista risco à vida, devem
ser prontamente referidas ou encaminhadas. Nessas ocasiões, a inter-
nação hospitalar pode ser indicada por constituir o único local seguro
para a criança, até que se resolvam as questões mais graves referentes
ao cuidado da mesma.
134
Crianças e adolescentes em situação de violência
Rafael tem seis anos de idade. Ao voltar para casa com a mãe, após uma festa
na casa de vizinhos, caminhava com dificuldade. Rafael dizia que estava “com
dor no bumbum”. A mãe resolveu olhar o local da dor e verificou que a região
em torno do ânus estava vermelha. Havia raias de sangue na cueca da criança.
Ela levou Rafael ao serviço de saúde, onde a criança foi entrevistada e contou
que um vizinho, Leandro, de 15 anos, havia tentado fazer sexo anal com ele. O
médico verificou que havia fissura anal recente.
Para refletir
Esse tipo de contato ocorrido entre uma criança e um adolescente se
configura como abuso sexual ou podemos considerar que houve apenas um
jogo sexual entre eles?
A conduta do profissional da saúde, perguntando à própria criança o que
aconteceu, é sempre indicada?
Como deve ser conduzido esse caso, em relação à criança e ao adolescente?
135
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
136
Crianças e adolescentes em situação de violência
k Pedofilia
Atração erótica por crianças, podendo o pedófilo se satisfazer com fotos, fan-
tasias ou com o ato sexual.
k Pornografia
Uso e exposição de imagens eróticas, partes do corpo ou práticas sexuais entre
adultos e crianças, com outros adultos ou com animais, em revistas, livros, fil-
mes, internet. Esse crime diz respeito a quem fotografa e a quem mostra as
imagens.
k Turismo sexual
Caracterizado por excursões com fins velados ou explícitos de propiciar prazer
e sexo a turistas.
Cerca de 20% dos casos de abuso sexual de crianças são praticados por
adolescentes. O abuso sexual praticado por esses jovens pode represen-
tar uma expressão de agressividade, apontando para a necessidade de
intervenção que identifique possíveis fatores que os levaram a condu- Na maioria das vezes as
tas desse tipo. É comum, no entanto, que os pais do adolescente que crianças não estão mentindo
quando relatam participação
cometeu o abuso tentem poupá-lo de responder por seus atos. Cabe ao em práticas sexuais.
profissional, então, conscientizá-los sobre a importância da responsabi- Ações precipitadas por
lização e do tratamento para que o adolescente, uma pessoa ainda em parte dos profissionais podem
prejudicar todo o processo de
formação, tenha a possibilidade de aprender a assumir responsabilidades esclarecimento e a condução
das situações de abuso sexual.
e de reverter atitudes danosas à saúde e à vida.
137
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
CASO FRANCILEIDE
Para refletir
Quais os sentimentos da equipe após escutar o caso?
O fato de Francileide dizer que em alguns momentos provocava o contato
com o pai traz que tipos de mudanças na forma de ver o caso?
Como deve ser a abordagem com Francileide? E com sua mãe? E com seu
pai?
As instâncias da justiça, da saúde e da assistência devem estar presentes
nesse caso? Para quem encaminhar e em qual momento?
138
Crianças e adolescentes em situação de violência
Toda criança e todo adolescente devem ser bem acolhidos quando che-
gam em um serviço de saúde. Uma situação de suspeita de violência
sexual requer cuidados e traz consequências, independentemente de ter
acontecido ou não. É necessário que a criança e o adolescente possam
estabelecer uma relação mínima de confiança com o profissional para
139
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
poderem falar sobre o que lhes aconteceu. A confiança que pode ser
estabelecida de imediato muitas vezes também demora a acontecer, pois
cada criança tem um tempo e um modo singular para poder falar sobre
o que viveu. O profissional não deve deixar que sua vontade de ajudar
acabe atropelando o paciente, pois a forma como ele irá abordar a ques-
tão pode permitir ou impedir que a criança venha a falar sobre o que lhe
aconteceu. Se ela se sentir forçada a falar, isso pode levá-la a se retrair.
Também é importante que os pais sejam bem acolhidos, mesmo no caso
de ele(s) ser(em) o(s) autor(es) da violência.
No caso de Francileide percebe-se que durante anos sua mãe não pôde
ocupar, em relação à situação do abuso, um lugar de garantia de cuida-
dos para com a filha. Dessa forma, torna-se necessária uma intervenção
jurídica – para interromper a situação violenta e que introduza também
a importância de a mãe e o pai virem a se responsabilizar juridicamente
por seus atos; e uma intervenção no campo da saúde mental – que pos-
sibilite a construção de uma nova forma de funcionamento em que eles
possam vir a ocupar suas funções de mãe e de pai.
Se, como foi dito, é importante que o profissional possa contar com uma
rede de apoio – tanto para encaminhar para outras instâncias quanto
para dividir as dificuldades em relação a sua intervenção –, a criança, o
adolescente e seus familiares também podem necessitar de ajuda para sair
de uma situação de isolamento, fato comum em casos de abuso sexual.
140
Crianças e adolescentes em situação de violência
Para refletir
Considerando a ausência de uma rede de apoio, que possibilidades você
teria, como profissional, para atuar nesse caso?
E as possibilidades de abordagem no seu serviço?
Como você e seu serviço poderiam estabelecer comunicação com outras
instituições para trabalharem o atendimento em rede?
141
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
CASO DAYVSON
Dayvson, 14 anos, negro, cursando a 6ª série, foi ao posto de saúde levado pela
mãe, que reclamava do fato de ele andar triste, isolado, sempre trancado no
Notificar significa iniciar um processo
quarto. Relatou que sempre foi bom aluno, mas, no último ano, começou a ter
cujo objetivo principal é o de dor de barriga diariamente antes de ir para a escola, passando a chegar atrasado
interromper a violência no âmbito da e a faltar – quase repetiu o ano. Durante a consulta com o clínico, Dayvson falou
família (BRASIL, 2004). Essa notificação,
pouco, mas ao ser perguntado pelo Dr. João sobre o problema da acne, o adoles-
no entanto, não é e nem vale como
denúncia policial. Ela indica que o cente se abriu, mostrando-se preocupado, perguntando ao médico se existe um
profissional da saúde está dizendo ao tratamento para esse problema. Sem mais demora, Dr. João conclui o exame físi-
Conselho Tutelar: “esta criança ou este co sem observar outras anormalidades, solicitou o exame parasitológico de fezes
adolescente e sua família precisam de
ajuda!” A notificação não deve ser (EPF) e encaminhou Dayvson ao dermatologista.
vista como o cumprimento de uma
obrigação que tem fim em si mesma.
É importante que o profissional da
saúde acompanhe o trabalho do
Conselho Tutelar, construindo uma Para refletir
parceria que permita compartilhar a
decisão tomada para o melhor Como você avalia o atendimento prestado a Dayvson? Que outras questões
encaminhamento dos casos atendidos poderiam ter sido investigadas durante a consulta?
(NOGUCHI et al., 2004).
142
Crianças e adolescentes em situação de violência
Dayvson voltou à consulta um mês depois, acompanhado da mãe, com o resul- Para saber mais sobre raça/
tado do EPF: negativo. A consulta na dermatologia estava marcada para dali a etnia, consulte os textos:
dois meses. Enquanto esperava a consulta, foi convidado a participar de um gru- Onde você guarda seu
po na sala de espera, onde uma assistente social falava sobre os serviços da racismo?, de Maurício Santoro
unidade, tirava dúvidas e convidava as pessoas a participarem dos grupos de (2004).
www.ibase.org.br/modules.php
reflexão. ?name=Conteudo&pid=644
Saúde da população negra:
Chegado o dia da consulta, foi então recebido pela Dra. Clara, que pediu gen- Brasil ano 2001, de Fátima
Oliveira (2002).
tilmente à mãe para esperar do lado de fora, de modo que ela pudesse conver- www.opas.org.br/publicmo.
sar melhor com Dayvson. Incentivou o rapaz a falar sobre sua vida, sua relação cfm?codigo=68
com a família, a escola e os amigos, sobre seus desejos e como se percebia Discriminação racial nas
como pessoa. Dayvson revelou sentir-se feio, dizendo ter poucos amigos e que escolas: entre a lei e as práticas
na escola foi apelidado de “pé-de-moleque”, o que chama atenção para o seu sociais, de Hédio Silva Junior
(2002).
problema de pele e o deixa muito infeliz, a ponto de não querer ir às aulas. Vive http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
passando pomadas, mas, como não melhora, os colegas ficam “zoando”. Diz ter publicacoes/Discrimina_racial.
vontade de se aproximar das meninas, mas fica sem coragem. pdf
Acidentes e violência: conceito
http://bvsms.saude.gov.br/html/
pt/pub_assunto/acid_violen.html
Para refletir
Que fatores estão causando a solidão de Dayvson?
Qual a diferença na abordagem do caso pela doutora Clara e pelo doutor
João?
Que ações a equipe de saúde e a escola podem desenvolver em relação a
esse caso?
143
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Você já vivenciou ou tomou conhecimento de algum caso de bullying? Que
encaminhamentos foram dados ao caso?
144
Crianças e adolescentes em situação de violência
O atendimento do adolescente
A consulta com o adolescente deve possibilitar um momento de privaci-
dade, de maneira a favorecer a expressão de sentimentos. O adolescente
tem direito ao sigilo e à confidencialidade das informações. Isso só deve
ser rompido nas situações previstas por lei (notificação de situações de
maus-tratos ao Conselho Tutelar) ou de risco à vida.
Ao final da consulta, deve-se combinar com o jovem o que será dito pelo
médico aos seus responsáveis, para não romper o vínculo de confiança.
É interessante que a família seja envolvida e que o atendimento contri-
bua para facilitar o diálogo entre seus membros.
145
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Referências
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BARKER, G. (Coord.). Esfria a cabeça, rapaz!: uma cartilha para rapazes sobre a violência contra
mulheres. Rio de Janeiro: Instituto Promundo, 2003.
BRANCO, V.M.C. Notificação dos maus-tratos: uma estratégia de proteção a crianças e adolescentes.
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Legislação em Saúde).
BRASIL. Ministério da Saúde. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual
contra mulheres e adolescentes. Brasília, 2005. (Série A. Normas e manuais técnicos. Série Direitos
sexuais e direitos reprodutivos, Caderno 6).
BRASIL. Normas para tratamento de violência sexual de mulheres e adolescentes. Brasília, 2005.
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Crianças e adolescentes em situação de violência
DESLANDES, S.; ASSIS, S. G.; SILVA, H. O. (Coord.). Famílias: parceiras ou usuários eventuais?: análise
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FRANCO, F.; RIBEIRO, P. M. C. M.; GRYNER, S. A. (Org.). A violência começa quando a palavra perde
o valor. Rio de Janeiro: NAV, 2004.
GONÇALVES, H. S.; FERREIRA, A.; MARQUES, J. V. Avaliação de serviço de atenção a crianças vítimas
de violência doméstica. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 33, n. 6, p. 547-553, 1999.
INSTITUTO PROMUNDO. Da violência para a convivência. Rio de Janeiro: Instituto Promundo, 2001
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LIMA, C. A. (Coord.). Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
NOGUCHI, M.S.; ASSIS, S.G.; SANTOS, N.C. Entre quatro paredes: atendimento fonoaudiológico a
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NORONHA, J.C.; SOARES, L.T. A política de saúde no Brasil nos anos 90. Ciência e saúde coletiva, Rio
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147
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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YAZBEK, M. C. As ambiguidades da assistência social brasileira após dez anos de LOAS. Serviço
Social e Sociedade, São Paulo, v. 77, 2004.
148
7. Violência de gênero na
vida adulta
VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Caracteriza-se por qualquer ato que resulte em dano físico ou emocional, perpe-
trado com abuso de poder de uma pessoa contra outra, em uma relação pautada
em desigualdade e assimetria entre os gêneros. Pode ocorrer nas relações ínti-
mas entre parceiros, entre colegas de trabalho e em outros espaços relacionais.
MULHERES DE ATENAS
Você encontra a letra completa dessa Chico Buarque de Hollanda
composição no site: http://
chicobuarque.letras.terra.com.br/
letras/ Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito, nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos,
Só têm presságios...
150
Violência de gênero na vida adulta
Cena 1
Mas de uns tempos para cá, a vida de Marilene parece estar “mais pesada”,
dando a impressão para as pessoas de que ela está desligada ou triste. Desde o
casamento de Larissa, sua caçula, a casa ficou mais vazia, silenciosa e, às vezes,
Marilene passa o dia sem conversar com ninguém. Suas companhias são a tele-
visão e Dotinha, uma cachorrinha que seus filhos trouxeram para casa há mais
de 12 anos. Ela também está velha e já não quer mais sair para dar os longos
passeios das duas. Agora, Marilene percebe que ela, Dotinha, é quem levava Ma-
rilene para dar uma volta e ver o mundo. Dotinha doente, Marilene aposentada,
os filhos casados, Romualdo fora de casa no trabalho. Mas, pensando bem, Ro-
mualdo fora de casa não era de todo ruim. Pior quando ele volta. Vai chegando
a hora e Marilene já sabe, suas mãos começam a suar, seu coração a bater mais
rápido. Sempre fora assim, anos a fio, mas agora, no silêncio da casa vazia, pa-
recia que ela estava mais abandonada ao “temperamento forte” de Romualdo,
que, às vezes, sem que ela soubesse o porquê, chegava acusando-a de coisas que
ela jamais fizera ou imaginara fazer.
Parando para pensar, Marilene via que os filhos – que depois de crescidos a de-
fendiam do pai nas discussões – tinham mesmo que seguir sua vida e não fica-
rem agarrados à barra de sua saia. Mas era difícil vê-los partir, mesmo que ela
ficasse feliz por tê-los encaminhado na vida. E disso Marilene tinha orgulho: era
uma ótima mãe e seus filhos, formados, fortes e casados eram a prova.
Ela vivera para sua família e sempre acreditara que com o tempo e a idade Romu-
aldo fosse melhorar. Sempre tentara ser compreensiva, dando um desconto pela
infância difícil que ele tivera, longe da mãe que o abandonara com uma tia, rara-
mente vendo seu pai, que se casara novamente e constituíra uma nova família,
151
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
onde ele não tivera lugar. E, além de tudo, o trabalho. O trabalho de Romualdo o
deixava muito nervoso. Marilene nunca sabia se ele voltaria para casa ou não.
Quando dava uma notícia urgente na televisão sobre tiroteio, o coração de Mari-
lene disparava. E era duro reconhecer: houve vezes em que ela desejara que Ro-
mualdo fosse um dos policiais mortos no confronto com os bandidos. Agora, a
televisão já nem dava mais essas notícias, toda hora havia policiais mortos em
tiroteios, e ela continuava a ter certeza da volta de Romualdo, vivo, pelo mal-estar
que sentia quando Dotinha latia junto ao portão.
Quando seus filhos ainda estavam em casa, ele não a agredia fisicamente na
frente deles. Só as paredes de seu quarto e seu travesseiro conheciam, como ela,
quem era Romualdo. Marilene já o conhecia muito bem, e sabia que nessa ma-
nhã ele se comportaria como se nada tivesse acontecido. Na verdade, seria até
atencioso e quando voltasse para casa à noite iria perguntar por que ela não
aproveitava para ligar para Larissa. Ela sentia vergonha, nem isso se sentia à
vontade para fazer em sua própria casa. Romualdo botara um cadeado no tele-
fone, para ela não ficar “pendurada no fio falando bobagem”. Mas que boba-
gem ela falaria? E com quem? Seus parentes moravam longe e com o tempo
perdera o contato com quase todos. Das colegas do antigo trabalho também ti-
nha poucas notícias. Para quem ela ligaria, a não ser para a filha? Mesmo para
os filhos, que moravam na mesma cidade, ela ligava pouco. Não gostava de in-
comodar e tinha medo que as noras e os genros implicassem.
Marilene estava decidida e esse sentimento, ao mesmo tempo, lhe dava medo e
a deixava animada: iria ao médico para cuidar do braço – que estava roxo e do-
endo depois que Romualdo o torcera na noite anterior.
k
152
Violência de gênero na vida adulta
Para refletir
Liste as formas de violência que você identifica no cotidiano de Marilene.
As mudanças não se dão por substituições, mas num processo, por sobre-
posições que deixam rastros e vestígios em nossas subjetividades. Mesmo
com todos os valores e as novas marcas agregados, a constituição da iden-
tidade feminina não foi abolida, a força do lugar social atribuído à figura
materna como responsável pelos filhos, pela ordem e manutenção da
família ainda está presente. Na história de Marilene podemos perceber
isso. Em suas reflexões, enquanto repassa parte de sua vida do modo
como entende as dinâmicas familiares, ela nos dá um exemplo das rela-
ções de força constantes – e muitas vezes desiguais –, presentes entre
homens e mulheres. No entanto, a subordinação de Marilene a uma
ordem conjugal onde a violência praticada de diferentes formas a faz
deprimir e sofrer, não precisa ser imutável, por mais difícil que pareçam
as mudanças para o curso da vida de mulheres com histórias como a dela.
Na vida de Marilene, a violência não começou no episódio daquela noite.
Ela está presente em diferentes graus e formas durante toda a sua vida
conjugal, expressando relações assimétricas e de tensão que se intercalam
com episódios de uma breve trégua, muitas vezes fazendo os envolvidos
acreditarem que as relações serão diferentes a partir do episódio violento,
caracterizando o que é denominado de ciclo da violência.
153
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Episódio
Tensão agudo de
violência
Ciclo de Violência
154
Violência de gênero na vida adulta
Cena 2
Mais um dia naquele calor interminável e senhas sem fim! Adriano estava for-
mado há pouco mais de cinco anos e não podia ainda dispensar o emprego pú-
blico no posto de saúde. Apesar de sua residência médica ter sido em Angiolo-
gia, lá ele era clínico geral. Adultos de todas as idades e com todos os problemas
esperavam que ele resolvesse tudo com uma receita e, quem sabe, com alguns
pedidos de exame. Ele respirou fundo e se dirigiu à porta do consultório com a
ficha do próximo, ou melhor, da próxima paciente: Marilene Azevedo.
Uns dias eram piores do que outros, e esse parecia ser um daqueles! Adriano co-
meçava a se sentir mal, desconfortável, sem saber o que fazer para ajudar aquela
mulher. A consulta já se alongara mais do que de costume e ele não conseguia ter
certeza sobre suas suspeitas. Será que aquela mulher estava sendo agredida por
seu marido? Como saber a verdade? Como ter certeza sem perguntar diretamen-
te, e como perguntar uma coisa dessas a uma senhora como aquela? Pela ficha,
dona Marilene nem era tão idosa, mas por algum motivo lhe parecia familiar, tal-
vez pelo seu jeito materno e discreto. Adriano afastou essa ideia e tentou se con-
centrar, pensando em qual seria a melhor forma de ajudar a paciente.
Mas, naquela manhã, o caso de dona Marilene tinha mexido com ele. É, talvez já
fosse hora de tirar umas férias ou largar aquele emprego no posto! Estava fican-
do com o coração mole. Lembrando-se de um cartaz que vira no corredor e de
uma circular que recebera da direção da unidade havia pouco tempo, Adriano
então abriu uma pasta de impressos e preencheu o “Formulário padrão de enca-
minhamentos para casos suspeitos ou confirmados de violência contra a mu-
lher”, que as pessoas no posto chamavam de “encaminhamento da VVI (Vítimas
de Violência Intrafamiliar)”. Depois, encerrou a consulta, pedindo a dona Marile-
ne que entregasse aquele papel na recepção. A partir daí, eles agendariam uma
consulta com a assistente social ou a psicóloga. Um pouco constrangida, ela
agradeceu, estendendo-lhe a mão. Ele a acompanhou até a porta, como se ainda
155
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
houvesse algo a fazer por ela. Ao ver a porta se abrir, o próximo paciente se le-
vantou. Adriano pediu que ele esperasse um pouco, entrou no consultório e
afrouxou o colarinho da camisa sob o pesado jaleco branco. Ele precisava respi-
rar um pouco antes de continuar sua rotina de trabalho.
Enquanto esperava pela sua vez na recepção, Marilene pensava sobre o encami-
nhamento do doutor Adriano. O que eram essas letras “VVI”? Será que ele sus-
peitara de alguma doença que nem ela sabia que tinha? Como diz o ditado popu-
lar, “quem procura, acha”. O que será que ela procurava, indo ao posto? O que
havia encontrado? Mas não, ela logo se tranquilizou. Se fosse alguma doença, o
Para saber mais, leia o artigo
“Violência contra a mulher:
doutor Adriano a teria encaminhado para um outro médico, e não para a assisten-
estudo em uma unidade de te social ou a psicóloga. Será que ele achava que ela estava sofrendo dos nervos
atenção primária à saúde”, de por ter quase chorado durante o atendimento? Marilene ficou na dúvida se deve-
Lilia Blima Schraiber et al.
(2002), disponível em http://
ria ou não marcar aquela consulta, mas, como gostara do médico, resolveu dar
www.scielo.br/scielo. uma chance. Depois decidiria se iria ou não. Isso dependeria de a consulta coinci-
php?pid=S0034- dir com os plantões de Romualdo. Marilene saiu do posto um pouco mais anima-
102002000400013&script=sci_ da, experimentando uma sensação estranha de ser um pouco mais dona de si.
arttext.
k
156
Violência de gênero na vida adulta
Para refletir
O que você, profissional da saúde, sentiria ao suspeitar que pode estar
atendendo uma mulher em uma possível situação de violência conjugal? Liste
três de seus pensamentos e três de seus sentimentos.
Em sua opinião, por que Marilene não contou ao doutor Adriano sobre a
verdadeira causa de seus machucados e sobre a situação de violência em que vive?
157
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Cena 3
Marilene procurou não se atrasar para a consulta, pois dessa vez não precisaria
de senha: estava agendada com a assistente social. Anete era jovem para já ser
formada, pensou Marilene ao ser recebida de forma atenciosa por ela. No co-
meço, desconfiada, Marilene ouvia e respondia com o mínimo de palavras. Mas
Anete parecia compreender o que Marilene passava. Ela perguntou se Marilene
sabia por que estava ali, e diante de sua negativa com a cabeça, explicou que
aquele era um ambulatório para atender mulheres e seus familiares vítimas de
violência que acontecia em suas próprias casas, daí aquela sigla no papel do
encaminhamento do doutor Adriano: VVI – Vítima de Violência Intrafamiliar.
158
Violência de gênero na vida adulta
Ao final do atendimento, Anete perguntou se podiam marcar para que ela retor-
nasse na semana seguinte. Marilene desconfiou, achando muito rápida a próxi-
ma consulta, mas teve coragem de dizer:
– Não me leve a mal, está sendo ótimo conversar com a senhora, mas eu não
vou me separar do meu marido, destruir a minha família, só porque falei sobre
tudo isso aqui. Verdade que Romualdo às vezes exagera, mas não posso ir a
uma delegacia contar o que acontece comigo para colegas dele! Quem ia acre-
ditar em mim?
– Eu entendo, dona Marilene, mas não se preocupe. Não espero que a senhora
tome decisões que podem mudar sua vida sem que tenha certeza do que quer.
Hoje a senhora começou a conhecer um pouco mais sobre os seus direitos e ago-
ra sabe que não está sozinha. A senhora já chegou até aqui e pode falar sobre o
que acontece com a senhora e de sua vontade de mudar e se sentir melhor. Isso
é já um grande começo. Um caminho se faz caminhando, dona Marilene. Um pas-
so de cada vez. O importante é a senhora continuar a se cuidar. Quem sabe da
próxima vez não podemos marcar também uma consulta no ginecologista, já que
a senhora falou que nem se lembra da última vez que foi a um?
Para refletir
Analise o segundo atendimento prestado a Marilene. Que aspectos você
imagina terem sido priorizados por Anete no atendimento?
Em uma unidade de saúde, de quem deve ser a responsabilidade pelo
atendimento de mulheres com histórias semelhantes à de Marilene?
159
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
160
Violência de gênero na vida adulta
Me lancem sinais
Arranca, vida Conheça a letra completa da
Estufa, veia composição no site: http://
chicobuarque.letras.terra.com.br/
Me leva, leva longe
letras/
Longe, leva mais...
Dalva, moradora da Comunidade Flor de Liz, 28 anos, negra, dona de casa, ten-
do estudado até a sexta série do ensino fundamental, com dois filhos (5 e 7
anos), está com oito semanas de gestação de seu terceiro filho. O pai é seu com-
panheiro Antônio, com quem vive há oito anos. Dalva é natural de Sobral, no
Ceará, onde se encontra o restante de sua família.
161
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Você é capaz de recordar momentos de sua formação profissional ou de
sua vida pessoal em que refletiu sobre a violência contra a mulher? Tente se
lembrar de ditados populares ou de como a mídia aborda o tema.
162
Violência de gênero na vida adulta
Para refletir
Utilizando os conceitos abordados, faça também um balanço a respeito das
situações de violência contra a mulher que você já atendeu. Que obstáculos
você identificou para reconhecer essas situações?
164
Violência de gênero na vida adulta
Para refletir
Considerando o caso de Dalva, qual a importância de intervir nessa situação?
165
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Tutores de resiliência são indivíduos ou O setor Saúde tem um papel fundamental a ser exercido como tutor de
instituições que dão apoio a pessoas em
situação de violência, favorecendo o
resiliência em uma rede de proteção às vítimas de violência. Sob essa
desenrolar da vitimização e a ótica, as abordagens de atenção à violência contra a mulher devem ser
ressignificação do trauma (CYRULNIK,
2004). Os tutores dão suporte por meio
implementadas de forma transversal nas políticas de saúde, com ênfase
de afeto, convivência, processos nas ações voltadas para a saúde reprodutiva, em especial o pré-natal.
educativos que tornem as pessoas mais
resistentes e maduras para enfrentarem
Esses são espaços estratégicos para trabalharmos os aspectos conceituais
as dificuldades que ocorrem na vida de e práticos da promoção da resiliência de mulheres, de seus cônjuges e
qualquer ser humano. O trabalho
realizado pelos tutores visa fazer com
filhos.
que o indivíduo elabore os conflitos e
retome os trilhos do desenvolvimento.
Reveja o conceito de resiliência no Outro aspecto fundamental é o compromisso com a garantia da informa-
Capítulo 4, Parte I. ção sobre saúde reprodutiva e sobre direitos da mulher, tanto nas ativida-
des individuais quanto nas atividades em grupo da assistência pré-natal,
de tal forma que sua atuação possibilite integração e participação ativa
da mulher como sujeito de direito dos serviços. As ações desenvolvidas
166
Violência de gênero na vida adulta
Para refletir
A abordagem em situações de violência contra a mulher lhe é familiar?
Procure relatar uma situação vivida no cotidiano profissional, analisando
criticamente a abordagem praticada (quais os tipos de violência presentes
na situação, os aspectos de saúde envolvidos, a abordagem e os
encaminhamentos efetuados).
167
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Na Parte I, Capítulo 2, falamos sobre Em 1998, o Ministério da Saúde criou a Câmara Temática sobre Vio-
a Política Nacional de Redução de
Acidentes e Violências. Retorne a
lência Doméstica e Sexual, com o objetivo de propor e acompanhar o
esse material para aprofundar o desenvolvimento de políticas específicas sobre o problema, vinculadas à
tema aqui tratado. Para isso, use as
referências fornecidas ao longo do
Área Técnica de Saúde da Mulher e subordinadas ao Comitê Nacional
Capítulo 2. de Prevenção de Acidentes e Violência. A partir daí, também em 1998,
foi publicada uma Norma Técnica denominada “Prevenção e tratamento
dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adoles-
centes”, que vem sendo atualizada e utilizada como instrumento impor-
tante para o aprimoramento das ações de saúde. Esse documento prevê
que as unidades com serviços de ginecologia e obstetrícia constituídos
estejam capacitadas para o atendimento aos casos de violência sexual,
portanto, no âmbito do Programa de Assistência Integral à Saúde da
Mulher.
168
Violência de gênero na vida adulta
169
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
170
Violência de gênero na vida adulta
Para refletir
O que você entende por masculinidade? Qual o papel da família e da escola
na desconstrução dos estereótipos masculinos?
Vários estudos destacam a
predominância dos homens nas
situações de violências. Sobre
A masculinidade
masculinidade, situada no âmbito do gênero, representa um conjunto isso, leia o artigo “Homens na
de atributos, valores, funções e condutas que se espera de um homem pauta da saúde coletiva”, de
Lilia Blima Schraiber, Márcia
em uma determinada cultura (KEIJZER, 2003). Thereza Couto e Romeu Gomes
(2005), disponível em http://
www.scielo.br/scielo.
Perante esse cenário, podemos nos perguntar por que são os homens php?script=sci_
os principais atores envolvidos em situações de violência, tanto como pdf&pid=S1413-
81232005000100002&lng=en
agressores quanto como vítimas. Se considerarmos a questão com um &nrm=iso&tlng=pt
olhar sociocultural, talvez cheguemos à conclusão de que isso pode
ocorrer porque eles são influenciados por características de ser homem Se você tiver interesse em saber
com surgiu a expressão
presentes em modelos culturais de masculinidades. masculinidade, consulte a obra
A construção social da
masculinidade, de Pedro Paulo
Em várias sociedades, na socialização dos homens, a aquisição de atri- de Oliveira (2004) da Editora
butos masculinos comumente se caracteriza por processos violentos UFMG e IUPER.
171
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
173
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Uma cena do cotidiano
Na esquina de uma rua pouco movimentada, três rapazes de porte atlético
riem de uma piada que um deles acaba de contar. No outro lado da mesma
rua, dois jovens conversam amavelmente. Em determinado momento da
conversação, um desses dois jovens acaricia o rosto do outro. Ao perceberem
essa cena dos dois jovens, os três rapazes param de rir, se entreolham com
um certo pasmo. Em seguida, como que de uma forma mecânica, atravessam
a rua e começam a espancar os dois jovens.
Quais explicações podem ser apontadas para a reação violenta dos três
atléticos rapazes?
De que maneira essa cena do cotidiano pode ser abordada pela área da
saúde em geral, visando à promoção da saúde masculina?
Cite outras situações ligadas à masculinidade que você tenha vivenciado
como profissional da saúde ou procure conhecer algumas com seus colegas
de trabalho.
174
Violência de gênero na vida adulta
Dar atenção aos homens que cometeram violência não significa reti-
rar deles a responsabilidade por seus atos. Podemos pensar a violência
fazendo uma distinção entre ato e processo. Um ato de violência tem
um autor e uma vítima, mas o processo pelo qual aquele ato tornou-se
possível tem a participação de todos que fazem parte daquele contexto.
Se quisermos ter ações eficazes e efetivas de prevenção desse fenômeno,
devemos olhar tanto para o ato quanto para o processo. O autor do ato
deve ser responsabilizado e responder por isso, e a vítima do ato deve
ser cuidada e protegida, mas é preciso oferecer aos dois, e a outros dire-
tamente envolvidos, a possibilidade de um espaço de reflexão sobre o
processo – a dinâmica relacional que tornou o ato possível – para que se
evite a reincidência e a cristalização de papéis (ZUMA, 2004).
Uma das queixas mais frequentes dos homens sobre seus relaciona-
mentos com as mulheres diz respeito à violência psicológica delas: “se o
homem tem o braço, a mulher tem a língua”. São inúmeras as descrições
de humilhações, desqualificações e comparações com outros homens
No filme já citado Não é fácil,
que atingem a autoestima e promovem sentimentos de mágoa e frus- não! – Prevenindo a violência
tração. de homens contra mulheres,
vemos a importância da
violência psicológica que o
A maioria dessas desqualificações cobra dos homens um desempenho homem vivencia nas relações
interpessoais. Outros materiais
de acordo com os rígidos esquemas de gênero em que toda a sociedade sobre o tema podem ser
(homens e mulheres) está imersa. Por exemplo, dizer que ele não está obtidos no site www.noos.org.
br, do Instituto Noos.
sendo homem o bastante, quando não traz dinheiro para casa.
175
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Os grupos de reflexão
Os grupos reflexivos de gênero com homens autores de violência são
espaços onde ocorrem conversas sobre temas escolhidos pelo próprio
grupo ou propostos pelos facilitadores. De um modo geral, são encon-
tros com cerca de duas horas de duração, com frequência semanal, no
espaço de 20 semanas. São grupos fechados, isto é, depois do terceiro ou
quarto encontro não é possível entrar novo participante, e os membros
do grupo estabelecem regras de como querem agir em relação às faltas
e aos atrasos de seus participantes. São utilizados, geralmente, alguns
deflagradores de conversa para iniciar a discussão sobre o tema do dia.
Esses deflagradores podem ser uma dinâmica corporal, uma dinâmica
com técnicas narrativas, uma brincadeira ou outras possibilidades,
dependendo da criatividade dos facilitadores e dos demais participantes
(ACOSTA; ANDRADE; BRONZ, 2004).
176
Violência de gênero na vida adulta
Para refletir
Você já participou, como profissional da saúde, de grupos reflexivos de
gênero? Avalie sua experiência.
177
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
O que você pensa sobre a utilização dos grupos reflexivos de gênero como
recurso para encaminhamento dos homens que cometeram violência contra
suas companheiras?
Em sua opinião, o que deveria ser tratado nos grupos de reflexão de homens
envolvidos com a violência?
UM CASO DE HOMOFOBIA
178
Violência de gênero na vida adulta
Orientação sexual é a atração afetiva e/ou sexual que uma pessoa sente pela
outra. Varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade ex-
clusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade. Os psicólogos não
consideram que a orientação sexual seja uma opção consciente, ou seja, que
possa ser modificada por um ato da vontade.
179
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
O que você pensa sobre a homofobia? No seu serviço, você já atendeu
situações que envolvem a homofobia?
180
Violência de gênero na vida adulta
Referências
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Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno6_saude_mulher.pdf>. Acesso
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185
8. Violência contra a pessoa
idosa: o desrespeito à
sabedoria e à experiência
“Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é
o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por
experiência, que é o mais amargo” (CONFÚCIO, 551 a.C. – 479 a.C.).
187
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
188
Violência contra a pessoa idosa: o desrespeito à sabedoria e à experiência
As dimensões do envelhecimento
A velhice pode ser definida como um processo biológico constituído pela
capacidade orgânica e mental para responder às necessidades da vida
cotidiana, e pela motivação para continuar buscando novos objetivos e
novas conquistas. Esse processo pode ser reconhecido por sinais inter-
nos e externos do corpo que podem ser abordados por meio de distintas
dimensões (BEAUVOIR, 1990).
189
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
A velhice pode ser entendida como um ponto do ciclo da vida orgânica e social
e o idoso é aquele que tem sinais de senilidade e incapacidade física e mental.
190
Violência contra a pessoa idosa: o desrespeito à sabedoria e à experiência
doria por idade, sendo este benefício ofertado em razão de o idoso ser
considerado vulnerável e dependente. No entanto, apenas a partir de
1980 esta visão sobre o idoso começa a mudar, seguindo a influência dos
debates internacionais sobre a entrada de novas estratégias e políticas
para os idosos (CAMARANO; PASINATO, 2004).
Ano Política
1994 Lei 8.842 institui a Política Nacional do Idoso, que cria o Conselho Nacional do Idoso
191
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
192
Violência contra a pessoa idosa: o desrespeito à sabedoria e à experiência
Nos novos arranjos familiares é possível que muitos idosos prefiram e Você encontrará mais informações
sobre pessoas com deficiências e
tentem viver sozinhos, mas não podemos esquecer que uma parte deles necessidades especiais no Capítulo
é afastada do convívio familiar mesmo contra a sua vontade. É bom 12 deste livro, “Pessoas com
deficiência e necessidades especiais e
também lembrar que nesta fase da vida a pessoa pode ser acometida por situações de violência”.
doenças que exigem cuidados específicos e a tornam dependente. Nessas
circunstâncias o idoso precisa se sentir valorizado e receber a atenção e
o carinho da família, o que nem sempre acontece.
193
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
No centro de toda a trajetória de pobreza e exclusão social está dona Rosa que,
aos 60 e poucos anos de idade, cuida do pai, dos nove filhos e dos netos. Ela é
evangélica e sofre de diabetes. Mora sozinha num barraco cedido que não tem
banheiro nem água canalizada. Atualmente está para ser despejada. Ao redor,
em outros barracos, estão o ex-marido de dona Rosa – que bebe muito e tam-
bém é diabético –, os filhos e os netos. Recentemente, a senhora teve que dar
uma atenção especial à filha, quando esta quebrou a perna e ficou imobilizada
por 45 dias. A moça é alcoólatra e sempre traz problemas para a mãe.
Dona Rosa é negra e estudou até a 3ª série primária. Engravidou ainda adoles-
cente e teve uma filha sozinha. Quando a criança tinha apenas 2 anos, ela co-
nheceu um rapaz, com quem foi morar, na casa da sogra. O companheiro assu-
miu a paternidade da menina, registrando-a em seu nome. Dona Rosa e o marido
tiveram mais oito filhos. Ele trabalhava numa casa de móveis, não consumia be-
bidas alcoólicas, mas era mulherengo. Aos poucos, começou a maltratar dona
Rosa e, quando as crianças eram pequenas, ele a expulsou de casa junto com os
filhos. Ela foi embora do bairro com as nove crianças e só voltou quando foi cha-
mada para cuidar da sogra, doente e também maltratada pelo filho.
Quando dona Rosa conseguiu se separar do companheiro, ele não manteve con-
tato com os filhos e nem ajudou a criá-los. Trabalhando como faxineira para sus-
tentar a família, todos os dias, ao sair de casa, deixava a comida pronta. A filha
mais velha cuidava dos irmãos menores enquanto a mãe trabalhava. Todos fre-
quentaram a escola. No entanto, mesmo com os filhos crescidos, a família conti-
nuou a passar necessidade. Faltava comida. Dona Rosa ficou doente e foi inter-
nada num hospital psiquiátrico.
Após esse episódio, dona Rosa não voltou a morar com os filhos. Ela sentia que
agora dava trabalho aos outros e estava incomodada porque ouvia “muito baru-
lho na cabeça”. Há alguns anos, havia se tornado protestante, o que a ajudou
muito. Hoje em dia, diz sentir-se bem melhor; deixou de tomar tranquilizantes e,
194
Violência contra a pessoa idosa: o desrespeito à sabedoria e à experiência
quando necessário, utiliza um chá caseiro como calmante. Lamenta sua condição
de vida e a de seus filhos, que não a ajudam. Na verdade, eles também precisam
de ajuda. Alguns lidam com drogas ilegais; outros consomem bebidas em exces-
so; uma delas está envolvida com prostituição; e outra, ainda, é deficiente men-
tal e foi internada após um surto psiquiátrico. Esta moça também é suspeita de
ter praticado abuso sexual contra a filha, que passou uns tempos morando com
dona Rosa.
Dona Rosa lutou durante anos para satisfazer, ainda que minimamente, as ne-
cessidades materiais e afetivas dos filhos, em detrimento de suas próprias neces-
sidades, muitas vezes esquecidas. Chegou um momento em que não suportou
tantos sofrimentos e miséria, aliados às cobranças constantes por parte dos fi-
lhos e netos. Resultado: adoeceu, “pirou”, “pifou”. Posteriormente, reconstruiu
como pôde sua rede de relações, primeiramente apoiada apenas nos serviços de
saúde e, em seguida, de forma preponderante, na religião e na igreja evangélica,
que a ajudaram a melhorar suas identidade e autoestima.
Essa história e muitas outras abordando famílias ao longo dos ciclos vitais estão
relatadas na tese de doutorado A abordagem da violência intrafamiliar no Pro-
grama Médico de Família: dificuldades e potencialidades, de Maria de Lourdes
Tavares Cavalcanti (2002).
k
Retornamos nesta parte do texto aos conceitos de violência que já foram Violência contra a pessoa idosa é
definida como “um ou repetidos
amplamente tratados no Capítulo 1 deste livro e ressaltamos que nunca atos, ou falta de ações apropriadas,
é demais lembrar que se trata de questão complexa que dificilmente ocorrendo em qualquer relação que
cause danos ou omissões em relação
pode ser abrangida de modo completo em uma única definição. Aqui a eles”. (WORLD HEALTH
consideramos a definição da World Health Organization/ International ORGANIZATION, 2002).
195
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
196
Violência contra a pessoa idosa: o desrespeito à sabedoria e à experiência
O que conhecemos mais amplamente se refere aos impactos que a vio- Os dados do Sistema de Informações
sobre Mortalidade, cuja fonte é a
lência provoca na saúde dos idosos, na forma de mortes e de internações Declaração de Óbito, e do Sistema
hospitalares, que cobrem os eventos mais graves e são traduzidos em indi- de Informações sobre Internações,
cuja fonte é a Autorização para
cadores epidemiológicos. Dados do Sistema de Informações sobre Morta- Internação Hospitalar, constituem
lidade, do Ministério da Saúde, permitem calcular a taxa de mortalidade sistemas nacionais do Ministério da
Saúde, são de livre acesso e podem
por causas externas, grupo que engloba todos os acidentes e as violências. ser encontrados no site www.
datasus.gov.br
Em 2009, essa taxa foi de 110,3 por 100 mil habitantes idosos brasi-
leiros, variando de 154 no sexo masculino e 75,2 no feminino. Entre
esses eventos fatais, destacam-se as lesões no trânsito e as provocadas
por quedas. As primeiras representaram 29,2% dos óbitos de homens
idosos por causas externas e 18,8% das mortes de mulheres idosas por
essas mesmas causas. Em ambos os sexos a taxa de mortes por lesões
197
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
198
Violência contra a pessoa idosa: o desrespeito à sabedoria e à experiência
199
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Rede social é tudo aquilo com que o sujeito interage; tudo o que faz parte da
rede relacional do indivíduo (SLUSKI, 1997). Os relacionamentos com a família e
os amigos pressupõem troca de afeição, estão associados com o bem-estar sub-
jetivo e estão presentes nas redes sociais (ERBOLAT, 2002). Tanto a família como
amigos e vizinhos são fontes naturais de proteção e inclusão social, com as quais
as pessoas encontram companhia, a possibilidade de compartilhar confidências,
prover serviços ou auxílio em atividades cotidianas (DOMINGUES, 2000).
Estudiosos do apoio social apontam o seu papel na prevenção das doenças, ma-
nutenção e recuperação da saúde, pois ele ajuda a criar uma sensação de coe-
rência e controle da vida, afetando beneficamente o estado de saúde das pes-
soas (VALLA; STOTZ, 1994; GRIEP et al., 2003).
200
Violência contra a pessoa idosa: o desrespeito à sabedoria e à experiência
201
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Quais as redes de apoio social que existem na sua comunidade voltadas para
a proteção da pessoa idosa? Como elas atuam?
Referências
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204
9. Famílias que se comunicam
através da violência
Fátima Gonçalves Cavalcante e Miriam Schenker
Neste capítulo, discutimos o funcionamento de famílias com dinâmica A violência na família, tema estudado
sob uma ótica mais conceitual na
de violência, a partir de um estudo de caso e da reflexão sobre o vídeo Parte I, é aqui tratada novamente por
Não é fácil, não! – Prevenindo a violência de homens contra mulheres, disponí- ser pouco vista pelos serviços de
vel no site: www.noos.org.br. rg.br. saúde como um grupo vulnerável que
necessita de acolhimento e intervenção.
205
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Cena 1
Para refletir
Liste os tipos e as formas de violência que você identifica no cotidiano de
Antônio e Graça.
Pense sobre o que leva uma família a perpetuar uma situação de violência e
anote prováveis motivos.
206
Famílias que se comunicam através da violência
Cena 2
Quando Graça se lembrava de seu marido, ainda jovem, vinha aquela alegria
perdida e um pouco de esperança. Será que ele poderia melhorar? Mas logo a
tristeza e a depressão a abatiam, pois sua vida tinha se transformado num mis-
to de tensão e medo. No dia a dia da família, eram frequentes ataques repenti-
nos de violência e curtos períodos de paz em que “milagrosamente” a violência
parecia cessar, mas não acabava. Quando Graça se recordava da história de seu
pai e da história dos pais de seu marido, o alcoolismo então parecia um mal que
tinha vindo mesmo para ficar e ela já parecia até conformada com tanta dor,
tanta humilhação e tanto sofrimento. João interrompeu o pensamento de sua
mãe, como se o captasse, e disse: “Mãe, você anda muito conformada e muito
acostumada aos maus-tratos do pai. Isso tem que parar, isso não pode mais
continuar assim. Vamos ver se o médico pode nos ajudar”.
207
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
foi à consulta com sua esposa e acabou gostando do modo como o doutor Ri-
cardo o recebeu, escutou e orientou. Ele já havia se esquecido de como poderia
ser apoiado de um jeito que lhe parecia novo, diferente. Antônio se sentiu con-
fiante para falar de todo o seu sentimento de desamparo, da perda de confiança
das pessoas à sua volta, das oportunidades de emprego perdidas, de como vi-
nha magoando sua companheira e seus filhos. Graça não parecia acreditar que
estava escutando tudo aquilo. Antônio se lembrou do alcoolismo de seu pai e de
como sua mãe, ele e seus irmãos foram agredidos. Doutor Ricardo, percebendo
o sentimento de fragilidade e de impotência que acompanhava Antônio, ofere-
ceu ajuda individual. Antônio continuou sendo visto pelo doutor Ricardo e foi
encaminhado para os Alcoólicos Anônimos (AA), e para a terapia de família com
a nova psicóloga do posto de saúde, a Vera.
Pela primeira vez, Graça se sentia um pouco aliviada. Tinha valido a pena todo
seu esforço e de seu filho para convencer o marido a ver o doutor Ricardo, um
médico que o havia convidado para uma conversa e queria apenas conhecê-lo.
Afinal, ele já havia conseguido ajudar muitos outros homens na situação de An-
tônio e não custava nada fazer ao menos uma tentativa. Eles fizeram exatamen-
te do jeito que o doutor Ricardo orientou e seguiram as instruções para não
desistirem, mesmo que Antônio se recusasse de início.
Aquela consulta com o doutor Ricardo foi muito importante para Antônio e Gra-
ça. Um novo horizonte se abriu. Embora assustado e temeroso, Antônio decidiu
ir às demais consultas com seu médico; afinal, depois de tantas perdas ele pre-
cisava ganhar algo. Aquelas conversas e o grupo do AA foram trazendo à tona
coisas que ele nem sabia que poderiam ser tratadas. Antônio não esperava
aprender a ver a vida de um jeito diferente.
208
Famílias que se comunicam através da violência
Para refletir
Por que foi tão difícil para essa família decidir buscar ajuda médica?
O encaminhamento da família foi adequado? Explique as razões.
Que possibilidades se abrem para Antônio com o atendimento prestado pelo
doutor Ricardo e pelos Alcoólicos Anônimos?
209
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Resiliência é a forma como No entanto, apesar de tantas dificuldades nas situações de violência, há
superamos os problemas. Entende-se
o conceito sob a ótica da
pessoas que reagem de um modo mais favorável, como até certo ponto
organização individual, de grupos ou constatamos ao ver João, filho do casal, com capacidade de prosseguir
instituições em que
“persistentemente predomina a busca
com sua vida, seus estudos e seu trabalho, apesar da desorganização
de resolução dos problemas, visando ao familiar. Por isso, podemos dizer que João foi resiliente e, em certa
crescimento e ao desenvolvimento.”
medida, pareceu ter uma auto-estima mais preservada.
Para refletir
Quais seriam as suas sugestões para o acolhimento a essas famílias?
Seu olhar sobre as diferentes situações de violência analisadas modificou?
210
Famílias que se comunicam através da violência
211
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Violência familiar
Conforme foi descrito no Capítulo 3 Os maus-tratos no interior da família ocorrem num contexto de vio-
da Parte I, mais do que uma agressão
lência psicológica e de exploração, o que Finkelhor (1983) denomina
ou agravo provocado por uma pessoa
da família contra outra, os atos “lavagem cerebral”. Além de explorar e maltratar psicologicamente as
violentos constituem abuso de poder,
ao romper elos de confiança ou fazer
vítimas, os agressores fazem uso de seu poder na família para controlar
uso da força. e manipular a percepção dos agredidos. Assim, os filhos maltratados são
212
Famílias que se comunicam através da violência
213
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Já conhecemos algumas situações de violência intrafamiliar. Quais os
principais desafios observados em sua prática com famílias?
Atendimento à família
Em vez de se focar a responsabilização da família sobre as situações de
violência, é importante valorizar a família e seu potencial de cuidadora,
no sentido de promover “ambientes familiares saudáveis”. É preciso
vencer o isolamento que costuma acompanhar as famílias afetadas
pela violência. Embora muitas vezes se vejam isolados, os profissionais
devem atuar em rede, havendo necessidade de um trabalho em equipe
com abordagem interdisciplinar.
214
Famílias que se comunicam através da violência
215
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
216
Famílias que se comunicam através da violência
Para refletir
Que dificuldades você sente para ajudar uma família com dinâmica de
violência?
Apesar de tais dificuldades, o que é possível fazer para interromper a
violência?
217
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
218
Famílias que se comunicam através da violência
modo que nem o pai, nem os irmãos costumam ser envolvidos no acom-
panhamento prestado, quando se trata de violência contra a criança e o
adolescente (DESLANDES et al., 2004).
219
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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220
Famílias que se comunicam através da violência
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221
10. Pessoas institucionalizadas
e violência
Paulo Amarante, Nádia Degrazia Ribeiro e Patricia Constantino
k prisionais (adultos);
k de ressocialização (adolescentes em conflito com a lei);
k abrigos para idosos;
k acolhedoras de pessoas com problemas mentais.
223
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
224
Pessoas institucionalizadas e violência
Priscila tem vontade de ter outra atividade, mas estudou pouco e não vê alter-
nativa. Quando sai para trabalhar, deixa os filhos com a vizinha, dona Zezé. A
relação com a família de origem está estremecida desde seu penúltimo relacio-
namento amoroso, que não tinha aprovação familiar. Saiu do subúrbio onde foi
criada e foi morar na casa da mãe do namorado, em uma favela na zona sul
carioca. Contava com a ajuda dela para criar seu primeiro filho e logo engravi-
dou novamente. O relacionamento durou somente até o nascimento do segun-
do filho, porque o companheiro era violento, e a sogra não a apoiava quando
havia brigas.
225
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
226
Pessoas institucionalizadas e violência
227
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Cena 2
Cena 3
228
Pessoas institucionalizadas e violência
Cena 4
Seus filhos estão em situação igualmente difícil: o pequenino está apático e pou-
co se movimenta, e os mais velhos mostram-se muito agressivos com as outras
crianças e choram a todo momento. O casal responsável pelo grupo de dez crian-
ças, entre os quais os meninos de Priscila, está muito acostumado a cuidar de
crianças afastadas dos pais, e ambos acreditam que a adaptação ao novo am-
biente sempre é difícil. De qualquer forma, Maria do Socorro, responsável pelo
grupo de crianças, consulta seu marido sobre a possibilidade de eles irem até o
posto de saúde pedir alguns conselhos à assistente social e à psicóloga a quem
costumam recorrer em momentos de aperto. Socorro se pergunta se o fato de a
mãe ter sido presa pode trazer algum tipo de problema específico àquelas crian-
ças. Já cuidou de meninos e meninas abandonadas, mas nunca teve nenhum
caso de criança institucionalizada por motivo de prisão da responsável.
Cena 5
Priscila responde às perguntas do médico e diz que não está conseguindo dor-
mir, e que apareceram vários furúnculos em seu corpo. O médico informa que
acabou o estoque dos remédios que ajudam a dormir e receita então algumas
vitaminas, caso ela tenha algum parente ou amigo que possa comprar. Prescre-
ve uma injeção para os furúnculos, orienta a enfermeira a marcar para o mês
seguinte uma consulta na ginecologia e pede exames de urina e de sangue. Pris-
cila tem vontade de falar mais, porém se sente constrangida por saber que mui-
tas outras pessoas estão lá fora aguardando.
Cena 6
Maria do Socorro deixa as crianças com o marido e vai até o posto. Consegue
entrar na sala da psicóloga duas horas depois. Explica a situação dos meninos
recém-chegados e a psicóloga pergunta o que ela sabe sobre eles, além de seus
nomes. Socorro menciona um relatório de uma página que veio junto com os
meninos, citando o nome da mãe e acrescentando que ela está presa no centro
do Rio. A psicóloga sugere que ela converse com os meninos, mencionando o
nome da mãe deles e dizendo que ela está em um lugar de onde não pode sair
para vê-los ou buscá-los. Socorro se pergunta se eles vão entender, já que são
tão pequenos. A psicóloga chama a assistente social e conversam sobre a pos-
sibilidade de um contato com o presídio e com os profissionais da Vara da In-
fância e da Juventude. Socorro pensa em fazer algumas perguntas sobre prisão,
crime, sobre o fato de eles serem filhos de alguém que cometeu crime. Mas
acha que a psicóloga pode pensar mal dela e vai embora achando que eles são
como qualquer criança separada da mãe, e que a deles pode ser como qualquer
outra, apesar de ter feito besteira. Antes de ir embora, Socorro marca pediatra
para as crianças, pois eles não conseguem se curar da gripe, têm uma ronqueira
e coriza constantes.
k
229
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Se você trabalhasse no abrigo onde os filhos de Priscila se encontram, o que
você faria para ajudá-los?
O que você acha das sugestões da psicóloga do posto?
E dos pensamentos de Socorro?
No abrigo
Já foi marcada uma visita das crianças à mãe. Dona Socorro e seu marido já
conversaram com eles sobre o encontro que vai acontecer em breve. Eles estão
menos chorões e já brincam com as outras crianças. O pequenino adora ficar
no colo de Socorro, e ela sempre o segura um pouquinho quando pode. Ele já
começa a dar os primeiros passos. Socorro os flagrou gargalhando um dia des-
ses e pensa como foi bom os três terem vindo juntos para o abrigo. Orgulha-se
em pensar que o local onde ela trabalha e também vive parece uma casa, e
não uma prisão como os abrigos de antigamente.
230
Pessoas institucionalizadas e violência
Priscila vai à sala da assistente social, onde consegue falar com os filhos pelo
telefone e toma conhecimento do agendamento da visita. Em sua cela observa
que algumas mulheres vão ao psicólogo e não parecem loucas. Decide pergun-
tar a uma delas – que achou mais simpática – como é a conversa com a psi-
cóloga e decide ir também. Esta lhe sugere que escreva cartas para seus filhos
e conhecidos, e pergunta se na cela existe alguém com quem ela possa con-
versar.
Para refletir
Existem características das instituições que podem aumentar o adoecimento
de seus habitantes ou promover sua saúde. O profissional pode contribuir
para as duas situações
231
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
significa que as mulheres trafiquem mais que os homens, e sim que, proporcio-
nalmente, mais mulheres do que homens são condenadas por esse artigo e vão
presas.
No caso dos homens, 44% estão presos por tráfico de drogas e 32%, por roubo.
Assim como as mulheres, a maior parte deles é muito jovem. Entre os homens,
18% têm de 18 a 21 anos e 54,2%, de 22 a 30 anos. O dado relativo à vida
conjugal é bastante diferente no caso dos homens: entre eles, 54% tinham es-
posa ou companheira quando foram entrevistados no estudo mencionado, con-
tra 40% de mulheres com companheiro, sendo que, com o aprisionamento, as
Para mais detalhes a respeito:
mulheres tendem a ficar sozinhas, pois seus companheiros não as acompanham,
leia o livro Prisioneiras, vida
e violência atrás das grades, de
como costuma acontecer com as mulheres de homens presos. Os filhos dos ho-
Bárbara Musumeci Soares e Iara mens presos ficam com suas mulheres ou ex-mulheres (90%), e as mulheres que
Ilgenfritz (2002); não contam com as próprias mães para deixar seus filhos vivem situações como
consulte o site www. a de Priscila.
supersaude.rj.gov.br. k
Não são raros os casos em que as diversas instituições fazem parte da tra-
jetória de vida de algumas pessoas. Criadas em orfanatos, muitas dessas
crianças acabam se tornando infratoras por não terem tido outras opor-
tunidades de inserção. Assim fazem a passagem do abrigo às instituições
que atendem jovens em conflito com a lei. Como já foi apontado muitas
vezes, o percurso continua dessas unidades para os presídios.
232
Pessoas institucionalizadas e violência
Camila é uma jovem de 14 anos interna de uma instituição para meninas infra-
toras. Essa jovem chegou à instituição dizendo ser portadora de HIV e que fazia
acompanhamento em uma unidade de saúde do município.
Dentro da instituição, ela sofria preconceitos das outras internas, pois estas as-
sociavam a doença de Camila à prática da prostituição. A instituição contava
apenas com dois auxiliares de enfermagem e uma psiquiatra que trabalhava
em dois plantões semanais, além da equipe de psicólogos e assistentes sociais.
233
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Se você fizesse parte da equipe de saúde dessa unidade, qual seria seu
procedimento nesse caso?
Idosos institucionalizados
A violência institucional no Brasil ocupa um capítulo muito especial nas
formas de abuso aos idosos. Nos idosos asilados, há um predomínio das
faixas etárias superiores a 70 anos, diferenciando-se dos idosos domi-
ciliados, cujo maior número se concentra nas faixas etárias inferiores,
de 60 a 70 anos. A idade em si não é um determinante de asilamento,
mas as condições de saúde, levando-se em consideração a capacidade
funcional relacionada à manutenção ou perda da autonomia e da inde-
pendência.
234
Pessoas institucionalizadas e violência
João Carlos começou a trabalhar com seu pai quando completou 12 anos. Em
decorrência de dificuldade para continuar os estudos, sua mãe achou melhor
retirá-lo da escola e, por gostar muito de ajudar o pai na oficina mecânica, pas-
sou a trabalhar como seu ajudante. Para ele foi uma ótima novidade, pois gos-
tava de ficar com o pai na oficina e não demonstrava interesse em ir para a es-
cola. Aos 28 anos, ainda solteiro e residindo com os pais, João Carlos começou
a queixar-se de que na rua o observavam e falavam muito dele. Passou a
235
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
diminuir suas saídas e a ficar trancado no quarto vendo televisão. Um dia quei-
xou-se ao seu pai que comentavam sobre sua masculinidade e que queriam
machucá-lo.
Após receber uma medicação intravenosa que o deixou sonolento e confuso, foi
transferido para o hospital psiquiátrico. Lá, orientaram os pais a deixá-lo por um
mínimo de duas semanas de modo que ele pudesse responder melhor ao trata-
mento. Depois o transferiram para uma enfermaria que comportava mais uns 50
internos. Já na cama, retiraram-lhe o relógio, o cordão presenteado por sua mãe,
seus sapatos e roupas, e vestiram-no com um tipo de macacão de brim azulado.
João Carlos ali permaneceu por mais de 70 dias. Sentia-se só e isolado e não
entendia o motivo de seus pais o haverem deixado... Atualmente, aos 34 anos,
João Carlos já esteve internado mais três vezes. Quando “entra em crise”, sua
mãe prepara sua mala com roupas e objetos pessoais e o leva diretamente ao
hospital. De dois em dois meses vai ao ambulatório para “renovar a receita”.
Não trabalha mais com o pai na oficina e passa seus dias na cama em frente à
televisão, fumando incessantemente, a ponto de ter as pontas dos dedos quei-
madas pelos cigarros e amareladas pela nicotina.
k
Lurdinha casou-se muito cedo. Aos 17 anos já estava grávida e seria mãe com
essa idade não fosse a posição contrária irredutível de Eduardo, seu marido. Lur-
dinha fez o aborto a contragosto e não parou de falar do filho. Dizia ter certeza
de que se tratava de um menino e passava a imaginar como ele seria, como se
chamaria, de que coisas ele deveria gostar.
236
Pessoas institucionalizadas e violência
Mesmo com todo esse trabalho, Lurdinha já entrou em crise mais duas vezes,
uma delas indo parar em um pronto-socorro onde ficou dois dias internada, mas
depois retornou ao CAPS.
k
Para refletir
Vimos as situações de João Carlos e Lurdinha, que tiveram encaminhamentos
bastante diferentes. Procure pensar nas possibilidades que você teria para
ajudar um e outro paciente, caso trabalhasse nesses serviços. Reflita também
sobre as características desses diferentes encaminhamentos.
O que acha de cada um deles?
237
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Um pouco de história
Para entender o motivo de situações institucionais tão distintas, vamos
refletir sobre as características do modelo assistencial psiquiátrico e sua
relação com determinadas formas de violências.
238
Pessoas institucionalizadas e violência
de sete cabeças, dirigido por Laís Bodanski e estrelado por Rodrigo San-
toro, e o conto Eu só vim telefonar, de Gabriel García Márquez (1992).
Três obras do campo das ciências humanas podem ser consideradas fun-
damentais para entender a natureza das instituições psiquiátricas e o
motivo de se tornarem tão relacionadas à violência. São elas:
k História da loucura na idade clássica, do filósofo Michel Foucault O alienista, de Machado de Assis
(1994), merece um destaque especial
(1978), e A ordem psiquiátrica – a idade de ouro do alienismo, do soci- por ser uma obra-prima do conto
ólogo Robert Castel (1978), que analisam os momentos iniciais da brasileiro. Simão Bacamarte, o
alienista, ao retornar da Europa
criação da psiquiatria e os primeiros conceitos e estratégias dessa decide residir em Itaguaí, onde
ciência quando ainda se dedicava ao que Pinel denominava “alie- estranha a ausência de uma casa de
alienados. Assim constrói o primeiro
nação mental” (daí a referência de Machado de Assis ao alienismo); hospício da cidade, que ele decide
denominar Casa Verde, onde passa a
k Manicômios, prisões e conventos, de Erving Goffman (1974), autor
internar quase toda a população
comentado no começo deste capítulo, que nos permite conhecer local. O poder do alienista de
sequestrar e manter em cárcere os
os mecanismos institucionais adotados pelos hospitais psiquiátricos.
alienados é praticamente absoluto!
No campo específico da saúde mental, é curioso que duas obras de auto- Reforma Psiquiátrica é compreendida
não apenas como a mudança do
ria de médicos psiquiatras, que fundaram o pensamento contemporâneo modelo assistencial (antes centrado
da Reforma Psiquiátrica, tenham encontrado formas muito próximas no hospital psiquiátrico, ou
manicômio, e atualmente baseado
de abordagem da questão da violência em psiquiatria. em serviços de atenção psicossocial e
outros dispositivos comunitários ou
territoriais), mas como um processo
A primeira é Psiquiatria e antipsiquiatria, escrita por David Cooper em social complexo que visa transformar
1973, que tem um capítulo precioso denominado “Violência e psi- a relação da sociedade com as
pessoas em sofrimento psíquico. As
quiatria”. Mas a violência da qual fala Cooper não é, como ele próprio três palavras-chave da Reforma
adverte, aquela das pessoas que golpeiam as cabeças de pessoas identi- Psiquiátrica são: cidadania,
solidariedade e inclusão.
ficadas como loucas, e sim a violência sutil, cotidiana e repressiva que a
sociedade exerce sobre as pessoas “rotuladas” de loucas pela psiquiatria.
Por isso, para Cooper, a violência em psiquiatria é, fundamentalmente,
a violência da psiquiatria.
239
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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Pessoas institucionalizadas e violência
Arthur Bispo do Rosário nasceu em Sergipe. Em 1939 foi internado como in-
digente na Colônia Juliano Moreira, um hospital psiquiátrico do Ministério da
Saúde, no Rio de Janeiro, onde permaneceu até sua morte em 1989. No hospí-
cio produziu, com objetos abandonados e restos de uniformes de internos, ver- Você encontra mais informações
sobre Arthur Bispo do Rosário
dadeiras obras-primas. É considerado, por isso, um dos mais importantes artis- no site de Japaratuba, sua
tas plásticos de toda a história e sua produção tem sido exposta nos grandes cidade natal: www.japaratuba.
museus do mundo. se.gov.br/biografia_bispo.htm.
E para admirar sua obra, acesse
o site: www.proa.org/exhibicion/
Fernando Diniz,
Diniz baiano de Aratu, nasceu em 1918. Foi internado no Centro Psiqui- inconsciente/salas/id_bispo_1.
html.
átrico Pedro II, no Rio de Janeiro, de onde saiu apenas para o hospital no qual
Encontre mais informações
veio a falecer em 1999. Sua obra é considerada uma das mais importantes entre
sobre Fernando Diniz e admire
os pintores brasileiros, mas também muito destacada no âmbito internacional. sua obra no site do Museu de
Em parceria com Marcos Magalhães, produziu o curta animado Estrela de 8 Imagens do Inconsciente: www.
pontas, que recebeu muitos prêmios. museuimagensdoinconsciente.
org.br.
Com o avanço do processo da Reforma Psiquiátrica, a realidade da assis- Iatrogenia (iatrogênicos), também
substituído por iatropatia, provém de
tência começou a mudar. Os hospitais começaram a ser fechados por iatro (que significa médico), com o
serem lugares insalubres, “iatrogênicos”, em suma, espaços de segrega- radical genia (gerador, gênese). Em
síntese, diz respeito a todo tipo de
ção e violência. Com as Portarias n. 189/91 e n. 224/92, da SAS/MS, e dano provocado pela intervenção
depois com a n. 336/GM, de 2002, passaram a ser criados outros tipos médica ou qualquer outra forma de
tratamento médico.
de serviços, entre os quais hospitais-dia, oficinas terapêuticas, leitos psi-
quiátricos em hospitais gerais e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
como aquele em que Lurdinha foi atendida e está em tratamento.
Também começaram a ser criadas outras iniciativas que não são pro-
priamente serviços, tais como as residências assistidas para pessoas que
não têm família, ou que, por motivos variados, não podem residir com
as mesmas; cooperativas sociais de trabalho para geração de rendas a
pessoas em sofrimento mental, na medida em que, muitas vezes, não
podem concorrer em condições de igualdade no mercado de trabalho.
As residências foram criadas e regulamentadas pelas Portarias GM n.
106/00 (BRASIL, 2000) e n. 1.220/00 (BRASIL, 2000), do Ministério da
Saúde; já as cooperativas sociais, pela Lei n. 9.867/99 (BRASIL, 2000).
Quando nos referimos à concepção de Reforma Psiquiátrica como pro- Todas as especificações sobre
esses serviços e iniciativas, com
cesso social complexo, dissemos que não se tratava apenas de reforma suas características, formas de
de serviços. E assim tem sido, pois várias iniciativas culturais, de traba- implantação e funcionamento,
você encontra detalhadamente
lhos de cunho social e artístico estão sendo realizadas. Tais iniciativas na Legislação Brasileira de Saúde
têm por objetivo favorecer a inclusão social das pessoas em sofrimento Mental no site: http:/bvsms.
saude.gov.br/bvs/publicações/
psíquico na comunidade. Bandas de música, corais, grupos de teatro, legislaçao_mental.pdf.
times de futebol são algumas delas.
241
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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Pessoas institucionalizadas e violência
Para refletir
Você tem ou teve conhecimento de histórias como estas, de pacientes
psiquiátricos? Procure descrevê-las.
Conhece ou conheceu algum serviço psiquiátrico, de saúde mental, ou
de atenção psicossocial? Como é esse serviço? Você poderia descrevê-lo
também?
Que aspectos desse serviço você considera que poderiam expressar alguma
forma de violência ao paciente?
Referências
ALTOÉ, S. De “menor” a presidiário: a trajetória inevitável. Rio de Janeiro: Santa Úrsula, 1993.
ALTOÉ, S. Infâncias perdidas: o cotidiano nos internatos prisão. Rio de Janeiro: Xenon, 1990.
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
BENTES, A. L. Tudo como dantes no quartel de abrantes: estudos das internações psiquiátricas de
crianças e adolescentes através de encaminhamento judicial. 1999. Dissertação (Mestrado) – Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1999.
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CARNEIRO, S. Mulheres negras, violência e pobreza. In: BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para
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nacional: diálogos sobre violência doméstica e de gênero: construindo políticas públicas. Brasília,
2003.
CASTEL, R. A idade de ouro do alienismo: a ordem psiquiátrica. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1978.
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da Língua Portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
GARCÍA MÁRQUEZ, G. Eu só vim telefonar. In: GARCÍA MÁRQUEZ, G. Doze contos peregrinos. Rio
de Janeiro: Record, 1992.
244
Pessoas institucionalizadas e violência
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar,
1978.
LIMA BARRETO, A. H. Como o homem chegou. In: LIMA BARRETO, A. H. Clara dos Anjos. São Paulo:
Brasiliense, 1956. p. 280.
LIMA BARRETO, A. H. Triste Fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Moderna, 2004.
SILVA, E.; GUERESI, S. Adolescentes em conflito com a lei: situação do atendimento institucional no
Brasil. Brasília: IPEA, 2003 (Textos para Discussão, 979).
SOARES, B.; ILGENFRITZ, I. Prisioneiras, vida e violência atrás das grades. Rio de Janeiro: Garamond,
2002.
TORQUATO NETO. D’Engenho de Dentro. In. TORQUATO NETO. Os últimos dias de paupéria. Rio de
Janeiro: Eldorado, 1973. p. 57-76.
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11. O uso de substâncias
e violências
Miriam Schenker, Patricia Constantino e Simone Gonçalves de Assis
Este capítulo aborda as complexas relações entre usuários de substâncias Modelo ecológico ajuda a
compreender a natureza multifacetada
e violências. Inicialmente há uma apresentação do tema sob uma pers- da violência. Explora a relação entre
pectiva “ecológica”, com destaque para a influência familiar, em com- fatores individuais e contextuais e
considera a violência como resultado
passo com a proveniente do grupo de pares e do meio social. Destaca de vários níveis de influência sobre o
os fatores de risco e de proteção do jovem que consome substâncias, comportamento do indivíduo. Nessa
perspectiva, considera o nível
considerando o sério problema social hoje vivenciado nos serviços de individual, relacional, comunitário e
saúde e na sociedade em geral. societário (KRUG et al., 2002).
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Teresa
Carlos Juliana
Dona Teresa, 77 anos, é mãe de Carlos, seu único filho, que tem 58 anos. Quan-
do Carlos era bem pequeno, dona Teresa se separou do marido, que faleceu ain-
da moço. Carlos foi casado com Juliana, 52 anos, com quem teve três filhos –
Fernando, 27 anos; Luana, 25 anos; e Rogério, 20 anos –, mas o casal se separou
há anos.
Juliana casou-se novamente, mas não tem filhos desta relação. Já Carlos mora só
e não constituiu outra família. Dona Teresa vive com Fernando, o neto mais velho.
Juliana vive com os filhos Luana e Rogério, juntamente com o segundo marido.
Carlos consumiu drogas durante a maior parte de sua vida: começou com a ma-
conha, aos 13 anos, e mais tarde, já perto dos 40 anos, viciou-se também em
248
O uso de substâncias e violências
cocaína. E fez uso dessa droga junto com o filho caçula, até recentemente. Ro-
gério, que também bebe e fuma cigarros, é usuário de maconha e cocaína desde
os 16 anos, sendo que, no momento, as consome quase que diariamente, de-
pendendo do dinheiro que tem.
Carlos esteve afastado dos filhos durante anos por causa do seu consumo de
drogas. Por ter compartilhado principalmente a cocaína com Rogério, culpa-se
pelo que está ocorrendo com seu filho. Atribui a si todo o mal que se abateu
sobre a família. No entanto, não questiona o uso de drogas por Fernando, o fi-
lho mais velho.
Dona Teresa sempre soube do uso de drogas por seu filho e da irresponsabilidade
dele para com a família. Suas preocupações de que nada faltasse sempre foram
tantas, que pagava o aluguel da casa do filho sem que a nora soubesse. Objetiva-
mente, de forma inconsciente, dona Teresa contribuiu para acobertar a irrespon-
sabilidade do filho, invadindo a relação de casamento de Juliana e Carlos.
Juliana, por sua vez, sabia que o marido usava drogas e acabou por formar um
“casamento” com a sogra: a mãe tomava conta dos filhos, e a sogra pagava as
contas. Até o momento em que Juliana “jogou a toalha” e saiu de casa, deixan-
do seus três filhos para trás, para a sogra cuidar, durante um tempo.
Com o intenso uso de drogas pelo caçula, Juliana vem se desdobrando nos cui-
dados a ele. Fernando e Luana sentem falta dela e consideram que a mãe ex-
pressa mais afeto pelo filho “problemático” e menos para eles, gerando ciúmes
entre os irmãos. Carlos, de volta ao convívio familiar, dedica afeto e se preocupa
com Rogério. Assim, Fernando e Luana sentem-se duplamente privados: falta-
-lhes atenção da mãe e do pai.
Ainda hoje dona Teresa não considera seu filho Carlos responsável e indepen-
dente, porque, apesar de morar sozinho, “está sempre precisando de alguma
coisa” (de sua mãe). Julga os netos mais velhos responsáveis em algumas situ-
ações, mas irresponsáveis em outras. Fernando cuida de si, mas não auxilia a
avó financeiramente e nem nas tarefas domésticas. Mesmo assim, dona Teresa
confessa o quanto é difícil sair sem deixar a comida pronta para o neto. Já a
neta, que trabalha, está sempre precisando de “um real” para a passagem.
Juliana acha que Fernando sofre a influência da criação da avó até hoje, por de-
monstrar insegurança e ser dependente da opinião dos outros para tomar atitu-
des. No entanto, julga-o responsável, porque trabalha e cumpre os seus
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Pense no processo de autonomia dos indivíduos dessa família ao longo das
três gerações.
Comente sobre a presença e a ausência do pai e sobre a repercussão disso na
família.
Do seu ponto de vista, a que serve o uso abusivo de drogas nessa família?
E para cada membro que abusa delas?
250
O uso de substâncias e violências
Para refletir
Que fatores de risco e de proteção se relacionam com o caso descrito?
O texto a seguir poderá subsidiá-lo nessa análise.
251
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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O uso de substâncias e violências
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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O uso de substâncias e violências
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Você se lembra de que falamos sobre Quanto aos fatores protetores, o desenvolvimento de estudos recentes
esse tema no Capítulo 4 da Parte I?
tende a enfatizar o processo de formação da resiliência, num progres-
E também no Capítulo 9 desta Parte?
sivo abandono das abordagens centradas nos fatores de risco. Busca-se
dar ênfase aos elementos positivos que levam um indivíduo a superar
as adversidades. Essa nova forma de ver é certamente otimista, princi-
palmente porque leva a acreditar que é possível, por meio de ações e
programas, promover o bem-estar do adolescente, atuando no fortaleci-
mento e no desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais.
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O uso de substâncias e violências
258
O uso de substâncias e violências
Para refletir
Qual a sua visão sobre a relação não-linear (causa e efeito) entre violência
e consumo de drogas? Utilize exemplos de sua prática profissional, quando
houver.
Para refletir
Das informações contidas neste texto, quais lhe pareceram mais relevantes
para a sua prática profissional e experiência pessoal? Por quê?
Você acha que o meio em que as pessoas vivem influencia o usuário de
substâncias a se envolver em situações de violência?
Isso acontece com pessoas ricas e pobres, brancas ou negras?
Marisa é uma bela jovem de 16 anos que mora com a mãe num bairro nobre da
cidade. Conheceu Lucas, um rapaz louro e “cheio de marra”, que, aos 26 anos,
se destacava dos demais no baile funk que ela frequentava. Apaixonou-se rapi-
damente por ele.
Lucas usa álcool e drogas há anos. Para manter seu status, participa do tráfico
de drogas e de assaltos a residências. Já apareceu na mídia e foi denominado
um “transgressor de boa cepa”, por sua família ser de classe média. À medida
que começou a se envolver mais com as drogas, deixou a casa de seus pais e foi
viver em uma comunidade pobre, de onde articulava suas ações no tráfico e os
assaltos.
259
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
O uso de drogas por Marisa nunca foi enfrentado pelos pais. Eles sempre acha-
vam que ela não era usuária e que a culpa por todos os problemas dela se de-
viam ao seu envolvimento com Lucas. Por um tempo, Marisa saiu de casa e foi
viver perto de Lucas e do ponto de tráfico. Mas Lucas a mandou voltar para
casa, pois era menor de idade e ele não queria arrumar problema para si. Os
pais de Marisa foram buscá-la na favela. Outra tentativa do pai foi levá-la para
outra cidade, e Marisa passou a viver em uma pousada. Mas tal atitude não teve
êxito, pois Marisa se envolveu com pessoas suspeitas de utilizarem drogas.
Depois dessa época, mantida em casa, Marisa se revoltava e batia com a cabeça
na parede, até tentar suicídio. Quando melhorou e sua família baixou a guarda,
fugiu de casa por uma semana. Nessas idas e vindas, Marisa passou a utilizar me-
dicamentos para reduzir a ansiedade, agravando sua dependência a substâncias.
Após um tempo nessa luta, a vida de Marisa mudou um pouco. O convívio com
Lucas acabou, pois ele morreu numa troca de tiros com policiais. As matérias
jornalísticas que anunciavam a morte do “ladrão fashion” também salientavam
o pranto das cinco namoradas – entre elas, Marisa.
k
Para refletir
Quais fatores você acha que levaram Marisa a se envolver com drogas e a se
juntar ao tráfico?
Existem distinções de gênero, raça e estrato social no consumo de
substâncias e na inserção dos jovens no tráfico de drogas?
De que modo você vê a forma como a sociedade e a mídia tratam os
dependentes de drogas, de acordo com gênero, raça e estrato social?
260
O uso de substâncias e violências
Uma parcela das pessoas que usam drogas e que está inserida no tráfico
chega a ser identificada no sistema de segurança pública. Em relação
aos jovens em conflito com a lei, nota-se a íntima relação entre envolvi-
mento infracional deles e o consumo de substâncias.
261
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
262
O uso de substâncias e violências
1. Terapia comportamental:
comportamental o cerne da intervenção resume-se em iden-
tificar os comportamentos que instigam o uso de drogas; prover o indi-
víduo de habilidades que rompam tal ciclo de conduta; e propiciar-lhe
formas de lidar com situações propensas à recaída.
3. Terapia motivacional:
motivacional busca auxiliar o indivíduo, de forma empática,
a se movimentar pelos seguintes estágios de mudança: pré-contempla
pré-contempla--
ção – a pessoa não reconhece ter problemas com drogas; contemplação
– momento de ambivalência com relação às razões para a mudança;
preparação – aumento do compromisso com a transformação; ação – o
indivíduo pára de usar drogas; e manutenção – ele desenvolve um estilo
de vida que evita a recaída.
4. Intervenções farmacológicas:
farmacológicas usadas principalmente com adultos no
tratamento de sintomas graves de dependência a drogas. Com adoles-
centes, podem ser utilizadas para desintoxicação e tratamento de co-
-morbidade.
263
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Referências
ASSIS, S. G. Traçando caminhos numa sociedade violenta: a vida de jovens infratores e seus irmãos
não infratores. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999.
ASSIS, S. G.; CONSTANTINO, P. Filhas do mundo: a infração juvenil feminina. Rio de Janeiro: Fiocruz,
2001.
MINAYO, M. C. S.; DESLANDES, S. F. A complexidade das relações entre drogas, álcool e violência.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 35-42, 1998.
264
O uso de substâncias e violências
SCHENKER, M. Valores familiares e uso abusivo de drogas. 2005. Tese (Doutorado) - em Saúde da
Criança e da Mulher) – Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005.
SEIDL, E. M. F. (Org.). Prevenção ao uso indevido de drogas: diga SIM à vida. Brasília: CEAD/UnB;
SENAD/SGI/PR, 1999. v. 1.
265
12. Pessoas com deficiência
e necessidades especiais e
situações de violência
Cena 1
Quando estava com 4 anos, veio a confirmação de que Maria Clara não iria an-
dar. Uma encefalopatia crônica da infância, também chamada paralisia cere-
bral, a deixara com pernas e braços paralisados. Nessa idade, ela ficou órfã de
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
mãe, o pai foi embora e os dois irmãos mais velhos não se interessavam em
cuidar dela. Moradora de uma casa humilde, e na perspectiva de ser totalmen-
te dependente de cuidados gerais ao longo de sua vida, Maria Clara foi acolhida
por uma vizinha que até iniciou os preparativos para adotá-la. Com essa ajuda,
Maria Clara iniciou reabilitação em instituição especializada. No entanto, no
momento da formalização da adoção, a família materna (tias e irmãos) não per-
mitiu que concretizasse, uma vez que essa adoção poderia pôr em risco a casa
deixada de herança aos filhos.
Tia Joana e os irmãos mais velhos, José e Jorge, ainda que resistentes, assumi-
ram os cuidados de Maria Clara. Tempos depois, os irmãos decidiram colocá-la
num abrigo. Ela percebeu a dificuldade de sua família para atender às suas ne-
cessidades e, agora, no abrigo se vê diante de novos horizontes. Há uma espe-
rança de começar a frequentar a escola, mas infelizmente isso não se concreti-
za porque Maria Clara é cadeirante e a escola não está preparada para receber
pessoas assim – tem escadas. Além disso, ela mal consegue segurar um objeto
e não é capaz de levantar o braço para coçar a cabeça. Alguém da escola per-
gunta: “Quem vai levá-la ao banheiro, quando necessário?”. Essa simples per-
gunta faz com que a escola se torne inacessível para ela. No dia a dia, Maria
Clara tenta se conformar. Ao menos lá no abrigo ela pode praticar atividades
interessantes, tomar banho diariamente, tem ajuda para ir ao banheiro, sempre
há alguém com quem conversar, apesar de as visitas de sua família serem mui-
to raras.
k
Para refletir
Que direitos são aqui violados e afetam a vida dessa criança com deficiência?
268
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
Cena 2
Atualmente Maria Clara está com 13 anos e passa o dia sentada no chão vendo
televisão e ouvindo música. Quando precisa, ela se arrasta. Em visita domiciliar,
foi encontrada em precárias condições de higiene. Uma vez por semana, ela é
levada a uma instituição especializada para desenvolver uma série de atividades
interessantes. Um dia, Maria Clara explodiu num choro profundo e soluçava bas-
tante. Com esse choro acumulado de muitos anos e de muitas queixas, ela tor-
nou o seu pedido de ajuda “claro” e “visível”. Seu sonho era poder frequentar
uma escola. Maria Clara conseguiu mobilizar toda a equipe. O Conselho Tutelar
foi acionado, a equipe conseguiu uma vaga para Maria Clara numa unidade de
atenção diária especializada para portadores de deficiência. Estão negociando
uma vaga na escola e tia Joana se comprometeu a facilitar a ida diária da sobri-
nha, com a ajuda de voluntários da comunidade onde mora, e com auxílio de
transporte, pago por um voluntário que se sensibilizou com sua história.
269
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
O que você pensa da iniciativa da Justiça da Infância e Juventude ao devolver
Maria Clara para sua família de um modo compulsório?
Como você avalia as atitudes da família e as condições para recebê-la de
volta?
Como você explica o desfecho exitoso desse caso?
Nesse caso, assim como em outros, é possível encontrar uma equipe que
acolha e se mobilize, gerando ações de solidariedade em rede, de modo
a ultrapassar várias barreiras: “as barreiras sociais” (a cadeira de rodas
adaptada, o transporte, os voluntários para levá-la e tirá-la do trans-
porte, o voluntário que paga o transporte, a unidade de atenção diária,
a escola, a confiança resgatada); e “as barreiras funcionais” (melhor aco-
modação na cadeira de rodas, garantia da higiene e de ida ao banheiro,
acesso a diferentes locais).
270
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
As equipes não devem esperar pelo apelo da pessoa com deficiência, Alguns dos direitos recomendados
em documentos internacionais: o
cabendo-lhes uma avaliação mais pormenorizada das necessidades, das direito à vida, ao trabalho, à
situações de risco e de proteção diante dos direitos e dos maus-tratos, educação, a fundar uma família, a
ter um nível de vida adequado, a não
sobretudo daqueles que estão menos capacitados para avaliar a sua pró-
ser sujeito a tortura ou tratamento
pria condição. cruel, desumano ou degradante,
entre outros.
271
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
O conceito de deficiência
Pessoa com deficiência é aquela A ideia de “deficiência” liga-se muitas vezes à noção de “ineficiência”.
incapaz de assegurar por si mesma,
total ou parcialmente, as
A sociedade tende a ver a pessoa com deficiência como alguém infe-
necessidades de uma vida individual liz, inútil, diferente, oprimida ou doente. O estigma que recai sobre ela
ou social normal, em decorrência de
uma deficiência em suas capacidades
tende a produzir e reforçar a segregação. Há um movimento recente na
físicas, sensoriais e/ou mentais. sociedade contemporânea para se enxergar a pessoa em sua totalidade,
em sua “eficiência”, e não apenas com um tipo de limitação.
Para refletir
O que você pensa sobre o uso desses termos?
Em seu serviço vêm sendo adotados os termos “portador de deficiência” ou
“a pessoa com deficiência”?
O que você pensa a respeito disso?
272
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
Desvantagem
meio social
(sociedade)
Deficiência Incapacidade
meio físico meio interno
(órgão) (pessoal)
273
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
274
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
Tendo o mérito de ser pioneira no que diz respeito aos direitos das pes-
soas com deficiência, essa declaração se caracteriza pelo tamanho redu-
zido e pela escassez de conceitos, embora pareça suficiente aos propósi-
tos iniciais que a inspiraram.
Adotada pela ONU em 1975, por meio da Resolução n. 3.447, essa decla-
ração é composta de 13 parágrafos:
275
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
276
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
277
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Uma mudança de consciência social, em curso, faz com que, cada vez
mais, as pessoas com deficiência comecem a ser vistas como detentoras de
direitos e, portanto, como sujeitos que se beneficiam diretamente da lei.
278
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
Nesse novo modelo, deve ser desenvolvida uma nova pauta de con-
dições para que uma pessoa com deficiência possa fazer parte de uma
“sociedade inclusiva”:
1. autonomia
autonomia: domínio físico ou social dos vários ambientes que a pes-
soa necessita frequentar;
2. independência
independência: capacidade e prontidão para tomar decisões sem depen-
der de outras pessoas, fazendo uso de informações disponíveis. A inde-
pendência pode ser pessoal, social ou econômica;
3. empoderamento
empoderamento: processo pelo qual uma pessoa ou um grupo de
pessoas usa o poder pessoal, inerente às possibilidades e limites de cada
um, para escolher, decidir e assumir o controle de sua vida;
4. equiparação de oportunidades:
oportunidades processo pelo qual os sistemas sociais
– meio físico, habitação, saúde, educação, trabalho, vida cultural e social –
são feitos acessíveis para todos;
5. inclusão social:
social quando a sociedade se adapta para incluir em seus
sistemas sociais pessoas com necessidade especiais e, simultaneamente,
elas se preparam para assumir seus papéis na sociedade, num processo
bilateral em que “pessoas ainda excluídas” e a sociedade buscam equa-
cionar os problemas em parceria, mediante equiparação de oportunida-
des (SASSAKI, 1999).
Para refletir
Nos serviços que você conhece, veja qual modelo prevalece no tratamento de
deficiência: o “modelo médico” ou o “modelo social”. Exemplifique.
Violência e deficiência
Apresentamos a seguir alguns estudos de caso para facilitar a visuali-
zação de como a violência pode impactar a saúde e a qualidade de vida
das pessoas com deficiência, de acordo com diferenças em faixa etária,
gênero e considerando tipos de deficiência. Cada caso apresenta e situa
279
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Cena 1
Benefício de Prestação Continuada Até a idade de 8 anos, ela fez acompanhamento com um neurologista, usando
é um benefício no valor de um medicamentos controlados e, desde então, nunca mais foi a outras consultas
salário mínimo – garantido pela médicas, embora a medicação continuasse a ser dada ininterruptamente. Afi-
Constituição Federal de 1988 em seu
artigo 203, inciso V – para a pessoa nal, Maria Antônia trabalha numa clínica e, por isso, tem a facilidade de con-
portadora de deficiência, sem limite seguir novas receitas com alguns médicos, o que mantém o seu acesso aos
de idade, e para o idoso, quando medicamentos sem que dependa de ir à consulta. Ela alegou que não veio
comprovam não ter condições
econômicas de se manter e nem de
mais às consultas com sua filha por estar morando longe, embora precisasse
ter sua subsistência mantida pelas de uma única condução para chegar ao hospital. Maria Antônia trabalha na
famílias. É um recurso concreto a ser clínica em horário integral e Joaquim, o pai, como faxineiro em um edifício
utilizado pelos profissionais da saúde
próximo à sua residência. O casal não conta com a ajuda de outras pessoas.
no atendimento do portador de
necessidade especial. No entanto, a família também recebe o Benefício de Prestação Continuada
(BPC), a que Angélica tem direito.
Para refletir
Que tipo de violação de direitos e de maus-tratos encontramos nesse caso?
280
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
Cena 2
Na consulta seguinte, Maria Antônia e sua filha Angélica foram recebidas, ini-
cialmente, pela assistente social Conceição. Numa conversa detalhada, Concei-
ção compreendeu que o que a mãe chamava de vômitos; na verdade, era o acú-
mulo de saliva que Angélica eventualmente cuspia. Essa era apenas a
confirmação de que sua salivação precisaria ser trabalhada por uma fonoaudió-
loga. Investigando a história familiar, descobriu-se que a adolescente ficava so-
zinha em casa, trancada em um quarto, sem nenhum tipo de assistência, perma-
necendo lá todas as manhãs e todas as tardes, no horário em que seus pais
estavam trabalhando.
281
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Maria Antônia tentava minimizar essa situação, alegando que o pai ia diariamen-
te dar o almoço à filha, pois ele tinha um intervalo de uma hora, em torno das 14
horas. Morando tão próximo do local de trabalho, isso era possível. Os pais da
jovem tinham vindo do Nordeste e não contavam com a ajuda de nenhum fami-
liar ou amigo para auxiliar nos cuidados com a filha.
Tempos depois, o Conselho Tutelar conseguiu uma escola para Angélica. No en-
tanto, a “baba” da jovem foi colocada como obstáculo para sua adaptação. Os
professores alegaram que ela deveria “aprender a se comportar melhor” para
poder garantir um espaço na escola. No momento, ela poderia permanecer so-
mente meia hora por dia. Afinal, essa salivação excessiva a estava impedindo de
participar das atividades propostas.
k
282
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
Esse caso também nos faz pensar sobre os limites do modelo médico
para se ajudar aos portadores de deficiência, e a necessidade de ampliar
estratégias ligadas ao modelo social da deficiência que desafia toda a
sociedade a rever os seus conceitos e a construir formas efetivas de aco-
lhimento.
Para refletir
O que você faria nesse caso? Quais seriam suas sugestões?
Cena 1
Vez por outra ele exibe comportamentos bizarros e, em seu dia a dia, é depen-
dente para atividades vitais, como alimentação e higiene pessoal.
283
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
João veio trazido à consulta médica pelo educador e pela psicóloga de um Cen-
tro de Atenção Psicossocial que frequenta. Eles estão preocupados porque há
mais ou menos dois anos o rapaz tem estado cada vez mais erotizado, “esfre-
gando-se” no educador. Além disso, ao realizar a higiene do adolescente, o edu-
cador observou que após a evacuação ele fica com “dilatação no ânus”.
Sabe-se que João sempre apresentou incontinência fecal, o que talvez justifique
essa dilatação. No entanto, de uns tempos pra cá, ele passou a se colocar em
certas posturas “convidativas” a uma relação sexual, repetindo ritualisticamen-
te um padrão de comportamento excessivamente erotizado, o que levou a equi-
pe a pensar se ele estaria sendo vítima de abuso sexual. A família mantém pou-
co contato com a instituição, que tomou conhecimento de que há menos de um
ano a mãe está residindo com um novo companheiro.
Como avaliar esse tipo de situação junto a um adolescente com sérias dificulda-
des de comunicação e compreensão sobre a vida? Seriam essas posturas eroti-
zadas um comportamento que repete algo por ele vivido, ou seria simplesmente
uma estereotipia típica do autismo, associada ao seu desenvolvimento sexual?
k
Para refletir
Quais são as dificuldades para se identificar os sinais de abuso num
adolescente com autismo e retardo intelectual?
Esse caso pode ser a simples manifestação de uma sexualidade que ama-
durece e se manifesta em condutas que podem ser interpretadas como
inadequadas, e suscitar um tipo de orientação sobre o lidar com a sexu-
alidade. O caso também pode conter indícios de abuso sexual, mas as
dificuldades de comunicação no autismo e o distanciamento da família
284
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
Para refletir
O que você faria nesse caso? Quais seriam suas sugestões?
285
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
com pulso forte, como quem quer manter o controle, administrando o dinheiro
de uma pensão familiar deixada para a sobrinha.
Por iniciativa da tia, o bebê foi registrado apenas no nome da mãe, na qualida-
de de mãe solteira. No entanto, o pai entrou com recurso e conseguiu reconhe-
cer a sua paternidade, dando seu nome à filha.
Certa vez, Fernanda se desentendeu com a tia e levou uma surra, ficando toda
marcada. Nessas horas difíceis, ou ela corria para a casa do ex-marido em busca
de socorro ou ia para o posto de saúde. Apesar de dispor de uma linguagem li-
mitada, de alguma forma ela conseguia se comunicar. Outros serviços que cos-
tumavam dar apoio a Fernanda foram acionados, mas optou-se por não fazer
uma ocorrência na Delegacia de Mulheres, por falta de provas. Afinal, alegava-
-se que a tia tinha um bom advogado e poderia processar os profissionais por
calúnia e difamação.
Para refletir
Houve algum tipo de violência ou violação de direitos nessa história?
Especifique.
Em sua opinião, quais são o limite e a possibilidade de atuação de um tutor?
O que deixou Fernanda vulnerável ao domínio de sua tia?
286
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
Sabemos que a pessoa surda pode ser ajudada a desenvolver sua lin-
guagem e a adquirir desenvoltura nos mais diversos campos da vida.
No entanto, tendo ficado órfã na infância, Fernanda foi criada por uma
tia materna que acabou não investindo seriamente na autonomia e no
empoderamento da sobrinha. Ao contrário, tendo-a como dependente,
a tia parece atuar como se pudesse dispor da vida de Fernanda ao seu
bel-prazer, considerando-a incapaz de tomar decisões e de gerenciar sua
própria vida.
287
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
É inevitável pensar em uma escuta solidária. Como romper com o ciclo de
violência ao qual Fernanda está aprisionada?
O que você faria nesse caso?
Quais seriam suas sugestões?
288
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
Não se pode estabelecer uma relação clara entre o tipo de deficiência e deter-
minadas formas de abuso, porém serão aqui relatados alguns resultados de um
estudo retrospectivo transversal feito entre 1.115 crianças e adolescentes de 0
a 17 anos (de junho de 1991 a junho de 2001) que ingressaram em centros de
acolhida na província de Saragoça (Espanha) em virtude de maus-tratos. Do to-
tal, 62 apresentavam deficiências; ou seja, 5,56%, uma prevalência inferior à
esperada (estima-se que 10% da população infanto-juvenil em âmbito nacional
e mundial apresentem alguma deficiência). Os resultados indicam que entre os
tipos de deficiências que mais sofreram maus-tratos estão: deficiência mental
(35,5%), múltipla deficiência (27,4%), deficiência física (25,8%) e deficiências
sensoriais (11,2%). Entre os maus-tratos mais comuns, estão a negligência e o
abandono (82,2%); 16,1% dos casos sofreram outras formas de maus-tratos. A
negligência predominou entre crianças e adolescentes com ou sem deficiência.
A mãe foi a abusadora mais frequente (83,8%), seguida do pai (56,4%) ou de
ambos os genitores (46,7%) (GONZALVO, 2002).
processar informações, são mais desatentas e hiperativas, estando mais Lá, consulte o link “Infância,
deficiência e violência”.
sujeitas a formas abusivas de controle e a maus-tratos.
289
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
290
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
A deficiência física é caracterizada por algum Deficiência física e paralisia cerebral – as pessoas com limites físicos e ortopédicos
tipo de paralisia, limitações do aparelho locomotor, têm mais risco de sofrer acidentes e quedas. O crescimento pode trazer maior
amputações, malformações. sobrecarga aos cuidadores, acumulando estresse e irritabilidade aos cuidados diários. Há
risco de negligência, negação das necessidades médicas e do trabalho de reabilitação,
A paralisia cerebral,
cerebral por uma ou mais lesões em
negligência dos cuidados gerais e risco de descontinuidades, em função dos muitos
diferentes áreas do cérebro, com modificações
cuidadores.
na fala, visão, audição e na organização motora,
havendo em muitos casos preservação da
inteligência.
A deficiência visual se caracteriza por perdas Deficiência auditiva e visual – o limite de possibilidades de comunicação das pessoas
visuais, parciais ou totais, após correções óticas ou com déficit de audição irá torná-las mais suscetíveis ao abuso físico e sexual, pela
cirúrgicas que limitem o desempenho normal. dificuldade em comunicar o ocorrido. Entretanto, a criança e o adolescente cegos ou
mesmo com visão subnormal, pela tendência a conhecer o mundo através do tato,
A deficiência auditiva,
auditiva por perdas auditivas,
poderão estar suscetíveis ao risco de abuso sexual. A negligência também aparece
parciais ou totais, após correções cirúrgicas ou uso
como outra forma de maus-tratos presente nesse tipo de deficiência, principalmente
de aparelho que limitem o desempenho normal.
pela falta de maneiras adaptativas de lidar com esse grupo, seja criando meios de
vencer as barreiras de linguagem, seja encontrando mecanismos de vencer as barreiras
da locomoção.
A deficiência mental se caracteriza pela presença Deficiência mental – quanto maior for o nível de funcionamento global, maior é o
de retardo mental em diversos níveis, medidos por risco de maus-tratos de qualquer tipo. Os que têm menor comprometimento possuem
testes psicológicos ou pelo desempenho funcional, maior risco e representam 80% do total de deficientes. Os demais correm menos
com um rendimento intelectual inferior à média e risco de sofrer abuso porque costumam ser mais dóceis e cooperativos. Os deficientes
prejuízos nos padrões comportamentais esperados mentais, juntamente com aqueles que apresentam distúrbios na comunicação, são
para a idade ou grupo cultural. os mais vulneráveis a sofrer abuso sexual pela insegurança emocional e social, pela
tendência a ter cuidadores por um tempo mais prolongado, pela falta de orientação
sexual. As adolescentes e os adultos jovens com deficiência estão entre os mais
vulneráveis ao abuso sexual. O mais frequente é a negligência física e emocional,
seguido do abuso psicológico e/ou físico e, por último, do sexual.
291
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
A múltipla deficiência se caracteriza por agrupar Múltipla deficiência – risco de negligência, de abuso físico e abuso sexual, ou ainda
duas ou mais deficiências numa organização de uma combinação de diferentes maus-tratos. Observa-se que os menos severamente
evolutiva ainda mais complexa, pelo efeito incapacitados estão em maior risco de abuso do que os mais prejudicados. Aqueles
interativo de incapacidades e desvantagens. cuja deficiência é mais leve geram mais expectativas e podem se tornar mais difíceis
de manejar. Estudos mostraram que esse grupo tende a ser mais severamente abusado
física e sexualmente, por um tempo mais prolongado. Os que possuem deficiência
profunda são menos provocativos e agressivos, menos suscetíveis ao abuso.
O autismo se caracteriza como uma síndrome Autismo e psicose infantil – as pessoas com autismo e psicose infantil costumam
comportamental com alterações presentes ter sérias dificuldades de comunicação, comportamento e perturbação na interação
nos primeiros anos de vida; apresenta desvios social, com hiperatividade, problemas de sono e de alimentação, o que acarreta
qualitativos na comunicação, na interação social e
enorme estresse e desgaste para a família, colocando-as em risco de negligência,
no uso da imaginação, gerando graves prejuízos abuso psicológico e físico. É comum a manifestação de comportamentos bizarros e
sociais, havendo deficiência mental associada ou um olhar social crítico e intolerante codificado como “má educação”. Isso acentua na
inteligência quase normal ou normal por completo.família o medo e a angústia diante dessas inadequações, e a vergonha ao se considerar
incapaz, havendo, assim, tendência ao isolamento em muitos casos. Essas crianças
A psicose infantil,
infantil por uma interrupção
e adolescentes também apresentam o risco de se tornarem violentas e de exibirem
progressiva ou abrupta do desenvolvimento normal
comportamentos difíceis de manejar, necessitando de orientação e amparo para
de uma criança marcada pela instalação de graves
encontrar outras formas de comportamento mais adequadas ao convívio.
distúrbios de comportamento, havendo parada ou
retrocesso do desenvolvimento.
O dependente de tecnologia se caracteriza pela Dependente de tecnologia – essas pessoas, sejam crianças, adolescentes ou adultos,
presença de severa deficiência ou doença crônica, correm o risco de viver um período curto ou prolongado de suas vidas em hospitais,
associada à dependência de serviços médicos pela dependência de serviços médicos que compensem funções vitais em função do
que compensem funções vitais em função do uso de equipamentos, ou pela dependência de cuidados permanentes de enfermagem
uso de equipamentos, ou pela dependência de para evitar a morte ou deficiências futuras. Podem fazer uso da ventilação mecânica,
cuidados permanentes de enfermagem para evitar traqueostomia, terapia de oxigênio, terapia intravenosa e hemodiálise. Observa-se
a morte ou deficiências futuras. Pode fazer uso de maior risco de ocorrência de abusos em casa – como no caso dos deficientes físicos –,
ventilação mecânica, traqueostomia, terapia do embora situações de maus-tratos também possam ser observadas na equipe hospitalar
oxigênio, terapia intravenosa ou hemodiálise. pela repetição de condutas e procedimentos médicos e pela falta de humanização de
algumas práticas cotidianas do ambiente hospitalar, a chamada violência institucional.
292
Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
ência, favorecendo o diálogo, sua cooperação e participação direta Direitos das crianças e dos
adolescentes
em todos os níveis de adoção de medidas, supervisão e avaliação www.dhnet.org.br/direitos/
das ações. sos/c_a/index.html
www.dhnet.org.br/direitos/
k Estratégias de prevenção dos maus-tratos contra portadores de sos/c_a/cartilhas.html
293
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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Pessoas com deficiência e necessidades especiais e situações de violência
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295
13. Trabalhadores de saúde
e educação: lidando com
violências no cotidiano
Trabalhamos com algumas formas de violência que atingem duas cate- “A transformação do
sofrimento em adoecimento:
gorias profissionais que – além de estarem muitas vezes expostas a situ- do nascimento da clínica à
ações de violência nos ambientes e comunidades em que trabalham – psicodinâmica do trabalho”,
de Luiz Carlos Brant e Carlos
também lidam com as variadas formas de violências que a sua clientela Minayo- Gomez (2004).
sofre. “Acidentes de trabalho: uma
expressão da violência social”,
de Jorge M. H.Machado e
Numa ampla e complexa dinâmica, profissionais da saúde e da educação Carlos Minayo-Gomez (1994).
“Saúde, trabalho e processo
podem ao mesmo tempo ser alvo de violências, cuidar ou lidar com de subjetivação nas escolas”, de
as vítimas da violência e, até mesmo, podem ser autores de violências Carlos Minayo-Gomez e Maria
Elizabeth Barros de Barros
institucionais contra a população que atendem. (2002).
297
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Trabalhadores da saúde
Cena 1
Cena 2
O plantão estava sempre lotado. Naquele dia estava mais agitado ainda, porque
um ônibus havia batido e chegaram, de repente, vinte pessoas para serem aten-
didas. Seu cansaço estava acumulado, não tinha dormido nada na noite anterior.
O calor no saguão da emergência era insuportável, pois todo o sistema de venti-
lação estava quebrado. Pensava com seus botões: “Uma das salas do centro ci-
rúrgico em obras, profissional de férias e até linha de sutura está faltando, isso
vai acabar dando complicações”. Mas logo lembrava que, afinal, era apenas um
residente, então era melhor ficar calado e trabalhar da melhor maneira possível.
Marcos tinha uma leve dor de cabeça e se sentia meio zonzo. “Acho que está na
hora de tomar um café bem forte”, pensava. Atravessava a entrada lateral e já ia
para cantina tomar o tal café quando a ambulância chegou: “Doutor, doutor!”.
Cena 3
Marcos suspira e responde: “O que você está trazendo aí?” O motorista, pronta-
mente: “baleado”. Marcos estica o pescoço e vê a hemorragia. Imediatamente
298
Trabalhadores de saúde e educação: lidando com violências no cotidiano
pensa no plantão lotado, na única sala de cirurgia que está funcionando para
todos aqueles acidentados. Dona Lourdes rapidamente repete a explicação que
dera antes: “Foi bala perdida, doutor, estava indo para o curso quando isso
aconteceu”. Marcos, sem perceber, resmunga: “É... sempre a mesma história,
tudo é bala perdida”. Balança a cabeça e se vira para dona Lourdes: “Olha,
dona, não sei se aqui vai dar para atender não, posso fazer alguma coisa para
melhorar a situação do rapaz...”. Nem terminou a frase e sentiu o peso do corpo
daquele senhor contra o seu. Já no chão, seu Aílton esmurrava a cabeça de Mar-
cos contra o cimento. Em total destempero, seu Aílton gritava: “Vocês vão matar
meu filho, eu pago imposto!”.
k
Para refletir
Que tipos de violência você identifica nesse caso?
Quais as violências sofridas e praticadas pelo profissional da saúde?
Quais das condições de trabalho são desfavoráveis ao atendimento do rapaz
baleado?
Na sua opinião, como o trabalho daquele serviço de saúde deveria ser
organizado para prestar melhor atendimento às vítimas de violência?
Como o trabalho daquele serviço de saúde deveria ser organizado para
prestar maior suporte ao profissional?
299
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Essa demanda é cada vez maior e é tão complexa que exige da área da
saúde uma atuação em parceria com outros setores (judiciário, defesa
de direitos, educação, segurança pública, entre outros). Mas exige muito
também do profissional que atende essas pessoas.
Com quais recursos esse profissional conta para lidar com tais situações?
O profissional, geralmente enfrenta extensa jornada de trabalho, cor-
rendo de um serviço para o outro, a fim de complementar sua renda.
Sabe-se que médicos e enfermeiras trabalham, em média, em dois ou
três lugares.
300
Trabalhadores de saúde e educação: lidando com violências no cotidiano
301
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
302
Trabalhadores de saúde e educação: lidando com violências no cotidiano
Trabalhadores da educação:
contextualizando o problema
que os educadores vivenciam
CASO JOANA
O menino, chorando muito, diz que não pegou o celular. Joana diz para ele de-
volver, se não falará com a diretora para que seja expulso da escola. Alexandre,
ainda chorando muito, devolve o telefone para a professora, que o leva para
conversar com a diretora e a orientadora pedagógica da escola. O menino pede
desculpas e diz que seu padrasto pediu para ele pegar o telefone da professora
emprestado.
303
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
CASO ANA
Ana dá aula em uma escola particular na parte da manhã e em uma escola pú-
blica no turno da tarde. Depois de uma manhã de trabalho, Ana chega à escola
e vê que está fechada por ordem do tráfico de drogas da região, situação que
permaneceu durante mais três dias.
Na semana seguinte ainda havia poucos alunos em sala de aula. Apenas no de-
correr da outra semana a turma voltou a frequentar as aulas novamente. No
entanto, a professora percebeu que uma menina, que era assídua e muito boa
aluna, não havia retornado. Ana pediu à direção que entrasse em contato com
a família para saber o motivo de suas faltas. Descobriram que o pai da menina
tinha sido morto em um dos tiroteios que haviam ocorrido no período em que a
escola permaneceu fechada.
Quando a menina retornou às aulas, a professora percebeu que ela ainda estava
muito triste e que seu rendimento escolar estava caindo.
k
Para refletir
Que tipos de violência estão presentes nos casos descritos?
Que atitudes os educadores envolvidos e a direção da escola poderiam tomar
em relação aos casos?
Que serviços poderiam ser acionados para apoiar os alunos envolvidos ou o
que poderia ser feito daqui para a frente?
Como os profissionais da educação absorvem esse cotidiano de trabalho
em suas vidas pessoais e como isso interfere nas condições de vida e saúde
deles?
304
Trabalhadores de saúde e educação: lidando com violências no cotidiano
305
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Muita atenção também deve ser dada à questão das práticas de ensino
cotidianas, que muitas vezes estão vinculadas a formas de dominação
e desigualdade. A escola é também lugar privilegiado de exercício da
violência institucional, uma forma de violência simbólica caracterizada
por abuso de poder e uso de símbolos de autoridade. Os educadores
muitas vezes utilizam práticas de discriminação e marginalização, sendo
também agentes da violência na escola. A professora Joana (caso 1), ao
estigmatizar Alexandre como “ladrãozinho”, na frente da turma, está
dando condições para que esse aluno se sinta excluído da sociedade.
Por “violência na escola” entende-se aquela produzida dentro dos muros esco-
lares, independentemente de sua ligação às atividades das instituições. Porém,
há de se indagar por que a escola, antes poupada dessas ações, hoje serve
como palco para a violência extramuros.
306
Trabalhadores de saúde e educação: lidando com violências no cotidiano
307
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
308
Trabalhadores de saúde e educação: lidando com violências no cotidiano
Referências
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309
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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PUCCINI, P. T.; CECÍLIO, L. C. O. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cadernos de Saúde
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ZALUAR, A.; LEAL, M. C. Violência extra e intramuros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
Paulo, v.16, n. 45, p. 145-164, 2001.
310
14. Suicídio no Brasil:
mortalidade, tentativas,
ideação e prevenção
311
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Tentativa de suicídio diz respeito ao ato de buscar a própria morte, sem que
a intenção se consume.
312
Suicídio no Brasil: mortalidade, tentativas, ideação e prevenção
9,0
8,0
7,0
6,0
5,0
4,0
3,0
2,0
1,0
0,0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Norte 2,9 3,3 2,9 3,2 3,2 3,2 3,2 3,5 3,9
Nordeste 2,4 3,0 3,2 3,3 3,3 3,7 3,8 4,2 4,0
Centro-Oeste 6,3 5,8 6,5 6,2 6,3 5,9 5,8 5,5 6,2
Sudeste 3,5 4,1 4,0 4,0 3,9 4,1 4,2 4,0 4,1
Sul 8,1 8,5 8,0 7,8 8,2 8,1 7,8 7,9 8,2
Brasil 4,0 4,5 4,4 4,4 4,5 4,6 4,6 4,7 4,8
(*) Dados de mortalidade extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), utilizando os códigos X60 a X84 da 10ª Revisão
da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Taxas por 100.000 habitantes.
Fonte: Datasus (2012).
Para refletir
Como você analisa a questão do suicídio entre crianças? E nas demais faixas
etárias?
Para refletir
No seu município, como ocorrem as notificações de suicídio? O que os
dados revelam sobre o grupo etário? E sobre sexo? No seu município, qual a
proporção de mortes por suicídio, em relação a outras mortes provocadas por
atos violentos? Você saberia dizer qual o grupo mais atingido, considerando
sexo e idade?
315
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Tentativas de suicídio
Tanto em relação ao tamanho da população como em números absolutos,
as tentativas de suicídio são mais frequentes entre jovens. No entanto,
entre idosos existe uma relação mais próxima das tentativas com os atos
consumados, o que pode chegar a 2:1. Segundo a OMS (KRUG et al.,
2002) existem evidências de que apenas 25% das pessoas que tentam se
matar entram em contato com hospitais e os que neles chegam são os
casos mais graves. Pesquisa realizada na cidade de Campinas, São Paulo
(BOTEGA et al., 2005a), mostrou que, de cada três tentativas, apenas
uma chegou aos serviços de saúde, confirmando o que vem sendo apon-
tado pela literatura.
316
Suicídio no Brasil: mortalidade, tentativas, ideação e prevenção
Para refletir
No seu município, você sabe quantas tentativas de suicídio foram atendidas
pelo serviço de saúde? Quais os grupos mais vulneráveis? Converse com
alguns profissionais de saúde sobre os cuidados necessários ao atendimento
desses pacientes.
317
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Ideação suicida
A ideação suicida é mais frequente entre adolescentes, população idosa
e determinados grupos profissionais, como médicos, policiais e agricul-
tores (MELHEIROS, 1998; NOGUEIRA, 2009). Estudo (WEISSMAN et
al.,1999) que revisou inquéritos epidemiológicos realizados em vários
países utilizando um mesmo método de aferição de ideação suicida
encontrou prevalências que variaram de 2,1% em Beirute, no Líbano,
a 18,5%, em Christchurch, Nova Zelândia. Pesquisa sobre pensamentos
suicidas na cidade de Campinas/SP (BOTEGA; BRASIL; JORGE, 2005)
apontou prevalência de 17,1% para ideação, mais frequente entre
mulheres, adultos jovens e jovens.
318
Suicídio no Brasil: mortalidade, tentativas, ideação e prevenção
319
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para cada óbito por suicídio, cinco ou seis pessoas, em média, são afe-
tadas do ponto de vista emocional, social e econômico. Além dos efei-
tos negativos que um evento suicida gera para a comunidade e para a
sociedade, seu impacto psicológico é intenso mesmo para os que não
têm ligação direta com a pessoa que morreu. Do ponto de vista dos
custos econômicos, milhões de dólares são gastos – aproximadamente
o equivalente a 1,8% do dispêndio total com doenças no mundo ou
ao custo operacional de uma guerra – com consequências do suicídio
consumado, das tentativas e ideações (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 2003).
Fatores de risco
Sabe-se que nenhum fator de risco para suicídio, tentativas e idea-
ções é explicativo por si só. O comportamento suicida está associado a
várias causas que interagem entre si. Eis aqui dois casos que figuram
quão complexos são os casos e quão difícil é explicá-los.
O senhor João foi encontrado enforcado com uma corda amarrada ao teto do
quarto, em seu barraco na periferia de Manaus. Ele tinha 72 anos, morava sozi-
nho e todos os dias uma filha que residia perto vinha vê-lo, sobretudo depois
que se aposentou e ficou muito parado e quieto dentro de casa. A filha se as-
sustou e chorou muito quando o encontraram inerte e já meio arroxeado, pois
tinha grande afeto ao homem que a criou com todas as dificuldades “do mun-
do!” Ela e o marido tomaram todas as providências para o enterro, pois seus
irmãos “estão espalhados por aí afora e vários já morreram”.
320
Suicídio no Brasil: mortalidade, tentativas, ideação e prevenção
O motivo que Raquel apresentou aos que cuidaram dela e buscaram reverter a
gravidade de seu estado de saúde é que queria se matar pois estava grávida de
um namorado com quem mantinha relações sem o conhecimento e o consenti-
mento da mãe. Esse, ao saber da gravidez, a abandonara. Ela resumia assim seu
estado de emocional: “Sem ele eu prefiro morrer!”
321
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Da mesma forma como ocorreu nesse caso, costuma ser comum uma
reação negativa de médicos e outros profissionais que atendem jovens
que tentam suicídio, apenas repreendendo-os, zombando deles ou dando
por terminado seu trabalho quando estabilizam seu quadro de saúde.
Em geral, a maioria da equipe de saúde não se atenta para os vários
fatores que interferem na decisão de um jovem que tenta suicídio.
322
Suicídio no Brasil: mortalidade, tentativas, ideação e prevenção
323
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Fatores microssociais
Dentre esses, os mais importantes são alguns acontecimentos que afe-
tam a vida emocional: perdas pessoais, conflitos interpessoais, relaciona-
mentos interrompidos ou perturbados, problemas legais ou no trabalho.
Entre os jovens, autores apontam as dificuldades de relacionamento com
pais, brigas com namorados, solidão, ter sofrido abusos físicos e sexuais
e problemas com a orientação sexual. Também o isolamento social deve
ser visto como fator predisponente. Pesquisadores (DUBERSTEIN et al.,
2004) encontraram, entre idosos que cometeram suicídios ou tentativas,
traços de personalidade hipocondríaca, fechada, tímida ou excessiva-
mente independente. A maioria dos estudiosos mostra que ser casado e
ter filhos são fatores de proteção contra o suicídio. No entanto, estudos
da OMS (KRUG et al., 2002) ressaltam índices elevados de comporta-
mento suicida entre mulheres casadas, em algumas culturas onde elas
são fortemente controladas e contidas.
Fatores sociais
Segundo Durkheim (1992, p. 392) “cada povo tem, coletivamente, uma
tendência ao suicídio que lhe é própria e da qual depende a importância
do tributo que ele paga à morte voluntária” e existe uma necessidade
social de cota de sacrifício de alguns em prol da harmonia social. Para
esse autor anomia e patologias dos vínculos sociais como crises sociais,
culturais e econômicas como desemprego em épocas de recessão, desin-
tegração social e perda de status levam as pessoas a se matarem ou a
matar os outros, havendo uma mesma fonte causal para o suicídio e
o homicídio. Freud (1989) também se refere à relação entre suicídio e
homicídio, afirmando que por trás de cada morte autoinfligida houve
324
Suicídio no Brasil: mortalidade, tentativas, ideação e prevenção
Fatores socioambientais
Krug et al. (2002) divide-os em três categorias:
325
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Identifique um caso recente de suicídio que tenha ocorrido próximo a você.
Reflita sobre os fatores de risco apresentados.
Conclusões e recomendações
Os dados aqui apresentados, corroborando a literatura, evidenciam leve ten-
dência de aumento dos suicídios no Brasil em ambos os sexos, sobretudo no
sexo masculino de todas as idades e, particularmente, entre homens idosos.
326
Suicídio no Brasil: mortalidade, tentativas, ideação e prevenção
Sinopse: Durante a década de 1970, o filme enfoca os Lisbon, uma família sau-
dável e próspera que vive num bairro de classe média de Michigan: o senhor
Lisbon (James Woods), um professor de matemática, e sua esposa, uma rigoro-
sa religiosa, mãe de cinco atraentes adolescentes, que atraem a atenção dos
rapazes da região. Porém, quando Cecília (Hanna R. Hall), de apenas 13 anos,
comete suicídio, as relações familiares se decompõem rumo a um crescente iso-
lamento e superproteção das demais filhas, que não podem mais ter qualquer
tipo de interação social com rapazes. Mas a proibição apenas atiça ainda mais
as garotas a arranjarem meios de burlar as rígidas regras de sua mãe.
327
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Você acha que os profissionais de saúde precisam ser mais informados sobre
o fenômeno do suicídio e os fatores de risco que estão associados a ele?
Você conhece algum caso de tentativa? Sabe como a pessoa foi atendida
pelos serviços de saúde? Você conhece algum ato consumado e sabe como a
família foi apoiada pelos serviços de saúde?
329
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Referências
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Suicídio no Brasil: mortalidade, tentativas, ideação e prevenção
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331
III A gestão em saúde na
prevenção e atenção às
situações de violência
Ilustração: Edvaldo Jacinto Correia (2007).
15. Qualidade da informação
sobre morbimortalidade por
causas externas
Kathie Njaine
Este capítulo tem o objetivo de discutir a questão da informação sobre Informação é um conceito que tem
sido mundialmente discutido como
acidentes e violência, problematizando seu processo e construção, suas uma noção fundamental para
potencialidades, os limites e usos científicos e sociais. ampliar o conhecimento e contribuir
para a tomada de decisões em
diversos setores sociais. Na área da
Como pode a informação transformar a realidade do quadro de saúde saúde, a importância desse conceito
evidencia-se, sobretudo, no
e doença de uma população? Esse tem sido o ponto forte de debates momento de identificar pontos
filosóficos que hoje ocorrem no mundo sobre o poder que é delegado prioritários a serem tratados pelas
políticas de saúde, no planejamento
à informação e que podem ser aplicados ao caso da saúde. Filósofos e na implementação de ações que
como Pierre Lévy (1999), por exemplo, fazem refletir sobre as imperfei- visem transformar a realidade.
ções dos sistemas de informação, quando “as qualidades são reduzidas a
quantidades”. Lévy fala principalmente dos aspectos individuais que as
estatísticas acabam ocultando.
335
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
336
Qualidade da informação sobre morbimortalidade por causas externas
337
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
338
Qualidade da informação sobre morbimortalidade por causas externas
339
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
340
Qualidade da informação sobre morbimortalidade por causas externas
Autores como Njaine & Reis (2005) verificaram que houve melhoria da
qualidade das informações sobre violências e acidentes entre as décadas
de 1980 e 1990, em algumas capitais brasileiras. A significativa melhoria
da informação sobre mortalidade por causas externas em algumas capi-
tais deveu-se principalmente à iniciativa das Secretarias Municipais de
Saúde, de buscar articulação com o setor de segurança pública e capa-
citar seus profissionais. Muitas das iniciativas para a melhoria da quali-
dade da informação sobre causas externas foram, contudo, viabilizadas
pelo processo de descentralização do SIM.
341
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Referências
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Qualidade da informação sobre morbimortalidade por causas externas
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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SOARES, L. E. Violência e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996.
344
16. Vigilância de violências e
acidentes no Brasil
No Brasil, as causas externas representam a terceira causa de morte na Os dados sobre mortes e morbidade
por causas externas podem ser
população em geral e a primeira na população de 1 a 39 anos. Em 2009 acessados na página eletrônica do
dados do Ministério da Saúde (DATASUS, 2009) registraram 138.697 DATASUS (www.datasus.gov.br), que
permite fazer tabulações para as
óbitos por causas externas, o que representa 12,6% do total de óbitos. regiões, os estados e os municípios
No período de 1980 a 2009 houve um incremento percentual de 35,5% brasileiros.
(passou de 9,3%, em 1980, para 12,6%, em 2009) nos óbitos atribuídos
a causas externas. Em 2009 o sexo masculino respondeu por 83,1% das
mortes, e o feminino, por 16,9%. Entre 1980 e 2009 a composição da
mortalidade por causas externas registrou um aumento de 269,8% das
mortes por agressões, que passaram de 13.910 para 51.434 e da segunda
345
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
346
Vigilância de violências e acidentes no Brasil
347
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
A identificação de prioridades
O estabelecimento de um sistema de vigilância requer a identificação de
prioridades. No caso dos acidentes e das violências, foram identificados
dois desafios para o sistema de informação:
Para saber mais sobre vigilância
k
de acidentes e violências, leia: Conhecer a dimensão e o perfil desses agravos nas emergên-
t Manual de vigilância das
lesões, uma publicação da cias hospitalares, para ter um quadro mais completo do problema,
Organização Mundial da Saúde, identificando as lesões de menor gravidade, que não determinam
traduzido por Gawryszewski,
Vilma P. Secretaria de Estado da mortes ou internações, mas que são responsáveis por uma forte
Saúde de São Paulo, 2004. demanda nas emergências, já costumeiramente abarrotadas;
Disponível em: http://ftp.cve.
saude.sp.gov.br/doc_tec/outros/ k Captar as agressões que demandam serviços de emergência e
man_lesoes.pdf.
t A proposta da rede de ambulatoriais, bem como outros tipos de violência que ainda per-
serviços sentinela como manecem silenciados no âmbito da esfera privada, uma vez que con-
estratégia da vigilância de
violências e acidentes, tinuam desconhecidas a real magnitude e a gravidade da violência
(GAWRYSZEWSKI, 2007). sobre a saúde da população brasileira. Isso se agrava quando anali-
t Vigilância de violências e
acidentes 2006 e 2007/2008 e samos a violência sexual, como estupros e tentativas de estupro, a
2009. Disponível em: www. exploração sexual, o turismo sexual, ou quando analisamos a vio-
saude.gov.br/svs (acessar
publicações). lência doméstica e outras formas de violências interpessoais, como a
violência psicológica, da qual o assédio moral é um exemplo.
348
Vigilância de violências e acidentes no Brasil
Para refletir
Quais as principais dificuldades e/ou facilidades observadas no registro de
violências e acidentes em seu município?
Tendo em vista tais necessidades, a Secretaria de Vigilância em Saúde O sistema Vigilância de Violências e
Acidentes em serviços sentinela está
considerou a estratégia de implantação da Vigilância de Violências e Aci- apresentado com detalhes nos
dentes (Viva), inicialmente em serviços sentinela, como uma opção ágil artigos de Gawryszewski e
colaboradores, publicados em 2007
e viável que apresenta potencial para gerar informações de qualidade. e 2008.
350
Vigilância de violências e acidentes no Brasil
Marcos legais
A seguir destacam-se alguns marcos referenciais e legais para a estrutu-
ração do Viva no SUS e para a implantação da notificação compulsória
de violências doméstica e sexual e outras violências:
351
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
352
Vigilância de violências e acidentes no Brasil
Vigilância sentinela
Conceitos
O termo “sentinela” tem sido usado em duas situações. A primeira delas
é o evento sentinela, termo adotado por Rutstein et al. (1976) como um
dos métodos para vigilância em saúde, constituindo-se como sistema
de alerta em relação a situações indesejáveis e possibilitando o monito-
ramento de serviços e sistemas de saúde. Nesses casos, o evento senti-
nela pode ser considerado um indicador de qualidade. A ocorrência dos
eventos sentinela serve de alerta aos profissionais da saúde a respeito de
agravos preveníveis, incapacidades ou óbitos possivelmente associados à
má qualidade de serviços ou intervenções.
353
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Mesmo nos Estados Unidos, que destinam muitos recursos aos sistemas
de informações, não é realizada a coleta universal dos dados acerca dos
atendimentos decorrentes de acidentes e violências realizados nas emer-
gências. As informações oficiais divulgadas são uma estimativa nacional
realizada a partir de uma amostra representativa de hospitais para o país
(BROWSON; REMINGTON; DAVIS, 1993).
354
Vigilância de violências e acidentes no Brasil
355
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Critérios específicos
k a unidade deve ser de referência para atendimento às pessoas
vítimas de acidentes, contando com setores de urgência/emergên-
cia (hospitais, pronto-socorro);
k a unidade deve ter, preferencialmente, núcleo de vigilância
epidemiológica já estabelecido, como, por exemplo, o Núcleo de
Vigilância Epidemiológica Hospitalar (NVH);
k a unidade de referência para atenção às pessoas em risco ou
situação de violência sexual, doméstica e outras violências interpes-
soais ou autoprovocadas deve contar com equipe multiprofissional;
k serviços de saúde de referência para atenção às mulheres, crian-
ças e adolescentes e pessoas idosas em situação de violência domés-
tica, sexual e outras violências;
356
Vigilância de violências e acidentes no Brasil
357
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Se você fosse implantar um novo sistema de vigilância para os acidentes e
violências na sua região, quem seriam seus parceiros?
Vigilância contínua
No âmbito do SUS essa modalidade de vigilância também foi implantada
a partir de 1° de agosto de 2006, inicialmente também em serviços sen-
tinela para violências (centros de referência para violências, centros de
referência para DST/Aids, ambulatórios especializados, maternidades,
dentre outros) de 39 municípios selecionados.
agravos que são registrados no Sinan. Essa universalização foi instituída por
meio da Portaria GM/MS n. 104, de 25 de janeiro de 2011 (BRASIL, 2011).
359
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Na implantação da notificação compulsória de violências doméstica e sexual e
outras violências em seu município, quem você envolveria nas capacitações?
360
Vigilância de violências e acidentes no Brasil
Nas situações de violência contra pessoas idosas deverá ser feita uma
comunicação para a autoridade policial, o Ministério Público, o Conse-
lho Municipal do Idoso, o Conselho Estadual do Idoso ou o Conselho
Nacional do Idoso, em conformidade com o Estatuto do Idoso.
Finalizando...
Com o sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), o Minis-
tério da Saúde espera:
Referências
BRASIL. Lei n. 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 out. 2003.
BRASIL. Lei n. 12.461, de 26 de julho de 2011. Altera a Lei n. 10.741, de 1de outubro de 2003, para
estabelecer a notificação compulsória dos atos de violência praticados contra o idoso atendido em
serviço de saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 jul. 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília, DF, 2006.
362
Vigilância de violências e acidentes no Brasil
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias
adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005
(RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em
todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais
e serviços de saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jan. 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 737, de 16 de maio de 2001, que institui a Política
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363
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
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WALDMAN, E. A. Vigilância em saúde pública. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de
Saúde Pública, 1998.
364
17. Diagnóstico situacional
da violência
365
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Diagnóstico, como entendemos, Uma determinada cidade pode, por exemplo, ter alta taxa de mortali-
não constitui uma sentença ou uma
“auditoria”. Ele se configura como
dade e morbidade por acidentes envolvendo motofretistas (os motoboys)
uma análise que leva em conta as e nenhum programa voltado para essa categoria profissional. Pode apre-
condições gerais disponíveis de
infra-estrutura, de recursos materiais
sentar um considerável número de atendimentos nos pronto-socorros
e de conhecimentos, de planejamento e de crianças e adolescentes que sofrem maus-tratos físicos, psicológicos
de apoio institucional existentes.
Buscamos compreender as causas de
e sexuais, e só possuir serviços voltados para o atendimento das vítimas
determinadas situações. Um de exploração e abuso sexual. Pode somente privilegiar a atenção às víti-
diagnóstico situacional reflete ainda
criticamente sobre a qualidade das
mas e não incluir o atendimento aos seus familiares, desconsiderando a
informações que foram usadas e dinâmica familiar. Essa fase do diagnóstico, em suma, pondera sobre o
sobre as informações que não estão
disponíveis.
que tem sido feito, como tem sido feito e o que falta fazer.
366
Diagnóstico situacional da violência
Etapa 1
O diagnóstico situacional começa pela elaboração do perfil epidemio-
lógico sobre os acidentes e violências da localidade, visando responder
a questões fundamentais como: quais as formas mais frequentes de
acidentes e violências, quais os grupos populacionais mais afetados por
esses eventos e a que período de tempo essas informações se referem.
Outro ponto fundamental é definir se estamos querendo diagnosticar – a Conforme já discutido no Capítulo 5,
Parte I deste livro, cabe lembrar que,
mortalidade ou a morbidade. do ponto de vista da mortalidade, o
setor saúde trabalha com os acidentes
e violências sob a denominação de
O passo seguinte será identificar que fontes de dados poderão ser con- causas externas de morbidade e
sultadas ou acessadas, a fim de conseguir as informações desejadas. Tra- mortalidade (Capítulo 20 da CID-10).
Para a morbidade, esses eventos
dicionalmente, o setor saúde tem trabalhado com dois grandes bancos assumem a designação de lesões,
envenenamentos e algumas outras
de dados nacionais: um sobre a mortalidade – Sistema de Informações
consequências de causas externas
sobre Mortalidade (SIM) –, cujo instrumento básico é a Declaração de (Capítulo 19 da CID-10) (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 1996).
Óbito (DO); e outro sobre a morbidade – Sistema de Informações sobre
Hospitalizações (SIH) –, que lança mão dos dados das Autorizações de Mais detalhes sobre esses sistemas
podem ser encontrados no Capítulo 14
Internações Hospitalares (AIH). deste livro. É preciso estar atento
para a qualidade de tais
informações, conforme destacado no
Esses bancos de dados constituem as estatísticas oficiais do país, dos esta- referido Capítulo.
dos e municípios sobre a situação de mortalidade e de morbidade da
população. O uso de instrumentos padronizados de registros – a DO e a
AIH – em todo o território nacional permite que estudos comparativos
sejam realizados.
367
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Para refletir
Considerando a realidade de seu trabalho, há um perfil epidemiológico sobre
os acidentes e violências, mesmo que precário? Como, quando e por quem
foi feito?
Uma vez definidos o ano ou período para o qual desejamos realizar o diag-
nóstico situacional e as fontes a serem pesquisadas, comentamos sucinta-
mente algumas das análises que podem ser feitas com este objetivo.
368
Diagnóstico situacional da violência
Exemplo 1
369
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Exemplo 2
Exemplo 3
k A análise epidemiológica constatou que a grande vítima da violência
naquele município é o jovem. A partir desse conhecimento, o gestor deve
questionar:
k Há ações de prevenção aos acidentes e violências especialmente dirigi-
das a esse grupo populacional? Que ações seriam necessárias?
k Existe no município número suficiente de serviços e de leitos hospitala-
res para o atendimento ao jovem?
k Há equipes treinadas e suficientes para desenvolver ações de prevenção,
de atenção e de recuperação e reabilitação desses jovens? Que treinamen-
tos e capacitações poderiam ser oferecidos aos profissionais?
k
370
Diagnóstico situacional da violência
Etapa 2
Para a elaboração de um diagnóstico das iniciativas para a prevenção
e para o atendimento às vítimas dos acidentes e violências, tomamos
como norte o que é preconizado pela Política Nacional de Redução de
Morbimortalidade por Acidentes e Violências, do Ministério da Saúde
(BRASIL, 2001).
371
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
372
Diagnóstico situacional da violência
Atenção às Urgências (BRASIL, 2004), que regula os atendimentos de leia a Portaria n. 1863/GM,
do Ministério da Saúde (2003)
urgências e emergências, pré-hospitalar e hospitalar às causas externas. acesse o site: http://dtr2001.
saude.gov.br/samu/legislacao/
leg_gm1863.htm
k Como está o processo de organização e implantação de serviços
de atenção pré-hospitalar no município?
k O município segue a padronização regulamentada pela Asso-
ciação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) sobre a construção de
veículos para transportes de pacientes, verificando as medidas, as
acomodações e os equipamentos exigidos?
k Encontra-se à disposição o mapeamento das áreas de risco?
Para obter mais informações
k Foram elaborados planos de atendimento pré-hospitalar e hos- sobre a construção de veículos
pitalar para fluxos maciços de vítimas? de atendimento a emergências
médicas e resgate, acesse o site
k Existe uma integração do pré-hospitalar ao atendimento de da ABNT (www.abnt.org.br) e
solicite orientações sobre como
emergência hospitalar a partir de centrais de regulação médica? adquirir a Norma NBR n.
Essa integração é resolutiva? 14.561/2000, da referida
Associação.
k As unidades 24 horas estão integradas às emergências?
373
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
374
Diagnóstico situacional da violência
375
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Referências
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990: dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 16 jul. 1990.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM n. 737, de 16 de maio de 2001: política nacional de
redução da morbimortalidade por acidentes e violências. Brasília, 2001.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM n. 1.863, de 29 de setembro de 2003. Brasília, 2003.
Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/samu/legislacao/leg_gm1863.htm>.
18
376
18. Elaboração de Plano Local de
Promoção, Prevenção e Atenção
às Situações de Violências e
Acidentes
Maria Cecília de Souza Minayo, Cláudia Araújo de Lima
e Edinilsa Ramos de Souza
Para refletir
Você teve alguma experiência na construção de um plano de ação? Em caso
afirmativo, quais os pontos fortes e as fragilidades?
377
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
378
Elaboração de Plano Local de Promoção, Prevenção e Atenção às Situações de Violências e Acidentes
Além disso, é fundamental saber que a definição clara dos objetivos, das
atividades e das prioridades, o comprometimento da equipe, a valoriza-
ção das metas e ações, a previsão de treinamento e uso das tecnologias
disponíveis, e a avaliação quanto aos apoios institucionais e governa-
mentais recebidos são facilitadores tanto da elaboração como do desen-
volvimento de um plano de ação.
Metodologia de construção de um
plano de redução de acidentes e
violências
Todas as pessoas que atuam no tema das violências e acidentes no setor
saúde deveriam ter em mãos a Política Nacional de Redução da Mor-
bimortalidade por Acidentes e Violências, conforme já foi assinalado
em capítulos anteriores. No entanto, o texto dessa política nacional não
pretende dizer o que cada município deve fazer; apenas traça as prin-
cipais diretrizes e as responsabilidades institucionais. O plano de ação,
ação
construído com os parâmetros do documento citado, deve ser criado
localmente e situar-se dentro da realidade concreta na qual atuam os
profissionais da saúde. Na instância municipal, a problemática em pauta
toma feições próprias, em geral muito diferentes das que se apresentam
nos dados aglomerados para o Brasil.
379
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Contatos e parcerias
O ponto inicial de qualquer plano de ação é definir a vontade política de
enfrentar o problema. A partir daí, juntam-se os atores mais importantes
para viabilização do processo e das ações, a fim de que sejam estabeleci-
dos objetivos comuns e acordos necessários para levar à frente o projeto.
380
Elaboração de Plano Local de Promoção, Prevenção e Atenção às Situações de Violências e Acidentes
381
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
382
Elaboração de Plano Local de Promoção, Prevenção e Atenção às Situações de Violências e Acidentes
383
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Estabelecimento de responsabilidades e de
cronograma
Todo plano, para ser cumprido, precisa responder com clareza às seguin-
tes perguntas:
k O que fazer?
k Como fazer?
k A quem dirigir a ação?
k Quando fazer e até quando?
k Quem é responsável pela ação?
384
Elaboração de Plano Local de Promoção, Prevenção e Atenção às Situações de Violências e Acidentes
Acompanhamento e avaliação
É fundamental que um plano de ação seja acompanhado por auto-
-avaliação e avaliação externa e, na sua construção, é preciso prever
tempo e recursos orçamentários para realizar esses processos. A auto-
-avaliação se realiza dentro da mesma lógica do processo participativo
e deve fazer parte da agenda de monitoramento das tarefas que para
isso foram delimitadas em seus objetivos, alcance e prazos. A avaliação
externa permite um terceiro olhar sobre os problemas, as estratégias, as
dificuldades e a correção de rumos. Tem também um papel fundamental
de avalizar as ações e o processo de continuidade e de sustentabilidade.
Uma boa avaliação do plano de ação julga: sua utilidade; sua viabilidade
do ponto de vista político, prático e de custo/benefício; sua dimensão
ética; sua precisão técnica (FIRME, 2003; MINAYO et al., 2005).
Recursos orçamentários
É claro que todo plano de ação tem um custo. Não dimensioná-lo de
forma realista pode torná-lo insustentável ou, no mínimo, um projeto
voluntarista fadado a se esvair quando a boa vontade das pessoas acabar.
Num país como o nosso, em que os recursos financeiros são sempre
escassos, a vontade política do prefeito e de seu secretariado (princi-
palmente do secretário de saúde) é fundamental, visando à escolha
desse problema como uma das prioridades de investimento e de gastos.
Frequentemente, as questões relacionadas à violência e aos acidentes
geram grandes prejuízos também às empresas locais e, por vezes, não é
difícil conseguir apoios que se somam aos recursos públicos.
385
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Plano Nacional de
Enfrentamento da Violência contra a Pessoa Idosa. Disponível em: < http://www.presidencia.gov.br/
estrutura_presidencia/sedh/Id_idoso/Id_idoso_enfr/>. Acesso em: 12 nov. 2008.
FIRME, T. P. Avaliação em rede. Rio de Janeiro: Rede de Informações para o Terceiro Setor, 2003.
Disponível em: <http://www.rits.org.br>. Acesso em: 06 jun. 2004.
KLIKSBERG, B. Seis teses não convencionais sobre participação. Revista de Administração Pública,
Rio de Janeiro, v. 33, n. 3, p.23-33,1999.
MINAYO, M. C. S (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
MINAYO, M. C. S.; ASSIS, S. G.; SOUZA, E. R. (Orgs.). Avaliação por triangulação de métodos. Rio de
Janeiro: Ed. Fiocruz, 2005.
386
19. Avaliação de programas e ações
de enfrentamento da violência e
de suporte às pessoas em situação
de acidentes e violências
Suely Ferreira Deslandes, Edinilsa Ramos de Souza e Cláudia Araújo de Lima
A credibilidade de um projeto/serviço que avalia seus resultados, a qua- A avaliação proporciona um ganho
de legitimidade pública e
lidade do cuidado prestado e o custo-efetividade de suas ações é bem institucional. Aqueles que se
institucional
maior do que o de propostas que não têm essa preocupação. Como saber preocupam com isso revelam um
compromisso com a população, com
se as ações estão cumprindo seus objetivos? Como saber se os recursos os parceiros e com os órgãos
estão sendo bem empregados, se os executores das ações têm as condi- financiadores.
ções adequadas para realizá-las? Como saber se a forma de realizar as
ações está em consonância com o que preconizamos? Como saber se
o público-alvo da ação está satisfeito e adere às propostas do serviço?
Quais são os resultados alcançados com o trabalho? Que avanços, resis-
tências e problemas surgem com a implementação das ações?
387
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
A avaliação possibilita um ganho de Em resumo, a avaliação permite que a equipe executora do projeto –
competência técnica e gerencial.
gerencial
A partir dela é possível rever
coordenador, supervisores, consultores, agentes de saúde, agentes mul-
estratégias, redimensionar objetivos tiplicadores – possa analisar o projeto nos seguintes aspectos:
e necessidades de suporte.
1. adequação de seus objetivos: são possíveis, factíveis? Foram bem
dimensionados para os recursos e tempo disponíveis?;
4. efeitos e resultados.
A avaliação proporciona um ganho Como avaliar, sem ter uma organização interna mínima para registrar
informacional para os serviços. Ela
acaba criando uma demanda de
as atividades, os insumos empregados, os produtos obtidos, os efeitos e
sistematicidade de registro. resultados alcançados?
Há, na trajetória da avaliação, um Toda avaliação desencadeia um processo interno de discussão, de debate
ganho de reflexão crítica.
crítica
sobre os obstáculos encontrados; do papel que cada um desempenhou
para a situação atual e para a superação das dificuldades. Há, inevitavel-
mente, uma comparação, um confronto entre as estratégias propostas e
a realidade encontrada no dia a dia das ações: quanto cada fator, cada
ator colaborou para o projeto atingir seus propósitos.
A avaliação possibilita compartilhar Aprender com as lições, com os acertos e erros, com a criatividade dos
saberes e experiências.
envolvidos no planejamento e na execução das ações é um patrimônio
precioso para todos os que atuam em serviços ou projetos ligados ao cui-
dado das vítimas de acidentes e violências e voltados para a prevenção
dessas situações.
Na avaliação se ganha, finalmente, Além de todos esses argumentos, não podemos ignorar que a avaliação é
maior competitividade na busca de
recursos de financiamento,
financiamento cada vez
cada vez mais considerada uma pré-condição para obter novos subsídios
mais limitados. de financiamento ou renovar os já existentes. Por várias razões, por-
tanto, precisamos “prestar contas” das ações e intervenções realizadas,
de seus resultados e de sua efetividade.
O que é avaliação?
No contexto das ações, de projetos e serviços de saúde existe, na atu-
alidade, interesse e investimento crescente em processos de avaliação
(AGGLETON, 1995). Mas o que significa avaliar?
388
Avaliação de programas e ações de enfrentamento da violência e de suporte às pessoas em situação
Uma definição bem sintética é a fornecida por Minayo et al. (2005, p. 23):
“Em sentido bem amplo avaliar significa julgar, estimar, medir, classifi-
car, analisar criticamente alguém ou algo. Tecnicamente, esse processo é
realizado com procedimentos sistemáticos”.
389
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Monitoramento, de acordo com a O monitoramento, na medida em que analisa o projeto durante sua
Organização Pan-Americana da Saúde
(1989), é diferente de avaliação.
execução, é uma atividade que se incorpora ao cotidiano, dando retorno
Monitoramento pode ser definido imediato quanto aos progressos e quanto aos problemas e às dificuldades
como “o processo de coleta e análise
encontradas. Assim, embora monitoramento e avaliação sejam proces-
de informações sobre a implementação
do programa: envolve uma verificação sos distintos, são também complementares. Naturalmente não podemos
regular para ver se as atividades do
deixar de considerar o monitoramento como uma atividade importante
programa estão sendo realizadas
conforme o planejado, de forma que de avaliação.
os problemas possam ser detectados
e resolvidos”.
Há ainda muitas resistências à prática de avaliação. Alguns gestores
temem ter seu serviço avaliado, achando que isso poderia levá-los a
perder capital político. Outros consideram que avaliar é um desperdício
de recursos. De qualquer forma, podemos dizer que hoje, cada vez mais,
há um reconhecimento nacional e internacional quanto à necessidade
de incorporar ações avaliativas na rotina de execução dos projetos de
saúde. Podemos perceber um considerável incentivo para adotar as for-
mas mais práticas de avaliação, permitindo sua incorporação como parte
da realização dos projetos.
390
Avaliação de programas e ações de enfrentamento da violência e de suporte às pessoas em situação
391
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
392
Avaliação de programas e ações de enfrentamento da violência e de suporte às pessoas em situação
393
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
2. equipe;
394
Avaliação de programas e ações de enfrentamento da violência e de suporte às pessoas em situação
395
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Referências
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para o HIV/Aids. Rio de Janeiro: Hucitec; Abrasco, 1995.
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BARROS, M. D. A.; XIMENES, R.; LIMA, M. L. C. Validação de variáveis de declarações de óbito por
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IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
MINAYO, M. C. S.; ASSIS, S. G.; SOUZA, E. R. (Org.). Avaliação por triangulação de métodos:
abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2005.
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la región de las Américas. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 102-171, 1999.
398
20. Gestão em saúde e a mídia
na prevenção e atenção às
situações de violência
Edson Silva e Cláudia Araújo de Lima
de danos à saúde.
399
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
400
Gestão em saúde e a mídia na prevenção e atenção às situações de violência
Para refletir
Há assessoria de imprensa em sua realidade local? Em caso afirmativo, como
ela acontece? Caso não haja, o que poderá ser feito?
401
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
Centro
Diretivo
Assessor de
Comunicação
Social
Trabalho Inter-Relacionado
402
Gestão em saúde e a mídia na prevenção e atenção às situações de violência
403
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
k Release
Destinado aos veículos de comunicação, é redigido em linguagem com
critérios essencialmente jornalísticos. Geralmente contém as informa-
ções que devem servir de apoio para o desenvolvimento das pautas.
Em alguns casos, principalmente no interior do país, observamos a uti-
lização do release como matéria final. Isso empobrece tanto o processo
de produção da informação nas empresas jornalísticas como a fonte de
informação, uma vez que a cobertura fica reduzida ao que foi enviado
pela assessoria, não gerando produtos como entrevistas, reportagens,
em suma, outras abordagens mais investigativas.
k Release especial
Tem características de reportagem, e não de simples notícia. É produzido
para divulgar o lançamento de um produto ou para gerar notícia sobre
404
Gestão em saúde e a mídia na prevenção e atenção às situações de violência
k Artigo
Como se pode ver no texto de SILVA (2005), o artigo é um dos gêneros
abertos que podem advir de colaboradores especializados, como forma
de contribuição no processo de discussão de determinados assuntos de
interesse social, não apenas do assessorado e do veículo de comunica-
ção. No caso das abordagens sobre o tema violência e saúde, seria um
instrumento muito útil, por seu caráter reflexivo.
k Carta do leitor
O gestor em saúde pública, como autoridade da área, inscreve-se também
como um leitor. E por esse motivo pode servir-se do expediente da “Carta
do leitor” na sua relação com a mídia jornalística. Atento às publicações
diárias e semanais que cobrem o setor, o assessor de imprensa alerta
o assessorado para a necessidade de observações, retificações e reco-
nhecimento do mérito dos conteúdos veiculados pelos meios impressos,
eletrônicos e digitais, sugerindo intervenções que julgar necessárias para
a boa compreensão dos consumidores da informação. Basta um contato
com a redação do veículo e a disponibilização da carta.
k Nota oficial
Utilizada em momentos críticos que exigem uma manifestação definida
do assessorado. Pode ser enviada aos jornais ou publicada como matéria
paga.
k Entrevista coletiva
Recurso muito utilizado pelas assessorias de imprensa para que o asses-
sorado possa disponibilizar informações aos veículos de comunicação,
posicionando-se quanto a um determinado assunto de interesse da
sociedade. Pode ser espontânea ou provocada pela imprensa, contando
com a participação de vários profissionais. Nesse caso, o jornalista-asses-
sor, além da apresentação do gestor, faz um resumo (briefing) sobre o
assunto em pauta. Em seguida, abre para as perguntas que devem ser
respondidas pelo assessorado.
k Entrevista exclusiva
Neste caso a iniciativa parte do veículo de comunicação, que pauta um
assunto relevante como decorrência de uma série de coberturas já reali-
405
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
k Conferência de imprensa
Recurso pouco utilizado nos últimos tempos pelas autoridades públicas
brasileiras, porém importante para a compreensão das políticas públicas.
Trata-se de um momento especial que deve ser provocado pelos gestores
com o auxílio efetivo das assessorias, e que conta com a presença de
toda a imprensa de uma localidade ou dos veículos de circulação regio-
nal e nacional. É uma espécie de “prestação de contas” sobre projeto,
programa ou política anteriormente anunciada. Assim, a autoridade
deve contar com um tempo razoável para a exposição de resultados,
justificativa e os efeitos provocados na vida dos cidadãos. Após a expo-
sição detalhada com conceitos, números, gráficos, mapas, entre outros
recursos informativos, em geral há uma abertura para perguntas dos jor-
nalistas. Geralmente as conferências remetem a novas pautas, a critério
de cada veículo de comunicação.
406
Gestão em saúde e a mídia na prevenção e atenção às situações de violência
Referências
BRASIL. Decreto-Lei n. 83284, de 13 de março de 1979: dá nova regulamentação ao Decreto-Lei
n. 972, de 17 de outubro de 1969, que dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista, em
decorrência das alterações introduzidas pela Lei n. 6612, de 07 dez. 1998.
KOPPLIN, E.; FERRARETTO, L. A. Assessoria de imprensa: teoria e prática. Porto Alegre: Sagra-DC
Luzatto, 1993.
RABAÇA, C. A.; BARBOSA, G. Dicionário de comunicação. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
SILVA, E. O papel da mídia no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. [S. l.], A07
set. 2005. Disponível em: < http://www.caminhos.ufms.br/html/artigo_edson_silva.pdf>. Acesso em:
24 nov. 2008.
407
21. Redes de prevenção à
violência e de proteção
no âmbito da gestão
em saúde
Luciana Phebo, Kathie Njaine e Simone Gonçalves de Assis
409
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
410
Redes de prevenção à violência e de proteção no âmbito da gestão em saúde
Trabalhar em rede, conforme já foi assinalado, exige objetivos consensu- Rede é um padrão de organização
constituído, necessariamente, por
ais, pactos para seu funcionamento e confiança para que de fato acon- agentes autônomos que,
teça a cooperação. A relação dos seus componentes precisa ser calcada interligados, cooperam entre si.
É importante destacar que nela a
na comunicação e na priorização do atendimento. ordem é horizontal, não hierárquica.
Para refletir
Você teve alguma experiência marcante ao trabalhar em rede de prevenção
de violência?
411
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE
respeito aos direitos humanos são alguns dos inúmeros e potenciais par-
ceiros para a construção de redes locais.
Rede é um espaço de troca de Toda rede deve produzir informação. Em experiências já existentes nas
experiências, de estímulo ao
conhecimento e ao reconhecimento redes locais de atenção à violência, há trocas de informação quanto ao
mútuo das entidades e pessoas que entendimento e à percepção das diferentes formas de violências, sobre
dela participam. Nesse foco, a rede
de atenção integral às pessoas em as possibilidades de atuação de cada setor, os encaminhamentos e des-
situação ou risco para a violência dobramentos sobre os atendimentos. Em resumo, são redes de informa-
deve valorizar o conhecimento
técnico, bem como os saberes ção operativas.
particulares, o protagonismo
comunitário no desenvolvimento das
políticas públicas e iniciativas No que se refere à conformação de redes de atenção integral às pessoas
governamentais.
em situação ou risco de violência, cabe ao gestor apoiar: a sensibilização
e a mobilização locais; a elaboração de planos municipais de preven-
ção, atenção e enfrentamento das diversas formas de violência a que
a população está exposta; a formação e a atualização pedagógica dos
profissionais da saúde e de seus parceiros no município; a ampliação e o
fortalecimento da atenção básica, intermediária e dos serviços de saúde
especializados. Tudo isso como parte da agenda constante da parceria
entre o município, o estado e o governo federal.
Referências
ANDRADE, G. R. B.; VAITSMAN, J. Apoio social e redes: conectando solidariedade e saúde. Ciência e
saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 4, p. 925-934, 2002.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de
Humanização. Trabalho e redes de saúde: valorização dos trabalhadores da saúde. 2. ed. Brasília,
2006. (Série B. Textos Básicos de Saúde).
CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix;
Amaná-Key, 1996.
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DESLANDES, S.F.; ASSIS, S.G.: SILVA, H.O. (Coord.) Famílias: parceiras ou usuárias eventuais?: análise
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FUGIMOTO, G. (Coord.). Redes comunitárias. Rio de Janeiro: SESC/RJ, [2005]. 1 DVD (22 min).
MARTELETO, R. M. Análise das redes sociais: aplicação nos estudos de transferência da informação.
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NJAINE, K. et al. Networks for prevention of violence: from utopia to action. Ciência&Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 429-438, 2006.
REDES COMUNITÁRIAS SESC RIO DE JANEIRO. Documentário de encontros de redes. Rio de Janeiro,
[2000]. 1 DVD.
ROBIM, M. Tornando-se dançarino: como compreender e lidar com mudanças e transformações. Rio
de Janeiro: Mauad, 2004.
413
Posfácio
415
A relevância desse movimento transformador acrescenta às políticas
públicas nacionais avanços importantes e que se refletem na organiza-
ção das Redes de Atenção à Saúde; Planos de Ação da Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde da Mulher, Adolescentes e Jovens, Crian-
ças, Homens e Idosos; Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência
contra Mulheres; Ações de Enfrentamento à Exploração Sexual Comer-
cial de Crianças e Adolescentes; Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas;
Programa Nacional de Segurança Pública e também nas Políticas de
Proteção Especial na Área da Assistência Social.
416
Siglas
AA Conass
Alcoólicos Anônimos Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde
Abnapi Corde
Associação Brasileira de Prevenção aos Abusos e Coordenadoria Nacional para as Pessoas Portadoras de
Negligências na Infância Deficiência
Abrapia Crami
Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Centros Regionais de Atenção aos Maus-Tratos na
Infância e à Adolescência Infância
Aids Creas
Acquired Immunological Syndrome (Síndrome de Centros de Referência Especializada de Assistência Social
Imunodeficiência adquirida) DO
AIH/SUS Declaração de Óbito
Autorização de Internação Hospitalar do Sistema Único DPVAT
de Saúde Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por
APH Veículos Automotores de Vias Terrestres
Atendimento pré-hospitalar DST
Doenças Sexualmente Transmissíveis
BO
Boletim de Ocorrência Policial ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
BPC
Benefício de Prestação Continuada Ensp
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
CAPS
Centro de Atenção Psicossocial Fenaj
Federação Nacional dos Jornalistas
CAT
Comunicação de Acidentes de Trabalho IBCCRIM
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
Cemicamp/Unicamp
Centro de Pesquisas Materno-Infantil de Campinas/ IBGE
Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ciências Médicas da Universidade de Campinas IML
CGDANT/Dasis/SVS Instituto Médico Legal
Coordenação Geral de Doenças e Agravos Não INSS
Transmissíveis/Departamento de Análise de Situação de Instituto Nacional de Seguridade Social
Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde
Ipea
CID Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Classificação Internacional de Doenças Lacri
CID 10 Laboratório de Estudos da Criança
Classificação Internacional de Doenças, Décima Revisão Neapi
Cidid Núcleo Especializado de Atendimento à Pessoa Idosa
Classificação Internacional das Deficiências, NVH
Incapacidades e Desvantagens Núcleo de Vigilância Epidemiológica Hospitalar
CMC OMS
Coeficiente de Mortalidade por Causa Organização Mundial da Saúde
Conade Opas
Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras Organização Pan-Americana da Saúde
de Deficiência
PAHO
Conasems Acervo da Biblioteca da Organização Pan-Americana da
Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde Saúde
417
Pair Senasp
Programa de Ações Integradas e Referenciais de Secretaria Nacional de Segurança Pública
Enfrentamento à Violência Sexual Infanto juvenil no SEPM
Território Brasileiro Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
Pair SIH/SUS
Programa de Atividades Integradas Referenciais Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de
PNAISM Saúde
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher SIM
PNH-HumanizaSUS Sistema de Informações sobre Mortalidade
Política Nacional de Humanização do SUS Sinitox
PNRMAV Sistemas de Informação do SUS para Envenenamentos e
Intoxicações
Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por
Acidentes e Violências Sisav
Sistema de Informações em Saúde para Acidentes e
PRMMAT
Violências
Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito
Suas
PRONASCI
Sistema Único de Assistência Social
Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
SUS
PTI Sistema Único de Saúde
Projeto Terapêutico Individual
Unicef
Ripsa Fundo das Nações Unidas para a Infância
Rede Interagencial de Informações para a Saúde
Unesco
ROs Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Registros de Ocorrências Policiais Ciência e a Cultura
Samu Viva
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência Vigilância de Violências e Acidentes em Serviço Sentinela
SEDH WHOLIS
Secretaria Especial dos Direitos Humanos Sistema de Informação da Biblioteca da OMS
418
Formato: 210x260mm.
Tipologias: Meridien LT Std e Frutiger Lt Std.
Miolo: Offset 90g/m2
Capa: Cartão Supremo 250g/m2
CTP digital: Ediouro Gráfica e Editora Ltda.
Impressão e acabamento: Ediouro Gráfica e Editora Ltda.
Rio de Janeiro, julho de 2014