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ESPECIAL | SPECIAL

Propriedades fisiológicas-funcionais das

proteínas do soro de leite

Physiological-functional properties of milk whey proteins

Valdemiro Carlos SGARBIERI 1

RESUMO

O presente artigo coloca em destaque as propriedades multifuncionais das proteínas presentes no soro de
leite bovino, a começar pelo colostro que contém essas proteínas em concentrações muito elevadas e que tem
por função garantir a proteção e a imunidade dos recém-nascidos. Essas mesmas proteínas continuam no
leite, porém em concentrações bastante reduzidas. A utilização dessas proteínas nas formas de concentrados
e isolados protéicos evidenciam propriedades muito favoráveis à saúde no sentido de diminuir o risco de
doenças infecciosas e também as consideradas crônicas e/ou degenerativas. Enfatizou-se as propriedades das
proteínas do soro de leite e de peptídios delas resultantes no estímulo ao sistema imunológico, na proteção
contra microrganismos patogênicos e contra alguns tipos de vírus como o HIV e o vírus da hepatite C, na
proteção contra vários tipos de câncer, particularmente de cólon, na proteção da mucosa gástrica contra
agressão por agentes ulcerogênicos, evidenciou-se várias linhas de ação protetora das proteínas de soro
contra agentes condicionadores de problemas cardiovasculares. Com base em várias propriedades funcionais
das proteínas do soro de leite, discutiu-se a vantagem e os benefícios de seu uso como suplemento alimentar
para atletas e esportistas em geral. Os possíveis benefícios de vários fatores de crescimento celular, presentes
no soro de leite também foram discutidos.

Termos de Indexação: proteínas do leite, leite, colostro, propriedades funcionais fisiológicas.

ABSTRACT

This article emphasizes the multifunctional properties of the bovine milk whey proteins, starting with the
colostrum where these proteins occur in high concentrations and are reputed as responsible for the protection
and passive immunization of the newborn babies. The same proteins found in colostrum in high concentrations
are found in milk although at much lower concentrations. The utilization of the milk whey proteins in the form

1
Departamento de Alimentos e Nutrição, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas. Rua
Monteiro Lobato, 80, 13083-970, Campinas, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

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of concentrates or isolates has been found to be highly beneficial to health in the sense of decreasing the risk
of infectious as well as chronical and degenerative diseases. In this article emphasis was given to the properties
of whey proteins in the form of concentrates or isolates, and their hydrolysates (peptides) as immunostimulants,
inhibitors of pathogenic microorganisms and some viruses, including HIV and hepatitis C viruses. In the
protection against tumor’s development, particularly colon cancer and protection of the gastric mucosa
against ulceration by agressive ulcerogenic agents. Various actions of the milk whey protein were pointed out
as defense mechanisms for cardiovascular degenerative diseases. Several research work were discussed showing
the benefit of using milk whey protein to counteract undesirable metabolic and immunological effect of
excessive exercise. Finally the cell growth and regeneration stimulatory properties of the milk whey growth
factors were pointed out.

Index terms: milk, proteins, milk, colostrum, physiological-functional properties.

INTRODUÇÃO A relação caseínas:proteínas do soro é

bastante variável entre as espécies de mamífero4.
O leite, produto de secreção das glândulas Esta relação é de 80,0:20,0 (%) no leite bovino,
mamárias é um fluido viscoso constituído de uma de 20,0:80,0 (%) no leite humano, 80,0:20,0 (%)
fase líquida e partículas em suspensão, formando no leite de búfala e 82,2:15,8 (%) no de cabra.
uma emulsão natural, estável em condições Observa-se que no leite humano a proporção de
normais de temperatura ou de refrigeração. Possui proteínas de soro é 4 vezes a das caseínas,
elevado valor nutritivo, sendo o único alimento comparadas com as do leite de vaca e de búfala.
que satisfaz às necessidades nutricionais e
Outro aspecto muito importante a
metabólicas do recém-nascido de cada espécie1.
considerar sobre o leite, como primeiro e único
Os macrocomponentes do leite bovino são alimento dos recém-nascidos, é que a primeira
a água (87,30%), a lactose (4,90%), gordura secreção das glândulas mamárias, após o parto,
(3,80%), proteínas (3,30%) e minerais (0,72%). tem composição muito diferente do leite e recebe
As partículas suspensas na fase líquida do leite o nome de colostro. O colostro é um líquido
são gotículas de gordura e micelas de caseína. O amarelado, mais viscoso que o leite e a sua
leite bovino é comercializado em sua forma composição varia muito nas primeiras 72h após o
líquida integral ou desengordurada e pasteurizado parto5. A Tabela 1 mostra a variação de compo-
ou esterilizado. Essas mesmas formas são também sição do colostro bovino nas primeiras 72h
comercializadas desidratadas, leite em pó. comparada com a composição do leite já
O soro de leite pode ser obtido em estabilizado.
laboratório ou na indústria por três processos Observa-se (Tabela 1) que a composição
principais 2,3: a) pelo processo de coagulação do colostro bovino (3h pós-parto) é bem diferente
enzimática (enzima quimosina), resultando no após 72h e muito diferente do leite como é
coágulo de caseínas, matéria-prima para a consumido. Gordura, proteína total, proteínas de
produção de queijos e no soro “doce”; b) soro e minerais diminuem com o passar do tempo,
precipitação ácida no pH isoelétrico (pI), resultando enquanto que as caseínas e a lactose aumentam.
na caseína isoelétrica, que é transformada em Nota-se na Tabela 2 como a concentração
caseinatos e no soro ácido; c) separação física (mg/mL) das principais proteínas do soro decresce
das micelas de caseína por microfiltração, no colostro no período de 3h a 72h, e suas
obtendo-se um concentrado de micelas e as concentrações no leite bovino já estabilizado5.
proteínas do soro, na forma de concentrado ou Observa-se que todas as proteínas: imunoglobulina
isolado protéico. G (IgG), imunoglobulina A (IgA), ∝-lactalbumina

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(∝-La), β-lactoglobulina (β-Lg), albumina de soro Comparação interessante poderá também

bovino (BSA), lactoferrina (Lf) e lactoperoxidase ser feita quanto às concentrações de algumas
(Lp) diminuem significativamente de das principais proteínas do soro (Tabela 3)
concentração, na passagem do colostro para leite entre os leites bovino e humano. Nota-se que
normal de consumo. a β-lactoglobulina, predominante no leite bovino,
A IgG é a predominante no colostro e praticamente não aparece no leite humano. As
no leite bovino e, dentre as demais proteínas, demais proteínas de soro aparecem também em
a β-Lg, a ∝-La e a BSA são as predominantes.
maior concentração no leite humano.
A elevada concentração das proteínas de
Do ponto de vista aminoacídico
soro no colostro é muito importante, uma vez que
as imunoglobulinas (IgG e IgA) transferem (aminoácidos essenciais), as proteínas de soro
imunidade passiva ao recém-nascido, enquanto apresentam quase todos os aminoácidos
que as demais proteínas do soro, coletivamente, essenciais em excesso às recomendações, exceto
promovem o desenvolvimento e a maturação dos pelos aminoácidos aromáticos (fenilalanina,
tecidos epiteliais do sistema gastrointestinal, ainda tirosina) que não aparecem em excesso, mas
não completamente desenvolvido funcionalmente. atendem às recomendações para todas as idades.
Protegem ainda contra bactérias e vírus deletérios
Apresentam elevadas concentrações dos ami-
à saúde do bebê.
noácidos triptofano, cisteína, leucina, isoleucina
e lisina.
Tabela 1. Variação na composição percentual do colostro bovino,
comparada com a do leite bovino. As proteínas do soro de leite são altamente
digeríveis e rapidamente absorvidas pelo
Colostro (Tempo pós-parto)
Componentes (%) organismo, estimulando a síntese de proteínas
3h 72h Leite bovino
Gordura 06,80 03,72 03,50 sangüíneas e teciduais a tal ponto que alguns
Proteína total 09,42 04,68 03,20 pesquisadores6-8 classificaram essas proteínas
Proteínas de soro 08,50 01,60 00,50
como proteínas de metabolização rápida fast
Caseínas 00,92 03,18 02,73
04,27
metabolizing proteins, muito adequadas para
Lactose 02,38 04,60
Cinza 01,02 00,74 00,70 situações de estresses metabólicos em que a
Sólidos totais 19,62 13,41 12,00 reposição de proteínas no organismo se torna
Fonte: Heng5. emergencial.

Tabela 2. Concentração de proteínas de soro no colostro e no leite bovino (mg/mL).

Tempo
IgG IgA ∝-La β-Lg BSA Lf Lp
Lact.(Horas)

3 45,00 7,08 5,97 40,50 5,07 3,06- 3,46

12 61,50 9,55 8,40 39,88 5,21 4,28- 4,29
24 40,00 6,98 8,56 26,54 1,97 1,77- 2,45
36 15,00 3,17 6,42 18,47 1,20 n.d. 1,00
48 13,60 0,56 8,12 19,42 1,15 0,94- n.d.
60 15,80 0,56 8,12 19,42 1,15 0,94- n.d.
72 06,00 0,12 2,36 06,18 0,44 n.d. n.d.
Leite 00,50 0,09 2,00 04,00 0,28 0,02- 0,03
0,35-

n.d. = não detectado. IgG, imunoglobulina G; IgA, imunoglobulina A; ∝-La, ∝-lactalbumina; β-Lg, β-Lactoglobulina; BSA, albumina de soro
sangüíneo; Lf, lactoferrina; Lp, lactoperoxidase.

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Tabela 3. Quantidades, em gramas por litro, das principais Ao mesmo tempo em que se verificava
proteínas de soro lácteo, do leite bovino e do leite
aumento significativo da produção de
humano.
imunoglobulina havia um aumento correspondente
Proteínas de soro (g/L) Leite bovino Leite humano do tripeptídio glutationa (γ-glutamilcisteinilglicina)
β-lactoglobulina 3,2 desprezível no baço, no fígado e em vários outros órgãos.
∝-lactalbumina 1,2 2,8 Os pesquisadores canadenses associaram
Soralbumina (BSA) 0,4 0,6
o poder imunoestimulante das proteínas do soro
Imunoglobulinas 0,7 1,0
Lactoferrina 0,1 0,2
com a capacidade dessas proteínas estimular a
Lisozima desprezível 0,4 síntese de glutationa, em virtude do elevado
conteúdo de cisteína e de repetidas seqüências
glutamil-cistina na estrutura primária dessas
Neste artigo, será dada ênfase às proteínas12,13. Peptídios com a seqüência glutamil-
propriedades fisiológicas e funcionais que resultam -cistina seriam formados na digestão dessas
em importante modulação metabólica e/ou proteínas e absorvidos como tal, servindo de
inibição ou retardamento de processos patológicos substrato para a síntese de glutationa. Esta, por
ou do envelhecimento precoce em animais de sua vez, exerce um poder estimulatório sobre
experimentação e, provavelmente, na espécie linfócitos capazes de sintetizar imunoglobulinas.
humana. A eficácia das proteínas isoladas do soro
de leite no sentido de melhorar a atuação do
sistema imunológico foi também testada em
Atividade imunomoduladora
humanos portadores do vírus HIV14,15. Esses vírus,
Uma das propriedades funcionais mesmo quando a doença está sob controle, por
fisiológicas mais estudadas e importantes das efeito de medicação, causam um desequilíbrio dos
proteínas do soro de leite se relaciona com o seu linfócitos TCD 4 + (linfócitos de defesa do
poder imunomodulador. Já se comentou sobre a organismo) deixando prevalecer os linfócitos TCD8+
elevada concentração e o papel importante das ou linfócitos de ataque (Tkiller). Embora com
imunoglobulinas do colostro na defesa dos recém- número reduzido de sujeitos, 3 e 4 indivíduos,
-nascidos. respectivamente, a administração de 10g a 40g
As imunoglobulinas do leite permanecem diárias de proteínas de soro a esses indivíduos
quase que integralmente no soro e continuam a portadores de HIV elevou a concentração de
desempenhar função importante, não somente no glutationa nos linfócitos e o número de linfócitos
sistema gastrointestinal mas sistemicamente em TCD4+, melhorando as condições gerais dos
todo o organismo. pacientes, inclusive com ganho de peso de 2kg a
Na década de 80, uma série de pesquisas 7kg, no período de 3 meses de suplementação.
desenvolvidas particularmente no Canadá9-12 Estudos recentes16,17 realizados em Cam-
mostraram que dietas à base de concentrados de
pinas, SP, comprovaram o poder imunoestimulante
proteínas de soro de leite bovino, não
e estimulador da síntese de glutationa, em
desnaturadas, promovia estímulo imunológico
superior a um grande número de outras proteínas camundongos e em humanos, por preparados de
isoladas e testadas comparativamente, quanto ao proteína de soro bovino produzidos em escala
poder de estimular a produção de imunoglobulina piloto2. Dietas contendo concentrado protéico de
M (IgM) o baço, após estímulo antigênico soro de leite (WPC) estimulou a síntese de
(imunização) com um número conhecido de imunoglobulina M no baço e a síntese de
hemácias de carneiro. glutationa no fígado em camundongo da linhagem

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A/J, mais do que qualquer outra proteína testada. C e com ação contra a bactéria Helicobacter
Forte correlação linear positiva (r=0,998) foi pylori21-22. A lactoferricina, peptídio formado dos
encontrada entre células do baço produtoras de resíduos 17-41, resultante da ação da pepsina
IgM e concentração de glutationa no fígado. Em sobre a lactoferrina, apresenta além da atividade
estudo prospectivo duplo-cego, 18 crianças entre antimicrobiana23, ação apoptótica sobre células
1 e 6 anos de idade, portadoras de HIV foram da leucemia humana24.
suplementadas com concentrado de proteína de
soro de leite (WPC) ou placebo (maltodextrina) Hidrólise enzimática (pepsina, tripsina,
por 4 meses. Observou-se uma elevação nos níveis quimotripsina) permitiram o isolamento e a
de linfócitos TCD 4+, elevação da síntese de identificação de peptídios de diversos tamanhos
glutationa eritrocitária e redução na ocorrência moleculares e seqüências com atividade
de episódios infecciosos no grupo suplementado bactericida, a partir das proteínas β-lactoglobulina
com WPC. e ∝-lactalbumina 21,25,26, sugerindo que essas
Além do concentrado e do isolado protéico proteínas do soro poderão exercer efeito
de proteína de soro (WPC e WPI), respectiva- antibiótico no organismo após hidrólise enzimática.
mente, ação imunoestimulatória tem sido Propriedade bactericida também tem sido
demonstrada para proteínas isoladas do soro: demonstrada em oligômeros de ∝-lactalbumina
imunoglobulinas, lactoferrina, lactoperoxidase,
que podem se formar em meio ácido, na presença
glicomacropeptídio (GMP). Este último só é
do ácido oléico27. Esses oligômeros poderiam se
encontrado no soro doce, como produto da
formar no estômago pela perda do Ca++ ligado a
ação da enzima coagulante quimosina sobre
essa molécula seguida da complexação com o
a κ-caseína.
ácido graxo monoinsaturado. Além da atividade
Além de estar presente no soro, a lactoferri- antibiótica, esses oligômeros de ∝-lactalbumina
na é secretada por neutrófilos, podendo estimular
apresentam também ação apoptótica sobre
o crescimento de vários tipos de células do sistema
células cancerígenas.
imune como linfócitos, macrófagos/monócitos,
além de estimular a resposta imune humoral na
produção de anticorpos18. Atividade anticâncer

Tem sido demonstrado, por vários

Atividade antimicrobiana e antiviral pesquisadores, que concentrados de proteínas do
soro de leite bovino, assim como várias de suas
Atividade antimicrobiana e antiviral têm
proteínas e peptídios, delas derivados, apresentam
sido demonstradas para as proteínas do soro de
ação inibitória para diversos tipos de câncer em
leite lactoferrina, lactoperoxidase, ∝-lactalbumina
modelos animais e em culturas de células
e as imunoglobulinas.
cancerígenas.
A lactoferrina, bem como seu peptídio
lactoferricina, inibem a proliferação e o cresci- O câncer é uma doença complexa cuja
mento de bactérias gran-positivas e gran-negativas, indução e desenvolvimento dependem de
bem como leveduras fungos e protozoários por inúmeros fatores. Várias pesquisas têm sido
quelar (seqüestrar) o ferro disponível no ambiente, desenvolvidas nos últimos anos, tanto em modelos
enquanto que a lactoperoxidase tem propriedade animais como em culturas de células que
bactericida através da oxidação de tiocianatos em demonstram ação anticâncer das proteínas do soro
presença de peróxido de hidrogênio (H2O2)19,20. de leite.
Hidrólise enzimática da lactoferrina libera McIntosh et al.28-30 estudaram a ação de
peptídios com ação inibitória ao vírus da hepatite várias proteínas da dieta (proteínas de soro de

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leite, caseína, proteínas da carne bovina e da soja) número e tamanho dos tumores foram significativa-
contra o desenvolvimento de tumores de cólon mente maiores nos animais em dieta de proteína
induzidos pelo carcinógeno 1,2-dimetilhidrazina. de soja, seguida da caseína e dos dois preparados
Nestes estudos observaram que dietas contendo de proteínas de soro, significativamente inferiores,
as proteínas do soro de leite inibiram o em relação à caseína e à soja. Os dois preparados
aparecimento e o crescimento de tumores de de soro não diferiram entre si, em nenhum dos
cólon de forma mais significativa que a caseína, parâmetros estudados. Esses resultados
as proteínas de carne bovina e as da soja, sendo confirmaram os reportados por pesquisadores do
a ordem de significância estatística: proteína do Canadá, Austrália e outros países.
soro>caseína>carne>soja, podendo portanto Outros pesquisadores constataram a
concluir-se que as proteínas do soro (WPC) atuaram capacidade inibitória das proteínas do soro de leite
de maneira mais eficaz no combate à tumorigê- sobre o câncer de mama32, de cabeça e pescoço33
nese induzida, em roedores, que as demais e sobre culturas de células cancerígenas34,35.
proteínas testadas.
McIntosh et al.28 compararam a eficiência
de dietas contendo 15% de WPC, 15% de Atividades antiúlcera
proteína de soja e dois outros tratamentos 15%
Embora o leite e os produtos lácteos
soja mais 5% lactoferrina ou 15% soja mais 5%
tenham sido, ao longo do tempo, os alimentos
β-lactoglobulina. Observaram que a suple-
preferidos por pessoas com problemas gástricos
mentação da soja com 5% lactoferrina ou 5%
(hiperacidez, azia, queimação estomacal, refluxo
β-lactoglobulina resultou em inibição da formação
gástrico-esofágico), esses efeitos têm sido
de lesões pré-cancerígenas (focos de críptas
atribuídos, principalmente, às gorduras do leite e
aberrantes), tão eficientemente quanto o WPC,
sua própria consistência física de emulsão líquida.
evidenciando a importância dessas duas proteínas
do soro na inibição do processo de carcinogênese. A partir do conhecimento de que as
proteínas do soro de leite são ricas em
Recentes pesquisas realizadas em
aminoácidos sulfurados, particularmente cisteína,
Campinas, SP, com câncer de cólon induzido em
e que são capazes de promover, in vivo, aumento
camundongos da linhagem A/J por azoximetano, da síntese de glutationa além do fato de a
confirmaram a eficácia das proteínas do soro de glutationa ser importante na proteção dos tecidos
leite bovino (WPC) na inibição de lesões intestinais epiteliais, iniciou-se em Campinas, SP, uma linha
pré-cancerígenas (focos de críptas aberrantes) e de pesquisa para explorar possível ação protetora
desenvolvimento de tumores de cólon do tipo das proteínas do soro de leite bovino na proteção
adenocarcinoma, bem como no estímulo à síntese da mucosa gástrica, contra vários agentes
de glutationa hepática e de imunoglobulina M agressores.
(IgM) por células de baço31. Nesta pesquisa,
Rosaneli et al.36-38 pesquisaram a ação de
comparou-se o poder antitumoral de quatro
um preparado (WPC), produzido em planta
concentrados protéicos, a saber, um WPC
piloto2, na inibição da ação ulcerogênica do etanol
preparado em Campinas, SP, em planta piloto2,
absoluto, da indometacina (antiinflamatório
um preparado de proteínas de soro (Immunocal),
preparado e patenteado no Canadá, uma caseína não-esteroidal) e de fatores de estresse como
comercial e um isolado de proteína de soja, imobilização e frio e estresse químico com
também comercial. A dieta utilizada foi a AIN-93 reserpina.
com uma das proteínas citadas como única fonte Os resultados dessas pesquisas permitiram
protéica (20g proteína/100g dieta). Não houve concluir que o WPC e seus hidrolisados enzimáticos
diferença entre as dietas para ganho de peso. O protegem a mucosa estomacal de ratos contra as

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agressões do etanol absoluto e da indometacina, em ratos, semelhantemente à da proteína de soja,

inibindo as lesões ulcerativas numa faixa de 50% contrariamente à caseína que tende a aumentar
a 80%, em relação a um controle negativo a colesterolemia sangüínea e a lipidemia hepática.
(solução salina fisiológica). Comparou-se também Sautier et al.44 estudaram por 49 dias o
com drogas específicas para o controle de úlcera efeito, em ratos, de dietas contendo 23% de uma
gástrica, como a cimetidina e a carbenoxolona, das seguintes fontes de proteína: proteínas de soro
cuja inibição foi da ordem de 80% a 90%. de leite, caseína, proteínas de soja ou de girassol.
Chegou-se ainda à conclusão, através de testes Observaram que os níveis de colesterol foram mais
de bloqueios metabólicos com reagentes altos nos ratos alimentados com dieta de caseína
específicos, que as vias operantes no mecanismo comparado com os ratos em dieta de proteína de
de proteção parecem envolver substâncias soro de leite. Embora os níveis de colesterol sérico
sulfidrilas como cisteína, glutationa e total e de HDL-colesterol tivessem sido idênticos
provavelmente enzimas que dependem de grupos nos grupos alimentados com proteína de soro, soja
sulfidrilos em seu centro catalítico. ou de girassol, a excreção fecal de esteróis neutros
Envolve também o ciclo das prostaglan- foi maior para o grupo em proteína de soja. Por
dinas, tendo sua síntese na mucosa gástrica outro lado, o colesterol hepático foi significa-
estimulada. As substâncias sulfidrilas, além da tivamente mais baixo nos ratos em dieta com
função redutora, protegem a mucosa através do proteína de soro, comparado com as demais dietas
seqüestro de radicais livres, que se formam em estudadas.
maior quantidade na presença dos agentes Os autores desta pesquisa concluíram que,
agressores. As prostaglandinas protegem a mucosa comparado com a dieta de caseína, a dieta com
gástrica através do estímulo à produção de muco proteína de soro provocou uma redução no
e de bicarbonato, que formam uma camada colesterol total e do HDL-colesterol, sem interferir
protetora da mucosa contra ulcerações. na excreção de esteróides neutros. Por outro lado,
Pesquisas recentes realizadas no exterior as dietas de soja e girassol diminuíram os níveis
e pelo grupo de Campinas39-41, SP, permitiram de HDL-colesterol sangüíneo, sendo que apenas
concluir que uma das proteínas do soro ativa contra a dieta de soja promoveu um aumento da
a ulceração gástrica é a ∝-lactalbumina e que a excreção fecal de esteróides.
β-lactoglobulina não apresenta ação antiulcero- Em outro estudo, Nagaoka et al.45, em
gênica, em ratos. pesquisa com ratos compararam os efeitos da
proteína de soja com as do soro de leite e
verificaram que os níveis de lipídios totais e de
Proteção ao sistema cardiovascular
colesterol foram significativamente diminuídos
pelo efeito das proteínas de soro, sendo que o
Pesquisas realizadas no exterior e em
efeito para as proteínas de soro foi mais
Campinas, SP, mostraram que proteínas do soro
significativo que para as proteínas de soja.
de leite bovino podem atuar de várias formas,
protegendo o sistema circulatório e cardíaco, Outro aspecto das proteínas de soro de
leite, que pode contribuir para a saúde car-
podendo contribuir, desta forma, para a dimi-
diovascular, está relacionado à descoberta de que
nuição dos riscos de patologias cardiovasculares.
a hidrólise enzimática de algumas dessas proteínas
Algumas pesquisas42-45 evidenciaram efeito liberam peptídios com ação hipotensora ou anti-
positivo das proteínas de soro na redução dos níveis hipertensiva46-48. Esses peptídios que podem ser
de triglicérides e do colesterol sangüíneo e/ou formados também a partir de outras proteínas
hepático. Jacobucci et al.42,43 mostraram efeito alimentares (soja, peixe, trigo, gelatina) são
positivo no abaixamento do colesterol sangüíneo, capazes de inibir a ação da enzima conversora

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de angiotensina I em angiotensina II (ACE). A O exercício físico, em geral, requer um

angiotensina I é um decaptídio inativo produzido maior aporte protéico, o que se deve a uma maior
nos rins, que é convertido em angiotensina II, um utilização de aminoácidos como fonte energética
octapeptídio com forte ação vasoconstritora, no metabolismo. Na atividade física, a diminuição
portanto, com ação hipertensora. Além da ação da disponibilidade de aminoácidos pode limitar o
hipertensora, a angiotensina II estimula a produção efeito estimulatório da insulina sobre a síntese
do hormônio aldosterona que age diminuindo a tecidual de proteínas61. Excessos na ingestão de
excreção renal de fluido e de sais, aumentando a proteínas podem, contudo, proporcionar efeitos
retenção de água e o volume de fluido extrace- negativos no metabolismo hepático e renal.
lular. Vários peptídios com ação inibidora da
Estudos com animais de laboratório,
ACE foram isolados e caracterizados a partir
de hidrolisados da β-lactoglobulina e da exercitados à exaustão, utilizando dietas com
∝-lactalbumina49-52. proteínas de soro de leite ou seus hidrolisados,
levaram a conclusões ligeiramente diferentes em
As proteínas do soro de leite poderão
função do tipo de dieta usada.
exercer vários efeitos benéficos sobre o sistema
cardiovascular graças às suas propriedades Tassi62, utilizando proteína de soro com
redutoras (cisteína, estímulo à síntese de 15% de grau de hidrólise, observou que ratos
glutationa), seqüestrantes de radicais livres submetidos a exercício exaustivo foram capazes
(glutationa, lactoferrina, lactoperoxidase) que são de manter os teores séricos de glicose e albumina
também inibidores da lipoxidação das e do glicogênio muscular. Por outro lado, Ramos63,
lipoproteínas e artérias. Peptídios derivados da utilizando um hidrolisado protéico de soro lácteo,
lactoferrina mostraram atividade anticoagulante, com 30% de grau de hidrólise não observou o
inibindo a agregação de plaquetas53. mesmo efeito protetor observado na pesquisa
anterior. Provavelmente o hidrolisado com 30%
de grau de hidrólise não tenha sido tão bem
Benefício à atividade esportiva absorvido e metabolizado quanto o de menor grau
de hidrólise (15%).
O exercício físico tem profundo efeito no Dieta suplementada com mistura de
metabolismo das proteínas54, no consumo de O2 proteínas de soro lácteo, parcialmente hidrolisadas
(VO2) acima dos níveis de repouso55, no transporte e carboidrato foi capaz de estimular a secreção
de aminoácidos56 e de glicose57, bem como na de insulina e aumentar os níveis de aminoácidos
concentração de lactato muscular58. plasmáticos com maior eficiência que dietas
Nos últimos anos tem-se verificado um suplementadas com proteína intacta (não
avanço importante da nutrição esportiva, com hidrolisada) ou com apenas carboidrato64.
base em princípios fisiológicos e bioquímicos59. Estudos realizados em Campinas, SP,
Uma alimentação especial pode promover melhor utilizaram ratos Wistar jovens recebendo dois tipos
saúde e otimizar os benefícios do treinamento. de dieta, proteína de soro isolada ou um
Sabe-se que aminoácidos e peptídios, hidrolisado (grau de hidrólise médio) resultante
como precursores da síntese protéica, exercem do mesmo isolado, submetidos a três condições
papel fundamental no organismo. Tem-se obser- experimentais: grupo sedentário, grupo treinado
vado que a oxidação da leucina, em ratos e grupo treinado à exaustão65,66. Foram avaliados
treinados, é superior à de ratos não treinados60, a evolução ponderal tempo de exaustão, concen-
portanto, o condicionamento físico aumenta o tração de lactato sangüíneo, glicose, albumina e
turnover e a oxidação da leucina e essa oxidação proteínas totais séricas, além de glicogênio e
é acelerada na media em que o organismo esteja proteína muscular. Os resultados mais relevantes
mais depletado de glicogênio. neste estudo mostraram que a proteína hidrolisada

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 PROTEÍNAS DO SORO DE LEITE | 405

promoveu melhor desempenho físico nos animais crescimento semelhantes à insulina I e II (IGF-I
treinados, evidenciado pela maior resistência à e IGF-II), fatores ácidos e básicos de estímulo ao
exaustão; o hidrolisado produziu redução do crescimento de fibroblastos (aFGF, bFGF), fatores
lactato sangüíneo e apresentou vantagem de transformação de tecidos (TGF-β1 e TGF-β2),
significativa quanto à manutenção dos níveis de além de vários outros não identificados69. No
albumina e de proteínas séricas totais. Foi possível conjunto, essas substâncias estimulam a
inferir, desta pesquisa, que o grupo de animais proliferação (mitogênese) de variados tipos de
em dieta de hidrolisado de proteínas de soro células, podendo substituir, em boa parte, o soro
tiveram melhor desempenho metabólico e foram fetal bovino comercializado com esta finalidade.
significativamente mais resistentes à exaustão que Pesquisadores australianos 69 estabeleceram
os ratos que receberam a dieta com proteínas de metodologias em nível piloto, para o isolamento
soro íntegras (não hidrolisadas). desses fatores do soro de leite, como um
Considerando que o exercício físico concentrado, estudando sua ação não somente
exaustivo causa depressão imunológica 67,68 , como estimulador do crescimento celular, mas
produção de radicais livres e catabolismo protéico também, como agente reparador de feridas
e que as proteínas do soro de leite e seus crônicas70. Um extrato total desses fatores de
hidrolisados agem estimulando o sistema imune crescimento estimulou o crescimento de
(celular e humoral) através do estímulo linfocitário fibroblastos com potência várias vezes maior que
e produção de anticorpos; que várias proteínas o observado para o soro fetal bovino. Demonstrou-
-se ainda que cada um desses fatores isoladamente
do soro de leite e seus produtos metabólicos são
não estimulou a multiplicação e o crescimento
antioxidantes e seqüestrantes de radicais livres,
celular, sugerindo que deve ser o efeito sinergístico
que essas proteínas são rapidamente digeridas e
do conjunto dos fatores que produz o resultado
absorvidas e que a composição de aminoácidos
desejado.
das mesmas favorecem a síntese de proteínas
musculares (aminoácidos de cadeias ramificadas) Pesquisa recente71 demonstrou a eficácia
é de se esperar que sua ação seja altamente do permeado da ultrafiltração do soro de leite
benéfica ao organismo humano e animal, antes, como fator de crescimento em meios de cultura
de Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium
durante e após períodos de exercícios intensos
lactis, probióticos utilizados na formulação de
e/ou prolongados.
alimentos funcionais.
É ainda oportuno citar que a ∝-lactalbumi-
Outros benefícios na faz parte do complexo enzimático responsável
pela síntese da lactose na glândula mamária,
Os conhecimentos sobre os mecanismos portanto muito importante no processo de síntese
de ação fisiológica das proteínas do soro de leite e excreção da lactose, um dos principais
são ainda muito incompletos, particularmente componentes do leite.
pouco se conhece sobre as funções e os benefícios
Pelo seu elevado teor de triptofano, a
de inúmeros componentes menores (natureza
∝-lactalbumina tem o poder de elevar o triptofano
protéica ou não-protéica) presentes no soro e
sangüíneo. Sendo o triptofano precursor do
recuperados em maior ou menor proporção nos neurotransmissor serotonina e do hormônio
isolados protéicos. neurosecretor melatonina, alguns autores72,73
No conjunto, essas substâncias têm sido atribuíram efeitos comportamentais da ingestão
chamadas de fatores de crescimento celular, dessa proteína no apetite, na saciedade, no humor,
incluindo neste grupo, além da lactoferrina18, uma na percepção da dor e no ciclo de dormir e
série de polipeptídios, incluindo os fatores de acordar.

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406 | V.C. SGARBIERI

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Milk microfiltrate, a convenient starting material
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for fractionation of whey proteins and derivatives.
sugerindo que algumas proteínas e peptídios de
In: Proceedings of the 3rd International Whey
origem alimentar poderão ter utilidade na pre-
Conference; 2001; Munich. Chicago: American
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verdadeiros mecanismos de ação dessas proteínas 6. Boirie Y, Dangin M, Gachon P, Vasson MP, Maubois
e peptídios e das quantidades que devem participar J-L, Beaufrère B. Slow and fast dietary proteins
da dieta para produzir seus efeitos benéficos. differently modulate post-prandial protein
Muitas das propriedades funcionais secretion. Proc Nat Acad Sci (USA) 1997; 94:
fisiológicas descritas nesta revisão estão 14930-5.
condicionadas à manutenção da integridade 7. Frühbeck G. Slow and fast dietary proteins. Nature
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métodos especiais de produção devem ser 8. Dangin M, Boiurie Y, Garcia-Rodena C, Gachon P,
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mercado e constituir-se em suplementos alimen- 112:1747-55.
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